FariasHelioCaetano_M - BNDES e a Privatização Do Território

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 Número: 90/2008 Universidade Estadual de Campinas Instituto de Geociências Departamento de Geografia HÉLIO CAETANO FARIAS O BNDES e as Privatizações no Uso do Território Brasileiro Dissertação apresentada ao Departamento de Geografia do Instituto de Geociências como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientadora: Profa. Dra. Adriana Bernardes da Silva. CAMPINAS – SÃO PAULO  Agosto de 2008.

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privatização do território

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  • Nmero: 90/2008

    Universidade Estadual de Campinas

    Instituto de Geocincias Departamento de Geografia

    HLIO CAETANO FARIAS

    O BNDES e as Privatizaes no Uso do Territrio Brasileiro

    Dissertao apresentada ao Departamento de Geografia do Instituto de Geocincias como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Geografia.

    Orientadora: Profa. Dra. Adriana Bernardes da Silva.

    CAMPINAS SO PAULO

    Agosto de 2008.

  • II

    by Hlio Caetano Farias, 2008

    Catalogao na Publicao elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geocincias/UNICAMP

    Farias, Hlio Caetano. F225b O BNDES e as privatizaes no uso do territrio brasileiro / Hlio Caetano Farias -- Campinas,SP.: [s.n.], 2008. Orientador: Adriana Maria Bernardes da Silva. Dissertao (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geocincias. 1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (Brasil). 2. Empresas de consultoria. 3. Privatizao - Brasil. 4. Territrio nacional. I. Silva, Adriana Bernardes da . II. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geocincias. III. Ttulo.

    Ttulo em ingls: BNDES and privatizations in the use of Brazilian territory. Keywords: - BNDES;

    - Consultancy companies; - Privatizations; - Corporate use of territory

    rea de concentrao: Anlise Ambiental e Dinmica Territorial Titulao: Mestre em Geografia. Banca examinadora: - Adriana Maria Bernardes da Silva;

    - Fbio Contel; - Mrcio Antonio Cataia.

    Data da defesa: 29/08/2008 Programa: Geografia.

  • IV

    Lucila, esperana renovada.

    com grande com amor e admirao

    que dedico este trabalho.

  • V

    AGRADECIMENTOS

    O trabalho acadmico fruto de diversas reflexes coletivas, seja no ambiente

    universitrio ou no convvio cotidiano, por isso no poderia deixar de agradecer

    diversas pessoas que contriburam para o amadurecimento desta pesquisa.

    professora Adriana Bernardes pelo constante estmulo ao longo desta

    pesquisa e por estar comprometida com a criao de um futuro promissor no ensino e

    na pesquisa de Geografia na Unicamp.

    Aos professores Mrcio Cataia e Fbio Contel pelos comentrios e avaliaes

    crticas realizados no exame de qualificao, imprescindveis ao andamento da

    pesquisa.

    Aos funcionrios que gentilmente me receberam nas duas visitas ao BNDES:

    Luis Ferreira Xavier Borges, Licnio Velasco Jr., Sarah Misrael Lachter e Gilmar. Sem a

    prestativa colaborao dessas pessoas, no teria acesso a grande parte dos dados e

    informaes contidas neste trabalho.

    Aos colegas e amigos de ps-graduao onde muitas dvidas, angstias,

    desabafos e alegrias foram compartilhados. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos:

    Fabrcio Gallo, Silvana Silva, Thelma, Isabel Isoldi, Leandro Trevisan, Eloi Senhoras,

    Cristiano Nunes, Alcides Manzoni Neto, Ana Paula Mestre.

    s sempre prestativas secretrias da ps-graduao: Valdirene e Edinalva.

    Ao Seu Anbal, porta de entrada do Instituto de Geocincias, cada vez mais

    simptico e com uma sensibilidade incrvel.

    Aos amigos do convvio cotidiano nestes dois ltimos anos em Campinas,

    sempre presentes e dispostos a uma boa conversa: Andr Schuch, Jorge Henrique,

    Carolina Ramkrapes, Andr Malavazzi, Alexandre Rodrigues, Robson Gabioneta,

    Guilherme Godoy, Bernard Andrade, Mauro Vitalle, Murilo Antunes, Diego Carvalho,

    Fernando, alm de muitos outros.

    Ao amigo Lauro Mello, parceiro constante durante esses anos de mestrado,

    sempre disposto a conversar sobre os rumos do territrio nacional.

  • VI

    Juliana Battochio, pela infinita ajuda e por sempre estar ao meu lado nas

    diversas trincheiras da vida. O seu amor, estmulo e pacincia foram imprescindveis

    para a realizao deste trabalho.

    Aos meus queridos pais, Elias e Lucila, e irms, Luciana e Mara, por

    permanecerem unidos, independente das adversidades da vida. Agradeo o estmulo,

    a pacincia e o respeito. Aos meus sobrinhos: Kaio, Lucas, Maria Fernanda e Ana

    Clara, pelos momentos felizes. Fontes constantes de inspirao!

    ***

    Agradeo, por fim, a todos os amigos e colegas que contriburam direta e

    indiretamente com as reflexes sobre o uso do territrio brasileiro.

  • VII

    Teramos agora chegado a uma espcie de paroxismo quanto necessidade de sermos desesperadamente modernos e quanto s dificuldades para pensar um Brasil brasileiro

    (SANTOS, Milton, 2000b: 24)

    O subdesenvolvimento, como o Deus Jano, tanto olha para a frente como para a trs, no tem orientao definida. um impasse histrico que espontaneamente no pode levar seno a alguma forma de catstrofe social. Somente um projeto poltico apoiado em conhecimento consistente da realidade social poder romper a sua lgica perversa. Elaborar esse conhecimento tarefa para a qual devem contribuir as universidades

    (FURTADO, Celso, 1992:57)

  • VIII

  • IX

  • X

  • XI

  • XII

  • XIII

  • XIV

    LISTA DE SIGLAS

    ACESITA - Companhia de Aos Especiais Itabira

    AOMINAS Aos Finos de Minas Gerais

    ACRINOR Acrilonitrila do Nordeste

    LCALIS Cia. Nacional lcalis

    ARAFRTIL Arax Fertilizantes

    BANESPA Banco do Estado de So Paulo

    BEA Banco do Estado do Amazonas

    BEC Banco do Estado do Cear

    BEG Banco do Estado de Gois

    BEM Banco do Estado do Maranho

    BIRD Banco Interamericano de Reconstruo e Desenvolvimento Banco Mundial

    BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    BNDESPar BNDES Participaes

    CBE Cia. Brasileira de Estireno

    CBP Cia. Brasileira de Poliuretanos

    CED - Comisso Especial de Desestatizao

    CEDOC Centro de Documentao do BNDES

    CELMA Companhia Eletromecnica Celma

    CEPAL - Comisso Econmica para a Amrica Latina

    CIQUINE Cia. Petroqumica

    CMBEU - Comisso Mista Brasil Estado Unidos

    CND - Conselho Nacional de Desestatizao

    COSINOR - Companhia Siderrgica do Nordeste

    COSIPA Companhia Siderrgica Paulista

    CPC Cia. Petroqumica de Camaari

    COPENE Petroqumica do Nordeste

    COPERBO Cia. Pernambucana de Borracha Sinttica

  • XV

    COPESUL - Cia. Petroqumica do Sul

    CQR Cia. Qumica do Recncavo

    CSN Companhia Siderrgica Nacional

    CST - Companhia Siderrgica de Tubaro

    CVRD Companhia Vale do Rio Doce

    DATAMEC Sistema de Processamento de Dados

    EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronutica

    EDN Estireno do Nordeste

    EMBRAMEC - Mecnica Brasileira S. A.

    ESCELSA Centrais Eltricas

    EXIMBANK - Export-Import Bank

    FIBASE - Insumos Bsicos S. A.

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FINSOCIAL - Fundo de Investimento Social

    FOSFRTIL - Fertilizantes Fosfatados

    GERASUL Centrais Geradoras do Sul do Brasil

    GOIASFRTIL Gois Fertilizantes

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

    LIGHT Servios de Eletricidade

    PND Plano Nacional de Desenvolvimento

    PND Programa Nacional de Desestatizao

    IBRASE - Investimentos Brasileiro S.A

    IFD Instituio Financeira de Desenvolvimento

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    PASEP - Programa de Formao do Patrimnio Pblico

    PIS - Programa de Integrao Social

    PPH Cia. Industrial de Polipropileno

    PPP - Parceria Pblico-Privada

    PQU Petroqumica Unio

    RFFSA Rede Ferroviria Federal S.A.

  • XVI

    SEST Servio de Controle e Oramento das Empresas Estatais

    SIDERBRAS Siderurgia Brasileira

    SNBP Servio de Navegao da Bacia do Prata

    SUMOC Superintendncia De Moeda e Crdito

    TCU Tribunal de Contas da Unio

    ULTRAFRTIL - Indstria e Comrcio de Fertilizantes

    UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

    USIMINAS Usinas Siderrgicas de Minas Gerais

    USP Universidade de So Paulo

  • XVII

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    Ps-Graduao em Geografia

    O BNDES e as Privatizaes no Uso do Territrio Brasileiro

    RESUMO

    Dissertao de Mestrado

    Hlio Caetano Farias

    A presente pesquisa visa contribuir com a interpretao sobre uso do territrio brasileiro a

    partir da anlise do BNDES. A escolha desta instituio deve-se a sua importncia no

    planejamento, financiamento e execuo dos principais projetos de desenvolvimento

    vivenciados pelo pas desde meados do sculo XX. A histria do BNDES se confunde com a

    histria da integrao do territrio e da industrializao nacional, ambas aliceradas numa

    poltica de superao do subdesenvolvimento. Criado em 1952, no governo de Getlio

    Vargas, o Banco tornou-se, desde ento, imprescindvel aos principais projetos ou planos

    nacionais das mais diversas orientaes. No perodo atual, com a intensificao da

    racionalidade da globalizao na formao socioespacial brasileira, o BNDES tornou-se

    central na elaborao e operacionalizao de um quadro normativo e territorial favorvel

    internacionalizao do territrio. O vigoroso processo de privatizao coordenado pelo

    Banco, com o aval das empresas de consultoria, tem ampliando a desigual gerao e

    apropriao de riqueza, bem como intensificado o uso corporativo do territrio.

    Palavras-chave: BNDES, empresas de consultoria, privatizaes, uso corporativo do

    territrio.

  • XVIII

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    Ps-Graduao em Geografia

    BNDES and Privatizations in the use of Brazilian territory

    ABSTRACT

    Dissertao de Mestrado

    Hlio Caetano Farias

    The present research intends to contribute with the interpretation about the use of

    Brazilian territory, using, for this, BNDES analysis. The choice of researching this

    institution is due to its planning importance, financing and execution of the major

    development projects, lived by country since half of XX Century. BNDES history is

    confused with the history of territory integration and with national industrialization, both

    based on a politics of underdevelopment overcome. Born on 1952, on Getulio Vargas

    government, the Bank has been, since then, essential to the major projects or national

    plans of distinct orientations. In the present days, with the intensification of globalization

    rationality on Brazilian socio-space formation, BNDES has been a central point for the

    elaboration and operationalization of a normative and territorial scene, in favour of the

    territory internationalization. The vigorous privatization process coordinated by the Bank,

    with the endorsement of consultancy companies, has been enlarging the unequal

    generation and appropriation of richness and intensifying the corporate use of territory.

