Fase 3-Claudia Boloto

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1 CÂMARA DOS SOLICITADORES COLÉGIO DA ESPECIALIDADE DE AGENTE DE EXECUÇÃO I JORNADAS DE ESTUDO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO ESPINHO, DIAS 9 E 10 DE ABRIL DE 2010 Intervenção da Prof. mestre Cláudia Boloto: Mesa 2 – Fase 2 do Processo Executivo: A penhora, a impenhorabilidade, redução da penhora e penhora de estabelecimento comercial. A penhora, enquanto acto judicial fundamental do processo executivo para pagamento de quantia certa, é aquele em que mais se manifesta o exercício do poder coercitivo do tribunal. Perante um acto de incumprimento, o tribunal priva o executado do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem, o qual fica a partir daí sujeito à satisfação do crédito do exequente. A penhora é o acto executivo por excelência sendo também aquele em que o agente de execução tem um papel fundamental. Considerando as naturais limitações de tempo desta intervenção, será abordado um conjunto de questões que, ou pela sua importância prática, ou pelas dúvidas que possam suscitar, merecem aqui alguma reflexão. Assim, serão focados três aspectos essenciais: - O primeiro, relativo aos poderes do agente de execução na determinação dos bens a penhorar, a relação entre o exercício das suas competências próprias e a eventual indicação de bens pelo exequente, bem como a importância fundamental do princípio da adequação e da proporcionalidade neste âmbito; - O segundo, relativo a alguns aspectos relevantes da impenhorabilidade de certos bens ou direitos; - O terceiro, respeitante à penhora de estabelecimento comercial, cuja concretização prática suscita algumas questões.

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Processo Executivo

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    CMARA DOS SOLICITADORES

    COLGIO DA ESPECIALIDADE DE AGENTE DE EXECUO

    I JORNADAS DE ESTUDO DOS AGENTES DE EXECUO

    ESPINHO, DIAS 9 E 10 DE ABRIL DE 2010

    Interveno da Prof. mestre Cludia Boloto: Mesa 2 Fase 2 do Processo Executivo: A

    penhora, a impenhorabilidade, reduo da penhora e penhora de estabelecimento

    comercial.

    A penhora, enquanto acto judicial fundamental do processo executivo para

    pagamento de quantia certa, aquele em que mais se manifesta o exerccio do poder

    coercitivo do tribunal. Perante um acto de incumprimento, o tribunal priva o

    executado do pleno exerccio dos seus poderes sobre um bem, o qual fica a partir da

    sujeito satisfao do crdito do exequente.

    A penhora o acto executivo por excelncia sendo tambm aquele em que o

    agente de execuo tem um papel fundamental.

    Considerando as naturais limitaes de tempo desta interveno, ser

    abordado um conjunto de questes que, ou pela sua importncia prtica, ou pelas

    dvidas que possam suscitar, merecem aqui alguma reflexo.

    Assim, sero focados trs aspectos essenciais:

    - O primeiro, relativo aos poderes do agente de execuo na determinao dos

    bens a penhorar, a relao entre o exerccio das suas competncias prprias e a

    eventual indicao de bens pelo exequente, bem como a importncia fundamental do

    princpio da adequao e da proporcionalidade neste mbito;

    - O segundo, relativo a alguns aspectos relevantes da impenhorabilidade de

    certos bens ou direitos;

    - O terceiro, respeitante penhora de estabelecimento comercial, cuja

    concretizao prtica suscita algumas questes.

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    I. A PENHORA

    I.1. O OBJECTO DA PENHORA: A DETERMINAO DOS BENS A

    PENHORAR

    Um princpio fundamental que o agente de execuo deve ter em considerao

    no momento da penhora princpio da proporcionalidade e da adequao dos

    bens a penhorar, considerando o valor da quantia exequenda e as custas provveis

    da execuo.

    Este princpio fundamental, previsto nos art. 821., n.3 e 834., n.2 do C.P.C.

    resulta da prpria configurao da aco executiva adoptada pelo ordenamento

    jurdico portugus, ao consagrar um sistema em que os bens que podem ser

    apreendidos na execuo so apenas os necessrios ao cumprimento da obrigao

    exequenda.

