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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÍDIA E COTIDIANO FERNANDA ANGELO COSTANTINO Questões identitárias no Tinder: performance de si, autenticidade e gerenciamento da impressão a partir da percepção do gênero feminino Niterói 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÍDIA E COTIDIANO

FERNANDA ANGELO COSTANTINO

Questões identitárias no Tinder: performance de si, autenticidade e gerenciamento

da impressão a partir da percepção do gênero feminino

Niterói

2018

FERNANDA ANGELO COSTANTINO

Questões identitárias no Tinder: performance de si, autenticidade e gerenciamento

da impressão a partir da percepção do gênero feminino

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Mídia e Cotidiano, da

Universidade Federal Fluminense, como

requisito parcial para obtenção de título

de mestre em Mídia e Cotidiano.

Área de Concentração: Discursos

Midiáticos e Práticas Sociais.

Linha de Pesquisa: Linguagens,

Representações e Produção de Sentidos.

Orientador: Prof. Dr. Emmanoel Ferreira

NITERÓI

2018

FERNANDA ANGELO COSTANTINO

Questões identitárias no Tinder: performance de si, autenticidade e gerenciamento da

impressão a partir da percepção do gênero feminino

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano

(PPGMC), como requisito parcial para a obtenção de título de mestre em Mídia e

Cotidiano, sob a orientação do Professor Doutor Emmanoel Ferreira.

Apresentada em: 27/02/2018.

________________________________________________________________

Prof. Dr. Emmanoel Ferreira (PPGMC/UFF) – Orientador

________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Beatriz Polivanov (PPGCOM/UFF)

________________________________________________________________

Prof. Dr. Robson Braga (PPGCOM/UFC)

Niterói

2018

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

Bibliotecária: Mahira de Souza Prado CRB-7/6146

C838 Costantino, Fernanda Angelo.

Questões identitárias no Tinder : performance de si, autenticidade e

gerenciamento da impressão a partir da percepção do gênero feminino /

Fernanda Angelo Costantino ; orientador: Emmanoel Ferreira. – 2018.

169 f. : il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense.

Departamento de Comunicação Social, 2018.

Bibliografia: f. 114-117.

1. Identidade. 2. Imagem. 3. Tinder (Rede social on-line). 4.

Autenticidade (Filosofia). I. Ferreira, Emmanoel Martins. I.

Universidade Federal Fluminense. Departamento de Comunicação

Social. III. Título.

Ao Joaquim, com amor.

AGRADECIMENTOS

Ao Joaquim, meu filho, que me mostrou minha força.

Ao Filipe, meu companheiro de todos os dias neste percurso, com quem divido

afetos, angústias, a vida e o amor. Obrigada por estar ao meu lado.

Aos meus pais, Denise e Luiz, pelos exemplos de luta e persistência. As pessoas

que mais fizeram por mim e que me cobriram de amor. Eu não tenho como devolver

tanto, mas espero que consiga, de alguma forma, mostrar meu agradecimento por tudo.

Eu amo vocês.

À minha irmã, Maria Luiza, minha alma gêmea.

Ao Eduardo e à Laura, que me “adotaram” e tanto me ajudaram nessa trajetória,

seja pelos almoços e jantas, ou pelo afeto e carinho. Obrigada!

Ao meu orientador, Emmanoel, que de tanto companheirismo é também meu

amigo. Obrigada!

Aos meus amigos, Aninha, Felipe, Bianca, Tadeu, Camila, Tiago e Jéssyca, que

me dão a certeza de um amor eterno.

À Luiza, que de tanto amor dividiu esse mestrado comigo. À Karina, que, de

longe ou de perto, é a companheira mais amada. À Lara e Luísa, que desde a faculdade

dividem comigo ainda mais amor.

Às mulheres que conheci nesse mestrado: Juliana, Marcella, Renata, Marcela,

Gláucia, Paula e todas. Vocês são inspiração! Aqui se estende o agradecimento à melhor

turma de mestrado: a turma de 2016 do PPG Mídia e Cotidiano. Obrigada por dividirem

essa trajetória.

Aos professores Beatriz Polivanov e Robson Braga, pelas ajudas e dedicação na

correção deste trabalho. Obrigada por tanto me ensinarem.

À Denise, coordenadora do PPG Mídia e Cotidiano, e à Claudia, secretária do

programa, pela dedicação e por toda a ajuda. E também a todos os professores do

programa: obrigada pelo acolhimento e ensinamentos.

Às mulheres entrevistadas para este trabalho, que tanto dividiram comigo e

dispuseram seu tempo para elaboração da pesquisa. Muito obrigada.

À Capes, pela bolsa e a possibilidade de realização desta dissertação.

RESUMO

Esta dissertação busca discutir a performance de si no aplicativo Tinder, com foco na

percepção que mulheres residentes da cidade do Rio de Janeiro têm a respeito das

narrativas de perfis de homens da mesma cidade. A abordagem teórica se baseia

principalmente no conceito de gerenciamento da impressão elaborado por Erwing

Goffman (2002), em sua obra “A Representação do Eu na Vida Cotidiana”. Para a

elaboração deste trabalho, foram analisados 100 perfis de usuários homens, entre 18 e

34 anos, e realizadas entrevistas semiestruturadas com 8 usuárias mulheres, entre 21 e

32 anos, com o intuito de perceber a forma como as mesmas recebem as narrativas de

apresentação dos usuários do gênero masculino. Com base na pesquisa empírica,

percebeu-se algumas questões importantes na performance de si no Tinder: 1) a

preocupação com a autenticidade, tanto no sentido de uma originalidade na criação do

perfil, quanto em relação à honestidade das informações ali expostas (tal cenário

influencia a construção de uma narrativa de si feita no limiar entre uma auto-promoção

e um perfil autêntico); 2) a busca a partir de estereótipos, em um contexto onde são

poucas as pistas sociais que permitem avaliar o outro no momento da interação; 3) a

apresentação de si a partir do gerenciamento da impressão que se deseja transmitir,

trazendo a percepção de que o self ali exposto será ou não confirmado em um segundo

momento, e trazendo ainda a busca por vestígios e rupturas de tais apresentações em

outros contextos online, como outros sites e aplicativos de redes sociais.

Palavras-chave: Identidade; Performance; Gerenciamento da Impressão;

Autenticidade; Tinder.

ABSTRACT

This dissertation seeks to discuss the performance of self in the Tinder application,

focusing on the perception that women residents of the city of Rio de Janeiro have

regarding the narratives of profiles of men from the same city. The theoretical approach

is based mainly on the concept of impression management developed by Erwing

Goffman (2002), in his work "The Representation of the Self in Everyday Life”. For the

elaboration of this work, 100 profiles of male users, between 18 and 34 years old, were

analyzed and interviews were carried out with 8 female users, between 21 and 32 years

old, in order to understand how they receive the narratives of presentation of male users.

Based on the empirical research, some important questions about Tinder performance

were perceived: 1) the concern with authenticity, both in the sense of originality in the

creation of the profile and in relation to the honesty of the information exposed therein

(such scenario influences the construction of a narrative of self made on the threshold

between a self-promotion and an authentic profile); 2) the search based on stereotypes,

in a context where there are few social cues that allow to evaluate the other at the

moment of interaction; 3) the presentation of self from the management of the

impression that is to be transmitted, bringing the perception that the self exposed there

will be confirmed in a second moment, and bringing the search for vestiges and ruptures

of such presentations in other contexts online, like other sites and social networking

applications.

Keywords: Identity; Performance; Impression Management; Authenticity; Tinder.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Tela principal do Tinder com demonstrativo de perfil e interação. Retirado do

site TechTudo. ……..……...…….…….....……..…...…….…………………...………14

Figura 2: Gráfico - Comparação entre primeira foto e sexta foto de perfil utilizada pelos

informantes. Elaborado pela autora….………………………...………………..……...62

Figura 3: Gráfico - Dados sobre segunda opção de foto utilizada pelos informantes

observados no Tinder. Elaborado pela autora……………………….……..………….64

Figura 4: Gráfico - Resultados da observação participante em relação à descrição de

perfil. Elaborado pela autora.……....…………………………………………………..66

Figura 5: Resultados da observação participante sobre a vinculação de contas e local de

trabalho. Elaborado pela autora ………………………….…………………………….67

Figura 6: Figura 6: Tela de edição de perfil no Tinder e opções para vincular contas do

Instagram e Spotify. Captura de tela no aplicativo. …………………………………..102

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................….………....…................…..………………..….….12

CAPÍTULO 1: ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS E GERENCIAMENTO DA

IMPRESSÃO NOS AMBIENTES DIGITAIS…..…..…..……………………....…..23

1.1 – Questões acerca da identidade na pós-modernidade...…..….……….........……...23

1.2 – Consumo, relações e construção identitária..……..………..…...………...……...28

1.3 – A construção da identidade no ambiente digital....……..…………...…..………..35

1.3.1 – Mídias digitais e as estratégias de expressão de si………..…………..……..…35

1.3.2 – O gerenciamento das impressões nas plataformas digitais......….….…………..41

1.3.3 - “Cinco motivos para você me dar match”: Tinder e o gerenciamento da

impressão…..…..……..….......................………..….……….………..….…………….45

CAPÍTULO 2: ABORDAGENS METODOLÓGICAS E PARTICULARIDADES

DO CAMPO………..…..………………….………..…………....……....….………...53

2.1 – Explorações a partir de uma perspectiva etnográfica..….…...……….....………..53

2.2 – Observação participante: dados dos perfis analisados……………………….…...60

2.3 – Particularidades do campo e da escolha de entrevistadas................................…...68

2.3.1 – Algumas considerações sobre gênero…...……..………….…..............……..…74

2.3.2 – Polarização política e ideológica no Tinder..........................……………….….79

CAPÍTULO 3: PERFORMANCE, AUTENTICIDADE E GERENCIAMENTO

DA IMPRESSÃO NO TINDER..………..…..……...……...….…....…......………...85

3.1 – Performance dos homens no aplicativo na visão das mulheres……......…..……..85

3.1.1 – As fotos, estereótipos e as selfies……….….…..…….……………….…..…….……89

3.1.2 – Descrição do perfil…..………….……………………………………………....94

3.2 – Contexto de polimídia e o gerenciamento da impressão em diferentes

ambientes…..….……….…...…….…….………………………………..…….……...101

CONSIDERAÇÕES FINAIS.........……………………….……..…......……………107

BIBLIOGRAFIA.........…….……….…...……….…..…...…..…….….……….……116

ANEXOS.…………………………………….…….…………………………..……..120

Anexo I – Entrevista Carla………….……..………....…......………………………...120

Anexo II – Entrevista Lorena.…..…….........……..……………………..……………127

Anexo III – Entrevista Marina…………………………..………............…………….131

Anexo IV – Entrevista Olívia..………..……..………..………….………….………..138

Anexo V – Entrevista Júlia………….……...….…....…………….…………………..143

Anexo VI – Entrevista Gabriela…………..…..……...…...……………….………….148

Anexo VII – Entrevista Paula..…..………………….……………………………...…155

Anexo VIII – Entrevista Thaysa……..…….………………….…………..…………..162

Anexo IX – Grade de Observação…….......…………………........…………………..171

12

INTRODUÇÃO

Diego, um rapaz de 31 anos, constrói seu perfil na plataforma para relacionamentos

Tinder da seguinte maneira: na primeira foto ele faz a provocação “cinco motivos para você

dar like nesse cara” e, nas fotos seguintes, em uma espécie de slides, enumera motivos e

qualidades que convenceriam a possível pretendente de seguir o contato adiante. Algumas

imagens mostram o jovem no dia a dia da sua profissão, em seus momentos de lazer e hábitos

cotidianos, como tocar um instrumento musical, assistir Netflix e cozinhar, além de uma

sessão de comentários que diz já ter recebido anteriormente sobre suas qualidades1.

Tinder é um aplicativo para dispositivos móveis, lançado no final de 2012 pela

empresa norte-americana Match Group. A companhia está localizada em Dallas, no Texas, e é

mantida em sua maior parte pela IAC, empresa que por sua vez está por trás de mais de 150

websites, incluindo entre eles o famoso Vimeo. Ao todo, o valor de mercado do Match Group

é avaliado em US$ 3 bilhões2, e a organização detém ainda os sites e aplicativos para

relacionamento OkCupid, PletyOfFish e Match.com, todos do ramo da “paquera digital”3.

Com 100 milhões de usuários no mundo todo e 10 milhões só no Brasil, o Tinder é

indicado para aqueles que estão em busca de uma nova amizade ou relacionamento amoroso –

seja este um relacionamento casual ou não. Como a maioria das mídias sociais atuais, o

discurso que rege os princípios da plataforma é facilitar a vida de seus usuários na hora de

manter laços e conhecer novas pessoas, já que os mesmos possuem um dia a dia cada vez

mais corrido e atribulado4. Portanto, velocidade é uma das palavras-chave que define o

programa. São sete minutos em média que os usuários permanecem no aplicativo durante as

11 vezes que o acessam por dia, interações que rendem uma média de 26 milhões de casais

1 Perfil retirado da página no Facebook “Tinder da Depressão”, disponível em:

https://www.facebook.com/humortinder/photos/a.160562777623538.1073741828.159509031062246/410056832

674130/?type=3&theater. Acessado em: 13 de dezembro de 2017.

2 Disponível em: http://link.estadao.com.br/noticias/empresas,empresa-por-tras-do-tinder-vai-levantar-

us-400-milhoes-em-ipo,10000028868. Acessado em: 11 de janeiro de 2017.

3 Apesar de serem do mesmo ramo, o Tinder foi o primeiro da empresa dedicado totalmente a

dispositivos móveis, sendo também o primeiro a utilizar a tecnologia de GPS para a experiência na plataforma.

Conforme aponta Braziel, “aplicativos para dispositivos móveis dedicados para encontros ou sexo casual

somente apareceram no mercado em 2009 – dois anos depois do surgimento do primeiro Iphone” (BRAZIEL,

2015, tradução nossa), sendo o Grindr, aplicativo voltado para o público gay, um dos pioneiros.

4 Em entrevista para o site Olhar Digital, o co-fundador da plataforma Justin Mateen afirma que

“brasileiro é ocupado demais para encontrar namoro”. Disponível em:

http://olhardigital.uol.com.br/pro/noticia/criador-do-tinder-brasileiro-e-ocupado-demais-para-encontrar-

namoro/38499. Acessado em: 11 de janeiro de 2017.

13

combinados por dia em todo o mundo5. Além disso, como afirma seu co-fundador Justin

Mateen, um outro princípio que rege o aplicativo é a diversão6. Não é à toa que um universo

lúdico atravessa a forma como funciona o programa, desde seu design a suas ferramentas de

sociabilidade – ponto já explorado em trabalho anterior (COSTANTINO; FERREIRA, 2016)

e que será retomado mais adiante nesta dissertação.

Para utilizá-lo, o usuário se inscreve a partir de sua conta no site de rede social

Facebook e a plataforma cruza seus dados pessoais com sua localização geográfica. Após o

cadastro, uma lista de possíveis pretendentes é exposta na interface do programa e o

participante pode gostar ou não do perfil sugerido, com uma simples interação na tela:

deslizando o perfil para a esquerda a opção é rejeitada, para a direita é aprovada (há também a

opção de tocar a imagem de um coração na tela para gostar da opção ou em uma imagem de X

para não gostar). Os perfis são ordenados como numa pilha de cartas e só é possível analisar o

próximo após avaliar o atual. Quando a aprovação vem de ambos os lados, é exibida uma

mensagem na tela avisando “It's a match!” (“Vocês combinam!”, na tradução em português

do aplicativo), e os usuários podem iniciar uma conversa. Só é permitido manter contato com

aquele que também avaliou positivamente o seu perfil em troca (o que é descrito pela empresa

desenvolvedora como o fim da rejeição). Cada perfil é composto por seis fotos e uma

descrição de, no máximo, 500 caracteres. A estratégia de Diego, descrita no parágrafo inicial

dessa dissertação, é uma das formas de se destacar e utilizar os poucos recursos para

convencer os futuros pretendentes.

5 Dados obtidos por e-mail em contato com a assessoria de imprensa no Brasil da plataforma, em junho

de 2015.

6 Quando perguntado porque acredita que o Tinder faz tanto sucesso, Mateen responde: “É simples,

divertido e parece um jogo. Fazemos um grande esforço para que os usuários se sintam confortáveis com o

aplicativo”. Entrevista publicada pelo site de Tecnologia da Uol. Disponível em:

https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/04/23/brasil-tem-10-milhoes-de-usuarios-do-tinder-criador-

explica-sucesso-do-app.htm?mobile. Acessado em: 11 de janeiro de 2017. A ludificação do aplicativo já foi tema

explorado em trabalho anterior (COSTANTINO; FERREIRA, 2016).

14

Match é uma palavra da língua inglesa que pode significar tanto combinação ou

correspondência, quanto palito de fósforo (por conta disso, o símbolo da marca Tinder é uma

chama acesa). No aplicativo, ela é designada para indicar quando dois usuários aprovam o

perfil um do outro, conforme descrito anteriormente. Assim, conseguir um match está entre os

objetivos de quem utiliza o programa. Para tal, algumas estratégias, simbolismos e

ferramentas são utilizados com a finalidade de tornar sua persona cada vez mais interessante

aos olhos do outro.

É o exemplo do perfil de Felipe7, 28 anos, que, na primeira imagem de seu perfil,

apresenta uma montagem com sua foto, um fundo vermelho e os dizeres “Cansada da

mesmice no Tinder? O melhor match de hoje!”, fazendo referências a uma propaganda. A

imagem ainda faz o convite “Conheça um cara diferente. Passe as fotos”, numa tentativa de

despertar o interesse de quem visualiza a imagem. Se pensarmos no tempo médio de

utilização do Tinder, prender a atenção do público é uma das estratégias de gerenciar o

contato e fazer com que seu perfil não passe desapercebido entre os tantos que compõem a

lista de possíveis pretendentes.

Os perfis descritos anteriormente expressam a necessidade de se obter a aprovação e,

para tal, observa-se que algumas estratégias são utilizadas para passar as ideias de

credibilidade e autenticidade. Diego, cujo perfil foi apresentado no início desta introdução,

7 Retirado da página no Facebook “Tinder da Depressão”. Disponível em:

https://www.facebook.com/humortinder/photos/a.161076070905542.1073741829.159509031062246/381412822

205198/?type=3&theater. Acessado em 13 de dezembro de 2017.

Figura 1: Tela principal do Tinder com demonstrativo de perfil e interação. Fonte: Site TechTudo -

http://www.techtudo.com.br/dicas-etutoriais/noticia/2015/12/o-que-e-e-como-funciona-o-tinder.html

15

usa imagem e texto para expressar suas qualidades e enumerar os motivos pelos quais deveria

ser escolhido dentre tantas opções disponíveis no aplicativo. Felipe faz uma propaganda de si

mesmo, expondo sua imagem ao lado de dizeres típicos do mercado. A socialização, muitas

vezes, está ligada a atender e prever os desejos dos outros – forma essa que se estabelece, em

parte, a partir da vivência em uma cultura de consumo. Dessa maneira, a própria identidade

pode ser construída a partir do olhar de fora; nas palavras de Slater: “em relação a estar de

acordo com as expectativas transitórias do outro” (SLATER, 2002, p. 92). Mesmo que não de

forma tão evidente quanto os perfis usados como exemplo na introdução deste trabalho, a

maior parte dos perfis construídos no Tinder seguem essa lógica, sendo construídos de forma

estratégica e pensando em como gerenciar a impressão que o outro terá de sua

autoapresentação.

Nesse ponto, cabe uma observação acerca das próprias estratégias identitárias. O

processo de subjetivação não é algo dado desde o nascimento, mas construído ativamente

junto às noções culturais, políticas e sociais da vida cotidiana. Esse processo está também

ligado aos arranjos que se apresentam a partir da modernidade, entre eles a cultura do

consumo, a maior liberdade dada ao indivíduo para construir a própria identidade (SIMMEL,

1973; GIDDENS, 2002; HALL, 2006) e a disposição de novos meios tecnológicos de

comunicação. Meios esses que não são os causadores diretos de tais mudanças sociais e

culturais, mas resultados de:

processos históricos bem complexos, que envolvem uma infinidade de fatores

socioculturais, políticos e econômicos. Nesse sentido, as tecnologias são inventadas

para desempenhar funções que a sociedade de algum modo solicita e para as quais

carece de ferramentas adequadas. (SIBILIA, 2016, p. 25)

Porém, para além do meio tecnológico em si, o que se pretende explorar neste trabalho

é a forma como a impressão do outro interfere nesse processo de subjetivação – sem deixar de

levar em conta a maneira como tal processo ocorre no ambiente mediado do Tinder. Na

plataforma, os perfis são criados, em parte, para atender aos desejos dos outros usuários, em

uma constante busca por se manter notável, interessante e, principalmente, mais merecedor da

aprovação que o usuário a seguir. Regular a impressão que o outro terá de nós mesmos é umas

das principais tarefas desempenhadas no cotidiano e, também, nas plataformas digitais. O

gerenciamento da impressão (GOFFMAN, 2002) é parte intrínseca dos processos das

dinâmicas de autoapresentação nas mídias digitais e em sites de redes sociais e de aplicativos

sociais (POLIVANOV, 2014; RIBEIRO, FALCÃO E SILVA, 2010; CARRERA, 2012).

16

Quando na presença do outro, as ações e impressões causadas pelo indivíduo definirão a

situação ali disposta, no sentido de que uma ação irá levar a uma resposta específica que se

deseja receber. Em certas ocasiões, o indivíduo “agirá de maneira completamente calculada,

expressando-se de determinada forma somente para dar aos outros o tipo de impressão que irá

provavelmente levá-los a uma resposta específica que lhe interessa obter” (GOFFMAN, 2002,

p. 15)8.

Goffman atenta ainda para a importância da primeira impressão em uma relação

social. As interações são em grande medida baseadas em inferências, ou seja, confia-se que

determinado indivíduo terá determinado comportamento porque é o que se espera dele

(GOFFMAN, 2002). Da mesma forma que, a partir da projeção que se faz de si mesmo,

espera-se um tratamento específico em troca. Novamente, se analisarmos os exemplos de

perfis construídos na plataforma Tinder descritos anteriormente, as atenções estão voltadas ao

que o outro acharia e sobre o que o outro se interessaria, de maneira que se espera em troca

que seu próprio perfil seja aprovado.

Nancy Baym (2010), ao abordar as novas formas de conexões sociais em ambientes

digitais de interação, afirma que algumas mídias podem oferecer um número insuficiente do

que chama de pistas sociais, ou seja, informações importantes que nos fazem identificar

socialmente o outro indivíduo e nos fazem sentir seguros em iniciar um contato com o

mesmo. Baym argumenta que, assim, ocorre muitas vezes o processo de “self-disclosure”

(BAYM, 2010, p. 109), ou seja, expor aquilo que se acredita ser o “verdadeiro self”, como

uma forma de afirmar-se como um sujeito autêntico e de firmar conexões com pessoas com as

quais não se possuía laços anteriores (SÁ, POLIVANOV; 2012, p. 580).

Essa preocupação com as estratégias de autoapresentação está também ligada ao que

Giddens chama de projeto reflexivo da construção da identidade (2002), no qual as narrativas

de si aparecem de forma explícita, almejando obter uma coerência expressiva em tais

8 Cabe ressaltar que Goffman trabalha com a interação face a face e, apesar de não ter sido estabelecida

a priori uma diferenciação da apresentação de si em ambientes online e offline, entende-se que os mesmos

possuem diferenças – entre elas, a mais evidente, seria a ausência da presença e do contexto físicos da interação.

Apesar disso, essas diferenças não deslegitimam aquilo que apresentamos em contextos online, sendo os mesmos

tão importantes para nossa construção identitária quanto aquilo que apresentamos em contextos offline.

Vivenciamos contextos híbridos de interação (SOUZA E SILVA, 2006), no qual as esferas digitais e físicas se

integram, trazendo diferentes contextos para um mesmo campo de experimentação. Mesmo assim, a aplicação

dos estudos de Goffman a ambientes digitais de interação não deve ser realizada arbitrariamente. Conforme

aponta Fernanda Carrera, a apresentação em contextos online faz emergir novas formas de expressão, que

também se configuram a partir da resposta ao estímulo da interação social e da percepção que o outro faz da

apresentação emitida. Há sempre um compartilhamento entre aquilo que se emite e a resposta que de fato se

consegue imprimir no outro.

17

narrativas. Segundo o autor, na alta modernidade, a identidade é construída continuamente

como um processo que sempre se renova, já que as narrativas pretendem se manter coerentes

e, assim, são expostas a constantes revisões. No Tinder, por exemplo, ao se analisar a

eficiência que seu próprio perfil possui em relação à obtenção de likes, os usuários expõem o

próprio perfil a revisões na expectativa de melhorar a experiência no programa – assunto que

já foi tema de trabalhos anteriores sobre o Tinder (WARD, 2016) e que será explorado no

segundo capítulo desta dissertação.

Outro fator fundamental nesse percurso é a possibilidade de escolha de estilos de vida,

que podem ser definidos como “um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um

indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque

dão forma material a uma narrativa particular da auto-identidade” (GIDDENS, 2002, p. 79).

Quais roupas vestir, que lugares frequentar com os amigos, quais livros comprar ou quais

músicas ouvir, enfim, todos os hábitos cotidianos podem servir para estabelecer um estilo de

vida próprio e construir, dessa forma, o projeto da identidade. Os estilos de vida, portanto, são

escolhas diárias em uma série de possíveis escolhas, e podem ser particularmente importantes

em ambientes digitais de interação por representarem as pistas sociais às quais Baym (2010)

faz menção – e isso pode ainda ser explorado de diversas maneiras ao pensarmos no Tinder,

como, por exemplo, a possibilidade de se filiar aos interesses que possui e às músicas que

consome ao aplicativo.

Ainda no contexto dos estilos de vida e do projeto reflexivo, Giddens (2002) chama de

relação pura aquela escolhida dentre tantas outras possibilidades e que é cultivada pela

satisfação emocional que proporciona, sem a influência direta de fatores externos como

família ou religião. Ou seja, tais relações são mantidas pensando naquilo que podem

promover para o prazer e a satisfação de nós mesmos, sendo sempre levadas a

questionamentos. Inseridas no contexto da reflexividade da vida na alta modernidade, há um

constante monitoramento de ambos para checar se a relação realmente faz sentido na narrativa

identitária de cada um dos indivíduos envolvidos em tal relação.

Assim, os lugares que frequenta, as roupas que veste e o estilo de vida que leva não

estão só ligados à sua narrativa, mas também às relações que se estabelecerão, de forma que

as mesmas possam proporcionar satisfação pessoal. Esse ponto pode ser encontrado em

diversos perfis de diferentes usuários, que compartilham não só seus estilos de vida em fotos e

textos, mas também explicitam em sua descrição de perfil o que esperam do possível

18

pretendente – às vezes, fazendo até mesmo uma lista com aquilo que o outro usuário deve ou

não possuir para satisfazer a busca. Essa estratégia mostra a procura de tais usuários por

relações puras que preencham satisfatoriamente suas expectativas e que sejam coerentes com

sua trajetória.

O objetivo principal desta pesquisa é entender como são recebidas as performances de

si na plataforma Tinder, relacionando, em parte, o conceito de gerenciamento da impressão

(GOFFMAN, 2002) com a forma como se dá o processo de subjetivação na plataforma

Tinder. Tal perspectiva será abordada a partir da maneira como o público feminino recebe as

narrativas de autoapresentação dos homens heterossexuais, possibilitando assim a análise das

concordâncias e rupturas que tais narrativas sofrem ao longo do processo. As principais

questões que norteiam este trabalho são: como são recebidas as estratégias de

autoapresentação utilizadas na plataforma?; como os usuários entendem e enxergam as noções

de autenticidade e honestidade através das performances de si no programa?

Para responder tais questões e como metodologia escolhida para esse trabalho, será

realizado um estudo de inspiração etnográfica, entendendo tais estudos como aqueles que não

adotam a etnografia em si como metodologia, mas “que se utilizam de partes dos

procedimentos etnográficos de pesquisa” e que podem “incorporar protocolos metodológicos

e práticas de narrativa como histórias de vida, biografias ou documentos para compor a

análise dos dados” (AMARAL, FRAGOSO E RECUERO, 2012, 168).

A princípio, foi realizada uma observação participante no aplicativo Tinder pelo

período de quatro semanas, em outubro de 2017, por aproximadamente 20 minutos por dia e a

partir do meu perfil pessoal do Facebook, vinculado ao programa. Na descrição do meu perfil,

explicitei realizar uma pesquisa e não interagi diretamente pelo aplicativo com outros usuários

nesse primeiro momento. Nos filtros disponibilizados pelo aplicativo, escolhi a opção entre 18

e 34 anos, adultos e jovens adultos, que corresponde ao grupo com maior número de usuários

no programa (83%)9, além da opção de interesse em homens a um raio de distância de até 160

km (o que corresponde ainda ao Estado do Rio de Janeiro).

Acredita-se que a utilização do próprio perfil permite maior credibilidade e maior

facilidade na hora de se construir laços e manter um processo comunicacional com outros

indivíduos, principalmente em ambientes digitais de interação. Isso porque, em tais

ambientes, na ausência da presença física, os indivíduos se pautam nas pistas sociais

9 Informação disponível em: http://www.techtudo.com.br/listas/noticia/2015/05/pesquisa-global-revela-

cinco-coisas-sobre-os-usuarios-do-tinder-veja.html. Acessado em 18 de novembro de 2017.

19

disponibilizadas por cada usuário, na tentativa de se tornar confiável tal relação. Como pontua

Raquel Recuero:

no ciberespaço, pela ausência de informações que permeia a comunicação face a

face, as pessoas são julgadas e percebidas por suas palavras. (…) É preciso, assim,

colocar rostos, informações que gerem individualidade e empatia, na informação

geralmente anônima do ciberespaço. (RECUERO, 2009, p. 27).

Em seguida, realizei entrevistas semiestruturadas com oito usuárias do programa. O

processo de escolha de tais informantes se deu através do procedimento “bola de neve”: a

partir da minha própria rede de contatos, recebi indicações de mulheres que utilizavam o

Tinder e estariam dispostas a contribuir com a pesquisa. O critério de escolha de tais usuárias

levou em consideração alguns dos filtros aplicados anteriormente na observação participante

realizada na plataforma: mulheres entre 18 e 34 anos, residentes do Rio de Janeiro e que

estivessem fazendo uso do aplicativo de forma recorrente em seu cotidiano. Ao final de cada

entrevista, pedia a cada informante que indicasse uma nova pessoa para participar da pesquisa

e, conforme as respostas foram se repetindo, se deu por encerrado o processo de seleção.

Entende-se que este é apenas um recorte entre os tantos possíveis e que ele possui

limitações e particularidades: por iniciar os contatos a partir da minha lista, o perfil de

mulheres foi se repetindo e as respostas se assimilando mais rapidamente. Por exemplo,

muitas definiam sua posição política como de esquerda e, em muitas respostas, repetiam a

preocupação em não se relacionar com homens com posturas mais conservadoras ou

reacionárias, além de possuírem estratégias para evitar pessoas com pensamentos machistas

ou sexistas, posição que se repetia na maioria das entrevistas realizadas. Além disso, também

percebeu-se, ao longo das entrevistas, que a visão de mulheres a respeito dos perfis de

homens, obviamente, não seria a mesma dos homens em relação às mulheres, esbarrando com

certas particularidades e precauções que não necessariamente seriam encontradas no gênero

masculino – como, por exemplo, a preocupação em não poder se defender fisicamente de

alguma agressão sexual e, com isso, analisar os perfis a partir de tal preocupação. Apesar

disso, entende-se que a escolha por uma perspectiva de inspiração etnográfica demanda

exatamente uma pesquisa a partir de uma parcela e grupo social específicos, que ajudam a

explicar e compreender fenômenos maiores, o que garante a validade e importância dos dados

e respostas obtidas.

A abordagem utilizada nesta pesquisa – a observação da forma como as narrativas de

autoapresentação são recebidas pelo público feminino – se justifica também pela minha

20

própria posição enquanto pesquisadora e pela escolha metodológica para a realização do

trabalho. Ao utilizar meu próprio perfil no programa, as opções que surgem de filtragem para

mulheres são: escolher estar interessada por homens e/ou mulheres, de idade entre 18 a 55+

anos e localizados a uma distância de até 160 km. Vincular tal perspectiva com minha própria

posição me ajuda a alcançar os significados simbólicos que as entrevistadas forneciam

durante a entrevista, cruzando minhas próprias experiências com as das usuárias. Assim, foi

também de fundamental importância a imersão na plataforma e a etapa de observação

participante, que permitem maior familiaridade e reconhecimento com o tema. Ao realizar a

observação participante através de meu próprio perfil e entrevistar outras mulheres usuárias

do Tinder, há a possibilidade de relacionar os dados colhidos em ambas as etapas de forma

mais coesa e dentro dos limites metodológicos.

Além disso, ao realizar um levantamento bibliográfico de trabalhos já realizados

acerca do Tinder, percebeu-se já haver pesquisas que relacionam o conceito de Goffman à

forma como os perfis do programa são elaborados, porém estes trabalhos foram realizados por

pesquisadores estrangeiros (as pesquisas já realizadas sobre o Tinder no Brasil, até o

momento, adotam outras perspectivas teóricas) e abordam apenas a forma como cada usuário

pensa e constrói seu próprio perfil, sem levar em conta o lado que será exatamente explorado

nesta dissertação: como as narrativas de tais perfis são recebidas pelo seu público. Assim, este

trabalho se justifica por apresentar tal abordagem e pretende contribuir com mais uma visão

acerca do assunto, de forma a acrescentar ao debate novos olhares e novos dados empíricos

que possibilitem ajudar no estudo das dinâmicas e estratégicas de autoapresentação e

performances de si em ambientes digitais.

A pesquisa se estrutura da seguinte forma: o primeiro capítulo é dedicado à discussão

teórica sobre visões acerca da identidade na pós-modernidade e nas plataformas digitais de

interação. Serão abordados inicialmente alguns aspectos importantes sobre o conceito de pós-

modernidade e o que o mesmo implica para a noção de identidade. Em seguida, serão

discutidos os conceitos de “reflexividade institucionalizada” (GIDDENS, 2002), incluído

neste ponto o projeto reflexivo do eu, além das noções de estilos de vida e de relações puras.

Também serão debatidos aspectos da cultura do consumo e como ela influencia no processo

de subjetivação. Escolheu-se tal caminho teórico por entender que a pós-modernidade tem

papel importante na forma como a identidade vem sendo entendida. Os autores e as teorias

utilizadas já foram abordados e relacionados anteriormente e esta dissertação faz esse

21

panorama teórico a fim de enquadrá-la em estudos da mesma natureza.

Ainda no primeiro capítulo, algumas questões sobre o processo de construção

identitária nas plataformas digitais serão levantados, levando em conta algumas características

específicas e relativas às dinâmicas identitárias nas expressões virtuais. Em seguida, trabalha-

se a obra de Goffman e o conceito de gerenciamento da impressão, seguindo a discussão com

a abordagem das especificidades do Tinder e dos trabalhos já realizados acerca do aplicativo,

incluindo aqueles que relacionam o conceito de Goffman com o programa. A proposta é

realizar um levantando das pesquisas já realizadas e relacioná-las com aquilo que se pretende

discutir e acrescentar nesta pesquisa.

Já no segundo capítulo, serão apresentadas as metodologias empregadas e os dados

colhidos durante a observação participante, relacionando tais dados aos conceitos trazidos

durante o primeiro capítulo desta dissertação. Ainda neste capítulo, serão apresentadas as

usuárias entrevistadas, a forma como se deu o recrutamento das mesmas – discutindo, nesse

ponto, a técnica da bola de neve como metodologia importante para estudos sobre a temática

– e algumas particularidades encontradas em campo, como a questão do recorte de gênero

escolhido e ainda questões políticas e ideológicas que atravessavam o escopo de usuárias

entrevistadas.

O terceiro capítulo abordará os conceitos de performance e de gerenciamento da

impressão, relacionando tais conceitos aos dados obtidos durante as entrevistas realizadas e a

observação participante no aplicativo. Neste capítulo, serão apresentados os dados colhidos

durante as entrevistas, analisando primeiro como são recebidas as fotos e, em seguida, as

descrições de perfil. O terceiro capítulo se propõe ainda à análise dos conceitos de polimídia,

colapso de contextos e audiência imaginada, formulações que também se ligam ao conceito

chave desta dissertação, o gerenciamento da impressão, e que também serão trabalhadas a

partir dos dados colhidos em campo.

Com base na pesquisa empírica, percebeu-se algumas questões importantes na

performance de si no Tinder: 1) a preocupação com a autenticidade, tanto no sentido de uma

originalidade na criação do perfil, quanto em relação à honestidade das informações ali

expostas (tal cenário influencia a construção de uma narrativa de si feita no limiar entre uma

auto-promoção e um perfil autêntico); 2) a busca a partir de estereótipos, em um contexto

onde são poucas as pistas sociais que permitem avaliar o outro no momento da interação; 3) a

apresentação de si a partir do gerenciamento da impressão que se deseja transmitir, trazendo a

22

percepção de que o self ali exposto será ou não confirmado em um segundo momento, e

trazendo ainda a busca por vestígios e rupturas de tais apresentações em outros contextos

online, como outros sites e aplicativos de redes sociais.

Escolheu-se o aplicativo para relacionamentos Tinder por seu caráter particular no que

diz respeito à sua funcionalidade e ao contexto que vivenciamos atualmente de grande

ascensão de mídias móveis para a comunicação e relação pessoal. Entende-se que nossa

persona online está estritamente ligada àquilo que somos no offline, mas que, ao mesmo

tempo, plataformas digitais de interação oferecem possibilidades distintas e próprias de

expressão. O aplicativo possui um espaço pequeno para a exposição da própria identidade e

uma dinâmica que faz com que seus usuários busquem alguns artifícios a mais para se

destacar entre os tantos outros inscritos na plataforma, realçando assim aspectos como o

gerenciamento da impressão, a própria performance e a ideia de uma audiência imaginada.

Assim, a partir dessas inquietações, propõe-se neste estudo alguns caminhos possíveis de

entendimento da subjetividade – e do processo de subjetivação – nas mídias digitais.

23

CAPÍTULO 1: ESTRATÉGIAS IDENTITÁRIAS E GERENCIAMENTO DA

IMPRESSÃO NOS AMBIENTES DIGITAIS

1.1 – Questões acerca da identidade na pós-modernidade

Um dos principais parâmetros no que concerne ao entendimento da identidade, a partir

da modernidade, diz respeito a uma crescente desvinculação de instituições tradicionais, como

família e religião, que permitiu maior – porém não total – liberdade em se construir uma

narrativa de si mesmo (HALL, 2006; GIDDENS, 2002). Mesmo que forças tradicionais ainda

exerçam sua influência em quem somos, há a possibilidade de maior autonomia frente a essas

forças e, de acordo com Ana Enne,

o indivíduo, embora não sem percalços e obviamente com diversas instâncias

atravessadoras (só para citar algumas, classe, gênero, contexto local e histórico etc.),

passa a se perceber, cada vez mais, autorizado a se constituir como sujeito, por meio

de projetos de representação de si, nos quais sua margem de escolha é dada pela

maior flexibilização das relações sociais. (ENNE, 2006, p. 21-22)

O individualismo surge com muita mais força na modernidade, através da ideia de que

“cada pessoa tem um caráter único e potencialidades sociais que podem ou não se realizar”

(GIDDENS, 2002, p. 74), ideia que não tinha tanta ênfase em regimes pré-modernos, nos

quais o status social era mais fixo e o papel do indivíduo na construção da própria identidade

mais direcionado pelos moldes da tradição. Hall acrescenta que a noção estabelecida de

individualismo surge a partir de correntes como o Humanismo Renascentista do século XVI e

do Iluminismo do século XVIII, conforme apontado abaixo.

As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios

estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas eram

divinamente estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a mudanças

fundamentais. O status, a classificação e a posição de uma pessoa na “grande cadeia

do ser” - a ordem secular e divina das coisas – predominavam sobre qualquer

sentimento de que a pessoa fosse um indivíduo soberano. (HALL, 2006, p. 25)

Giddens atenta para o quanto a alta modernidade10

provoca a ascensão da organização

como modus operandi de toda a estrutura cotidiana. Há um “controle regular das relações

10 Para Giddens, a alta modernidade é um segundo momento da modernidade em si, mais atual, no qual

há a proeminência da reflexividade na estrutura cotidiana – as estratégias identitárias estão cada vez mais

inseridas no processo de constante revisão e na ideia de maior liberdade e autonomia para a sua construção.

24

sociais dentro de distâncias espaciais e temporais indeterminadas” (GIDDENS, 2002, p. 22),

que funciona a partir da criação de sistemas cada vez mais abstratos e opacos para os sujeitos.

Esses sistemas abstratos, como a marcação do tempo e o sistema monetário baseado no

dinheiro, por sua vez, se tornam cada vez mais globais; a partir da modernidade, instituições e

modos de comportamento são estabelecidos pela primeira vez em toda a Europa no período

pós-feudalismo, instituições essas que se tornam globais a partir do século XX. Esse contexto

leva a um dinamismo no fluxo de vida, principalmente nos ambientes urbanos, nos quais as

mudanças tomam muito menos tempo para se consolidarem e, de fato, modificarem a vida

social.

Simmel, ao abordar a consolidação de um sistema moderno de vida, também atenta

para o que caracteriza como uma hiperestimulação nas grandes metrópoles. De acordo com o

autor, o ritmo da vida e das mudanças se torna tão intenso que os indivíduos desenvolvem um

mecanismo de proteção frente a esse dinamismo, chamado de “atitude blasé” (SIMMEL,

1973, p. 16). A atitude blasé confere ao indivíduo uma apatia dos sentidos e uma espécie de

escudo ao lidar com os diversos estímulos e mudanças nas práticas sociais. Essa forma de

lidar com a realidade concede ao indivíduo uma ainda maior liberdade pessoal, no sentido de

estar inserido na cadeia organizacional e passar, de certa forma, desapercebido nas multidões

dos ambientes urbanos. O dinamismo também oferece aos indivíduos respostas já prontas

para se encaixar na estrutura do mundo moderno e configurar sua própria identidade:

Por um lado, a vida se torna infinitamente fácil para a personalidade na medida em

que os estímulos, interesses, empregos de tempo e consciência lhe são oferecidos de

todos os lados. Eles conduzem a pessoa como se em uma corrente e mal é preciso

nadar por si mesma. Por outro lado, entretanto, a vida é composta mais e mais desses

conteúdos e oferecimentos que tendem a desalojar as genuínas colorações e as

características de incomparabilidade pessoais. Isso resulta em que o indivíduo apele

para o extremo no que se refere à exclusividade e particularização, para preservar

sua essência mais pessoal. (SIMMEL, 1973, p. 24)

Apesar de estar inserido em um contexto histórico distinto ao atual, é interessante

notar que, na visão de Simmel, ao mesmo tempo em que interessa ao sujeito moderno se

inserir na lógica urbana e configurar sua identidade a partir das respostas já prontas, esse

mesmo sujeito se vê cada vez mais em busca da autenticidade e da exclusividade, algo que

ainda hoje se faz presente no que se refere à auto-identidade. A auto-identidade é vista como

uma narrativa explicitada e o indivíduo passa a denotar o esforço de manter a trajetória do eu

coerente.

Tal esforço também é abordado na visão acerca da identidade na pós-modernidade.

Antes de entendermos tal visão, vale referenciar alguns aspectos que Gumbrecht (2010) traz

25

como essenciais do período pós-moderno. O autor enumera três conceitos-chave para se

entender a condição pós-moderna. Seriam eles: (1) a destemporalização, entendida como uma

diferenciação na ideia temporal (na modernidade, o “tempo confunde-se com a matéria que

flui de um passado, sempre distinto do presente, a um futuro, entendido como aberto”

(GUMBRECHT, 2010, p. 391), diferente da pós-modernidade, onde vive-se a sensação de um

presente estendido, no qual o futuro aparece bloqueado e ameaçador, e o passado invade o

presente a partir de técnicas de reprodução artificial); (2) a destotalização, ou seja, a “atual

impossibilidade de sustentar afirmações filosóficas ou conceituais de caráter universal”

(GUMBRECHT, 1998; p. 391); (3) e, por fim, a desreferencialização ou desnaturalização,

entendida como a perda do contato direto com a matéria, o que produz uma “sensação de

enfraquecimento do contato com o mundo externo” (Ibid., p. 391) e o entendimento de que as

representações não contam tão seguramente mais com um referencial.

