FariasHelioCaetano_M - BNDES e a Privatização Do Território
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Nmero: 90/2008
Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Geocincias Departamento de Geografia
HLIO CAETANO FARIAS
O BNDES e as Privatizaes no Uso do Territrio Brasileiro
Dissertao apresentada ao Departamento de Geografia do Instituto de Geocincias como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Geografia.
Orientadora: Profa. Dra. Adriana Bernardes da Silva.
CAMPINAS SO PAULO
Agosto de 2008.
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II
by Hlio Caetano Farias, 2008
Catalogao na Publicao elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geocincias/UNICAMP
Farias, Hlio Caetano. F225b O BNDES e as privatizaes no uso do territrio brasileiro / Hlio Caetano Farias -- Campinas,SP.: [s.n.], 2008. Orientador: Adriana Maria Bernardes da Silva. Dissertao (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geocincias. 1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (Brasil). 2. Empresas de consultoria. 3. Privatizao - Brasil. 4. Territrio nacional. I. Silva, Adriana Bernardes da . II. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geocincias. III. Ttulo.
Ttulo em ingls: BNDES and privatizations in the use of Brazilian territory. Keywords: - BNDES;
- Consultancy companies; - Privatizations; - Corporate use of territory
rea de concentrao: Anlise Ambiental e Dinmica Territorial Titulao: Mestre em Geografia. Banca examinadora: - Adriana Maria Bernardes da Silva;
- Fbio Contel; - Mrcio Antonio Cataia.
Data da defesa: 29/08/2008 Programa: Geografia.
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IV
Lucila, esperana renovada.
com grande com amor e admirao
que dedico este trabalho.
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V
AGRADECIMENTOS
O trabalho acadmico fruto de diversas reflexes coletivas, seja no ambiente
universitrio ou no convvio cotidiano, por isso no poderia deixar de agradecer
diversas pessoas que contriburam para o amadurecimento desta pesquisa.
professora Adriana Bernardes pelo constante estmulo ao longo desta
pesquisa e por estar comprometida com a criao de um futuro promissor no ensino e
na pesquisa de Geografia na Unicamp.
Aos professores Mrcio Cataia e Fbio Contel pelos comentrios e avaliaes
crticas realizados no exame de qualificao, imprescindveis ao andamento da
pesquisa.
Aos funcionrios que gentilmente me receberam nas duas visitas ao BNDES:
Luis Ferreira Xavier Borges, Licnio Velasco Jr., Sarah Misrael Lachter e Gilmar. Sem a
prestativa colaborao dessas pessoas, no teria acesso a grande parte dos dados e
informaes contidas neste trabalho.
Aos colegas e amigos de ps-graduao onde muitas dvidas, angstias,
desabafos e alegrias foram compartilhados. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos:
Fabrcio Gallo, Silvana Silva, Thelma, Isabel Isoldi, Leandro Trevisan, Eloi Senhoras,
Cristiano Nunes, Alcides Manzoni Neto, Ana Paula Mestre.
s sempre prestativas secretrias da ps-graduao: Valdirene e Edinalva.
Ao Seu Anbal, porta de entrada do Instituto de Geocincias, cada vez mais
simptico e com uma sensibilidade incrvel.
Aos amigos do convvio cotidiano nestes dois ltimos anos em Campinas,
sempre presentes e dispostos a uma boa conversa: Andr Schuch, Jorge Henrique,
Carolina Ramkrapes, Andr Malavazzi, Alexandre Rodrigues, Robson Gabioneta,
Guilherme Godoy, Bernard Andrade, Mauro Vitalle, Murilo Antunes, Diego Carvalho,
Fernando, alm de muitos outros.
Ao amigo Lauro Mello, parceiro constante durante esses anos de mestrado,
sempre disposto a conversar sobre os rumos do territrio nacional.
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VI
Juliana Battochio, pela infinita ajuda e por sempre estar ao meu lado nas
diversas trincheiras da vida. O seu amor, estmulo e pacincia foram imprescindveis
para a realizao deste trabalho.
Aos meus queridos pais, Elias e Lucila, e irms, Luciana e Mara, por
permanecerem unidos, independente das adversidades da vida. Agradeo o estmulo,
a pacincia e o respeito. Aos meus sobrinhos: Kaio, Lucas, Maria Fernanda e Ana
Clara, pelos momentos felizes. Fontes constantes de inspirao!
***
Agradeo, por fim, a todos os amigos e colegas que contriburam direta e
indiretamente com as reflexes sobre o uso do territrio brasileiro.
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VII
Teramos agora chegado a uma espcie de paroxismo quanto necessidade de sermos desesperadamente modernos e quanto s dificuldades para pensar um Brasil brasileiro
(SANTOS, Milton, 2000b: 24)
O subdesenvolvimento, como o Deus Jano, tanto olha para a frente como para a trs, no tem orientao definida. um impasse histrico que espontaneamente no pode levar seno a alguma forma de catstrofe social. Somente um projeto poltico apoiado em conhecimento consistente da realidade social poder romper a sua lgica perversa. Elaborar esse conhecimento tarefa para a qual devem contribuir as universidades
(FURTADO, Celso, 1992:57)
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LISTA DE SIGLAS
ACESITA - Companhia de Aos Especiais Itabira
AOMINAS Aos Finos de Minas Gerais
ACRINOR Acrilonitrila do Nordeste
LCALIS Cia. Nacional lcalis
ARAFRTIL Arax Fertilizantes
BANESPA Banco do Estado de So Paulo
BEA Banco do Estado do Amazonas
BEC Banco do Estado do Cear
BEG Banco do Estado de Gois
BEM Banco do Estado do Maranho
BIRD Banco Interamericano de Reconstruo e Desenvolvimento Banco Mundial
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
BNDESPar BNDES Participaes
CBE Cia. Brasileira de Estireno
CBP Cia. Brasileira de Poliuretanos
CED - Comisso Especial de Desestatizao
CEDOC Centro de Documentao do BNDES
CELMA Companhia Eletromecnica Celma
CEPAL - Comisso Econmica para a Amrica Latina
CIQUINE Cia. Petroqumica
CMBEU - Comisso Mista Brasil Estado Unidos
CND - Conselho Nacional de Desestatizao
COSINOR - Companhia Siderrgica do Nordeste
COSIPA Companhia Siderrgica Paulista
CPC Cia. Petroqumica de Camaari
COPENE Petroqumica do Nordeste
COPERBO Cia. Pernambucana de Borracha Sinttica
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XV
COPESUL - Cia. Petroqumica do Sul
CQR Cia. Qumica do Recncavo
CSN Companhia Siderrgica Nacional
CST - Companhia Siderrgica de Tubaro
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DATAMEC Sistema de Processamento de Dados
EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronutica
EDN Estireno do Nordeste
EMBRAMEC - Mecnica Brasileira S. A.
ESCELSA Centrais Eltricas
EXIMBANK - Export-Import Bank
FIBASE - Insumos Bsicos S. A.
FMI Fundo Monetrio Internacional
FINSOCIAL - Fundo de Investimento Social
FOSFRTIL - Fertilizantes Fosfatados
GERASUL Centrais Geradoras do Sul do Brasil
GOIASFRTIL Gois Fertilizantes
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
LIGHT Servios de Eletricidade
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PND Programa Nacional de Desestatizao
IBRASE - Investimentos Brasileiro S.A
IFD Instituio Financeira de Desenvolvimento
OMC Organizao Mundial do Comrcio
PASEP - Programa de Formao do Patrimnio Pblico
PIS - Programa de Integrao Social
PPH Cia. Industrial de Polipropileno
PPP - Parceria Pblico-Privada
PQU Petroqumica Unio
RFFSA Rede Ferroviria Federal S.A.
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XVI
SEST Servio de Controle e Oramento das Empresas Estatais
SIDERBRAS Siderurgia Brasileira
SNBP Servio de Navegao da Bacia do Prata
SUMOC Superintendncia De Moeda e Crdito
TCU Tribunal de Contas da Unio
ULTRAFRTIL - Indstria e Comrcio de Fertilizantes
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
USIMINAS Usinas Siderrgicas de Minas Gerais
USP Universidade de So Paulo
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XVII
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCINCIAS
Ps-Graduao em Geografia
O BNDES e as Privatizaes no Uso do Territrio Brasileiro
RESUMO
Dissertao de Mestrado
Hlio Caetano Farias
A presente pesquisa visa contribuir com a interpretao sobre uso do territrio brasileiro a
partir da anlise do BNDES. A escolha desta instituio deve-se a sua importncia no
planejamento, financiamento e execuo dos principais projetos de desenvolvimento
vivenciados pelo pas desde meados do sculo XX. A histria do BNDES se confunde com a
histria da integrao do territrio e da industrializao nacional, ambas aliceradas numa
poltica de superao do subdesenvolvimento. Criado em 1952, no governo de Getlio
Vargas, o Banco tornou-se, desde ento, imprescindvel aos principais projetos ou planos
nacionais das mais diversas orientaes. No perodo atual, com a intensificao da
racionalidade da globalizao na formao socioespacial brasileira, o BNDES tornou-se
central na elaborao e operacionalizao de um quadro normativo e territorial favorvel
internacionalizao do territrio. O vigoroso processo de privatizao coordenado pelo
Banco, com o aval das empresas de consultoria, tem ampliando a desigual gerao e
apropriao de riqueza, bem como intensificado o uso corporativo do territrio.
Palavras-chave: BNDES, empresas de consultoria, privatizaes, uso corporativo do
territrio.
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XVIII
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCINCIAS
Ps-Graduao em Geografia
BNDES and Privatizations in the use of Brazilian territory
ABSTRACT
Dissertao de Mestrado
Hlio Caetano Farias
The present research intends to contribute with the interpretation about the use of
Brazilian territory, using, for this, BNDES analysis. The choice of researching this
institution is due to its planning importance, financing and execution of the major
development projects, lived by country since half of XX Century. BNDES history is
confused with the history of territory integration and with national industrialization, both
based on a politics of underdevelopment overcome. Born on 1952, on Getulio Vargas
government, the Bank has been, since then, essential to the major projects or national
plans of distinct orientations. In the present days, with the intensification of globalization
rationality on Brazilian socio-space formation, BNDES has been a central point for the
elaboration and operationalization of a normative and territorial scene, in favour of the
territory internationalization. The vigorous privatization process coordinated by the Bank,
with the endorsement of consultancy companies, has been enlarging the unequal
generation and appropriation of richness and intensifying the corporate use of territory.
Key-words: BNDES, consultancy companies, privatizations, corporate use of the territory.