    Como sabido, antes da reforma da aco executiva cabia s partes nomear os

    bens a penhorar.

    No novo regime, deixou de haver nomeao de bens penhora, falando-se

    agora na possibilidade de o exequente indicar bens do executado que conhea,

    com as precises que lhe seja possvel formar.

    Mas esta indicao s dada na medida do possvel e no vincula o agente de

    execuo a penhorar os bens indicados, pois ele pode, em vez desses, penhorar

    outros.

    S assim no ser caso o exequente indique penhora algum ou alguns dos

    bens referidos no art. 834., n.1 e desde que tais bens presumivelmente

    permitam o pagamento do crdito exequendo e custas.

    Fora destes casos, a determinao dos bens a apreender cabe ao agente de

    execuo, com o respeito pelo princpio da proporcionalidade e da adequao

    previsto nos art. 821., n.3 e art. 834., n.1 e 2, preferencialmente pela ordem

    estabelecida no art. 834., n.1.

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    Assim, a apreenso dever ter em conta:

    - Por um lado, o montante da dvida exequenda e despesas provveis da

    execuo.

    Na apreciao da adequao do valor dos bens penhorados dever atender-se,

    pelo menos indirectamente, ao valor dos eventuais crditos de terceiros com

    garantia real sobre os bens apreendidos, na medida em que sejam conhecidos.

    Com feito, uma vez que a existncia das garantias diminui o valor dos bens para o

    efeito da realizao do direito do exequente, o princpio da adequao leva a que,

    na altura da penhora, se tenha em conta, na estimativa do produto da venda dos

    bens, aqueles que devam ser satisfeitos antes do exequente.

    Acresce que, a relao de adequao que o art. 834., n.1 exprime reporta-se

    ao momento inicial da penhora (a penhora comea) e, no sendo rgida, vai-se

    adequando em funo das vicissitudes da execuo.

    Por isso, se aps a penhora aparecerem reclamaes de crditos desconhecidos

    que prefiram ao exequente, o princpio da adequao implica que a penhora possa

    ser reforada nos termos do art. 834., n.3 alnea b) caso os bens penhorados se

    revelem insuficientes, por o seu valor de realizao se mostrar, afinal, inferior ao

    estimado.

    - Por outro lado, a penhora deve incidir sobre os bens cujo valor pecunirio seja

    de mais fcil realizao, s sendo admissvel a penhora de imveis ou de

    estabelecimento comercial cujo valor se estime excessivo em face do crdito

    exequendo, quando se deva presumir que a penhora de outros bens no permitir

    a satisfao integral do crdito do exequente no prazo de 6 meses.

    Aqui, o princpio da proporcionalidade cede perante a necessidade de

    realizao clere do fim da execuo.

    Resulta agora do novo regime introduzido pelo DL n.226/2008, de 20 de

    Novembro que, aps as consultas s bases de dados tendentes identificao de

    bens penhorveis, o agente de execuo deve notificar o exequente dos resultados

    obtido. Sendo identificados bens penhorveis, a execuo prossegue com a

    penhora desses bens, a no ser que o exequente, no prazo de 5 dias a contar da

    sua notificao, declare que no pretende a penhora de determinados bens

    imveis e mveis no sujeitos a registo, ou desista da execuo (art. 833.-B, n.2).

    Este regime justifica-se pelas despesas que a penhora destes bens implica para

    o exequente (que dever provisionar o agente de execuo para as despesas de

    registo, remoo, transporte e armazenamento dos bens mveis, etc., sem prejuzo

    do seu reembolso, a final), sendo que, no caso dos bens mveis no sujeitos a

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    registo, o valor da venda desses bens muito dificilmente compensa as despesas

    inerentes.

    Conclui-se que:

    1. O agente de execuo no est vinculado indicao dos bens pelo

    exequente, salvo se nessa indicao se compreenderem alguns dos bens

    mencionados no art. 834., n.1.