Há também uma mudança na noção de espaço, para Gumbrecht, que está ligada à

questão da experiência e ação. Com a mediação das ações, principalmente através dos novos

dispositivos eletrônicos, há uma “desassociação entre a posição do corpo de um

experimentador/agente – em dado momento – e as zonas acessíveis a sua experiência/ação”

(Ibid., p. 286). Dessa forma, na visão do autor, tais zonas de experiência permitiriam a

desvinculação da noção de espaço da noção de tempo.

Nesse contexto, Hall (2006) traz a ideia de “crise da identidade”, que diz respeito, para

o autor, à forma como a identidade perde sua percepção de algo fixo e permanente e passa a

ser “descentrada”. Alguns marcos que fizeram emergir a ideia de descentração ou

fragmentação do sujeito, de acordo com Hall, foram: a redescoberta do pensamento marxista

em uma visão que tirava o sujeito individual do centro da formação histórica, afinal, os

“homens fazem a história, mas apenas sob as condições que lhe são dadas” (MARX apud

HALL, 2006, p. 34); a segunda descentração vem do pensamento freudiano sobre o

inconsciente, que enxerga a formação identitária em parte a partir de nossa psique e de

processos muito diferentes dos da Razão, arrasando “o conceito do sujeito cognoscente e

racional provido de uma identidade fixa e unificada” (HALL, 2006, p. 36); outro ponto que

leva à descentração do sujeito diz respeito aos estudos de Saussure na linguística que vê a

linguagem como algo vivo e em constante revisão, contrastando também com a ideia de

rigidez sobre os processos simbólicos e constituintes de nossa própria identidade; o quarto

marco vem da obra de Foucault sobre a genealogia do homem moderno e a influência de

26

dispositivos de poder na formação do indivíduo, que faz com que “quanto mais coletiva e

organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância

e a individualização do sujeito individual” (Ibid., p. 43); por fim, Hall acrescenta o impacto do

feminismo dentro do contexto dos “novos movimentos sociais” (Ibid., p. 44), que faz imergir

o nascimento da política de identidade, ou seja, uma identidade para cada movimento social

que o indivíduo integra. Todo esse cenário faz nascer uma ideia de mobilidade no que diz

respeito à construção identitária. Nas palavras de Hall:

Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma

identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração”

móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais

somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam

(HALL, 1987). É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume

identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas

ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias,

empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão

sendo continuamente deslocadas. (HALL, 2006, p. 13)

Apesar dessa visão, o próprio autor acrescenta que há um esforço por parte do

indivíduo em manter uma narrativa do eu coerente, processo que produz a sensação de uma

identidade contínua e centrada. Mesmo que haja discordância desse ponto de vista por parte

de outros autores, é importante ressaltar no pensamento de Hall a ideia de que a identidade é

interpelada a todo momento pelos sistemas culturais que a rodeiam, principalmente em um

contexto de sociedades globalizadas, industrializadas e instáveis no que diz respeito às

mudanças e modos de vida. Hall, citando Marx, acrescenta que o ritmo de vida moderno tende

a manter um eterno movimento e “permanente revolucionar da produção”, onde “tudo que é

sólido se desmancha no ar” (MARX e ENGELS apud HALL, 2006, p. 14). Essa visão parece

estar algo de acordo com a ideia de um indivíduo inserido em metrópoles urbanizadas, em

meio ao anonimato da multidão, capaz de construir sua própria identidade a partir dos

diferentes e sempre numerosos estímulos que o rodeiam.

Essa ideia de mudança constante parece se encaixar também na definição de

modernidade líquida proposta por Bauman (2007). Em uma sociedade “líquido-moderna”, as

condições mudam rapidamente antes de serem consolidadas; portanto, a vida nesse aspecto

não deve nunca ficar parada e deve se modernizar em uma série de reinícios. Segundo o autor:

“líquido-moderna é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros

mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e

rotinas, das formas de agir” (Ibid., p. 7). Portanto, diferente de modelos tradicionais de

sociedade, o indivíduo passa a encarar uma instabilização e uma falta de referenciais nos

27

quais se apoiar.

Giddens (2002) também atenta para o dinamismo no modo de vida moderno,

conforme discorrido anteriormente, o que leva ao que o autor caracteriza como reflexividade

institucional, ou seja, o uso regularizado do conhecimento sob as circunstâncias da vida social

se torna elemento constitutivo de sua organização e transformação. A alta modernidade seria

dessa forma “uma ordem pós-tradicional em que a pergunta “como devo viver?” tem tanto

que ser respondida em decisões cotidianas (…) quanto ser interpretada no desdobrar temporal

da auto-identidade” (GIDDENS, 2002, p. 20-21). O projeto reflexivo do eu consiste em

manter narrativas biográficas coerentes, continuamente revisadas, no contexto de múltiplas

escolhas filtradas pelos sistemas abstratos.

Vale ressaltar, a partir da obra dos diferentes autores trazidos anteriormente, a ideia de

um eu sempre inacabado, visão compartilhada também nessa dissertação. O processo de

subjetivação é visto como incompleto e, afinal, como um processo, sempre em formação.

Conforme nos mostra Hall:

Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de

identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não

tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de

uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas

através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. (HALL, 2006, p. 39, grifo

do autor)

Além disso, Giddens caracteriza a alta modernidade também como uma “sociedade de

risco”; nega-se o destino, o caráter puramente predeterminado das ações, e se assume uma

postura calculista frente às possibilidades de ação. Essa postura procura prever a todo

momento os riscos que possam surgir a cada decisão reflexivamente tomada. Isso faz com que

o decorrer da vida moderna seja uma contínua escolha entre mundos possíveis. A avaliação

dos riscos na modernidade está ligada a uma especialização generalizada que torna os

sistemas abstratos muitas vezes opacos, ponto também abordado anteriormente. Na pré-

modernidade, o conhecimento era muito mais local e acessível e, na maior parte do tempo, os

indivíduos não dependiam de sistemas abstratos para seguir com sua vida. Já o conhecimento

especializado não cria “arena indutivas estáveis” (GIDDENS, 2002, p. 36), pois a razão é

sempre posta a prova:

A modernidade, pode-se dizer, rompe o referencial protetor da pequena comunidade

e da tradição, substituindo-as por organizações muito maiores e impessoais. O

indivíduo se sente privado e só num mundo em que lhe falta apoio psicológico e o

sentido de segurança oferecidos em ambientes mais tradicionais. (GIDDENS, 2002,

p. 38)

28

Além da invasão de sistemas globais no contexto local, Rolnik (1997) também

acrescenta o surgimento de novas tecnologias, principalmente as eletrônicas, como fator

transformador do processo de subjetivação. A mediação da experiência gerada por tais

tecnologias, associada ao surgimento de identidades globalizadas flexíveis, pulveriza as

identidades estáveis localmente estabelecidas e as coloca em um constante regime de falta. Os

novos modelos de identidades globalizadas mudariam, na visão da autora, velozmente ao

sabor do mercado – é sempre a novidade que importa – e se tornam instáveis. Ao mesmo

tempo, de acordo com a autora, as subjetividades tendem a resistir a essa desestabilização e

buscam uma representação de si dada a priori, o que podemos relacionar com a busca pela

autenticidade, em ser verdadeiro consigo mesmo. Conforme aponta Rolnik:

É a desestabilização exacerbada de um lado e, de outro, a persistência da referência

identitária, acenando com o perigo de se virar um nada, caso não se consiga produzir

o perfil requerido para gravitar em alguma órbita do mercado. A combinação desses

dois fatores faz com que os vazios de sentido sejam insuportáveis. (ROLNIK, 1997,

p. 2)

Rolnik conclui que esse vazio insustentável é preenchido por uma série de

subterfúgios, entre eles, aqueles oferecidos pela mídia, incluindo a televisão, o cinema e a

propaganda. Identidades prêt-à-porter são consumidas por aqueles que buscam uma resposta

para o seu processo de subjetivação e podem ser adquiridas através da mediação da

experiência característica da modernidade.

Para encerrar, após toda essa discussão teórica acerca das visões sobre identidade na

modernidade e pós-modernidade, cabe ressaltar alguns aspectos considerados fundamentais

nesta dissertação. O primeiro deles diz respeito a essa maior liberdade que o indivíduo passa a

possuir, a partir da modernidade, para se construir a própria identidade. De certa forma mais

livre de instituições tradicionais, o indivíduo busca, em outras instâncias, referenciais

simbólicos para a construção identitária, sendo uma delas o consumo, conforme veremos no

tópico a seguir. Outro ponto importante é a maior desestabilização que o indivíduo passa a

sofrer no que diz respeito ao modo de vida moderno, com mudanças até mesmo nos sentidos

de espaço e tempo. Isso leva a uma sensação maior da fragmentação do sujeito em diferentes

identidades e a um esforço cada vez mais árduo em se manter uma narrativa identitária

coerente, fixa e constantemente revisada.

1.2 – Consumo, relações e construção identitária

29

Para continuar a discussão sobre construção identitária na pós-modernidade, cabe

discorrer sobre a influência do consumo no processo de subjetivação. Para Campbell (2006), a

partir da modernidade, o consumo passa a ser uma atividade central ligada às questões de ser

e saber e atingindo um caráter metafísico. O autor enfatiza o quanto a emoção e o desejo

ocupam um caráter decisivo no consumismo moderno, que se constitui não só pela satisfação

de necessidades11

. Dessa maneira, o consumo passa a possuir uma “ênfase colocada no direito

dos indivíduos de decidirem, por si mesmos, que produtos e serviços consumir”

(CAMPBELL, 2006, p. 49).

Slater chama de cultura do consumo a forma como a sociedade, a partir

principalmente da modernidade, vive em “um acordo social onde a relação entre a cultura

vivida e os recursos sociais, entre modos de vida significativos e os recursos materiais e

simbólicos dos quais dependem, são mediados pelo mercado” (SLATER, 2002, p. 17). Ainda

de acordo com o autor, diferente de sociedades tradicionais, “a noção de cultura do consumo

implica que, no mundo moderno, as práticas sociais e os valores culturais, ideias, aspirações e

identidades básicos são definidos e orientados em relação ao consumo” (Ibid., p. 32).

O autor aponta algumas linhas gerais que definem a cultura do consumo: 1) o

consumo atinge um caráter cultural, pois a atividade de consumo torna-se ela mesma o foco

crucial da vida social, além disso, uma cultura de massa passa a reduzir todo tipo de cultura a

consumo; 2) “o consumo moderno é mediado pelas relações de mercado e assume a forma do

consumo de mercadorias” (SLATER, 2002, p. 33); 3) a cultura do consumo não impõe

restrição sobre quem ou o que pode ser consumido, tornando-se impessoal e universal; 4) a

liberdade, o individualismo e a escolha no âmbito da vida privada são essenciais no consumo

moderno, fato que se liga à ideia de soberania do consumidor; 5) o consumo é visto como

ilimitado e insaciável, pois a “necessidade ilimitada – o desejo constante de mais e a produção

constante de mais desejos – é comumente considerada não apenas normal para seus membros,

mas essencial” (Ibid., p. 36), processo que envolve a participação fundamental da mídia e da

propaganda; 6) o consumo passa a ser um instrumento privilegiado na hora da construção e

11 Caclini ressalta que a concepção naturalista das necessidades deve ser descartada ao se pensar o

consumo, pois o que “chamamos de necessidades – mesmo aquelas de maior base biológica – surgem em suas

diversas apresentações culturais como resultado da interiorização de determinações da sociedade e da elaboração

psicossocial dos desejos” (CANCLINI, 1992, p. 2, tradução nossa). Assim, aquilo que se considera necessário

hoje, em determinada sociedade, pode não o ser em outro momento histórico ou cultural. Da mesma forma,

Canclini também é a favor de se questionar a ideia instrumentalista dos bens. Mais do que apenas por seu valor

de uso, bens são consumidos pelos seus valores simbólicos, construídos socialmente e que condicionam sua

existência e circulação. Dessa maneira, o ator define consumo como “o conjunto de processos socioculturais nos

quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (Ibid., p. 3).

30

negociação da identidade e do status social, em sociedades pós-tradicionais; 7) por fim, há

uma maior ênfase na estetização e na aparência, importantes também para a manutenção e

exercício de poder.

O consumo, portanto, é uma força tentacular (LIPOVETSKY, 2007, p. 15) que se

insere em diversos campos da vida do indivíduo. Para Lipovetsky (Ibid., p. 14), estaríamos

vivenciando uma sociedade de hiperconsumo: já ultrapassado o capitalismo de consumo de

massa, em uma fase pós-fordista, os limites de tempo e espaço se desvanecem e o consumo

passa a uma esfera contínua, infiltrando-se em diversas faces da vida e da cultura. Os modos

de vida, prazeres e gostos mostram-se cada vez mais sob a dependência do sistema mercantil

– a própria felicidade seria vendida e mercantilizada, de acordo com o autor, através da busca

pelo hedonismo a partir do consumo.

Essa terceira fase do capitalismo que Lipovetsky chama de hiperconsumidora é

“orquestrada por uma lógica desinstitucionalizada, subjetiva e emocional” (Ibid., p. 41), na

qual o consumo atinge um caráter extremamente individualista e subjetivo. Em termos de

construção da própria identidade, o consumo não segue mais somente uma lógica de

diferenciação (consumir tal produto para obter distinção social), mas sim uma lógica de auto-

satisfação, ou seja, consumir para si mesmo no sentido de buscar a própria felicidade e o auto-

conhecimento através do consumo. O autor acrescenta que a lógica de distinção social ainda

está presente e é fator importante para a construção da própria identidade através do consumo,

mas busca-se agora o consumo também em razão dos “benefícios subjetivos, funcionais e

emocionais que proporcionam” (Ibid., p. 44), sempre a partir das novidades que o mercado

traz a todo momento. Não se vende mais simplesmente um produto, mas um estilo de vida

(ponto que será abordado em detalhes mais a frente).

Sobre a lógica da distinção social, Canclini (1992) acrescenta que, em sociedades que

se pretendem democráticas e que enxergam seus indivíduos iguais, o consumo passa a ser

uma área central para a comunicação das diferenças sociais. Porém, mais do que o objeto que

se possui, a distinção se baseia na forma em que se utiliza os bens consumidos, gerando

distinções simbólicas baseadas em gostos. Dessa forma, o consumo não funciona apenas

como lugar de diferenciação, mas também como sistema de integração e comunicação, no

sentido de que sempre haverá o compartilhamento de significados simbólicos para os bens

consumidos.

Através das formas que nos vestimos (diferentes em casa, no trabalho, nas atividades

físicas ou nas cerimônias) nos apresentamos aos demais, somos identificados e

31

reconhecidos, comunicamos informações sobre nós mesmos e sobre as relações que

esperamos estabelecer com os outros. (CANCLINI, 1992, p. 5, tradução nossa)

Lipovetsky (2007) conclui que o consumo passa a ocupar o referencial identitário que

antes, em regimes tradicionais, era ocupado por instituições como a família ou a religião. O

consumo ocuparia, dessa forma, um papel central no que diz respeito ao que somos e àquilo

que buscamos nos tornar. De acordo com o autor:

Revelo, ao menos parcialmente, quem eu sou, como indivíduo singular, pelo que

compro, pelos objetos que povoam meu universo pessoal e familiar, pelos signos

que combino “à minha maneira”. Numa época em que as tradições, a religião, a

política são menos produtoras de identidade central, o consumo encarrega-se cada

vez melhor de uma nova função identitária. Na corrida às coisas e aos lazeres, o

Homus consumericus esforça-se mais ou menos conscientemente em dar uma

resposta tangível, ainda que superficial, à eterna pergunta: quem sou eu?

(LIPOVETSKY, 2007, p. 44-45)

Slater acrescenta que a “pluralização de modos de vida” (SLATER, 2002, p. 86)

gerada a partir da cultura de consumo agrava a crise de identidade na modernidade, discorrida

anteriormente e que diz respeito à fragmentação ou descentração do sujeito. O indivíduo, de

acordo com o autor, precisa negociar entre as diferentes e contraditórias identidades que

surgem à medida que se percorre as distintas esferas públicas e privadas, que, por sua vez,

possuem cada uma delas demandas próprias de ser e estar no mundo. O consumo se liga a

esse contexto a partir da constante oferta de soluções.

O consumismo explora simultaneamente a crise de identidade em massa ao declarar

que seus bens são soluções para os problemas de identidade e, nesse processo,

intensifica a crise, oferecendo valores e formas de ser cada vez mais plurais. A

cultura do consumo vive e alimenta-se das deficiências culturais da modernidade.

(SLATER, 2002, p. 88)

Campbell vai em direção oposta a essa visão: para o autor, o consumo seria

exatamente a solução para a crise identitária, pois é através dele que os indivíduos resolveriam

o dilema de uma identidade fragmentada. O autor questiona também a própria noção de um

sujeito pós-moderno que não possui um conceito fixo e único do próprio self, podendo, assim,

mudar de identidade a cada nova oferta de produtos, de uma “maneira fácil e casual com que

trocam de roupa” (CAMPBELL, 2006, p.50). Campbell argumenta que o self não muda a

cada nova mudança de consumo, mas se mantém, atendendo aos desejos e emoções de cada

indivíduo. O consumo apareceria, portanto, como uma resposta para a angústia existencial que

atravessa a sociedade.

O primeiro ponto crucial a ser apreciado é que se as pessoas na verdade mudam seu

padrão de gostos ou preferências, isso não representa uma mudança na maneira pela

qual a identidade é reconhecida ou concebida. Trata-se ainda do self sendo definido

pelo desejo, ou de nosso perfil sendo traçado por nossas preferências. (CAMPBELL,

2006, p. 56, grifo do autor)

32

Campbell enxerga o consumo como uma forma de descoberta de quem somos e do

que definimos como nossos gostos e preferências, o que ressaltaria nossa própria

autenticidade e nosso caráter peculiar perante os outros. O autor evoca o slogan “compro,

logo existo” no seu sentido literal, pois a atividade do consumo poderia confortar o indivíduo,

no sentido de uma exploração do self e “por nos fazer saber que somos seres humanos

autênticos” (CAMPBELL, 2006, p. 56).

Apesar de visões contraditórias, o que se pretende ressaltar nessa dissertação é o

caráter fundamental que o consumo adquire na construção identitária, a partir de uma

perspectiva de múltiplas ofertas e escolhas. O que todas essas visões acerca do consumo

parecem ter em comum é o papel central que o indivíduo ocupa na configuração de seus

próprios gostos, na forma como consome e como se utiliza daqueles bens simbólicos

adquiridos.

Giddens (2002) aponta que, a partir da alta modernidade, não há escolha a não ser

escolher, já que, com o caráter reflexivo da sociedade, nenhuma opção de identidade é

atribuída indiscutivelmente. Com essa complexa variedade de escolhas, há uma primazia do

que o autor chama de estilos de vida. A noção de estilo de vida está ligada ao consumo, mas

não no sentido apenas do consumismo de bens materiais, e pode ser interpretada como a

rotina e o modo de vida adotado pelo indivíduo no seu cotidiano, que representa “um conjunto

mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas

preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular

da auto-identidade” (Ibid., p. 79). Mesmo que rotinizados, os estilos de vida dizem respeito às

pequenas escolhas que o indivíduo faz todos os dias e que podem variar conforme sua

narrativa vai se constituindo e, também, se modificando.

Campbell, dialogando com a ideia de estilos de vida e consumo, analisa classificados

pessoais em jornais e revistas. Nesses classificados, indivíduos buscam, normalmente, novos

relacionamentos amorosos e possuem poucas linhas para se descrever e se apresentar, sendo

obrigados a se definir em poucos caracteres e escolher aquilo que mais estaria de acordo com

seu “verdadeiro eu”. O que o autor nota é que a maior parte dos anúncios corresponde à

descrição dos gostos e hábitos pessoais ligados ao consumo de diversos tipos de produtos

(alimentos, música, locais etc). Assim, as poucas linhas de tais classificados são usadas para

descrever, afinal, seu estilo de vida. Campbell chega à seguinte conclusão:

O que considero bastante interessante nesses anúncios é que os indivíduos se

autodefinem – isto é, especificam o que consideram sua identidade essencial – quase

33

sempre exclusivamente em termos de seus gostos. Isto é, em termos de seus perfis

específicos de gostos e desejos. (…) Por que isso acontece? Por que as pessoas se

preocupam em se autodefinirem em termos de gosto? Bem, diria que isso é o que

sentimos que nos define mais claramente do que qualquer outra coisa. Quando se

trata da questão crucial de nossa “real” identidade, aí efetivamente consideramos

que somos definidos por nossos desejos, ou por nossas preferências. (CAMPBELL,

2006, p. 52)

O que Campbell sugere é que alguns marcadores de identidade como sexo, raça ou

gênero ainda são importantes para definir quem somos, mas não são suficientes para definir

nossa exclusividade e onde reside a nossa individualidade, ou quem realmente somos. O

estilo de vida que adotamos, dessa forma, expressa nossos gostos e desejos – que, de acordo

com Campbell, estão intrinsecamente ligados ao consumo – e a nossa exclusividade,

mostrando assim nossa autenticidade. Esse fato ressalta o quanto as escolhas características da

cultura do consumo na modernidade são essenciais para descobrirmos e construirmos nossa

identidade.

Além da construção identitária, essa configuração de múltiplas escolhas está ligada

também ao que Giddens chama de relações puras, ou seja, aquelas que não dependem de

condições exteriores da vida social e econômica para se manter, mas apenas da própria

escolha de cada indivíduo. Na modernidade, diferente de regimes tradicionais, as relações

amorosas e de amizade acabam se firmando pela recompensa e bem-estar emocional que

podem proporcionar. O relacionamento é tido como puro por esse caráter: “é buscada apenas

pelo que a relação pode trazer para os parceiros envolvidos” (GIDDENS, 2002, p. 88), sem o

envolvimento de questões exteriores, como, por exemplo, arranjos familiares ou tradições.

O autor ressalta ainda que toda relação gera tanto prazer quanto tensão e que, nas

relações puras, essa tensão ameaça diretamente o seu estabelecimento, já que elas só são

mantidas em razão da satisfação emocional que oferecem. Por esse caráter, as relações puras

pressupõem confiança e compromisso, na medida em que exigem que ambas as partes estejam

engajadas em mantê-las. Por esse motivo, elas também se inscrevem no contexto da

reflexividade institucionalizada e são postas sempre à prova pelo casal, já que as “relações

puras tornam-se escolhas realizadas por um indivíduo que age reflexivamente, buscando ser

coerente e verdadeiro consigo mesmo” (REZENDE; COELHO, 2010, p. 121). A

autenticidade é uma das chaves que mantém esse tipo de relação: o indivíduo busca uma

relação que preencha sua auto-identidade e seja coerente com sua narrativa. Ao mesmo

tempo, esse mesmo indivíduo deve se mostrar autêntico e revelar sua “real” identidade para

que possa gerar confiança e ganhar o comprometimento de seu parceiro. Cabe ressaltar que a

34

autenticidade no contexto de relações puras é sempre negociada, já que uma relação envolve o

desenvolvimento de histórias partilhadas e negociações. Apesar disso, “histórias partilhadas

são criadas e sustentadas, em verdade, substancialmente na medida em que integram as

agendas dos planos de vida dos participantes” (GIDDENS, 2002, p. 94).

Bauman possui uma visão um pouco diferente do que Giddens propõe, mas que, em

certa medida, também afirma a importância dos elementos da escolha e a busca pela

satisfação pessoal. Para Bauman, há, no que chama de modernidade líquida, o desejo de

segurança que uma relação pode gerar, ao mesmo tempo em que esse comprometimento se

torna assustador na medida em que ameaça a liberdade individual e, afinal, o poder de escolha

do indivíduo (BAUMAN, 2005). O relacionamento ganharia “ares de um negócio, no qual

cada pessoa entra com tempo e esforço e espera o lucro, que seriam a gratificação e

segurança” (REZENDE e COELHO, 2010, p. 119). Por esse motivo, os indivíduos estariam

mais interessados em “relações de bolso” (BAUMAN, 2005), ou seja, relações em que não se

pressupõem o comprometimento e o esforço, e que podem ser desfeitas com ainda maior

facilidade, na medida em que a satisfação emocional se esvai. Essa visão ressalta o quanto a

maneira como funciona o próprio mercado e a cultura do consumo influenciam na forma

como nos relacionamos e vivenciamos a alteridade.

Por fim e em certa medida paradoxalmente ao caráter individualista do contexto de

escolhas, Slater atenta ainda para o quanto a cultura do consumo enfatiza a importância do

olhar do outro na construção identitária. Nas palavras do autor:

Uma preocupação moderna dominante é que, na falta de uma identidade coerente e

de valores culturais que gozem de autoridade, na falta de caráter e profundidade, o

indivíduo é determinado pela sociedade da forma mais trivial: os indivíduos

conformam-se às expectativas de seus ambientes sociais imediatos, aceitam a

autoridade efêmera da opinião pública, da mídia, da propaganda, dos grupos de seus

iguais, dos vizinhos. (SLATER, 2002, p. 90)

O autor aponta que “as personalidades voltadas para o outro surgem num mundo que

se parece bastante com o mundo pós-fordista” (Ibid., p. 92), no qual os modos de vida são

mais plurais, há uma maior mobilidade social e a mídia desempenha papel fundamental na

definição e oferecimento de estilos de vida. Os próprios trabalhadores, em seus currículos, se

apresentam com características mercadológicas e são vangloriados por sua capacidade em se

adaptar a diferentes contextos e, principalmente, em se encaixar às expectativas transitórias do

outro. Assim, a partir da modernidade, há o entendimento de um sujeito sociológico, ou seja,

aquele que se constitui a partir da interação social e de seu ambiente.

O cidadão individual tornou-se enredado nas maquinarias burocráticas e

35

administrativas do estado moderno. Emergiu, então, uma concepção mais social do

sujeito. O indivíduo passou a ser visto como mais localizado e “definido” no interior

dessas grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna. (HALL,

2006, p. 30)

A identidade passa a ser construída pela “adoção e internalização do ponto de vista de

outros” (SLATER, 2002, p. 91), surgindo assim a ideia de um eu performático, conceito que

será tratado com maior profundidade no capítulo 1.3.2 dessa dissertação.

1.3 – A construção da identidade no ambiente digital

O tópico 1.3 será destinado à revisão de autores que tratam especificamente da

construção identitária em ambientes digitais de interação. Conforme reforçado em alguns

momentos nesta pesquisa, entende-se que vivenciamos espaços híbridos de experimentação

(SOUZA E SILVA, 2006), ou seja, os espaços online e offline se interligam em camadas de

experiências e contextos, nos quais as linhas que dividem ambos se veem cada vez mais

borradas. Apesar disso, é necessário pontuar algumas características pertinentes

especificamente aos ambientes online, já que, a partir de suas ferramentas e limitações, geram

novos desafios ao processo de subjetivação.

1.3.1 – Mídias digitais e as estratégias de expressão de si

Todas as mudanças na visão acerca da identidade advindas com a pós-modernidade e a

cultura do consumo permanecem dispostas e parecem se complexificar ainda mais quando

abordamos os ambientes de interação das novas mídias digitais. Quando Lev Manovich

(2001) conceitua o que seriam as novas mídias, ele traz cinco conceitos-chave que estão por

trás da maioria das mesmas. O autor enumera tais conceitos em ordem de importância no

sentido de um levar à constituição de outro, sendo o primeiro e, portanto, um dos mais

significativos, o da representação numérica. Ou seja, a forma como todo o conteúdo das novas

mídias é composto pelo código digital de ordem numérica e matemática (o código binário de

representação). Isso, para Manovich, representa o quanto, em última instância, todo objeto

digital pode ser formalmente representado e o quanto pode ser manipulável e programável.

Essa característica é o que confere às novas mídias seus demais princípios, que consistem em

modulação, automação, variabilidade e transcodificação – o último correspondendo à maneira

como as camadas e códigos computacionais e as camadas culturais se influenciam

36

mutuamente. Em outras palavras, o quanto as novas mídias são constituídas e pensadas a

partir de códigos já inscritos culturalmente e o quanto a linguagem dessas mídias, por sua vez,

também influenciam de volta as camadas culturais da sociedade.

Esse pensamento é importante na obra de Lev Manovich, pois o autor, a todo

momento, enfatiza o quanto o desenvolvimento das novas mídias está imbricado com o

desenrolar socioeconômico no decorrer da história. Por exemplo, o princípio de variabilidade

disponível nas novas mídias – a forma como os objetos digitais “não são fixados uma vez por

todas, mas podem existir em diferentes, potencialmente infinitas, versões” (MANOVICH,

2001. p. 56, tradução nossa) – está ligado ao período pós-industrial baseado na lógica da

produção sob demanda e do “just in time” (Ibid., p. 56). As novas mídias, para Manovich,

fazem parte de um desenvolvimento histórico de constituição de dispositivos de comunicação

e reprodutibilidade audiovisual, como a fotografia e o cinema, e, ao mesmo tempo, de

dispositivos computacionais, que, em certo momento, se fundem, fazendo surgir exatamente

as novas mídias digitais.

Hoje, é impossível pensar o mundo sem essas novas mídias. A internet das coisas12

é

um exemplo claro de o quanto os dispositivos computacionais estão cada vez mais imersos no

cotidiano, com a oferta de sistemas conectados à internet que permitem que objetos possam

ter grande automação diante das mais diversas tarefas de nosso dia a dia. Da mesma maneira,

não há como pensar hoje as interações sociais e a constituição da própria subjetividade sem

relacioná-las com as novas mídias e os ambientes digitais de socialização. Nancy Baym

discute o quanto as mídias digitais têm alterado a natureza das nossas relações sociais e a

própria maneira como enxergamos o mundo, as comunidades, nossos relacionamentos e,

afinal, nós mesmos (BAYM, 2010, p. 1-2).

A implantação das mídias digitais e da internet no campo da comunicação

proporcionou que uma série de meios disponíveis para interação fizessem parte do nosso

cotidiano, permitindo que as “pessoas troquem mensagens sem estar fisicamente co-presente”

(BAYM, 2010, p. 2). Esse progresso fez emergir uma série de questões, como os conceitos de

12 “O desenvolvimento das redes telemáticas aponta para uma ampla conexão dos mais diversos objetos à

internet. Este campo tem sido chamado de Internet das Coisas (Internet of Things, IoT), internet de todas as

coisas (Internet of Everything, IoE), objetos inteligentes (Smart Things) ou comunicação máquina a máquina

(Machine to Machine Communication - M2M). Trata-se de dotar os mais diversos objetos, físicos ou virtuais, de

capacidades infocomunicacionais a partir das quais os mesmos podem sentir o ambiente, ter consciência do seu

estado e de outros, trocar informações, delegar ações e mediar ações com outros objetos ou com humanos. O

campo está em expansão e dados mostram que hoje já há mais objetos conectados à internet do que humanos.”

(LEMOS, 2014, p. 1030)

37

cibercultura e ciberespaço, referenciando à forma como os ambientes digitais suscitam novas

formas culturais de vivenciar e compartilhar o mundo com a criação de novas atmosferas

espaciais. Hoje, pensar em algo como ciberespaço parece cada vez mais distante da realidade

vivenciada, pois ambientes online e offline de interação estão cada vez mais ligados entre si,

tornando-se cada vez mais difícil pensar em uma separação formal de ambos ou em uma

grande diferenciação do que se vive e experimenta em cada. Porém, é possível ainda realizar

uma série de contestações acerca de como as novas mídias digitais influenciam na forma

como nos apresentamos e nos relacionamos e no que isso se difere dos ambientes offline.

Baym (2010) sugere alguns conceitos de como as novas mídias influenciam as

conexões pessoais e através dos quais elas se diferem de outras mídias e, principalmente, da

interação face a face, sendo eles: a interatividade, ou seja, a forma como aquela mídia permite

a interação entre indivíduos e entre grupos; a estrutura temporal, que corresponde ao fato de

uma mídia ser sincrônica ou não; as deixas e sinais sociais, que seriam as pistas disponíveis

para se obter informações acerca do contexto, do significado das mensagens e das próprias

identidades em uma interação social; o armazenamento; a replicabilidade; o alcance e a

mobilidade. Cabe ressaltar alguns apontamentos que a autora realiza acerca de alguns dos

conceitos citados, como o de estrutura temporal. As conexões sincrônicas ou simultâneas

permitem uma transmissão mais rápida de mensagens, o que gera uma sensação de maior

proximidade e intimidade, mesmo que as pessoas estejam separadas fisicamente. Em

contrapartida, as conexões assincrônicas permitem que a pessoa possua mais “tempo para

gerenciar a apresentação de seus selves mais estrategicamente” (BAYM, 2010, p. 8, tradução

nossa). Dessa maneira, ambientes de interação assincrônicos podem fornecer uma maior

segurança já que a versão de si mesmo ali apresentada pode ser editada, calculada e até

mesmo refeita, exatamente pelo maior espaço de tempo que se possui para que se realize a

interação. Já em relação às pistas sociais (social cues, no original), a autora ressalta o quanto

as conexões digitais podem proporcionar menos pistas do que em uma interação face a face.

De acordo com Baym:

Corpo-a-corpo, as pessoas possuem uma gama completa de recursos

comunicativos disponíveis. Elas compartilham um contexto físico, para o qual

podem se referir não verbalmente, bem como verbalmente (por exemplo,

apontando para uma cadeira). Elas estão sujeitas às mesmas influências ambientais

e distrações. Podem ver os movimentos do corpo uns dos outros, incluindo as

expressões faciais através das quais o significado é transmitido. Elas podem usar o

olhar do outro para avaliar a atenção. Podem ver a aparência do outro. Elas

também podem ouvir o som da voz um do outro. Todas essas pistas – contextuais,

visuais e auditivas – são importantes para interpretar as mensagens e criar um

contexto social no qual as mesmas são significativas. (BAYM, 2010, p. 9,

38

tradução nossa)

Assim, o que Baym ressalta é que quanto maior o número de pistas sociais

disponíveis, mais seguros nos sentimos durante uma interação. Nas mídias digitais, isso pode

ser compensado através do processo de self-disclosure, ou seja, a forma como revelamos

aspectos da nossa identidade que normalmente não são expostos em certos ambientes e em

certas interações, mas que constituem parte daquilo que consideramos nosso “verdadeiro self”

(MCKENNA, GREEN E GLEASON, 2002). O processo de self-disclosure é importante para

que se firme uma relação de confiança13

. Se pensarmos no conceito de relações puras

(GIDDENS, 2002), discutido anteriormente, revelar as características de sua própria

identidade possibilita que relações sejam estabelecidas mais firmemente e com maior

segurança, já que o próprio princípio de uma relação pura é que ambos os parceiros

preencham as buscas do que se pretende obter com aquela relação, além de estarem inseridas

no contexto da reflexividade, sendo importante que tais relações estejam coerentes com aquilo

que se constrói em termos de auto-identidade.

McKenna, Green e Gleason (2002) afirmam que ambientes digitais de interação são

especialmente propícios para o processo de revelação do self, seja pela sensação de anonimato

que certos tipos de interações digitais podem apresentar ou pela possibilidade de esconder

algumas características que demonstrem insegurança ou timidez. Além disso, as estruturas das

mídias interativas online permitem que seja fácil encontrar pessoas com interesses em

comum, o que pode facilitar ainda mais que haja uma revelação do self. Conforme Baym

(2010) aponta:

Seja no anonimato ou identificável, as pessoas parecem pelo menos mais propensas

a ser mais honestas online do que fora. A redução de pistas sociais pode facilitar a

mentira, mas, ao mesmo tempo, a separação, os atrasos de tempo e as pistas esparsas

também eliminam as pressões sociais que fazem a mentira parecer uma boa ideia.

Quando não podemos ser vistos, podemos facilmente fazer logoff e alterar nossos

nomes na tela, e, assim, não precisamos enfrentar as consequências da revelação do

self ter dado errada. Quando as pessoas com quem estamos interagindo online não

conhecem nenhuma das mesmas pessoas que interagimos offline, a verdade não será

um problema. A sensação de segurança em sites anônimos pode ser importante para

a auto-expressão honesta. (BAYM, 2010, p. 116, tradução nossa)

13 É importante também ressaltar que se trata de uma visão positiva acerca do processo e que outras

visões, também importantes, problematizam o quanto se expor dessa maneira pode ser problemático em

diferentes sentidos. Basta lembrarmos, por exemplo, da tese de Foucault acerca da “vontade de saber” que

dispositivos de controle possuem sobre a sociedade, incitando que indivíduos revelem partes cada vez maiores

de sua intimidade em uma percepção de manutenção do controle e do poder sobre os mesmos (FOUCAULT,

2013). Também podemos citar a tese de Paula Sibilia (2016) que, ao tratar do que chama o show do eu, aborda o

quanto, na sociedade burguesa, impera a tirania da visibilidade, em um processo de extimidade constante,

exacerbado a partir dos ambientes digitais de interação e toda a estrutura de compartilhamento de imagens e

recebimento de “likes” e outros mecanismos de aprovação.

39

Nesse ponto, é importante fazer a ressalva de que os sites de redes sociais e os novos

meios e aplicativos para interação parecem exatamente trabalhar em contraste com essa ideia

de anonimato, fornecendo uma rede entrelaçada de pessoas que já fazem parte do nosso

convívio cotidiano. Sites de redes sociais (SRSs) podem ser descritos como:

serviços baseados na web que permitem aos indivíduos (1) construírem um perfil

público ou semipúblico dentro de um sistema restrito, (2) articularem uma lista de

outros usuários com quem eles compartilham uma conexão e (3) olharem e cruzarem

sua lista de conexões e aquelas feitas por outros usuários dentro do sistema (BOYD;

ELLISON apud POLIVANOV, 2014, p. 33)

Dessa forma, os sites de redes sociais, principais espaços de interação no ambiente

digital hoje, pressupõem que a lista de conexões seja uma das informações evidentes no que

diz respeito ao próprio perfil, permitindo ainda que suas conexões se cruzem com a de outros

usuários, mostrando o que em muitos sites se intitula como “amigos em comum”. Da mesma

maneira, aplicativos sociais, como o Tinder, são “programas desenvolvidos para serem

disponibilizados em sites de redes sociais, através de uma interface que permite que estes

programas acessem recursos próprios dos SRSs no qual são inseridos” (RIBEIRO; FALCÃO;

SILVA, 2010, p. 2-3), incluído nesses recursos as listas de conexões estabelecidas em tais

sites.

Relacionado a esse aspecto, um dos importantes traços que marcam a construção

identitária nas plataformas digitais é exatamente a participação do outro nessa construção, o

que Matuck e Meucci (2005) chamam de alo-definição. A alo-definição diz respeito não

somente às definições que os outros realizam do indivíduo, mas também “como os meios

pelos quais se restringe sua livre definição” (MATUCK; MEUCCI, 2005, p. 169). Em seu

estudo, os autores percebem que na falta de expressões emitidas de maneira sintomática e que

podem ser visualizadas na interação corpo-a-corpo (algo parecido com o que Baym chama de

pistas sociais, descrito anteriormente), passa-se a notar se há coerência naquilo descrito na

autoapresentação com a escolha de fotos publicadas e os conteúdos compartilhados, além da

construção dada pelos outros usuários que podem confirmar ou não aquela imagem que

pretende-se passar. “A definição, direta ou indireta, dada pelo outro é tão importante quanto o

processo de autodefinição, já que é o relato do outro que legitima, deslegitima ou acrescenta

qualidades ao perfil do sujeito” (Ibid, p. 172).

Assim, relacionando o conceito de auto-definição com a ideia de uma atmosfera de

anonimato propícia ao processo de self-disclosure, pode-se argumentar que, mesmo que uma

maior possibilidade de se ver livre de certas amarras sociais que restringem a apresentação do

40

que consideramos nosso verdadeiro self, aspectos de relevância fora dos ambientes digitais

também o são no contexto online, já que a força da alteridade na construção identitária marca

uma ainda maior confiança de que aquela apresentação de si mesmo é coerente e verídica.

Além disso, é importante ressaltar que, em contextos digitais de criação de perfis, há

uma série de recursos e ferramentas, próprias desses contextos, que modificam o processo de

subjetivação. As ferramentas disponíveis são importantes na hora da construção identitária

(MATUCK; MEUCCI, 2005; BAYM, 2010). Em um site de rede social, por exemplo, há a

possibilidade de criar uma rede de contatos e conexões a sua escolha, há a opção de ocultar

certas informações e ainda a opção de evidenciar certo aspecto da própria identidade, seja

pelo compartilhamento de informações ou pela associação a certas páginas e conteúdos.

John B. Thompson (2011) propõe a construção do self como um projeto simbólico, no

qual materiais são incorporados à narrativa identitária de cada um. Dessa forma, o self não é

nem um produto passivo do sistema simbólico e ideológico externo, como também não é

unicamente uma entidade fixa que nasce com cada indivíduo e não sofre alterações e

influências de fora. Os sujeitos pensam e agem a partir das possibilidades que lhe são

oferecidas e as condições já previamente estabelecidas, mas também possuem um caráter

criativo e ativo nesse processo. O self não se restringe a algo estático que está ao simples

alcance de cada indivíduo, ao contrário, se apresenta como um projeto, como dito

anteriormente, que é constantemente modificado e afinado ao longo dos anos.

Antes do desenvolvimento da mídia, a incorporação de materiais simbólicos para a

construção do self se dava na interação face a face e nos recursos distribuídos localmente.

Dessa maneira, a construção acontecia por meio da tradição, da transposição desses recursos

de geração em geração, através principalmente da comunicação oral e da adaptação de tais

materiais ao caráter mais prático da vida cotidiana. Porém, com o advento da experiência

midiatizada, o conhecimento local é substituído gradativamente por formas não-locais,

alargando enormemente as possibilidades de materiais disponíveis. Nas palavras de

Thompson:

O conhecimento técnico é gradualmente separado das relações de poder

estabelecidas pela interação face a face, à medida que os indivíduos vão sendo

capazes de ter acesso a novas formas de conhecimentos não mais transmitidos face a

face. Os horizontes de compreensão dos indivíduos se alargam; eles não se estreitam

mais nos padrões de interação face a face, mas são modelados pela expansão das

redes de comunicação mediada. (THOMPSON, 2011, p. 269-270)

Dessa forma, de acordo com o autor, o projeto se torna cada vez mais reflexivo, pois o

número de recursos simbólicos disponíveis, com a mídia, se torna cada vez maior. A

41

construção do self, portanto, passa a ser sempre revisada e novos elementos constantemente

incorporados, ideia que se encaixa com o conceito de reflexividade proposto por Giddens

(2002) e abordado anteriormente. Apesar desses aspectos positivos, Thompson também

acrescenta algumas mudanças negativas nesse processo, como, por exemplo, o efeito

desorientador causado pela enorme sobrecarga de materiais simbólicos que são encontrados

diariamente. Além disso, o autor também atenta para o fato de que há, cada vez mais, uma

“dupla dependência mediada” (2011), pois quanto mais o projeto simbólico de cada indivíduo

se enrique com as formas simbólicas, mais ele se torna dependente de tais formas. Isso

significa que cada vez mais os indivíduos utilizam e depende de materiais simbólicos

disponibilizados através das mídias para construir seu self a partir de sistemas sobre os quais

têm pouco controle – e que, muitas vezes, possuem uma posição ideológica já definida e bem

estabelecida.

De toda forma, com tais recursos, cada indivíduo tece a sua narrativa, que vai se

modificando continuamente, em um processo sempre ativo. Tais narrativas também vão se

modificando na medida em que vão sendo recontadas, seja para nós mesmos como para outros

indivíduos. A partir do momento que me caracterizo perante o outro e exponho minha

narrativa, também acrescento novos aspectos para minha própria história. De acordo com

Thompson, “somos todos biógrafos não oficiais de nós mesmos, pois é somente construindo

uma história (…) que seremos capazes de dar sentido ao que somos e ao futuro que

queremos” (2011, p. 268). Ou seja, os processos de interação são elementos fundamentais

para a representação que irá se formar do eu no cotidiano.

1.3.2 – O gerenciamento das impressões nas plataformas digitais

Para complementar a discussão sobre construção identitária nos ambientes digitais,

cabe trazer a ideia de gerenciamento da impressão, noção amplamente estudada por Erving

Goffman, que vem sendo aplicada aos contextos online e que aborda como acontece a

apresentação do self na vida cotidiana. Antes de entrar propriamente nos estudos de Goffman,

vale ressaltar o próprio conceito de cotidiano. Agnes Heller afirma que “a vida cotidiana é a

vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos

de sua individualidade, de sua personalidade” (2000, p. 17). Assim, o cotidiano é heterogêneo

e os diversos aspectos e núcleos diferentes que o orbitam ocupam lugares de forma

hierárquica para cada indivíduo. Como o homem utiliza todas as suas capacidades

42

simultaneamente, nenhuma delas será exercida em sua potência máxima. Além do mais, a

vida cotidiana é regida pelo imediatismo, sem uma grande distância entre o intervalo de

tempo do pensamento e da ação.