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1
INTRODUO
A organizao territorial brasileira tem sido marcada por grandes desigualdades
e por diferentes usos corporativos. O perodo contemporneo tem acirrado a
polarizao entre a riqueza e a escassez socioespaciais.
A histria do BNDE1 se confunde com a histria da integrao e da
industrializao nacional. Criado em 1952, no governo Getlio Vargas, o Banco visava
atender a demanda por financiamentos de longo prazo. A industrializao era uma
prioridade como estratgia de desenvolvimento nacional e de superao estrutural da
condio de subdesenvolvido. Em pouco tempo, a instituio se tornou uma das
principais referencias de planejamento da burocracia estatal brasileira. Desde ento, o
Banco situa-se como instituio-chave dos principais projetos ou planos nacionais das
mais diversas orientaes.
No perodo contemporneo, o planejamento territorial caracteriza-se, como
defende Vainer (2007), por uma desconstituio poltica e operacional. Com as
recentes polticas neoliberais, o Estado perde grande parcela do controle poltico e
econmico do territrio e h uma aceitao passiva da estratgia de insero
competitiva nos mercados internacionais. Amplia-se, assim, a fragmentao das
estruturas produtivas do pas e intensifica-se o uso corporativo do territrio (SANTOS
& SILVEIRA, 2001).
Tal situao reafirma a discusso sobre o territrio, tanto como uma categoria
de anlise, quanto como um elemento para resgatar uma estratgia de
desenvolvimento autnomo para o pas. O territrio, a partir do referencial terico
proposto por Santos (1996), um dos grandes reveladores das contradies e crises
do Brasil contemporneo.
1 S em 1982, com a incorporao dos recursos do Fundo de Investimento Social (Finsocial), o BNDE agregou a letra S em sua sigla e passou, portanto, a se chamar BNDES. Neste trabalho, adota-se esta perspectiva temporal quando se usa os termos BNDE ou BNDES.
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2
O primeiro captulo deste trabalho busca analisar a expanso do meio tcnico-
cientfico. As preocupaes com a industrializao, com a integrao do territrio e
com a superao do subdesenvolvimento fundamentaram a criao do BNDE e, por
conseguinte, orientaram suas opes polticas.
A difuso seletiva do meio tcnico-cientfico e as diferentes polticas de
planejamento territorial do Estado serviram de base, neste trabalho, para uma
periodizao da atuao do BNDES na formao socioespacial brasileira, que, grosso
modo, parte de quatro grandes momentos. O primeiro ressalta o papel do BNDE no
financiamento dos macrossistemas de energia e transporte; o segundo caracteriza a
importncia do BNDE na ampliao dos circuitos produtivos industriais; o terceiro
mostra a inflexo das prioridades histricas do BNDES frente ao processo de
globalizao, com destaque para a estratgia de integrao competitiva nos mercados
internacionais; e, o quarto, busca mostrar como o BNDES foi um dos principais
responsveis pela poltica de privatizao e pela ampliao do uso corporativo do
territrio.
Este ltimo perodo, proposto em nossa na periodizao, tem a sua anlise
desdobrada no segundo captulo. O BNDES firmou-se como um locus de redefinio da
poltica de Estado. As proposies elaboradas pelo Banco durante a dcada de 1980
serviram de base para que o Estado brasileiro comeasse a realizar suas primeiras
privatizaes.
O acirramento da internacionalizao do capital fundamenta-se, hoje, na
crescente unicidade tcnica e na convergncia de um quadro poltico-normativo em
escala mundial, tem-se, assim, a possibilidade concreta de se fragmentar a produo
em diferentes lugares do planeta, ao passo que o comando tende a ser cada mais
centralizado (SANTOS, 1996).
Em grande medida, a narrativa da modernizao normativa e territorial, em
curso em diversos pases, tem por base as recomendaes de organizaes mundiais,
mormente o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetrio Internacional (FMI), como
uma condio sine qua non para o progresso tcnico e para o desenvolvimento
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3
socioeconmico dos pases subdesenvolvidos. O papel desses impulsos globais,
fomentando reformas neoliberais, ser analisado neste segundo captulo.
No final do segundo captulo, ser analisado o papel das empresas de
consultoria nos mercados crescentemente internacionalizados. A reflexo sobre o
planejamento territorial contemporneo necessita, inevitavelmente, considerar o papel
exercido por essas empresas, que vm se afirmando como imprescindveis
elaborao de polticas governamentais, pois melhor representam as prerrogativas do
iderio da globalizao.
As empresas de consultoria ao trabalharem e, conseqentemente, controlarem
informaes estratgicas das situaes socioespaciais de diferentes territrios tornam-
se fundamentais no rol das estratgicas corporativas dos grupos empresarias, bem
como na assessoria das burocracias dos Estados nacionais ansiosas por fazerem
reformas neoliberais.
No caso brasileiro, as empresas de consultoria incorporaram nos ltimos anos
importantes funes, antes exercidas apenas por instituies governamentais. Na
dcada de 1990, o leque de atuao dessas empresas abrangeu desde a anlise
financeira do patrimnio estatal at a elaborao de estudos e a proposio de
projetos para o territrio nacional (SILVA BERNARDES, 2001; MANZONI NETO, 2007).
No terceiro e ltimo captulo sero tratados os ajustes internos, ou seja, como
o Estado Brasileiro internalizou o conjunto de reformas pelas quais passavam
diferentes territrios nacionais. O BNDES, uma das instituies estatais em que a
lgica de funcionamento dos mercados mais se incrustou, defendeu uma nova
orientao para o Estado. Na dcada de 1990, atravs da experincia e da
participao ativa do Banco, o governo brasileiro promoveu uma grande reorganizao
do territrio, com o intenso processo de privatizao das empresas e servios estatais.
Este trabalho tem, portanto, a inteno de contribuir com a interpretao das
transformaes e usos do territrio brasileiro a partir da anlise do BNDES. Os
impulsos globais em favor das privatizaes de empresas e servios estatais
implicaram em grandes transformaes na formao socioespacial brasileira,
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4
intensificando as histricas desigualdades. A atuao recente do BNDES contribuiu
para ampliar o uso corporativo do territrio, uma vez que as solidariedades orgnicas
e organizacionais firmadas por meios dos circuitos de produtivos esto, agora,
privatizados e, em grande medida, desnacionalizados.
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CAP. 1 - AS UTOPIAS DO DESENVOLVIMENTO: PROJETOS NACIONAIS E
A EXPANSO DO MEIO TCNICO-CIENTFICO
1.1 O advento do meio tcnico-cientfico e a renovao da materialidade do
territrio
So diversos os estudos que visam explicar o processo de industrializao no
Brasil, bem como as etapas da integrao territorial. No entanto, poucos estudos
partem do territrio como uma instncia analtica da sociedade. Tal esforo exige uma
compreenso das principais variveis responsveis pela organizao do espao. Trata-
se, como definiram Santos & Silveira (2001: 23), de um projeto ambicioso, pois
pretende fazer falar a nao pelo territrio.
Parte-se, desse modo, da compreenso de que o espao geogrfico um dos
entes analticos das situaes presentes. E como tal pode ser interpretado como um
conjunto indissocivel de sistemas de objetos de sistemas de aes (SANTOS, 1996).
H, portanto, uma relao dialtica entre o espao e a sociedade a ser desvelada.
Com este partido de mtodo, evita-se cair no risco de estudar a espacialidade
dos processos sociais, ou seja, conceber o espao geogrfico apenas como a forma
material resultante das aes sociais. Busca-se, assim, partir de uma viso unitria
entre o espao e a sociedade, entre as aes sociais e as formas-contedo.
Cada recorte do espao geogrfico acolhe de maneira particular a combinao
de objetos e aes. Um desses recortes o territrio; no entanto, no o territrio
em si, ou seja, somente a sua dimenso material, mas o territrio compreendido
atravs da dimenso material e os seus usos sociais (SANTOS, 1994; SANTOS &
SILVEIRA, 2001: 247).
A indissociabilidade entre o estado das tcnicas e das aes cria um conjunto
particular de possibilidades dinmica social. Cada movimento histrico cria suas
formas espaciais, numa combinao entre a diviso do trabalho e as particularidades
naturais e histricas dos lugares. A organizao do espao, portanto, resultado
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6
desse embate entre a crescente criao de novas formas espaciais e as formas
pretritas, somadas teia de relaes sociais contempornea.
O territrio brasileiro , ao mesmo tempo, o resultado da soma e da sntese da
histria de suas regies. A densidade tcnica e os usos correspondentes fizeram com
as diversidades se transformassem, ao longo dos sculos, em disparidades ou
desigualdades regionais. As diversas divises do trabalho legaram ao pas uma
organizao territorial diversa e fragmentada. A interpretao dessas transformaes a
partir de um enfoque geogrfico exige, indubitavelmente, uma periodizao. Ou seja,
exige-se um esforo para identificar as variveis centrais que, em cada intervalo de
tempo, iro comandar o sistema de variveis, esse sistema de eventos que
denominamos perodo. Eis o princpio a partir do qual podemos valorizar os processos
e reconhecer as novidades da histria do territrio (SANTOS & SILVEIRA, 2001: 23).
A tcnica, a cincia e a informao configuram-se como mediaes essenciais
de interpretao do perodo histrico e, por extenso, da natureza contempornea do
espao geogrfico2. A unio entre tcnica e cincia esboada desde o sculo XVIII,
com a Revoluo Industrial ganha mpeto na dcada de 1940, no aps Segunda
Guerra Mundial, e se intensifica a partir da dcada de 1970.
Segundo Radovan Richta (1971), as transformaes engendradas pelo avano
tcnico-cientfico remodelaram as bases da civilizao ou, em termos mais amplos, as
bases da existncia humana. O autor buscou analisar teoricamente a profunda
interao entre cincia e tcnica nos desgnios do sistema produtivo e de suas
implicaes na prpria organizao do espao3.
2 A noo de tcnica aqui utilizada pressupe que as tcnicas so um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espao (SANTOS, 1996: 25) 3 Radovan RICHTA (1971: 09), j no incio da dcada de 70, escrevera: la profundidad, la rapidez y la amplitud e las transformaciones en la produccin, de las novedades tcnicas y de los descubrimientos cientficos en todo el mundo indican que en la actualidad se ponen em movimiento procesos que modifican desde la base la estructura de las fuerzas productivas de la sociedad, la base material de la vida humana, superando ampliamente los limites de las conquistas que hasta el movimento haba logrado la civilizacin (...) el medio natural es suplantado por otro artificial, creado por el hombre; la
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7
Por conseguinte, a produo capitalista e o desenvolvimento cientfico
tornaram-se parte de um processo unitrio; a cincia assume a caracterstica de fora
produtiva, pois medida que a indstria foi descobrindo que a cincia podia ser cada
vez mais uma fora produtiva, foi submetendo a produo de conhecimentos
cientficos mesma diviso de trabalho a que estava sujeita a produo de qualquer
outra mercadoria (MAMIGONIAN, 1982: 39). Tais transformaes so o fulcro para a
emergncia de novo perodo histrico, denominado de perodo tcnico-cientfico.