    2. Caso sejam indicados bens em excesso, deve o agente de execuo efectuar

    a penhora apenas dos necessrio a garantir a quantia exequenda, a menos que se

    verifique a situao do art. 834., n.2. Se o agente de execuo penhorar bens em

    excesso, pode o executado opor-se penhora excedentria nos termos do art.

    863.-A, n.1 alnea a).

    3. Isto sem prejuzo de o agente de execuo, por sua iniciativa, promover o

    levantamento da penhora sobre determinados bens, se ela se mostrar excessiva.

    Com efeito, no se v qualquer motivo atendvel para restringir a competncia do

    agente de execuo na reduo ou no levantamento das penhoras excessivas,

    independentemente da espcie de bens sobre que a penhora em excesso recaiu.

    Alis, esta competncia j est expressamente consagrada no art. 861.-A, n.4 do

    C.P.C. a propsito da reduo da penhora excessiva dos saldos bancrios.

    I.2- A IMPENHORABILIDADE DE CERTOS BENS OU DIREITOS

    Tanto a lei substantiva como a lei processual estabelecem um conjunto de bens ou

    direitos impenhorveis e que, por isso, no podem ser apreendidos no processo

    executivo para garantir o cumprimento da obrigao exequenda. Esta

    impenhorabilidade pode ser absoluta, relativa ou parcial. Vejamos cada uma delas.

    a) A impenhorabilidade pode ser absoluta, na medida em que os bens no podem,

    na sua totalidade, ser penhorados, seja qual for a dvida exequenda.

    o que acontece com o direito a alimentos (art. 1488. do C.C.), o direito

    sucesso de pessoa viva (art. 2028. do C.C.), o direito ao arrendamento habitacional

    (art. 1106. do C.C.), etc.

    que acontece igualmente com os bens e direitos mencionados no art. 822. do

    C.P.C., cuja impenhorabilidade resulta de razes de interesse geral, ou na salvaguarda

    de interesses vitais do executado que visam assegurar-lhe e ao seu agregado familiar

    um mnimo de condies de vida. Nesta categoria integram-se os bens imprescindveis

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    a qualquer economia domstica que se encontrem na residncia permanente do

    executado, nos termos do disposto na alnea f) do artigo acima citado.

    Segundo algumas decises da nossa jurisprudncia, no integram esta noo de

    imprescindibilidade a televiso, o frigorifico, os candeeiros, os maples, ou as mquinas

    de lavar, com o fundamento de que estes bens no existem na economia mais

    modesta, a qual apenas integrada por utenslios como os talheres, trastes de cozinha

    camas, mesas, cadeiras e bancos.

    Parece-nos que este rigor manifestamente excessivo porque o padro de

    dignidade evolui ao longo dos tempos e no deve ser aferido em funo de casos

    marginais, mas sim em funo do que, na sociedade actual, humanamente exigvel.

    Da que vrios tribunais j se tenham pronunciado quanto impenhorabilidade de

    uma televiso.

    De resto, so penhoras que exigem da parte do agente de execuo um enorme

    bom senso na sua concretizao, devendo o mesmo procurar no ceder s presses,

    por vezes excessivas, dos exequentes que, a todo o custo, pretendem a rpida

    recuperao do seu crdito.

    O acto de penhora da exclusiva responsabilidade do agente de execuo, sendo

    ele a autoridade que decide, preside e orienta esta diligncia, sem prejuzo da

    interveno do juiz nesta matria, a qual pode ser provocada por qualquer interessado

    e com recurso aos diversos mecanismos previstos na lei.

    b) A impenhorabilidade pode tambm ser relativa na medida em que os bens a ela

    sujeitos podem ser penhorados apenas em determinadas circunstncias ou para

    pagamento de certas dvidas. o que acontece com os bens mencionados no art.

    823..

    Estas impenhorabilidades filiam-se em motivos de interesse econmico, matizados

    com consideraes de humanidade, pois aqui visam-se interesses vitais do executado.