Por fazer do mundo um ambiente imediato, o homem muitas vezes trabalha com a

imitação. Assim, cada indivíduo irá se reproduzir como indivíduo único e também,

indiretamente, como indivíduo genérico inserido na totalidade social, ou seja, dentro das

possibilidades de reprodução social que permitem a mimese e o imediatismo no cotidiano. “O

homem é, ao mesmo tempo, singular e genérico. Apenas, na vida cotidiana, este ser genérico,

co-participante do coletivo, da humanidade, se encontra em potência, nem sempre realizável.

Na vida cotidiana só se percebe o singular” (CARVALHO E NETTO, 2007, p. 26).

Voltando à obra de Erving Goffman, é importante destacar que a visão do autor,

estudada também por outros autores do chamado interacionismo simbólico, pressupõe um self

que não surge inteiramente desde o nascimento do indivíduo, mas é constituído,

principalmente, a partir da alteridade e das relações que esse indivíduo estabelece com outros,

conforme também foi sendo sublinhado nos tópicos anteriores. O self surge a partir das

experiências e atividades sociais, ou seja, “desenvolve-se em um determinado indivíduo como

resultado das suas relações àquele processo como um todo e aos outros indivíduos dentro

daquele processo” (MEAD apud POLIVANOV, 2014, p. 73). Nossa identidade, portanto, não

está apenas em nós mesmos, mas se encontra também espelhada na visão que os outros

passam a ter daquele self que apresentamos.

Há a tentativa de um constante equilíbrio entre a narrativa identitária apresentada e a

impressão de fato gerada (CARRERA, 2012). Goffman atenta para o quanto buscamos

gerenciar a impressão que causamos, pois, dessa forma, teríamos maior controle da situação e

saberíamos o que esperar do outro. “Assim, quando uma pessoa chega à presença de outras,

existe, em geral, alguma razão que a leva a atuar de forma a transmitir a elas a intenção que

lhe interessa transmitir” (GOFFMAN, 2002, p. 13-14). Dessa forma, anteciparíamos a

resposta desejada através de uma representação completamente calculada de nós mesmos.

Goffman ressalta ainda que, em alguns momentos, o indivíduo não age de todo calculado, mas

sim através do que a tradição de seu grupo ou papel social impõe (2002, p. 15).

Apesar desse gerenciamento da impressão, o autor destaca que nem sempre é possível

ter completo controle sobre nossa apresentação. Goffman separa em duas esferas a

expressividade do indivíduo: há aquela de fato transmitida, normalmente verbal e controlável,

43

e há a expressão emitida, que diz respeito em grande parte aos gestos e trejeitos faciais e que

normalmente possuem um caráter não-intencional. “Demonstra-se nisso uma assimetria

fundamental no processo de comunicação, pois o indivíduo presumivelmente só tem

consciência de um fluxo de sua comunicação, e os observadores têm consciência desse fluxo e

de um outro” (GOFFMAN, 2002, p. 16). As projeções feitas de si mesmo, portanto, estão

sujeitas a rupturas e há um constante esforço do indivíduo em proteger essas projeções e

desfazer tais rupturas.

Goffman analisa os contextos de interação face a face, mas, ao se tratar de ambientes

mediados e digitais, é possível realizar uma transposição dos conceitos propostos pelo autor

ao que se refere a esse tipo de interação, já que o mesmo trabalha a apresentação do self

“como algo que se dava de modo contextualizado, num determinado ambiente e que

pressupunha um público passível de ser antecipado e definível” (POLIVANOV, 2014, p. 81).

Mesmo assim, cabe ressaltar que a aplicação dos estudos de Goffman a ambientes digitais de

interação não deve ser realizada arbitrariamente. Conforme aponta Fernanda Carrera, “as

possibilidades de representação do self no ambiente dos sites de redes sociais (…) fazem

emergir processos de gerenciamento de impressões específicos, nos quais é possível fazer uso

de artifícios materiais pouco utilizados nas interações face a face” (CARRERA, 2012, p. 240).

O que Carrera atenta é o fato de que o self, a partir da perspectiva de Goffman, estará sempre

em construção, “respondendo aos estímulos advindos da interação social e da percepção do

outro” (CARRERA, 2012, p. 241).

Em plataformas digitais, não há a expressão emitida por meio de gestos, trazendo a

sensação de maior controle na apresentação do self e na criação de perfis online. Porém, a

interação realizada em ambientes digitais conta em grande medida com a participação de

outros na construção do perfil – algo que não é exclusivo das plataformas online, mas que se

mostra mais evidente e visível na mesma (POLIVANOV, 2014, p.77). Portanto, em sites de

redes sociais, blogs e aplicativos sociais, há a autodefinição e a alodefinição (MATUCK E

MEUCCI apud POLIVANOV, 2014, p. 76), conceito já discutido anteriormente. Os

ambientes digitais de interação, dessa maneira, também estão sujeitos a rupturas e à aparição

de elementos não-intencionais na narrativa identitária.

De todo modo, a apresentação do self acontece em contextos geridos sempre por

acordos sociais. Goffman afirma que grande parte das relações são baseadas em inferências,

ou seja, confia-se que determinado sujeito agirá de determinada forma pois é o que se espera

44

do mesmo. Da mesma maneira, esse sujeito recebe como recompensa uma série de

tratamentos e valorizações atribuídas a tal status social perpassado. Conforme mostra Ribeiro,

Falcão e Silva, ao utilizarem os estudos de Goffman:

As pessoas tendem a oferecer aos interlocutores uma imagem idealizada de si,

através da adoção de atributos conhecidos e de acordo com os valores reconhecidos

pela sociedade como modelos a serem seguidos, intencionando provocar a criação

de expectativas favoráveis com relação ao seu desempenho e, consequentemente, à

sua aceitação. (RIBEIRO, FALCÃO e SILVA, 2010, p. 2-3)

Os autores Ribeiro, Falcão e Silva, ao trabalharem os conceitos de Goffman em sites

de redes sociais e aplicativos sociais, acrescentam ainda que, nesses ambientes, a prática de

gerenciamento da impressão e reprodução de valores idealizados pode ser vista de forma mais

abrangente e corresponder a um “possível agregador de pessoas que circulam nesses espaços,

uma vez que as aparências produzidas serviriam como referenciais conhecidos – e

costumeiramente valorados positivamente” (RIBEIRO, FALCÃO e SILVA, 2010, p. 3-4). O

gerenciamento da impressão serviria como uma forma de manter e aumentar os laços sociais

presentes nesses espaços, aumentando também o capital social de cada indivíduo.

A ideia de capital social diz respeito aos laços sociais criados e mantidos e remete a

uma ideia de pertencimento e reconhecimento em determinado grupo social. Raquel Recuero,

ao discutir diversos pontos de vista e autores sobre o tema, chega a definição de capital social

como “um conjunto de recursos de um determinado grupo (…) que pode ser usufruído por

todos os membros do grupo, ainda que individualmente, e que está baseado na reciprocidade”

(RECUERO, 2009, p. 50). Assim, em ambientes digitais de interação, gerenciar a impressão

pode, muitas vezes, servir como plataforma para se conquistar capital social e pertencer a

determinado grupo.

Por fim, cabe levantar ainda mais um conceito proposto por Goffman e relacioná-lo

aos contextos digitais de interação. O autor trabalha o conceito de fachada, que seria “o

equipamento de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo

durante sua apresentação” (GOFFMAN, 2002, p. 29). Inicialmente, a ideia de fachada pode

ser dividida em dois: há o cenário, que corresponde a todo o aparato e suporte material,

permanentemente estático, utilizado pelo ator enquanto o mesmo permanece em tal local; e,

em segundo lugar, há a fachada pessoal, correspondente “aos outros itens de equipamento

expressivo, aqueles que de modo mais íntimo identificamos com o próprio ator, e que

naturalmente esperamos que o sigam onde quer que vá” (Ibid., p. 31). A fachada pessoal pode

ainda ser dividida em aparência e maneira. Aparência corresponde ao status social, são as

45

características que nos revelam a posição e o papel que determinado sujeito possui. Já maneira

diz respeito aos “estímulos que funcionam no momento para nos informar sobre o papel de

interação que o ator espera desempenhar” (Ibid., p. 31), ou seja, os “gestos e ações do ator

social” (POLIVANOV, 2014, p. 78).

Em ambientes digitais de interação, a aparência se torna “fundamental para que se

possa conhecer melhor os indivíduos ainda mais em um lugar no qual não se pode contar com

a presença do corpo físico” (POLIVANOV, 2014, p. 78), afinal, é ela quem antecipa a

situação e proporciona certa segurança para se relacionar com o outro. O que Goffman

destaca é que o sujeito está em um constante ajuste entre o seu “verdadeiro” self e aquele

apresentado em diferentes cenários e contextos – apesar de estarmos sempre performatizando

aquilo que acreditamos ser. Dialogando com os autores levantados no primeiro item desta

dissertação, há aqueles que acreditam na descentração total desse sujeito, que apenas mantém

uma sensação de coerência através da criação de uma narrativa de si mesmo (HALL, 2006, p.

13). Já outros acreditam que a autoidentidade é preservada e que o sujeito mantém uma

“postura constante em vários ambientes de interação” (GIDDENS, 2002, p. 96). O importante

é notar que existem tais ajustes e um sentido maior de fragmentação da identidade, na pós-

modernidade.

Conforme afirma Baym (2010), “as identidades desencarnadas apresentadas online

também podem ser múltiplas” (p. 106), e em diferentes ambientes digitais de interação posso

apresentar uma parte sempre distinta de mim mesmo. Baym usa como exemplo seus próprios

perfis apresentados online: no site Last.fm, a autora se apresenta de uma forma, diferente

daquela apresentação em perfis acadêmicos, por exemplo. A autora ainda acrescenta que,

algumas vezes, há o desejo de que essas identidades nem ao menos se confrontem – por

exemplo, o perfil compartilhado no Last.fm é apresentado de forma mais informal, diferente

de seu perfil em sites acadêmicos, e a autora espera que ambos não se liguem, mesmo que os

dois façam genuinamente parte de seu self.

1.3.3 – “Cinco motivos para você me dar match”: Tinder e o gerenciamento da

impressão

Conforme dito, neste tópico, serão expostas algumas pesquisas já realizadas acerca do

Tinder e que podem dar luz a alguns aspectos do mesmo, principalmente no que diz respeito à

aplicação dos estudos de Goffman (2002) e ao entendimento de como as performances de si

46

são construídas no aplicativo. No Brasil, não há pesquisas que abordem diretamente o

conceito de gerenciamento da impressão, na perspectiva de Goffman14

, mas há alguns

trabalhos que apontam as visões que usuários possuem do programa e que podem ilustrar seu

significado perante seus usos.

Em estudo sobre a percepção que integrantes do Tinder possuem acerca da plataforma,

Souza (2016) entrevistou dez usuários que faziam uso constante do aplicativo. Uma das

questões indagava se os mesmos haviam notado alguma mudança na maneira de se relacionar

e/ou buscar parceiros (em relação a atividades offline). A maioria respondeu não perceber

mudanças, o que, nas palavras da autora, corresponde ao fato de que “tudo que fazem no

aplicativo, desde como escolhem outros usuários até o modo como se apresentam, não difere

do que fazem em seu cotidiano” (SOUZA, 2016, p. 193), no contexto de busca de novos

pretendentes.

Seguindo essa abordagem, a autora também aponta em sua pesquisa os conceitos de

devaneio e experimentação simulada em consonância com o uso que se faz do aplicativo

Tinder. Souza ressalta que o medo do desconhecido e de perigos que a internet pode oferecer

está presente nas respostas da maioria dos usuários que entrevistou. Nas palavras da autora:

Entre as maiores preocupações dos entrevistados estava a impossibilidade de terem

certeza de como são os usuários fora do cenário virtual. Tal necessidade de controle,

embasada pelo sentimento de temor, se relaciona com o que Bauman afirma em

Consuming Life (2001) sobre experimentações simuladas. Deseja-se vivenciar uma

experiência, no caso, se relacionar com outros usuários também abertos à

possibilidade de estabelecer um laço afetivo, desde que seja desprovida de

imprevistos, desconforto ou desdobramentos indesejáveis. Em suma, que seja

perfeita dentro daquilo que pode ser, tal qual os devaneios descritos por Campbell

(2001). (SOUZA, 2016, p. 191)

Porém, o ponto defendido pela autora é que tais medos estão também ligados ao modo

como os indivíduos se relacionam entre si em ambientes offline, sendo parte de um processo

no qual as experiências vividas no Tinder podem gerar tanta frustração quanto outras. Assim,

na visão de Souza, conhecer alguém em ambientes online e offline gera devaneios sobre

aquilo que se espera do outro e frustrações ao notar que tais devaneios não se concretizaram15

.

Tal perspectiva se encaixa no contexto de relações puras proposto por Giddens (2002), onde

14 No diretório de teses e dissertações da Capes, não há pesquisas diretamente sobre o tema.

15 É importante ressaltar, porém, que tais processos não se dão da mesma maneira em ambientes online

ou offline, já que cada um deles guarda sua própria particularidade e modos de fazer tais processos ocorrerem.

47

evita-se as tensões, espera-se um correspondente que encaixe em seu próprio estilo de vida e

aspirações e adota-se uma perspectiva mais calculista frente às interações sociais.

Além disso, se relacionarmos ainda tais dados aos estudos de Goffman (2002) sobre as

interações sociais e a representação de si, podemos ressaltar a preocupação com a obtenção de

informações que possam gerar segurança na hora da interação. Conforme aponta Goffman, “a

informação a respeito do indivíduo serve para definir a situação, tornando os outros capazes

de conhecer antecipadamente o que ele esperará deles e o que dele podem esperar” (2002, p.

11). Assim, mesmo que diante de um perfil com informações sobre a outra pessoa, os usuários

entrevistados por Souza (2016) se viam inseguros por não possuírem ainda a informação

sobre como outros usuários se comportariam fora do ambiente do Tinder.

De novo, podemos nos voltar para a perspectiva de Goffman. Durante a representação

de si – que, nas palavras do autor, corresponde a “toda atividade de um indivíduo que se passa

num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de

observadores” (2002, p. 29) – faz parte de tal desempenho o que Goffman denomina de

fachada, ou seja, como já exposto anteriormente, o “equipamento expressivo” (idem) utilizado

de forma mais ou menos intencional durante sua performance. Dentro dessa ideia, há a

fachada pessoal, ou seja, aquela que cada ator carrega consigo mesmo, como roupas, sexo,

idade e até as expressões faciais. Há ainda o cenário, que corresponde aos elementos do pano

de fundo, como mobília e o próprio contexto físico, e que também exercerá influência na

forma como se dará tal representação. Alguns desses elementos podem ser considerados fixos,

como idade e sexo, mas a maioria se dá apenas no momento da interação, como as expressões

faciais. Além disso, conforme exposto, o cenário também modifica a forma como cada

interação irá acontecer; no Tinder, os indivíduos utilizam os elementos ali dispostos para se

apresentarem e para interagir uns com os outros, apresentação essa que se dará de forma

distinta em outro cenário, como o espaço no qual se dê o encontro. Conforme aponta Braga

(2015), ao utilizar os conceitos de Goffman:

Na interação com os demais atores sociais, o sujeito não poderá delimitar de

antemão o script que seguirá: ele dependerá do modo como os demais personagens

procederão. Desse modo, a atuação do ator social será mais ou menos improvisada,

uma vez que ele não detém todas as rédeas do jogo interativo. Isso significa que as

ações interativas são relacionais: o movimento feito por um ator depende de um

movimento anterior, feito por seu(s) interlocutor(es). (BRAGA, 2015, p. 6)

Assim, essa falta de total controle pode gerar estratégias que tentarão regular a forma

48

como ocorre cada interação. Isso também pode ser encontrado em trabalho sobre como

mulheres adultas utilizam o Tinder, realizado por Lídia de Figueiredo (2016). Tais mulheres,

as quais a autora chama de Tinderelas, realizam três principais usos da plataforma: curioso,

recreativo e racional (FIGUEIREDO, 2016). Curioso diz respeito, normalmente, às primeiras

incursões no aplicativo e a uma etapa mais exploratória do programa, na qual as mulheres

apenas olhavam os perfis, sem puxar muitas conversas ou ir para o encontro presencial, numa

tentativa de criar mecanismos de preservação tanto da própria intimidade quanto em relação à

proteção física de si mesma (no sentido de evitar violências físicas contra si, como o estupro).

Já recreativo diz respeito a um uso mais voltado para a diversão; quando as usuárias já

conhecem o funcionamento da plataforma e estão mais relaxadas quanto ao seu uso. Nesse

tipo de utilização, as mulheres se aventuram mais nos contatos estabelecidos no aplicativo,

partindo para encontros e testando os tipos de relacionamento que podem surgir (um

relacionamento mais casual ou sério). Por fim, o uso racional é aquele que já tem um objetivo

claro ao que se procura no programa, normalmente vinculando tal busca a ideais românticos e

à busca por um parceiro amoroso. Esses usos normalmente seguiam uma progressão: as

mulheres iniciavam sua atuação no aplicativo a partir do modo curioso e, em seguida, partiam

para os outros dois tipos de uso.

O uso curioso aponta tal perspectiva de insegurança no que diz respeito às interações

sociais com um novo público, em um novo cenário; ainda não completamente seguras do que

irão encontrar no Tinder, tais mulheres tentavam não apenas ir desvendando as informações

que encontrariam no aplicativo, como também buscavam se preservar, na perspectiva de que

também estariam sendo observadas naquele contexto. Esse aspecto também pode estar de

acordo com o que Goffman (2002) atenta sobre a percepção da assimetria no processo

comunicacional, ou seja, em uma interação transmitimos não apenas informações

intencionalmente escolhidas, mas também informações sobre as quais não temos total

controle, conforme também já discutido no primeiro capítulo. Dessa forma, perante tal

assimetria, o que se tentará obter em cada autoapresentação é o gerenciamento da impressão

que se transmite, buscando o controle do momento da interação.

Outro ponto levantado por Figueiredo em seu trabalho sobre as Tinderelas diz respeito

à performance no programa, dirigida a partir da audiência. Lígia exemplifica com a fala de

uma de suas informantes, que afirmou trocar uma das fotos do perfil (na qual aparecia na

praia com óculos escuros) por perceber que a mensagem que tal foto passava (de estar em

49

busca apenas de sexo, nas palavras da entrevistada) não satisfazia ao que a mesma buscava na

plataforma, aludindo a um uso racional da mesma. Assim, “a resposta da audiência tem uma

influência profunda na maneira como se percebe se é possível e seguro seguir com aquela

atuação específica” (FIGUEIREDO, 2016, p. 164). De novo, na perspectiva de Goffman, esse

aspecto está ligado à ideia de gerenciamento da impressão, já que é do interesse de cada

indivíduo “regular a conduta dos outros, principalmente a maneira como o tratam”

(GOFFMAN, 2002, p. 13), a partir da maneira como se apresenta perante os mesmos.

Essa ideia também se mostrou presente em trabalho realizado sobre o gerenciamento

da impressão no Tinder a partir da utilização dos recursos do Spotify na plataforma

(COSTANTINO, 2017), no qual também foram abordadas as questões da performance e da

audiência imaginada. A partir do consumo de música e a vinculação a determinados artistas e

produtos musicais, os usuários do Tinder buscavam complementar seu processo de construção

identitária no aplicativo16

, em uma perspectiva na qual o consumo e a afiliação a simbolismos

também faz parte do processo de performance de si.

Para a elaboração do artigo sobre o Spotify, foram entrevistados onze usuários homens

residentes do Rio de Janeiro, através do chat do próprio Tinder. Em algumas entrevistas

realizadas, os informantes afirmaram que escolhem as informações que aparecerão em seu

perfil, incluindo o recurso do Spotify, de forma estratégica e pensando nos resultados que

obterão com a divulgação de tal informação. Em uma das falas dos informantes aparece tal

preocupação: “escolhi uma que eu gosto e que eu sei que as mulheres tb gostam. Tem que ser

estratégico né? Rsrsrs” (COSTANTINO, 2017, p. 6). Além disso, quando questionados se

esconderiam algo de seu perfil público que considerassem embaraçoso, a maioria respondeu

que sim, como aponta uma das falas: “tenho contas no Soundcloud e Dezzer e não vejo

porque esconder, mas aqui no Tinder... sim, esconderia, mas não por sentir vergonha, mas por

estratégia” (idem). Tal fato mostra o quanto tenta-se gerenciar a impressão que o outro terá de

si, a partir do ocultamento ou de escolhas e estratégias que os usuários consideram bem

sucedidas na hora de criar sua imagem no aplicativo e conseguir receber de volta as

aprovações do público.

O gerenciamento da impressão no Tinder está presente também no trabalho de Janelle

16 Spotify é uma plataforma para o consumo de música, na qual é possível criar seu próprio perfil e

adicionar à sua página seus artistas e álbuns favoritos, além da possibilidade de criar playlists e torná-las

públicas, compartilhando-as com outros usuários. Quando vinculada ao Tinder, aparecem seus artistas favoritos

no Spotify no perfil do aplicativo de relacionamento. Além disso, é possível ainda escolher uma opção para o

recurso “Minha Música”. A partir dele, cada usuário pode escolher uma música tema para seu próprio perfil.

(COSTANTINO, 2017).

50

Ward (2016), que aborda o conceito a partir da pergunta “o que você está fazendo no

Tinder?”. Ward entrevistou 21 holandeses, indagando os motivos pelos quais haviam criado

um perfil no aplicativo e a forma como conduziam e construíam o mesmo. Para a

pesquisadora, aplicativos de paquera proporcionam um campo especialmente propício para o

gerenciamento da impressão, pois há a possibilidade de se fazer um monitoramento constante

de como tal impressão está sendo recebida pelo público (a partir, por exemplo, do número de

matchs, no caso do Tinder). No aplicativo em questão, há ainda o fato de só ser possível

estabelecer conexões a partir do momento em que seu perfil é aprovado, sendo ainda mais

importante uma performance constantemente satisfatória no aplicativo.

O programa possui também três características que, de acordo com a autora, são

definidoras de um campo no qual o gerenciamento da impressão se torna ainda mais

importante: 1) um número reduzido de pistas sociais (conforme também já abordamos no

primeiro capítulo desta dissertação) e uma alta possibilidade de controle da

autoapresentação17

; 2) proximidade física com os outros usuários, a partir da tecnologia de

GPS, o que gera uma real possibilidade de encontro fora do aplicativo; e 3) um número

mínimo de filtros que podem ser aplicados, o que gera um esforço maior em atrair pessoas

com gostos em comum a partir daquilo que se expõe no próprio perfil. Esses fatores, segundo

os dados que Ward colhe em suas entrevistas, levam os usuários do aplicativo a adotarem um

processo cuidadoso de construção identitária, almejando um perfil idealizado, porém ainda

autêntico e dentro daquilo que se acredita ser sua verdadeira identidade.

Além disso, os usuários entrevistados por Ward (2016) adotam uma estratégia de

monitoramento da impressão transmitida, alterando periodicamente o perfil – algo que

também se encaixa com a ideia de um projeto reflexivo do eu e do da constante revisão da

narrativa de si. Essa alteração se baseia em dois fatores: 1) as próprias experiências no

programa – os usuários percebem aquilo que agradou ou não outros usuários a partir de suas

interações (ou até mesmo a partir da falta de interações, já que não conseguir nenhum match

pode significar um perfil não interessante); e 2) baseado naquilo que eles gostam nos outros

perfis, a partir da navegação no programa. Essa última estratégia também permite que os

usuários atraiam para seu perfil outros usuários com gostos e personalidade em comum, visto

17 Esse é um dos pontos que também será questionado mais adiante nesta dissertação. Ward (2016) afirma

que o aplicativo Tinder oferece um espaço onde os usuários “podem facilmente adaptar sua autoapresentação

(…) comparado à comunicação face a face” (p. 4). Porém, conforme abordaremos mais adiante, isso não garante

que essa autoapresentação não sofrerá rupturas durante o processo e que a impressão que se desejava transmitir

seja efetivamente impressa no outro, colocando em xeque a ideia de controle completo da impressão.

51

que, como dito anteriormente, o programa possui poucas opções de filtragem. Assim, criar um

perfil que contenha algum conteúdo de humor, por exemplo, poderia ajudar a atrair pessoas

que também gostam do mesmo tipo de comicidade, filtrando de certa forma os usuários com

os quais entrarão em contato (e já que o próprio aplicativo possui poucas opções de

filtragem).

Ainda nessa perspectiva, Giulia Ranzini, Christoph Lutz e Marjolein Gouderjaan

(2016) afirmam que a autoapresentação em ambientes online para encontros amorosos se

equilibra entre um self autêntico e uma auto-promoção, na medida em que o encontro face a

face se torna uma opção efetiva. Os autores apontam o trabalho de Ellison et al. (2012), que

coloca os perfis em programas de encontro como promessas, ou seja, cada usuário, em seu

perfil, promete que, em uma futura interação offline, aquilo que está registrado no contexto

online não se mostrará diferente. Isso encoraja a autenticidade, mas também a preocupação

em gerenciar a impressão que se transmite.

Por fim, ainda no trabalho de Ranzini et al. (2016), os autores irão destacar que o

gerenciamento da impressão em ambientes online se diferencia daquele que realizamos

offline, mas estratégias semelhantes são empregadas em ambos os contextos, nos quais

indivíduos “dirigem suas identidades como querem ser vistos por outros” (RANZINI et al.,

2016, p. 7, tradução nossa). Assim, como mostram os autores, mesmo informações

transmitidas sem intenção, como erros gramaticais, são interpretadas e fazem parte de como a

impressão será recebida por outros usuários, ressaltando a ideia de assimetria (GOFFMAN,

2002) discutida anteriormente.

O estudo de Ranzini et al. (2016) se baseou na aplicação de um questionário para 156

jovens holandeses e usuários do Tinder. A partir dos dados obtidos e de literatura prévia, os

pesquisadores dividiram a autoapresentação no aplicativo em quatro categorias: autêntica,

ideal, correta (em inglês: ought-to) e falsa. A partir principalmente da forma como escolhem

suas fotos, a maioria dos informantes entrevistados apresentou um self baseado na categoria

“correta”, ou seja, quando os usuários tendem a construir seu perfil baseados na experiência

no programa e na forma como imaginam que devem transmitir sua autoapresentação naquele

contexto específico, seguida da categoria “autêntico”. As principais opções com as quais

concordam foram “eu escolho fotos para o meu perfil no Tinder para atrair mais precisamente

os possíveis matches” e “eu uso diferentes fotos em diferentes situações para mostrar aos

outros um reflexo preciso de quem eu acho que realmente sou”. Poucos informantes se

52

enquadraram na categoria de um self ideal, ou seja, um perfil completamente idealizado de si

mesmo, e um número realmente baixo se encaixava na categoria falso, que corresponde a

perfis nos quais os usuários se passam por outra pessoa de forma intencional. Em conclusão, o

gerenciamento da impressão no Tinder e a autoapresentação dos usuários no programa segue

uma lógica da autenticidade, além de uma lógica de funcionalidade, no sentido de que cria-se

um perfil pensando naquilo que irá atingir um número maior e mais preciso de matches no

programa.

Todas as pesquisas apresentadas anteriormente, mesmo que não abordando

diretamente os conceitos de Goffman e a ideia de gerenciamento da impressão, apontam para

algumas especificidades no uso que se faz do Tinder: 1) a preocupação em se ter o controle do

processo de interação e o consequente medo em se expor e se decepcionar na experiência no

programa; 2) a noção da assimetria no processo comunicacional, ligada à tentativa de controle

de sua autoapresentação no programa; 3) o gerenciamento constante da impressão que se

passa no aplicativo a partir da performance construída de si mesmo, visando filtrar possíveis

contatos, obter um número satisfatório de conexões e transmitir uma versão autêntica de si

mesmo.

53

CAPÍTULO 2: ABORDAGENS METODOLÓGICAS E PARTICULARIDADES DO

CAMPO

Após toda a perspectiva teórica apresentada no primeiro capítulo desta dissertação, a

pesquisa segue a discussão a partir das abordagens metodológicas empregadas e os dados

colhidos durante as etapas empíricas deste trabalho. A aproximação com a metodologia

etnográfica permitiu que se alcançasse significados simbólicos inerentes ao uso que se faz do

Tinder, além de facilitar os laços que se estabeleceriam com as entrevistadas. O segundo

capítulo se inicia explicando e abordando alguns conceitos inerentes ao fazer etnográfico,

elaborando ainda uma espécie de explanação auto-etnográfica, na qual se explicita os

caminhos escolhidos e trilhados no decorrer destes dois anos de estudo.

Em seguida, serão apresentados alguns dados colhidos em campo, referentes àqueles

registrados na etapa de observação participante. Além disso, serão analisadas algumas

particularidades referentes às mulheres entrevistadas nesta dissertação, apontando algumas

questões e alguns limites no que se refere ao recorte de gênero realizado. Além disso, durante

a etapa de entrevistas, os temas política nacional, momento histórico atual do Brasil e os

movimentos feministas dos últimos anos foram recorrentes e faz-se a observação sobre tal

acontecimento a partir da apresentação das entrevistadas.

2.1 – Explorações a partir de uma perspectiva etnográfica

Após a apresentação da revisão bibliográfica sobre o Tinder, o segundo capítulo segue

com a explanação da perspectiva etnográfica adotada nesta dissertação. Ao acessar o

aplicativo para a elaboração deste trabalho, passei a observar de forma mais atenta alguns dos

modos de funcionamento da plataforma. As quatro semanas de observação no programa e

toda a imersão nesses últimos dois anos propuseram uma aproximação quanto ao

funcionamento do aplicativo, além de elucidações novas quanto aos seus significados

simbólicos. Convém relatar também que eu já havia utilizado o programa anteriormente, visto

que o tema de meu trabalho de conclusão de curso, durante a graduação, também foi o

programa. É importante relatar essa etapa de exploração da plataforma tanto para realçar

minha posição em campo quanto para familiarizar o leitor em relação ao que é possível

encontrar ao acessá-la. Nos próximos parágrafos, portanto, elaboro um relato mais detalhado

de como funciona o aplicativo, alguns aspectos importantes da plataforma e algumas questões

54

quanto ao próprio procedimento etnográfico.

Quando acessado pela primeira vez, a página inicial de funcionamento do aplicativo

contém uma imagem de uma jovem sentada em uma cadeira de praia seguida da mensagem:

“descubra pessoas novas e interessantes perto de você”. Deslizando a imagem para a

esquerda, é possível ver novas fotos do modo como funciona o aplicativo e um breve

“manual” sobre a plataforma. Em seguida, é necessário concordar com a opção “fazer login

com o Facebook” ou “entrar com um número de telefone”. Não é possível acessar o programa

de outra maneira e, ao aceitar tal condição, concorda-se também com os termos de serviço e a

política de privacidade.

São 20 os termos de serviço do Tinder, entre eles, alguns que mais podem chamar a

atenção: a aceitação de acesso aos seus dados pessoais disponibilizados tanto no próprio

programa quanto no site de rede social Facebook, inclusive a concessão de tais dados para a

empresa sob uma licença mundial de uso; a isenção de responsabilidade por parte da empresa

sobre qualquer dano ou problema que aconteça em decorrência do uso do aplicativo; além do

aviso “você é único responsável por suas interações com outros usuários”, o que isenta

também o serviço do Tinder de qualquer monitoramento sobre as atividades que os usuários

fazem em sua plataforma.

Já a política de privacidade inclui um resumo do tipo de informação coletada no

programa e que, em geral, corresponde a informações pessoais e dados sensíveis. Por

informações pessoais, a empresa entende como toda e qualquer “informação individualmente

identificável que nos permite determinar a identidade e contato reais de uma pessoa viva

específica” (TINDER, 2017). Os dados sensíveis “incluem informações, comentários ou

conteúdo (por exemplo, fotografias, vídeo, perfil, estilo de vida) que você opcionalmente

oferece, que pode revelar sua origem étnica, nacionalidade, religião e / ou orientação sexual”

(idem). Há também o aviso de que o programa pode reter tais dados e informações, ficando

em posse dos mesmos por tempo indeterminado. Esses, provavelmente, são termos e

condições padrões de serviços do tipo e para se fazer uso da plataforma é necessário

concordar com todas as colocações

Para essa pesquisa, realizei login no programa a partir da minha conta pessoal do

Facebook, pela escolha em realizar este trabalho por uma perspectiva etnográfica. Conforme

aponta Hine (2016), a etnografia virtual vem sendo uma metodologia recorrentemente

utilizada para o estudo de fenômenos culturais em ambientes digitais de interação,

55

principalmente por sua força em analisar como as mídias digitais são consumidas e dotadas de

sentido no momento em que são utilizadas e não a partir de uma determinação a priori. Por

levar o pesquisador a campo, a etnografia permite que se acesse os significados simbólicos e

culturais que tal mídia pode oferecer a seus usuários, para uma visão muito além do

significado inerente de cada mídia.

A etnografia seria, portanto, muito mais uma abordagem metodológica

(CAMPANELLA; BARROS, 2016) do que métodos específicos em si. Constitui-se como um

modo de pesquisa de longa duração, exploratório e que pressupõe o envolvimento do

pesquisador com seu objeto de análise (HINE, 2016). Por conta de tais características,

assume-se neste trabalho que será realizado um estudo de inspiração etnográfica, entendendo

tais estudos como aqueles que não adotam a etnografia em si como metodologia, mas “que se

utilizam de partes dos procedimentos etnográficos de pesquisa” e que podem “incorporar

protocolos metodológicos e práticas de narrativa como histórias de vida, biografias ou

documentos para compor a análise dos dados” (AMARAL; FRAGOSO; RECUERO, 2012, p.

168).

Alguns métodos são vistos como próprios de uma pesquisa etnográfica, entre eles a

observação participante e a entrevista em profundidade. Rosana Guber (2001), ao tratar sobre

a observação participante, levantou questões acerca das diferentes visões sobre a mesma,

desde aquela que enxerga a participação como um empecilho para manter a “objetividade” da

pesquisa, e, em contrapartida, visões que acreditam que a participação é elemento

fundamental para se alcançar os significados simbólicos e culturais de um grupo social. Guber

propõe o termo observação participante exatamente como um meio termo, visão

compartilhada neste trabalho. A autora defende que a “observação para obter informação

significativa requer algum grau, mesmo que mínimo, de participação” (2001, p. 58, tradução

nossa) e que, portanto, desempenha-se alguma influência sobre o comportamento dos

informantes pela simples presença do observador em campo, mesmo que não identificado

como tal.

Dessa forma, entende-se que essa minha primeira inserção em campo no aplicativo

Tinder já seria de alguma maneira participante, pois eu passo a compor mais um elemento

dentro do aplicativo, mesmo que escolha não interagir diretamente com outros usuários pela

plataforma. Para este estudo, serão realizadas duas etapas de investigação, conforme descrito

na introdução deste trabalho: em um primeiro momento, será feita uma observação

56

participante dos perfis de usuários no Tinder, pelo período de quatro semanas, e, em seguida,

a realização de entrevistas semiestruturadas com usuárias do programa. A intenção da

primeira etapa é colher dados de como os homens heterossexuais se apresentam na plataforma

e quais os principais aspectos que compõem seus perfis. Em seguida, com tais dados, serão

realizadas as entrevistas com mulheres heterossexuais, que utilizem o programa, com o intuito

de perceber como as mesmas recebem tais narrativas de autoapresentação e quais aspectos são

mantidos ou rompidos no processo.

Portanto, para iniciar esta primeira etapa de observação, realizo um processo de

imersão na plataforma Tinder, pelo período de quatro semanas, durante todo o mês de outubro

de 2017. Para a construção do perfil, o aplicativo oferece a opção de escolher entre até seis

fotos e escrever um texto de até 500 caracteres sobre si mesmo. Ao acessar o programa pelo

Facebook, são carregadas automaticamente as suas fotos de perfil mais recentes na rede

social, e o usuário pode manter tais fotos ou carregar novas a partir da galeria de imagens de

seu próprio dispositivo móvel. Deixo, em meu perfil para a realização desta pesquisa, apenas

uma foto que é também a minha foto de perfil no Facebook. Já no campo de texto, explicito

minha posição de pesquisadora, informando o programa de pós-graduação ao qual sou

vinculada e o tema da minha dissertação.

No perfil do Tinder, é possível ainda vincular as contas pessoais do Instagram e do

Spotify, medidas que podem gerar maior sensação de autenticidade por fornecer maiores

pistas sociais (BAYM, 2010) ao seu perfil no programa, conforme apontado no capítulo

anterior sobre as estratégias identitárias nos ambientes digitais. Para a elaboração deste

trabalho, decido não vincular outras contas ao programa, primeiro por manter meu perfil no

Instagram em modo privado e não público, além de não possuir uma conta no Spotify, e

segundo por não estar interagindo diretamente com aqueles que encontro na plataforma,

fazendo com que não haja a necessidade de facilitar vínculos. No perfil do Tinder, também

ficam disponíveis automaticamente as informações sobre a sua distância em relação a outra

pessoa, dado obtido através da tecnologia de GPS do dispositivo eletrônico, a sua idade e os

interesses que possui, a partir das páginas curtidas no site de rede social Facebook. Cada

usuário tem a opção de manter visível ou não cada uma das informações anteriores, a partir

das configurações do programa.

Depois de alterar as informações que aparecem no perfil no aplicativo, é possível

alterar as configurações de preferências de uso e dos filtros acerca dos outros usuários com os

57

quais tenho interesse em interagir. É possível escolher estar interessado em homens e/ou

mulheres, a uma distância máxima de até 161 km e em uma faixa etária entre 18 e 55+ anos.

Aplico os filtros de interesse em homens, na faixa etária entre 18 e 34 anos (conforme

justificado na introdução, por corresponder ao público com maior número de usuários ativos

no programa) e na distância máxima permitida, por corresponder ainda ao estado do Rio de

Janeiro.

Após todos os ajustes, é hora de navegar entre os perfis de outros usuários e iniciar as

interações; visualizar os perfis, avaliá-los de acordo com seu interesse e, se possível, iniciar

conversas com outros usuários. Para essa etapa e para o trabalho em questão, escolheu-se não

interagir diretamente com os usuários no aplicativo, conforme já citado anteriormente.

Portanto, as ações que realizei ao fazer uso do Tinder foram: acessá-lo todos os dias, por

aproximadamente 30 minutos; visualizar os perfis que apareciam para as minhas preferências,

incluindo as fotos, o texto, as contas vinculadas e os interesses em comum; fazer anotações

sobre aquilo observado, tanto em uma grelha de observação quanto em um diário de campo; e,

por fim, escolher a opção de “não interessado”, representada pela imagem de um X em

vermelho ou pela opção de deslizar a interface do perfil sugerido para a esquerda.

Pesquisas de caráter etnográfico na plataforma Tinder já foram elaboradas

anteriormente e uma delas é o trabalho de Stephanie Braziel (2015), que, ao analisar o uso do

programa pelos alunos da Universidade de Swarthmore, realiza primeiro uma apresentação da

forma como entra em campo no aplicativo. Essa etapa de auto-etnografia, conforme cita a

autora, é importante para localizar o leitor e também por já trazer em si alguns dos

significados simbólicos que o pesquisador encontra nesse processo de imersão. Braziel aponta

algumas vantagens em se fazer uso de uma etapa de auto-etnografia e explicitar, com isso, a

própria posição enquanto pesquisadora e quais os limites e implicações de tal posicionamento.

De acordo com a autora, a etapa auto-etnográfica permite que o pesquisador alinhe suas

experiências com as experiências dos informantes, atingindo espaços comuns aos

entrevistados. Portanto, a etapa de observação participante dessa pesquisa, nessa visão,

permite que, além de observar as formas pelas quais os perfis se apresentam, eu atinja

significados próprios à dinâmica do programa e esteja mais familiarizada com aquilo que

minhas informantes irão relatar.

Braziel (2015) destaca ainda seus primeiros passos na plataforma e suas primeiras

impressões ao fazer uso da mesma. Nas palavras da autora: “conforme eu passava mais tempo

58

no aplicativo, eu percebi que meu ritmo acelerava enquanto eu deslizava a tela. Esquerda,

direita, esquerda, esquerda, esquerda. Eu percebi que eu mesma desenvolvia um ritmo para a

fila de perfis que passavam rapidamente” (BRAZIEL, 2015, p. 8). As impressões e sensações

descritas por Braziel podem ser explicadas pela ideia de um “flow” presente na forma como

se utiliza o Tinder. Essa característica já foi discutida em trabalho anterior, no qual foi

abordado o processo de ludificação do programa (COSTANTINO; FERREIRA, 2016).

De acordo com os estudos do psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, o “flow (fluxo ou

fluidez) seria o equilíbrio ideal entre o desafio proposto pela tarefa e a capacidade de seu

realizador em procedê-la” (COSTANTINO; FERREIRA, 2016, p. 5), incluindo não só

atividades lúdicas ou relacionadas ao trabalho, mas também o ato de socializar, que exige

capacidades e desafios próprios. Assim, ao realizar uma tarefa, atingimos o flow quando nos

vemos imersos em seu desempenho, acontecendo uma suspensão do cotidiano e do próprio

tempo e fazendo com que se mantenha o foco na tarefa desempenhada. O que Braziel narra

evidencia o quanto o flow também está presente no Tinder: suspendemos de certa forma o

cotidiano e entramos no ritmo próprio do programa, atingindo um estado de imersão e foco

nos desafios e tarefas propostos a partir de sua interface.

O flow foi também observado em minha própria etapa exploratória no programa e na

etapa de observação participante: os primeiros dias em que observava os perfis, passava mais

tempo procurando cada informação, ritmo que foi se acelerando conforme me tornava mais

íntima da plataforma. Outro aspecto, também ligado ao flow e explorado em trabalho anterior

(COSTANTINO; FERREIRA, 2016), conforme dito anteriormente, é a presença de uma

experiência lúdica na plataforma.

O grande desafio do Tinder pode ser considerado conseguir um match (a combinação

entre os usuários). Para isso, é necessário que seu perfil seja atraente e que você consiga, em

poucas palavras e poucas imagens, surpreender o outro. Portanto, uma das habilidades

necessárias para vencer o desafio pode ser considerado o poder de persuasão, no sentido de

que se deseja impressionar e convencer o outro a gostar do seu perfil. Os resultados de tal

desafio também são conhecidos e esperados, na medida em que o próprio programa sinaliza

quando se obteve o êxito. Dessa forma, se considerarmos o uso do aplicativo Tinder como um

processo de imersão no qual o flow ou a fluidez de seu uso se dá facilmente, é possível

afirmar que o programa oferece uma experiência de êxtase, vivida plenamente no tempo

presente. Além disso, como em um jogo, no Tinder, as demandas e os objetivos são

59

claramente conhecidos e expostos. Há uma interface simples e intuitiva, que exige alguns

poucos movimentos das mãos e que conduz o participante a fornecer uma resposta imediata.

Ao conseguir um match, portanto, o usuário percebe se obteve êxito, trazendo essa sensação

de vitória e fazendo com que a experiência no Tinder seja também, de certa maneira, uma

experiência lúdica.

Podemos afirmar também que o programa possui certa imprevisibilidade dos

resultados esperados. Inicia-se a busca no programa, na qual cada usuário sinaliza gostar ou

não do outro, mas não se sabe qual será o resultado, visto que a plataforma só informa quando

o outro participante também gostou do perfil. Portanto, há um certo mistério que pode, muitas

vezes, ser empolgante e fazer também com que o aplicativo se assemelhe à sensação de estar

em um jogo, no qual suas habilidades são testadas e confrontadas com as habilidades de

outros usuários.

Além disso, diversas matérias em sites jornalísticos e vídeos em canais do YouTube18

elaboram uma espécie de manual de como o aplicativo deve ser usado e como conseguir um

melhor desempenho na plataforma. Há dicas de como se apresentar, como se destacar pelas

fotos, o que escrever no perfil e quando usar ou não algumas ferramentas disponíveis no

programa, como o próprio like ou o super like, que dribla o mistério inicialmente proposto

pelo aplicativo e avisa ao outro usuário já de antemão que recebeu uma aprovação. Além das

regras já preestabelecidas no programa (como número máximo de caracteres para descrição

do perfil), os usuários criam suas próprias regras em uma espécie de manual de conduta no

programa. As reportagens e vídeos expostos anteriormente são um exemplo. No texto do site

M de Mulher, as dicas aparecem em forma de mandamentos, que contém regras como, por

exemplo, não usar fotos da infância ou muito indiscretas e não errar na gramática ao escrever

o perfil ou conversar com o pretendente. Já na matéria do site TecMundo há, inclusive, a

indicação de não se usar cores neutras no perfil, pois chamam pouca atenção dos outros

usuários e, em consequência, gera menos matches. Assim, o que tais “manuais” mostram é

que é necessário construir seu perfil estrategicamente pensando na impressão que se deseja

imprimir no outro.