Santos (1996), no esforo de interpretar essa discusso a partir de um enfoque
geogrfico, elucida que a histria da sociedade , em grande medida, a histria da
substituio do meio natural, atravs do trabalho, para um meio cada vez mais
tcnico, artificializado. O espao geogrfico, mediado por tcnicas, acumula formas
geogrficas de momentos histricos distintos. o trabalho, segundo o autor, que
humaniza o espao e o deixa cada vez mais dotado de intencionalidade.
As tcnicas, como resultado do trabalho, so um fenmeno histrico e, por
isso, situam-se com variveis importantes na interpretao da histria recente da
formao socioespacial brasileira4.
A ocupao e, por conseguinte, a integrao do territrio brasileiro podem ser
narradas como a histria de transformao do meio geogrfico, no sentido de
superao das condies impostas pela natureza.
De modo geral, pode-se afirmar que no perodo colonial, em virtude das
demandas advindas da metrpole, as terras portuguesas na Amrica conheceram
ciencia se incorpora a toda la vida humana y abre constantemente nuevas dimensiones del movimiento. Los hombres se apoderan gradualmente de la base de su propia existencia 4 O conceito de formao socioespacial foi proposto por Santos (1982) a partir da releitura das contribuies marxistas sobre a formao econmica e social. De acordo com Santos (1982:14) modo de produo, formao social, espao essas trs categorias so interdependentes. Todos os processos que, juntos, formam o modo de produo (produo propriamente dita, circulao, distribuio, consumo) so histrica e espacialmente determinados num movimento de conjunto, e isto atravs de uma formao social. Com essa proposio, Santos (1982) pretendeu romper com as interpretaes dualistas, comum nas cincias sociais, que separavam as anlises do espao e da sociedade. Do mesmo modo, pretendeu (re)afirmar o espao como importante campo de anlise das dinmicas da sociedade.
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8
gradualmente ondas de modernizao territorial5, com a incorporao de um conjunto
de novas tcnicas. Diversas mudanas qualitativas e quantitativas na composio e no
uso do territrio surgiam com o desenvolvimento de atividades produtivas agrcolas e
de explorao mineral. Em poucos sculos, a formao socioespacial brasileira se
constitua em conjunto de ilhas ou pontos no territrio em que uma produo,
sobretudo voltada para a exportao, ocorria de forma seletiva e a circulao
mecanizada se realizava de forma restringida.
Cano (1998: 312) assevera que anterior a dcada de 1930 a economia
nacional no era integrada e cada uma de suas regies havia tido uma histria e uma
trajetria econmica especficas, que lhe deixaram uma herana cultural, demogrfica
e econmica (...) demarcadora de diferentes graus de pobreza absoluta e relativa e de
diferentes estruturas produtivas.
At ento, priorizava-se um modelo de desenvolvimento voltado exportao
de produtos primrios. O uso do territrio resultante desse projeto resultava em uma
situao comum aos pases de capitalismo dependente6, nos quais o desenvolvimento
dos sistemas produtivos e a ampliao dos meios de circulao no se estruturaram
em prol de uma integrao nacional, mas respondendo s demandas externas.
a partir do sculo XX, com a implantao de grandes sistemas tcnicos,
sobretudo com as ferrovias e os portos, que o territrio brasileiro direciona-se no
sentido de criar uma maior integrao econmica entre as regies produtivas.
Emergia, como colocam Santos & Silveira (2001: 27), um meio tcnico da circulao
mecanizada e da industrializao balbuciante, ao passo em que se iniciava a
interiorizao da urbanizao. 5 De acordo com Silveira (1999: 22) modernizao territorial refere-se ao resultado de um processo pelo qual um territrio incorpora dados centrais do perodo histrico vigente que importam em transformaes nos objetos, nas aes, enfim, no modo de produo 6 Sampaio Jr (1999: 90) conceitua o capitalismo dependente da seguinte forma: O capitalismo dependente , portanto, um capitalismo sui generis que se caracteriza pela reproduo de uma srie de nexos econmicos e polticos que bloqueiam a capacidade de a sociedade controlar seu tempo histrico. O problema que a posio subalterna na economia mundial e a falta de acumulao comprometem as propriedades construtivas do capitalismo com motor do desenvolvimento das foras produtivas e exacerbam suas caractersticas anti-sociais, antinacionais e antidemocrticas. Por isso, no capitalismo dependente existem contradies irredutveis que impedem que a sociedade nacional consiga submeter acumulao de capital a seus desgnios.
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9
Tratava-se de uma integrao limitada, pois a industrializao, como vetor
interno, apenas comeava a moldar a organizao do territrio brasileiro. A produo
agrcola, sobretudo em So Paulo, foi um dos principais condicionantes desse processo
ao gerar a acumulao de capital necessria para a implantao de sistemas tcnicos.
Ao mesmo tempo em que as diferentes estruturas produtivas do pas comeavam a se
articular, as disparidades regionais se aceleravam. Exigia-se, assim, que o Estado
criasse instrumentos de planejamento eficazes para coordenar as mudanas na
estrutura produtiva do pas.
A partir da dcada de 1930, com o governo de Getlio Vargas, o Estado,
mediante o planejamento, buscava criar as condies para que o pas superasse a
condio de subdesenvolvimento7. A opo por uma poltica de substituio de
importaes enquadrava-se na crena que a industrializao seria o meio mais eficaz
para o pleno desenvolvimento do pas.
Segundo Furtado (1979: 235)
a industrializao no , entretanto, simples resposta a uma
diversificao da procura. Ela exige aumento da dotao de capital
por unidade de outros fatores e acarreta uma mais intensa
assimilao do progresso tcnico e melhora da qualidade do fator
humano. Em conseqncia, com a industrializao aumenta a
flexibilidade da estrutura produtiva
No entanto, o mesmo Furtado (1979) alertava que os efeitos propulsores do
desenvolvimento adviriam se o dinamismo industrial estivesse estruturado de forma a
compatibilizar a capacidade produtiva com um nvel adequado de investimento no
conjunto da sociedade, sobretudo com a correo das disparidades socioespaciais.
7 A idia de subdesenvolvimento, neste trabalho, espelha-se nas contribuies de Furtado (1979) para tal tema. Segundo este autor, o subdesenvolvimento no um estgio, tampouco uma etapa para o desenvolvimento da qual os pases avanados j passaram; ele resultante de um processo histrico singular, prprio da expanso das economias capitalista.
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10
Ademais, Furtado (1979; 1992) considera que a industrializao por
substituio de importaes foi poltica necessria, mas no suficiente para alcanar o
desenvolvimento8. A insero subordinada do Brasil no mercado internacional tendia a
se agravar, pois, como os demais pases perifricos, o Brasil se especializou na
exportao de produtos primrios e tornou-se um grande importador de produtos
manufaturados. A ideologia do desenvolvimento passou a confundir-se com a
introduo de novos produtos finais de consumo e, com isso, a importao de certos
padres de consumo9.
Para Furtado (1979), a industrializao por substituio de importaes, bem
como a conseqente modernizao dependente, tem em comum o fato de serem
adaptaes das mudanas estruturais do sistema econmico mundial. Trata-se, desse
modo, da prpria evoluo do processo de dependncia.
O fenmeno do subdesenvolvimento , portanto, uma manifestao histrica e
espacial de complexas relaes de dominao interna e dependncia externa, que
deixado ao sabor das orientaes do mercado tende a se autoperpetuar (FURTADO,
1979; 1992).
A interpretao das modernizaes territoriais, impulsionadas pela
industrializao, no pode, por conseguinte, ser compreendida fora das estruturas
polticas e econmicas da diviso internacional do trabalho.
, neste sentido, que Santos & Silveira (2001: 47) escrevem:
O peso da ideologia do crescimento, a correspondente atrao pelo
desenvolvimento industrial, apontada como pancea, as necessidades
do consumo interno, o imperativo de afirmar o Estado sobre a nao
8 A noo de desenvolvimento, aqui incorporada, reflete aquilo que Furtado (1994) define como a possibilidade plena de realizao do homem, e no somente a maior racionalidade e eficincia dos sistemas econmicos. Portanto, o desenvolvimento leva, inevitavelmente, ao bem-estar da populao. 9 A teoria do subdesenvolvimento parte do princpio que a relao histrica centro-periferia permitia que a incorporao do progresso tcnico ocorresse de forma desarticulada do desenvolvimento das foras produtivas, criando assim um descompasso entre a modernizao dos padres de consumo e a modernizao dos meios de produo. Para uma discusso do processo de industrializao brasileiro e do subdesenvolvimento, consultar Furtado (1974; 1979; 1992) e Sampaio Jr. (1999).
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e a indispensabilidade de um comando eficaz sobre o territrio eram
argumentos de peso, embora muito deles fossem exclusivamente
ideolgicos
O planejamento inseria-se, assim, como um instrumento do Estado primordial
acelerao de um novo padro de acumulao de capital. O territrio brasileiro
conhece novos usos e tem no planejamento um das principais vias de modernizao
territorial.
Bertha Becker e Cludio Egler (1998: 81) coadunam com essa discusso ao
afirmarem que medida que as foras do mercado eram insuficientes para garantir o
processo de desenvolvimento dos pases perifricos latino-americanos, o planejamento
estatal era a via indispensvel para a industrializao nacional. Buscava-se, portanto,
construir um ncleo endgeno de acumulao que pudesse gerar autonomamente seu
prprio dinamismo.
Andrade (1977) afirma que o planejamento despontou como um mecanismo de
correo das disparidades territoriais do pas e, ao mesmo tempo, como um elemento
fundamental de propagao do meio tcnico-cientfico (SANTOS, 1996).
Contudo, o alargamento do contexto da industrializao e da integrao
territorial - mediante os investimentos em sistemas de engenharia, tais como portos,
usinas hidreltricas, redes de transmisso de energia, ferrovias, telgrafos, entre
outros - eram limitados devido a pouca capacidade de financiamento existente no
pas10. Isso decorria, de acordo com Contel (2006), em virtude de dois grandes
problemas: a) a insuficincia de mecanismos tributrios do Estado para financiar os
projetos que exigiam vultosos capitais; b) a incipiente formao do empresariado
nacional.