    Ela abrange os instrumentos de trabalho e os objectos indispensveis ao exerccio da

    actividade ou formao profissional do executado, que lhe asseguram e ao seu

    agregado familiar um mnimo de condies de vida. A lei evita, assim, que se retirem

    ao executado os meios necessrios para ganhar a vida e sustentar-se, bem como sua

    famlia.

    Porm, a penhora destes bens j ser possvel se o executado os indicar para

    penhora ou se a execuo se destinar ao pagamento do preo da sua aquisio ou do

    custo da sua reparao, bem como quando os bens forem penhorados como

    elementos corpreos de um estabelecimento comercial.

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    Como se referiu, com a enunciao dos bens referidos no art. 823., n.2, o

    legislador pretendeu salvaguardar interesses vitais dos sujeitos individuais e seu

    agregado, no tendo cabimento, na ratio deste normativo, impedir que o patrimnio

    de uma pessoa colectiva esteja, por si s, isento de penhora, ainda que imprescindvel

    sua actividade.

    De resto, quanto s pessoas colectivas muito difcil indicar bens que no estejam

    afectos sua actividade comercial (e no profissional) pelo que, a estender-se a elas o

    disposto no n.2 do art. 823., na realidade prtica, jamais uma pessoa colectiva veria

    os seus bens serem penhorados.

    Assim, conclui-se que o preceito apenas aplicvel s pessoas singulares e no s

    pessoas colectivas, por s quelas se aplicar a ordem de razes que justificam estas

    impenhorabilidades, tais como a dignidade da pessoa humana e a salvaguarda de

    condies mnimas de vida.

    s pessoas colectivas apenas se concede a possibilidade de requererem, nos

    termos do disposto no art. 834., n.3 alnea a), a substituio dos bens penhorados

    por outros que igualmente assegurem os fins da execuo, sempre que os bens

    penhorados sejam imprescindveis sua laborao.

    c) A impenhorabilidade ser parcial sempre que os bens s possam ser penhorados

    em certa parte. o que acontece nos casos previstos no art. 824. do C.P.C.

    Estas impenhorabilidades parciais baseiam-se em razes que se prendem com a

    dignidade da pessoa humana, um dos pilares constitucionais de Portugal como

    Republica soberana, nos termos do disposto no art. 1. da CRP.

    Assim, no podem ser penhorados dois teros dos vencimentos, salrios ou

    prestaes de natureza semelhante, auferidos pelo executado, bem como dois teros

    das prestaes peridicas pagas a ttulo de aposentao ou de outra qualquer regalia

    social, seguro, etc.

    Em caso de coliso ou conflito entre o direito do credor a ver realizado o seu

    direito e o direito fundamental dos trabalhadores, optou o legislador, e bem, pelo

    sacrifcio do direito do credor na medida do necessrio e, se tanto for indispensvel,

    mesmo totalmente, neste caso para evitar que o devedor se transforme num indigente

    a cargo da colectividade.

    Por outro lado, existem disposies legais especiais que estabelecem a

    impenhorabilidade absoluta de determinados rendimentos, como acontece com os

    subsdios de frias e de natal dos funcionrios pblicos (art. 17. do DL n. 496/80, de

    20 de Outubro), com o direito de subsdio de morte de funcionrio pblico (art. 8. do

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    DL n. 223/95, de 8 de Setembro) e a prestao inerente ao direito do rendimento

    mnimo social de insero (art. 23. da Lei 13/2003, de 21 de Maio).

    Porm, conforme resulta do art. 12. do prembulo do DL n.329-A795, de 12 de

    Dezembro, no so invocveis em processo civil as disposies legais que estabeleam

    a impenhorabilidade absoluta de quaisquer rendimentos, independentemente do seu

    montante, em coliso com o disposto no art. 824.. Logo, estes rendimentos esto

    sujeitos regra geral de penhorabilidade relativa resultante do art. 824., n.1 e 2 do

    C.P.C.