    Key-words: BNDES, consultancy companies, privatizations, corporate use of the territory.

  • 1

    INTRODUO

    A organizao territorial brasileira tem sido marcada por grandes desigualdades

    e por diferentes usos corporativos. O perodo contemporneo tem acirrado a

    polarizao entre a riqueza e a escassez socioespaciais.

    A histria do BNDE1 se confunde com a histria da integrao e da

    industrializao nacional. Criado em 1952, no governo Getlio Vargas, o Banco visava

    atender a demanda por financiamentos de longo prazo. A industrializao era uma

    prioridade como estratgia de desenvolvimento nacional e de superao estrutural da

    condio de subdesenvolvido. Em pouco tempo, a instituio se tornou uma das

    principais referencias de planejamento da burocracia estatal brasileira. Desde ento, o

    Banco situa-se como instituio-chave dos principais projetos ou planos nacionais das

    mais diversas orientaes.

    No perodo contemporneo, o planejamento territorial caracteriza-se, como

    defende Vainer (2007), por uma desconstituio poltica e operacional. Com as

    recentes polticas neoliberais, o Estado perde grande parcela do controle poltico e

    econmico do territrio e h uma aceitao passiva da estratgia de insero

    competitiva nos mercados internacionais. Amplia-se, assim, a fragmentao das

    estruturas produtivas do pas e intensifica-se o uso corporativo do territrio (SANTOS

    & SILVEIRA, 2001).

    Tal situao reafirma a discusso sobre o territrio, tanto como uma categoria

    de anlise, quanto como um elemento para resgatar uma estratgia de

    desenvolvimento autnomo para o pas. O territrio, a partir do referencial terico

    proposto por Santos (1996), um dos grandes reveladores das contradies e crises

    do Brasil contemporneo.

    1 S em 1982, com a incorporao dos recursos do Fundo de Investimento Social (Finsocial), o BNDE agregou a letra S em sua sigla e passou, portanto, a se chamar BNDES. Neste trabalho, adota-se esta perspectiva temporal quando se usa os termos BNDE ou BNDES.

  • 2

    O primeiro captulo deste trabalho busca analisar a expanso do meio tcnico-

    cientfico. As preocupaes com a industrializao, com a integrao do territrio e

    com a superao do subdesenvolvimento fundamentaram a criao do BNDE e, por

    conseguinte, orientaram suas opes polticas.

    A difuso seletiva do meio tcnico-cientfico e as diferentes polticas de

    planejamento territorial do Estado serviram de base, neste trabalho, para uma

    periodizao da atuao do BNDES na formao socioespacial brasileira, que, grosso

    modo, parte de quatro grandes momentos. O primeiro ressalta o papel do BNDE no

    financiamento dos macrossistemas de energia e transporte; o segundo caracteriza a

    importncia do BNDE na ampliao dos circuitos produtivos industriais; o terceiro

    mostra a inflexo das prioridades histricas do BNDES frente ao processo de

    globalizao, com destaque para a estratgia de integrao competitiva nos mercados

    internacionais; e, o quarto, busca mostrar como o BNDES foi um dos principais

    responsveis pela poltica de privatizao e pela ampliao do uso corporativo do

    territrio.

    Este ltimo perodo, proposto em nossa na periodizao, tem a sua anlise

    desdobrada no segundo captulo. O BNDES firmou-se como um locus de redefinio da

    poltica de Estado. As proposies elaboradas pelo Banco durante a dcada de 1980

    serviram de base para que o Estado brasileiro comeasse a realizar suas primeiras

    privatizaes.

    O acirramento da internacionalizao do capital fundamenta-se, hoje, na

    crescente unicidade tcnica e na convergncia de um quadro poltico-normativo em

    escala mundial, tem-se, assim, a possibilidade concreta de se fragmentar a produo

    em diferentes lugares do planeta, ao passo que o comando tende a ser cada mais

    centralizado (SANTOS, 1996).

    Em grande medida, a narrativa da modernizao normativa e territorial, em

    curso em diversos pases, tem por base as recomendaes de organizaes mundiais,

    mormente o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo Monetrio Internacional (FMI), como

    uma condio sine qua non para o progresso tcnico e para o desenvolvimento

  • 3

    socioeconmico dos pases subdesenvolvidos. O papel desses impulsos globais,

    fomentando reformas neoliberais, ser analisado neste segundo captulo.

    No final do segundo captulo, ser analisado o papel das empresas de

    consultoria nos mercados crescentemente internacionalizados. A reflexo sobre o

    planejamento territorial contemporneo necessita, inevitavelmente, considerar o papel

    exercido por essas empresas, que vm se afirmando como imprescindveis

    elaborao de polticas governamentais, pois melhor representam as prerrogativas do

    iderio da globalizao.

    As empresas de consultoria ao trabalharem e, conseqentemente, controlarem

    informaes estratgicas das situaes socioespaciais de diferentes territrios tornam-

    se fundamentais no rol das estratgicas corporativas dos grupos empresarias, bem

    como na assessoria das burocracias dos Estados nacionais ansiosas por fazerem

    reformas neoliberais.

    No caso brasileiro, as empresas de consultoria incorporaram nos ltimos anos

    importantes funes, antes exercidas apenas por instituies governamentais. Na

    dcada de 1990, o leque de atuao dessas empresas abrangeu desde a anlise

    financeira do patrimnio estatal at a elaborao de estudos e a proposio de

    projetos para o territrio nacional (SILVA BERNARDES, 2001; MANZONI NETO, 2007).

    No terceiro e ltimo captulo sero tratados os ajustes internos, ou seja, como

    o Estado Brasileiro internalizou o conjunto de reformas pelas quais passavam

    diferentes territrios nacionais. O BNDES, uma das instituies estatais em que a

    lgica de funcionamento dos mercados mais se incrustou, defendeu uma nova

    orientao para o Estado. Na dcada de 1990, atravs da experincia e da

    participao ativa do Banco, o governo brasileiro promoveu uma grande reorganizao

    do territrio, com o intenso processo de privatizao das empresas e servios estatais.

    Este trabalho tem, portanto, a inteno de contribuir com a interpretao das

    transformaes e usos do territrio brasileiro a partir da anlise do BNDES. Os

    impulsos globais em favor das privatizaes de empresas e servios estatais

    implicaram em grandes transformaes na formao socioespacial brasileira,

  • 4

    intensificando as histricas desigualdades. A atuao recente do BNDES contribuiu

    para ampliar o uso corporativo do territrio, uma vez que as solidariedades orgnicas

    e organizacionais firmadas por meios dos circuitos de produtivos esto, agora,

    privatizados e, em grande medida, desnacionalizados.

  • 5

    CAP. 1 - AS UTOPIAS DO DESENVOLVIMENTO: PROJETOS NACIONAIS E

    A EXPANSO DO MEIO TCNICO-CIENTFICO

    1.1 O advento do meio tcnico-cientfico e a renovao da materialidade do

    territrio

    So diversos os estudos que visam explicar o processo de industrializao no

    Brasil, bem como as etapas da integrao territorial. No entanto, poucos estudos

    partem do territrio como uma instncia analtica da sociedade. Tal esforo exige uma

    compreenso das principais variveis responsveis pela organizao do espao. Trata-

    se, como definiram Santos & Silveira (2001: 23), de um projeto ambicioso, pois

    pretende fazer falar a nao pelo territrio.

    Parte-se, desse modo, da compreenso de que o espao geogrfico um dos

    entes analticos das situaes presentes. E como tal pode ser interpretado como um

    conjunto indissocivel de sistemas de objetos de sistemas de aes (SANTOS, 1996).

    H, portanto, uma relao dialtica entre o espao e a sociedade a ser desvelada.

    Com este partido de mtodo, evita-se cair no risco de estudar a espacialidade

    dos processos sociais, ou seja, conceber o espao geogrfico apenas como a forma

    material resultante das aes sociais. Busca-se, assim, partir de uma viso unitria

    entre o espao e a sociedade, entre as aes sociais e as formas-contedo.

    Cada recorte do espao geogrfico acolhe de maneira particular a combinao

    de objetos e aes. Um desses recortes o territrio; no entanto, no o territrio

    em si, ou seja, somente a sua dimenso material, mas o territrio compreendido

    atravs da dimenso material e os seus usos sociais (SANTOS, 1994; SANTOS &

    SILVEIRA, 2001: 247).

    A indissociabilidade entre o estado das tcnicas e das aes cria um conjunto

    particular de possibilidades dinmica social. Cada movimento histrico cria suas

    formas espaciais, numa combinao entre a diviso do trabalho e as particularidades

    naturais e histricas dos lugares. A organizao do espao, portanto, resultado

  • 6

    desse embate entre a crescente criao de novas formas espaciais e as formas

    pretritas, somadas teia de relaes sociais contempornea.

    O territrio brasileiro , ao mesmo tempo, o resultado da soma e da sntese da

    histria de suas regies. A densidade tcnica e os usos correspondentes fizeram com

    as diversidades se transformassem, ao longo dos sculos, em disparidades ou

    desigualdades regionais. As diversas divises do trabalho legaram ao pas uma

    organizao territorial diversa e fragmentada. A interpretao dessas transformaes a

    partir de um enfoque geogrfico exige, indubitavelmente, uma periodizao. Ou seja,

    exige-se um esforo para identificar as variveis centrais que, em cada intervalo de

    tempo, iro comandar o sistema de variveis, esse sistema de eventos que

    denominamos perodo. Eis o princpio a partir do qual podemos valorizar os processos

    e reconhecer as novidades da histria do territrio (SANTOS & SILVEIRA, 2001: 23).

    A tcnica, a cincia e a informao configuram-se como mediaes essenciais

    de interpretao do perodo histrico e, por extenso, da natureza contempornea do

    espao geogrfico2. A unio entre tcnica e cincia esboada desde o sculo XVIII,

    com a Revoluo Industrial ganha mpeto na dcada de 1940, no aps Segunda

    Guerra Mundial, e se intensifica a partir da dcada de 1970.

    Segundo Radovan Richta (1971), as transformaes engendradas pelo avano

    tcnico-cientfico remodelaram as bases da civilizao ou, em termos mais amplos, as

    bases da existncia humana. O autor buscou analisar teoricamente a profunda

    interao entre cincia e tcnica nos desgnios do sistema produtivo e de suas

    implicaes na prpria organizao do espao3.