18 Folha de São Paulo: http://blogdetec.blogfolha.uol.com.br/2013/10/09/site-reune-dicas-para-usar-o-

tinder-aplicativo-de-encontros/; M de Mulher: http://m.mdemulher.abril.com.br/amor-e-sexo/cosmopolitan-

brasil/os-9-mandamentos-da-paquera-bem-sucedida-no-tinder; Tec Mundo:

http://www.tecmundo.com.br/apps/103185-erro-10-dicas-dar-tinder.htm; Youtube – Vídeo “Como usar o

Tinder”: https://www.youtube.com/watch?v=6utjWQf6BJM; Youtube – Vídeo “5 coisas para não se fazer no

TINDER e HAPPN”: https://www.youtube.com/watch?v=ME0vYNwxlco; Youtube – Vídeo “Como iniciar uma

conversa no Tinder”: https://www.youtube.com/watch?v=Uirp3q8RkXk. Acessado em 26/12/2017.

60

Esse ponto também foi observado, conforme será explorado em maiores detalhes no

próximo tópico, na análise dos perfis durante a imersão no programa. Percebeu-se que

algumas estratégias se repetiam em diferentes perfis, como tipos de fotos e o uso de humor na

descrição do perfil, por exemplo, mostrando que algumas formas de narrativas de si pareciam

seguir um padrão pensado estrategicamente para uma audiência específica.

2.2 – Observação participante: dados dos perfis analisados

Conforme relatado, o primeiro processo estabelecido para esta pesquisa foi a

observação participante. Durante a etapa, elaborei uma ficha de observação (Anexo IX), onde

marcava as principais percepções que obtinha ao visualizar os perfis do Tinder. A ficha

permitia que eu marcasse opções já previamente estabelecidas por mim, além da opção

“outra”, na qual poderia escrever uma nova percepção encontrada. Eram feitas anotações

acerca das seis fotos disponíveis (se houvesse), da descrição e texto do perfil e se o usuário

vinculava à sua conta do Tinder as contas do Instagram, Spotify, além de mostrar ou não seu

local de trabalho. A grade de observação também possuía espaço para anotações e

observações outras, desde que alguma surgisse no processo de análise. Esse método já foi

realizado anteriormente em trabalho sobre a autoapresentação no programa (SEPÚLVEDA,

2016), no qual também foram trabalhados os estudos de Goffman e a ideia de performance na

plataforma. A pesquisadora analisou 300 perfis de portugueses residentes em Lisboa, fazendo

anotações em uma grade de observação. As categorias foram, em parte, inspiradas em tal

trabalho, que serviu de base para a análise nesta dissertação. Sepúlveda analisou a primeira

foto do perfil e o texto da descrição apenas, adotando categorias como o contexto das

imagens, a forma como o usuário aparecia e as principais particularidades que se mostravam –

como, por exemplo, fotos sem camisa ou fotos com amigos.

Nesta presente dissertação, os dados da grade de observação foram preenchidos em

formulário no Google Docs. Após o preenchimento, realizou-se um processo de quantificação

das informações ali dispostas – dados que serão apresentados mais adiante neste tópico. Por

entender que a grade de observação, de certa forma, limitaria meu processo de observação,

também foi adotado um diário de campo durante o processo, no qual registravam-se as

principais impressões que tal experiência proporcionava – como, por exemplo, dados e

imagens que se repetiam diversas vezes e que não estavam antes previstos.

61

Ao todo, foram analisados 100 perfis de homens residentes do Rio de Janeiro, com

idade entre 18 e 34 anos. As primeiras informações analisadas foram as fotos. Todos os

usuários possuíam a primeira foto, por ser uma regra do programa que ao menos uma imagem

seja ali disposta. A segunda foto apresenta apenas 3% de usuários que não utilizam qualquer

figura na opção, enquanto que a terceira foto apresenta 9% na mesma situação. Já na quarta

foto, esse número cresce para 27% dos usuários sem imagens, saltando ainda para 46% na

quinta foto e 65% na sexta.

62

Apesar de dados aparentemente simples, eles podem gerar algumas reflexões. Durante

as entrevistas e a experiência no programa, percebe-se que as fotos possuem grande

importância na construção identitária na plataforma e no processo de gerenciamento da

impressão. As imagens possuem papel decisivo na resposta que cada perfil irá obter, já que há

uma percepção de que a aparência é um dos primeiros critérios de seleção dos perfis. Apesar

de oferecer apenas seis opções de fotos, um número considerável de homens observados

utiliza um número ainda menor de imagens, se restringindo a apenas uma média de três

opções para se apresentar no programa. Há, entre os usuários, a percepção da importância que

a primeira foto já possui na hora do gerenciamento da impressão: se ela não agrada, as

próximas fotos podem não ser nem ao menos visualizadas19

, aspecto também relatado pelas

entrevistadas. Além disso, pensando nos desafios presentes na experiência do Tinder, um

deles é exatamente a escolha de quais fotos vão figurar na autoapresentação, já que elas

possuem grande peso no processo de interação no aplicativo.

A grande maioria das fotos corresponde à selfie, ou seja, uma foto que foi tirada pelo

próprio usuário e que normalmente evidencia o rosto, representando em média 50% das

escolhas em cada opção de foto. Manuela Galindo (2015), em dissertação sobre esta

modalidade fotográfica, afirma que as selfies guardam uma narrativa de si descomprometida

19 Até outubro de 2017, o Tinder possuía um formato diferente do atual – para visualizar as outras cinco

fotos, o usuário precisava abrir o perfil e então visualizá-las. Com a atualização de outubro de 2017, é possível

observar todas as fotos do perfil sem necessariamente abrir completamente o mesmo, apenas dando um toque na

tela (ao fazê-lo, passa-se para a segunda imagem e assim por diante). Mesmo com essa nova dinâmica, a

primeira foto ainda possui papel importante no processo de decisão.

Figura 2: Gráfico - Comparação entre primeira foto e sexta foto

de perfil utilizada pelos informantes. Elaborado pela autora.

63

com feitos importantes ou significativos, retratando muitas vezes a banalidade cotidiana. Tal

banalidade “remete a uma despretensão proposital, como se a existência casualmente se

encaixasse no quadro fotográfico” (GALINDO, 2015, p. 75). No entendo, “a produção de tais

imagens de si se dá através da estilização de si e do cotidiano, de forma que se expresse

fotogenicamente” (idem). Tal modo de feitura pode remeter, portanto, a uma falta de

autenticidade, no sentido de que tal narrativa de si não seja exatamente a verdadeira, mas uma

versão editada do cotidiano. Porém, o que Galindo propõe é que as performances nas selfies

são ainda autênticas, já que a própria ideia de performance não corresponde a uma falsa

representação, mas ao modo de se apresentar para uma plateia específica. Nas palavras da

autora:

Contudo, a própria ideia de criação de um personagem frequentemente associada a

esse tipo de imagem fotográfica, que vem por vezes acompanhada de um tom

pejorativo, precisa ser pensada para além das oposições categóricas entre realidade e

ficção. O que define o personagem não é que ele é fictício (em oposição a uma

pessoa real). O personagem é aquele que precisa de testemunha, aquele que existe a

partir do olhar de outro, aquele que está sendo olhado. Assim, de acordo com uma

perspectiva mais ampla, criar um personagem não significa mentir. O que parece

acontecer nos fenômenos contemporâneos é uma permanente convocação a se

performar de modo realista criando uma realidade que se pareça à ficção.

(GALINDO, 2015, p. 78)

Assim, no Tinder, as selfies e demais fotografias são imagens pensadas a partir da

própria performance que se deseja obter no programa, resultado também de uma reflexão

sobre a audiência imaginada para tal performance. Como, a princípio, os dois sujeitos (aquele

que se apresenta e aquele que visualiza tal apresentação) não se conhecem, é preciso fornecer

pistas e imagens que convoquem tal plateia para seu próprio cotidiano, mostrando seus

interesses e objetivos no programa. Isso nos leva à ideia de criação de cenários, nos quais

algumas dessas pistas passam a ser retratadas. Para a presente observação, na grelha de

observação, mais de uma opção podia ser marcada, fazendo com que houvesse combinações

de tipos de fotos como, por exemplo, uma selfie na cama sem camisa – esse foi um tipo

recorrente, mostrando a ideia de construção de um cenário específico para o contexto do

Tinder, já que, para alguns usuários, o objetivo no programa é o sexo casual e tal imagem

poderia ajudar a transmitir tal objetivo. A combinação que mais surgiu durante a observação,

de fato, foram as opções “ao ar livre” e “sem camisa” (representando em média 20% das

opções na primeira e segunda foto), e isso pode se explicar, em parte, pelo fato da pesquisa ter

64

ocorrido no Rio de Janeiro, região litorânea, fazendo com que muitas fotos fossem de usuários

na praia. Assim, mesmo que não houvesse diretamente a intenção de mostrar o físico, havia

ali também a tentativa de filiação a um perfil ligado ao imaginário da praia, mostrando já um

gosto pessoal e uma atividade cotidiana.

As fotos nas quais se mostra o físico possuem um ligeiro aumento a partir da segunda

opção (14% na primeira e 21% na segunda). Isso ocorre ao mesmo tempo em que há uma

diminuição do número de selfies (56% na primeira foto e 42% na segunda), imagens em que,

normalmente, o rosto está em evidência. Há também a aparição de outras informações

recorrentes nas imagens, como a prática de exercício, a ida para festas e o gosto por beber (em

média 5% cada tipo). Outras opções também surgiram repetidamente, mesmo que em menor

número, durante a observação, como fotos com cachorro, em um carro ou moto, fotos em que

o usuário aparece fardado e/ou segurando uma arma e fotos em estádios de futebol ou com

camisa de algum time (em média 2% cada). Alguns desses temas mostram uma performance

em relação ao gênero, como, por exemplo, a vinculação ao futebol e a ideia de que tal

universo faz parte do universo masculino. Além disso, tais temas também foram apontados

pelas informantes durante as entrevistas, o que será exposto no próximo capítulo.

A descrição de perfil, ou seja, a opção de escrever um texto de até 500 caracteres

Figura 3: Gráfico - Dados sobre segunda opção de foto utilizada pelos

informantes observados no Tinder. Elaborado pela autora.

65

falando um pouco sobre si mesmo, apesar de representar uma oportunidade para a

autoapresentação no programa, apresentou um número considerável de usuários que a

deixaram em branco, com 36% dos observados sem escrever nesse espaço. Isso pode

representar certa dificuldade em falar sobre si mesmo ou do que expor ou não naquele espaço,

já que todas as informações ali contidas contarão pontos a favor ou contra sobre sua

autoapresentação. Além disso, esse número pode representar o que Figueiredo (2016) analisou

como a etapa curiosa de utilização do Tinder, na qual os usuários estão ainda explorando a

plataforma, sem a pretensão de se expor demais e ainda observando como os outros usuários

se apresentam e como os perfis são constituídos.

Em seguida, 28% dos 100 usuários observados falam sobre si mesmos na descrição do

perfil, normalmente apontando seus hábitos de consumo, suas atividades de lazer, profissão e

características pessoais. Alguns poucos usuários (7%) listam características pessoais físicas,

como altura, peso e outras. Um número considerável (13%) utiliza do humor e comicidade

para a descrição de perfil, enquanto que 9% se utilizam de um trecho de música para se auto-

definir.

66

Apesar de um número não tão expressivo (7%), uma outra categoria que chama a

atenção na hora da descrição de perfil diz respeito ao usuário que escreve aquilo que espera da

possível pretendente, listando, em alguns casos, proibições e características que considera

negativa em uma mulher. Normalmente, nesse tipo de texto, coloca-se o que se espera do

outro, limitando a interação para aquele tipo pretendido e tentando evitar o contato com

pessoas que não preencham as especificações. Como o Tinder possui poucos filtros para

limitar o contato com tipos de pessoas diferentes, essa pode ser uma estratégia adotada para

filtrar os contatos ali estabelecidos e otimizar a experiência no programa, conforme relatado

em pesquisa anterior realizada por Ward (2016). Além disso, esse foi um ponto levantado

durante a etapa de entrevistas, nas quais as informantes relataram as impressões que possuem

acerca de tal estratégia, o que será exposto no terceiro capítulo.

Figura 4: Gráfico - Resultados da observação participante em relação à descrição de

perfil. Elaborado pela autora.

67

Em relação à vinculação de outras contas ao perfil no Tinder, 21% dos 100 usuários

vinculam a conta do Instagram ao programa, enquanto que apenas 13% faziam o mesmo com

a conta do Spotify. Apesar disso, 32% dos usuários observados utilizam o recurso “Minha

música”, disponibilizado pelo Spotify no aplicativo e que corresponde à escolha de uma

música entre aquelas disponíveis no acervo do programa para figurar na sua página de perfil,

mostrando a afiliação ao consumo de determinado produto musical – aspecto que pode ser

importante para a construção identitária, conforme relatado no primeiro capítulo. Além disso,

na descrição de perfil, 8% dos usuários observados forneciam seu nome de usuário e conta no

Instagram, além de um usuário que apresentou sua conta no Snapchat e mais dois que

forneciam em sua descrição seus números de telefone para contato no aplicativo Whatsapp.

Por fim, também observei se os usuários forneciam seu local de trabalho ou de estudo. Essa é

uma informação que o aplicativo coleta automaticamente a partir da conta no Facebook,

porém cada usuário pode desejar permanecer ou não com essa opção exposta no perfil. Ao

todo, 66% dos usuários observados forneciam seus locais de trabalho e/ou estudo nas contas.

A vinculação de outras contas e do local de trabalho ou estudo pode ser um ponto

importante para o estabelecimento de novos contatos, pois fornece pistas sociais no ambiente

Figura 5: Gráfico - Resultados da observação participante sobre a vinculação de contas e local de trabalho.

Elaborado pela autora.

68

digital (BAYM, 2010) e geram maior segurança em seguir com aquele contato, além de

possibilitar a identificação com determinados simbolismos e interesses. Apesar disso, elas

podem gerar um colapso de contexto nos ambientes digitais, ou seja, quando performances

pensadas para diferentes contextos se conflitam em uma única experiência, tema que será

mais explorado no tópico 3.3 dessa dissertação.

Todos os dados apresentados neste tópico e retirados da observação participante

realizada no programa serão, no próximo capítulo, interpretados a partir da sua vinculação

com os dados colhidos nas entrevistas com usuárias do aplicativo. A partir do que foi

observado, foi elaborado um roteiro de perguntas para a realização de uma entrevista semi-

estruturada, o que permitiu que se confrontasse a experiência obtida no programa e as

informações dos perfis observados com as impressões e experiências de outras usuárias. A

intenção é analisar o processo de gerenciamento da impressão no programa a partir da forma

como são recebidas as estratégias de autoapresentação no mesmo.

2.3 – Particularidades do campo e da escolha de entrevistadas

Primeiramente, será feita uma breve apresentação das entrevistadas e alguns

apontamentos sobre a técnica de recrutamento e escolha das mesmas. Em seguida, algumas

considerações devem ser feitas a respeito de uma performance em relação ao gênero, já que

escolheu-se entrevistar apenas mulheres, além de considerações sobre o que isso acarreta para

a pesquisa e a obtenção de dados. Por fim, discute-se rapidamente sobre uma particularidade,

encontrada em diversas respostas, em relação ao momento político atual brasileiro e uma

constante preocupação com opiniões e posições políticas e ideológicas, com foco também

para o crescimento da visão feminista nos últimos anos. Acredita-se ser importante ressaltar

esse ponto pelo fato de diferentes respostas apresentarem ideias e expressões próximas e

pertinentes ao contexto atual, o que permite também localizar historicamente o momento de

feitura desta pesquisa.

Cabe também ressaltar ainda a ideia de que há, inclusive, uma performance enquanto

sujeitos entrevistados no momento da entrevista. No que diz respeito ao Tinder, um aplicativo

para encontro e relacionamentos, pode haver, em certos momentos, um constrangimento em

relação a alguns episódios e opiniões, o que pode levar os entrevistados a responderem não de

fato o que praticam, mas algo como a “resposta ideal” para certo tipo de pergunta. Assim,

69

suas percepções podem ser marcadas também pelo próprio imaginário que circunda o

programa e as opiniões que se formaram nos últimos anos em relação ao Tinder.

As entrevistadas, conforme apontado anteriormente, foram selecionadas a partir da

técnica bola de neve. Conforme define Juliana Vinuto (2014), esse tipo de método específico

“é uma forma de amostra não probabilística, que utiliza cadeias de referência. Ou seja, a partir

desse tipo específico de amostragem não é possível determinar a probabilidade de seleção de

cada participante na pesquisa” (pg. 203). Dessa maneira, a técnica fornece dados para uma

interpretação qualitativa sobre determinado fenômeno.

Para iniciar a análise, busquei em minha rede de contatos possíveis “sementes”

(VINUTO, 2014), ou seja, pessoas que me pudessem indicar sujeitos que se encaixassem nas

definições estabelecidas para a pesquisa – mulheres que utilizam ou já utilizaram o Tinder, na

faixa etária dos 18 aos 34 anos e residentes do Rio de Janeiro. A partir de três contatos

iniciais, foram surgindo os novos contatos e chegou-se a oito mulheres que se encaixavam e

efetivamente concordaram em participar das entrevistas. Quando as respostas começaram a se

repetir e aparecer elementos em comum na maioria delas, deu-se por encerrado o

recrutamento. Dessa maneira, atinge-se um ponto de saturação na pesquisa e, conforme

apontado por Polivanov e Santos (2016), a coleta de dados deve ocorrer “até que não seja

possível – seja por limite de tempo, verba ou do próprio corpus – obter dados categoricamente

novos” (p. 192).

Essa técnica da saturação também está prevista no método da bola de neve e cabe

ressaltar que, apesar de não completamente coeso e homogêneo, o grupo acaba se mostrando

bem parecido em algumas particularidades, representando uma parcela de usuárias que possui

uma forma semelhante de enxergar e fazer uso do Tinder. Essa é uma das principais

limitações do método; como argumenta Vinuto (2014), surge “o inconveniente de acessar

apenas argumentações semelhantes, já que os indivíduos necessariamente indicarão pessoas

de sua rede pessoal, o que pode limitar a variabilidade de narrativas possíveis” (p. 207). Essa

limitação foi observada durante esta pesquisa, na qual algumas narrativas se repetiram durante

o processo de entrevista, incluindo a posição política e ideológica mais voltada para a posição

de esquerda e o feminismo.

Apesar disso, esse acesso a redes específicas também possui vantagens. O

recrutamento a partir de redes de contatos permite que se estabeleça uma relação mais

próxima, o que pode gerar maior confiabilidade e disposição a participar da entrevista,

70

principalmente quando se trata de grupos de difícil acesso ou de temas sensíveis e que possam

gerar algum tipo de constrangimento, como o caso desta dissertação. Por se tratar de

relacionamentos amorosos e uma plataforma virtual para encontros, em alguns aspectos,

pode-se considerar um tema sensível e esse fato pode, em parte, ser resolvido pelo

recrutamento a partir do método bola de neve. Nas palavras de Biernacki e Waldorf:

O método é adequado para uma série de fins de pesquisa e é particularmente

aplicável quando o foco do estudo é uma questão sensível, possivelmente sobre algo

relativamente privado, e, portanto, requer o conhecimento das pessoas pertencentes

ao grupo ou reconhecidos por estas para localizar pessoas para estudo.

(BIERNACKI; WALDORF, apud VINUTO, 2014, p. 204, tradução da autora)

Após o recrutamento, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com aquelas que

se encaixavam no perfil e aceitaram participar da pesquisa. A partir de um roteiro, realizei as

perguntas e conduzi a entrevista a partir das respostas obtidas e dos novos caminhos que as

mesmas podiam proporcionar. Duas entrevistas foram realizadas presencialmente (Carla e

Paula), com a duração de aproximadamente 45 minutos cada e com a gravação da conversa a

partir de um gravador. Já as outras seis foram realizadas pelo aplicativo Whatsapp, a partir de

mensagens de texto e de áudio e voz. A opção de mensagens de áudio possibilitou uma maior

proximidade e maior possibilidade de aprofundamento das respostas, já que a praticidade

desse tipo de mensagem possibilitava que as usuárias falassem de forma mais aberta e, de

certa maneira, mais espontânea. Apesar disso, as entrevistas realizadas pelo Whatsapp

demandaram mais tempo para a realização, com uma média de três dias de conversa e, em

alguns momentos, uma grande quantidade de áudio e dados. Além disso, por conta dessa

dinâmica, em muitos momentos, era necessário retomar alguns pontos das respostas e se

atentar para as possibilidades de novas perguntas que as mesmas possuíam. Nas entrevistas

presenciais, podia-se explorar esses novos caminhos sem interrupções, com uma maior

espontaneidade nas respostas, diferente das entrevistas realizadas através da mediação do

aplicativo.

As mulheres entrevistadas possuem entre 21 e 32 anos e, das oito usuárias, seis

residem atualmente no Rio de Janeiro, com a particularidade de duas delas não estarem mais

com domicílio na cidade – uma é carioca, mas havia se mudado a trabalho para São Carlos, no

interior de São Paulo, fazendo uso do Tinder em ambas as cidades (São Carlos e Rio de

Janeiro), enquanto que a outra, também natural do Rio de janeiro, havia se mudado há um mês

para Portugal, sendo que o período em que utilizou o Tinder havia sido todo no Rio de

71

Janeiro. Apesar das particularidades, escolheu-se manter as entrevistas por elas também

utilizarem o Tinder no Rio de Janeiro e terem acesso ao corpus escolhido para este trabalho.

Além disso, das oito informantes, sete possuem ensino superior completo e a mais nova, com

21 anos, está realizando ainda a faculdade. Os nomes foram substituídos por opções fictícias,

como um acordo com as entrevistadas e pela possibilidade de superar algumas barreiras de

constrangimento, caso a identificação de cada usuária interferisse nas respostas que poderiam

dar. Além disso, ainda nessa perspectiva, não serão expostas as profissões de cada informante.

A primeira pergunta realizada para as informantes indagava a época e o tempo de uso

do Tinder e o motivo que a levou a utilizar a plataforma. As respostas sobre as motivações

para entrar no aplicativo seguiram basicamente duas argumentações: 1) pela praticidade que o

programa poderia oferecer, e 2) pela possibilidade de conhecer novas pessoas diferentes da

rotina e do círculo atual de amigos.

Entre a primeira motivação, há a resposta de Júlia, 25 anos, que aponta a praticidade

na opção de conhecer novas pessoas sem nem ao menos “sair da cama” ou precisar se arrumar

como um dos principais motivos para utilizar o programa. Em suas palavras:

Eu uso o Tinder, desde que me lembro da existência dele... Já exclui algumas vezes

o app, sem deletar a conta e já deletei a conta algumas vezes tb... eu nunca namorei

então pode considerar que uso desde que foi lançado com algumas interrupções. Eu

baixei o Tinder porque considero uma maneira muito prática para conhecer pessoas,

eu me sinto numa noitada, vejo quem me atrai e se vale a pena um “segundo

encontro” que no caso seria pessoalmente, considerando o primeiro encontro o

match. O diferente e mais importante é que posso tá jogada na cama, toda

descabelada só fazendo minha seleção. Ao invés de ir pra uma night, me montar e

gastar dinheiro. (risos)20

Já Gabriela, 25 anos, aponta duas questões nesse tipo de escolha: a repulsa por festas e

lugares muito movimentados, e a percepção de que o aplicativo corresponde a um outro

ambiente de interação (ao usar o termo “vida real” para se referir aos espaços offline de

interação). Diferente de Júlia, que encontra semelhanças entre o Tinder e uma festa ou bar,

Gabriela enxerga no mesmo possibilidades diferentes de conhecer novas pessoas:

Eu não sei dizer quanto tempo uso porque eu sou daquelas pessoas que usam, depois

deletam, depois se sentem culpadas, acham que nunca vão conhecer ninguém e aí

baixam de novo. Então tô nessa de deleta e baixa há mais ou menos dois anos,

20 Resposta dada através de mensagem de texto, no Whatsapp. Escolheu-se manter a linguagem escrita e

oral das informantes na íntegra, sem mudança de palavras, gírias e expressões – inclusive no caso das entrevistas

realizadas pessoalmente.

72

meados de 2015. Eu entrei porque não sou muito boa em conhecer pessoas na vida

real, assim em festas, esse tipo de coisa, onde as pessoas costumam conhecer as

outras. Eu também não gosto muito de balada, coisa assim. Eu gosto de programas

mais tranquilos, com pessoas que já conheço, então sempre achei muito difícil

conhecer pessoas novas. Então eu baixei assim de curiosidade quando eu soube que

isso existia. Eu achei que era uma boa ideia. Eu tava solteira na época e baixei para

conhecer pessoas novas. Eu tô usando atualmente.

Essa é também a visão de Olívia, 24 anos, que também não gosta de frequentar festas

e enxerga o Tinder como uma ferramenta mais simples para conhecer novos contatos. Apesar

disso, Olívia também apresenta uma preocupação quanto ao uso do aplicativo: o receio de

encontrar alguém que não queira compromisso ou que não esteja disposto a um

relacionamento mais sério. Assim, Olívia também se encaixa no perfil descrito por Souza

(2016), abordado anteriormente no segundo capítulo, sobre os devaneios e frustrações que a

experiência no aplicativo pode gerar.

Uso o Tinder desde que terminei meu último namoro, em dezembro de 2015. Então

vai fazer dois anos. Decidi usar porque seria uma ferramenta, em tese, mais simples

de conhecer pessoas fora do meu círculo social sem precisar ir a festas, nights e

afins. Num primeiro momento era mais para sair com pessoas novas, sem muito

compromisso, mas depois de uns seis meses/um ano de término meio que tinha uma

intenção de querer algo sério (não procurava alguém para isso porque acho que no

Tinder é meio impossível, mas estaria aberta a isso se fosse o caso).

Pesquisadora: Porque você acha que seria impossível no Tinder? A partir das suas

próprias experiências no programa?

Impossível acho que é um exagero. Eu tenho amigas muito próximas que

conheceram seus namorados lá. Mas, no geral, o perfil de caras com quem eu me

deparei é bem decepcionante. (risos) O que sempre me faz pensar porque eu ainda

uso esse app. Então, na maioria das vezes, é mais uma distração de ficar jogando

para um lado e para o outro do que interagir de fato com as pessoas. Acho muito

desgastante porque acaba sendo raro sair com alguém e das poucas vezes que tive

um date de Tinder (acho que foram 3 ou 4 no total, não lembro), só um foi realmente

legal.

Thaysa, 29 anos, também aponta a praticidade do Tinder, a partir do que chama da

possibilidade de filtragem que o programa pode dispor. A partir da análise dos perfis e

daquilo que os outros usuários compartilham, ela obtém informações para diferenciar os

homens que poderiam ou não corresponder aquilo que ela define como um perfil legal ou não.

73

Em suas palavras:

E aí já funciona como um filtro né? Você já vê ali que o cara é babaca, quando

coloca foto sem camisa, foto de carrão, foto encostado na moto de braço cruzado,

foto no espelho da academia. Só pela foto eu já elimino 30% dos caras que aparecem

– e nem é pela questão ser bonito ou feio, é porque a foto me diz se ele é babaca ou

não babaca.

Pensando a partir da perspectiva de Goffman (2002), o uso que Thaysa faz do

programa é baseado em estereótipos, tema que será retomado adiante. As interações são

baseadas, em grande parte, em inferências, ou seja, confia-se que determinado sujeito terá

determinado comportamento a partir das pistas sociais que ele dispõe em sua apresentação.

Nas palavras de Goffman, ao entrar em contato com um indivíduo desconhecido, procura-se

“indicações que lhes permitam utilizar a experiência anterior que tenham tido com indivíduos

aproximadamente parecidos com este que está diante deles”, aplicando-lhe “estereótipos não

comprovados” (GOFFMAN, 2002, p. 11).

Em uma outra perspectiva, a escolha do uso pelo Tinder recai na possibilidade de

conhecer pessoas diferentes do círculo social e do cotidiano. Lorena, 21 anos, aponta esse

motivo em sua resposta: “usei o Tinder durante um ano quase e entrei para essa rede social

pois queria conhecer pessoas novas e diferentes da minha rotina, já que não havia ninguém do

meu interesse”. É o caso também de Paula, 26 anos, que aponta ainda a falta de tempo como

um fator.

Eu usei o Tinder de metade de 2014 a metade de 2015, parei porque comecei a

namorar um cara que conheci no aplicativo. Eu tinha voltado a pouco tempo do

intercâmbio que fiz pra fora e achei que seria uma opção interessante de encontrar

pessoas que eu não encontraria normalmente, seja por convivermos em mundos

diferentes ou porque às vezes falta tempo. Você não conhece ninguém porque tá

preso nas suas coisas e achei que seria uma oportunidade interessante.

Já Marina, 29 anos, em sua resposta, mostra que a possibilidade de conhecer novas

pessoas pelo aplicativo também foi bastante divulgada e forte no período de Copa do Mundo e

Olimpíadas, no Rio de Janeiro, mostrando um fator também histórico e local. Na época dos

grandes eventos, o número de usuários aumentou no Brasil e, especialmente, na cidade21

.

Conforme mostra Marina:

21 Informações disponíveis em: http://g1.globo.com/tecnologia/tem-um-aplicativo/noticia/2014/07/copa-

esquenta-aplicativos-de-paquera-como-tinder-e-grindr.html;

http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2016/08/rio-2016-faz-tinder-bombar-de-usuarios-por-causa-das-

olimpiadas.html. Acessado em 05 de janeiro de 2018.

74

Deve ser cerca de uns 3 anos, 3 anos e um pouco, talvez. Eu entrei porque eu fiquei

solteira em 2014, no meio de 2014 mais ou menos, e aí uns amigos falaram para eu

entrar. Era época da Copa aqui no Brasil, principalmente as amigas, né, “olha vai ter

muita gente aqui no Brasil, aqui no Rio, baixa o aplicativo por causa da Copa”. Eu

fui meio relutante, demorei um pouquinho, alguns meses, um ou dois no máximo. E

aí eu baixei realmente, mas não foi nem por conta da Copa. Acabou que todo mundo

já tinha ido embora então eu não fiz tantos contatos na Copa conforme eu imaginei,

não.

Por fim, duas usuárias – Carla, 32 anos, e Thaysa, 29 anos – relataram que não acham

mais tão fácil conhecer pessoas fora do círculo de amigos como era antes, quando ainda

estavam na faculdade. Nas palavras das mesmas, respectivamente:

Carla: Quando eu tava terminando o mestrado eu usei o Tinder pela primeira vez,

há uns quatro anos, em 2012/2013. Ainda uso, já deletei, mas voltei a usar. Na

época, foi uma estagiária minha que me indicou. Eu tenho um primo que casou pelo

Par Perfeito e eu brincava que se eu fizesse trinta anos eu iria criar meu perfil lá.

Mas acabou que o Tinder surgiu antes mesmo de eu fazer 30 anos e basicamente é

para conhecer gente. Quando você sai da faculdade, diminui muito a vida social. No

início, quando lançou, eu era a mais corajosa das minhas amigas. O pessoal mais

novo age naturalmente ao usar o Tinder, mas o pessoal da minha idade age com

mais receio, até em baixar, mas eu nunca tive medo. Eu acho que é uma ferramenta e

os riscos são os mesmos do que conhecer pessoas numa noitada, que você não tem

referências.

Thaysa: Não faço a menor ideia de quanto tempo uso o Tinder, mas faz muito

tempo. Acho que uns três, quatro anos. Desde que ele chegou no Brasil, eu comecei

a usar. Usava menos. Tive uma fase de usar muito, tive uma fase que eu só conhecia

caras no Tinder e agora tô numa fase que estou com preguiça do Tinder. Até porque

eu já consegui contatinho suficiente no Tinder e agora eu tenho que administrar os

contatinhos ao invés de começar novos, basicamente. Eu entrei no programa porque

hoje é mais difícil de conhecer novas pessoas do que antigamente. Seus amigos não

te apresentam mais ninguém, então você tem que se virar sozinha.

Alguns pontos se repetiram em diferentes respostas, entre eles destaco dois em

especial: o interesse pelas possibilidades que o aplicativo podia oferecer motivado por

momentos e situações específicas, como término de namoro, fase da vida e preferência por

programas menos agitados; e, em paralelo, a consequente descrença com o programa, seja

75

pelo fato de ele não corresponder a tais expectativas ou por acabar não encontrando aquilo

que se procurava no mesmo. Essa descrença vinha acompanhada, como apontado nas

respostas, pela ação de excluir a plataforma de seu dispositivo móvel ou excluir a conta no

programa, sem que houvesse simplesmente a percepção de apenas não usá-lo por determinado

tempo.

Ao ser perguntada sobre o motivo pelo qual excluía sua conta no aplicativo, Júlia

ressalta que, ao fazê-lo, assegura-se de que não irá ter recaídas e acabar voltando ao aplicativo

para “dar aquela olhada de praxe”, nas palavras da mesma. Assim, ao deletar a conta, ela

pensava duas vezes antes de ter o trabalho de refazer todo seu perfil na plataforma. É a mesma

percepção de Gabriela, que, ao ser perguntada sobre a mesma questão, disse que é uma tática

que já usou também em outras redes sociais, já que também, ao voltar para o programa, teria a

possibilidade de “começar do zero” e refazer alguns passos que poderiam gerar novas

experiências e percepções.

A partir das outras perguntas realizadas e respostas recebidas, assim como na própria

observação participante realizada na primeira etapa do processo, dois temas surgiram

repetidamente: algumas questões sobre gênero e performance de gênero, e o atual momento

político brasileiro. Por conta disso, esse subcapítulo se divide ainda em dois tópicos, nos quais

se discutirá brevemente esses assuntos.

2.3.1 – Algumas considerações sobre gênero

Muitas são as pesquisas e estudos que abordam o significado do gênero e sua relação

cultural com a sociedade, havendo inclusive divergências e diferentes modos de enxergá-lo ao

longo dos anos. Como esse não é o foco principal dessa dissertação, serão apontados alguns

autores para elaborar a discussão, mas percebe-se que a mesma pode ser mais aprofundada,

cabendo ressaltar que há diversas outras visões que complementam a noção de gênero.

Há o entendimento da separação entre as ideias de sexo e gênero, sendo o segundo

visto como algo construído socialmente e interpelado pelas diferentes culturas e fatores

sociais. Assim, todos nascem com um sexo, mas constroem seu gênero a partir das ideias

difundidas sobre os mesmos, percebendo comportamentos próprios a cada um deles. Assim,

há uma semelhança entre tais visões com o referencial teórico levantado no primeiro capítulo

desta dissertação sobre a construção identitária na pós-modernidade, mostrando que o gênero,

76

assim como o self como um todo, é interpelado pelo ambiente ao seu redor e construído

ativamente ao longo do tempo. Há ainda a noção de vivermos em uma binaridade entre

feminino e masculino, o que gera uma visão binária sobre comportamentos e posturas que

seriam “aceitáveis” para cada gênero.

As discussões teóricas sobre gênero (CONNELL, 2002; MACIEL JR, 2006;

KIMMEL, 2013) ressaltam a ideia de que não é possível falar de masculinidade nem

de feminilidade, em si mesmos, mas sim como projetos de gênero. Em outras

palavras, a configuração das práticas ao longo do tempo transforma o ponto de

partida (sexo) em gênero a partir das interações em múltiplas estruturas de

relacionamento (família, escola, igreja, mídia). As questões de gênero são

inerentemente históricas e negociadas nas interações sociais pelos indivíduos no

decorrer da vida. (FIGUEIREDO, 2016, p. 127)

É nesse contexto que a famosa frase de Simone de Beauvoir se insere: “a gente não

nasce mulher, torna-se mulher” (apud BUTLER, 2016, p. 26). Ou seja, ser mulher faz parte de

estruturas e imaginários sociais que vão sendo traduzidos e incorporados no decorrer da vida.

Apesar dessa visão, Judith Butler, em seu ensaio “Problemas de gênero” (2016),

questiona também a própria ideia do sexo como algo já dado, confrontando a noção que se

tem de sexo como algo estritamente biológico com as teorias sociais. Sendo assim, Butler

afirma que “o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza” (2016, p. 25), já

que o próprio sexo também é um meio discursivo e cultural sob o qual agem forças políticas e

sociais. Porém, “colocar a dualidade do sexo num domínio pré-discursivo é uma das maneiras

pelas quais a estabilidade interna e a estrutura binária são eficazmente asseguradas” (idem).

Assim, a autora recorre às teses de Foucault sobre a sexualidade e a forma de enxergá-

la como um dispositivo de poder. O autor expõe uma genealogia da sexualidade, onde mostra

que o sexo sempre foi gerido e regulado dentro de discursos inseridos em sistemas de poder.

Nesse contexto, “cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente

condenar ou tolerar mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos,

fazer funcionar segundo um padrão ótimo” (FOUCAULT, 2013, p. 31). O sexo não passa

apenas por proibições, mas discursos inteiros que incitam e encorajam comportamentos já

pré-estabelecidos por sistemas de poder. Para Foucault, “o sexo não se julga apenas,

administra-se” (FOUCALT, 2013, p. 31). Butler atenta ainda que, para o autor, essa gestão do

sexo se impõe também na divisão binária do mesmo, já que a “regulação binária da

sexualidade suprime a multiplicidade subversiva de uma sexualidade que rompe as

77

hegemonias heterossexual, reprodutiva e médico-jurídica”. (BUTLER, 2016, p. 41).

Butler afirma ainda que mesmo a noção de um gênero culturalmente construído

também gera certo “determinismo de significados de gênero, inscritos em corpos

anatomicamente diferenciados” (2016, p. 26). A autora volta na frase de Beauvoir para

analisar o quanto também há um agente implicado na noção e formulação do gênero, não

necessariamente ligado a determinado sexo.

Beauvoir diz claramente que a gente “se torna” mulher, mas sempre sob uma

compulsão a fazê-lo. E tal compulsão claramente não vem do “sexo”. Não há nada

em sua explicação que garanta que o “ser” que se torna mulher seja necessariamente

fêmea. Se, como afirma ela, “o corpo é uma situação”, não há como recorrer a um

corpo que já não tenha sido sempre interpretado por meio de significados culturais;

consequentemente, o sexo não poderia qualificar-se como uma facticidade

anatômica pré-discursiva. Sem dúvida, será sempre apresentado, por definição,

como tendo sido gênero desde o começo. (BUTLER, 2016, p. 27)

Butler insiste que é preciso também questionar a base de toda essa estrutura, incluindo

colocar o sexo em uma perspectiva social e questionar a divisão binária dos gêneros. Ainda

nas palavras da autora:

Se é possível falar de um “homem” com atributo masculino e compreender esse

atributo como um traço feliz mas acidental desse homem, também é possível falar de

um “homem” com um atributo feminino, qualquer que seja, mas continuar a

preservar a integridade do gênero. Porém, se dispensarmos a prioridade de “homem”

e “mulher” como substâncias permanentes, não será mais possível subordinar traços

dissonantes do gênero como características secundárias ou acidentais de uma

ontologia do gênero que permanece fundamentalmente intata. Se a noção de uma

substância permanente é uma construção fictícia, produzida pela ordenação

compulsória de atributos em sequências de gênero coerentes, então o gênero como

substância, a viabilidade de homem e mulher como substantivos, se vê questionado

pelo jogo dissonante de atributos que não se conformam aos modelos sequenciais ou

causais de inteligibilidade. (BUTLER, 2016, p. 47)

Assim, Butler chega a ideia de performance de gênero. Ou seja, enxergar o gênero não

como um substantivo ou um conjunto de características e atributos flutuantes, mas como uma

performance, já que seu efeito é visto como tal e “produzido e imposto pelas práticas

reguladoras da coerência do gênero” (BUTLER, 2016, p. 48). A partir dessa visão, surge a

teoria queer, que enxerga a identidade de gênero como uma construção socialmente inscrita e

que é pré-existente a papéis sexuais supostamente essenciais. Nas palavras da autora, “não há

78

identidade de gênero por trás das expressões do gênero, essa identidade é performaticamente

constituída, pelas próprias “expressões” tidas como seus resultados” (BUTLER, 2016, p. 48).

Braziel (2015), ao abordar o trabalho de Butler, lembra ainda da abordagem da autora

a partir da visão sobre as performances de drag queens, sujeitos, em maioria homens, que se

vestem como “mulheres” normalmente de forma exagerada ou, em alguns dos casos, cômica.

“Ao notar como drags desacoplam o sexo anatômico, a identidade de gênero e a apresentação

de gênero, Butler observa que 'ao imitar o gênero, a drag revela implicitamente a estrutura

imitativa do próprio gênero.'" (BRAZIEL, 2015, p. 25, tradução nossa).

Bourdieu (2002), em seu livro “A Dominação Masculina”, atenta para o quanto

discursos e linguagens constroem tais performances e empregam determinados atributos aos

corpos. Assim, há uma série de divisões arbitrariamente construídas que legitimam uma

dominação do gênero masculino e impõem uma série de estruturas sociais tidas como naturais

– como, por exemplo, a divisão do trabalho e a ideia de que as mulheres devem se restringir

ao ambiente doméstico. Nas palavras do autor:

A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo

feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode

assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre

os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho. (BORDIEU, 2002, pg.

20, grifo do autor)

Tal performance de gênero – e a ideia de papéis próprios para cada gênero – foi

observada nos perfis analisados e nas entrevistas. Entre os perfis investigados na observação

participante, percebeu-se algumas repetições em estereótipos típicos da performance esperada

para o gênero masculino, como fotos em que aparecem carros e motos, fotos em academia ou

mostrando o físico e fotos relacionadas ao futebol. Além das fotos, alguns textos das

descrições de perfil também aparentavam tal performance, mostrando tais gostos ou estilos de

vida.

Outro exemplo diz respeito a perfis que, em sua descrição, explicitavam o que

buscavam na possível pretendente, tema que será abordado novamente em tópico adiante.

Muitas vezes, tais tipos de perfis deixavam transparecer algumas performances relacionadas

ao gênero, tanto masculino quanto feminino. Assim, em algumas situações, restringiam uma

série de qualidades que se diziam próprias para as mulheres, como delicadeza e suavidade,

além de atribuir proibições que se diziam não caber às mulheres, como fumar ou ser grossa.

Esses textos e fotos configuram o que Bourdieu aponta nos dualismos socialmente

79

construídos sobre aquilo que pertence a cada gênero.

Já nas entrevistas realizadas com as informantes do gênero feminino, observou-se

ainda certa preocupação em até mesmo contar a amigos e parentes que se utiliza o Tinder,

pelo fato de haver ainda certo tabu relacionado ao programa. Muitas vezes, enxerga-se o

aplicativo como uma ferramenta de busca estritamente sexual – fato que também apareceu em

alguns perfis observados, que falavam abertamente estar em busca apenas de sexo – o que

pode ser visto como algo que não cabe às mulheres. Lorena, ao ser perguntada se reparava nos

amigos em comum que possuía com outros usuários, diz que observava tal informação para

evitar aqueles com quem possuía muitos conhecidos, já que tinha certa vergonha em anunciar

que estava no programa:

Eu reparo muito nessa questão em amigo em comum. Eu normalmente não gosto de

escolher uma pessoa que tenha muito amigo em comum comigo. Eu sinto um pouco

de vergonha de alguns amigos meus saberem que eu tava nessa rede social. Tem

muita gente que tem preconceito e, sei lá, acha que você é puta ou algo do tipo..

Desculpa pela palavra.

Esse pensamento se repetiu na resposta de Paula, que se viu julgada ao contar que

estava utilizando o Tinder. Além disso, Paula também aponta para uma questão que se repetiu

em outras entrevistas: a adoção de medidas de segurança ao fazer uso do programa. Nas

palavras de Paula:

Cara, minha mãe pirou quando eu tava usando o Tinder. Achava que eu era uma

puta que tava dando pra todo mundo. Aí ficava falando na minha cabeça que eu ia

morrer, que eu ia ser estrupada. E aí, assim, a gente como mulher sempre tem medo

de ser abusada né? Então, primeiro, eu ficava apreensiva de ser a pessoa que dizia

que ela era e de ser uma pessoa bacana. Porque, às vezes, pode ser a pessoa e pode

ser um abusador, né? Por isso, também, quando não tinha um amigo em comum, eu

ficava desconfiada. Quando eu tinha amigos em comum, era uma pessoa que eu tava

falando há muito tempo e a gente ainda não tinha se visto, geralmente eu

perguntava, se fosse um amigo próximo, pra esse amigo em comum sobre essa

pessoa. “Qual é do Fulano? Ele é legal e tal?”.

