Fazer

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Fazer por SYLVIO FRAGA NETO ARTE POÉTICA Soprei as quatro velas certo de alcançar muitas coisas novas. A EMINÊNCIA PARDA Flora vai à cozinha fumar, Panda choraminga na porta, desiste, volta ao sofá como um tatu. São as meninas da casa, unidas. Na mesa da sala espio meu coração, é um cardume transparente, denso. Às vezes fulge quando não penso. Flora sai da cozinha, não tirei o lixo, deita com Panda, retomam a tarde. Meu coração descansa na teia daquela aranha que nem desconfia, cosendo para seus mortos. Panda lambe a pata e pausa. Escuta. Meu coração também vive sem notícias do mundo. OLHANDO O RIO DE JANEIRO NO MAPA DO TELEFONE Quando eu me livrar de todas as superstições, só quando, serei não feliz mas o azul do céu, vermelho do morango. Adormeci folheando a Renascença e acordei no escuro, nuvens noturnas

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Fazer

por SYLVIO FRAGA NETO

ARTE POÉTICA

Soprei as quatro velascerto de alcançarmuitas coisas novas.

 

A EMINÊNCIA PARDA

Flora vai à cozinha fumar,Panda choraminga na porta,desiste, volta ao sofá como um tatu.São as meninas da casa, unidas.

Na mesa da sala espio meu coração,é um cardume transparente, denso.Às vezes fulge quando não penso.Flora sai da cozinha, não tirei o lixo,

deita com Panda, retomam a tarde.Meu coração descansa na teiadaquela aranha que nem desconfia,cosendo para seus mortos.

Panda lambe a pata e pausa.Escuta.Meu coração também vivesem notícias do mundo.

 

OLHANDO O RIO DE JANEIRO NO MAPA DO TELEFONE

Quando eu me livrar de todas as superstições,só quando, serei não felizmas o azul do céu, vermelho do morango.Adormeci folheando a Renascençae acordei no escuro, nuvens noturnasatiçando minhas cortinas brancas.‘‘Entre uma arte voltada ao conhecimento do objeto

e uma arte voltada à expressão do sujeito”imagino a rota dos vassoureirosem relação às arapongas,o fluxo milenar dos mendigos,

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caminhões de legumes cortando névoa.Janeiro cintila como um peixeflutuando na baía.

Quarteirões da orla em curva suaveentre morros e mar,ondas voltam noivas arrastando caudas para o fundo.Ventania atravessa a cidadepara chegar aonde não há mais vento,aonde misturo palavras para encontrar a cura,o rosto aceso na sala apagada.

Em ato rebelde vou à África e volto.Quem triste a dias do suicídio?Podemos salvá-los com um pouco de quê?Astronautas viram a linha do escuro devagarcalando os pássaros.A evolução me treinou severamente a insistirsob as copas das árvores.

Aqui em cima silêncio de vento.Gaviões devem ser isso, pensamentos puros,na mente um céu de gaviões.Penso nos ex-amores, neve caidos meus olhos mas derrete muito antesde chegar às ruas cintilando,muito antes de vê-las nuas só mais uma vez.

 

UMA HISTÓRIA

Fui rendido por um jovem negro.Eu só tinha dez reais entãofomos ao banco tirar duzentosolhando um para o pé do outro.Eu era assistente de eletricista.E agora, vai assaltar para sempre?Só por um tempo, ajudar minha avó,fazer curso de eletricista.Estávamos chegando perto do banco.Qual é seu nome?Manuel.Ó pá! (rimos) Manuel, pago um cursodesses pra você, que tal?Então paguei o curso de dois anose ficamos em contato.Sua avó morreu. Ele se formoue se mudou para um subúrbio maiscalmo, casou com uma negra linda

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chamada Irene que trabalhaem telecomunicações, fui ao casamento.Ela enchia o rosto de maquiagemcomo quem mergulha em adjetivos.Manuel e Irene tiveram dois filhose sou padrinho de ambos,o menino é Silvio.Manuel comprou um carro,na avenida Brasil foi assaltado,reagiu, morreu.Dei ajuda financeira para Irene.Eu e Irene chorávamos pelo Manueltransando loucamente.

 

UMA NOITE

Fomos tomar uísque no puteiro,só de onda e no vai que.Chegamos lá e vestimos o robeou quimono.

Na boate Michelle veio falar comigo.De longe ela mostrou a bunda e oh!me senti tão vivo.Ela veio de Minas.

Disse a ela que estava sóacompanhando o pessoal e com ardênciana uretra, ela me deu um beijo na bocae voltou para o colo de um senhor.

Em casa eu e Lydia Davis cansamosda imaginação dos outros.Gosto quando grandes escritores errame a gente fica sem saber.

Queria passear num pradocom doze anos segurando Michelle,queria morar entre as nádegas deladentro do coração da amada

mas não posso então durmo.Esse remédio deixa o xixi laranja,parece Fanta despejada na privadaporque alguém do churrasco jogou uma guimba.

Alguém da família da Michelle. 

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