    2 A noo de tcnica aqui utilizada pressupe que as tcnicas so um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espao (SANTOS, 1996: 25) 3 Radovan RICHTA (1971: 09), j no incio da dcada de 70, escrevera: la profundidad, la rapidez y la amplitud e las transformaciones en la produccin, de las novedades tcnicas y de los descubrimientos cientficos en todo el mundo indican que en la actualidad se ponen em movimiento procesos que modifican desde la base la estructura de las fuerzas productivas de la sociedad, la base material de la vida humana, superando ampliamente los limites de las conquistas que hasta el movimento haba logrado la civilizacin (...) el medio natural es suplantado por otro artificial, creado por el hombre; la

  • 7

    Por conseguinte, a produo capitalista e o desenvolvimento cientfico

    tornaram-se parte de um processo unitrio; a cincia assume a caracterstica de fora

    produtiva, pois medida que a indstria foi descobrindo que a cincia podia ser cada

    vez mais uma fora produtiva, foi submetendo a produo de conhecimentos

    cientficos mesma diviso de trabalho a que estava sujeita a produo de qualquer

    outra mercadoria (MAMIGONIAN, 1982: 39). Tais transformaes so o fulcro para a

    emergncia de novo perodo histrico, denominado de perodo tcnico-cientfico.

    Santos (1996), no esforo de interpretar essa discusso a partir de um enfoque

    geogrfico, elucida que a histria da sociedade , em grande medida, a histria da

    substituio do meio natural, atravs do trabalho, para um meio cada vez mais

    tcnico, artificializado. O espao geogrfico, mediado por tcnicas, acumula formas

    geogrficas de momentos histricos distintos. o trabalho, segundo o autor, que

    humaniza o espao e o deixa cada vez mais dotado de intencionalidade.

    As tcnicas, como resultado do trabalho, so um fenmeno histrico e, por

    isso, situam-se com variveis importantes na interpretao da histria recente da

    formao socioespacial brasileira4.

    A ocupao e, por conseguinte, a integrao do territrio brasileiro podem ser

    narradas como a histria de transformao do meio geogrfico, no sentido de

    superao das condies impostas pela natureza.

    De modo geral, pode-se afirmar que no perodo colonial, em virtude das

    demandas advindas da metrpole, as terras portuguesas na Amrica conheceram

    ciencia se incorpora a toda la vida humana y abre constantemente nuevas dimensiones del movimiento. Los hombres se apoderan gradualmente de la base de su propia existencia 4 O conceito de formao socioespacial foi proposto por Santos (1982) a partir da releitura das contribuies marxistas sobre a formao econmica e social. De acordo com Santos (1982:14) modo de produo, formao social, espao essas trs categorias so interdependentes. Todos os processos que, juntos, formam o modo de produo (produo propriamente dita, circulao, distribuio, consumo) so histrica e espacialmente determinados num movimento de conjunto, e isto atravs de uma formao social. Com essa proposio, Santos (1982) pretendeu romper com as interpretaes dualistas, comum nas cincias sociais, que separavam as anlises do espao e da sociedade. Do mesmo modo, pretendeu (re)afirmar o espao como importante campo de anlise das dinmicas da sociedade.

  • 8

    gradualmente ondas de modernizao territorial5, com a incorporao de um conjunto

    de novas tcnicas. Diversas mudanas qualitativas e quantitativas na composio e no

    uso do territrio surgiam com o desenvolvimento de atividades produtivas agrcolas e

    de explorao mineral. Em poucos sculos, a formao socioespacial brasileira se

    constitua em conjunto de ilhas ou pontos no territrio em que uma produo,

    sobretudo voltada para a exportao, ocorria de forma seletiva e a circulao

    mecanizada se realizava de forma restringida.

    Cano (1998: 312) assevera que anterior a dcada de 1930 a economia

    nacional no era integrada e cada uma de suas regies havia tido uma histria e uma

    trajetria econmica especficas, que lhe deixaram uma herana cultural, demogrfica

    e econmica (...) demarcadora de diferentes graus de pobreza absoluta e relativa e de

    diferentes estruturas produtivas.

    At ento, priorizava-se um modelo de desenvolvimento voltado exportao

    de produtos primrios. O uso do territrio resultante desse projeto resultava em uma

    situao comum aos pases de capitalismo dependente6, nos quais o desenvolvimento

    dos sistemas produtivos e a ampliao dos meios de circulao no se estruturaram

    em prol de uma integrao nacional, mas respondendo s demandas externas.

    a partir do sculo XX, com a implantao de grandes sistemas tcnicos,

    sobretudo com as ferrovias e os portos, que o territrio brasileiro direciona-se no

    sentido de criar uma maior integrao econmica entre as regies produtivas.

    Emergia, como colocam Santos & Silveira (2001: 27), um meio tcnico da circulao

    mecanizada e da industrializao balbuciante, ao passo em que se iniciava a

    interiorizao da urbanizao. 5 De acordo com Silveira (1999: 22) modernizao territorial refere-se ao resultado de um processo pelo qual um territrio incorpora dados centrais do perodo histrico vigente que importam em transformaes nos objetos, nas aes, enfim, no modo de produo 6 Sampaio Jr (1999: 90) conceitua o capitalismo dependente da seguinte forma: O capitalismo dependente , portanto, um capitalismo sui generis que se caracteriza pela reproduo de uma srie de nexos econmicos e polticos que bloqueiam a capacidade de a sociedade controlar seu tempo histrico. O problema que a posio subalterna na economia mundial e a falta de acumulao comprometem as propriedades construtivas do capitalismo com motor do desenvolvimento das foras produtivas e exacerbam suas caractersticas anti-sociais, antinacionais e antidemocrticas. Por isso, no capitalismo dependente existem contradies irredutveis que impedem que a sociedade nacional consiga submeter acumulao de capital a seus desgnios.

  • 9

    Tratava-se de uma integrao limitada, pois a industrializao, como vetor

    interno, apenas comeava a moldar a organizao do territrio brasileiro. A produo

    agrcola, sobretudo em So Paulo, foi um dos principais condicionantes desse processo

    ao gerar a acumulao de capital necessria para a implantao de sistemas tcnicos.

    Ao mesmo tempo em que as diferentes estruturas produtivas do pas comeavam a se

    articular, as disparidades regionais se aceleravam. Exigia-se, assim, que o Estado

    criasse instrumentos de planejamento eficazes para coordenar as mudanas na

    estrutura produtiva do pas.

    A partir da dcada de 1930, com o governo de Getlio Vargas, o Estado,

    mediante o planejamento, buscava criar as condies para que o pas superasse a

    condio de subdesenvolvimento7. A opo por uma poltica de substituio de

    importaes enquadrava-se na crena que a industrializao seria o meio mais eficaz

    para o pleno desenvolvimento do pas.

    Segundo Furtado (1979: 235)

    a industrializao no , entretanto, simples resposta a uma

    diversificao da procura. Ela exige aumento da dotao de capital

    por unidade de outros fatores e acarreta uma mais intensa

    assimilao do progresso tcnico e melhora da qualidade do fator

    humano. Em conseqncia, com a industrializao aumenta a

    flexibilidade da estrutura produtiva

    No entanto, o mesmo Furtado (1979) alertava que os efeitos propulsores do

    desenvolvimento adviriam se o dinamismo industrial estivesse estruturado de forma a

    compatibilizar a capacidade produtiva com um nvel adequado de investimento no

    conjunto da sociedade, sobretudo com a correo das disparidades socioespaciais.

    7 A idia de subdesenvolvimento, neste trabalho, espelha-se nas contribuies de Furtado (1979) para tal tema. Segundo este autor, o subdesenvolvimento no um estgio, tampouco uma etapa para o desenvolvimento da qual os pases avanados j passaram; ele resultante de um processo histrico singular, prprio da expanso das economias capitalista.

  • 10

    Ademais, Furtado (1979; 1992) considera que a industrializao por

    substituio de importaes foi poltica necessria, mas no suficiente para alcanar o

    desenvolvimento8. A insero subordinada do Brasil no mercado internacional tendia a

    se agravar, pois, como os demais pases perifricos, o Brasil se especializou na

    exportao de produtos primrios e tornou-se um grande importador de produtos

    manufaturados. A ideologia do desenvolvimento passou a confundir-se com a

    introduo de novos produtos finais de consumo e, com isso, a importao de certos

    padres de consumo9.

    Para Furtado (1979), a industrializao por substituio de importaes, bem

    como a conseqente modernizao dependente, tem em comum o fato de serem

    adaptaes das mudanas estruturais do sistema econmico mundial. Trata-se, desse

    modo, da prpria evoluo do processo de dependncia.

    O fenmeno do subdesenvolvimento , portanto, uma manifestao histrica e

    espacial de complexas relaes de dominao interna e dependncia externa, que

    deixado ao sabor das orientaes do mercado tende a se autoperpetuar (FURTADO,

    1979; 1992).

    A interpretao das modernizaes territoriais, impulsionadas pela

    industrializao, no pode, por conseguinte, ser compreendida fora das estruturas

    polticas e econmicas da diviso internacional do trabalho.

    , neste sentido, que Santos & Silveira (2001: 47) escrevem:

    O peso da ideologia do crescimento, a correspondente atrao pelo

    desenvolvimento industrial, apontada como pancea, as necessidades

    do consumo interno, o imperativo de afirmar o Estado sobre a nao

    8 A noo de desenvolvimento, aqui incorporada, reflete aquilo que Furtado (1994) define como a possibilidade plena de realizao do homem, e no somente a maior racionalidade e eficincia dos sistemas econmicos. Portanto, o desenvolvimento leva, inevitavelmente, ao bem-estar da populao. 9 A teoria do subdesenvolvimento parte do princpio que a relao histrica centro-periferia permitia que a incorporao do progresso tcnico ocorresse de forma desarticulada do desenvolvimento das foras produtivas, criando assim um descompasso entre a modernizao dos padres de consumo e a modernizao dos meios de produo. Para uma discusso do processo de industrializao brasileiro e do subdesenvolvimento, consultar Furtado (1974; 1979; 1992) e Sampaio Jr. (1999).

  • 11

    e a indispensabilidade de um comando eficaz sobre o territrio eram

    argumentos de peso, embora muito deles fossem exclusivamente

    ideolgicos

    O planejamento inseria-se, assim, como um instrumento do Estado primordial

    acelerao de um novo padro de acumulao de capital. O territrio brasileiro

    conhece novos usos e tem no planejamento um das principais vias de modernizao

    territorial.

    Bertha Becker e Cludio Egler (1998: 81) coadunam com essa discusso ao

    afirmarem que medida que as foras do mercado eram insuficientes para garantir o

    processo de desenvolvimento dos pases perifricos latino-americanos, o planejamento

    estatal era a via indispensvel para a industrializao nacional. Buscava-se, portanto,

    construir um ncleo endgeno de acumulao que pudesse gerar autonomamente seu

    prprio dinamismo.

    Andrade (1977) afirma que o planejamento despontou como um mecanismo de

    correo das disparidades territoriais do pas e, ao mesmo tempo, como um elemento

    fundamental de propagao do meio tcnico-cientfico (SANTOS, 1996).