    Esta soluo legal acabou por ser um reflexo da doutrina plasmada nos Acrdos

    do Tribunal Constitucional n. 349/91 e 411/93, que julgou a inconstitucionalidade da

    norma do art. 48. da Lei 28/84, na medida em que isentava de penhora a parte das

    prestaes devidas pelas instituies da segurana social que exceda o mnimo

    necessrio a uma sobrevivncia condigna por, por um lado, encerrar um sacrifcio

    excessivo do direito do credor e, por outro, atribuir aos pensionistas da segurana

    social um benefcio injustificado, em comparao com os pensionistas de outras

    instituies, assim violando o princpio da igualdade.

    Outra questo controversa a que respeita a saber se o valor do rendimento

    sujeito penhora se reporta ao vencimento lquido ou ilquido auferido pelo

    executado.

    Da nossa parte, consideramos que o valor a ter em conta na penhora dever ser o

    valor ilquido do salrio auferido pelo executado. E isto porque, quando a lei

    estabelece o valor do salrio mnimo nacional, tambm o estipula sem considerar o

    valor dos descontos obrigatrios por lei.

    Questo de particular importncia a possibilidade, consagrada nos ns 4 e 5 do

    art. 824., de o agente de execuo, a requerimento do executado, isentar de penhora

    os rendimentos daquele ou reduzir para metade a parte penhorvel dos seus

    rendimentos, pelo prazo de seis meses, consoante o agregado familiar do requerente

    tenha um rendimento relevante para efeitos de proteco jurdica igual ou inferior a

    trs quartos do valor do Indexante de Apoios Sociais, ou superior a trs quartos e igual

    ou inferior a duas vezes e meia do valor de tal indexante (actualmente o valor deste

    indexante de 419,22 , nos termos do DL n.323/2009, de 24 de Dezembro).

    entendimento de alguns que este novo regime pretende alargar, custe o que

    custar, a panplia dos poderes do agente de execuo, mesmo ao arrepio da

    Constituio. E esta desrespeita-se frontalmente nos novos ns 4 e 5 do art. 824., ao

    atribuir-se ao agente de execuo a prtica de actos jurisdicionais. Entendem estes

    autores que, face ao disposto no art. 202., n.1 e 2 da CRP, apenas os tribunais

    exercem a funo jurisdicional, na circunstncia reportada resoluo de um conflito

    de pretenses entre o exequente, que pretende a satisfao integral do seu crdito, e

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    o executado, que deseja perceber um rendimento que lhe assegure, bem como ao seu

    agregado familiar, uma existncia decorosa.

    Salvo o devido respeito, no concordamos, de todo, com esta posio.

    Com efeito, a norma em causa no concede ao agente de execuo qualquer poder

    jurisdicional uma vez que a sua aplicao se traduz, apenas, na verificao matemtica

    do rendimento do agregado familiar do executado e a concesso destes benefcios

    caso esse rendimento no atinja determinados valores.

    Assim, mediante requerimento do executado, o agente de execuo dever

    solicitar documentos comprovativos da composio e rendimentos do agregado

    familiar do executado.

    Seguidamente, o valor do rendimento do agregado familiar dever ser dividido por

    todos os seus elementos e se, por cada um, o valor for igual ou inferior a trs quartos

    do valor do indexante de Apoios Sociais (actualmente, 314,41 ) dever o agente de

    execuo isentar de penhora os rendimentos do executado por um perodo de seis

    meses.

    Tomemos como exemplo um agregado familiar composto por um casal com dois

    filhos, e cujo rendimento total de 1200 . O valor dividido por cada um dos seus

    elementos de 300 , logo inferior a trs quartos do valor do indexante de Apoios

    Sociais (314,41 ). Neste exemplo o agente de execuo deve isentar de penhora os

    rendimentos do executado por um perodo de seis meses, nos termos do disposto no

    art. 824., n.4.

    A esta iseno ou reduo da penhora operada pelo agente de execuo pode o

    exequente opor-se, provocando a interveno do juiz na apreciao desta questo.

    Porm, os fundamentos desta oposio apenas podem ter por base o valor dos

    rendimentos e a composio do agregado familiar do executado tido em conta para

    este clculo.