A continuidade dessas transformaes no territrio brasileiro, com
10 Contel (2006) coloca, no entanto, que as necessidades de financiamento fizeram com que fossem criados Bancos Federais de desenvolvimento, que visavam explorar as potencialidades regionais do pas e atrair os investimentos produtivos e financeiros. Enquadravam-se nesta poltica o Banco de Crdito da Borracha (1942) e a Caixa de Crdito Cooperativo, ambos relacionados regio amaznica.
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investimentos nos macrossistemas11 de engenharia e nas indstrias de base, exigia do
aparelho estatal mecanismos eficazes de planejamento, e, agora, de instituies de
financiamento de longo prazo. Os bancos privados financiavam somente operaes de
curto prazo que possibilitassem um retorno garantido; financiavam, portanto, as
empresas j estabelecidas no mercado e com baixo risco de inadimplncia (ALEM,
1997).
A estratgia do planejamento pautava-se no interesse governamental de
articular o sistema econmico nacional, que at ento se caracterizava pelos vnculos
das produes regionais com o mercado externo. A integrao territorial e o
financiamento do processo de industrializao foram elementos essenciais para esse
momento histrico de construo de um projeto nacional.
neste contexto de transformao do meio geogrfico, de formao de um
mercado interno, de industrializao, de conhecimento das particularidades do
territrio e da necessidade de financiamento, que o governo brasileiro criou o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE), que pode ser considerado um
exemplo da proeminncia de fatores polticos na formao de um sistema econmico
nacional (FURTADO, 1992).
A criao do BNDE em 1952, no segundo governo de Getlio Vargas (1951-54),
responde a essa necessidade de financiamento dos macrossistemas tcnicos e,
conseqentemente, da expanso do meio tcnico-cientfico no territrio nacional.
Moraes (2002) afirma que o aparato estatal se revestiu de uma nova ideologia
geogrfica12, na qual as polticas territoriais substantivavam o projeto poltico de
11
Entende-se por macrossistemas tcnicos o que Santos (1996: 142) descreve como queles sistemas de tcnicas sem os quais os outros sistemas tcnicos no funcionam, que se materializam em barragens, ferrovias, rodovias, portos, aeroportos, sistemas de telecomunicaes, etc., constituindo, assim, o fundamento material das redes de poder.
12 Moraes (1988: 44) coloca que as ideologias geogrficas alimentam tanto as concepes que regem as polticas territoriais dos Estados, quanto autoconscincia que os diferentes grupos sociais constroem a respeito de seu espao e da sua relao com ele. So a substncia das representaes coletivas acerca dos lugares, que impulsionam sua transformao ou acomodamento nele. Exprimem, enfim, localizaes e identidades, matrias-primas da ao poltica. De acordo com este mesmo autor (2002) as ideologias geogrficas sempre foram um mote ideolgico de afirmao do Estado perante a nao. Os fundos
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construo do Brasil moderno. A noo de modernizao tornou-se, portanto, central,
uma vez que modernizar, segundo Moraes (2002: 121), implicava em "reorganizar e
ocupar o territrio, dot-lo de novos equipamentos e sistemas de engenharia,
conectar suas partes com estradas e sistemas de comunicao.
Nas suas primeiras dcadas de atuao, o BNDE se caracterizou como um
instrumento propulsor de modernizaes do territrio nacional. Suas principais aes
buscavam fomentar os mecanismos de apoio ao desenvolvimento industrial. As
prioridades do Banco estavam no financiamento da realizao de obras e programas
que previam a instalao, desenvolvimento ou ampliao dos sistemas de transporte e
portos; dos sistemas de energia eltrica, das indstrias de base e do desenvolvimento
da agricultura (IANNI, 2004: 42).
No intuito de compreender a difuso seletiva do meio tcnico-cientfico e sua
relao com as polticas territoriais do Estado ser feita, no prximo item, uma breve
periodizao da atuao do BNDES na formao socioespacial brasileira.
territoriais, as idias de construo do pas, civilizao, modernizao, desenvolvimento, e, agora, globalizao, servem de fulcro para a afirmao de polticas territoriais.
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1.2 A Integrao em Marcha: O BNDE e a difuso seletiva do meio tcnico-
cientfico
A questo central deste trabalho volta-se para a atuao do BNDES na
reorganizao do territrio nacional durante a dcada de 1990. No entanto, para o
entendimento das transformaes do Banco frente aos atuais impulsos da globalizao
torna-se necessrio um breve resgate de sua histrica importncia na formao
socioespacial brasileira.
A periodizao, como recurso de mtodo, impe-se como essencial a anlise
geogrfica. De acordo com Santos (1985: 22) a noo de espao assim inseparvel
da idia de sistemas de tempo. A cada momento da histria local, regional, nacional
ou mundial, a ao das diversas variveis depende das condies do correspondente
sistema temporal.
O Banco, em virtude da sua importncia, foi objeto de vrios estudos,
sobretudo os que se preocupam em analisar o processo de industrializao e a
formao do mercado interno. Dentre estes estudos, diversas periodizaes foram
propostas, como nos trabalhos de Sheila Najberg (1989), Dulce Monteiro Filha (1994
[1989]), Ana Alem (1997), Cludia Curralero (1998), Adriana Diniz (2004), Gilberto
Silva Jr. (2004), alm, claro, das periodizaes propostas pelo prprio banco, como,
por exemplo, no livro comemorativo de seu cinqentenrio BNDES: 50 Anos de
Desenvolvimento (2002).
Najberg (1989) divide a histria do BNDES em trs fases: a primeira abarca o
perodo de 1952 a 1956, no qual se destacam os investimentos em infra-estrutura; a
segunda situa-se entre 1957 a 1964, com a prioridade em investimentos na indstria
nacional; a terceira fase abarca o perodo de 1964 a dcada de 1980, no qual o banco
d prioridade aos investimentos nas empresas privadas.
Monteiro Filha (2002 [1994]) divide a atuao do BNDES em cinco perodos: o
primeiro, denominado de Criao, situa-se entre os anos de 1952 a 1956, com
prioridade aos financiamentos dos sistemas de transportes (principalmente ferrovias) e
a energia eltrica, ambos indicados pela Comisso Mista Brasil-Estados Unidos
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(CMBEU). O segundo, denominado de Consolidao, restringe-se ao perodo de 1957 a
1963, com a atuao do Banco voltada execuo dos projetos definidos pelo Plano
de Metas. O terceiro, considerado de Diversificao, abarca o perodo de 1964 a 1973,
caracterizado pela maior diversificao dos financiamentos, pois o BNDE passou a
apoiar um maior nmero de programas governamentais, mesmo que os recursos
continuassem concentrados nos setores siderrgicos e transporte. O quarto perodo,
com o II PND, situa-se entre 1974 e 1978, com a nfase no financiamento de insumos
bsicos (siderurgia, qumica e petroqumica, papel e celulose e metalurgia de no-
ferrosos) e de indstrias de bens de capital, com nfase na disponibilizao de
recursos para o setor privado nacional. O quinto perodo, denominado de Pr-Crise,
entre 1979 a 1981, os setores de energia eltrica e a siderurgia obtiveram os maiores
financiamentos, no entanto foi identificada a necessidade de deslocamento na
estratgia de atuao, especialmente de apoio infra-estrutura de interesse social e
produo de bens de consumo essenciais, em particular de origem agropecuria e
agroindstria (MONTEIRO FILHA, 1994: 420-421). A autora situa o sexto perodo,
considerado Perodo da Crise, entre os anos de 1982 a 1989, no qual o Banco no
apresentava diretrizes claras de suas prioridades polticas e de financiamento.
Ana Alem (1997), por sua vez, divide a histria do BNDES em cinco perodos: o
primeiro vai de 1952 a 1964, no qual o Banco concentrou seus financiamentos nos
setores de transporte, energia e siderurgia. O segundo abarca de 1964-1974, quando
o BNDE ampliou os financiamentos aos setores privados. O terceiro perodo, entre
1974 e incio da dcada de 1980, o banco foi o principal executor do II PND, com
destaque para o maior financiamento dos setores de bens de capital e de insumos
bsicos. O quarto perodo, entre os anos de 1980 e incio da dcada de 1990, houve
uma significativa desacelerao dos desembolsos do BNDES, o que refletiu, em
grande medida, a retrao dos investimentos pblicos e privados, decorrente,
principalmente, da alta instabilidade macroeconmica que caracterizou o perodo
(ALEM, 1997: 04). O quinto perodo, a partir de 1994, o Banco optou por uma poltica
de modernizao, que se pautou na insero competitiva do Brasil no comrcio
internacional.
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Cludia Curralero (1998) analisa o papel o BNDES, na perspectiva de uma
Instituio de Fomento ao Desenvolvimento (IFD)13, nos diferentes contextos
macroeconmicos entre o perodo de 1952 e 1996. A autora identifica duas grandes
fases. A primeira, entre os anos de 1952 a 1979, em que possvel encontrar
elementos polticos e econmicos comuns, atravs da vigncia de um modelo
econmico marcado pela forte presena estatal, elevadas taxas de crescimento
econmico, crescente participao do capital externo no financiamento e polticas
industriais fundamentadas em grandes projetos, como o Plano de Metas e o II PND. A
segunda fase inicia-se a partir do incio da dcada de 1980, quando o BNDES passou a
redefinir a sua funo ao afastar-se, gradativamente, do perfil de uma IFD. Desta
segunda fase desdobram-se trs grandes momentos. O primeiro, no incio da dcada
de 1980, o BNDE, em virtude do cenrio de crise econmica, priorizou o auxlio
econmico e financeiro s empresas que estavam em dificuldade financeira. O
segundo momento, a partir de meados da dcada de 1980, o BNDES no apresentava
uma estratgia consistente de financiamento. E, por fim, o terceiro momento, no incio
da dcada de 1990, o BNDES se destacou como a principal instituio Programa
Nacional de Desestatizao (PND) e sua atuao se distanciou das estratgias
histricas de uma IFD.