(…)

Pesquisadora: Você tomava medidas de segurança ao usar o Tinder?

Sim, procurar o perfil em outras redes, perguntar pro amigo em comum, não passar

meu Whatsapp logo de cara. Geralmente, eu avisava a algum amigo que eu tava indo

[para um encontro], mas só também. (risos)

80

Essa é também uma preocupação de Lorena, que adotava uma série de medidas de

segurança, em suas palavras: “por exemplo, eu sempre marcava em locais públicos, em

shopping ou praças. Eu acho que é uma forma de evitar que ocorra alguma coisa…”. Por fim,

Carla também adota tais medidas, e diz ainda não enxergar as mesmas formas de uso e

preocupações pelos usuários homens.

Hoje em dia eu até me arrisco mais do que no início. Sempre rola uma triagem –

onde mora, se tem amigo em comum, se trabalha... Tentar criar um contexto para

não achar a pessoa um "freak". Os caras te chamam pra ir pra casa deles numa

primeira conversa, porque ele não acha que eu sou uma ameaça pra ele. Eu continuo

marcando em lugar público, depois de um tempo conversando pelo aplicativo, eu

vou pro Whatsapp. Lá você já tem mensagem de voz, fotos, acompanha a pessoa um

pouco mais. Eu tive só um caso que um cara eu comecei a falar e no dia a gente já

marcou no Baixo Gávea [região com bares no Rio de Janeiro] e chamei ele pra

minha casa na mesma noite. Foi no início do ano e até pouco tempo a gente tava

ficando. Mas foi uma coisa bem inconsequente. Deu certo, mas é um risco. Eu

acordei no dia seguinte com medo do que eu fiz. Quando eu comecei a usar, eu

morava com a minha mãe ainda, hoje eu já moro sozinha, tenho 32 anos... Eu faço

isso não por "não poder dar no primeiro encontro", mas pra você conhecer a pessoa

antes. Mas na verdade a gente nunca conhece realmente alguém né? Mas isso já é

pra outra pesquisa... (risos). Eu não vejo a mesma preocupação com os homens, eles

topam ir pra qualquer lugar. Muitos marcam no cinema pela primeira vez. Eu já

acho até íntimo demais e corto, chamo pra um café.

Lígia de Figueiredo (2016), em seu trabalho sobre as Tinderelas, percebe o aplicativo

como uma ferramenta que propaga e repete padrões e discursos de gênero já arraigados na

nossa sociedade, como a própria performance dos usuários baseada em estereótipos de

gêneros. Mas a autora também ressalta o quanto a plataforma pode ser um meio pelo qual as

mulheres podem alcançar uma maior equidade de gênero e experimentar novos papéis, como

o uso recreativo descrito anteriormente no segundo capítulo desta dissertação. Nas palavras da

autora:

Buscando um relacionamento especial, mesmo antes de encontrá-lo, mas fazendo

contatos e experimentando novas sensações, as Tinderelas ampliam suas vivências

relacionais e sexuais e com isso aumentam as suas possibilidades de escolha. Em

relação a esses aspectos, os aplicativos para encontros favorecem o empoderamento

e o agenciamento da sexualidade feminina. (FIGUEIREDO, 2016, p. 166)

Esse tema de discussão sobre gênero será retomado em outros pontos desta

81

dissertação, ao ser abordada, em mais detalhes, a performance dos homens na visão das

mulheres no aplicativo.

2.3.2 – Polarização política e ideológica no Tinder

A visão da performance de gênero vem acompanhada, conforme já apontado

inicialmente no tópico anterior, a uma ideia de dominação do gênero masculino e uma

crescente preocupação em questionar a divisão binária dos sexos (BUTLER, 2016). Bourdieu

(2002) percebe que o masculino se impõe sobre o feminino, tanto a partir de práticas quanto

discursos e linguagens, elementos que vão também compor a performance. Junto aos avanços

das teorias e visões acerca do gênero, viu-se também o avanço do feminismo e a ideia da

quebra de tais pressupostos.

Em 2017, o dicionário americano Webster elegeu “feminismo” como a palavra do

ano22

. Rodrigues e Luvizotto (2014) apontam, a partir da análise da página no Facebook do

Coletivo Marcha das Vadias, que a internet se tornou um meio eficaz de propagar o

feminismo, ampliando vozes e visões sobre o momento. Nas palavras das autoras: “com o

auxílio da internet e das ferramentas online ficou mais fácil, eficaz e até seguro para essas

feministas exporem suas ideias e demandas para a sociedade” (2014, pg. 369). Apesar de ser

um campo que merece maiores elucidações, a questão do crescimento do feminismo,

principalmente a partir de práticas online, não será explorada nesta dissertação, por entender

que tal questão não é nosso tema e objetivo principais, cabendo apenas apontar o quanto as

usuárias entrevistadas se consideravam feministas e buscavam evitar correspondentes com

práticas opostas.

Assim, durante as entrevistas, percebeu-se em algumas respostas a preocupação em

evitar usuários que propagassem em seu perfil algum discurso ou prática considerada

machista. As informantes buscavam alguns vestígios do que poderia indicar que aquele outro

usuário possuísse uma visão ideológica distinta da sua. Para isso, analisavam os textos das

descrições, os gostos em comum e, quando possuíam amigos em comum, também buscavam

tais usuários em outras redes para investigar tais dados. Thaysa, ao ser perguntada sobre o que

considera um perfil não ideal no programa, diz que analisa uma série de características que já

considera ruins, como, por exemplo, se há algum tipo de preconceito contra mulheres

22 Informação disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/dicionario-dos-eua-elege-feminismo-como-

palavra-do-ano-em-2017-22179494. Acessado em 10 de janeiro de 2018.

82

explícito na descrição. Nas palavras da mesma:

Mas basicamente, de todos os recursos que tem no Tinder, o que eu mais levo em

conta é isso: se tem essas fotos de ostentação, foto de “sou fodão pra caralho, hétero

topzera”, eu já elimino. Se tem algum tipo de preconceito explícito na bio, eu

também já elimino. Do tipo, sei lá, gordas, pretas, brancas, verdes…

Olívia também aponta alguns critérios que considera ideais na hora de analisar o

perfil. Para ela, o perfil que busca é de “um cara que não dê indícios de ser reacionário,

paneleiro23

, machista, etc.”. Em sua resposta, fica implícito também uma segunda questão

nesse contexto: a polarização política atual e a vinculação do feminismo com as pautas de

esquerda. No Brasil, após as eleições para presidente em 2014, houve forte polarização no

campo político, entre aqueles que se consideravam com uma visão ideológica mais

conversadora e de direita e os que possuíam uma visão política de esquerda. Por conta de tal

polarização, uma repetição em diferentes respostas foi a preocupação com tal postura política

e ideológica, além da tentativa de descobrir a mesma24

.

Gabriela, por exemplo, buscava nos gostos em comum uma pista que pudesse dizer

mais sobre a pessoa e seu posicionamento. De acordo com ela, ao analisar tais gostos, era

possível perceber que o outro usuário compartilhava o posicionamento político e ideológico

dela, ao se vincular à página de determinado político. É o caso também de Paula, que buscava

nos gostos em comum e na descrição do perfil os vestígios da opção política do outro

correspondente. De acordo com Paula: “em questões políticas, por exemplo, se fosse alguém

com uma visão completamente diferente da minha eu não dava like. Tipo Bolsonaro25

”. Já

Lorena diz perder o interesse no perfil quando vê algo relacionado à política, como um todo,

ou algum discurso considerado machista. Nas palavras da informante: “quando eu abro o

perfil da pessoa e já vem algo relacionado à política ou a "apenas sexo" ou "sexo casual" ou

"se não for fazer sexo, nem dê like", coisas desse nível.…”. Por fim, há também o caso de

Marina, que diz perceber uma oportunidade no Tinder para que pessoas façam discurso de

ódio na plataforma. De acordo com a entrevistada, com a sensação de anonimato que espaços

23 Em referência a protestos ocorridos durante o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, nos

quais manifestantes de direita utilizaram panelas para se expressar.

24 No caso das informantes, todas que possuíam tal preocupação procuravam alguém com uma postura mais de

esquerda. Isso pode ser explicado pela utilização da técnica bola de neve, que restringiu as narrativas e

aproximou os resultados.

25 Jair Messias Bolsonaro é um dos deputados mais votados pelo Estado do Rio de Janeiro, possuindo um

posicionamento político de extrema direita. O político já foi também processado por assédio verbal com

caráter machista a uma outra deputada, em sessão parlamentar. Informação disponível em:

https://g1.globo.com/politica/noticia/stj-mantem-condenacao-de-bolsonaro-por-ofensas-a-maria-do-

rosario.ghtml. Acessado em 11 de janeiro de 2018.

83

online de interação proporcionam – assunto já comentado no primeiro capítulo desta

dissertação (BAYM, 2010; MCKENNA; GREEN; GLEASON, 2002) – os usuários se

aproveitariam para externalizar opiniões polêmicas e extremistas. Conforme apontado por tais

autores, o self-disclosure ocorre em tais casos, e os usuários aproveitariam a sensação de

segurança de tais espaços para desvelar aspectos de sua personalidade. Assim, conforme

aponta a entrevistada:

Agora, o [perfil] não-ideal, o não-satisfatório eu acho que é quando a pessoa

aproveita dali pra fazer discursos de ódio, então a gente vê muita gente muito

machista, muito machista, as pessoas externalizam outras questões, questões

políticas, eu acho que é não satisfatório por isso. Pra mim, se a pessoa é hétero,

quando um cara coloca esse tipo de informação, pra mim serve como filtro. Pra mim

é bom por um lado porque eu falo “pô, se o cara tá falando essas coisas machistas

aqui, se ele tem uma visão política esquisita, eu prefiro nem dar like porque daqui

não vai surgir nada”. Na verdade não é satisfatório, mas pensando bem vira um

filtro, entendeu? Mas eu considero como não-satisfatório, entendeu?

Pesquisadora: Você falou que as pessoas acabam colocando ali algumas questões

que não teriam nem a ver, como por exemplo as posições políticas e ideológicas. Por

que isso tem se tornando tão importante a ponto de aparecer no Tinder? Você acha

que tem uma polarização maior nos últimos anos?

Eu acho que o momento político acaba refletindo em todas as esferas, né? E aí acaba

indo pras redes sociais e automaticamente acaba indo pra esses aplicativos de

relacionamento com certeza. Eu não vejo isso com maus olhos não, tá? Eu acho que

isso é bom. Quer dizer que a sociedade está discutindo sobre política, é uma coisa

que a gente não vê acontecer há muito tempo e de uns anos para cá tem aumentando.

Então isso é ótimo, eu não acho isso ruim. Então que bom que esteja também no

aplicativo. O que eu digo que é ruim mesmo, eu já vi diversos caras dizendo, não só

uma visão política, mas uma visão social, no sentido de: se você for feminista não dá

like; se você for votar no Lula – tá agora é uma questão política – se você for votar

no Lula não dê like; muito assim: Bolsonaro 2018 e aí eu não dou like, enfim. É

muito assim. Então foi o que eu te falei: serve como filtro, mas muitas vezes existe

um discurso de ódio também. Porque eu também já vi caras dizendo: se você for

negra eu não vou dar like em você. E acho que polarizou, sim, não só polarizou, mas

popularizou as opiniões sobre política.

Mas as pessoas também estão levando pra um outro lado, né? Elas estão tendo mais

um espaço pra fazer discurso de ódio. É mais um lugar. Principalmente porque como

é na internet, a gente tá escondido e nesses aplicativos é mais um lugar. Existe uma

84

pessoa e você conhece a foto da pessoa e um nome, mas você não vai encontrar com

a pessoa se você não quiser. Então ele pode falar lá o que ele quiser e a mulher

também. E você fica de novo escondido atrás de um celular. E isso te dá chance de

fazer qualquer coisa.

Marina percebe que há uma performance específica para cada contexto, em relação a

tal posicionamento político e ideológico. Isso porque, de acordo com a informante, os

usuários expõem parte de sua identidade de forma diferente em cada espaço e a depender de

cada público – e, de acordo com sua percepção, ela mesma realiza tal estratégia. Ela cita um

caso no qual descobriu uma posição política muito diferente da sua apenas no momento em

que foi buscar o perfil do correspondente no Facebook:

Esse cara que eu falei que a gente tava conversando e depois eu vi no Facebook dele

que ele tava falando do Bolsonaro, não tinha nada remetendo a isso no perfil do

Tinder. Se não, eu nem daria like. E por toda a conversa que a gente tinha, eu não

via nenhuma tendência nas conversas para uma questão ideológica pra esse lado.

Mas, no Facebook, ele fazia uma campanha praticamente. Então, ele deve ter uma

rede de contatos que talvez são a favor do candidato e talvez faça sentido dentro

dessa rede social fazer esse tipo de postagem. Acredito que seja isso, entendeu? No

Tinder, talvez ele tenha entendido que talvez isso não seja bom pro perfil dele. Mas

eu acho sim que as pessoas usam cada rede de um jeito diferente, colocam postagens

diferentes. Eu acho que eu mesma faço isso, dentro das redes sociais. O meu perfil

do Tinder é uma palavra, uma frase na verdade. Eu não tenho um texto; “ah, sou

assim, assim, assado”. Mas as minhas fotos dizem muito do que eu sou. Então, já

que o texto não tem nada muito específico, as fotos têm. Têm bastante, dizem muito

do que eu gosto! Acho que é isso.

Se nos voltarmos à abordagem de Gofmman (2002) exposta anteriormente, podemos

perceber dois fatores: a assimetria no processo comunicacional – no caso de Marina, o

correspondente, por mais que tentasse regular a impressão que estava passando no Tinder, não

teve total controle daquilo que o público poderia encontrar em outras esferas, a partir de

vestígios e rastros que foram sendo deixados pelo mesmo; e a questão do cenário, que muda a

estratégia de apresentação a depender do contexto no qual se encontra cada ator.

Assim, apesar de algumas estratégias para identificar o posicionamento político e

ideológico dos contatos, as informantes, muitas vezes, não conseguem prever o mesmo e

acabam esbarrando com algumas surpresas. Paula também só identificou diferenças

ideológicas ao buscar o perfil do outro usuário no Facebook. Ela conta: “já tive informações

políticas que a pessoa não compartilhou no Tinder, a gente não conversou sobre, mas eu

85

acabei descobrindo no Facebook. Era tipo nada a ver comigo, “bolsominion”26

. E aí eu já

deixei a conversa morrer e tal”. Algo parecido ocorreu com Olívia, que descobriu apenas na

hora do encontro. Nas palavras da entrevistada:

Depois, teve um cara com quem sai meio que impulsivamente porque morávamos

perto, mas eu não o conhecia muito bem (no sentindo de ter desenvolvido uma

conversa). E foi um desastre: foi pouco tempo depois do caso de estupro coletivo no

Rio, o cara disse que não tinha sido estupro e tinha umas convicções/visões de

mundo muito inacreditáveis do meu ponto de vista27

.

Por fim, essa busca por correspondentes com os mesmos posicionamentos políticos e

ideológicos se insere também na percepção de relação pura, conforme proposto por Giddens

(2002) e discutido no primeiro capítulo dessa dissertação. As relações puras são aquelas que

se encaixam no estilo de vida que cada um leva, ou seja, no “conjunto mais ou menos

integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem

necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular da auto-

identidade” (GIDDENS, 2002, p. 79). Tais relações não dependem de fatores externos além

da própria escolha de cada indivíduo e da maneira como tece seu estilo de vida. Dessa forma,

buscar parceiros a partir daquilo que se acredita como o ideal no campo político e ideológico

se encaixa nessa visão de relações puras. Além disso, conforme também já discutido, nas

relações puras evita-se ao máximo a tensão, já que a mesma ameaça diretamente o

funcionamento de tal relação.

26 Em referência ao político Jair Bolsonaro.

27 Em 20 de maio de 2016, ocorreu um estupro coletivo na cidade do Rio de Janeiro; cinco homens estupraram

uma adolescente de 16 anos e filmaram o ocorrido. O vídeo circulou nas redes sociais e o caso teve grande

repercussão na época. Informação disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/05/policia-

do-rio-apura-suposto-estupro-coletivo-e-identifica-autores-de-posts.html. Acessado em 18 de janeiro de

2018.

86

CAPÍTULO 3: PERFORMANCE, AUTENTICIDADE E GERENCIAMENTO DA

IMPRESSÃO NO TINDER

3.1 – Performance dos homens no aplicativo na visão das mulheres

Após a apresentação das entrevistadas e alguns apontamentos sobre gênero e

particularidades encontradas em campo, o terceiro capítulo segue a discussão com a

apresentação da visão que as informantes possuem sobre a performance dos homens no

aplicativo. A partir das respostas obtidas, um dos principais aspectos que as mesmas buscam

nos perfis é a autenticidade. Conforme exposto no trabalho de Ranzini et al. (2016), os selfs se

apresentam nas plataformas de relacionamento online seguindo um ideal no limite entre a

autenticidade e a auto-promoção. As informantes entrevistadas para este trabalho, quando

percebiam um exagero nesta auto-promoção, não iniciavam contato com o perfil

correspondente, rejeitando o mesmo na plataforma. A autenticidade é apreciada pelas mesmas

tanto no sentido de ser honesto com aquilo que se apresenta, como também em se apresentar

de forma interessante e original a partir da narrativa de si28

. Conforme aponta as respostas de

Gabriela e Thaysa, respectivamente:

Gabriela: Eu acho que um perfil satisfatório é aquele que tenha fotos, porque por

mais incrível que pareça tem gente que não põe foto da própria cara. Tenha mais de

uma foto e que tenha alguma coisa escrita. Alguma coisa curtinha, pode ser uma

coisa engraçadinha ou irônica ou criativa… Alguma coisa que dê para você ter

noção mais ou menos do estilo daquela pessoa. E um perfil não satisfatório é um

perfil que você não consiga ver direito a pessoa. Eu acho péssimo, porque muitos

homens, acho que sei lá, a maioria tenta mostrar que é muito aventureiro no Tinder e

eu acho isso um saco. Aí tem uma foto na trilha e lá no alto da trilha tem a pessoa,

de costas, e não dá pra ver a cara. Aí tem uma foto surfando, com a água na cara, e

não dá pra ver a cara. Uma foto escalando de costas que só dá pra ver a pedra. Então

eu acho que, pra mim, isso não é satisfatório. Quando não tem nada escrito, também

não é satisfatório. Ou então quando vem alguma coisa escrita e é a pessoa cagando

regra, tipo “se você for feminista, nem fale comigo”, sabe? Tem um monte de gente

que fica botando regra e eu não gosto. Então, acho que resumindo: o perfil

satisfatório tem pelo menos mais de uma foto, que dê pra ver o rosto da pessoa,

alguma coisa curta e objetiva, de preferência alguma coisa criativa ou engraçada; e o

perfil não satisfatório é aquele que não dá pra ver direito a pessoa, que não tem nada

escrito ou então que seja cheio de regras, parece que tem mandamentos para a

28 Tal percepção e definição configuram uma categoria nativa, ou seja, uma categorização e explicação

definidas pelas próprias entrevistadas para este trabalho.

87

pessoa muito sortuda que vai dar macth com ela (acho isso um pouco arrogante).

Thaysa: Então, eu não tenho um perfil ideal. Eu tenho o perfil que não serve. Acho

que vai muito com o que eu acredito: eu acho que não tem homem ideal, mas existe

homens que não servem pra mim. Eu uso esse mesmo filtro no Tinder. Então, assim,

se o cara é muito ostentação, tem muita foto de carro ou de moto, de academia, de

cultura ao corpo, essas coisas assim, eu já sei que ele não serve pra mim e já tchau!

Outra coisa que eu também elimino é texto babaca do tipo “se você é gorda, dê X”

ou “se não quer conversar, dê X”. A bio é pra você se apresentar, não é pra você

colocar condições. Se você tá colocando condições, por mais que eu te ache um cara

bonito, foda-se. Você tá eliminado. Às vezes, eu dou match, acho o cara

interessante, aí começa a conversa e ele vem com “oi, tudo bem?”. Depende muito

do meu humor, mas na maioria das vezes que a pessoa vem com um “oi, tudo bem”,

eu acho a pessoa bem sem graça. Porque eu vou te mandar um print do meu perfil no

Tinder. Você vai entender o tipo de pessoa que eu sou. Eu sou uma pessoa muito

escrachada. No meu perfil, tem uma foto minha fantasiada de palhaça, tem um

monte de baboseira escrita. Então, assim, a minha bio abre precedente para que a

pessoa comece uma conversa com algo diferente de “oi, tudo bem”, “quantos anos

você tem” (porque isso tá escrito lá), ou “o que você faz ou gosta de fazer”. Acho

que tem assuntos mais interessantes. Em algum momento, vai chegar a hora de

perguntar isso, as amenidades. Mas eu acho que é um pouco entediante ficar

respondendo isso toda vez que você dá o match. Então, eu descombino quando eu

vejo que a conversa vai ser assim chata e monótona. Mas basicamente, de todos os

recursos que tem no Tinder, o que eu mais levo em conta é isso: se tem essas fotos

de ostentação, foto de “sou fodão pra caralho, hétero topzera”, eu já elimino. (…)

Tem um fator que eu acho interessante, que é um único critério que chama a minha

atenção positivamente: caras que falam que tem filhos já na descrição eu acho

interessante. Eu já gosto do cara pelo grau de honestidade.

Os dois exemplos de respostas mostram alguns fatores que se repetiram em outras

entrevistas: 1) a preocupação em identificar o outro, em um espaço onde as pistas sociais são

escassas e é preciso tomar, naquele momento, uma decisão sobre determinado perfil; 2) a

aparição de perfis com exageros, no que diz respeito à performance de si, e a repulsa por tais

perfis; 3) perfis que delimitam regras sobre os outros usuários (assunto que será tratado com

mais detalhes no tópico sobre as descrições); 4) o valor dado à honestidade e aos perfis que

realmente se mostram na plataforma, expondo algumas partes de si e realizando, em parte, o

processo de self-disclosure no ambiente online.

O valor dado à honestidade se baseia, de acordo com as informantes, naquilo que o

88

outro usuário possa utilizar a partir dos recursos do Tinder e estar efetivamente se mostrando

na plataforma. Isso se liga, em algumas respostas, à ideia de uma conformidade entre a forma

como o usuário se apresenta no aplicativo e a forma como ele irá se apresentar também em

outros contextos, principalmente no ambiente offline. Beatriz Polivanov (2014) ao abordar os

possíveis desencaixes entre o self online e offline mostra, a partir de sua pesquisa empírica e

do estudo de caso do Facebook, que a tendência é que, mesmo com a possibilidade de criar

novas narrativas para si, a maioria dos usuários de tal rede social se mantém fiéis àquilo que

também são fora daquele contexto. Nas palavras da autora:

Ao pensarmos a construção dos perfis nos sites de redes sociais poderíamos chegar a

afirmar que não há limitações na afiliação dos sujeitos a marcas ou produtos, por

exemplo, que estariam muito além de seu poder aquisitivo (uma vez que qualquer

um pode “curtir” / seguir uma página de determinada empresa no Facebook). No

entanto, sabendo que outras pessoas poderão ver no seu perfil fotos das roupas e

acessórios que o ator social usa, lugares que frequenta, bem como conhecê-lo

“pessoalmente” (off-line), dificilmente ele buscará sustentar algo que fugiria muito

da sua realidade, buscando manter a coerência expressiva entre o seu perfil e seu eu

off-line. (POLIVANOV, 2014, p. 10)

Polivanov (2014) identifica ainda alguns tipos de performances de si nos sites de redes

sociais, classificando as mesmas como: autênticas, ou seja, aquelas em que o próprio sujeito

entende como sendo uma representação verdadeira de si; os perfis de personagens, indicando

apresentações nas quais os usuários intencionalmente criam uma versão exagerada de si

mesmo, mas que ainda remetem tal construção ao seu próprio self; e os perfis falsos, ou seja,

versões nas quais “são utilizados nomes e fotos ou fictícios ou de outras pessoas, não

permitindo que seja(m) reconhecido o(s) administrador(es) do perfil” (POLIVANOV, 2014,

p. 8).

Nesta dissertação e nas entrevistas realizadas, percebe-se tal preocupação em

identificar o perfil autêntico, aquele que representa uma versão o mais fiel possível com o que

cada sujeito entende como sendo o verdadeiro self. Assim, valoriza-se tal construção de perfil

tanto por, através de tal identificação, ser possível encontrar um perfil que se considere

interessante e que as informantes se sintam seguras em iniciar o contato, como também para

ser possível já fazer uma triagem e evitar perfis que não corresponderiam com aquilo que cada

uma busca. Tais resultados podem ser encontrados nas respostas a seguir:

Lorena: Acho que um perfil ideal no Tinder é a pessoa que demonstra a sua vida

profissional de forma aberta e honesta. De verdade, né? Diga sua idade real também.

89

Poste fotos sem querer tirar onda, nem ficar se mostrando. Umas fotos normais,

decentes.. Não ficar escrevendo coisas que ele não é.

Marina: Cara, eu acho que um perfil ideal seria: a pessoa tem que condizer com as

fotos que ela coloca, né. Então, eu acho que ela colocar fotos – isso tem a ver com

os recursos que o programa coloca, né? Então se ele te dá o recurso de colocar fotos,

que você use as fotos condizendo com o seu perfil de pessoa. Eu acho que é mais ou

menos isso. Perfil ideal é meio complicado, né? Eu respondi, agora estou pensando

melhor: eu acho que não existe perfil ideal. Eu tento, no meu perfil, deixar claro

pelas fotos que tipo de pessoa eu sou. Eu acho que isso é o ideal pra mim. Então

quando eu converso com um cara eu imagino que o perfil dele é ideal pra mim,

porque eu acredito, pelo que ele tá dizendo lá, que as fotos dele condizem com o que

ele é fora dali. Isso pra mim se torna como um perfil ideal, assim.

Olívia: Em relação às fotos, que obviamente sejam fotos da pessoa, com boa

resolução, idealmente sem amigos ou sem óculos escuros, sorrindo. Bom ter um

perfil variado de cenários e situações também.

Pesquisadora: E um perfil não satisfatório?

Quando as fotos são muito pixeladas ou só tem foto em grupo ou mesmo só do cara

de óculos e você não consegue de fato vê-lo. Fora as fotos, quando a pessoa coloca

uma descrição muito clichê (o que soa especiamente artificial para homens, por

algum motivo) ou muito reacionária, machista, etc.

Apesar disso, conforme ilustrado em algumas respostas, alguns usuários não utilizam

os recursos da plataforma para realizar tal exposição. Esse fator foi também encontrado na

etapa de observação participante, na qual notou-se que há uma grande quantidade de perfis

com poucas informações, muitos sem utilizar o recurso da escrita e utilizando apenas duas ou

três fotos. As usuárias entrevistadas, por mais que desejassem ver o máximo possível de

informações sobre o outro, compreendiam tais perfis com pouca informação como uma

dificuldade que o correspondente poderia encontrar na hora de se autoapresentar, já que as

mesmas também compartilhavam de tal dificuldade. Além disso, muitas respostas mostravam

que as informantes possuíam a noção de que o Tinder é apenas uma primeira impressão que

irá se possuir do outro, fazendo com que, apenas a partir da conversa e do encontro, se

pudesse confrontar tal impressão com o que de fato a pessoa corresponde, validando ou não a

performance do outro.

Galindo (2014) trabalha com o conceito de autenticidade performada, ou seja, a

maneira como performatizamos uma apresentação de nós mesmos, principalmente nos sites

90

de redes sociais, e trabalhamos a noção de autêntico a partir do compartilhamento de

narrativas de si que se pareçam o mais naturais possíveis. Assim, criamos um personagem

para retratar nossa realidade a partir daquilo que acreditamos ser nosso verdadeiro self – ou,

ao menos, o self através do qual gostaríamos de nos ver retratados. Nas palavras de Galindo:

Ao pensar em tais estilizações do eu e no compartilhamento de imagens de si via

redes sociais, podemos facilmente cair na armadilha de classificar tais

comportamentos como “mentirosos” ou “falsos”, como criação de uma ficção que

não corresponderia à “realidade” vivida pelos sujeitos, e que, por isso, careceria de

valor. Não poderia ser, pensando segundo tais divisões, uma construção autêntica, já

que seria necessariamente “fictícia”. Os sujeitos contemporâneos se ocupariam de

exibir uma intimidade inventada, enquadrada de modo a atrair o olhar alheio.

(GALINDO, 2014, p. 78)

Apesar desse conflito, Galindo resolve tal questão ao compreender que a performance

trata-se da criação de um personagem “real”, construído a partir de uma audiência e dos

recursos e limitações de determinado contexto onde ocorre a interação social.

Em sua tese sobre o “show do eu”, Paula Sibilia (2016, p. 249) afirma que tais

fronteiras entre a ficcionalização e a realidade se veem mesmo borradas, já que há uma

tendência em perfomatizarmos no nosso cotidiano a partir das linguagens midiáticas. Assim, a

autora segue sua argumentação afirmando que hoje, a partir dos blogs e sites de redes sociais,

“qualquer um” – no sentido de ninguém extraordinário (p. 302) – pode ter acesso a

ferramentas de criação de si e construir narrativas que serão efetivamente vistas por uma

audiência considerável. Isso gera a espetacularização da banalidade da vida cotidiana, nas

palavras da autora, e uma preocupação em se mostrar em sua versão autêntica e, ao mesmo

tempo, bem editada.

Assim, de novo, vê-se a construção do self no Tinder nesse limite entre o ser autêntico

e o de realizar uma promoção de si mesmo em busca da atração do olhar alheio. Por isso, cabe

ressaltar que a performance, muito embora buscando gerenciar a impressão que o outro terá

de si, é também o próprio self em si, já que ela será o resultado da autoapresentação e da

narrativa de fato recebida e impressa no outro. Nas palavras de Goffman: “em nossa

sociedade, o personagem que alguém representa e o próprio indivíduo são, de certa forma,

equiparados, e este indivíduo-personagem é geralmente considerado como algo alojado no

corpo do possuidor” (2002, p. 231). Assim, o autor enxerga a personalidade encenada como

“uma espécie de imagem, geralmente digna de crédito” (idem) e, assim, durante a

91

apresentação de si, o interesse estará em saber se tal performance será ou não acreditada.

3.1.1 – As fotos, estereótipos e as selfies

As fotos, parte de tal apresentação de si, vão apresentar um papel importante na

resposta que se deseja obter no Tinder e na performance estabelecida no programa. Conforme

aponta algumas das repostas obtidas durante as entrevistas, a primeira foto de cada sujeito,

que é a primeira informação sobre o outro com a qual o usuário se depara na plataforma, já

interfere na decisão final que será tomada sobre aquele perfil. Se essa primeira foto já

apresenta alguma característica ou estereótipo com o qual o correspondente não se identifica,

o contato não segue adiante. Como aponta Goffman (2002) e já discutido anteriormente, no

momento da interação social os sujeitos se baseiam em “estereótipos não comprovados”

(GOFFMAN, 2002, p. 11) para obter uma sensação de segurança durante tal interação. Tais

estereótipos irão delinear as possíveis respostas que se deseja obter do outro e o que pode-se

ou não esperar do mesmo.

No Tinder, observa-se que a ausência de algumas pistas sociais, conforme Baym

(2010) aponta como um dos aspectos que trazem a segurança na hora da interação online, faz

com que os indivíduos se baseiem cada vez mais em estereótipos, conforme relatado nas

respostas abaixo.

Gabriela: Essas fotos em festas, bebendo em tal, me passam sim uma impressão

ruim. O que é uma hipocrisia da minha parte, porque eu também bebo, também vou

em festa e tal, saio com meus amigos. Mas, o Tinder é uma vitrine né? A pessoa não

te conhece direito e, enquanto ela não te conhecer e não conversar com você, ela não

vai te conhecer realmente. Então, naquele espaço ali, a gente tem consciência que é

um espaço limitado que você tem ali para passar uma primeira impressão. Não é pra

pessoa te conhecer a fundo, é uma primeira impressão. Tem um limite de caracteres,

não sei quanto é, o ideal é escrever pouco, tem um limite de fotos… Então não é ali

um grande álbum da sua vida. É uma imagem que você quer passar né? Já que o

Tinder é feito como uma vitrine pra uma primeira impressão, aquela que você quer

passar. Então se num espaço tão limitado, todo mundo bebe, todo mundo sai, mas se

num espaço limitado a imagem que você escolhe passar de primeira é uma imagem

que você tá na festa, bebendo e tal, me passa uma impressão de que a pessoa é meio

fanfarrona, que ela só quer “zoação”. E tudo bem, não tem problema. Mas como eu,

apesar de beber e ir a festa, eu sou uma pessoa mais sossegada, já olho pra esse

perfil e isso já vira uma coisa contra.

92

Olívia: Acho complicado [fotos sem camisa]... Eu não gosto muito dessa vibe

egotrip, mas é o Tinder, né? Como um amigo diz: é quase um açougue. (risos) É

natural que haja fotos neste sentido. Acho que prefiro algo mais sutil, uma foto de

longe, mas não de biquini ou sunga dizendo "olha como sou gostoso". Inclusive,

tenho muita preguiça dessa vibe Crossfit. Se tem, já acabo não querendo a pessoa

mesmo. É um pouco de preconceito, talvez . Mas é porque são raras as vezes que a

pessoa que faz Crossfit não é completamente obcecada com o físico. (Tô

respondendo me sentindo mal com algumas respostas, mas no Tinder a verdade é

que você parte de um monte de pré-julgamentos que fazem ou não sentido).

Marina: Não acho importante mostrar o corpo, pelo contrário. Se tiver muita foto

sem camisa, eu fico com preguiça. Penso: “ai, meu Deus, o cara vai ficar querendo

conversa comigo sobre academia”. E eu não sou o público-alvo desse cara. De novo,

eu tô julgando. O cara pode ser tranquilão com isso. Não é nem preocupado com o

corpo. Mas quando tem umas duas fotos, foto demais, eu não gosto e não dou like.

Mas olha como é total julgamento. Eu tava falando isso e lembrei de uma coisa.

Tinha um cara – primeira vez que conheci um cara no Tinder, final de 2014 – que

mora no meu bairro. A gente sempre se via no bairro, mas nunca tinha oportunidade

de nada. Normalmente, eu já vi ele namorando e eu também tava namorando, e

nunca teve oportunidade. Então, quando a gente se encontrou no Tinder, eu

comentei isso com ele. E eu só dei like porque eu já tinha visto ele no bairro várias

vezes. Mas ele tinha duas fotos que, se não fosse conhecido do bairro, eu não ia dar

like: uma no espelho da academia e outra ele carregando um peso – uma coisa que

eu não sei nem o nome, porque não sei nada de academia. E aí eu falei “não acredito

que ele tá com essas fotos, mas vou dar like”. E aí não foi nada a ver, ele é ótimo,

um querido. Ele malha, mas não é preocupado com o físico assim. Mas ele gosta de

malhar. Ponto. Mas é isso: ele é a prova viva que nem sempre o cara, porque tem

esse tipo de foto, é um cara que é muito preocupado com o corpo. Não sei se ele é a

exceção à regra. Mas mesmo assim, mesmo tendo saído com ele, eu não dou like pra

esse tipo de cara. Eu não consegui abrir minha mente totalmente. Mas eu tô ótima

assim, sem abrir minha mente. Continuo sem problema nenhum quanto a isso!

(risos)

Júlia: Uma vez conversando com um menino do Tinder mesmo, comentei sobre

isso, sobre os perfis que eu descartava [por aparentar ser uma pessoa com muito

dinheiro e um estilo de vida diferente do dela] e ele falou que isso era

preconceituoso e realmente talvez seja, às vezes a pessoa é rica e muito legal, mas eu

já tô descartando sem nem ao menos conhecê-la, por algo que ela pode não ter nem

“culpa”. (risos) Eu tenho essa noção, mas to sendo sincera.

93

Carla: A primeira triagem é física. Tem pessoas que, de cara, na primeira foto, você

já sabe que não quer ficar. Um menino de gel com luzes no cabelo espetado pra

cima. Não é meu perfil e eu já dou X de cara. Com essa nova opção de passar as

fotos sem abrir o perfil, eu até olho outras fotos. Então às vezes eu já dou X ou

coração só de olhar as fotos. Mas isso é de fase. Já uso há quatro anos e tem horas

que eu tô "ah, tá bom, vou dar coração só pros bonitos"...

As usuárias, portanto, possuem a consciência de estarem partindo de estereótipos não

comprovados para analisar os perfis de seus correspondentes, entendendo que tal estratégia é

uma das formas de estabelecerem ligações no programa – seja pela falta de outras pistas

sociais que poderiam ajudar na identificação do outro ou pelo processo comunicacional em si

mesmo, que parte, em certos momentos, de estereótipos. Entre as respostas, também encontra-

se outro aspecto importante no que diz respeito ao Tinder: a percepção de que ali é um espaço

de exposição regulada do próprio self. A partir de expressões como “vitrine” e “açougue”,

nota-se que as usuárias percebem que a apresentação de si no Tinder segue a perspectiva de

uma impressão, em parte, gerenciada pelo outro, e que tal apresentação busca a aprovação do

olhar alheio.

Além disso, tal configuração mostra também o quanto a “identidade é formada na

interação entre o eu e a sociedade” (HALL, 2006, p. 11), seja com o contexto social e cultural

ao seu redor, ou no momento mesmo da interação com outro indivíduo. Esse segundo aspecto

caracteriza o que foi apontado no primeiro capítulo como a alo-definição (MATUCK;

MEUCCI, 2005), caracterizada pela forma como é percebida tal apresentação de si pelos

outros e também a forma como os meios pelos quais se dá tal apresentação acaba restringindo

tal narrativa de si. Se pensarmos no Tinder, a alo-definição é formada pela percepção do

público sobre determinado perfil e pelas ferramentas que o próprio aplicativo dispõe para a

construção do self.

Dessa forma, conforme aparece em algumas das respostas abaixo, a impressão que o

outro tenta registrar nem sempre segue aquilo que foi planejado, já que a identidade se

configura no momento da interação. Novamente, o que surge nas respostas é a preocupação

com uma autenticidade e honestidade no que diz respeito ao self que se constrói no aplicativo.

As informantes mostram que exageros no que diz respeito à autoapresentação ali disposta

acabam passando uma impressão diferente da prevista e sendo rejeitados.

Carla: E pra mim as fotos dizem aquilo que você quer que os outros vejam. Então

se o cara põe lá cinco fotos na academia mostrando o tanquinho dele, ele tá me

94

dizendo que a vida dele é isso. Se tem um cara que todas as fotos ele tá segurando

uma garrafa de cerveja na mão, ele tá me dando uma informação de que ele é muito

festeiro. Então, tem umas fotos que você tá vendo que as pessoas tão querendo

passar uma imagem que não é, por exemplo, essas fotos de beijando golfinho,

beijando a vó... Tá bom, você tá vendo que ele quer dizer que é um bom rapaz.

Então, você vai escolher qual a primeira foto que quer botar. O cara que põe cinco

fotos de óculos escuros, sabe? O cara não tá se mostrando. Quem não bota foto do

rosto, eu nem considero. Uma paisagem? A gente tá ali por uma questão física

mesmo. Pra mim, isso é uma das últimas coisas. A beleza é uma questão muito

relativa pra mim. Agora, eu preciso olhar pra pessoa que estou indo conversar. Então

se não tiver um rosto para começar a materializar aquilo…

Marina: Eu acho meio apelativo quando o cara bota foto com a mãe, foto com

cachorro. Eu acho que ele tá apelando pra menina achar “olha só como ele é família,

olha como ele é pai de cachorro”. Isso me cansa um pouco. Acho que ele pode

colocar na descrição que ama o cachorro e ama a mãe. (risos) Ou não bota que ama a

mãe! Mas, às vezes, dizer que ama o cachorro, que tem um cachorro, seja importante

pra ele. Mas a foto em si eu acho meio apelativo. Eu não gosto de foto de corpo

todo, na academia, sem camisa e com o físico a mostra. Eu gosto quando o cara bota

fazendo coisa que ele gosta. Se ele escala, coloca foto escalando. Se gosta de trilha,

bota foto fazendo uma trilha. Se ele surfa, uma foto surfando. Coisa assim que não

vai mostrar necessariamente o corpo ou o rosto, mas mostra os costumes dele. O que

ele gosta de fazer, os hábitos.

Olívia: Nossa, acho muito caído [fotos com copo de bebida na mão]. Parece que a

pessoa quer pagar de descolada, beberrona, mas é só bem cafona mesmo. (risos)

Quero dizer, se for o cara com uma garrafa bebendo apenas. Se tiver um grupo numa

mesa e uns copos, acho ok. Tudo depende da vibe, né? Se a imagem que o cara quer

passar se escolhe dentre tantas uma foto bêbado, transtornado em festa, mas não é

bem o perfil que eu procuro.

Júlia: Sobre as fotos, homens costumam ter um padrão, sempre vai ter uma foto sem

camisa, o que é ok... Quando eu vejo que todas as fotos são assim já me incomoda…

Em especial por ver essa exposição e supor o quanto o cara valoriza e idolatra isso, o

que não é o meu caso. Homens que colocam muitas fotos em viagem também me

incomodam, me passa a ideia de que quer aparecer ou que de fato é uma pessoa

muito viajada, que já foge de um padrão que no momento eu posso acompanhar.

Gabriela: E fotos que eu goste de ver? Acho que tanto faz, fotos comuns, que eu

consiga ver a pessoa, que pareçam realistas, não super produzidas e editadas.

95

Lorena: Eu acho que se forem fotos [sem camisa], por exemplo, na praia, que você

realmente vai tá ali mostrando seu físico, eu acho tranquilo e nada ofensivo. Mas

uma foto que você vê que é proposital para tá ali mostrando o corpo, mostrando o

físico, eu já acho um pouco desnecessário sabe? Não acho válido isso porque tem

gente que abusa muito de foto assim. Eu acho meio desrespeito sabe? Não sei dizer

exatamente por quê....

As respostas mostram ainda que há a noção, entre as entrevistadas, de que há uma

tentativa entre os correspondentes de imprimir uma determinada impressão sobre si mesmo

nas mesmas. Quando identificam tal tentativa, as informantes desconfiam de tal perfil, no que

diz respeito à autenticidade, e acabam caindo, novamente, em “estereótipos não

comprovados” (GOFFMAN, 2002) para estabelecer a ponte entre a apresentação recebida e a

impressão de fato gerada em tais usuárias. Assim, o que as informantes buscam nos perfis é

uma imagem não exagerada de si mesmo, que represente o cotidiano do outro usuário e que

não caia em repetições de narrativas identitárias já formatadas. Esses aspectos exibem alguns

dos conflitos existentes no cenário de como é dado o processo de subjetivação na pós-

modernidade e em uma cultura do consumo, temas expostos no primeiro capítulo desta

dissertação. Apesar de maior liberdade na hora da construção do self e uma possibilidade em

recriar a própria narrativa de si, por vezes os indivíduos caem em estilos de vida e estratégias

identitárias já pré-formatadas e vendidas pelo mercado.

Assim, ligado a isso, outro fator que aparece nas respostas diz respeito a um padrão de

performance percebida entre o público masculino. Tal fato também foi relatado e percebido

na etapa de observação participante desta dissertação, durante a qual observei que muitos

perfis se ligavam a estereótipos masculinos, o que pode ser explicado pelo fato de, ao criar o

próprio perfil, os usuários também possam buscar em estereótipos e performances já

estabelecidas (e consideradas satisfatórias) uma forma de se apresentar no programa.

Conforme exposto no capítulo dois, no trabalho de Ranzini et al. (2016), alguns usuários

buscam estratégias para medir o gerenciamento da impressão na plataforma e uma delas é a

reconfiguração do próprio perfil a partir daquilo que observou em outros perfis ao navegar no

programa. Assim, essa repetição de narrativas pode estar também ligada a tal estratégia,

configurando um efeito de padrões esperados e vistos como eficientes no Tinder.

Além disso, também observei nesta etapa que poucos perfis masculinos, de certa

forma, buscavam quebrar tais estereótipos (como fotos ou textos que falavam sobre cozinhar,

fotos com crianças ou fotos com animais de estimação, que passam uma ideia de maior

96

suavidade, características normalmente relacionadas às mulheres, se pensarmos nos dualismos

ao qual Bourdieu (2002) faz menção). Apesar disso, tais perfis que buscam quebrar tais

estereótipos parecem deixar transparecer mais a tentativa de gerenciar a impressão do outro,

quebrando de certa maneira com a ideia de autenticidade e caindo, de novo, na questão do

exagero, conforme também apareceu nas respostas das entrevistadas anteriormente.