    J as alteraes da parte penhorvel dos rendimentos do executado previstas nos

    ns 6 e 7 do art. 824. so da competncia do juiz, mediante proposta do agente de

    execuo devidamente fundamentada, a qual dever conter um projecto de deciso

    que o juiz pode sustentar. Trata-se aqui de introduzir critrios de equidade, em

    contraposio rigidez dos critrios matemticos legais.

    certo que estes normativos assentam na mera possibilidade de o agente de

    execuo formular ao juiz tais propostas, sem qualquer carcter de obrigatoriedade.

    Mas caso o mesmo entenda no as apresentar, sempre podem as partes provocar a

    interveno do juiz para a sua apreciao, nos termos gerais.

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    No podemos aqui deixar de concordar com a posio perfilhada por alguns no

    sentido de entender que esta previso legal, ao possibilitar ao agente de execuo a

    elaborao de uma proposta devidamente fundamentada tendente alterao da

    parte penhorvel dos rendimentos do executado, designadamente atendendo

    natureza do crdito exequendo, s necessidades do executado e do seu agregado

    familiar, traduz uma evidente violao ao principio de reserva de jurisdio, j que

    atribui ao agente de execuo verdadeiros poderes de apreciao jurisdicional.

    Da que, no entender do professor Lebre de Freitas, possa o agente de execuo

    recusar legitimamente o exerccio de tais competncias, recusando-se a propor.

    I.3- A PENHORA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL

    O estabelecimento comercial um bem unitrio, uma realidade autnoma

    composta por uma universalidade que representa uma verdadeira unidade jurdica.

    Esta universalidade integra um conjunto de vrios elementos, coisas corpreas e

    incorpreas, unificados pela vontade do proprietrio com vista sua afectao a uma

    determinada actividade econmica.

    Assim, o estabelecimento comercial uma realidade heterognea que engloba

    direitos e bens da mais variada natureza.

    A penhora do estabelecimento comercial concretiza-se atravs da elaborao do

    auto de penhora em que o agente de execuo deve discriminar todos os elementos

    que o compem.

    Assim, o auto de penhora assume aqui natureza constitutiva da penhora, de tal

    modo que s os elementos dele constantes ficam abrangidos pela penhora.

    Porm, quando dele faam parte direitos de crdito, h ainda que proceder

    notificao do devedor nos termos do disposto no art. 856., n.1. o que acontece

    com o direito ao arrendamento, pois pertencendo o local onde se encontra o

    estabelecimento a terceiro, deve ser este notificado de que o direito de arrendamento

    fica ordem do agente de execuo.

    Se do estabelecimento comercial fizerem parte bens ou direitos cuja onerao a lei

    sujeita a registo, determina o art. 862.-A, n.6 que deve o exequente promov-lo, nos

    termos gerais, quando pretenda impedir que sobre eles possa recair penhora ulterior.

    Assim, a penhora do estabelecimento, enquanto universalidade de direitos, no

    est sujeira a registo. Mas se abranger bem cuja onerao a lei sujeita a registo, deve o

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    exequente promov-lo, quando pretenda impedir que sobre eles possa recair penhora

    ulterior. Da deverem os elementos necessrios sua efectivao constarem do auto

    de penhora. Esta regra impeditiva de penhora ulterior sobe os mesmos bens, em

    desvio ao regime consagrado no art. 871., justifica-se pela tutela da unidade jurdica

    que caracteriza o estabelecimento comercial.

    Consagra expressamente o art. 862.-A, n.6 de que compete ao exequente

    promover o registo desta penhora. E isto porque tal registo, sendo apenas condio de

    eficcia da penhora, deve ser efectuado nos termos gerais. No se aplica aqui o

    disposto nos art. 838. n.1, ou seja, o registo atravs de comunicao electrnica

    conservatria.

    Na promoo de tal registo, no termos gerais, dever o exequente estar munido de

    certido do auto de penhora do estabelecimento comercial elaborado pelo agente de

    execuo, onde esses bens imveis ou mveis sujeitos a registo so mencionados.