A periodizao proposta pelo livro institucional BNDES: 50 anos (2002) est
dividida em dcadas e no h um esforo de articular as principais aes e dot-las de
uma coerncia poltica, histrica e espacial. Sendo assim, observa-se a seguinte
periodizao: dcada de 1950, destaque para os financiamentos nos setores de
transporte e energia, que consumiram mais de 60% do total desembolsado pelo banco
na dcada14. O segundo perodo corresponde a dcada de 1960, financiamento das
13 Segundo Curralero (1998), as Instituies de Fomento ao Desenvolvimento se destacam na implementao de atividades de fomento, que apresentam um papel importante ao possibilitarem a realizao de projetos de indiscutvel mrito social, ou projetos cujos resultados no so traduzveis em termos econmicos, gerando externalidades positivas para a sociedade. Atuam tambm no sentido de viabilizar projetos de investimento importantes, mas relegados pela iniciativa privada em funo dos problemas relativos: escala, aos custos informacionais e de transao, magnitude dos montantes a serem financiados e os vinculados incerteza do risco do retorno. (CURRALERO, 1998: 01). 14 O transporte, por tratar-se de atividade essencial e deficitria, foi o primeiro setor apoiado pelo BNDES: no ano da criao do Banco, o nico financiamento efetivamente aprovado se destinou
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indstrias de base, das indstrias de transformao e a diversificao dos desembolsos
em favor das pequenas e mdias empresas privadas15. A dcada de 1970, terceiro
perodo, auge da poltica de substituio de importaes e de grandes projetos de
desenvolvimento, o BNDE centralizou sua atuao no financiamento das empresas
privadas nacionais16. Na dcada de 1980, o BNDES passou por uma reestruturao
administrativa e estratgica. O Banco passou a incorporar as questes sociais e
ambientais em suas polticas17. Nos anos 1990, o BNDES se dedicou a operacionalizar
o processo de privatizao e foi incumbido, pelo governo federal, de ser o gestor do
Fundo Nacional de Desestatizao, tornando-se o rgo responsvel pelo suporte
administrativo, financeiro e tcnico do Programa Nacional de Desestatizao (BNDES,
2002: 148-149).
De acordo com Diniz (2004), o BNDES pode ser dividido em dois grandes
momentos: o primeiro abarca os anos de 1952 a 1989, na qual o Banco assume o
papel de agente de desenvolvimento. Este primeiro perodo tem, por sua vez, uma
subdiviso interna, a saber: de 1952 -1964, com destaque para o financiamento do
setor pblico, principalmente os setores do ao e da eletricidade; de 1964-1970,
financiamento do setor pblico, atravs das estatais, e financiamento do setor privado;
Estrada de Ferro Central do Brasil, em 10 de novembro de 1952 (...) Foi o primeiro de muitos financiamentos do BNDES nos anos 50, quando o setor de energia e o de transportes absorveram 60% dos crditos aprovados. Os 40% restantes se dividiram entre os demais ramos da indstria, como papel e metalurgia (BNDES, 2002: 31).
15 A presena do Banco na expanso do setor energtico, ferrovirio e siderrgico est na origem da deciso governamental de criar trs empresas: a Rede Ferroviria Federal SA (RFFSA, 1957), a Centrais Eltricas Brasileiras SA (Eletrobrs, 1962) e a Siderurgia Brasileira SA (Siderbrs, 1973), que passaram a planejar e implementar seus projetos especficos. Assim, o BNDES ficou liberado para oferecer financiamentos a outros setores da economia, em especial a projetos da iniciativa privada, abrindo assim novas perspectivas de desenvolvimento (BNDES, 2002: 64). 16 que afirma a seguinte passagem O governo se empenhava em substituir importaes, e todas as suas aes se dirigiam a tal meta. O BNDES, como agente financiador, participou ativamente desse processo. Viabilizou numerosos projetos, sobretudo no apoio empresa privada nacional, considerada o elo mais vulnervel no trip econmico. Para tanto, precisou adequar-se mudana de rumo empreendida pelo governo, ampliando as reas atendidas (BNDES, 2002: 93) 17 Assim relata o livro comemorativo do cinqentenrio da instituio; o BNDES traou trs metas bsicas: convergir para um esforo de economia de reservas em moeda estrangeira; preservar o parque industrial nacional (j no era possvel falar em faz-lo crescer); e agir de forma decisiva sobre os problemas sociais mais urgentes (BNDES, 2002:123)
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de 1970-1979, financiamento do setor privado e dos grandes projetos nacionais das
empresas estatais; de 1980-1989, financiamento pblico e privado, processo de
absoro de empresas nacionais para evitar as falncias. O segundo grande
momento, entre 1990-2000, o Banco se destaca como articulador e gestor das
polticas de abertura econmica, desregulaes e privatizaes.
J Silva Jr. (2004) faz um esforo para criar uma periodizao fundamentada
na dinmica espacial dos financiamentos do banco, ou seja, na espacializao dos
financiamentos segundo os estados e regies do pas. Para tanto, o autor utilizou os
dados do Banco para compreender o modelo de ordenamento territorial adotado
(idem: 95). Silva Jr. (2004) divide a histria do BNDES em cinco fases diferentes e
complementares. A primeira, entre os anos de 1952 a 1958, destaca-se pelo
financiamento em infra-estrutura, sobretudo energia eltrica e transporte ferrovirio. A
segunda fase, entre 1959 a 1967, prioriza os financiamentos nas indstrias de base. A
terceira, entre 1968 a 1981, os financiamentos so diversificados, no entanto, prioriza-
se a iniciativa privada. A quarta fase, entre 1982 e 1989, destaca-se pela incluso das
questes sociais entre as prioridades do banco. A quinta e ltima fase, entre 1990 e
2002, destaca-se a ampliao e diversificao dos financiamentos e pela conduo do
processo de privatizao.
Com base nos trabalhos citados, encaminhamos uma periodizao que, a
princpio, parte de quatro grandes perodos, a saber:
a) O BNDE e o financiamento dos macrossistemas de energia e transporte,
entre 1952 1964;
b) O BNDE e a ampliao dos circuitos produtivos industriais, entre 1965
1981;
c) O BNDES e as concepes de integrao competitiva, entre 1982
1989;
d) O BNDES e as polticas de privatizao, a partir de 1990.
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Nos itens a seguir busca-se analisar, com um pouco mais de detalhe, as
principais transformaes na formao socioespacial brasileira, tendo por base a
dinmica de financiamento do BNDES.
1.2.1 O BNDE e o financiamento dos macrossistemas de energia e
transporte
Este primeiro perodo compreende desde a criao do BNDE, em 1952, at
meados da dcada de 1960. Como j levantado pela bibliografia citada, existem
diversas nuanas neste intervalo de tempo, o que permitiria outras subdivises. No
entanto, o que se espera enfatizar a preocupao do Estado brasileiro em expandir
territorialmente os macrossistemas tcnicos, mormente os de transporte e de energia,
e, assim, garantir as bases da integrao territorial e do processo de industrializao.
Na tabela abaixo possvel observar a participao das indstrias de bens de capital e
de bens de consumo durvel no incremento da produo industrial.
Tabela 01 Taxas Mdias de Crescimento da Produo Industrial
Perodos 1950-54 1956-59 1960-64
Indstria de Transformao 8,8 11,1 7,7
Consumo Durvel 25 22,7 16,8
Consumo No-Durvel 6,2 6,5 4,3
Bens Intermedirios 12,2 11,3 10,4
Bens de Capital 12,3 34,8 6
Fonte: Bonelli (1995 apud CURRALERO, 1998:12).
No intuito de levantar os principais obstculos territoriais que emperravam o
desenvolvimento capitalista do pas, o segundo governo de Getlio Vargas (1951-
1954), criou o Programa de Reaparelhamento Econmico18. Tal programa se
fundamentou, primeiramente, na realizao de estudos sobre as condies das infra-
18 Criado a partir da Lei 1.474 de 26 de novembro de 1951 e reformado na Lei 1.518 de 24 de dezembro de 1951.
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estruturas nacionais e, a posteriori, nos mecanismos necessrios obteno de
financiamentos, indispensveis a realizao dos projetos traados.
A dimenso dos projetos, aliada a pouca capacidade de financiamento interno,
fez com que o governo brasileiro recorresse aos emprstimos externos para viabiliz-
los. O Eximbank (Export-Import Bank) e o Banco Mundial foram as instituies
fornecedoras de grandes quantidades de capital. Dessas negociaes entre os agentes
externos e o governo brasileiro surgiu Comisso Mista Brasil Estado Unidos
(CMBEU).
De acordo com Dias (1996), a criao do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econmico BNDE - est intimamente ligada s iniciativas desenvolvidas no plano da
CMBEU para a execuo de um conjunto de projetos de investimento19.
O BNDE visava primordialmente financiar os projetos que eliminariam os
entraves das aes de crescimento produtivo, bem como pretendia-se atuar
diretamente nos fatores que impulsionassem a independncia de alguns setores
produtivos, aliando-se diretamente poltica de substituio de importaes (SILVA
Jr, 2004: 91). o que tambm relata o livro institucional do banco:
A histria da criao do BNDES ocupa o epicentro do debate poltico-
econmico ocorrido durante a dcada de 50, quando o Brasil
precisava decidir que caminhos trilharia para acompanhar o
reerguimento e expanso da economia mundial. O BNDES surgiu
como instrumento importante tanto para elaborar anlises de projetos
como para ser o brao do governo na implementao das polticas
consideradas fundamentais decolagem da industrializao.
(BNDES, 2002 a: 28)
Em seus primeiros anos, o BNDE financiou os projetos recomendados pela 19 Dias (1996: 82) discorre sobre esta questo nos seguintes termos: A criao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico prende-se s iniciativas desenvolvidas no plano da Comisso Mista Brasil - Estados Unidos para a execuo de um conjunto de projetos de investimento. Aps negociaes difceis com o governo norte-americano, a Comisso foi finalmente instalada em julho de 1951, com o propsito de elaborar projetos para financiamento conjunto pelo governo brasileiro e por agncias norte-americanas, cujos recursos proviriam basicamente do Banco Mundial e do Eximbank, enquanto a contrapartida brasileira seria constituda principalmente por adicionais ao imposto de renda de pessoas fsicas e jurdicas.
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CMBEU, que estavam enquadrados nos projetos previstos pelo Plano de
Reaparelhamento Econmico. Tal plano foi dividido em trs partes: reaparelhamento e
melhoria dos servios bsicos; desenvolvimento das indstrias de exportao e
substitutivas de importaes; fomento e ampliao de todos os setores econmicos
produtivos.
No quadro abaixo se observa os principais projetos em macrossistemas tcnicos
elaborados pela CMBEU e, posteriormente, financiados pelo BNDE.