Dentro da performance de si a partir das fotos, cabe ressaltar, por fim, a aparição de

selfies. Um dos dados da observação participante foi um número considerável dessa opção de

foto como escolha para a construção do perfil no aplicativo. A maioria das entrevistadas, ao

serem questionadas o que pensavam sobre a utilização de selfies, apontaram que tal escolha é

uma opção comum de foto, não correspondendo a nada especial ou extraordinário, apontando

a popularidade que tal ferramenta já possui em nosso cotidiano. Algumas respostas mostram

ainda que a opção da selfie pode ser uma boa escolha para representar a si mesmo, já que

permitiria a exibição de forma mais nítida do próprio rosto. De acordo com algumas

informantes:

Júlia: Gosto de selfie, simples, sem muita careta ou efeito. Acho que mostra o mais

próximo da realidade como a pessoa realmente é, fisicamente lógico.

Paula: Existe tipos de selfies. Eu acho que é importante porque mostra como é a

pessoa, o rosto dela. Só que, assim, uma coisa é você tirar uma selfie no espelho

fazendo biquinho, outra é você tirar na praia, num lugar legal… Eu acho que é

importante pra mostrar quem você é, seu rosto, mas existem tipos de selfies que eu

não acharia legal. Mas aí é gosto pessoal.

Lorena: Eu acho que sim, são ótimas fotos pro Tinder, fotos padrões, que muita

gente tira.. Acho válido sim. Eu acho também bom porque nas selfies, geralmente,

você consegue ver melhor o rosto da pessoa, porque uma foto distante ou em grupo

de amigos, você não consegue ver se aquela pessoa faz seu estilo, se ela é realmente

bonita de acordo com teu gosto. E eu acho que a selfie é melhor pra ver essas coisas

e esses detalhes.

Por outro lado, uma das informantes mostrou um lado oposto da selfie, ao afirmar que

a mesma possibilitaria uma maior edição da impressão que se deseja passar. Nas palavras de

Marina: “Selfie não diz nada né? Tem selfie aqui no meu celular maravilhosa que eu pareço a

Gisele Bündchen se eu tirar né? Então, eu acho que foto ideal é a real. Não precisa ser uma

foto posada, mas alguém tirando a foto pra você fica mais real do que a selfie”. Isso mostra o

quanto a selfie, de acordo com Galindo (2014), se encontra em uma posição ambígua. Nas

97

palavras da autora:

Especialmente no caso do autorretrato, é preciso considerar os sentidos dados a essa

produção na contemporaneidade. É numa posição ambígua, entre encenação e

documentação, que o autorretrato se localiza. Como prática contemporânea, se

adequa de forma eficaz à lógica da performance, à qual já não se aplicam oposições

como real/ficcional e verdadeiro/falso. A performance se configuraria como uma

terceira possibilidade, que existe enquanto espetáculo, independente de tais

oposições. Ao analisar tais imagens, é importante se esquivar da postura de delatar

uma verdade ou uma ficção presente na imagem fotográfica. Tais divisões parecem

não atender satisfatoriamente à forma como o fenômeno se expressa. (GALINDO,

2014, p. 79)

Assim, a selfie, enquanto um autorretrato, pode representar esse tensionamento entre a

exposição da realidade e a ficcionalização da mesma, a partir do momento em que é um

retrato composto por um cenário e dirigido pelo próprio personagem. De toda forma, a

aparição recorrente da selfie também está ligada à popularização da mesma, a partir do

momento em que os dispositivos móveis contam cada vez mais com o recurso da câmera

frontal e da opção desse tipo de foto.

3.1.2 – Descrição do perfil

Além das fotos, outro dado importante disponibilizado pelo usuário para compor sua

autoapresentação no Tinder é o texto de descrição do perfil. Tal descrição pode conter até 500

caracteres de texto e é escrita pelo próprio usuário, que possui ainda a opção de deixá-la em

branco. A maioria das entrevistadas apontou que ter algo escrito na descrição, principalmente

algo que mostrasse os hábitos e gostos de cada um, poderia ajudar na identificação daquele

usuário – não só no sentido de identificar tais hábitos e gostos descritos, mas também por

mostrar um pouco da personalidade daquele usuário a partir da forma como cada um escreve.

De acordo com as próprias entrevistadas:

Marina: Eu acho importante que a pessoa fale um pouquinho do que ela gosta, dos

hábitos dela, até porque pra ter assunto, né? Se não você vai perguntar e aí, tudo

bem? Acabou e não tem o que falar. Acho que quando a pessoa fala o que ela gosta

vai te dar chance de falar alguma coisa e dali vão ter outros assuntos, né? Mas se ela

já fala algumas coisas que gosta de fazer já facilita.

98

Paula: Eu achava que as descrições me mostravam mais da pessoa. Não só se ela

compartilhasse gostos na descrição, mas inclusive a forma de escrever já me

mostrava como ela era. Então, o humor que a pessoa usava ou não.

Gabriela: Eu acho legal que fale alguma coisa sobre ele, sobre o que ele gosta. Não

precisa ser uma coisa muito didática, tipo “eu gosto disso, disso e disso, e não gosto

disso”. Não precisa. Porque isso a gente descobre conversando também. Mas eu

acho interessante quando a pessoa põe uma descrição mínima ali, falando dela.

Esses dias eu tava conversando com um cara que escreveu um parágrafo curtinho,

“gosto muito de natureza, programas ao ar livre. Nem me chame pra balada, me

chame pra ver o por-do-sol”. Era uma coisa bem curtinha, mas já dava pra ver o que

ele gostava.

Lorena: Acho importante sim [falar sobre o que gosta], porque a partir dessas

informações que ele te fala e conta sobre si mesmo você vai ver se se identifica com

ele, se gosta das mesmas coisas que ele, que ele faz... Em relação a gostar das

mesmas coisas. Eu acho também válido ele falar isso porque pode ser que ele goste

de alguma coisa ou faça alguma coisa que você não tolera ou não gosta. Como, por

exemplo, a pessoa fuma e você não gosta de um cara que fume, então eu acho válido

ele falar os hábitos e o que faz…

Olívia: Eu gosto que haja essa descrição porque você acaba eliminando um monte

de gente meio tosca, mas eu, por exemplo, não coloco nada. Antes, eu tinha um

trecho de uma música, mas hoje acho que não tem nada mesmo. Mas até acho que

ter ajuda no início do papo.

Assim, podemos apontar nesse sentido a assimetria proposta por Goffman (2002, p.

12) no processo de comunicação, no qual o público não só recebe a informação efetivamente

transmitida pelo ator, mas também aquela emitida, no sentido de toda a expressão também

passada no processo de comunicação, intencionalmente ou não, e além da transmissão verbal.

Para muitas, o texto de descrição do perfil podia representar uma prévia de como seria a

conversa com o correspondente, trazendo informação além daquela escrita e permitindo que

as mesmas pudessem ter uma visualização do que esperar do outro.

Além disso, a partir do que a pessoa escreve no seu perfil, as usuárias também

99

aproveitam tais informações para iniciar o contato e ajudar na hora da conversa, propiciando

um artifício a mais para as mesmas poderem estabelecer conexões. As respostas das

informantes apontam ainda que, mais importante do que a quantidade de informação ou o tipo

da mesma, a maneira e o jeito como cada usuário escreve em seu perfil representa um fator

muito mais decisivo na hora da escolha. Conforme a resposta das usuárias abaixo, o

importante era que elas pudessem se identificar com a forma pela qual cada usuário transmite

ao outro o que é e o que busca no programa.

Carla: É muito difícil essa coisa do texto, porque você pode estar falando a mesma

coisa de formas diferentes. Então, eu já vi caras falando o que fazem do dia a dia e

que era um texto super interessante e outros falando a mesma coisa, mas não era

bacana... Então é mais a maneira que escreve mesmo. Eu sou uma pessoa bem

humorada, então eu gosto quando tem algum humor no perfil. Até mesmo na

primeira conversa, quando os caras vem com uma frase que não é um "oi, tudo

bem?". Muitos fazem um comentário de alguma foto. Eu tenho uma foto que sou eu

com guarda chuva e muitos falam dela. Mas eu acho divertido, sai do "oi tudo bem".

Apesar de que quando sou eu puxando conversa eu falo "oi tudo bem". Ridícula, né?

Porque eu também não sou criativa. Essa foto era minha foto de perfil, nem é mais.

Eu tenho sempre as mesmas fotos, não sou muito de mudar meu perfil não... Só uma

foto nova que gostei e publico. Todas as fotos são minhas, sozinhas, sem óculos

escuros... Eu tento não fazer propaganda enganosa. Porque ali você tá se vendendo,

se expondo ali com o objetivo que alguém se interesse por você. Você quer que todo

mundo te dê coração. Agora, você quer atrair quem? Minha descrição é uma música

do Caetano, então os caras que identificam a música me interessam mais. Se gostam

do Caetano, é um ponto a favor pra mim. Como eu faço a triagem em quem me

interessa, eles também estão fazendo. Então quem me dá like é alguém que se

conectou com o que eu postei, que se identifica comigo. Não tenho foto na

academina. (risos) Às vezes, até aparece um da academia me dando super like. Olha

pra mim, olha pra você! (risos)

Thaysa: Na verdade, assim, o que me incomoda um pouco é a pessoa que coloca lá

a altura, só e mais nada. “1,82m”. Você acha que essa é a informação mais relevante

sobre você? Que merda. Aí eu dou não. Mas não é por causa da pouca quantidade de

informação, mas por causa da pouca quantidade de informação mal selecionada,

entendeu? Por exemplo, tem um menino que eu saio que ele tem um descritivo super

curtinho, mas que eu achei interessante. Era tipo “piracicabano, ex-míope” e não

lembro a outra coisa, mas era uma frase assim curtinha, bem resumido do que ele é.

Duas linhas, então é pouco conteúdo, mas era legal, ok, serviu…

100

Júlia: Tem perfil que é bem claro de várias formas, o que acho bom porque a pessoa

vai atrair exatamente o que ela quer. De uma forma geral, gosto de perfil simpático,

quando tem uma brincadeirinha, perfil leve, quando a pessoa resume o que ela é e

não o que ela faz. Tem perfil que é assim: publicitário, 26 anos, barra. Ou então só o

Instagram. Tipo, prefiro quando o cara coloca algumas coisas que ele curte fazer e

um traço ou outro da personalidade. Esse exemplo é perfeito: “nível superior em

direito” e eu to tipo: foda-se! Se é a primeira coisa que ele tem pra falar..

Conforme exposto, há também um processo de ruptura na impressão que o outro

usuário tenta transmitir, ressaltando a assimetria do processo de comunicação e mostrando

que as informações dispostas no perfil de cada usuário irão emitir mais impressões do que se

pode gerenciar. As rupturas também ocorrem no momento da conversa. As usuárias relatam

que também buscam a autenticidade no momento do diálogo, já que a maioria dos usuários

usam as mesmas abordagens e começam o contato com a frase “oi, tudo bem?”. Quando um

usuário inicia a conversa com uma abordagem distinta, ele se destaca entre os outros e passa a

corresponder a um contato em potencial, conforme ilustrado nas respostas:

Carla: Tem um timing de fazer a coisa fluir. Porque se não pega no tranco no início,

fica aquele oi uma vez por semana. Eu acho que às vezes tem até algo do destino, de

calhar de ser na hora certa, na hora que a pessoa pode mais falar. Daí depois de um

tempo de conversa, já rola o "me adiciona no Whatsapp".

Paula: Porque normalmente a pessoa vinha “oi, tudo bem? Tudo bem” e aí teve uma

vez que, antes de me mandar oi, o cara me falou “escolhe um número de um a

cinco”, aí eu escolhi um número e o cara falou “tá, nosso primeiro encontro vai ser

não sei aonde”. Sabe? É interessante, é um jeito de quebrar o gelo, uma abordagem

diferente, mas obviamente eu não achei que ele tinha bolado aquela piada só pra

falar comigo. Eu achei que tinha sido uma coisa que ele falava pra todo mundo. Às

vezes, brincavam com meu nome, me chamavam de Lara Croft… Eu acho essas

coisas interessantes, porque mostram que não é sempre aquilo “oi, tudo bem, o que

você faz...”. Eu acho que é uma pessoa que, por exemplo, se você dava dois ou três

matchs em outras pessoas naquela semana, aquela pessoa era uma que se destacava

porque não tinha sido uma conversa genérica.

Júlia: Às vezes a pessoa tem um perfil muito legal, mas a conversa não flui muito e

101

não rola nada... Meio decepcionante porque é criada uma expectativa quando você

vê um perfil que te atrai muito.

Thaysa: Eu dou match com vários, converso com alguns e continuo a conversa com

poucos. Taí nesse meio esse critério de decepção que você citou. Acho que o mais

comum de todos é o cara ter o perfil super interessante, ou coisas escritas do tipo “dá

coração, puxa a conversa, que você vai descobrir”. Aí você dá coração, puxa a

conversa e o cara não te responde. Nunca fala com você. Então, filho, se você quer

bancar o simpaticão, seja simpaticão. Ser simpaticão só com que tipo de pessoa você

quer ser, já é uma decepção. Eu não sou padrãozinho, não sou loira, gata, alta,

magra, entendeu? Então, assim, eu já sei que não é todo mundo que dá match

comigo. Pra que você vai dar match se não vai falar? Então essa é uma coisa que

acontece muito. Eu sou louca, já puxo assunto falando alguma merda, mando algum

gif dando hello, Bob Esponja, esse tipo. Eu sempre puxo conversa e a grande

maioria não responde. Essa é uma decepção. Outras decepções têm muito que é o

cara que tem um perfil interessante, mas na hora da conversa é RH. Pergunta o que

faz, qual sua música favorita. É um pouco decepcionante, mas é isso… Tem bastante

do cara ter o perfil interessante, mas não conseguir continuar uma conversa. Durante

um tempo, eu tinha no bloco de notas do meu celular um FAQ Tinder, porque todo

mundo perguntava as mesmas coisas. Por exemplo, quando eu falava que morava no

interior de São Paulo, todo mundo perguntava porque uma carioca foi morar em SP.

Eu já tinha a resposta pronta e dava ctrl c + ctrl v. Isso era um pouco decepcionante,

porque você não pode fazer essa pergunta de uma forma mais interessante? Daí eu

fui mais criteriosa com meus matches e não precisei mais usar o FAQ do Tinder.

Hoje, a cada dez matches que eu dou, cinco viram algum tipo de conversa e dois

passam de dois dias de conversa. E uma a cada dois ou três meses… Quando a lua

está cheia e Marte está em Vênus… (risos) Aí rola uma conversa no Whatsapp e,

dependendo disso, um encontro.

Apesar de tais decepções no momento da conversa, apenas uma das informantes

relatou ter se decepcionado também com todos os encontros que teve. A maioria diz ter tido

bons encontros e manter boas relações com os homens que conheceu no Tinder. Esse fator

pode ser explicado por dois elementos: o primeiro diz respeito à ideia de atitude blasé,

conforme proposta por Simmel (1973). Em um contexto no qual o indivíduo se depara com

um número grande de informações, é preciso estratégias para lidar com tal volume. No

Tinder, por mais que um perfil não corresponda com sua autoapresentação e sua narrativa não

se mantenha na hora da interação, é possível voltar à etapa inicial do aplicativo e buscar novos

102

contatos, selecionando novamente perfis interessantes e ter, potencialmente inúmeras

possibilidades. Assim, o segundo fator ligado a isso diz respeito ao próprio processo de

seleção, que vai se aperfeiçoando e atingindo novos graus de funcionamento, apontando o

flow explicado anteriormente. De acordo com as entrevistadas:

Gabriela: Eu acho que o fato dos encontros terem sido legais tem muito a ver com

já ter conversado bastante antes de encontrar e já ter selecionado com um pouco de

“rigor”. Não dá pra ter muito rigor num aplicativo desses né? Mas ter selecionado

bem pessoas que achasse que tinham a ver comigo e tal. E acabei acertando,

realmente tinham. É claro que isso não impede de ter um encontro ruim, de ser um

cara babaca, mal educado, alguma coisa assim. Mas dei sorte também. Foram

encontros bem legais. Tem uma parte de influência sim de ter sido criteriosa na

seleção e buscar pessoas que pareciam combinar comigo.

Thaysa: Experiência ruim… Pior que não! Porque eu sou muito chata no meu filtro.

Se o cara vem e pergunta “oi tudo bem, o que você faz?”, eu já tô de saco cheio, já

dou descombinar. Porque, mano, isso daqui não é entrevista de emprego. Seja

interessante. Se é isso o seu padrão de ser interessante, cara, você não serve pra

mim. É aquilo que já te falei, a minha foto do Tinder sou eu vestida de palhaça, a

minha descrição tem falando que eu sou “botequeira (volte pra ler isso de novo, não

foi isso que você leu)”. Então, um cara que vem com esse papo feijão com arroz,

não! Então, eu descombino sem dó. Acaba que eu fico com muito pouco… A minha

conversão é muito baixa, porque dou match com vários, começo a conversar com

alguns, continuo a conversa com muito poucos… Não é nem que o tempo é longo.

Já rolou uma conversa interessante suficiente pra não me decepcionar com a pessoa.

Já aconteceu de eu encontrar a pessoa, sair e a pessoa ser maior legal, mas não ter

aquela química de ficar. Mas eu não acho que me decepcionou. Às vezes, o beijo

não bate, fazer o quê? Decepção é gente babaca e felizmente meus filtros com o

Tinder funcionam. Não me arrependo de nenhum dos caras que eu conheci. Tenho

uma ótima relação com todos eles.

Essa perspectiva se encaixa na noção de reflexividade conforme tratada por Giddens

(2002) e exposta no primeiro capítulo. De acordo com essa visão, o autor afirma que, na alta

modernidade, há o uso constante do conhecimento e da reflexão sob as circunstâncias da vida

social, havendo inclusive um projeto reflexivo da própria identidade. Isso gera o que Giddens

chama de sociedade de risco, ou seja, a posição calculista diante das ações. No caso das

entrevistadas, usa-se o conhecimento já adquirido sobre a experiência no programa para se

evitar riscos e obter o controle na busca amorosa.

Por fim, cabe ressaltar outro aspecto recorrente na hora das entrevistas e também na

103

observação participante: perfis nos quais, no texto de descrição, o usuário lista uma série de

restrições que o outro deve possuir para corresponder com o mesmo no aplicativo. Algumas

respostas mostram as impressões que tal tipo de perfil gera:

Thaysa: Me dá a impressão de que é uma oferta pública de ações. Que a pessoa tá

ali fazendo uma proposta de trabalho. Me parece mais uma prospecção do que um

interesse em conhecer outro alguém, sabe? É isso.

Paula: Que é uma pessoa que já sabia o que queria, então não era uma pessoa que

tava aberta a conhecer novas possibilidades no Tinder. Segundo que eu acredito que

as pessoas não se encaixam em… “ah, se você tem cabelo curto, eu não quero te

conhecer porque você é uma pessoa horrível”. Eu acho que alguém que pensa assim

é uma pessoa com mente fechada. É alguém que eu não quero conhecer. Eu

costumava gostar muito mais quando a pessoa falava sobre ela do que aquilo que ela

tava procurando ou não. Isso a gente descobre depois. Dá, inclusive, pra você dar

match, conversar, ver que não tem nada em comum e depois parar de conversar. Era

muito mais interessante quando o cara contava um pouco dele, o que ele curtia, do

que aquilo que ele queria ou não queria.

Gabriela: O que me transmite é uma certa arrogância. Geralmente é assim “se você

não gosta de tal coisa, nem dá like”, “se você vai dar like, é pra puxar assunto”, “se

você for de esquerda, não dá like”. Eu acho que me passa uma arrogância porque

você não quer nem conhecer outra pessoa, você já faz imposições pra ela e me dá

um certo desânimo. Então, geralmente, eu não dou like nesses perfis. Eu leio essas

coisas e já falo “ah não, você não”.

Olívia: Acho muito babaca quando um cara coloca coisas restritivas ou impositivas,

tipo "tem que gostar", "tem que saber" ou "não pago a conta, divido" (o que é a

minha política, mas não acho que precisa estar ali, sabe? soa grosseiro).

Júlia: Cara eu acho que a pessoa “realmente” acha que vai encontrar essa pessoa

perfeita, sabe? E não vai né? Acho que nessas horas não adianta você ficar listando o

que quer e o que não quer, tem que ir mais pelas coisas em comum, até porque

defeito todo mundo tem… Não tem pessoa nem relacionamento perfeito. Mas, no

geral, eu acho que são pessoas chatas, que eu não gostaria de me relacionar.

104

Marina: Essa coisa de ser muito taxativo, de dizer logo ao que veio, pode ser que

tenha alguma solução. Porque também tem tantos perfis assim e pode ser que quem

escreve tenha um retorno. Eu não gosto. Eu quando vejo um cara que seja muito

isso, por mais que as fotos me agradem, essa coisa me incomoda um pouco. Essa

visão é minha mesmo. Por isso que eu digo, é uma coisa além de ser usuária, mas

como pessoa. Tende a ser uma pessoa muito taxativa. Também tô julgando o ser

humano. Mas eu prefiro não correr o risco.

Lorena: É um pouco complicado porque assim eu, pelo menos, me sinto um pouco

incapacitada de alcançar o que aquele cara tá querendo. Porra, eu não sou tão boa

quanto a pessoa que esse cara tá querendo, porque ele tá dizendo o que prefere. Eu

me sinto um pouco mal às vezes, mas nada fora do comum. Qualquer pessoa,

qualquer mulher, que lesse uma coisa que restringe ela daquele biotipo ali que ele

quer fica um pouco mal com isso.

As repostas mostram duas nuances que tal construção de perfil gera: 1) por um lado,

as usuárias acreditam que o correspondente seria uma pessoa “chata”, com a qual não

gostariam de se relacionar, já que a mesma já impõe regras de antemão; 2) ao mesmo tempo,

tais usuárias se sentem mal ao ler tal descrição de perfil, por se verem restritas a estereótipos,

em um anúncio que se aproxima a um anúncio de compra ou procura de algum serviço.

Sobre a primeira percepção, nota-se que, por mais que se tenha a noção de que há uma

reflexividade na hora da escolha (praticada também pelas próprias usuárias) e o uso de filtros

próprios para a escolha no Tinder, a aplicação dos mesmos não precisa ser exposta de forma

tão direta. As usuárias entrevistadas buscam uma sutileza na aplicação de tais filtros, em uma

tentativa de não soar agressivo e taxativo, recriando mecanismos de interação social. De novo,

quando nota-se um exagero na construção de perfil, a performance do outro usuário se rompe

e a impressão transmitida se transforma em algo negativo.

Na segunda visão exposta pelas informantes, tal descrição de perfil transmite um

sentimento negativo por estarem associadas a uma possível mercantilização dos próprios

usuários e das próprias relações sociais que possam surgir daquele contato. Conforme

apontado no item 1.2 desta dissertação, as “forças tentaculares” (LIPOVETSKY, 2007) do

consumo se espalham para as mais diversas esferas da vida, influenciando cultural e

socialmente as relações pessoais. Isso faz com que lógicas próprias do consumo se insiram em

105

contextos diversos, entre eles a busca por novos parceiros amorosos. Assim, ao se definir ou

ao definir aquele que se busca, marcadores próprios do consumo acabam surgindo nessa

ocasião, aproximando dinâmicas e recriando contextos.

Neste caso específico citado, vê-se, novamente e de forma mais explícita, a busca por

relações puras, ou seja, aquelas que se encaixam no próprio estilo de vida de cada usuário do

programa. Por se verem livres para escolher seu parceiro amoroso, usuários que fazem uso de

tal tipo de descrição de perfil acabam mostrando de forma direta o que esperam e o que

pretendem na busca pelo aplicativo. Conforme citado por Campbell (2006), o consumo gera

um aspecto individualista nas ações, com “ênfase colocada no direito dos indivíduos de

decidirem, por si mesmos” (p. 49) aquilo que irão consumir.

Além disso e para finalizar a discussão, podemos citar novamente o dinamismo das

relações e da vida social a partir da modernidade. De acordo com o que foi discutido

anteriormente, os indivíduos passam a possuir uma atitude mais calculista frente aos inúmeros

estímulos informacionais que recebem todos os dias. O Tinder possui uma grande carga de

possíveis correspondentes, fazendo com que, por mais que haja decepções e desencontros,

seus usuários possam continuar navegando pelo programa e estabelecendo sempre novas

conexões. Isso pode gerar uma sensação de que, em algum momento, tal busca possa se

efetivar exatamente de acordo com aquilo que foi esperado, o que pode explicar o surgimento

dos perfis do tipo citado.

3.2 – Contexto de polimídia e o gerenciamento da impressão em diferentes ambientes

Para finalizar este terceiro capítulo, serão discutidos os conceitos de polimídia,

audiência imaginada e colapso de contexto, ligados às performances no Tinder. Daniel Miller

e Mirca Madianou (2012) lançaram a ideia de polimídia como um ambiente de

“oportunidades comunicacionais que funciona como uma estrutura integrada” (p. 170), no

qual cada mídia passa a ser definida a partir de termos relacionais com outras mídias no

contexto geral. Assim, cada indivíduo buscaria oportunidades comunicacionais distintas a

partir da possibilidade de acesso a diferentes tipos midiáticos que possui à disposição. O que

os autores ressaltam é que a escolha entre diferentes mídias recaí não só em suas

especificidades técnicas, mas também em seu contexto social e emocional. Assim, escolher

106

utilizar o Whatsapp em detrimento do Messenger29

, por exemplo, pode indicar não só uma

preferência pelas especifidades técnicas do primeiro, mas deve ser analisado em um contexto

maior e social, envolvendo os significados simbólicos do mesmo para diferentes grupos

sociais.

Isso explica, em parte, a escolha em vincular a conta do Spotify ou a conta do

Instagram ao aplicativo Tinder, por exemplo. Em artigo realizado anteriormente e comentado

no segundo capítulo desta dissertação, abordei o quanto a vinculação do Spotify ao Tinder

influencia a construção identitária na plataforma (COSTANTINO, 2017). Os usuários

entrevistados complementavam a experiência no aplicativo de relacionamento através da

vinculação de outro aplicativo que fornece novas possibilidades e ferramentas, consideradas

pelos mesmos importantes para a sua construção identitária – todos os usuários entrevistados

argumentaram o quanto acreditavam que a música expressa parte daquilo que se deseja

imprimir no outro e que se pretende construir a partir do próprio perfil no programa.

Dessa maneira, Miller e Madianou (2012) atentam para o fato dos usuários de

tecnologias digitais fazerem uso de diferentes mídias com o intuito de combiná-las para

atingir seus objetivos. Portanto, o que um e-mail não pode fazer pode ser complementado por

uma conversa em vídeo através do programa Skype, plataforma que possibilita a realização de

videochamadas. De novo, os autores apontam para o quanto as mídias digitais vão sendo

definidas a partir de suas diferenças para com outras mídias, traçando um contexto de

oportunidades midiáticas e de usos e significados que cada mídia terá em um contexto social e

cultural compartilhado.

Porém, para além disso, também podemos afirmar que a própria vinculação do Spotify

ou do Instagram ao Tinder já representa, de certa forma, uma mensagem por si só. Essa

mensagem pode ser interpretada de diversas maneiras, como, por exemplo, representar um

perfil verdadeiro, pois está vinculado a um outro programa, gerando maior credibilidade e

veracidade; ou ainda pode representar uma pessoa atenta e que percebe as diversas

funcionalidades disponibilizadas pelo programa.

29 Ambos são aplicativos para dispositivos móveis para a conversação e interação social, através do

compartilhamento de mensagens de texto ou áudio, além de conteúdos audiovisuais.

107

No que tange à credibilidade, o contexto de polimídia ajuda também a criar tal

sensação, ao possibilitar a confirmação de determinado perfil nas diversas redes digitais.

Assim, um usuário pode buscar outro que conheceu no Tinder em diferentes ambientes online,

confirmando fatos que viu na primeira plataforma e sentindo-se mais seguro em relação à

identidade apresentada, confiando assim na possibilidade de iniciar um contato com aquele

usuário. Assim, a vinculação de outras contas ao Tinder é uma parte importante para a

disponibilidade de pistas sociais na hora da construção identitária em ambientes digitais. Sem

a presença física, o vínculo e publicação de informações de outro gênero ajudam a criar uma

sensação de credibilidade e confiança de que aquele perfil corresponde verdadeiramente

àquela pessoa. O próprio fato do aplicativo estar conectado à conta no Facebook é uma

estratégia por parte da empresa desenvolvedora de evitar perfis falsos na plataforma. Assim,

conectar a conta de um outro aplicativo ou oferecer cada vez mais informações ao perfil

facilita o início de uma interação.

Portanto, cabe ressaltar que é esperado que haja diferentes comportamentos em

diferentes espaços digitais de interação. Há estratégias de autoapresentação e de interação

diferentes a depender da audiência imaginada (LITT; HARGITTAI, 2016), ou seja, do

público com que se imagina estar correspondendo através daquela plataforma. Esse público

corresponde a “uma audiência heterogênea composta por elementos com diferentes vivências

e perspetivas do que poderá ser socialmente correto ou expetável” (SEPÚLVEDA, 2016, p.

12-13). Esse aspecto apareceu em algumas respostas durante as entrevistas:

Marina: Quando eu gosto da pessoa e a conversa tá ok, eu procuro sim. Não sei se

todo mundo deveria fazer, mas é uma boa estratégia. Porque aí você vê além do que

Figura 6: Tela de edição de perfil no Tinder

e opções para vincular contas do Instagram

e Spotify. Captura de tela do aplicativo.

108

tá ali no aplicativo. E sim, já tive surpresa. Tem gente que já coloca no perfil [do

Tinder] “Bolsonaro 2018”, mas tem a pessoa que não coloca. Daí a pessoa acaba

colocando no Facebook essa visão política. Pra mim, facilita, porque aí já parei de

conversar por conta disso.

Paula: Já tive informações políticas que a pessoa não compartilhou no Tinder, a

gente não conversou sobre, mas eu acabei descobrindo no Facebook. Era tipo nada a

ver comigo, “bolsominion”. E aí eu já deixei a conversa morrer e tal.

Gabriela: Eu nunca tive nenhuma surpresa desagradável de olhar a rede social de

alguém com quem eu já estivesse conversando. Uma amiga minha, muito próxima,

já teve. Ela conversava com um cara, já estava super próxima dele, conversava há

vários dias, e daí foi olhar o Facebook dele – porque eles tinham um amigo em

comum – e descobriu que ele tava namorando. Aí ela confrontou ele e ele “ah, mas

eu vou terminar...” e aí ela bloqueou ele. O curioso é que um tempo depois ela

excluiu o Tinder, voltou uns meses depois, deu match nesse cara de novo e ela tava

bloqueada no Facebook dele. Aí ela veio me pedir “olha o Facebook desse cara aí

pra mim”, porque eu não tava bloqueada né? Porque ele não me conhece… E aí eu

fui olhar e ele ainda tava namorando. Então, filho da puta, né?

Thaysa: Eu procuro depois do match, se a gente já tiver conversando, antes não.

Porque eu acho que é meio que roubar no jogo e já saber a carta que a pessoa tem na

mão. Eu prefiro conhecer a pessoa com aquilo que ela tá me apresentando. Inclusive

fico puta quando alguém vem me adicionar no Facebook. Deu match, me deu bom

dia e já vai me caçando no Instagram e Facebook. Eu não aceito no Facebook. Só

aceito depois de já ter conhecido a pessoa pessoalmente, não aceito nem um cara que

conheci no Tinder sem ter encontrado. Meu Facebook não é casa da mãe Joana para

ter qualquer um lá não. E no Instagram beleza, porque se a pessoa quer me seguir,

segue aí lindão. Vai ver o que quer e o que não quer. Mas eu não procuro não.

(…)

Então eu acho que, assim, vincular [a conta do Instagram e do Spotify ao Tinder] é

mostrar um pouco mais de quem você é. Um pouco mais do que a bio e a conversa.

Tem um estilo de música que eu já elimino de cara, que é a galera do heavy metal,

porque eu não tenho paciência. Porque, em geral, são pessoas que “ahn, sertanejo,

ahn, samba, ahn, tudo”, só o heavy metal é legal. Então, caguei, não quero. Elimino

109

de primeira. Então, se o Spotify não estiver vinculado, eu não tenho como saber que

o cara é isso. Mas é certo que vai aparecer na conversa, então é só um filtro com

mais informações. Acho que é basicamente isso. Inclusive, meu Spotify é vinculado

ao Tinder, o Instagram também. Eu quero mais é que vejam que eu só ouço

bagaceira mesmo. De Fernanda Mendonça, Anitta, até Rio Negro e Solimões, com

intervalo de Vinícius de Moraes e Chico Buarque, porque essa pessoa sou eu,

entendeu? Não vou ficar fingindo que eu sou culta e ouço Mozart. Até ouço, mas

né? Não com a mesma frequência. (risos)

Lorena: Eu não gosto muito dessa coisa de vincular a conta do Instagram porque

acho que é uma coisa que me expõe muito, sabe? Eu não gosto muito que todo

mundo saiba que eu tô no Tinder, gosto de ficar na minha.

Essa perspectiva pode gerar o chamado “colapso de contextos”, que “ocorre quando

as pessoas são forçadas a lidar simultaneamente com contextos sociais de outra forma não

relacionados que estão enraizadas em diferentes normas e aparentemente exigem diferentes

respostas sociais” (boyd apud SEPÚLVEDA, 2016, p. 13). Muitas vezes, adequa-se o

conteúdo a partir da audiência imaginada e do contexto em que acontece tal interação. Assim,

apesar da apresentação de informações em contextos digitais seguir a lógica de audiência

imaginada, há algumas rupturas que acontecem e que geram tal efeito de colapso de

contextos. Outra perspectiva que apareceu durante as respostas é a vinculação de outras

contas ao Tinder pelas próprias informantes; a maioria das usuárias não vincula a própria

conta do Instagram e do Spotify ao programa, por considerar que é algo invasivo, já que

alguns homens buscam tais usuárias nessas redes.

Além do referido colapso nos ambientes digitais, há também a questão das rupturas

entre aquilo que se apresenta online para aquilo que é apresentado offline, conforme já

apontado anteriormente pela exposição do trabalho de Polivanov (2014), que trabalha com o

conceito de performance como “uma construção discursiva performatizada, dirigida para uma

audiência (imaginada)” (p. 2). Para a autora, mesmo que buscando a autenticidade e a

fidelidade àquilo que a persona acredita ser seu verdadeiro self, nas redes sociais digitais

veríamos sempre uma versão performatizada da identidade de cada usuário. Assim, os perfis

podem sofrer desencaixes daquilo que apresentam online e aquilo que apresentam offline, não

necessariamente por representar uma abordagem completamente falsa da própria identidade,

110

mas pela noção de que é possível transparecer apenas parte da mesma e de que os selves

podem ser moldados para atender as expectativas de audiências específicas de cada contexto.

Sobre a autenticidade das representações identitárias em ambientes digitais de

interação, uma estratégia adotada para confirmar a apresentação que cada usuário faz de si

mesmo é buscar aquele mesmo perfil em outras redes sociais e aplicativos digitais. Como dito

anteriormente, quanto mais pistas sociais um perfil possui, mais verídico ele se apresenta para

os outros usuários. Nas palavras de Recuero:

No ciberespaço, pela ausência de informações que permeia a comunicação face a

face, as pessoas são julgadas e percebidas por suas palavras. (…) É preciso, assim,

colocar rostos, informações que gerem individualidade e empatia, na informação

geralmente anônima do ciberespaço. (RECUERO, 2009, p. 27).

Isso foi também relatado por algumas usuárias durante as entrevistas:

Marina: Os amigos em comum tem total influência. Isso também ajuda a achar o

Facebook – você vê o amigo em comum, vai no perfil dessa pessoa e procura a que

você tá conversando. É meio stalker, mas faz parte do processo para ver se aquela

conversa vai continuar.

Olívia: Depende… Se eu dei match e curti muito a pessoa, sim [sobre procurar o

contato em outra rede social]. Faço isso para ver melhor os gostos, saber se é

solteiro mesmo (já dei match com um par de homens em relacionamentos...) e se as

fotos do app correspondem à "realidade" (acho que no Facebook, por exemplo, tem

menos filtro e também há fotos de marcação de amigos).

Júlia: Quando o Instagram tá vinculado eu costumo dar uma olhada... porque tem

mais fotos, aí dá pra ter uma noção melhor de como a pessoa é tanto fisicamente

como o estilo de vida dela...

Paula: Eu geralmente procurava as pessoas em outras redes sociais antes para saber

um pouco mais dela. Eu pegava o nome e procurava pelos amigos em comum.

Porque, assim, no Tinder você só sabe o que a pessoa te deixa saber né? Então

quando você entra no perfil dela, você consegue ter uma abrangência maior; ver o

que ela tem publicado, o que ela tem falado. E, geralmente, isso era importante. (…)

[Vincular a conta do Instagram] facilita as coisas, porque além de mostrar mais fotos

e você poder ver mais de como a pessoa é fisicamente, mostra os momentos sociais,

111

os momentos de trabalho, momentos com a família, que eu acho que são super

interessantes pra você entender como é a pessoa. Eu acho que no Tinder a pessoa

pode escolher as seis melhores fotos dela e chegar na realidade e ela não ser

exatamente o que ela dizia. E eu acho que no Instagram você tem uma abordagem

muito maior, porque você pode colocar um número infinito de fotos, então você

consegue ter uma visualização do que a pessoa curte e de quem ela é muito maior do

que no Tinder.

Gabriela: Eu costumo olhar as redes sociais da pessoa, dar uma procurada, só se eu

já tiver conversando e interessada, porque aí eu vou buscar outras fotos que não

estão ali ou outras informações. Buscar outras coisas para confirmar se aquela

pessoa é uma pessoa em potencial com quem eu sairia. Se eu realmente tenho

interesse. Agora, só ali na hora de dar like ou não no Tinder, eu não costumo sair

dali para olhar outra rede social para depois voltar e dar like. Porque acho que dá

muito trabalho… (risos) Acho que só vale a pena olhar as redes sociais de uma

pessoa se você já estiver interessada, se rolar uma conversa.

Carla: A gente é muito insegura, né? Passa mais segurança não só de não ser um

maluco, mas também segurança psicológica de você saber que está no caminho certo

em investir naquela pessoa. Ela é aquilo mesmo que eu tô vendo. (…) Tem cara que

em cinco minutos de conversa já pede para adicionar no Whatsapp. Aí eu tenho que

falar que prefiro conversar mais ali por enquanto. E isso já é chato, porque já

demonstra que eu não tenho confiança na pessoa. Porque eu não tenho mesmo ainda

confiança em dar meu número de telefone pra aquela pessoa. Às vezes, a conversa é

até pouca, mas já te passa uma confiança.

Conforme já dito, o próprio Tinder disponibiliza a opção de vincular as contas do

Instagram e Spotify à sua conta no aplicativo. Esse recurso pode, muitas vezes, passar uma

ideia maior de autenticidade e ajudar na autoapresentação na plataforma, pois o espaço para

tal é relativamente curto e com poucas ferramentas disponíveis. Podemos de novo aludir ao

conceito de polimídia e ao contexto comunicacional oferecido por diferentes plataformas que,

combinadas entre si, geram uma experiência completa de interação mediada.

Dessa forma, conclui-se que a busca pelos usuários em outros contextos online de

interação ajuda na confirmação da autenticidade daquele perfil, gerando maior segurança nas

mulheres entrevistas. Além disso, a partir de tal busca, as informantes realizam ainda um

processo de cada vez maior desvelamento dos outros usuários, descobrindo novos aspectos e

112

novas facetas dos mesmos, confirmando também se tais usuários correspondem a suas buscas.

113

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A forma como cada indivíduo enxerga a própria identidade sofre inúmeras

interferências e variações. Uma delas é o próprio momento histórico e social no qual o sujeito

está inserido, conforme relatado no primeiro capítulo desta dissertação. A pós-modernidade

trouxe novas interpretações para o entendimento da identidade, como a maior percepção do

self como algo que não é dado desde o nascimento, mas uma construção em processo durante

toda a trajetória do indivíduo, e a maior sensação das inúmeras formas que esse self pode

adquirir, mostrando as contradições e nuances que a identidade pode sofrer.

Uma delas é o próprio contexto e ambiente no qual cada um está no momento da

interação social. A perspectiva de representações de si que seguem um cenário e se moldam a

partir do olhar alheio e do seu público também foi exposta no primeiro capítulo, com a base

teórica da obra de Goffman (2002), A Representação do Eu na Vida Cotidiana. O autor

mostra que as representações de si se constroem a partir da ideia de uma performance e a

partir da noção de que, com tal autoapresentação, é possível de alguma forma gerenciar a

impressão que o outro terá de nós. Isso representa o quanto as construções identitárias são, em

parte, tidas visando a um objetivo e ao fato de que os indivíduos buscam uma segurança na

hora da interação social, já que gerenciar a impressão que o outro terá pode permitir saber de

antemão a forma como será tratado e algumas das respostas que irá receber.

Da mesma maneira, como essa construção identitária será interpretada e recebida

também sofre influências externas à própria percepção do público. Seja pelo fato desse púbico

também estar inserido em um cenário que realizará influências sobre o mesmo, ou pelo fato

da própria tensão entre a tentativa de gerenciamento da impressão do autor e a bagagem que o

público carrega em si de experiências anteriores, sociais e culturais. Nesta dissertação, foi

possível notar que a percepção que as mulheres entrevistadas possuíam acerca das narrativas

de autoapresentação dos homens é composta por uma série de fatores, incluindo a própria

dinâmica e funcionamento do Tinder.

O aplicativo não fornece muitas ferramentas para que seus usuários construam suas

narrativas de si. Com isso, são poucas as pistas sociais que os indivíduos possuem sobre o

correspondente, fazendo com que eles tenham a noção de que aquilo que veem na plataforma

é apenas uma primeira impressão do outro – impressão essa que será ou não confirmada em

um segundo momento. Além disso, há também a percepção de que tal impressão é apenas

114

aquela parte que o outro “permite” e deseja que seu público veja, o que faz com que os

usuários fiquem atentos a outros vestígios, inclusive com a busca em outras esferas e

contextos, que possam fornecer um número maior de informação.

Essa busca, conforme a bibliografia revisada, as entrevistas e a observação dos perfis,

se encaixa em um contexto no qual espera-se evitar riscos, refinar os filtros e encontrar um

correspondente que se encaixe o mais próximo possível do que se imagina como ideal. O

último fator se encaixa ainda na ideia de relações puras, exposta no primeiro capítulo desta

dissertação e que se liga, de certa maneira, ao modo como o consumo se expande para outras

esferas da vida, influenciando a forma como nos relacionamos.

Nesse cenário, há ainda a noção de que o Tinder fornece poucas opções de filtragens

em suas próprias ferramentas, o que dificulta o refinamento da busca. Isso gera um contexto

no qual os usuários buscam seus próprios mecanismos na hora de aplicar filtros ao programa;

seja a partir da construção do próprio perfil, com a exposição de textos e imagens que

mostrem um estilo de vida específico, na esperança de encontrar um correspondente que

compartilhe de tal estilo, ou ainda a partir do embasamento em estereótipos não comprovados

na hora de visualizar e interpretar os perfis vistos no programa.

Sobre a primeira opção, a partir de trabalhos anteriores e da parte empírica desta

própria dissertação, nota-se que a construção do próprio perfil é feita de forma estratégica, em

um limiar entre corresponder aquilo que se acredita ser o verdadeiro self e uma auto-

promoção. Essa promoção de si mesmo vai delinear não só a busca pelo match, já que os

perfis na plataforma são julgados pelo olhar alheio na busca em conseguir a aprovação (ou o

like, a partir das terminologias usadas para o próprio Tinder), mas também em conseguir que

esse match venha estrategicamente do público com o qual se deseja corresponder, objetivando

a aplicação de um filtro mais restrito no uso do programa. Isso também ocorre por conta da

própria dinâmica do Tinder, já que o aplicativo não avisa ao contato que foi aprovado pelo

outro (a não ser a partir da opção do superlike, opção essa que é restrita por dia de uso e que

mostra de forma explícita o interesse pelo outro).

Já a segunda perspectiva diz respeito exatamente a outra etapa de utilização do

programa: o momento no qual os usuários analisam os perfis dos possíveis correspondentes,

tendo que tomar uma decisão sobre esse determinado perfil no momento mesmo de

visualização do mesmo. Isso gera um certo caráter de urgência na utilização da plataforma.

Conforme enxerga Carla, uma das entrevistadas, uma das vantagens do Tinder em relação a

115

outros aplicativos similares é que, no programa em questão, é preciso tomar uma decisão

sobre o perfil naquele momento imediato, gerando uma vontade permanente em sempre

querer ver o próximo da lista.