    Contudo, o alargamento do contexto da industrializao e da integrao

    territorial - mediante os investimentos em sistemas de engenharia, tais como portos,

    usinas hidreltricas, redes de transmisso de energia, ferrovias, telgrafos, entre

    outros - eram limitados devido a pouca capacidade de financiamento existente no

    pas10. Isso decorria, de acordo com Contel (2006), em virtude de dois grandes

    problemas: a) a insuficincia de mecanismos tributrios do Estado para financiar os

    projetos que exigiam vultosos capitais; b) a incipiente formao do empresariado

    nacional.

    A continuidade dessas transformaes no territrio brasileiro, com

    10 Contel (2006) coloca, no entanto, que as necessidades de financiamento fizeram com que fossem criados Bancos Federais de desenvolvimento, que visavam explorar as potencialidades regionais do pas e atrair os investimentos produtivos e financeiros. Enquadravam-se nesta poltica o Banco de Crdito da Borracha (1942) e a Caixa de Crdito Cooperativo, ambos relacionados regio amaznica.

  • 12

    investimentos nos macrossistemas11 de engenharia e nas indstrias de base, exigia do

    aparelho estatal mecanismos eficazes de planejamento, e, agora, de instituies de

    financiamento de longo prazo. Os bancos privados financiavam somente operaes de

    curto prazo que possibilitassem um retorno garantido; financiavam, portanto, as

    empresas j estabelecidas no mercado e com baixo risco de inadimplncia (ALEM,

    1997).

    A estratgia do planejamento pautava-se no interesse governamental de

    articular o sistema econmico nacional, que at ento se caracterizava pelos vnculos

    das produes regionais com o mercado externo. A integrao territorial e o

    financiamento do processo de industrializao foram elementos essenciais para esse

    momento histrico de construo de um projeto nacional.

    neste contexto de transformao do meio geogrfico, de formao de um

    mercado interno, de industrializao, de conhecimento das particularidades do

    territrio e da necessidade de financiamento, que o governo brasileiro criou o Banco

    Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE), que pode ser considerado um

    exemplo da proeminncia de fatores polticos na formao de um sistema econmico

    nacional (FURTADO, 1992).

    A criao do BNDE em 1952, no segundo governo de Getlio Vargas (1951-54),

    responde a essa necessidade de financiamento dos macrossistemas tcnicos e,

    conseqentemente, da expanso do meio tcnico-cientfico no territrio nacional.

    Moraes (2002) afirma que o aparato estatal se revestiu de uma nova ideologia

    geogrfica12, na qual as polticas territoriais substantivavam o projeto poltico de

    11

    Entende-se por macrossistemas tcnicos o que Santos (1996: 142) descreve como queles sistemas de tcnicas sem os quais os outros sistemas tcnicos no funcionam, que se materializam em barragens, ferrovias, rodovias, portos, aeroportos, sistemas de telecomunicaes, etc., constituindo, assim, o fundamento material das redes de poder.

    12 Moraes (1988: 44) coloca que as ideologias geogrficas alimentam tanto as concepes que regem as polticas territoriais dos Estados, quanto autoconscincia que os diferentes grupos sociais constroem a respeito de seu espao e da sua relao com ele. So a substncia das representaes coletivas acerca dos lugares, que impulsionam sua transformao ou acomodamento nele. Exprimem, enfim, localizaes e identidades, matrias-primas da ao poltica. De acordo com este mesmo autor (2002) as ideologias geogrficas sempre foram um mote ideolgico de afirmao do Estado perante a nao. Os fundos

  • 13

    construo do Brasil moderno. A noo de modernizao tornou-se, portanto, central,

    uma vez que modernizar, segundo Moraes (2002: 121), implicava em "reorganizar e

    ocupar o territrio, dot-lo de novos equipamentos e sistemas de engenharia,

    conectar suas partes com estradas e sistemas de comunicao.

    Nas suas primeiras dcadas de atuao, o BNDE se caracterizou como um

    instrumento propulsor de modernizaes do territrio nacional. Suas principais aes

    buscavam fomentar os mecanismos de apoio ao desenvolvimento industrial. As

    prioridades do Banco estavam no financiamento da realizao de obras e programas

    que previam a instalao, desenvolvimento ou ampliao dos sistemas de transporte e

    portos; dos sistemas de energia eltrica, das indstrias de base e do desenvolvimento

    da agricultura (IANNI, 2004: 42).

    No intuito de compreender a difuso seletiva do meio tcnico-cientfico e sua

    relao com as polticas territoriais do Estado ser feita, no prximo item, uma breve

    periodizao da atuao do BNDES na formao socioespacial brasileira.

    territoriais, as idias de construo do pas, civilizao, modernizao, desenvolvimento, e, agora, globalizao, servem de fulcro para a afirmao de polticas territoriais.

  • 14

    1.2 A Integrao em Marcha: O BNDE e a difuso seletiva do meio tcnico-

    cientfico

    A questo central deste trabalho volta-se para a atuao do BNDES na

    reorganizao do territrio nacional durante a dcada de 1990. No entanto, para o

    entendimento das transformaes do Banco frente aos atuais impulsos da globalizao

    torna-se necessrio um breve resgate de sua histrica importncia na formao

    socioespacial brasileira.

    A periodizao, como recurso de mtodo, impe-se como essencial a anlise

    geogrfica. De acordo com Santos (1985: 22) a noo de espao assim inseparvel

    da idia de sistemas de tempo. A cada momento da histria local, regional, nacional

    ou mundial, a ao das diversas variveis depende das condies do correspondente

    sistema temporal.

    O Banco, em virtude da sua importncia, foi objeto de vrios estudos,

    sobretudo os que se preocupam em analisar o processo de industrializao e a

    formao do mercado interno. Dentre estes estudos, diversas periodizaes foram

    propostas, como nos trabalhos de Sheila Najberg (1989), Dulce Monteiro Filha (1994

    [1989]), Ana Alem (1997), Cludia Curralero (1998), Adriana Diniz (2004), Gilberto

    Silva Jr. (2004), alm, claro, das periodizaes propostas pelo prprio banco, como,

    por exemplo, no livro comemorativo de seu cinqentenrio BNDES: 50 Anos de

    Desenvolvimento (2002).

    Najberg (1989) divide a histria do BNDES em trs fases: a primeira abarca o

    perodo de 1952 a 1956, no qual se destacam os investimentos em infra-estrutura; a

    segunda situa-se entre 1957 a 1964, com a prioridade em investimentos na indstria

    nacional; a terceira fase abarca o perodo de 1964 a dcada de 1980, no qual o banco

    d prioridade aos investimentos nas empresas privadas.

    Monteiro Filha (2002 [1994]) divide a atuao do BNDES em cinco perodos: o

    primeiro, denominado de Criao, situa-se entre os anos de 1952 a 1956, com

    prioridade aos financiamentos dos sistemas de transportes (principalmente ferrovias) e

    a energia eltrica, ambos indicados pela Comisso Mista Brasil-Estados Unidos

  • 15

    (CMBEU). O segundo, denominado de Consolidao, restringe-se ao perodo de 1957 a

    1963, com a atuao do Banco voltada execuo dos projetos definidos pelo Plano

    de Metas. O terceiro, considerado de Diversificao, abarca o perodo de 1964 a 1973,

    caracterizado pela maior diversificao dos financiamentos, pois o BNDE passou a

    apoiar um maior nmero de programas governamentais, mesmo que os recursos

    continuassem concentrados nos setores siderrgicos e transporte. O quarto perodo,

    com o II PND, situa-se entre 1974 e 1978, com a nfase no financiamento de insumos

    bsicos (siderurgia, qumica e petroqumica, papel e celulose e metalurgia de no-

    ferrosos) e de indstrias de bens de capital, com nfase na disponibilizao de

    recursos para o setor privado nacional. O quinto perodo, denominado de Pr-Crise,

    entre 1979 a 1981, os setores de energia eltrica e a siderurgia obtiveram os maiores

    financiamentos, no entanto foi identificada a necessidade de deslocamento na

    estratgia de atuao, especialmente de apoio infra-estrutura de interesse social e

    produo de bens de consumo essenciais, em particular de origem agropecuria e

    agroindstria (MONTEIRO FILHA, 1994: 420-421). A autora situa o sexto perodo,

    considerado Perodo da Crise, entre os anos de 1982 a 1989, no qual o Banco no

    apresentava diretrizes claras de suas prioridades polticas e de financiamento.

    Ana Alem (1997), por sua vez, divide a histria do BNDES em cinco perodos: o

    primeiro vai de 1952 a 1964, no qual o Banco concentrou seus financiamentos nos

    setores de transporte, energia e siderurgia. O segundo abarca de 1964-1974, quando

    o BNDE ampliou os financiamentos aos setores privados. O terceiro perodo, entre

    1974 e incio da dcada de 1980, o banco foi o principal executor do II PND, com

    destaque para o maior financiamento dos setores de bens de capital e de insumos

    bsicos. O quarto perodo, entre os anos de 1980 e incio da dcada de 1990, houve

    uma significativa desacelerao dos desembolsos do BNDES, o que refletiu, em

    grande medida, a retrao dos investimentos pblicos e privados, decorrente,

    principalmente, da alta instabilidade macroeconmica que caracterizou o perodo

    (ALEM, 1997: 04). O quinto perodo, a partir de 1994, o Banco optou por uma poltica

    de modernizao, que se pautou na insero competitiva do Brasil no comrcio

    internacional.

  • 16

    Cludia Curralero (1998) analisa o papel o BNDES, na perspectiva de uma

    Instituio de Fomento ao Desenvolvimento (IFD)13, nos diferentes contextos

    macroeconmicos entre o perodo de 1952 e 1996. A autora identifica duas grandes

    fases. A primeira, entre os anos de 1952 a 1979, em que possvel encontrar

    elementos polticos e econmicos comuns, atravs da vigncia de um modelo

    econmico marcado pela forte presena estatal, elevadas taxas de crescimento

    econmico, crescente participao do capital externo no financiamento e polticas

    industriais fundamentadas em grandes projetos, como o Plano de Metas e o II PND. A

    segunda fase inicia-se a partir do incio da dcada de 1980, quando o BNDES passou a

    redefinir a sua funo ao afastar-se, gradativamente, do perfil de uma IFD. Desta

    segunda fase desdobram-se trs grandes momentos. O primeiro, no incio da dcada

    de 1980, o BNDE, em virtude do cenrio de crise econmica, priorizou o auxlio

    econmico e financeiro s empresas que estavam em dificuldade financeira. O

    segundo momento, a partir de meados da dcada de 1980, o BNDES no apresentava

    uma estratgia consistente de financiamento. E, por fim, o terceiro momento, no incio

    da dcada de 1990, o BNDES se destacou como a principal instituio Programa

    Nacional de Desestatizao (PND) e sua atuao se distanciou das estratgias

    histricas de uma IFD.