Quadro 01 - Projetos elaborados pela CMBEU e financiados pelo BNDE
Ano Projeto
1952 Estrada de Ferro Central do Brasil
1953/1957 Companhia Nacional lcalis
1953/1958 Viao Frrea do Rio Grande do Sul
1954 Estrada de Ferro Santos-Jundia
1954 Companhia de Eletricidade do Alto Rio Doce
1954 Estrada de Ferro Gois
1954 Estrada de Ferro Central do Brasil (Trens Urbanos)
1954 Rede de Viao Paran Santa Catarina
1955 Companhia Nacional de Energia Eltrica
1955 Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
1955 Estrada de Ferro do Norte e do Nordeste
1955 Rede Ferroviria do Nordeste
1955 Estrada de Ferro Araraquara
1956 Estrada de Ferro Sorocabana
1956/1958 Rede Mineira de Viao
1956 Estrada de Ferro Mossor Souza
1957 Companhia Paulista de Fora e Luz
Fonte: Relatrio de Atividades do BNDE (1958, apud SILVA Jr., 2004: 97)
Como se pode notar, a maioria dos projetos financiados estava nos setores de
transportes (ferrovias) e energia. Buscou-se, assim, suprir a dificuldade de circulao
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no territrio, que, at ento, caracterizava-se por uma mecanizao incompleta. Neste
primeiro momento, houve o predomnio dos financiamentos pblicos, com se pode
observar na tabela abaixo.
Tabela 02 - Financiamentos concedidos pelo BNDE entre 1952 e 1961 (%)
Ano Setor Pblico Setor Privado
1952 100.0 -
1953 89.0 11.0
1954 90.4 9.6
1955 77.1 22.9
1956 95.3 4.7
1957 78.8 21.2
1958 86.6 13.4
1959 70.0 30.0
1960 91,8 8,2
1961 90,5 9,5
1962 95,6 4,4
1963 91,0 9,0
1964 94,2 5,8
Fonte: Dados organizados pelo autor a partir de NAJBERG (2002: 353).
Os projetos da CMBEU propunham intervenes precisas no territrio, no
intuito de superar os entraves ao desenvolvimento industrial. Fato que pode ser
explicado, de certa forma, na natureza eminentemente setorial dos financiamentos.
Cabe considerar que, neste primeiro momento, o BNDE contava com cinco linhas de
financiamento: Energia, Transporte Ferrovirio, Portos e Navegao, Armazenamento
e Indstrias (SILVA Jr, 2004).
O Banco foi criado no governo de Getlio Vargas, mas foi com Juscelino
Kubitschek (1956 1961) que o BNDE passou a assumir uma posio de destaque,
tanto em termos quantitativos como qualitativos (BATISTA, 2003: 04).
Alm dos estudos da CMBEU, outra instituio que teve destaque no
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delineamento das atuaes do BNDE foi a Comisso Econmica para a Amrica Latina
CEPAL - um rgo das Naes Unidas que elabora polticas de desenvolvimento para
os pases da Amrica Latina. O convnio com a CEPAL foi firmado em 1953, com a
criao do Grupo Misto de Estudos20. Este grupo produziu uma srie de estudos -
fundamentados em um amplo levantamento estatstico da situao econmica e
produtiva do territrio nacional - que subsidiou a elaborao de projetos. Ademais, a
parceria BNDE-CEPAL promoveu um conjunto de cursos com intelectuais renomados
da poca, como Celso Furtado, Roberto Campos e Ansio Teixeira (SILVA Jr., 2004). O
objetivo era formar quadros tcnicos especializados na problemtica do
desenvolvimento econmico21.
A articulao do BNDE com a CEPAL possibilitou uma compreenso mais
apurada das peculiaridades da dinmica de acumulao capitalista no pas. A formao
do Grupo Misto BNDE-CEPAL buscou um planejamento mais consistente das situaes
socioespacial brasileira (DIAS, 2004). O programa de investimentos elaborado pelo
Grupo Misto no chegou a entrar em vigor, contudo serviu de um importante subsdio
terico e operacional ao Plano de Metas (1956 1961).
O BNDE situava-se no centro desse debate, pois desde sua criao acumulava
experincias como um centro de anlise para os programas do governo, sendo,
portanto, imprescindvel elaborao, gerenciamento e financiamento dos projetos
governamentais. O Plano de Metas consistia em um conjunto de objetivos para
economia nacional, tendo por base o levantamento e a anlise minuciosa das
situaes econmico-produtiva do territrio nacional. Os setores prioritrios eram, de
um lado, transporte e energia e, de outro, a implantao de indstrias de base, como 20 O Relato de Celso Furtado no livro BNDES: 50 anos, bem ilustrativo: a idia era criar um banco de desenvolvimento, o BNDES, funes importantes para criar uma base econmica moderna no pas. As experincias da Nacional Financiera, no Mxico, e da Corporacin de Fomento, no Chile, demonstravam que um banco de desenvolvimento o mais importante instrumento de poltica de industrializao em pases subdesenvolvidos. Roberto Campos, que trabalhava nas Naes Unidas e sabia que tnhamos feito na Cepal, foi ao Chile conversar comigo e ver que cooperao poderia haver entre a Cepal e o novo rgo de desenvolvimento a ser criado. Ral Prebish se entusiasmou com a idia de aplicar a tcnica desenvolvida pela Cepal num pas importante como o Brasil. E sugeriu ento que se constitusse o Grupo Misto Cepal-BNDE, que me coube dirigir (BNDES, 2002: 27). 21 Em 1953, foi ministrado pela CEPAL, no Rio de Janeiro, o Curso de Treinamento em Problemas de Desenvolvimento Econmico.
-
24
pode ser observado na tabela abaixo.
Tabela 03 - Previses e Resultados do Plano de Metas (1957 -1961)
Meta Previso Realizao %
Energia Eltrica (1000 Kw) 2000 1650 82
Carvo (1000 ton.) 1000 230 23
Petrleo-Produo (1000 barris/dia) 96 75 76
Petrleo-Refino (1000 barris/dia) 200 52 26
Ferrovias (1000 Km) 3 1 32
Rodovias Construo (1000 Km) 13 17 138
Rodovias-Pavimentao (1000 Km) 5 - -
Ao (1000 ton.) 1100 650 60
Cimento (1000 ton.) 1400 870 62
Carros e Caminhes (1000 unid.) 170 133 78
Fonte: Dados organizados pelo autor a partir de Lacerda (2000, apud MATOS, 2002)
Do montante dos projetos propostos pelo Plano de Metas, 129 no total, 91
correspondiam s obras de infra-estrutura e 38 abarcavam os setores industriais
(SILVA Jr., 2004).
A despeito dos grandes avanos em termos de planejamento territorial22 e de
conhecimento sobre o pas, o Plano de Metas, na avaliao de IANNI (1988: 28), no
atingiu a categoria de programa total e integrador. Foi um aglomerado de programas
setoriais, sem integrao interna nem fundamento numa viso de conjunto da
realidade econmica nacional. Ele foi resultado direito da insero do Brasil no
mercado internacional, pois, continua IANNI (idem: 28) o Brasil foi pensado como
base de operaes e no como uma economia independente e autnoma. Nessa
fase, o Estado era o principal agente indutor dos investimentos nos macrossistemas
22 Considera-se que o planejamento, como um hbrido de tcnica e poltica, um elemento norteador da organizao do territrio. De certa forma, ele pode ser compreendido como uma expresso territorial das aes do Estado.
-
25
tcnicos. A tabela 04, abaixo, mostra as aprovaes setoriais do Banco; nota-se uma
elevada concentrao nos financiamentos nas indstrias de bens de capital, insumos
bsicos e em infra-estrutura.
Tabela 04 Aprovaes do BNDE segundo Ramos e Gneros de Atividades
Valores Mdios Anuais de Cr$ bilhes de 1991
Ramos e Gneros Anos
1953-55 1956-60 1961-964
Insumos Bsicos 13 7% 177 41% 217 62%
Minerao - - -
Siderurgia 3 2% 99 23% 195 56%
Metalurgia 1 1% 8 2% 4 1%
Qumica e Fertilizantes 7 4% 39 9% 17 5%
Celulose e Papel 1 1% 6 1% -
Produtos Minerais no-metlicos - 25 6% -
Equipamentos 5 3% 29 7% 12 4%
Mecnicos Eltricos 4 - 6 1% 2 1%
Material de Transporte 1 25 22 5% 11 3%
Outras Indstrias - - 3 1%
Txtil e Calados - - -
Produtos Alimentares - - 2 -
Outras - - 1 -
Infra-Estrutura 169 88% 215 50% 32%
Energia Eltrica 53 27% 130 30% 111 31%
Ferrovirio 113 59% 83 19% 109 1%
Rodovirio - - 2 -
Hidrovirio 4 2% 3 1% -
Outros Setores - - -
Outras Atividades 5 3% 10 2% 7 2%
Ensino Pesq. E Des. Tec. - - -
Distribuio 3 2% 10 2% 7 2%
Outras 2 1% - -
Total 192 100% 430 100% 349 100%
Fonte: Curralero (1998: 17)
-
26
Segundo Moraes (2002: 125), os esforo dos planos governamentais de
meados do sculo XX, sobretudo com o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961),
expressaram um momento onde o ajuste entre as ideologias geogrficas e as
polticas territoriais do Estado total e explcito. O discurso e a materializao fsica
das metas caminham em consonncia com a tarefa estatal de construir o pas
objetivando-se agressivas polticas territoriais, num esforo de produo de espaos
mpar na histria brasileira.
O peso das divises territoriais pretritas se fez presente com o processo de
industrializao. Os financiamentos do BNDE, no intuito de acelerar a industrializao,
vieram reforar uma estrutura produtiva territorialmente concentrada na regio
sudeste, mormente entre os estados do Rio de Janeiro e So Paulo. O grfico 01 e o
mapa 01, abaixo, indicam essa tendncia.
-
27
Grfico 01- Desembolsos do BNDE por Regies, entre 1952 e 1964
Fonte: BNDES (2002; 2008); Silva Jr. (2004). * Os valores foram atualizados para Reais, de acordo com a mdia da cotao de 2002, segundo Silva Jr. (2004). Devido a variao de cmbio, os dados da tabela so relevantes como elementos para se comparar ordens de grandeza.
Grfico 02- Evoluo dos Desembolsos do BNDE, entre 1952 e 1964
Fonte: BNDES (2002; 2008)
Mapa 01 - Desembolsos do BNDE, entre 1952 e 1964
-
28
Neste perodo, intensifica-se a implantao de macrossistemas tcnicos do
territrio, possibilitando, materialmente, a integrao nacional. O Plano de Metas
atuou no sentido de consolidar os projetos anteriores de difuso dos macrossistemas
tcnicos de energia e transporte, indispensveis ao desenvolvimento das atividades
capitalista.