A utilização do Tinder segue esse fluxo, o flow, algo que foi relatado no segundo

capítulo desta dissertação. Isso mostra que o programa pode engendrar formas de uso e

consumo nos seus usuários, transferindo dinâmicas próprias e transformando as experiências

do utilizador no programa. A partir disso, uma das explicações para o forte embasamento em

estereótipos na hora da avaliação dos perfis pode estar relacionado à própria dinâmica do

programa, que disponibiliza poucas pistas sociais sobre o outro usuário e pressupõe uma

resposta imediata sobre o mesmo.

Outro aspecto buscado na hora da avaliação dos perfis é a autenticidade, tanto no

sentido de uma busca por perfis honestos quanto por perfis originais. A questão da

honestidade foi tratada nesta dissertação a partir da percepção de um perfil que não

exagerasse na auto-promoção de si no programa, e relatasse uma versão de si o mais

verdadeira possível, na perspectiva de não sofrer rupturas em outros contextos, como o

contexto offline. Entende-se que o termo “honestidade” corresponde a nuances muito mais

complexas, pois, conforme tratado em vários pontos deste trabalho, a performance de si não é

necessariamente uma versão falsa de si mesmo, mas pode corresponder a apenas uma parte do

self – aquela que se deseja ser vista.

Dessa forma, ao trazer a abordagem de Goffman e o conceito de gerenciamento da

impressão como temas centrais deste trabalho, buscou-se discutir o quanto a construção da

performance de si está alinhada com aquilo que se espera imprimir no outro, trazendo esse

olhar do público como um dos pilares da autoapresentação. Além disso, a abordagem de

Goffman nos permite entender tais nuances da performance de si, ao trabalhar com ideias

como cenário, fachada e a própria noção de estereótipos. De acordo com o que foi trazido da

obra do autor, foi possível enxergar tais questões, que também se mostraram presentes nos

dados levantados durante a etapa empírica.

Assim, a autenticidade entendida pelas informantes correspondia a um perfil o mais

“honesto” possível, na visão das mesmas, na medida em que, ao notar exageros nas

construções identitárias, as narrativas de si eram rejeitadas e o contato não seguia adiante.

Muitas foram as respostas durante as entrevistas que listaram a questão do exagero na

tentativa de construir a apresentação de si de forma mais interessante. Quando isso ocorria,

116

havia uma ruptura na impressão que se tentava imprimir no outro, trazendo uma visão

negativa sobre determinado perfil.

Buscou-se dividir a análise da performance de si no Tinder a partir das duas principais

ferramentas que o aplicativo proporciona: as seis fotos e a descrição de perfil, com a

possibilidade de um texto de até 500 caracteres. Em relação às fotos notou-se alguns pontos

principais: 1) a recorrência de estereótipos e padrões de tipos de fotos, nos quais os usuários

homens recorriam a cenários já conhecidos para construir sua narrativa a partir das imagens;

2) a percepção de que a primeira foto tem papel decisivo na hora da escolha, já que a mesma

já pode levar a uma rejeição e as outras informações disponíveis no perfil não chegam nem ao

menos a serem visualizadas; 3) a recorrência de selfies, imagens tiradas pelos próprios

usuários e que, normalmente, trazem o rosto em evidência. Sobre as selfies, buscou-se discutir

seu caráter ambíguo, também relatado pelas próprias informantes: ao mesmo tempo que

permitem uma imagem clara e nítida dos rostos, pode também representar uma imagem mais

editada e trabalhada, no sentido de que foi o próprio personagem fotografado que manipulou a

fotografia e escolheu as nuances nela representadas.

Já em relação às descrições de perfis, os dados mostraram que as mesmas são

percebidas para além daquilo que é transmitido, mas também a partir de informações que são

emitidas não necessariamente de forma intencional pelos seus atores. Isso realça o caráter

assimétrico das relações interpessoais, conforma apontado por Goffman (2002), mostrando

que, mesmo com a tentativa de gerenciamento da impressão, os sujeitos não possuem total

controle de sua performance.

Além disso, algo recorrente nas respostas das informantes diz respeito à aparição de

perfis que impõem restrições e listam na sua descrição as qualidades e atribuições que as

possíveis pretendentes precisam ou não ter para que seja realizado o contato. Esse tipo de

perfil foi considerado negativo pelas informantes selecionadas para esta pesquisa, já que

mostravam um caráter mais rígido no que diz respeito à busca pelo programa e gerava

sensações também negativas nas entrevistadas. Normalmente, as mesmas relacionavam tal

discurso a uma pessoa taxativa e, muitas vezes, sentiam que o mesmo gerava um tom de

anúncio ao perfil, limitando os contatos e gerando um caráter de consumo às relações.

Apesar disso, percebe-se que, mesmo que não discorrendo de forma tão objetiva e

taxativa nos próprios perfis, as informantes também realizavam as buscas a partir de uma série

de restrições e parâmetros já arraigados em sua experiência no programa. Isso mostra, de

117

novo, a busca por relações puras, apresentada anteriormente. Em um contexto de múltiplas

escolhas a todo o momento, busca-se aquilo que se encaixa de forma o mais perfeita possível

nos parâmetros estabelecidos para a procura, evitando possíveis tensões e surpresas negativas

no futuro. Isso se liga tanto ao caráter calculista das relações e construção identitária e ao

modo como o consumo influencia tais relações, mesmo que indiretamente. Durante algumas

entrevistas, inclusive, surgiram expressões como “vitrine”, “açougue” e o verbo “vender”,

acentuando o caráter de escolhas e a ligação com a forma como o consumo influencia as

relações.

Apesar disso, acredita-se que o Tinder não seja o causador direto dessa lógica, pois é

algo que vai além do aplicativo e está ligado a toda uma dinâmica própria da sociedade de

consumo – com ou sem o aplicativo, o consumo se espalha por diversas áreas de nossas vidas

e influencia também relações e afetos. De certa forma, é possível afirmar que o Tinder torna

as relações mais voláteis, na medida em que, se um contato não deu certo, o programa oferece

uma lista infinita de possíveis novas conexões e parceiros em potencial. Porém, da mesma

forma, tal visão não é algo tão simplificado, pois, conforme recorrente em algumas

entrevistas, quando um contato não preenche as expectativas e não segue adiante irá gerar

uma frustração. Algumas informantes narraram suas decepções no programa, o que as levou,

em certo momento, até mesmo a desinstalar o aplicativo do celular, ficando um tempo sem

usá-lo antes de voltar e recomeçar do zero.

Além disso, conforme já discutido, há uma auto-promoção que os usuários fazem de

si: moldam a construção de seu perfil a partir do olhar do outro e a partir do que acreditam

que vai interessar seu público, tentando tornar seu perfil o mais interessante possível. Isso se

liga ao conceito chave desta dissertação sobre o gerenciamento da impressão, ou seja, tenta-se

gerenciar a impressão que o outro terá de nós mesmos para que possamos obter maior

segurança na hora da relação e obter as respostas que desejamos. E, nesse processo, o

consumo também pode ter influência, seja pela forma como as pessoas se afiliam a hábitos de

consumo para construir a própria identidade ou pela própria dinâmica em que ela é construída.

Apesar disso, essa é apenas das possíveis explicações sobre como o Tinder pode influenciar a

forma como seus usuários constroem seus perfis e estabelecem relações a partir de sua

mediação, indicando que os usos e imaginários que cercam o programa são muito mais

complexos do que tal explicação. Há formas distintas de usar o Tinder e elas vão se

entrelaçando no estabelecimento de contatos na plataforma, mostrando que não é possível

118

estabelecer visões tão assertivas sobre seu uso.

Assim, é possível perceber o quanto o Tinder funciona como uma ferramenta para

algo que a sociedade de certa forma já pratica. Alguns dos trabalhos relatados nesta

dissertação abordam o quanto o Tinder pode influenciar as relações e, algo recorrente

encontrado nos dados empíricos, é a percepção de que o aplicativo não difere tanto assim de

outros ambientes de interação: como numa festa, por exemplo, os indivíduos buscam iniciar

contato com o outro a partir da aparência do mesmo, identificando estilos de vida e

estereótipos e analisando se há outros possíveis correspondentes que também despertariam o

interesse. Tais trabalhos mostram também o quanto o programa pode engendrar modificações

na forma como enxergamos e mantemos relações amorosas, despertando temas tanto como o

caráter volátil nas relações (se um contato não corresponde ao que se busca, há uma lista

infinita com outros), quanto o acirramento de uma busca pelo par perfeito, já que é possível,

em tese, realizar essa busca de maneira também infinita, trazendo um caráter mais

“romântico” ao programa. Isso mostra, de novo, que há uma complexidade e infinitude muito

grande nas formas de uso do programa.

Por fim, cabe ressaltar alguns desafios encontrados na feitura desta pesquisa e

possíveis desdobramentos que ela pode gerar na área. Um dos principais desafios diz respeito

ao fato do Tinder funcionar de forma ubíqua no cotidiano de seus usuários, como um

aplicativo para dispositivos móveis. Para Hine (2016), com as mídias digitais e a internet

móvel, a esfera online atualmente possui três características fundamentais: incorporada,

corporificada e cotidiana. Ou seja, em resumo, a internet é hoje algo já dado em nosso dia a

dia, gerando respostas emocionais tão importantes quanto às experiências ocorridas em

ambientes offline. Essas características geram um contexto de “silêncio social” em relação à

internet no que tange aos estudos etnográficos sobre a mesma. De acordo com a autora, esse

“silêncio social” corresponde à dificuldade que seus usuários possuem em falar sobre a

própria internet. Como a mesma já é algo dado e incorporado em nosso cotidiano, se torna

difícil, algumas vezes, trazer reflexões nos entrevistados.

A escolha por uma perspectiva etnográfica e pelos métodos utilizados buscaram, em

certa medida, quebrar tal silêncio social. A escolha de entrevistadas a partir da técnica da bola

de neve, conforme discutido no terceiro capítulo, possibilitou quebrar algumas barreiras e

estabelecer uma relação já mais próximas com as entrevistadas, tentando de algum modo

romper certos constrangimentos e aumentando a probabilidade de ir mais a fundo nas

119

respostas. Por esse motivo, também escolheu-se a opção de realizar entrevistas

semiestruturadas – com o decorrer da entrevista, era possível explorar novos caminhos e

tentar alcançar novas percepções sobre o aplicativo. Não determinar de antemão um roteiro

fechado e uma duração própria para a entrevista ocorrer possibilitou que a mesma pudesse

alcançar maiores possibilidades de respostas.

Além disso, a própria perspectiva etnográfica para a realização desta dissertação

possibilitou alcançar os significados simbólicos compartilhados com as entrevistadas, já que

alguns tópicos citados na entrevista também foram recorrentes durante a etapa de observação

participante. A anterior observação dos perfis possibilitou delinear os temas de forma mais

precisa, encontrando caminhos que poderiam ser explorados durante a entrevista. Entende-se

que uma pesquisa verdadeiramente etnográfica demandaria mais tempo de imersão em

campo, para que pudesse ser realizada uma análise com mais corpo e maiores resultados. Esse

é um dos caminhos possíveis para o prosseguimento desta pesquisa: notou-se que a utilização

da etnografia nas mídias sociais é um caminho possível e desejável, já que com ela é possível

acessar imaginários e formas de uso em comum com os possíveis informantes, além de

estabelecer conexões no decorrer mesmo da etapa de observação. A pesquisa etnográfica em

ambientes digitais é algo que vem sendo explorado nos últimos anos e, mesmo com algumas

resistências por grupos de pesquisadores, tem se mostrado uma ótima saída para explorar um

território tão novo quanto múltiplo e complexo quanto as mídias digitais.

Esse é também um dos desafios para quem trabalha com tal objeto: as mídias digitais

estão em constante mutação e podem, muitas vezes, possuir até mesmo um tempo curto de

vida. No decorrer desta dissertação, o Tinder sofreu algumas mudanças em relação ao seu uso,

como a opção de passar as fotos já na tela inicial, sem ter que abrir o perfil completo para

acessá-las. Isso mostra a dificuldade em acompanhar tais mudanças no que diz respeito à

feitura de uma pesquisa que leva anos para ser confeccionada. Por isso, é importante estar

atento para a possível obsolescência do seu objeto de pesquisa e acompanhar tais mudanças,

trazendo-as para o campo de análise e discutindo também suas implicações para o processo de

escrita.

De toda forma, mesmo com todas as possíveis mudanças e a ainda possível

obsolescência do objeto como um todo, é importante haver pesquisas que permitam traçar um

campo de análise sobre tais mídias digitais, possibilitando reflexões acerca das mesmas e do

que elas têm representado no seu momento atual. Isso permite que se estabeleça uma trajetória

120

de análise para, inclusive, possíveis novos campos de estudo nas mídias digitais.

Outra preocupação que se deve levar em conta ao trabalhar com tais mídias é a

questão dos algoritmos das mesmas. Conforme apontado por Lev Manovich e discorrido no

primeiro capítulo desta pesquisa, as mídias digitais se caracterizam por serem sistemas

baseados em códigos de representação numérica. Esse fato faz com que tais mídias possam

ser sempre manipuláveis e programáveis, ou seja, ao mesmo tempo que podemos manipular

tais códigos, somos também interpelados por aquilo que já foi programado no sistema. Os

algoritmos de um sistema computacional se inscrevem nessa lógica: são conjunto de dados

que permitem que o sistema dê respostas prontas e já programadas a partir de problemas

semelhantes, analisando o histórico do utilizador de tal sistema e sugerindo possíveis

caminhos baseados em tal experiência. O Tinder funciona também a partir de algoritmos, algo

que pode influenciar todas as etapas previstas para este trabalho. Assim, é importante ressaltar

que, em outro momento e a partir de outro pesquisador, outros dados poderiam surgir no

decorrer da pesquisa e acrescentar novas nuances ao trabalho acadêmico.

Além disso, é importante ressaltar também o fato do Tinder possuir uma versão paga;

o Tinder Gold. Durante esta pesquisa, não foi explorado tal opção de utilização da plataforma,

já que todas as etapas, desde a observação participante e a forma como as usuárias usavam a

plataforma, correspondiam à versão gratuita do aplicativo. De toda forma, cabe citar tal opção

de uso da plataforma, pois a mesma evidencia a questão dos algoritmos e oferece novas

possibilidades para a performance de si. Com a compra da versão paga, o usuário pode

conseguir se destacar entre os outros usuários, fazendo com que seu perfil tenha preferência

na fila de pretendentes de seu público. Além disso, os usuários que assinam o Tinder Gold

podem escolher ficar visíveis apenas para aqueles que enviaram a aprovação, além de

escolher que tipo de informação o outro pode visualizar em seu perfil e obter cinco superlikes

por dia, no lugar de apenas um só. Tudo isso deixa mais evidente o quanto os algoritmos

também influenciam e transformam a experiência no aplicativo. Além disso, o Tinder Gold

também representa uma mercantilização da performance de si, pois a partir de uma taxa

mensal o usuário consegue mais opções para gerenciar tal performance no programa.

De toda forma, a questão dos algoritmos não inviabiliza as descobertas feitas durante o

processo desta pesquisa, apenas acentuam as nuances que ela pode possuir. O que se buscou

com este trabalho foi contribuir para o campo de pesquisa na área da performance e

apresentação de si nos ambientes online de interação, aplicando a obra de Goffman (2002) e

121

de diversos outros autores levantados durante esta dissertação. Entende-se que é um recorte de

um fenômeno e que outros caminhos são também necessários para o entendimento por

completo do mesmo.

122

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126

ANEXO I

ENTREVISTA - CARLA

REALIZADA EM 29/10/2017 - PRESENCIAL

Idade: 32 anos

PESQUISADORA: Porque começou a usar o Tinder e desde quando utiliza?

Quando eu tava terminando o mestrado eu usei o Tinder pela primeira vez, há uns quatro

anos, em 2012/2013. Ainda uso, já deletei, mas voltei a usar. Na época, foi uma estagiária

minha que me indicou. Eu tenho um primo que casou pelo Par Perfeito e eu brincava que se

eu fizesse trinta anos eu iria criar meu perfil lá. Mas acabou que o Tinder surgiu antes mesmo

de eu fazer 30 anos e basicamente é para conhecer gente. Quando você sai da faculdade,

diminui muito a vida social. No início, quando lançou, eu era a mais corajosa das minhas

amigas. O pessoal mais novo age naturalmente ao usar o Tinder, mas o pessoal da minha

idade age com mais receio, até em baixar, mas eu nunca tive medo. Eu acho que é uma

ferramenta e os riscos são os mesmos do que conhecer pessoas numa noitada, que você não

tem referências. Hoje em dia eu até me arrisco mais do que no início. Sempre rola uma

triagem – onde mora, se tem amigo em comum, se trabalha... Tentar criar um contexto para

não achar a pessoa um "freak". Os caras te chamam pra ir pra casa deles numa primeira

conversa, porque ele não acha que eu sou uma ameaça pra ele. Eu continuo marcando em

lugar público, depois de um tempo conversando pelo aplicativo, eu vou pro Whatsapp. Lá

você já tem mensagem de voz, fotos, acompanha a pessoa um pouco mais. Eu tive só um caso

que um cara eu comecei a falar e no dia a gente já marcou no baixo gávea e chamei ele pra

minha casa na mesma noite. Foi no início do ano e até pouco tempo a gente tava ficando. Mas

foi uma coisa bem inconsequente. Deu certo, mas é um risco. Eu acordei no dia seguinte com

medo do que que eu fiz. Quando eu comecei a usar, eu morava com a minha mãe ainda, hoje

eu já moro sozinha, tenho 32 anos... Eu faço isso não por "não poder dar no primeiro

encontro", mas pra você conhecer a pessoa antes. Mas na verdade a gente nunca conhece

realmente alguém né? Mas isso já é pra outra pesquisa... (risos). Eu não vejo a mesma

preocupação com os homens, ele topam ir pra qualquer lugar. Muitos marcam no cinema pela

primeira vez. Eu já acho até íntimo demais e corto, chamo pra um café. Eu tenho uma história

de uma amiga que o cara roubou ela dentro de casa. Não foi com o Tinder, mas um cara da

127

vida... Que ela conheceu numa viagem. Ela ficou com o cara, levou pro hotel que ela tava e

quando acordou não tinha dinheiro, câmera, nada... A gente que mora sozinho tem que tomar

alguns cuidados em quem coloca na sua casa. Eu nunca tive no Tinder algum caso que tenha

dado errado assim. Deu errado por outros casos, de incompatibilidade...

O que você considera um perfil ideal?

Qualquer informação pode ser a favor ou contra. Agora que você tem uma opção de passar as

fotos sem ter que entrar no pefil, as fotos acabaram ficando ainda mais importante. E pra mim

as fotos dizem aquilo que você quer que os outros vejam. Então se o cara põe lá cinco fotos na

academia mostrando o tanquinho dele, ele tá me dizendo que a vida dele é isso. Se tem um

cara que todas as fotos ele tá segurando uma garrafa de cerveja na mão, ele tá me dando uma

informação de que ele é muito festeiro... Então, tem umas fotos que você tá vendo que as

pessoas tão querendo passar uma imagem que não é, por exemplo, essas fotos de beijando

golfinho, beijando a vó... Tá bom, você tá vendo que ele quer dizer que é um bom rapaz.

Então você vai escolher qual a primeira foto que quer botar. O cara que põe cinco fotos de

óculos escuros, sabe? O cara não tá se mostrando. Quem não bota foto do rosto, eu nem

considero. Uma paisagem? A gente tá ali por uma questão física mesmo. Pra mim, isso é uma

das últimas coisas... A beleza é uma questão muito relativa pra mim. Agora, eu preciso olhar

pra pessoa que estou indo conversar. Então se não tiver um rosto para começar a materializar

aquilo... E, é claro, se a pessoa coloca o lugar onde trabalha aquilo já vai ser uma triagem pra

mim. Agora tem coisas que é melhor não botar, né? Se for uma coisa ruim? Se eu olho que

tem uma foto que me interessa fisicamente, se é arquiteto já sei que teremos coisas em

comum, escreveu uma coisa legal, você olha o Instagram e vê fotos legais, vivencia os

mesmos lugares que eu... Isso é muito positivo. Mas também pode ser o oposto. Na verdade,

se ele não vai ter nada a ver comigo é melhor que mostre logo também. Já adianta uma etapa.

No meu perfil, eu tenho minha profissão, a minha descrição é um trecho de uma música e meu

Instagram conectado. Eu não coloco o Spotify e confesso que nem sei bem como funciona.

Mas acho que não seria uma coisa boa pra mim, porque eu escuto tanta besteira...

Fotos em vários contextos diferentes, vai ser um ponto positivo pra você?

Acho que sim, porque me mostra cada vez mais informação sobre a pessoa. Mas tem fotos e

fotos também.... Fotos na praia de sunga branca não né? Ou foto com pé na areia. (risos) Às

128

vezes, na verdade, tem fotos que não mostra nem a pessoa, mas são fotos relevantes. Só não

pode ser a única foto, porque parece que a pessoa tá ali sem querer ser vista, ou já é alguém

talvez comprometido. Tem que ser fotos que você ache relevante.

O que você considera um perfil não satisfatório?

Eu busco um relacionamento, então se eu identifico que aquele perfil não quer um

relacionamento, já é um perfil ruim pra mim. Mas, genericamente, se eu fosse dar uma dica

pra um amigo meu, tem que ter uma foto de rosto que você identifique a pessoa, não escreve

uma besteira na descrição... Melhor não escrever nada! Porque se for bonitinho, mas não tiver

nada escrito, você até paga pra ver. Mas se for bonitinho e tiver escrito uma asneira, não rola.

Se não for pra depor a favor, não coloca. Eu acho que, às vezes, pode até ser um cara tímido

querendo ser descolado, e daí passou outra imagem do que a pessoa é. Na própria foto isso

também pode acontecer. Outra coisa que me irrita: todas as fotos em grupo. Quem é você? Eu

não vou ficar procurando o Wally em todas as fotos. (risos) Tudo bem ter uma foto com

amigos, mas todas?

Você costuma ler sempre as descrições? O que te levaria a não ler?

Não leio sempre não. A primeira triagem é física. Tem pessoas que de cara, na primeira foto,

você já sabe que não quer ficar. Um menino de gel com luzes no cabelo espetado pra cima.

Não é meu perfil e eu já dou X de cara. Com essa nova opção de passar as fotos sem abrir o

perfil, eu até olho outras fotos. Então às vezes eu já dou X ou coração só de olhar as fotos.

Mas isso é de fase. Já uso há quatro anos e tem horas que eu tô "ah, tá bom, vou dar coração

só pros bonitos"... Eu já dei X sem querer por ir no automático. Mas ao mesmo tempo eu acho

que o que faz o Tinder ser bom é isso: você tem que tomar uma decisão sobre aquela pessoa.

Então, eu brincava de falar que eu jogava Candy Crush. Quem vem depois? Aquilo vai te

dando uma compulsãozinha. Antigamente, eu não falava com ninguém de primeira, só com os

caras que vinham falar comigo. Super machista, né? Hoje em dia, eu já puxo conversa, se a

pessoa não responde eu já tiro ela... Vai banalizando. Você vai se acostumando. O primeiro

macth a gente lembra, você se preocupa mais em excluir a pessoa... Hoje já tá mais normal.

Às vezes, dei macth no cara e depois na conversa vejo que não tem nada a ver e já tiro.

Na descrição, você acha bacana que a pessoa já coloque informações sobre ela mesma e

129

seus hábitos?

É muito difícil essa coisa do texto, porque você pode estar falando a mesma coisa de formas

diferentes. Então eu já vi caras falando o que fazem do dia a dia e que era um texto super

interessante e outros falando a mesma coisa mas não era bacana... Então é mais a maneira que

escreve mesmo. Eu sou uma pessoa bem humorada, então eu gosto quando tem algum humor

no perfil. Até mesmo na primeira conversa, quando os caras vem com uma frase que não é um

"oi, tudo bem?". Muitos fazem um comentário de alguma foto. Eu tenho uma foto que sou eu

com guarda chuva e muitos falam dela. Mas eu acho divertido, sai do "oi tudo bem". Apesar

de que quando sou eu puxando conversa eu falo "oi tudo bem". Ridícula, né? Porque eu

também não sou criativa. Essa foto era minha foto de perfil, nem é mais. Eu tenho sempre as

mesmas fotos, não sou muito de mudar meu perfil não... Só uma foto nova que gostei e

publico. Todas as fotos são minhas, sozinhas, sem óculos escuros... Eu tento não fazer

propaganda enganosa. Porque ali você tá se vendendo, se expondo ali com o objetivo que

alguém se interesse por você. Você quer que todo mundo te dê coração. Agora, você quer

atrair quem? Minha descrição é uma música do Caetano, então os caras que identificam a

música me interessam mais. Se gostam do Caetano, é um ponto a favor pra mim. Como eu

faço a triagem em quem me interessa, eles também estão fazendo. Então quem me dá like é

alguém que se conectou com o que eu postei, que se identifica comigo. Não tenho foto na

academina. (risos) Às vezes, até aparece um da academia me dando super like. Olha pra mim,

olha pra você! (risos)

Fotos com copo de bebida, em festa, que impressão te passa?

Eu adoro. Adoro beber, sair e sou festeira. Não vejo nenhum problema em foto de farra. Me

incomoda quando são todas. Porque acho que faz parte da vida e eu adoro. Mas se tem cinco

ou seis fotos... (faz gesto imitando beber), a vida dele é só beber? Ali é como se você fizesse

uma ficha sobre você, você mostrar o que tem de melhor pro outro. Você quer uma mulher

que queira só beber com você? Eu não vou ser essa pessoa, porque eu adoro mas não quero só

isso. Eu não sou muito dos esportes. Mas, às vezes, por exemplo, tem o cara com foto na

trilha e eu curto, porque não é algo que eu faça sempre mas que ainda poderia acompanhar.

Tem que ser uma coisa que me interesse.

Fotos que mostrem o físico, sem camisa, que isso te passa?

130

Eu acho que é tudo válido. A gente tá ali num lugar – que é virtual, mas é um lugar – que é de

buscas e cada um tem uma busca diferente. Se o cara tá ali buscando sexo ou atração física, se

pra ele é isso o mais importante, eu acho ok, não acho errado. Pelo que meus amigos me

contam, tem também as meninas com foto de sutiã no espelho. A relação entre as pessoas é

sexual e pode ter gente ali que busca só sexo. Não é meu foco agora e eu acho que é mais

perigoso ainda usar o aplicativo com esse viés, pra mulher. Eu acho que você deve se deparar

com situações mais perigosas. Eu fiquei impressionada com a quantidade de gente procurando

fantasias sexuais, inversão de papéis, sadomasoquismo, troca de casais... Mas assim... Aquilo

deve ter um retorno. Não me incomoda. Minhas amigas até brincam que eu poderia trabalhar

no Tinder, porque eu acho que o aplicativo poderia fazer pequenas triagens além de idade e

distância. Porque eu acho que isso facilitaria mesmo essa busca por relações, por sexo ou só

amizade. Eu acho que isso já daria uma boa adiantada pro meu lado. Outra coisa que eu

detesto também é cara armado. Alguns eu acho até que é escroto, mas outros eu acho que é a

profissão do cara e ele tá ali orgulhoso daquilo. Mas eu não curto, independente de ser a

profissão ou não. Eu não quero uma arma. Me incomoda mais a arma do que o tanquinho do

perfil com foto da barriga e da cueca.

Perfil com muito pouca informação, te passa que impressão?

Às vezes, eu acho que são pessoas que estão começando. Já percebi que é algo assim. Um

cara que se separou agora, que acabou de entrar no programa, que tá ainda vendo qual é.... Às

vezes, tem só uma foto, mas se for foto de rosto, ainda tá até valendo. Ou então eu acho que é

gente que não quer ser reconhecida, ou porque é casado, sei lá...

Você já se deparou com algum perfil que você viu que era um perfil falso?

Não. Na verdade, teve uma vez que eu tava conversando com um cara e no meio da conversa

ele falou que a foto não era dele. Aí eu perguntei porque e ele disse que não queriam que se

aproximassem dele só pela aparência. Eu não consigo ficar quieta né? E já dei lá meu barraco:

"como assim? Isso faz parte, a gente é aparência também". E ele acabou me mandando a foto

dele e ele era muito feio. A foto que ele tinha colocado era de um menino comum até. Eu não

considero isso fake, porque ele não prosseguiu, ele falou logo que não era. Eu nunca me

deparei com total fake, até porque a gente começa a filtrar né? Se tem amigo em comum no

Facebook, eu já entro e vejo se a pessoa existe mesmo.

131

Você procura as pessoas em outras redes sociais?

Se eu já estiver conversando, sim. Só no like, não. O Instagram vinculado já ajuda muito.

E isso te dá que sensação?

A gente é muito insegura, né? Passa mais segurança não só de não ser um maluco, mas

também segurança psicológica de você saber que está no caminho certo em investir naquela

pessoa. Ela é aquilo mesmo que eu tô vendo.

E você já teve alguma surpresa? Alguma informação que não batia?

Não tenho muitos casos de mentira não.

Você já teve alguma decepção no Tinder? Algo que na hora da conversa ou do encontro

não bateu?

Quase todos os meus encontros, eu acabei ficando com a pessoa e teve alguma história,

mesmo que curta. Até porque também eu demoro muito pra sair com alguém. Alguém que eu

tenha ficado no mesmo dia que comecei a conversa é meio raro. Mas teve um menino que eu

saí que eu tive total certeza que ele era gay, mas ele não sabia, sabe? Ele não sabe até hoje,

mas ele é sim. E isso foi muito brochante. A gente tinha muitas afinidades, mas era isso... Ele

amava a Madona que nem eu, sabe assim? E eu fiquei com ele, mas foi bem trágico. Aí teve

um menino que foi super legal no primeiro encontro, mas no segundo encontro por acaso

apareceu uma amiga da ex dele e ele pirou, eu descobri que ele tomava remédio e era super

problemático com a ex. Mas era um menino com problema, não era nada ameaçador. E agora,

recentemente, eu resolvi tentar sair no impulso, dar oportunidade para as pessoas, porque eu

acho que às vezes eu crio muitas barreiras. E eu saí com dois caras, que eram ótimos, mas que

tinha zero compatibilidade. E desde esses dois caras eu não sai com mais ninguém do Tinder.

E às vezes acontece de já na conversa rolar essa decepção?

Sim, tem. Tem um timing, de fazer a coisa fluir. Porque se não pega no tranco no início, fica

aquele oi uma vez por semana. Eu acho que às vezes tem até algo do destino, de calhar de ser

na hora certa, na hora que a pessoa pode mais falar. Daí depois de um tempo de conversa, já

rola o "me adiciona no Whatsapp". Tem cara que em cinco minutos de conversa já pede para

132

adicionar no Whatsapp. Aí eu tenho que falar que prefiro conversar mais ali por enquanto. E

isso já é chato, porque já demonstra que eu não tenho confiança na pessoa. Porque eu não

tenho mesmo ainda confiança em dar meu número de telefone pra aquela pessoa. Às vezes, a

conversa é até pouca, mas já te passa uma confiança.

Você acha que fazer essa migração do Tinder pro Whatsapp já é um passo além?

Eu acho. Eu só dou meu telefone quando eu já tenho esperanças. (risos) Acho que é um outro

passo mesmo.

Tem algum perfil que te marcou na experiência no programa?

De vez em quando, eu dou uns prints e mando pra minhas amigas. Tinha um que tava

fantasiado de uma coisa bizarra, aí eu mandei e falei "a pessoa acha que atrair alguém

fantasiado assim?". Tinha outro que era acompanhante, e falava "se você é solteira, com

filhos, posso cuidar de você e dele". Eu nem sabia se era sério mesmo ou só uma cantada. Eu

acho que os perfis se repetem muito. Tem os meninos do surf, muita foto pegando onda que

você fica "tá bom, mas cadê sua cara?"... Tem os da academia, os do samba... Tem umas

tribos. Tem os intelectuaiszinhos. Às vezes, tem uns que postam uma foto ou escrevem

alguma coisa que você fica "mas você quer conquistar quem? quem dá like pra essa pessoa?".

Tem umas pessoas muito engraçadas. Tem cara que tem a sobrancelha feita, cabelo de gel....

Mas deve ter alguém que goste né?

133

ANEXO II

ENTREVISTA - LORENA

REALIZADA EM 30/10/2017 – VIA WHATSAPP

Idade: 21 anos

Quanto tempo usa o Tinder e por que entrou no programa?

Usei o Tinder durante um ano quase e entrei para essa rede social pois queria conhecer

pessoas novas e diferentes da minha rotina, já que não havia ninguém do meu interesse.

O que você considera um perfil ideal no Tinder? Levando em consideração as

informações e recursos utilizados mais do que o estilo da pessoa em si.

Acho que um perfil ideal no Tinder é a pessoa que demonstra a sua vida profissional de forma

aberta e honesta. De verdade, né? Diga sua idade real também. Poste fotos sem querer tirar

onda, nem ficar se mostrando. Umas fotos normais, decentes.. Não ficar escrevendo coisas

que ele não é.

E um perfil não satisfatório?

Um perfil não satisfatório seria aquele tipo de cara que posta fotos indecentes, no caso sem

camisa, apenas com as roupas íntimas. Isso me dá a entender que ele é bom, é bonito, que vai

despertar algum interesse em alguém. Eu acho isso super errado. E tem muita gente que eu já

vi, principalmente em época de carnaval, muitos gringos, que fazem a conta no Tinder

justamente pro período que ele vai estar no Rio e coloca "sexo durante o período X",

"disponível para isso e aquilo"... Justamente para transa mesmo. Encontra alguém que queira

apenas isso e tchau. E eu acho que a ideia do Tinder não é isso; acho que a ideia é realmente

conhecer pessoas diferentes e tudo mais e não ficar se atirando com interesse nisso e naquilo.

E tem muito cara que também já puxa assunto com você e fala "você topa ir pro motel X

agora" e coisas do tipo. Então, é uma rede social que tem de tudo, todos os estilos, gosto pra

tudo. É bem complicado....

Você costuma ler sempre as descrições e textos dos perfis? O que te leva a não ler?

Eu leio as descrições só daqueles que me interessam em relação ao primeiro passo que eu faço

134

de seleção que é a beleza. Porque no Tinder você olha mais a beleza né? Não tem como você

escolher a pessoa por outro parâmetro. Se for um cara que eu ache bonito, eu leio a descrição

para ver se alguém que me interessa. O que me leva a não ler... É.. Quando eu abro o perfil da

pessoa e já vem algo relacionado à política ou a "apenas sexo" ou "sexo casual" ou "se não for

fazer sexo, nem dê like", coisas desse nível....

Você acha importante que o usuário já fale algo sobre si mesmo e sobre as coisas que

gosta de fazer (seus hábitos de consumo)? Por quê?

Acho importante sim, porque a partir dessas informações que ele te fala e conta sobre si

mesmo você vai ver se se identifica com ele, se gosta das mesmas coisas que ele, que ele faz...

Em relação a gostar das mesmas coisas. Eu acho também válido ele falar isso porque pode ser

que ele goste de alguma coisa ou faça alguma coisa que você não tolera ou não gosta. Como,

por exemplo, a pessoa fuma e você não gosta de um cara que fume, então eu acho válido ele

falar os hábitos e o que faz...

Na descrição do perfil, quando o usuário faz menção aquilo que espera ou que não

deseja na pretendente, isso te passa que impressão?

É um pouco complicado porque assim eu, pelo menos, me sinto um pouco incapacitada de

alcançar o que aquele cara tá querendo. Porra, eu não sou tão boa quanto a pessoa que esse

cara tá querendo, porque ele tá dizendo o que prefere. Eu me sinto um pouco mal às vezes,

mas nada fora do comum. Qualquer pessoa, qualquer mulher, que lesse uma coisa que

restringe ela daquele biotipo ali que ele quer fica um pouco mal com isso.

Sobre as fotos: você considera que algum tipo de foto não deveria estar presente no

Tinder? E quais os tipos de fotos que você mais gosta de ver?

Eu acho que tem muita foto um pouco pervertida, como sem camisa, ou então de sunga super

apertada marcando tudo. Então eu acho que foto ideal para o Tinder é foto de rosto, foto

sorrindo, foto da pessoa em algum lugar comum. Fotos normais... Não sei detalhar muito bem

como gostaria que fossem as fotos.

Você considera que as selfies são boas opções de foto para se colocar no perfil do

Tinder? Por quê?

135

Eu acho que sim, são ótimas fotos pro Tinder, fotos padrões, que muita gente tira.. Acho

válido sim. Eu acho também bom porque nas selfies, geralmente, você consegue ver melhor o

rosto da pessoa, porque uma foto distante ou em grupo de amigos, você não consegue ver se

aquela pessoa faz seu estilo, se ela é realmente bonita de acordo com teu gosto. E eu acho que

a selfie é melhor pra ver essas coisas e esses detalhes.

Fotos em que os usuários estão bebendo, em uma festa ou com amigos te passam que

impressão?

Pra mim, no meu caso, não me passa nenhuma impressão ruim. Pelo contrário, eu gosto

porque eu me identifico porque é um hábito meu sair com meus amigos e tudo mais. Porém,

pensando no geral, eu acho também que não seria nenhum incômodo porque é o hobbie da

pessoa né? Não vejo nenhum problema nisso.

Você considera importante fotos que mostrem o corpo e o físico dos outros usuários?

Por quê?

Eu acho que se forem fotos, por exemplo, na praia, que você realmente vai tá ali mostrando

seu físico, eu acho tranquilo e nada ofensivo. Mas uma foto que você vê que é proposital para

tá ali mostrando o corpo, mostrando o físico, eu já acho um pouco desnecessário sabe? Não

acho válido isso porque tem gente que abusa muito de foto assim. Eu acho meio desrespeito

sabe? Não sei dizer exatamente por quê....

[perguntada mais sobre o assunto e se o problema são os tipos de fotos (se são muito

forçadas)]

Eu acho que é isso que você falou: várias fotos só do físico entendeu? Só para mostrar que é o

bomzão. É mais ou menos isso, eu não gosto, não é algo que me atrai.

Um perfil com poucas informações passa qual impressão para você?

Perfis com pouca informação... Eu acho até válido, porque meu próprio perfil não tinha quase

nenhuma informação, não tinha quase nada. Só dizia minha idade e profissão, não dizia mais

nada sobre mim.

136

Você costuma procurar as pessoas em outras redes sociais, por exemplo, no Facebook?

Por que utilizar tal estratégia? Ainda sobre procurar o perfil em outras redes, você já se

deparou com alguma surpresa?

Eu não costumava pegar o facebook da pessoa para bater informações não. O máximo que

fazia era entrar na conta do Instagram, caso ela tivesse vinculada ao perfil, para ver mais fotos

e ver se a pessoa realmente me agradava.

O que você acha de vincular a conta do Instagram ao Tinder? E a conta do Spotify e a

opção "Minha Música"? Você costuma reparar nelas e elas te ajudam na experiência no

programa?

Eu não gosto muito dessa coisa de vincular a conta do Instagram porque acho que é uma coisa

que me expõe muito, sabe? Eu não gosto muito que todo mundo saiba que eu tô no Tinder,

gosto de ficar na minha. E sobre o Spotify para ver o que o pretendente tá ouvindo é um

pouco indiferente para mim. O que ele ouve ou não não me importa muito não...

Você repara também nos amigos em comum e nos gostos em comum no Facebook (as

páginas curtidas)? Qual a influência delas?

Eu reparo muito nessa questão em amigo em comum. Eu normalmente não gosto de escolher

uma pessoa que tenha muito amigo em comum comigo. Eu sinto um pouco de vergonha de

alguns amigos meus saberem que eu tava nessa rede social. Tem muita gente que tem

preconceito e sei lá, acha que você é puta ou algo do tipo.. Desculpa pela palavra.

Você tomava alguma medida de segurança na hora de se encontrar com alguém que

conheceu no Tinder?

Medidas de segurança que eu tinha, eu costumava sempre tomar. Por exemplo, eu sempre

marcava em locais públicos, em shopping ou praças. Eu acho que é uma forma de evitar que

ocorra alguma coisa…

137

ANEXO III

ENTREVISTA MARINA

REALIZADA ENTRE 06 E 08/11/2017 – VIA WHATSAPP

Idade: 29 anos.

Quanto tempo usa o Tinder e por que começou a usar?

Deve ser cerca de uns 3 anos, 3 anos e um pouco, talvez. Eu entrei porque eu fiquei solteira

em 2014, no meio de 2014 mais ou menos, e aí uns amigos falaram para eu entrar. Era época

da copa aqui no Brasil, principalmente as amigas, né, “olha vai ter muita gente aqui no Brasil,

aqui no Rio, baixa o aplicativo por causa da Copa”. Eu fui meio relutante, demorei um

pouquinho, alguns meses, um ou dois no máximo. E aí eu baixei realmente, mas não foi nem

por conta da Copa. Acabou que todo mundo já tinha ido embora então eu não fiz tantos

contatos na Copa conforme eu imaginei, não.

O que você considera um perfil ideal no Tinder? E um perfil não satisfatório?

Cara, eu acho que um perfil ideal seria: a pessoa tem que condizer com as fotos que ela

coloca, né. Então, eu acho que ela colocar fotos – isso tem a ver com os recursos que o

programa coloca, né? Então se ele te dá o recurso de colocar fotos, que você use as fotos

condizendo com o seu perfil de pessoa. Eu acho que é mais ou menos isso. Perfil ideal é meio

complicado, né? Eu respondi, agora estou pensando melhor: eu acho que não existe perfil

ideal. Eu tento, no meu perfil, deixar claro pelas fotos que tipo de pessoa eu sou. Eu acho que

isso é o ideal pra mim. Então quando eu converso com um cara eu imagino que o perfil dele é

ideal pra mim porque eu acredito, pelo que ele tá dizendo lá, que as fotos dele condizem com

o que ele é fora dali. Isso pra mim se torna como um perfil ideal, assim.

Agora, o não-ideal, o não-satisfatório eu acho que é quando a pessoa aproveita dali pra fazer

discursos de ódio, então a gente vê muita gente muito machista, muito machista, as pessoas

externalizam outras questões, questões políticas, eu acho que é não satisfatório por isso. Pra

mim, se a pessoa é hétero, quando um cara coloca esse tipo de informação, pra mim serve

como filtro. Pra mim é bom por um lado porque eu falo “pô, se o cara tá falando essas coisas

machistas aqui, se ele tem uma visão política esquisita, eu prefiro nem dar like porque daqui

não vai surgir nada”. Na verdade não é satisfatório, mas pensando bem vira um filtro,

138

entendeu? Mas eu considero como não-satisfatório, entendeu?

[Você falou que as pessoas acabam colocando ali algumas questões que não teriam nem

a ver, como por exemplo as posições políticas e ideológicas. E é engraçado porque isso

tem surgido muito nas respostas das mulheres que eu tenho entrevistado. E eu queria

saber o que você acha disso? Por que isso tem se tornando tão importante a ponto de

aparecer no Tinder? Você acha que tem uma polarização maior nos últimos anos? Você

acha que os momentos políticos no Brasil acirraram essas questões?]

Eu acho que o momento político acaba refletindo em todas as esferas, né? E aí acaba indo

pras redes sociais e automaticamente acaba indo pra esses aplicativos de relacionamento com

certeza. Eu não vejo isso com maus olhos não, tá? Eu acho que isso é bom. Quer dizer que a

sociedade está discutindo sobre política, é uma coisa que a gente não vê acontecer há muito

tempo e de uns anos para cá tem aumentando. Então isso é ótimo, eu não acho isso ruim.

Então que bom que esteja também no aplicativo. O que eu digo que é ruim mesmo, eu já vi

diversos caras dizendo, não só uma visão política, mas uma visão social, no sentido de: se

você for feminista não dá like; se você for votar no Lula – tá agora é uma questão política – se

você for votar no Lula não dê like; muito assim: Bolsonaro 2018 e aí eu não dou like, enfim. É

muito assim. Então foi o que eu te falei: serve como filtro, mas muitas vezes existe um

discurso de ódio também. Porque eu também já vi caras dizendo: se você for negra eu não vou

dar like em você. É que eu tô com um celular novo, infelizmente eu perdi alguns prints que eu

tinha no outro celular que eu não coloquei no Google Drive e aí acabei perdendo. Mas eu

tinha prints, numa época que eu fazia mais – hoje em dia eu vejo essas coisas e eu falo “cara,

não dá, não tenho nem mais paciência” – mas quando eu entrei, no começo, até eu falava com

minhas amigas isso, eu mostrava os prints. Quando um cara “ah, se você for feminista não dá

like, se você for votar no Lula não dá like” – e aí eu não tô dizendo que eu vou votar no Lula,

ou que eu não vou votar no Bolsonaro (na verdade eu não vou botar no Bolsonaro, mas sobre

o Lula eu ainda não sei), mas a questão não é em quem você vai votar ou em quem você vai

deixar de votar, mas quando você diz assim “se você for votar no Lula você não dá like”

existe um discurso de ódio por trás daquilo ali. Uma coisa assim, do tipo: se você for votar no

Lula você não me é digna, você não é digna de sair comigo. E acho que polarizou, sim, não só

polarizou, mas popularizou as opiniões sobre política.