    A periodizao proposta pelo livro institucional BNDES: 50 anos (2002) est

    dividida em dcadas e no h um esforo de articular as principais aes e dot-las de

    uma coerncia poltica, histrica e espacial. Sendo assim, observa-se a seguinte

    periodizao: dcada de 1950, destaque para os financiamentos nos setores de

    transporte e energia, que consumiram mais de 60% do total desembolsado pelo banco

    na dcada14. O segundo perodo corresponde a dcada de 1960, financiamento das

    13 Segundo Curralero (1998), as Instituies de Fomento ao Desenvolvimento se destacam na implementao de atividades de fomento, que apresentam um papel importante ao possibilitarem a realizao de projetos de indiscutvel mrito social, ou projetos cujos resultados no so traduzveis em termos econmicos, gerando externalidades positivas para a sociedade. Atuam tambm no sentido de viabilizar projetos de investimento importantes, mas relegados pela iniciativa privada em funo dos problemas relativos: escala, aos custos informacionais e de transao, magnitude dos montantes a serem financiados e os vinculados incerteza do risco do retorno. (CURRALERO, 1998: 01). 14 O transporte, por tratar-se de atividade essencial e deficitria, foi o primeiro setor apoiado pelo BNDES: no ano da criao do Banco, o nico financiamento efetivamente aprovado se destinou

  • 17

    indstrias de base, das indstrias de transformao e a diversificao dos desembolsos

    em favor das pequenas e mdias empresas privadas15. A dcada de 1970, terceiro

    perodo, auge da poltica de substituio de importaes e de grandes projetos de

    desenvolvimento, o BNDE centralizou sua atuao no financiamento das empresas

    privadas nacionais16. Na dcada de 1980, o BNDES passou por uma reestruturao

    administrativa e estratgica. O Banco passou a incorporar as questes sociais e

    ambientais em suas polticas17. Nos anos 1990, o BNDES se dedicou a operacionalizar

    o processo de privatizao e foi incumbido, pelo governo federal, de ser o gestor do

    Fundo Nacional de Desestatizao, tornando-se o rgo responsvel pelo suporte

    administrativo, financeiro e tcnico do Programa Nacional de Desestatizao (BNDES,

    2002: 148-149).

    De acordo com Diniz (2004), o BNDES pode ser dividido em dois grandes

    momentos: o primeiro abarca os anos de 1952 a 1989, na qual o Banco assume o

    papel de agente de desenvolvimento. Este primeiro perodo tem, por sua vez, uma

    subdiviso interna, a saber: de 1952 -1964, com destaque para o financiamento do

    setor pblico, principalmente os setores do ao e da eletricidade; de 1964-1970,

    financiamento do setor pblico, atravs das estatais, e financiamento do setor privado;

    Estrada de Ferro Central do Brasil, em 10 de novembro de 1952 (...) Foi o primeiro de muitos financiamentos do BNDES nos anos 50, quando o setor de energia e o de transportes absorveram 60% dos crditos aprovados. Os 40% restantes se dividiram entre os demais ramos da indstria, como papel e metalurgia (BNDES, 2002: 31).

    15 A presena do Banco na expanso do setor energtico, ferrovirio e siderrgico est na origem da deciso governamental de criar trs empresas: a Rede Ferroviria Federal SA (RFFSA, 1957), a Centrais Eltricas Brasileiras SA (Eletrobrs, 1962) e a Siderurgia Brasileira SA (Siderbrs, 1973), que passaram a planejar e implementar seus projetos especficos. Assim, o BNDES ficou liberado para oferecer financiamentos a outros setores da economia, em especial a projetos da iniciativa privada, abrindo assim novas perspectivas de desenvolvimento (BNDES, 2002: 64). 16 que afirma a seguinte passagem O governo se empenhava em substituir importaes, e todas as suas aes se dirigiam a tal meta. O BNDES, como agente financiador, participou ativamente desse processo. Viabilizou numerosos projetos, sobretudo no apoio empresa privada nacional, considerada o elo mais vulnervel no trip econmico. Para tanto, precisou adequar-se mudana de rumo empreendida pelo governo, ampliando as reas atendidas (BNDES, 2002: 93) 17 Assim relata o livro comemorativo do cinqentenrio da instituio; o BNDES traou trs metas bsicas: convergir para um esforo de economia de reservas em moeda estrangeira; preservar o parque industrial nacional (j no era possvel falar em faz-lo crescer); e agir de forma decisiva sobre os problemas sociais mais urgentes (BNDES, 2002:123)

  • 18

    de 1970-1979, financiamento do setor privado e dos grandes projetos nacionais das

    empresas estatais; de 1980-1989, financiamento pblico e privado, processo de

    absoro de empresas nacionais para evitar as falncias. O segundo grande

    momento, entre 1990-2000, o Banco se destaca como articulador e gestor das

    polticas de abertura econmica, desregulaes e privatizaes.

    J Silva Jr. (2004) faz um esforo para criar uma periodizao fundamentada

    na dinmica espacial dos financiamentos do banco, ou seja, na espacializao dos

    financiamentos segundo os estados e regies do pas. Para tanto, o autor utilizou os

    dados do Banco para compreender o modelo de ordenamento territorial adotado

    (idem: 95). Silva Jr. (2004) divide a histria do BNDES em cinco fases diferentes e

    complementares. A primeira, entre os anos de 1952 a 1958, destaca-se pelo

    financiamento em infra-estrutura, sobretudo energia eltrica e transporte ferrovirio. A

    segunda fase, entre 1959 a 1967, prioriza os financiamentos nas indstrias de base. A

    terceira, entre 1968 a 1981, os financiamentos so diversificados, no entanto, prioriza-

    se a iniciativa privada. A quarta fase, entre 1982 e 1989, destaca-se pela incluso das

    questes sociais entre as prioridades do banco. A quinta e ltima fase, entre 1990 e

    2002, destaca-se a ampliao e diversificao dos financiamentos e pela conduo do

    processo de privatizao.

    Com base nos trabalhos citados, encaminhamos uma periodizao que, a

    princpio, parte de quatro grandes perodos, a saber:

    a) O BNDE e o financiamento dos macrossistemas de energia e transporte,

    entre 1952 1964;

    b) O BNDE e a ampliao dos circuitos produtivos industriais, entre 1965

    1981;

    c) O BNDES e as concepes de integrao competitiva, entre 1982

    1989;

    d) O BNDES e as polticas de privatizao, a partir de 1990.

  • 19

    Nos itens a seguir busca-se analisar, com um pouco mais de detalhe, as

    principais transformaes na formao socioespacial brasileira, tendo por base a

    dinmica de financiamento do BNDES.

    1.2.1 O BNDE e o financiamento dos macrossistemas de energia e

    transporte

    Este primeiro perodo compreende desde a criao do BNDE, em 1952, at

    meados da dcada de 1960. Como j levantado pela bibliografia citada, existem

    diversas nuanas neste intervalo de tempo, o que permitiria outras subdivises. No

    entanto, o que se espera enfatizar a preocupao do Estado brasileiro em expandir

    territorialmente os macrossistemas tcnicos, mormente os de transporte e de energia,

    e, assim, garantir as bases da integrao territorial e do processo de industrializao.

    Na tabela abaixo possvel observar a participao das indstrias de bens de capital e

    de bens de consumo durvel no incremento da produo industrial.

    Tabela 01 Taxas Mdias de Crescimento da Produo Industrial

    Perodos 1950-54 1956-59 1960-64

    Indstria de Transformao 8,8 11,1 7,7

    Consumo Durvel 25 22,7 16,8

    Consumo No-Durvel 6,2 6,5 4,3

    Bens Intermedirios 12,2 11,3 10,4

    Bens de Capital 12,3 34,8 6

    Fonte: Bonelli (1995 apud CURRALERO, 1998:12).

    No intuito de levantar os principais obstculos territoriais que emperravam o

    desenvolvimento capitalista do pas, o segundo governo de Getlio Vargas (1951-

    1954), criou o Programa de Reaparelhamento Econmico18. Tal programa se

    fundamentou, primeiramente, na realizao de estudos sobre as condies das infra-

    18 Criado a partir da Lei 1.474 de 26 de novembro de 1951 e reformado na Lei 1.518 de 24 de dezembro de 1951.

  • 20

    estruturas nacionais e, a posteriori, nos mecanismos necessrios obteno de

    financiamentos, indispensveis a realizao dos projetos traados.

    A dimenso dos projetos, aliada a pouca capacidade de financiamento interno,

    fez com que o governo brasileiro recorresse aos emprstimos externos para viabiliz-

    los. O Eximbank (Export-Import Bank) e o Banco Mundial foram as instituies

    fornecedoras de grandes quantidades de capital. Dessas negociaes entre os agentes

    externos e o governo brasileiro surgiu Comisso Mista Brasil Estado Unidos

    (CMBEU).

    De acordo com Dias (1996), a criao do Banco Nacional de Desenvolvimento

    Econmico BNDE - est intimamente ligada s iniciativas desenvolvidas no plano da

    CMBEU para a execuo de um conjunto de projetos de investimento19.

    O BNDE visava primordialmente financiar os projetos que eliminariam os

    entraves das aes de crescimento produtivo, bem como pretendia-se atuar

    diretamente nos fatores que impulsionassem a independncia de alguns setores

    produtivos, aliando-se diretamente poltica de substituio de importaes (SILVA

    Jr, 2004: 91). o que tambm relata o livro institucional do banco:

    A histria da criao do BNDES ocupa o epicentro do debate poltico-

    econmico ocorrido durante a dcada de 50, quando o Brasil

    precisava decidir que caminhos trilharia para acompanhar o

    reerguimento e expanso da economia mundial. O BNDES surgiu

    como instrumento importante tanto para elaborar anlises de projetos

    como para ser o brao do governo na implementao das polticas

    consideradas fundamentais decolagem da industrializao.

    (BNDES, 2002 a: 28)

    Em seus primeiros anos, o BNDE financiou os projetos recomendados pela 19 Dias (1996: 82) discorre sobre esta questo nos seguintes termos: A criao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico prende-se s iniciativas desenvolvidas no plano da Comisso Mista Brasil - Estados Unidos para a execuo de um conjunto de projetos de investimento. Aps negociaes difceis com o governo norte-americano, a Comisso foi finalmente instalada em julho de 1951, com o propsito de elaborar projetos para financiamento conjunto pelo governo brasileiro e por agncias norte-americanas, cujos recursos proviriam basicamente do Banco Mundial e do Eximbank, enquanto a contrapartida brasileira seria constituda principalmente por adicionais ao imposto de renda de pessoas fsicas e jurdicas.

  • 21

    CMBEU, que estavam enquadrados nos projetos previstos pelo Plano de

    Reaparelhamento Econmico. Tal plano foi dividido em trs partes: reaparelhamento e

    melhoria dos servios bsicos; desenvolvimento das indstrias de exportao e

    substitutivas de importaes; fomento e ampliao de todos os setores econmicos

    produtivos.

    No quadro abaixo se observa os principais projetos em macrossistemas tcnicos

    elaborados pela CMBEU e, posteriormente, financiados pelo BNDE.