A concentrao de financiamentos na regio centro-sul responde aos
imperativos da constituio e expanso do meio tcnico-cientfico-informacional
(SANTOS, 1985; SANTOS, 1996). Evidencia-se, nestes primeiros perodos da
industrializao nacional, a formao de uma Regio Concentrada 23. Para Santos
(1993), a regio concentrada coincide com a rea contnua de manifestao do meio
tcnico-cientfico-informacional, ao passo que nas demais regies do pas tal
manifestao ocorre de maneira mais seletiva e pontual.
Desarticula-se gradativamente a antiga diviso territorial do trabalho,
caracterizada por zonas de produo relativamente autnomas, num territrio
marcado pela mecanizao incompleta (SANTOS & SILVEIRA, 2001). A integrao
nacional, com a constituio de um meio tcnico-cientfico, traz tona uma dinmica
centro-periferia.
Segundo Becker e Egler (1998), os resultados desses primeiros planos de
desenvolvimento, sobretudo com o Plano de Metas, foram duplos. De um lado,
acentuou a histrica concentrao econmica e produtiva no sudeste por meio de
investimentos nos macrossistemas tcnicos e, de outro lado, modernizou e ampliou a
integrao territorial com as reas perifricas, robustecendo as dimenses do mercado
interno.
Tais modernizaes territoriais reorganizaram as relaes internas na formao
socioespacial brasileira, dividida, agora, em reas em que este meio tcnico-cientfico
se difunde de maneira relativamente continua e reas onde sua presena ocorre de
forma pontual e seletiva.
23 A Regio Concentrada, segundo Santos & Silveira (2001: 27), abrange os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, So Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Esprito Santo.
-
29
1.2.2 O BNDE e a ampliao dos circuitos produtivos industriais
Neste segundo perodo, entre meados da dcada de 1960 e o alvorecer da
dcada de 1980, destaca-se o papel do BNDE no financiamento do desenvolvimento
industrial. Amplia-se, tambm, a transnacionalizao do territrio brasileiro em virtude
da crescente participao das grandes empresas multinacionais nos sistemas
produtivos nacionais. Alargam-se, assim, novos vnculos do pas com a diviso
internacional do trabalho.
Com a vigncia dos governos militares, o planejamento, pela via autoritria,
buscava criar as condies, sobretudo com os I e II PND, para o desenvolvimento
interno das atividades intensivas em tecnologias avanadas, como uma forma de
reduo da dependncia externa e como um instrumento que visava transformar o
pas numa potncia regional.
De acordo com Becker & Egler (1998), o territrio era visto como a base
tcnica do processo e buscava-se, portanto, dot-lo de operacionalidade e
funcionalidade para garantir a reproduo ampliada do capital e promover a
integrao nacional. Segundo Moraes (2002), as noes de modernizao e
desenvolvimento perdem seu componente social e poltico, passando a qualificar
apenas os aparatos produtivos e as infra-estruturas (...) pode-se dizer que a ocupao
e ordenamento do espao atuaram como eixo estruturador do planejamento
governamental no perodo militar (idem: 126-127).
No I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), entre 1972-1974, o BNDE
passou por uma srie de transformaes24. A primazia do setor privado nacional na
poltica do governo orientou a criao de instituies para apoi-lo e dirigi-lo por meio
da participao acionria e de programas especficos de financiamentos (MARTINS,
1991).
neste contexto que surge o Sistema BNDE, a partir da criao de trs
24 Em 1971, o Banco deixa de ser uma autarquia e passa a ser uma empresa pblica. Tal mudana proporcionou uma maior liberdade ao Banco para a contratao de pessoal e maior flexibilidade na obteno e aplicao dos recursos. Implcito a esta medida, estava a tentativa de fortalecer a estrutura poltica e institucional do Banco (MARTINS, 1991).
-
30
subsidirias: a Insumos Bsicos S. A. (Fibase), a Investimentos Brasileiro S.A (Ibrase)
e a Mecnica Brasileira S. A. (Embramec). O intuito, segundo o BNDES (2002: 94), era
o de atuar no mercado de capitais, de modo a ampliar as formas de capitalizao das
empresas brasileira.
Outro elemento de extrema importncia foi a incorporao, em 1974, dos
recm-criados Programa de Integrao Social (PIS) e Programa de Formao do
Patrimnio Pblico (PASEP)25, s fontes de recursos do BNDE. O BNDE passou a ter,
assim, uma maior liberdade em seus gastos, bem como na definio da estrutura de
seu financiamento. Subjacente a estas medidas, a instituio aproximou-se mais da
empresa privada nacional e internacional, deixando num segundo plano os
investimentos nas empresas estatais, assumindo deliberadamente uma poltica
antiestatizante. O BNDE tornou-se, assim, uma espcie de demiurgo do empresariado
nacional (MARTINS, 1991: 105).
Segundo Furtado (1992), com a chegada dos militares ao poder, em 1964,
interrompe-se um ciclo de formao de uma economia nacional, por meio de um
projeto autnomo de desenvolvimento. Este mesmo autor afirma que a formao
econmica nacional assenta-se em trs condies indispensveis: a) criar e fortalecer
centros internos de deciso, capazes de ordenar o processo de acumulao em funo
das prioridades estabelecidas internamente; b) criar mecanismos para que o processo
de acumulao seja acompanhado por uma crescente homogeneizao social; e c)
projeto poltico que coloque as prioridades nacionais no clculo econmico.
A tabela 05 indica os influxos dos financiamentos concedidos pelo BNDE para
os setores pblicos e privados. At o ano de 1964 predominava os financiamentos de
setores pblicos. A partir de 1965, percebe-se um crescente aumento dos
financiamentos para o setor privado, que em 1968 supera os financiamentos pblicos.
25 o BNDES passou a gerenciar os recursos do Programa de Integrao Social (PIS) e do Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico (PASEP), criados no incio da dcada com uma parcela do lucro das empresas, formando um fundo dos trabalhadores. A maior parte desses recursos destinava-se a aplicaes em novos investimentos, desde que estes no fossem estrangeiros, no proviessem de municipalidades e no servissem para compor capital de giro no comrcio ou prestao de servios. O PIS-Pasep significou uma mudana profunda para o BNDES, com forte incremento na capacidade de apoio aos investimentos (BNDES, 2002: 93).
-
31
Tabela 05 - Financiamentos concedidos pelo BNDE entre 1960 e 1979
Ano Pblico % Privado %
1965 67,4 32,6
1966 58,1 41,9
1967 65,5 34,5
1968 48,8 52,4
1969 40,1 59,9
1970 34,6 65,4
1971 64,0 66,0
1972 21,8 78,2
1973 24,2 75,8
1974 33,5 66,5
1975 22,6 77,4
1976 18,9 81,1
1977 20,8 79,2
1978 13,0 87,0
1979 17,0 83,0
Fonte: Dados selecionados pelo autor a partir de Najberg (1989).
No II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), entre 1974 -1979, o BNDE
despontava como a principal instituio para a sua operacionalizao. A
responsabilidade do Banco residia: no fornecimento de crdito para os setores
pblicos e privados; na construo da capacidade cientfica nacional; no financiamento
do desenvolvimento tecnolgico; no incentivo a intensificao das exportaes de
manufaturas nacionais. Segundo Pinto (2004: 52) A publicao do II Plano Nacional
de Desenvolvimento (II PND) em 1974 marcou tambm uma fase de apogeu para o
ento Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico (BNDE) como instncia mista de
formulao e de implementao de polticas de industrializao no Estado brasileiro.
Desde sua criao, na dcada de 1950, at meados da dcada de 1960, o
BNDE se caracterizou como uma instituio ativa no financiamento dos
macrossistemas tcnicos e das indstrias de base. A partir de 1964, o BNDE, mesmo
continuando com a funo de uma instituio de crdito de longo prazo, sofreu uma
guinada nas suas estratgias de financiamento; a partir de ento, o Banco priorizou a
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32
concesso de financiamentos para o setor privado. Observa-se, na tabela 06, uma
reduo geral dos financiamentos em Insumos Bsicos e Infra-Estrutura se comparado
a mdia do perodo anterior. Nota-se, tambm, um aumento no financiamento de
outros setores como, por exemplo, txtil e calados e produtos alimentares.
Tabela 06 Aprovaes do BNDE segundo Ramos e Gneros de Atividades
Valores Mdios Anuais de Cr$ bilhes de 1991
Ramos e Gneros Anos
1965-67 1968-73 1973-79
Insumos Bsicos 519 61% 653 36% 4.560 48%
Minerao - - - - 168 2% Siderurgia 426 50% 164 9% 2.040 21% Metalurgia 60 7% 115 6% 462 5% Qumica e Fertilizantes 13 2% 171 9% 999 10% Celulose e Papel 13 2% 100 5% 515 5% Produtos Minerais no-metlicos
6 1% 86 5% 377 4%
Equipamentos 90 11% 158 9% 636 7%
Mecnicos Eltricos 50 6% 74 4% 482 5% Material de Transporte 41 5% 84 5% 155 2%
Outras Indstrias 86 10% 423 23% 1.068 11%
Txtil e Calados 20 2% 95 5% 234 2% Produtos Alimentares 26 3% 105 6% 342 4% Outras 42 5% 224 12% 493 5%
Infra-Estrutura 117 14% 443 24% 2.881 30%
Energia Eltrica 115 14% 66 4% 1.383 14% Ferrovirio - - 120 7% 803 8% Rodovirio - - 147 8% 202 2% Hidrovirio 2 0% 43 2% 107 1% Outros Setores - - 68 4% 387 4%
Outras Atividades 30 4% 151 8% 410 4%
Ensino Pesq. E Des. Tec. 29 3% 57 3% 27 0% Distribuio 1 0% 68 4% 161 2% Outras - - 26 1% 223 2%
Total 845 100% 1.828 100% 9.555 100%
Fonte: Elaborao prpria a partir dos dados de Curralero (1998: 28; 38)
-
33
A estratgia poltica de favorecer a industrializao por substituio de
importaes pode ser interpretada como uma condio imprescindvel, mas no
suficiente para alcanar o to almejado desenvolvimento. A insero subordinada do
pas no sistema econmico internacional atuava (e ainda atua) como um agravante em
relao ao problema da dependncia externa. Dito de outra forma, a interpretao das
transformaes histricas, impulsionadas pela industrializao, no pode ser pensada
como uma varivel externa s estruturas polticas e econmicas da diviso
internacional do trabalho.