    Se do estabelecimento fazem parte bens sujeitos a registo e o exequente no

    tenha registado a penhora, nos termos acima expostos, admissvel a penhora

    posterior desses bens em outra execuo.

    certo que, em vez de se penhorar o estabelecimento comercial como

    universalidade, podem somente penhorar-se os bens que o integram, nos termos

    expressamente admitidos pela 1. parte do n.5 do art. 862.-A (o que acontecer

    quando o valor da execuo no justificar a penhora de todo o estabelecimento

    comercial, em cumprimento do princpio da proporcionalidade e adequao da

    penhora).

    Se tal ocorrer, a ulterior penhora do estabelecimento no inclui essas coisas

    simples, por desafectadas da unidade jurdica em que aquele se traduz, quando se

    perspectiva a sua transferncia global em processo de execuo.

    Mas, se o bem que integra o estabelecimento for dele inseparvel, no pode ser

    objecto de uma penhora autnoma. o que ocorre, por exemplo, com o direito de

    alvar de estabelecimento, que s relevante em conexo com a explorao daquele.

    Note-se, porm, que nada impede a pluralidade de execues sobre o mesmo

    estabelecimento, nos termos do disposto no art. 871..

    Por outro lado, porque se trata de uma organizao de factores de produo, a

    penhora do estabelecimento comercial no deve obstar ao prosseguimento da

    actividade comercial, conforme resulta do disposto no art.862-A, n.2.

    Por tal motivo, no devem ser relacionados e apreendidos os bens do

    estabelecimento cujo destino seja o mercado econmico, precisamente porque

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    constituem o prprio objecto da intermediao, fabricao, ou criao. Estes sero,

    partida, bens impenhorveis.

    Assim, s devem ser apreendidos os bens cuja indisponibilidade no comprometa a

    futura gesto ou funcionamento normal do estabelecimento penhorado. Ou seja, deve

    a penhora abranger as mquinas, os computadores, etc., mas j no deve incluir as

    mercadorias que se destinem a ser vendidas.

    O funcionamento do estabelecimento comercial levanta outra questo, que a de

    saber quem o prossegue e quem o fiscaliza.

    Na penhora de estabelecimento comercial no h lugar nomeao de

    depositrio, salvo se a sua actividade estiver paralisada ou dever ser suspensa,

    conforme resulta do disposto no art. 862.-A, n.3 e 5.

    Se o exequente no se opuser, a actividade e a gesto ordinria do

    estabelecimento ser assegurada pelo prprio executado, podendo ser nomeada pelo

    agente de execuo pessoa com funes de fiscalizao, aplicando-se aqui os preceitos

    referentes ao depositrio. Caber a este fiscal verificar se o executado est exercendo

    a gesto com a diligncia e o zelo de um bom pai de famlia e pedir-lhe contas sempre

    que entenda necessrio, conforme resulta do disposto no art. 843., n.1.

    Havendo razes para que o executado no se mantenha a gerir o estabelecimento,

    o juiz, a requerimento do exequente, designa um administrador para o efeito. Embora

    a lei no o diga, esta uma competncia do juiz na medida em que haver que

    apreciar (jurisdicionalmente) os fundamentos invocados pelo exequente que justificam

    esta oposio.

    Em ltimo caso, se data da penhora a actividade do estabelecimento estiver

    paralisada ou houver razes para ordenar a sua suspenso, designar-se- um

    depositrio para a mera administrao dos bens que o integram.

    Dada a especial natureza e a complexidade do objecto da penhora, derrogada a

    norma do art. 848., n.1 (no h lugar remoo dos bens mveis), sendo livre a

    escolha do depositrio. Mas nada impede que, consideradas as circunstncias do caso,

    seja depositrio o prprio agente de execuo.

    Por fim, o facto de o estabelecimento comercial estar paralisado data da penhora

    no implica que no possa ser decidida a sua reabertura, designando-se um

    administrador para a gesto.

    Alis, o funcionamento do estabelecimento pode ser necessrio para impedir a

    resoluo do contrato de arrendamento do local em que esteja instalado, nos termos

    da lei de arrendamento.

  • 12

    FIM