    Quadro 01 - Projetos elaborados pela CMBEU e financiados pelo BNDE

    Ano Projeto

    1952 Estrada de Ferro Central do Brasil

    1953/1957 Companhia Nacional lcalis

    1953/1958 Viao Frrea do Rio Grande do Sul

    1954 Estrada de Ferro Santos-Jundia

    1954 Companhia de Eletricidade do Alto Rio Doce

    1954 Estrada de Ferro Gois

    1954 Estrada de Ferro Central do Brasil (Trens Urbanos)

    1954 Rede de Viao Paran Santa Catarina

    1955 Companhia Nacional de Energia Eltrica

    1955 Estrada de Ferro Noroeste do Brasil

    1955 Estrada de Ferro do Norte e do Nordeste

    1955 Rede Ferroviria do Nordeste

    1955 Estrada de Ferro Araraquara

    1956 Estrada de Ferro Sorocabana

    1956/1958 Rede Mineira de Viao

    1956 Estrada de Ferro Mossor Souza

    1957 Companhia Paulista de Fora e Luz

    Fonte: Relatrio de Atividades do BNDE (1958, apud SILVA Jr., 2004: 97)

    Como se pode notar, a maioria dos projetos financiados estava nos setores de

    transportes (ferrovias) e energia. Buscou-se, assim, suprir a dificuldade de circulao

  • 22

    no territrio, que, at ento, caracterizava-se por uma mecanizao incompleta. Neste

    primeiro momento, houve o predomnio dos financiamentos pblicos, com se pode

    observar na tabela abaixo.

    Tabela 02 - Financiamentos concedidos pelo BNDE entre 1952 e 1961 (%)

    Ano Setor Pblico Setor Privado

    1952 100.0 -

    1953 89.0 11.0

    1954 90.4 9.6

    1955 77.1 22.9

    1956 95.3 4.7

    1957 78.8 21.2

    1958 86.6 13.4

    1959 70.0 30.0

    1960 91,8 8,2

    1961 90,5 9,5

    1962 95,6 4,4

    1963 91,0 9,0

    1964 94,2 5,8

    Fonte: Dados organizados pelo autor a partir de NAJBERG (2002: 353).

    Os projetos da CMBEU propunham intervenes precisas no territrio, no

    intuito de superar os entraves ao desenvolvimento industrial. Fato que pode ser

    explicado, de certa forma, na natureza eminentemente setorial dos financiamentos.

    Cabe considerar que, neste primeiro momento, o BNDE contava com cinco linhas de

    financiamento: Energia, Transporte Ferrovirio, Portos e Navegao, Armazenamento

    e Indstrias (SILVA Jr, 2004).

    O Banco foi criado no governo de Getlio Vargas, mas foi com Juscelino

    Kubitschek (1956 1961) que o BNDE passou a assumir uma posio de destaque,

    tanto em termos quantitativos como qualitativos (BATISTA, 2003: 04).

    Alm dos estudos da CMBEU, outra instituio que teve destaque no

  • 23

    delineamento das atuaes do BNDE foi a Comisso Econmica para a Amrica Latina

    CEPAL - um rgo das Naes Unidas que elabora polticas de desenvolvimento para

    os pases da Amrica Latina. O convnio com a CEPAL foi firmado em 1953, com a

    criao do Grupo Misto de Estudos20. Este grupo produziu uma srie de estudos -

    fundamentados em um amplo levantamento estatstico da situao econmica e

    produtiva do territrio nacional - que subsidiou a elaborao de projetos. Ademais, a

    parceria BNDE-CEPAL promoveu um conjunto de cursos com intelectuais renomados

    da poca, como Celso Furtado, Roberto Campos e Ansio Teixeira (SILVA Jr., 2004). O

    objetivo era formar quadros tcnicos especializados na problemtica do

    desenvolvimento econmico21.

    A articulao do BNDE com a CEPAL possibilitou uma compreenso mais

    apurada das peculiaridades da dinmica de acumulao capitalista no pas. A formao

    do Grupo Misto BNDE-CEPAL buscou um planejamento mais consistente das situaes

    socioespacial brasileira (DIAS, 2004). O programa de investimentos elaborado pelo

    Grupo Misto no chegou a entrar em vigor, contudo serviu de um importante subsdio

    terico e operacional ao Plano de Metas (1956 1961).

    O BNDE situava-se no centro desse debate, pois desde sua criao acumulava

    experincias como um centro de anlise para os programas do governo, sendo,

    portanto, imprescindvel elaborao, gerenciamento e financiamento dos projetos

    governamentais. O Plano de Metas consistia em um conjunto de objetivos para

    economia nacional, tendo por base o levantamento e a anlise minuciosa das

    situaes econmico-produtiva do territrio nacional. Os setores prioritrios eram, de

    um lado, transporte e energia e, de outro, a implantao de indstrias de base, como 20 O Relato de Celso Furtado no livro BNDES: 50 anos, bem ilustrativo: a idia era criar um banco de desenvolvimento, o BNDES, funes importantes para criar uma base econmica moderna no pas. As experincias da Nacional Financiera, no Mxico, e da Corporacin de Fomento, no Chile, demonstravam que um banco de desenvolvimento o mais importante instrumento de poltica de industrializao em pases subdesenvolvidos. Roberto Campos, que trabalhava nas Naes Unidas e sabia que tnhamos feito na Cepal, foi ao Chile conversar comigo e ver que cooperao poderia haver entre a Cepal e o novo rgo de desenvolvimento a ser criado. Ral Prebish se entusiasmou com a idia de aplicar a tcnica desenvolvida pela Cepal num pas importante como o Brasil. E sugeriu ento que se constitusse o Grupo Misto Cepal-BNDE, que me coube dirigir (BNDES, 2002: 27). 21 Em 1953, foi ministrado pela CEPAL, no Rio de Janeiro, o Curso de Treinamento em Problemas de Desenvolvimento Econmico.

  • 24

    pode ser observado na tabela abaixo.

    Tabela 03 - Previses e Resultados do Plano de Metas (1957 -1961)

    Meta Previso Realizao %

    Energia Eltrica (1000 Kw) 2000 1650 82

    Carvo (1000 ton.) 1000 230 23

    Petrleo-Produo (1000 barris/dia) 96 75 76

    Petrleo-Refino (1000 barris/dia) 200 52 26

    Ferrovias (1000 Km) 3 1 32

    Rodovias Construo (1000 Km) 13 17 138

    Rodovias-Pavimentao (1000 Km) 5 - -

    Ao (1000 ton.) 1100 650 60

    Cimento (1000 ton.) 1400 870 62

    Carros e Caminhes (1000 unid.) 170 133 78

    Fonte: Dados organizados pelo autor a partir de Lacerda (2000, apud MATOS, 2002)

    Do montante dos projetos propostos pelo Plano de Metas, 129 no total, 91

    correspondiam s obras de infra-estrutura e 38 abarcavam os setores industriais

    (SILVA Jr., 2004).

    A despeito dos grandes avanos em termos de planejamento territorial22 e de

    conhecimento sobre o pas, o Plano de Metas, na avaliao de IANNI (1988: 28), no

    atingiu a categoria de programa total e integrador. Foi um aglomerado de programas

    setoriais, sem integrao interna nem fundamento numa viso de conjunto da

    realidade econmica nacional. Ele foi resultado direito da insero do Brasil no

    mercado internacional, pois, continua IANNI (idem: 28) o Brasil foi pensado como

    base de operaes e no como uma economia independente e autnoma. Nessa

    fase, o Estado era o principal agente indutor dos investimentos nos macrossistemas

    22 Considera-se que o planejamento, como um hbrido de tcnica e poltica, um elemento norteador da organizao do territrio. De certa forma, ele pode ser compreendido como uma expresso territorial das aes do Estado.

  • 25

    tcnicos. A tabela 04, abaixo, mostra as aprovaes setoriais do Banco; nota-se uma

    elevada concentrao nos financiamentos nas indstrias de bens de capital, insumos

    bsicos e em infra-estrutura.

    Tabela 04 Aprovaes do BNDE segundo Ramos e Gneros de Atividades

    Valores Mdios Anuais de Cr$ bilhes de 1991

    Ramos e Gneros Anos

    1953-55 1956-60 1961-964

    Insumos Bsicos 13 7% 177 41% 217 62%

    Minerao - - -

    Siderurgia 3 2% 99 23% 195 56%

    Metalurgia 1 1% 8 2% 4 1%

    Qumica e Fertilizantes 7 4% 39 9% 17 5%

    Celulose e Papel 1 1% 6 1% -

    Produtos Minerais no-metlicos - 25 6% -

    Equipamentos 5 3% 29 7% 12 4%

    Mecnicos Eltricos 4 - 6 1% 2 1%

    Material de Transporte 1 25 22 5% 11 3%

    Outras Indstrias - - 3 1%

    Txtil e Calados - - -

    Produtos Alimentares - - 2 -

    Outras - - 1 -

    Infra-Estrutura 169 88% 215 50% 32%

    Energia Eltrica 53 27% 130 30% 111 31%

    Ferrovirio 113 59% 83 19% 109 1%

    Rodovirio - - 2 -

    Hidrovirio 4 2% 3 1% -

    Outros Setores - - -

    Outras Atividades 5 3% 10 2% 7 2%

    Ensino Pesq. E Des. Tec. - - -

    Distribuio 3 2% 10 2% 7 2%

    Outras 2 1% - -

    Total 192 100% 430 100% 349 100%

    Fonte: Curralero (1998: 17)

  • 26

    Segundo Moraes (2002: 125), os esforo dos planos governamentais de

    meados do sculo XX, sobretudo com o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961),

    expressaram um momento onde o ajuste entre as ideologias geogrficas e as

    polticas territoriais do Estado total e explcito. O discurso e a materializao fsica

    das metas caminham em consonncia com a tarefa estatal de construir o pas

    objetivando-se agressivas polticas territoriais, num esforo de produo de espaos

    mpar na histria brasileira.

    O peso das divises territoriais pretritas se fez presente com o processo de

    industrializao. Os financiamentos do BNDE, no intuito de acelerar a industrializao,

    vieram reforar uma estrutura produtiva territorialmente concentrada na regio

    sudeste, mormente entre os estados do Rio de Janeiro e So Paulo. O grfico 01 e o

    mapa 01, abaixo, indicam essa tendncia.

  • 27

    Grfico 01- Desembolsos do BNDE por Regies, entre 1952 e 1964

    Fonte: BNDES (2002; 2008); Silva Jr. (2004). * Os valores foram atualizados para Reais, de acordo com a mdia da cotao de 2002, segundo Silva Jr. (2004). Devido a variao de cmbio, os dados da tabela so relevantes como elementos para se comparar ordens de grandeza.

    Grfico 02- Evoluo dos Desembolsos do BNDE, entre 1952 e 1964

    Fonte: BNDES (2002; 2008)

    Mapa 01 - Desembolsos do BNDE, entre 1952 e 1964

  • 28

    Neste perodo, intensifica-se a implantao de macrossistemas tcnicos do

    territrio, possibilitando, materialmente, a integrao nacional. O Plano de Metas

    atuou no sentido de consolidar os projetos anteriores de difuso dos macrossistemas

    tcnicos de energia e transporte, indispensveis ao desenvolvimento das atividades

    capitalista.