Para Furtado (1979), o desenvolvimento industrial nos pases subdesenvolvidos,
como no caso brasileiro, confundia a introduo de produtos finais de consumo com a
importao de certos padres de consumo. Os impulsos do desenvolvimento perifrico
passaram, ento, a serem baseados na diversificao dos padres de consumo das
minorias privilegiadas, detentora dos meios de produo, sem repercusses nas
condies de vida da maioria da populao. O autor considera que o aumento nos
nveis de progresso tcnico e a diversificao do consumo aceleraram o
desenvolvimento dependente e, do mesmo modo, aumentaram as possibilidades de
que as disparidades sociais e regionais se agravassem.
Na anlise de Belluzzo (2002), o II PND foi o ltimo grande esforo de
integrao e modernizao da estrutura industrial brasileira. Suas metas, no entanto,
no foram compatveis com a capacidade interna de financiamento. Fato que fez com
que o governo recorresse excessivamente ao capital externo. A maioria dos projetos
financiados revelou a incapacidade de gerar divisas suficientes para pagar as dvidas
contradas no exterior.
Nesse sentido, Santos & Silveira (2001: 50) afirmam que esta ltima onda
industrializante significou a reproduo ampliada daquilo que fora feito anteriormente,
de modo que tudo cresce ainda mais, porm no mesmo sentido: uma produo
industrial extravertida, um maior endividamento, maior penetrao das firmas
estrangeiras. Concomitantemente a esse processo, ocorreu uma intensa centralizao
geogrfica da produo e da riqueza na regio concentrada (SANTOS, 1993),
-
34
coincidindo com a rea mais contigua de expanso do meio tcnico-cientfico. O
grfico 03 e o mapa 02, abaixo, corroboram essa tendncia a partir dos
financiamentos do BNDE.
Intensifica-se, portanto, a abrangncia e a complexidade dos sistemas
produtivos, ampliando os circuitos espaciais produtivos, uma vez que as mudanas
qualitativas e quantitativas na diviso territorial do trabalho do novos contornos a
produo, a circulao e ao consumo.
A configurao territorial brasileira conheceu uma vertiginosa transformao,
com os intensos processos de industrializao e urbanizao, no entanto, a essncia
dos problemas de subdesenvolvimento permaneceu, pois o pas no conseguiu
superar os seus principais problemas socioespaciais26.
Segundo Belluzzo (2002), a partir da dcada de 1980, inicia-se um conjunto de
reformas, de cunho neoliberal, no Estado brasileiro. Tais reformas se fundamentavam
numa crtica ao modelo de industrializao brasileiro, via substituio de importaes,
que, nesta viso, representava uma tendncia obsolescncia, ineficincia, falta
de competitividade externa e estatizao econmica ao extremo.
Essas mudanas indicavam para as novas prioridades do Banco, que
privilegiava uma maior aproximao com os grupos privados nacionais e
internacionais. Sua estrutura administrativa passou por mudanas no intuito de
aproxim-la do meio empresarial. As trs subsidirias do Sistema BNDE - Embramec,
Fibase e Ibrase foram fundidas, em 1982, dando origem ao BNDES participaes
S.A. (BNDESPar), o que, segundo DIAS (2004), aumentou a dimenso poltica de
apoio ao setor privado.
26 Francisco de OLIVEIRA (2003 [1972]) sustenta que a acelerada transformao da estrutura produtiva, advinda com a industrializao, no anulou as articulaes entre o velho e o novo na formao social brasileira, que, segundo ele, criou uma situao paradoxal, pois no estava marcada nem pelo signo da excluso apartheid, nem indicava elementos para uma revoluo social.
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35
Grfico 03 Desembolsos do BNDE por Regies, entre 1965 e 1981
Fonte: BNDES (2002; 2008); Silva Jr. (2004). * Os valores foram atualizados para Reais, de acordo com a mdia da cotao de 2002, segundo Silva Jr. (2004). Devido a variao de cmbio, os dados da tabela so relevantes como elementos para se comparar ordens de grandeza. Grfico 04 Evoluo dos Desembolsos do BNDE, entre 1965
e 1981
Fonte: BNDES (2002; 2008)
Mapa 02 Desembolsos do BNDE, entre 1965 e 1981
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36
1.2.3 O BNDES e as concepes de integrao competitiva
Este terceiro perodo, entre 1982 e 1989, retrata a reorientao das atividades
do Banco, tendo em vista a maior aproximao da burocracia estatal com a lgica
administrativa das empresas privadas. Em termos polticos representou a subordinao
das decises de financiamento a critrios mais tcnicos do que polticos27.
Concomitante a essa nova orientao, o BNDE, em 1982, passou a gerir os
recursos do Fundo de Investimento Social (Finsocial). A instituio, a partir da, passou
a chamar BNDES e agregou mais uma responsabilidade: a de ser, tambm, um agente
promotor do desenvolvimento social. Tal responsabilidade aumenta, ainda mais, a
funo pblica da instituio, uma vez que so os recursos destinados populao
mais pobre que esto financiando as diretrizes de desenvolvimento elaboradas pelo
Banco.
O BNDES, ao longo da dcada de 1980, redefiniu a sua insero na economia
brasileira. A exausto da estratgia de desenvolvimento pautada na poltica de
substituio de importaes e no forte endividamento externo deflagrou uma forte
crise econmica. Por conseguinte, como discutido por Monteiro Filha (1994), o Banco
no apresentava diretrizes bem claras de suas prioridades polticas e de
financiamento; sua atuao priorizou o auxlio econmico e financeiro s empresas
em crise. Mouro (1994: 05) enftico ao afirmar que, com o fim do II PND, o BNDES
no dava conta da nova realidade. No havia uma linha clara de ao: as decises de
enquadramento dos pedidos de financiamento eram tomadas caso a caso numa
Comisso de Prioridades, sem nenhum plano, documento ou parmetros que
norteassem suas decises, a no ser a experincia de seus membros, executivos e
tcnicos altamente preparados em questes setoriais
Em sntese, neste novo contexto, o BNDES atuou em trs frentes principais: a)
continuidade e finalizao dos financiamentos propostos pelo II PND; b) concesses
27 Segundo Silva Jr. (2004), as polticas territoriais do Banco comearam a marginalizar os grandes financiamentos nos macrossistemas tcnicos e, em contrapartida, aumentaram os investimentos nas cidades, notadamente em obras de transportes urbanos como, por exemplo, os financiamentos de obras do metr no Rio de Janeiro e de trens em So Paulo e no Rio de Janeiro, alm da continuidade dos financiamentos para ampliao da malha rodoviria no pas.
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37
de crdito para o setor exportador, no intuito de gerar supervits comerciais; c)
propugnar um processo de adequao e ajustes fiscais nos setores pblicos e
privados, atravs de seus programas saneamento financeiro (CURRALERO, 1998).
Os dados anteriormente citados na tabela 06, da pgina 32, indicavam que os
financiamentos do BNDES estavam pautados nos projetos traados pelo II PND, com
nfase na indstria de transformao. Observa-se, entretanto, com a tabela 07, uma
reduo progressiva entre os anos de 1981 (64%) e 1985 (43%). Para uma
visualizao completa da tabela abaixo, ver anexo 01.
Tabela 07 Desembolsos do BNDES, segundo Ramos e Gneros de Atividade do IBGE
(US$ Mil)
Ramos e
Gneros
1981 % 1982 % 1983 % 1984 % 1985 %
Extrao de
Minerais
106.651 3 163.393 4 82.182 2 55.834 2 106.382 4
Agropecuria 13.002 1 9.113 1 7.877 1 13.206 1 18.877 1
Indstria de
Transformao
1.960.637 64 2.291.778 58 1.860.763 52 1.618.647 50 1.312.303 43
Servios 866.593 28 1.274.134 32 1.072.326 30 911.244 28 1.171.092 39
Outros 125. 077 4 240.312 6 584.531 16 657.127 20 420.856 14
Total 3.071.962 100 3.978.730 100 3.607.679 100 3.256.058 100 3.031.510 100
Fonte: Dados selecionados pelo autor a partir de BNDES apud Curralero (1998: 58)
O BNDES, apesar das diferenas de estratgias de financiamento vistas nos
dois primeiros perodos, orientava suas aes em prol de uma concepo de
desenvolvimento nacional. Entre os princpios que nortearam, historicamente, a
atuao do BNDES, podem-se citar, grosso modo, os seguintes: a) o BNDES um
agente de mudanas; b) a industrializao o motor bsico do desenvolvimento; c) o
desenvolvimento necessita de um forte empresariado nacional; d) o desenvolvimento
deve buscar o aproveitamento dos recursos internos e a capacitao tecnolgica das
empresas nacionais; e) O desenvolvimento objetiva a atenuao dos desequilbrios
sociais e regionais (COSTA, 2003).
-
38
O processo de reformulao de suas diretrizes, em curso na dcada de 1980,
mudou seu iderio, sendo este um movimento precursor e impulsionador de
concepes liberalizantes como estratgia de desenvolvimento para o pas.
O BNDES passou a adotar a prtica do planejamento estratgico, mediante a
elaborao de cenrios prospectivos (BNDES, 2002). O Cenrio Integrao
Competitiva 28 serviu de referncia para a elaborao do Plano Estratgico 1988-1990.
Dentre as novas diretrizes do Banco, destacam-se os seguintes pontos29:
a. O estilo de crescimento deve se voltar para a integrao competitiva do
Brasil na economia mundial e para a integrao de toda a nao;
b. Superao dos pontos de estrangulamento na infra-estrutura de energia
e de transportes;
c. Participao do setor privado em investimentos hoje sob a
responsabilidade do setor pblico;
d. Fortalecimento financeiro e patrimonial do Sistema BNDES, atravs da
adequao das fontes e novas formas de aplicao de maior retorno;
e. Racionalizao organizacional e dos fluxos operacionais do Sistema
BNDES no curto prazo;
f. Modernizao do Sistema BNDES a partir de uma concepo empresarial
adaptada s exigncias do novo estilo de crescimento;
Nota-se a emergncia de um novo marco normativo condizente com as
transformaes decorrentes do perodo histrico. O BNDES encarna esta nova
burocracia, cujo fundamento reside na tentativa de empiricizar uma nova
28 De acordo com Mouro (1994: 12), o Cenrio Integrao Competitiva foi baseado em trs aspectos elaborados no cenrio anterior (Cenrio Retomada), a saber: [a] a identificao de que componentes autnomos de demanda privada seriam os responsveis por um novo ciclo de crescimento, abandonando a idiam de um desenvolvimento liderado pelo Estado; [b] a viso do mercado externo como importante indutor do d