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Este trabalho investiga as percepções argentinas quanto às relações bilaterais com o Brasil durante o governo Lula (2003-2010), a partir da análise do conteúdo das notícias veiculadas no diário porteño Página/12. Considerando que as relações bilaterais destes países historicamente oscilaram entre a aproximação e o distanciamento, de acordo com as influências das conjunturas nacionais e da estrutura internacional, analisamos o efeito da projeção internacional do Brasil sobre às percepções argentinas quanto às relações bilaterais, usando a imprensa escrita como fonte. Para legitimar esta escolha metodológica, apresentamos algumas reflexões teóricas sobre o papel político dos meios de comunicação, uma variável que, recentemente, tem sua importância aumentada. Inicialmente marcados por uma perspectiva liberal, os estudos sobre a relação entre os meios de comunicação com a formulação/implementação da política externa foram incrementados contemporaneamente pela abordagem interdisciplinar que conjuga os avanços obtidos no campo da teoria da comunicação com os do processo de tomada de decisões. Com a ampliação do conceito de poder, um ponto fundamental para a Ciência Política, os meios de comunicação foram incorporados ao elenco de atores que interagem nos cenários políticos - doméstico e internacional. Neste processo, os meios encantam o público, mas, também interferem na direção do espetáculo, embora isto nem sempre conste na ficha técnica. A importância política dos meios de comunicação, enquanto um canal privilegiado que influencia tanto os tomadores de decisão quanto a opinião pública, nos conduz ao estudo da imprensa escrita argentina, com ênfase em sua relação os governos de Néstor e Cristina Kirchner. Na Argentina, tradicionalmente, a imprensa escrita desempenha um papel importante para a sociedade daquele país. A polarização em torno do kirchnerismo fez com que os meios de comunicação ganhassem protagonismo político; um papel disputado pelos meios e pelos governantes. Para impor sua versão sobre a realidade, políticos e jornalistas não pouparam verbas com propaganda ou tinta para impressão. Nesse contexto, a imprensa argentina, outrora plural, agora se segmenta entre meios cooptados pelo governo e meios de oposição. Entre os três maiores jornais de distribuição paga de Buenos Aires, La Nácion; El Clarín; e, Página/12 (P/12), apenas este último endossa o discurso dos Kirchner. As diferenças ideológicas entre o governo dito progressista e o mais antigo jornal argentino ainda em circulação justificam a oposição do La Nación ao kirchnerismo. A relação com El Clarín foi

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  • Este trabalho investiga as percepes argentinas quanto s relaes bilaterais com o

    Brasil durante o governo Lula (2003-2010), a partir da anlise do contedo das notcias

    veiculadas no dirio porteo Pgina/12. Considerando que as relaes bilaterais destes

    pases historicamente oscilaram entre a aproximao e o distanciamento, de acordo com

    as influncias das conjunturas nacionais e da estrutura internacional, analisamos o efeito

    da projeo internacional do Brasil sobre s percepes argentinas quanto s relaes

    bilaterais, usando a imprensa escrita como fonte. Para legitimar esta escolha

    metodolgica, apresentamos algumas reflexes tericas sobre o papel poltico dos meios

    de comunicao, uma varivel que, recentemente, tem sua importncia aumentada.

    Inicialmente marcados por uma perspectiva liberal, os estudos sobre a relao entre os

    meios de comunicao com a formulao/implementao da poltica externa foram

    incrementados contemporaneamente pela abordagem interdisciplinar que conjuga os

    avanos obtidos no campo da teoria da comunicao com os do processo de tomada de

    decises. Com a ampliao do conceito de poder, um ponto fundamental para a Cincia

    Poltica, os meios de comunicao foram incorporados ao elenco de atores que interagem

    nos cenrios polticos - domstico e internacional. Neste processo, os meios encantam o

    pblico, mas, tambm interferem na direo do espetculo, embora isto nem sempre

    conste na ficha tcnica.