    A concentrao de financiamentos na regio centro-sul responde aos

    imperativos da constituio e expanso do meio tcnico-cientfico-informacional

    (SANTOS, 1985; SANTOS, 1996). Evidencia-se, nestes primeiros perodos da

    industrializao nacional, a formao de uma Regio Concentrada 23. Para Santos

    (1993), a regio concentrada coincide com a rea contnua de manifestao do meio

    tcnico-cientfico-informacional, ao passo que nas demais regies do pas tal

    manifestao ocorre de maneira mais seletiva e pontual.

    Desarticula-se gradativamente a antiga diviso territorial do trabalho,

    caracterizada por zonas de produo relativamente autnomas, num territrio

    marcado pela mecanizao incompleta (SANTOS & SILVEIRA, 2001). A integrao

    nacional, com a constituio de um meio tcnico-cientfico, traz tona uma dinmica

    centro-periferia.

    Segundo Becker e Egler (1998), os resultados desses primeiros planos de

    desenvolvimento, sobretudo com o Plano de Metas, foram duplos. De um lado,

    acentuou a histrica concentrao econmica e produtiva no sudeste por meio de

    investimentos nos macrossistemas tcnicos e, de outro lado, modernizou e ampliou a

    integrao territorial com as reas perifricas, robustecendo as dimenses do mercado

    interno.

    Tais modernizaes territoriais reorganizaram as relaes internas na formao

    socioespacial brasileira, dividida, agora, em reas em que este meio tcnico-cientfico

    se difunde de maneira relativamente continua e reas onde sua presena ocorre de

    forma pontual e seletiva.

    23 A Regio Concentrada, segundo Santos & Silveira (2001: 27), abrange os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, So Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Esprito Santo.

  • 29

    1.2.2 O BNDE e a ampliao dos circuitos produtivos industriais

    Neste segundo perodo, entre meados da dcada de 1960 e o alvorecer da

    dcada de 1980, destaca-se o papel do BNDE no financiamento do desenvolvimento

    industrial. Amplia-se, tambm, a transnacionalizao do territrio brasileiro em virtude

    da crescente participao das grandes empresas multinacionais nos sistemas

    produtivos nacionais. Alargam-se, assim, novos vnculos do pas com a diviso

    internacional do trabalho.

    Com a vigncia dos governos militares, o planejamento, pela via autoritria,

    buscava criar as condies, sobretudo com os I e II PND, para o desenvolvimento

    interno das atividades intensivas em tecnologias avanadas, como uma forma de

    reduo da dependncia externa e como um instrumento que visava transformar o

    pas numa potncia regional.

    De acordo com Becker & Egler (1998), o territrio era visto como a base

    tcnica do processo e buscava-se, portanto, dot-lo de operacionalidade e

    funcionalidade para garantir a reproduo ampliada do capital e promover a

    integrao nacional. Segundo Moraes (2002), as noes de modernizao e

    desenvolvimento perdem seu componente social e poltico, passando a qualificar

    apenas os aparatos produtivos e as infra-estruturas (...) pode-se dizer que a ocupao

    e ordenamento do espao atuaram como eixo estruturador do planejamento

    governamental no perodo militar (idem: 126-127).

    No I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), entre 1972-1974, o BNDE

    passou por uma srie de transformaes24. A primazia do setor privado nacional na

    poltica do governo orientou a criao de instituies para apoi-lo e dirigi-lo por meio

    da participao acionria e de programas especficos de financiamentos (MARTINS,

    1991).

    neste contexto que surge o Sistema BNDE, a partir da criao de trs

    24 Em 1971, o Banco deixa de ser uma autarquia e passa a ser uma empresa pblica. Tal mudana proporcionou uma maior liberdade ao Banco para a contratao de pessoal e maior flexibilidade na obteno e aplicao dos recursos. Implcito a esta medida, estava a tentativa de fortalecer a estrutura poltica e institucional do Banco (MARTINS, 1991).

  • 30

    subsidirias: a Insumos Bsicos S. A. (Fibase), a Investimentos Brasileiro S.A (Ibrase)

    e a Mecnica Brasileira S. A. (Embramec). O intuito, segundo o BNDES (2002: 94), era

    o de atuar no mercado de capitais, de modo a ampliar as formas de capitalizao das

    empresas brasileira.

    Outro elemento de extrema importncia foi a incorporao, em 1974, dos

    recm-criados Programa de Integrao Social (PIS) e Programa de Formao do

    Patrimnio Pblico (PASEP)25, s fontes de recursos do BNDE. O BNDE passou a ter,

    assim, uma maior liberdade em seus gastos, bem como na definio da estrutura de

    seu financiamento. Subjacente a estas medidas, a instituio aproximou-se mais da

    empresa privada nacional e internacional, deixando num segundo plano os

    investimentos nas empresas estatais, assumindo deliberadamente uma poltica

    antiestatizante. O BNDE tornou-se, assim, uma espcie de demiurgo do empresariado

    nacional (MARTINS, 1991: 105).

    Segundo Furtado (1992), com a chegada dos militares ao poder, em 1964,

    interrompe-se um ciclo de formao de uma economia nacional, por meio de um

    projeto autnomo de desenvolvimento. Este mesmo autor afirma que a formao

    econmica nacional assenta-se em trs condies indispensveis: a) criar e fortalecer

    centros internos de deciso, capazes de ordenar o processo de acumulao em funo

    das prioridades estabelecidas internamente; b) criar mecanismos para que o processo

    de acumulao seja acompanhado por uma crescente homogeneizao social; e c)

    projeto poltico que coloque as prioridades nacionais no clculo econmico.

    A tabela 05 indica os influxos dos financiamentos concedidos pelo BNDE para

    os setores pblicos e privados. At o ano de 1964 predominava os financiamentos de

    setores pblicos. A partir de 1965, percebe-se um crescente aumento dos

    financiamentos para o setor privado, que em 1968 supera os financiamentos pblicos.

    25 o BNDES passou a gerenciar os recursos do Programa de Integrao Social (PIS) e do Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico (PASEP), criados no incio da dcada com uma parcela do lucro das empresas, formando um fundo dos trabalhadores. A maior parte desses recursos destinava-se a aplicaes em novos investimentos, desde que estes no fossem estrangeiros, no proviessem de municipalidades e no servissem para compor capital de giro no comrcio ou prestao de servios. O PIS-Pasep significou uma mudana profunda para o BNDES, com forte incremento na capacidade de apoio aos investimentos (BNDES, 2002: 93).

  • 31

    Tabela 05 - Financiamentos concedidos pelo BNDE entre 1960 e 1979

    Ano Pblico % Privado %

    1965 67,4 32,6

    1966 58,1 41,9

    1967 65,5 34,5

    1968 48,8 52,4

    1969 40,1 59,9

    1970 34,6 65,4

    1971 64,0 66,0

    1972 21,8 78,2

    1973 24,2 75,8

    1974 33,5 66,5

    1975 22,6 77,4

    1976 18,9 81,1

    1977 20,8 79,2

    1978 13,0 87,0

    1979 17,0 83,0

    Fonte: Dados selecionados pelo autor a partir de Najberg (1989).

    No II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), entre 1974 -1979, o BNDE

    despontava como a principal instituio para a sua operacionalizao. A

    responsabilidade do Banco residia: no fornecimento de crdito para os setores

    pblicos e privados; na construo da capacidade cientfica nacional; no financiamento

    do desenvolvimento tecnolgico; no incentivo a intensificao das exportaes de

    manufaturas nacionais. Segundo Pinto (2004: 52) A publicao do II Plano Nacional

    de Desenvolvimento (II PND) em 1974 marcou tambm uma fase de apogeu para o

    ento Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico (BNDE) como instncia mista de

    formulao e de implementao de polticas de industrializao no Estado brasileiro.

    Desde sua criao, na dcada de 1950, at meados da dcada de 1960, o

    BNDE se caracterizou como uma instituio ativa no financiamento dos

    macrossistemas tcnicos e das indstrias de base. A partir de 1964, o BNDE, mesmo

    continuando com a funo de uma instituio de crdito de longo prazo, sofreu uma

    guinada nas suas estratgias de financiamento; a partir de ento, o Banco priorizou a

  • 32

    concesso de financiamentos para o setor privado. Observa-se, na tabela 06, uma

    reduo geral dos financiamentos em Insumos Bsicos e Infra-Estrutura se comparado

    a mdia do perodo anterior. Nota-se, tambm, um aumento no financiamento de

    outros setores como, por exemplo, txtil e calados e produtos alimentares.

    Tabela 06 Aprovaes do BNDE segundo Ramos e Gneros de Atividades

    Valores Mdios Anuais de Cr$ bilhes de 1991

    Ramos e Gneros Anos

    1965-67 1968-73 1973-79

    Insumos Bsicos 519 61% 653 36% 4.560 48%

    Minerao - - - - 168 2% Siderurgia 426 50% 164 9% 2.040 21% Metalurgia 60 7% 115 6% 462 5% Qumica e Fertilizantes 13 2% 171 9% 999 10% Celulose e Papel 13 2% 100 5% 515 5% Produtos Minerais no-metlicos

    6 1% 86 5% 377 4%

    Equipamentos 90 11% 158 9% 636 7%

    Mecnicos Eltricos 50 6% 74 4% 482 5% Material de Transporte 41 5% 84 5% 155 2%

    Outras Indstrias 86 10% 423 23% 1.068 11%

    Txtil e Calados 20 2% 95 5% 234 2% Produtos Alimentares 26 3% 105 6% 342 4% Outras 42 5% 224 12% 493 5%

    Infra-Estrutura 117 14% 443 24% 2.881 30%

    Energia Eltrica 115 14% 66 4% 1.383 14% Ferrovirio - - 120 7% 803 8% Rodovirio - - 147 8% 202 2% Hidrovirio 2 0% 43 2% 107 1% Outros Setores - - 68 4% 387 4%

    Outras Atividades 30 4% 151 8% 410 4%

    Ensino Pesq. E Des. Tec. 29 3% 57 3% 27 0% Distribuio 1 0% 68 4% 161 2% Outras - - 26 1% 223 2%

    Total 845 100% 1.828 100% 9.555 100%

    Fonte: Elaborao prpria a partir dos dados de Curralero (1998: 28; 38)

  • 33

    A estratgia poltica de favorecer a industrializao por substituio de

    importaes pode ser interpretada como uma condio imprescindvel, mas no

    suficiente para alcanar o to almejado desenvolvimento. A insero subordinada do

    pas no sistema econmico internacional atuava (e ainda atua) como um agravante em

    relao ao problema da dependncia externa. Dito de outra forma, a interpretao das

    transformaes histricas, impulsionadas pela industrializao, no pode ser pensada

    como uma varivel externa s estruturas polticas e econmicas da diviso

    internacional do trabalho.

    Para Furtado (1979), o desenvolvimento industrial nos pases subdesenvolvidos,

    como no caso brasileiro, confundia a introduo de produtos finais de consumo com a

    importao de certos padres de consumo. Os impulsos do desenvolvimento perifrico

    passaram, ento, a serem baseados na diversificao dos padres de consumo das

    minorias privilegiadas, detentora dos meios de produo, sem repercusses nas

    condies de vida da maioria da populao. O autor considera que o aumento nos

    nveis de progresso tcnico e a diversificao do consumo aceleraram o

    desenvolvimento dependente e, do mesmo modo, aumentaram as possibilidades de

    que as disparidades sociais e regionais se agravassem.

    Na anlise de Belluzzo (2002), o II PND foi o ltimo grande esforo de

    integrao e modernizao da estrutura industrial brasileira. Suas metas, no entanto,

    no foram compatveis com a capacidade interna de financiamento. Fato que fez com

    que o governo recorresse excessivamente ao capital externo. A maioria dos projetos

    financiados revelou a incapacidade de gerar divisas suficientes para pagar as dvidas

    contradas no exterior.

    Nesse sentido, Santos & Silveira (2001: 50) afirmam que esta ltima onda

    industrializante significou a reproduo ampliada daquilo que fora feito anteriormente,

    de modo que tudo cresce ainda mais, porm no mesmo sentido: uma produo

    industrial extravertida, um maior endividamento, maior penetrao das firmas

    estrangeiras. Concomitantemente a esse processo, ocorreu uma intensa centralizao

    geogrfica da produo e da riqueza na regio concentrada (SANTOS, 1993),

  • 34

    coincidindo com a rea mais contigua de expanso do meio tcnico-cientfico. O

    grfico 03 e o mapa 02, abaixo, corroboram essa tendncia a partir dos

    financiamentos do BNDE.

    Intensifica-se, portanto, a abrangncia e a complexidade dos sistemas

    produtivos, ampliando os circuitos espaciais produtivos, uma vez que as mudanas

    qualitativas e quantitativas na diviso territorial do trabalho do novos contornos a

    produo, a circulao e ao consumo.

    A configurao territorial brasileira conheceu uma vertiginosa transformao,

    com os intensos processos de industrializao e urbanizao, no entanto, a essncia

    dos problemas de subdesenvolvimento permaneceu, pois o pas no conseguiu

    superar os seus principais problemas socioespaciais26.

    Segundo Belluzzo (2002), a partir da dcada de 1980, inicia-se um conjunto de

    reformas, de cunho neoliberal, no Estado brasileiro. Tais reformas se fundamentavam

    numa crtica ao modelo de industrializao brasileiro, via substituio de importaes,

    que, nesta viso, representava uma tendncia obsolescncia, ineficincia, falta

    de competitividade externa e estatizao econmica ao extremo.

    Essas mudanas indicavam para as novas prioridades do Banco, que

    privilegiava uma maior aproximao com os grupos privados nacionais e

    internacionais. Sua estrutura administrativa passou por mudanas no intuito de

    aproxim-la do meio empresarial. As trs subsidirias do Sistema BNDE - Embramec,

    Fibase e Ibrase foram fundidas, em 1982, dando origem ao BNDES participaes

    S.A. (BNDESPar), o que, segundo DIAS (2004), aumentou a dimenso poltica de

    apoio ao setor privado.

    26 Francisco de OLIVEIRA (2003 [1972]) sustenta que a acelerada transformao da estrutura produtiva, advinda com a industrializao, no anulou as articulaes entre o velho e o novo na formao social brasileira, que, segundo ele, criou uma situao paradoxal, pois no estava marcada nem pelo signo da excluso apartheid, nem indicava elementos para uma revoluo social.

  • 35

    Grfico 03 Desembolsos do BNDE por Regies, entre 1965 e 1981

    Fonte: BNDES (2002; 2008); Silva Jr. (2004). * Os valores foram atualizados para Reais, de acordo com a mdia da cotao de 2002, segundo Silva Jr. (2004). Devido a variao de cmbio, os dados da tabela so relevantes como elementos para se comparar ordens de grandeza. Grfico 04 Evoluo dos Desembolsos do BNDE, entre 1965

    e 1981

    Fonte: BNDES (2002; 2008)

    Mapa 02 Desembolsos do BNDE, entre 1965 e 1981

  • 36

    1.2.3 O BNDES e as concepes de integrao competitiva

    Este terceiro perodo, entre 1982 e 1989, retrata a reorientao das atividades

    do Banco, tendo em vista a maior aproximao da burocracia estatal com a lgica

    administrativa das empresas privadas. Em termos polticos representou a subordinao

    das decises de financiamento a critrios mais tcnicos do que polticos27.

    Concomitante a essa nova orientao, o BNDE, em 1982, passou a gerir os

    recursos do Fundo de Investimento Social (Finsocial). A instituio, a partir da, passou

    a chamar BNDES e agregou mais uma responsabilidade: a de ser, tambm, um agente

    promotor do desenvolvimento social. Tal responsabilidade aumenta, ainda mais, a

    funo pblica da instituio, uma vez que so os recursos destinados populao

    mais pobre que esto financiando as diretrizes de desenvolvimento elaboradas pelo

    Banco.

    O BNDES, ao longo da dcada de 1980, redefiniu a sua insero na economia

    brasileira. A exausto da estratgia de desenvolvimento pautada na poltica de

    substituio de importaes e no forte endividamento externo deflagrou uma forte

    crise econmica. Por conseguinte, como discutido por Monteiro Filha (1994), o Banco

    no apresentava diretrizes bem claras de suas prioridades polticas e de

    financiamento; sua atuao priorizou o auxlio econmico e financeiro s empresas

    em crise. Mouro (1994: 05) enftico ao afirmar que, com o fim do II PND, o BNDES

    no dava conta da nova realidade. No havia uma linha clara de ao: as decises de

    enquadramento dos pedidos de financiamento eram tomadas caso a caso numa

    Comisso de Prioridades, sem nenhum plano, documento ou parmetros que

    norteassem suas decises, a no ser a experincia de seus membros, executivos e

    tcnicos altamente preparados em questes setoriais

    Em sntese, neste novo contexto, o BNDES atuou em trs frentes principais: a)

    continuidade e finalizao dos financiamentos propostos pelo II PND; b) concesses

    27 Segundo Silva Jr. (2004), as polticas territoriais do Banco comearam a marginalizar os grandes financiamentos nos macrossistemas tcnicos e, em contrapartida, aumentaram os investimentos nas cidades, notadamente em obras de transportes urbanos como, por exemplo, os financiamentos de obras do metr no Rio de Janeiro e de trens em So Paulo e no Rio de Janeiro, alm da continuidade dos financiamentos para ampliao da malha rodoviria no pas.

  • 37

    de crdito para o setor exportador, no intuito de gerar supervits comerciais; c)

    propugnar um processo de adequao e ajustes fiscais nos setores pblicos e

    privados, atravs de seus programas saneamento financeiro (CURRALERO, 1998).

    Os dados anteriormente citados na tabela 06, da pgina 32, indicavam que os

    financiamentos do BNDES estavam pautados nos projetos traados pelo II PND, com

    nfase na indstria de transformao. Observa-se, entretanto, com a tabela 07, uma

    reduo progressiva entre os anos de 1981 (64%) e 1985 (43%). Para uma

    visualizao completa da tabela abaixo, ver anexo 01.

    Tabela 07 Desembolsos do BNDES, segundo Ramos e Gneros de Atividade do IBGE

    (US$ Mil)

    Ramos e

    Gneros

    1981 % 1982 % 1983 % 1984 % 1985 %

    Extrao de

    Minerais

    106.651 3 163.393 4 82.182 2 55.834 2 106.382 4

    Agropecuria 13.002 1 9.113 1 7.877 1 13.206 1 18.877 1

    Indstria de

    Transformao

    1.960.637 64 2.291.778 58 1.860.763 52 1.618.647 50 1.312.303 43

    Servios 866.593 28 1.274.134 32 1.072.326 30 911.244 28 1.171.092 39

    Outros 125. 077 4 240.312 6 584.531 16 657.127 20 420.856 14

    Total 3.071.962 100 3.978.730 100 3.607.679 100 3.256.058 100 3.031.510 100

    Fonte: Dados selecionados pelo autor a partir de BNDES apud Curralero (1998: 58)

    O BNDES, apesar das diferenas de estratgias de financiamento vistas nos

    dois primeiros perodos, orientava suas aes em prol de uma concepo de

    desenvolvimento nacional. Entre os princpios que nortearam, historicamente, a

    atuao do BNDES, podem-se citar, grosso modo, os seguintes: a) o BNDES um

    agente de mudanas; b) a industrializao o motor bsico do desenvolvimento; c) o

    desenvolvimento necessita de um forte empresariado nacional; d) o desenvolvimento

    deve buscar o aproveitamento dos recursos internos e a capacitao tecnolgica das

    empresas nacionais; e) O desenvolvimento objetiva a atenuao dos desequilbrios

    sociais e regionais (COSTA, 2003).

  • 38

    O processo de reformulao de suas diretrizes, em curso na dcada de 1980,

    mudou seu iderio, sendo este um movimento precursor e impulsionador de

    concepes liberalizantes como estratgia de desenvolvimento para o pas.

    O BNDES passou a adotar a prtica do planejamento estratgico, mediante a

    elaborao de cenrios prospectivos (BNDES, 2002). O Cenrio Integrao

    Competitiva 28 serviu de referncia para a elaborao do Plano Estratgico 1988-1990.

    Dentre as novas diretrizes do Banco, destacam-se os seguintes pontos29:

    a. O estilo de crescimento deve se voltar para a integrao competitiva do

    Brasil na economia mundial e para a integrao de toda a nao;

    b. Superao dos pontos de estrangulamento na infra-estrutura de energia

    e de transportes;

    c. Participao do setor privado em investimentos hoje sob a

    responsabilidade do setor pblico;

    d. Fortalecimento financeiro e patrimonial do Sistema BNDES, atravs da

    adequao das fontes e novas formas de aplicao de maior retorno;

    e. Racionalizao organizacional e dos fluxos operacionais do Sistema

    BNDES no curto prazo;

    f. Modernizao do Sistema BNDES a partir de uma concepo empresarial

    adaptada s exigncias do novo estilo de crescimento;

    Nota-se a emergncia de um novo marco normativo condizente com as

    transformaes decorrentes do perodo histrico. O BNDES encarna esta nova

    burocracia, cujo fundamento reside na tentativa de empiricizar uma nova

    28 De acordo com Mouro (1994: 12), o Cenrio Integrao Competitiva foi baseado em trs aspectos elaborados no cenrio anterior (Cenrio Retomada), a saber: [a] a identificao de que componentes autnomos de demanda privada seriam os responsveis por um novo ciclo de crescimento, abandonando a idiam de um desenvolvimento liderado pelo Estado; [b] a viso do mercado externo como importante indutor do d