    A importncia poltica dos meios de comunicao, enquanto um canal privilegiado que

    influencia tanto os tomadores de deciso quanto a opinio pblica, nos conduz ao estudo

    da imprensa escrita argentina, com nfase em sua relao os governos de Nstor e

    Cristina Kirchner.

    Na Argentina, tradicionalmente, a imprensa escrita desempenha um papel importante para

    a sociedade daquele pas. A polarizao em torno do kirchnerismo fez com que os meios

    de comunicao ganhassem protagonismo poltico; um papel disputado pelos meios e

    pelos governantes. Para impor sua verso sobre a realidade, polticos e jornalistas no

    pouparam verbas com propaganda ou tinta para impresso. Nesse contexto, a imprensa

    argentina, outrora plural, agora se segmenta entre meios cooptados pelo governo e meios

    de oposio.

    Entre os trs maiores jornais de distribuio paga de Buenos Aires, La Ncion; El Clarn;

    e, Pgina/12 (P/12), apenas este ltimo endossa o discurso dos Kirchner. As diferenas

    ideolgicas entre o governo dito progressista e o mais antigo jornal argentino ainda em

    circulao justificam a oposio do La Nacin ao kirchnerismo. A relao com El Clarn foi

  • mais conturbada, e variou entre o apoio discreto - durante o governo de Nstor -

    oposio declarada - j na gesto de Cristina. Quanto ao P/12, dois fatores determinaram

    o apoio total e irrestrito ao modelo K: a identificao progressista e a dependncia

    financeira das verbas governamentais gastas com propaganda oficial.

    Nos apropriando da tipologia de E. Gilboa (2002), que prev como possveis atuaes dos

    meios de comunicao na formulao poltica o papel de: ator controlador; ator de

    constrangimento; ator de interveno; e, ator instrumental, sugerimos que, no caso da

    relao entre o P/12 e o kirchnerismo, este dirio desempenha mais de uma funo, uma

    vez que sua ateno aos interesses governistas acontece em benefcio mtuo, numa

    relao de simbiose.

    Estabelecido o posicionamento do P/12 em relao a poltica proposta pela Casa Rosada

    sob a administrao dos Kirchner, nos concentramos na avaliao do contedo

    jornalstico encontrado neste dirio, a fim de obter indcios acerca da percepo argentina

    sobre a relao bilateral com o Brasil em dois momentos distintos, o ano inicial do

    governo Lula (2003); e o ano final (2010). Este corte temporal visa avaliar o efeito da

    projeo internacional do Brasil sobre as percepes argentinas sobre a relao o vizinho.

    Nosso trabalho aponta que, em termos numricos, a maior projeo internacional do

    Brasil e o estreitamento da relao entre os dois pases no significaram o aumento

    quantitativo de referncias ao Brasil no jornal P/12. No obstante, a anlise do contedo

    das notcias do P/12 sugere que a projeo internacional do Brasil entre 2003 e 2010 foi

    percebida com bastante acuidade. O perodo em questo, porm, foi marcado,

    internamente, por questes polticas mais urgentes que qualquer disputa desnecessria

    com um pas com assimetria de poder, como o Brasil. A Argentina, consciente da

    desvantagem, procurou ocupar espaos regionais que o Brasil deixou vago por estar

    envolvido nas ligas maiores, como, por exemplo, a presidncia da UNASUL. Alm disso,

    as assimetrias foram usadas pelos argentinos - com relativo xito - para barganhar

    benefcios e facilidades em questes bilaterais.

    O trabalho conclui que a Argentina ainda busca um lugar no mundo (PARADISO, 2005).

    A projeo poltica e a expanso econmica do Brasil durante o governo Lula perodo

    geraram sentimentos contraditrios. A cooperao esteve condicionada ao pragmatismo

    poltico argentino, o que em certa medida explica as recorrentes divergncias

    econmicas.