Mas as pessoas também estão levando pra um outro lado, né? Elas estão tendo mais um

139

espaço pra fazer discurso de ódio. É mais um lugar. Principalmente porque como é na

internet, na internet a gente tá escondido e nesses aplicativos é mais um lugar. Existe uma

pessoa e você conhece a foto da pessoa e um nome, mas você não vai encontrar com a pessoa

se você não quiser. Então ele pode falar lá o que ele quiser e a mulher também. E você fica de

novo escondido atrás de um celular. E isso te dá chance de fazer qualquer coisa.

Você costuma ler sempre as descrições e textos dos perfis? O que te leva a não ler?

Eu sempre leio as descrições, os textos. Eu acho que não tem nada que não me leve a ler não.

No máximo, se a primeira foto for de um cara na academia eu não leio. (risos) Eu sou

preconceituosa porque odeio academia. Mas acho que só! Só nesse caso. Se a primeira foto

me agradar, eu vou ver as outras fotos e ler.

Você acha importante que o usuário já fale algo sobre si mesmo e sobre as coisas que

gosta de fazer (seus hábitos de consumo)? Por quê?

Eu acho importante que a pessoa fale um pouquinho do que ela gosta, dos hábitos dela, até

porque pra ter assunto, né? Se não você vai perguntar e aí, tudo bem? Acabou e não tem o que

falar. Acho que quando a pessoa fala o que ela gosta vai te dar chance de falar alguma coisa e

dali vão ter outros assuntos, né? Mas se ela já fala algumas coisas que gosta de fazer já

facilita.

Aqueles perfis nos quais o usuário faz menção aquilo que espera ou que não deseja na

pretendente te passa qual impressão?

É… Isso me incomoda um pouco. Não sei se como usuária ou como pessoa. A gente nunca

acha que vai casar, vai ter filho com a pessoa… E aí você já fala que quer uma namorada e se

não conseguir uma namorada acabou ali. E não é assim né? O Tinder é mais um lugar para

conhecer pessoas. Se a pessoa chegar e falar: “estou aqui para um relacionamento sério” ou

“estou aqui para curtição”. Tanto você pode conhecer uma pessoa e não ter essa curtição. Ou

conhecer uma pessoa que você acha que vai namorar e vai ter só curtição. Eu acho que

depende né? Essa coisa de ser muito taxativo, de dizer logo ao que veio, pode ser que tenha

alguma solução. Porque também tem tantos perfis assim e pode ser que quem escreve tenha

um retorno. Eu não gosto. Eu quando vejo um cara que seja muito isso, por mais que as fotos

me agradem, essa coisa me incomoda um pouco. Essa visão é minha mesmo. Por isso que eu

140

digo, é uma coisa além de ser usuária, mas como pessoa. Tende a ser uma pessoa muito

taxativa. Também tô julgando o ser humano. Mas eu prefiro não correr o risco.

Você considera que algum tipo de foto não deveria estar no Tinder? E quais fotos você

mais gosta de ver?

Eu acho meio apelativo quando o cara bota foto com a mãe, foto com cachorro. Eu acho que

ele tá apelando pra menina achar “olha só como ele é família, olha como ele é pai de

cachorro”. Isso me cansa um pouco. Acho que ele pode colocar na descrição que ama o

cachorro e ama a mãe. (risos) Ou não bota que ama a mãe! Mas, às vezes, dizer que ama o

cachorro, que tem um cachorro, seja importante pra ele. Mas a foto em si eu acho meio

apelativo. Eu não gosto de foto de corpo todo, na academia, sem camisa e com o físico a

mostra. Eu gosto quando o cara bota fazendo coisa que ele gosta. Se ele escala, coloca foto

escalando. Se gosta de trilha, bota foto fazendo uma trilha. Se ele surfa, uma foto surfando.

Coisa assim que não vai mostrar necessariamente o corpo ou o rosto, mas mostra os costumes

dele. O que ele gosta de fazer, os hábitos.

Você considera que as selfies são boas opções de fotos para o Tinder? Por quê?

Selfie não diz nada né? Tem selfie aqui no meu celular maravilhosa que eu pareço a Gisele

Bündchen se eu tirar né? Então, eu acho que foto ideal é a real. Não precisa ser uma foto

posada, mas alguém tirando a foto pra você fica mais real do que a selfie.

Fotos em que os usuários estão bebendo, em uma festa ou com amigos, te passam que

impressão?

Se ele gosta de beber, tudo bem ele botar uma foto no bar com uma cerveja. Não vejo como

um grande problema. Mas o ideal é que sejam fotos de coisas que ele gosta de fazer, porque já

dá pano pra conversa. Eu não vejo com maus olhos foto do cara bebendo não. Não me diz

nada. Não sei se é porque eu bebo. Não me causa má impressão. Não faz diferença. Se ele

tiver isso não é motivo pra like nem pra dislike. Não tem nada a ver não.

Você considera importante fotos que mostrem o corpo e o físico dos outros usuários?

Por quê?

Não acho importante mostrar o corpo, pelo contrário. Se tiver muita foto sem camisa, eu fico

141

com preguiça. Penso: “ai, meu Deus, o cara vai ficar querendo conversa comigo sobre

academia”. E eu não sou o público-alvo desse cara. De novo, eu tô julgando. O cara pode ser

tranquilão com isso. Não é nem preocupado com o corpo. Mas quando tem umas duas fotos,

foto demais, eu não gosto e não dou like. Mas olha como é total julgamento. Eu tava falando

isso e lembrei de uma coisa. Tinha um cara – primeira vez que conheci um cara no Tinder,

final de 2014 – que mora no meu bairro. A gente sempre se via no bairro, mas nunca tinha

oportunidade de nada. Normalmente, eu já vi ele namorando e eu também tava namorando, e

nunca teve oportunidade. Então, quando a gente se encontrou no Tinder, eu comentei isso

com ele. E eu só dei like porque eu já tinha visto ele no bairro várias vezes. Mas ele tinha duas

fotos que, se não fosse conhecido do bairro, eu não ia dar like: uma no espelho da academia e

outra ele carregando um peso – uma coisa que eu não sei nem o nome, porque não sei nada de

academia. E aí eu falei “não acredito que ele tá com essas fotos, mas vou dar like”. E aí não

foi nada a ver, ele é ótimo, um querido. Ele malha, mas não é preocupado com o físico assim.

Mas ele gosta de malhar. Ponto. Mas é isso: ele é a prova viva que nem sempre o cara, porque

tem esse tipo de foto, é um cara que é muito preocupado com o corpo. Não sei se ele é a

exceção à regra. Mas mesmo assim, mesmo tendo saído com ele, eu não dou like pra esse tipo

de cara. Eu não consegui abrir minha mente totalmente. Mas eu tô ótima assim, sem abrir

minha mente. Continuo sem problema nenhum quanto a isso! (risos)

Perfis com poucas informações passam qual impressão pra você?

Não sei, eu acho que às vezes a pessoa não consegue se definir muito e tem dificuldade nisso.

Não me passa nenhuma impressão ruim não. Só que a pessoa não conseguiu falar. Mas o ideal

é que ela tente, né? Mas não me passa impressão nenhuma praticamente.

Você costuma procurar as pessoas em outras redes sociais, como Instagram e Facebook?

Por que usar essa estratégia? Você já teve alguma surpresa?

Quando eu gosto da pessoa e a conversa tá ok, eu procuro sim. Não sei se todo mundo deveria

fazer, mas é uma boa estratégia. Porque aí você vê além do que tá ali no aplicativo. E sim, já

tive surpresa. Tem gente que já coloca no perfil [do Tinder] “Bolsonaro 2018”, mas tem a

pessoa que não coloca. Daí a pessoa acaba colocando no Facebook essa visão política. Pra

mim, facilita, porque aí já parei de conversar por conta disso.

142

Você acha que as pessoas colocam em cada rede uma informação diferente? Que rola

essa preocupação em expor isso ou expor aquilo a depender do espaço?

Ah, com certeza! Esse cara que eu falei que a gente tava conversando e depois eu vi no

Facebook dele que ele tava falando do Bolsonaro, não tinha nada remetendo a isso no perfil

do Tinder. Se não, eu nem daria like. E por toda a conversa que a gente tinha, eu não via

nenhuma tendência nas conversas uma questão ideológica pra esse lado. Mas, no Facebook,

ele fazia uma campanha praticamente. Então, ele deve ter uma rede de contatos que talvez são

a favor do candidato e talvez faça sentido dentro dessa rede social fazer esse tipo de

postagem. Acredito que seja isso, entendeu? No Tinder, talvez ele tenha entendido que talvez

isso não seja bom pro perfil dele. Mas eu acho sim que as pessoas usam cada rede de um jeito

diferente, colocam postagens diferentes. Eu acho que eu mesma faço isso, dentro das redes

sociais. O meu perfil do Tinder é uma palavra, uma frase na verdade. Eu não tenho um texto;

“ah, sou assim, assim, assado”. Mas as minhas fotos dizem muito do que eu sou. Então, já que

o texto não tem nada muito especifico, as fotos têm. Têm bastante, dizem muito do que eu

gosto! Acho que é isso.

O que você acha de vincular a conta do Instagram ao Tinder? E a conta do Spotify e a

opção Minha Música? Você costuma reparar e elas te ajudam na experiência no

programa?

A minha conta não é vinculada a nenhum desses aplicativos, mas é legal quando tem. Porque

é mais um motivo, mais uma opção de conversa. Porque aí você vê uma música que você

gosta, uma banda que você curte e tal. Se você não tiver assunto por conta das fotos, que eu

acho a estratégia número um (pelo menos a minha), você vai ter com a música. E com a

música é até mais fácil que com as fotos, na verdade. A música, no geral, eu acho que

aproxima mais as pessoas.

Você repara também nos amigos em comum e nos gostos em comum (as páginas

curtidas no Facebook)? Qual a influência delas?

Amigos em comum eu super reparo. Nos gostos também é importante. Tem gente que tem

muita página em comum e eu fico até chocada. Penso que tem muito a ver. Os amigos em

comum tem total influência. Isso também ajuda a achar o Facebook – você vê o amigo em

comum, vai no perfil dessa pessoa e procura a que você tá conversando. É meio stalker, mas

143

faz parte do processo para ver se aquela conversa vai continuar. Então tem muita influência

pra mim, os dois.

Você já teve alguma decepção no Tinder? Um perfil que você curtiu muito mas na hora

da conversa ou do encontro não era o que você esperava? Algo que te surpreendeu

positivamente também?

Até que não. Não sei se foi sorte. As pessoas que eu conheci eram, tanto fisicamente quanto

psicologicamente, do jeito que elas pareciam no aplicativo. Eu até me apaixonei ano passado

com um cara que conheci no Tinder! (risos) E foi uma história que durou até esse ano. É uma

longa história, mas a versão é que durou um ano, é um cara do Tinder. A gente nunca acha

que vai se envolver com alguém efetivamente do aplicativo, mas às vezes acontece e

aconteceu comigo. Esses três anos e pouco que uso, uma hora poderia acontecer. Algo que me

surpreendeu positivamente? Em geral, os homens que eu conheci no Tinder, eu não perdi

contato não. Eu ainda falo e tal. Por vários motivos, as coisas foram acabando. Tem um cara

que virou muito meu amigo e fez até um quadro pra mim sobre feminismo. A gente nem

ficou. Eu acho que ele foi uma surpresa, porque achei até que a gente fosse ficar, a coisa toda

nossa não ia continuar. Acho que a gente só virou amigo porque não ficou e somos muito

próximos. Então, acho que eu consegui um amigo, o que é melhor até que uma relação. Isso

foi uma surpresa muito maravilhosa, muito positiva.

144

ANEXO IV

ENTREVISTA - OLÍVIA

REALIZADA ENTRE 06 E 08/11/2017 – VIA WHATSAPP

Idade: 24 anos.

Quanto tempo usa o Tinder e por que entrou no programa?

Uso o tinder desde que terminei meu último namoro, em dezembro de 2015. então vai fazer

dois anos. Decidi usar porque seria uma ferramenta, em tese, mais simples de conhecer

pessoas fora do meu círculo social sem precisar ir a festas, nights e afins. Num primeiro

momento era mais para sair com pessoas novas, sem muito compromisso, mas depois de uns

seis meses/um ano de término meio que tinha uma intenção de querer algo sério (não

procurava alguém para isso porque acho que no tinder é meio impossível, mas estaria aberta a

isso se fosse o caso).

Porque você acha q seria impossivel no tinder? A partir das suas proprias experiencias

no programa?

Impossível acho que é um exagero. Eu tenho amigas muito próximas que conheceram seus

namorados lá. Mas, no geral, o perfil de caras com quem eu me deparei é bem decepcionante

ahaha O que sempre me faz pensar porque eu ainda uso esse app. Então, na maioria das vezes,

é mais uma distração de ficar jogando para um lado e para o outro do que interagir de fato

com as pessoas. Acho muito desgastante porque acaba sendo raro sair com alguém e das

poucas vezes que tive um date de Tinder (acho que foram 3 ou 4 no total, não lembro), só um

foi realmente legal.

O que você considera um perfil ideal no Tinder? Levando em consideração as

informações e recursos utilizados mais do que o estilo da pessoa em si.

Perfil ideal é meio complicado hahaha.... Acho que um cara que não dê indícios de ser

reacionário, paneleiro, machista, etc. Em relação as fotos, que obviamente sejam fotos da

pessoa, com boa resolução, idealmente sem amigos ou sem óculos escuros, sorrindo. Bom ter

um perfil variado de cenários e situações também (acho que este fim era mais o que vc queria

haaha).

145

E um perfil não satisfatório?

Quando as fotos são muito pixeladas ou só tem foto em grupo ou mesmo só do cara de óculos

e você não consegue de fato vê-lo. Fora as fotos, quando a pessoa coloca uma descrição muito

clichê (o que soa especiamente artificial para homens, por algum motivo) ou muito

reacionária, machista, etc

Você costuma ler sempre as descrições e textos dos perfis? O que te leva a não ler?

Acho que antigamente você acabava lendo mais a descrição da pessoa porque você precisava

clicar nela para ver mais fotos se te interessasse. Como hoje em dia você pode ver todas as

fotos sem clicar, é bem raro eu abrir o perfil para ler.

Você acha importante que o usuário já fale algo sobre si mesmo e sobre as coisas que

gosta de fazer (seus hábitos de consumo)? Por quê?

Eu gosto que haja essa descrição porque você acaba eliminando um monte de gente meio

tosca, mas eu, por exemplo, não coloco nada. antes, eu tinha um trecho de uma música, mas

hoje acho que não tem nada mesmo. mas até acho que ter ajuda no início do papo

Aqueles perfis nos quais o usuário faz menção aquilo que espera ou que não deseja na

pretendente.. isso te passa que impressão?

Acho muito babaca quando um cara coloca coisas restritivas ou impositivas, tipo "tem que

gostar", "tem que saber" ou "não pago a conta, divido" (o que é a minha política, mas não

acho que precisa estar ali, sabe? soa grosseiro)

Acho que o pago a conta no perfil do tinder soa ate meio machista na verdade ate ne?

Nao sei…

Total!! acho que isso seria meio que uma forma de parecer que você tá comprando a pessoa.

Agora sobre as fotos, você já ate adiantou algo e vou pular a 8 (que seriam fotos que

você acha que deveria e não deveria estar ali).. Mas tem mais algumas coisas: você

considera que as selfies são boas opções de foto para se colocar no perfil do Tinder? Por

146

quê?

Eu não tenho no meu, mas não acho que seja um problema, desde que não seja aquela vibe

anos 2000 hahaha. se der bem para ver a pessoa e tudo, por que não? é algo comum hoje em

dia... nem sempre a pessoa vai ter fotos só dela em outros ambientes, tem quem viaje sozinho

etc.

Fotos em que os usuários estão bebendo, em uma festa ou com amigos te passam que

impressão?

Nossa, acho muito caído. Parece que a pessoa quer pagar de descolada, beberrona, mas é só

bem cafona mesmo hahaha. Quero dizer, se for o cara com uma garrafa bebendo apenas. Se

tiver um grupo numa mesa e uns copos, acho ok. Tudo depende da vibe, né? Não sei a

imagem que o cara quer passar se escolhe dentre tantas uma foto bêbado, transtornado em

festa, mas não é bem o perfil que eu procuro. Mas, como disse antes, eu acho que fotos em

grupos não ajudam muito no perfil da pessoa.

Você considera importante fotos que mostrem o corpo e o físico dos outros usuários?

Por quê?

Acho complicado... eu não gosto muito dessa vibe egotrip, mas é o Tinder, né? Como um

amigo diz, é quase um açougue hahaha É natural que haja fotos neste sentido. Acho que

prefiro algo mais sutil, uma foto de longe, mas não de biquini ou sunga dizendo "olha como

sou gostoso". Inclusive, tenho muita preguiça dessa vibe crossfit. Se tem, já acabo não

querendo a pessoa mesmo. É um pouco de preconceito, talvez. Mas é porque são raras as

vezes que a pessoa que faz crossfit não é completamente obcecada com o físico.

(to respondendo me sentindo mal com algumas respostas, mas no tinder a verdade é que você

parte de um monte de pré-julgamentos que fazem ou não sentido)

Perfis com poucas informaçoes passam qual impressão pra vc?

Como eu mencionei, não "exijo" isso, na verdade, porque 1) eu não tenho, 2) as vezes eu nem

vejo. Já poucas fotos, acho que provavelmente a pessoa não deve ser muito bonita ou tem

questões com autoestima

Você costuma procurar as pessoas em outras redes sociais, tipo instagram e facebook?

147

Por que usar essa estrategia? Voce ja teve alguma surpresa (alguma info q nao tava no

tinder mas voce descobriu no face, por exemplo..)?

Depende...se eu dei match e curti muito a pessoa, sim. Faço isso para ver melhor os gostos,

saber se é solteiro mesmo (já dei match com um par de homens em relacionamentos...) e se as

fotos do app correspondem à "realidade" (acho que no FB, por exemplo, tem menos filtro e

também há fotos de marcação de amigos)

O que acha de vincular a conta do instagram ao tinder? e a conta do spotify e a opçao

minha musica, você costuma reparar e elas te ajudam na experiencia no programa?

Já vinculei, mas não curti porque a pessoa começa a te seguir ou ser invasiva e é uma rede que

prefiro que seja mais pessoal. Em relação aos outros, eu gosto porque é uma forma de ter mais

acesso a fotos, por exemplo. Em relação à música, é algo que me salta aos olhos se tivermos

muito em comum, mas no geral, não dou muita importância porque não é um divisor de águas

(eu não gosto de metal, geralmente metaleiros não são minha vibe, mas se for uma música que

eu não goste num perfil que me parece que tenha a ver comigo, é ok)

Você repara tb nos amigos em comum e nos gostos em comum no facebook (as paginas

curtidas)? Qual a influencia delas?

Sempre ahahah. Nos amigos em comum, serve para fazer uma sondagem em algum momento

(dependendo do seu grau de intimidade com o amigo). As páginas levo, mas nem tanto (só

aparecem as em comum, e assim como eu curto coisas que eu não de fato curto por ser

jornalista, acredito que deva acontecer algo semelhante com outras pessoas também).

Você ja teve alguma decepçao no tinder? Um perfil que você curtiu muito mas na hora

da conversa ou do encontro nao era o q vc esperava? Algo q te surpreendeu tb

positivamente?

Sai com três ou quatro caras no Tinder e a maioria foi decepção, hahaha. O primeiro foi um

argentino que estava de férias no Rio e foi um príncipe, minha única experiência positiva.

Depois, teve um cara com quem sai meio que impulsivamente porque moravamos perto, mas

eu não o conhecia muito bem (no sentindo de ter desenvolvido uma conversa). E foi um

desastre: foi pouco tempo depois do caso de estupro coletivo no Rio, o cara disse que não

tinha sido estupro e tinha umas convicções/visões de mundo muito inacreditáveis do meu

148

ponto de vista. Teve um outro na época dos Jogos que só tinha fotos sério, mas achei que

fosse tímido, e, no fim, ele tinha dente podre ahahaha Não rolou. O último foi aqui em

Portugal, mas a gente se conheceu pelo Happn (que ai acho que não é teu campo)

Você fala sobre Instagram ser mais pessoal.. E Whatsapp? Você costuma "migrar" pra

lá? Como lida quando os caras pedem?

Ah, não vejo problema. Até porque eu entro pouco no Tinder. Então, acabo demorando muito

para responder se nosso contato se restringe ao app. Mas também não faço isso com todo

mundo, só com quem eu acho que realmente posso vir a sair e tal. Acho que nunca tive que

lidar com alguém que me pediu e eu não queria que tivesse meu wapp, por sorte.

149

ANEXO V

ENTREVISTA - JÚLIA

REALIZADA EM 02 E 06/11/2017 – VIA WHATSAPP

Idade: 25 anos.

Quanto tempo usa o Tinder e por que entrou no programa?

Eu uso o Tinder, desde que me lembro da existencia dele... ja exclui algumas vezes o app,

sem deletar a conta e ja deletei a conta algumas vezes tb... eu nunca namorei então pode

considerar que uso desde que foi lançado com algumas interrupções. Eu baixei o tinder

porque considero uma maneira muito prática para conhecer pessoas, eu me sinto numa

noitada, vejo quem me atrai e se vale a pena um “segundo encontro” que no caso seria

pessoalmente, considerando o primeiro encontro o match. O diferente e mais importante é que

posso tá jogada na cama, toda descabelada só fazendo minha seleção. Ao invés de ir pra uma

night, me montar e gastar $ haha :p

O que você considera um perfil ideal no Tinder? Levando em consideração as

informações e recursos utilizados (por exemplo, como usa as fotos e a opçao de texto)

mais do que o estilo da pessoa e seu gosto pessoal em si. E um perfil não satisfatório?

Sobre perfil ideal no tinder, eu por exemplo nao tenho descricao, entao nao levo em conta

supeeer a descricao. Ex: nunca deixei de dar like em alguem por nao ter descricao, mas ja

deixei de dar qd a pessoa poe algo mt cagado na descricao. Algo machista, pejorativo ou que

realmente va mt contra o que eu penso ou gosto... Sobre as fotos, homens costumam ter um

padrao, sempre vai ter uma foto sem camisa, o que eh ok... qd eu vejo que todas as fotos sao

assim ja me incomoda...em especial por ver essa exposicao e supor o qto o cara valoriza e

idolatra isso, o que nao eh o meu caso. Homens q colocam mts fotos em viagem tb me

incomodam, me passa a ideia de que quer aparecer ou que de fato eh uma pessoa muito

viajada, que ja foge de um padrao que no momento eu posso acompanhar... ou em ultimo caso

e que eu acredito ser mais raro, caras que nao tem costume de tirar foto entao de fato as

melhores fotos que tem sao em viagens... uma vez conversando c um menido do tinder

mesmo, comentei sobre isso sobre os perfis que eu descartava e ele falou q isso era

preconceituoso e realmente talvez seja, as vezes a pessoa eh rica e mt legal, mas eu ja to

150

descartando sem nem ao menos conhece la, por algo q ela pode nao ter nem “culpa” haha

Eu tenho essa nocao, mas to sendo sincera. O perfil, a descricao… As x uns caras vao ticando

o que curtem e tipo o que nao “toleram”. Acho meio bizarro tb embora faça sentido. Tem

perfil que eh bem claro de varias formas o que acho bom pq a pessoa vai atrair exatamente o

que ela quer. De uma forma geral, gosto de perfil simpatico, qd tem uma brincadeirinha, perfil

leve, qd a pessoa resume o que ela eh e nao o que ela faz. Tem perfil q eh assim: publicitario,

26 anos, barra. Ou entao so o instagram. Tipo prefiro qd o cara coloca algumas coisas q ele

curte fazer e um traço ou outro da personalidade. Se quiser posso olhar no tinder uns perfis

que acho legais e uns q acho tosco p exemplificar. E sobre as fotos… Acho legal por ex: uma

foto na praia ou ate em alguma viagem ou num bar, em jogo... fazendo algo q a pessoa goste

de fazer. Foto com pets… Foto c amigos ou familia tb sao bem vindas. Nada mt exibicionista.

Ahh.. Geralmente eu vejo na foto se me atrai e sempre leio o perfil (caso tenha), nunca dou

like direto…

Separei alguns perfis. Vou mandar uns q acho tosco.

[Imagens não exibidas para manter a privacidade dos usuários]

Esse exemplo eh perfeito: nivel superior em direito >>>> e eu to tipo: foda se. Se eh a

primeira coisa q ele tem pra falar..�.

Perfil quando a pessoa deixa no perfil o “zap” tb eh lamentável. Nao sei se cabe mas tem mt

perfil de: pago por sexo ou pra menage ou inversao de papeis… Eu ja recriminei mt ate

perceber q tem gente q ta ali procurando aquilo também. Entao so ignoro mesmo. Mas tipo a

cada 10-20 perfis tem de um a 3 nessas condicoes.

E o q vc sente quando vê esses perfis que ja falam o que esperam ou que nao querem na

pretendente? Que impressao te passa?

Cara eu acho que a pessoa “realmente” acha que vai encontrar essa pessoa perfeita, sabe? E

não vai ne? Acho q nessas horas n adianta vc ficar listando o que quer e o que não quer, tem

que ir mais pelas coisas em comum, até pq defeito td mundo tem...n tem pessoa nem

relacionamento perfeito. Mas no geral eu acho que sao pessoas chatas, q eu nao gostaria de

me relacionar. Ex: uma vez eu tentei fazer um perfil ai fui colocando emoji de coisas que eu

gostava... eu nunca faria um perfil citando o que o outro tem que ter ou que nao tem que ter...

acho que o correto eh falar de si e achar um pouco “de si” no outro: o match.

151

Então vc tb sempre le as descriçoes dos perfis ou tem algo que ja te leva a nao ler?

Eu leio so dos que me atraem fisicamente em alguma coisa rsrs

Ou qd algo no perfil eh curioso, me chama a atenção

E perfis que tem pouquissimas informaçoes? Que impressao te passa?

Cara eu respeito, penso que eh alguem que eh timido, que n eh bom c palavras, que nao teve

saco de criar um perfil, ou que n seria capaz de se descrever. Como compartilho do mesmo

sentimento, acaba sendo “indiferente”. Mas eu amo qd tem perfil, tipo vc ja tem uma nocao,

ate de como a pessoa escreve mesmo...por minimo que seja

Falando mais sobre as fotos: você considera que algum tipo de foto não deveria estar

presente no Tinder? E quais os tipos de fotos que você mais gosta de ver?

Eu particularmente nao gosto quando a pessoa coloca so do pescoço p/ baixo e justifica que

quer descrição… Gosto das fotos mais naturais possiveis...

Você considera que as selfies são boas opções de foto para se colocar no perfil do

Tinder? Por quê?

Gosto de selfie, simples, sem muita careta ou efeito. Acho que mostra o mais próximo da

realidade como a pessoa realmente é, fisicamente logico.

Fotos em que os usuários estão bebendo, em uma festa ou com amigos te passam que

impressão?

Acho ok, normal...sem problemas. Me passa a ideia que a pessoa curte sair, tem amigos, tem

uma vida social ativa, que bebe socialmente, tipo eu, então tudo bele!! Mas nada com mt

ostentação...

Você considera importante fotos que mostrem o corpo e o físico dos outros usuários?

Por quê?

Eu acho legal...pq vc ja ve logo o todo, mas não vejo nenhum necessidade em ter foto do

corpo. E por ex: uma foto de corpo inteiro, não precisa ser na praia ou academia, pode ser do

dia a dia mesmo... se tiver eh bom mas se nao tiver tb td bem... qse sempre tem

Eu vejo q eles meio q seguem um padrao com as fotos em q ter foto do corpo todo eh

152

necessario. E as vezes tem umas fotos tb que eh a mesma coisa que nada. Tipo de costas ou

muito de lado, c oculos e longe, resolucao ruim… E fotos tb que nao tem a pessoa, foto de

algo...de paisagem ou obejtos, ate acho q a pessoa tenta passar algo nisso mas n acho boa

escolha p foto de perfil…

Você costuma procurar as pessoas em outras redes sociais, tipo instagram e facebook?

Por que usar essa estrategia? Voce ja teve alguma surpresa (alguma info q nao tava no

tinder mas voce descobriu no face, por exemplo..)?

Quando o instagram ta vinculado eu costumo dar uma olhada... pq tem mais fotos ai da pra ter

uma nocao melhor de como a pessoa eh tanto fisicamente como o estilo de vida dela...

facebook eh mt raro, so se tiver algum amigo em comum que entro p confirmar quem sao os

amigos em comum... mas nunca descobri nada não, tipo da pessoa ta namorando ou algo do

tipo :)

O que acha de vincular a conta do instagram ao tinder? e a conta do spotify e a opçao

minha musica, você costuma reparar e elas te ajudam na experiencia no programa?

Instagram acho legal, pq da pra ver mais fotos e ver o estilo de vida que a pessoa leva, tipo de

coisa q ela costuma postar mas spotify eu nuncaaa reparo as musicas que tem vinculadas...

Você repara tb nos amigos em comum e nos gostos em comum no facebook (as paginas

curtidas)? Qual a influencia delas?

Amigos em comum sim... paginas as vezes ate olho pq eh a unica informacao que tem haha

mas nunca me ligo mt nisso... nunca fez diferença as curtidas em páginas do facebook… as

pessoas em comum influencia um pouco, as x eh amigo de alguem q ja tive algo...ai

dependendo ja evito ou descarto...e qd tem amigo em comum proximo as vezes pergunto algo

da pessoa

Você ja teve alguma decepçao no tinder? Um perfil que você curtiu muito mas na hora

da conversa ou do encontro nao era o q vc esperava? Algo q te surpreendeu tb

positivamente?

Às vezes a pessoa tem um perfil muito legal mas a conversa nao flui mt e nao rola nada...

meio decepcionante pq eh criada uma expectativa qd vc ve um perfil q te atrai muito...

153

mas sobre os encontros, nao tenho nada de negativo pra relatar, minha ultima experiencia foi

bem legal... algumas pessoas sai varias vezes outras so uma, mas como tem que ser mesmo,

igual fora do tinder, as vezes q gente sai com uma pessoa uma vez so e nao rola mais...

Você costuma ir conversar no Whatsapp ou fica só no chat do Tinder? Ou as vezes só

depois de um tempo q vai pro Whatsapp?

Sim, sempre venho pro whatsapp… Eu não costumo pedir o whatsapp não, mas se o cara

pedir, eu passo, pode ser no inicio ou depois... não tenho mt “toc” c isso não.

Você disse que já excluiu a conta no Tinder. Por quê? Por que não apenas deixou de

mexer nele?

Acho que foi mais coisa de TOC mesmo excluir o app. Pq tem como excluir o app mas sua

conta segue ative ou deletar mesmo a conta. A vantagem de só excluir é que você dá um

tempo, mas volta com o histórico lá. E quando deleta e volta, começa do zero. Já fiz das duas

formas. Quando deletei era porque realmente não tava afim de conhecer ninguém pelo app.

Então, não fazia muito sentido meu perfil ficar ativo e recebendo like. E quando eu deletei a

conta foi porque tava muito ruim, nenhum match legal. Aí quando você deleta, pensa duas

vezes antes de voltar né? Porque começa tudo de novo. Então você realmente fica um tempo

mais afastadas. Só deletar o app, às vezes, acaba voltando para dar aquela olhada só de praxe.

154

ANEXO VI

ENTREVISTA - GABRIELA

REALIZADA EM 31/10/2017 A 07/11/2017 – VIA WHATSAPP

Idade: 25 anos.

Quanto tempo usa o Tinder e por que entrou no programa?

Eu não sei dizer quanto tempo uso porque eu sou daquelas pessoas que usam, depois deletam,

depois se sentem culpadas, acham que nunca vão conhecer ninguém e aí baixam de novo.

Então tô nessa de deleta e baixa há mais ou menos dois anos, meados de 2015. Eu entrei

porque não sou muito boa em conhecer pessoas na vida real, assim em festas, esse tipo de

coisa, onde as pessoas costumam conhecer as outras. Eu também não gosto muito de balada,

coisa assim. Eu gosto de programas mais tranquilos, com pessoas que já conheço, então

sempre achei muito difícil conhecer pessoas novas. Então eu baixei assim de curiosidade

quando eu soube que isso existia. Eu achei que era uma boa ideia. Eu tava solteira na época e

baixei para conhecer pessoas novas. Eu tô usando atualmente.

O que você considera um perfil ideal no Tinder? Levando em consideração as

informações e recursos utilizados (por exemplo, como usa as fotos e a opçao de texto)

mais do que o estilo da pessoa e seu gosto pessoal em si. E um perfil não satisfatório?

Deixando um pouco de lado então meu gosto pessoal, eu acho que um perfil satisfatório é

aquele que tenha fotos, porque por mais incrível que pareça tem gente que não põe foto da

própria cara. Tenha mais de uma foto e que tenha alguma coisa escrita. Alguma coisa

curtinha, pode ser uma coisa engraçadinha ou irônica ou criativa… Alguma coisa que dê para

você ter noção mais ou menos do estilo daquela pessoa. E um perfil não satisfatório é um

perfil que você não consiga ver direito a pessoa. Eu acho péssimo, porque muitos homens,

acho que sei lá, a maioria tenta mostrar que é muito aventureiro no Tinder e eu acho isso um

saco. Aí tem uma foto na trilha e lá no alto da trilha tem a pessoa, de costas, e não dá pra ver a

cara. Aí tem uma foto surfando, com a água na cara, e não dá pra ver a cara. Uma foto

escalando de costas que só dá pra ver a pedra. Então eu acho que, pra mim, isso não é

satisfatório. Quando não tem nada escrito, também não é satisfatório. Ou então quando vem

alguma coisa escrita e é a pessoa cagando regra, tipo “se você for feminista, nem fale

comigo”, sabe? Tem um monte de gente que fica botando regra e eu não gosto. Então, acho

155

que resumindo: o perfil satisfatório tem pelo menos mais de uma foto, que dê pra ver o rosto

da pessoa, alguma coisa curta e objetiva, de preferência alguma coisa criativa ou engraçada; e

o perfil não satisfatório é aquele que não dá pra ver direito a pessoa, que não tem nada escrito

ou então que seja cheio de regras, parece que tem mandamentos para a pessoa muito sortuda

que vai dar macth com ela (acho isso um pouco arrogante).

E o q vc sente quando vê esses perfis que ja falam o que esperam ou que nao querem na

pretendente? Que impressao te passa?

O que me transmite é uma certa arrogância. Geralmente é assim “se você não gosta de tal

coisa, nem dá like”, “se você vai dar like, é pra puxar assunto”, “se você for de esquerda, não

dá like”. Eu acho que me passa uma arrogância porque você não quer nem conhecer outra

pessoa, você já faz imposições pra ela e me dá um certo desânimo. Então, geralmente, eu não

dou like nesses perfis. Eu leio essas coisas e já falo “ah não, você não”.

Então vc tb sempre lê as descriçoes dos perfis ou tem algo que ja te leva a nao ler?

Eu costumo ler sim. Claro que Tinder a gente julga pela aparência né? É claro que se tem

alguém que já não me atrai logo de cara.. Porque pra ver o texto, você tem que clicar em cima,

primeiro vem só a foto. Então é claro que quem não me atrai logo de cara, não faz meu tipo,

em relação à aparência mesmo, eu já descarto. Mas aí todo mundo que eu olho e penso “ah,

esse aí é bonitinho, gostei”, eu entro e leio. Se tiver alguma coisa escrita, eu leio tudo antes de

dar like. Nunca acontece de eu dar like só olhando as fotos, sempre leio antes.

Você acha importante que o usuário já fale algo sobre si mesmo e sobre as coisas que

gosta de fazer (seus hábitos de consumo) na descrição? Por quê?

Eu acho legal que fale alguma coisa sobre ele, sobre o que ele gosta. Não precisa ser uma

coisa muito didática, tipo “eu gosto disso, disso e disso, e não gosto disso”. Não precisa.

Porque isso a gente descobre conversando também. Mas eu acho interessante quando a pessoa

põe uma descrição mínima ali, falando dela. Esses dias eu tava conversando com um cara que

escreveu um parágrafo curtinho, “gosto muito de natureza, programas ao ar livre. Nem me

chame pra balada, me chame pra ver o por-do-sol”. Era uma coisa bem curtinha, mas já dava

pra ver o que ele gostava.

156

Agora sobre as fotos: você considera que algum tipo de foto não deveria estar presente

no Tinder? E quais os tipos de fotos que você mais gosta de ver?

Eu acho que os tipos de foto que não deveriam estar são fotos de grupo, porque é difícil

identificar quem é o dono do perfil ali, e também fotos que não deixem muito claro como é a

pessoa, em que ela esteja de costas, esteja longe. Ou então fotos em que realmente não

aparece a pessoa, fotos de bicho, de paisagem, de coisa assim. Também acho que não

deveriam estar fotos da pessoa sem roupa, coisas desse tipo, porque acho invasivo né? Você

nem deu match, você só tá passando e não é obrigada a ver. Mas também só vi uma vez esse

tipo de coisa, não é muito comum. E fotos que eu goste de ver? Acho que tanto faz, fotos

comuns, que eu consiga ver a pessoa, que pareçam realistas, não super produzidas e editadas.

Você considera que as selfies são boas opções de foto para se colocar no perfil do

Tinder? Por quê?

Acho que selfies podem ser boas opções sim, porque vejo como uma foto comum, como

qualquer outra. Se é uma foto legal, não faz diferença se foi ela quem tirou ou outra pessoa.

Tanto faz.

Fotos em que os usuários estão bebendo, em uma festa ou com amigos te passam que

impressão?

Essas fotos em festas, bebendo em tal, me passam sim uma impressão ruim. O que é uma

hipocrisia da minha parte, porque eu também bebo, também vou em festa e tal, saio com meus

amigos. Mas, o Tinder é uma vitrine né? A pessoa não te conhece direito e, enquanto ela não

te conhecer e não conversar com você, ela não vai te conhecer realmente. Então, naquele

espaço ali, a gente tem consciência que é um espaço limitado que você tem ali para passar

uma primeira impressão. Não é pra pessoa te conhecer a fundo, é uma primeira impressão.

Tem um limite de caracteres, não sei quanto é, o ideal é escrever pouco, tem um limite de

fotos… Então não é ali um grande álbum da sua vida. É uma imagem que você quer passar

né? Já que o Tinder é feito como uma vitrine pra uma primeira impressão, aquela que você

quer passar. Então se num espaço tão limitado, todo mundo bebe, todo mundo sai, mas se

num espaço limitado a imagem que você escolhe passar de primeira é uma imagem que você

tá na festa, bebendo e tal, me passa uma impressão de que a pessoa é meio fanfarrona, que ela

só quer “zoação”. E tudo bem, não tem problema. Mas como eu, apesar de beber e ir a festa,

157

eu sou uma pessoa mais sossegada, já olho pra esse perfil e isso já vira uma coisa contra. É

claro que assim, se eu me interesso ali pelo perfil e a pessoa tem uma foto em uma festa, não

vai ser isso que vai me fazer clicar no X. Porque não é nada que eu não faça também. Mas

ontem mesmo eu esbarrei com o perfil de um cara que tinha quatro ou cinco fotos e todas

eram com grupos de amigos, com cerveja na mão e festa, então se a pessoa escolhe passar

essa imagem é a primeira impressão que eu vou ter. Então, não gosto. Como sou uma pessoa

sossegada e tal, eu prefiro não dar like nessas pessoas. Mas cada caso é um caso. Não é uma

coisa restritiva, só conta um pontinho contra.

Você considera importante fotos que mostrem o corpo e o físico dos outros usuários?

Por quê?

Eu não acho muito importante foto que mostrem o corpo, mas eu geralmente gosto de ver foto

de corpo inteiro para saber se o cara é alto. Não pelo corpo em si, eu não ligo muito pra isso,

mas eu sou alta, tenho 1,72m e pra mulher é meio alta. Então, eu tenho esse preconceito, não

saio com homens mais baixos que eu. Então, normalmente, eu gosto de ver uma foto de corpo

porque dá pra ter uma noção mais ou menos se a pessoa é alta ou não.

[você acha válido então quando colocam características físicas escritas na descrição de

perfil, como altura e peso?]

Eu acho válido colocar a altura sim, porque é meio tosco né? Ah, meço tanto… Mas ao

mesmo tempo eu acho funcional pra mim, porque eu tenho esse preconceito com homem mais

baixo que eu. Altura eu acho válido. Peso não faz diferença.

Perfis com poucas informações passam qual impressão para você?

Eu não sei qual impressão me passa perfil com pouca informação… Não me passa nenhuma

impressão exatamente. Agora, eu não acho muito legal, porque se não tiver nada escrito, tem

poucas fotos, não tem outro meio de ver ele – não tem o Instragram vinculado, não tem nada.

E se a gente ainda der o azar de não ter amigo em comum, não ter página em comum, aí acaba

que eu não gosto de dar like em alguém que não tem nenhuma informação ali disponível para

eu poder ter uma primeira impressão. Eu não consigo ter nenhuma impressão sobre a pessoa.

Então, eu acho meio ruim.

158

Você costuma procurar as pessoas em outras redes sociais, tipo Instagram e Facebook?

Por que usar essa estratégia? Você ja teve alguma surpresa (alguma informação que não

tava no Tinder, mas você descobriu no Facebook, por exemplo..)?

Eu costumo olhar as redes sociais da pessoa, dar uma procurada, só se eu já tiver conversando

e interessada, porque aí eu vou buscar outras fotos que não estão ali ou outras informações.

Buscar outras coisas para confirmar se aquela pessoa é uma pessoa em potencial com quem eu

sairia. Se eu realmente tenho interesse. Agora, só ali na hora de dar like ou não no Tinder, eu

não costumo sair dali para olhar outra rede social para depois voltar e dar like. Porque acho

que dá muito trabalho… rs. Acho que só vale a pena olhar as redes sociais de uma pessoa se

você já estiver interessada, se rolar uma conversa. Então, eu nunca tive nenhuma surpresa

desagradável de olhar a rede social de alguém com quem eu já estivesse conversando. Uma

amiga minha, muito próxima, já teve. Ela conversava com um cara, já estava super próxima

dele, conversava há vários dias, e daí foi olhar o Facebook dele – porque eles tinham um

amigo em comum – e descobriu que ele tava namorando. Aí ela confrontou ele e ele “ah, mas

eu vou terminar...” e aí ela bloqueou ele. O curioso é que um tempo depois ela excluiu o

Tinder, voltou uns meses depois, deu match nesse cara de novo e ela tava bloqueada no

Facebook dele. Aí ela veio me pedir “olha o Facebook desse cara aí pra mim”, porque eu não

tava bloqueada né? Porque ele não me conhece… E aí eu fui olhar e ele ainda tava

namorando. Então, filho da puta, né?

O que acha de vincular a conta do Instagram ao Tinder? E a conta do Spotify e a opção

minha música, você costuma reparar e elas te ajudam na experiência no programa?

Eu acho legal vincular a conta do Instagram, são mais opções de fotos, né? Que não

necessariamente você quis selecionar para colocar ali. Eu já cheguei a vincular a minha,

quando eu baixei o Tinder da última vez, só que um monte de homem que eu NÃO dava like

começava a me seguir no Instagram ou me mandar mensagem por lá, e eu achava invasivo.

Porque se eu não te dei like é porque eu não quero, então também não quero que você fale

comigo em outras redes sociais. Aí eu tirei. Mas eu acho válido, se os homens soubessem se

comportar como pessoas normais, eu acharia bacana. Eu não faço mais, mas eu gosto quando

eu tô vendo o perfil de uma pessoa e tem o Instagram ali conectado para eu poder ver as fotos.

Acho que toda informação a mais é válida. O Spotify, eu confesso, que eu não costumo

reparar. Eu sempre vejo que tem ali música do Spotify, mas eu nem olho, nem reparo qual é a

159

música. Acho válido, mas não sei porque eu não acabo olhando. Acho que é porque eu não

considero importante o gosto musical, mas não vejo problema em colocar.

Você repara também nos amigos em comum e nos gostos em comum no Facebook (as

páginas curtidas)? Qual a influência delas?

Amigos em comum e gostos em comum eu reparo sim. Amigos em comum eu acho que não

tem muita influência, a não ser que assim é amigo de alguém com quem eu já tive um

relacionamento e tal. Aí, eu penso duas vezes. Mas os gostos eu acho que influencia sim. Eu

já dei like em pessoas que não tinham nenhuma página curtida em comum, isso não é um

critério de eliminação pra mim. Mas, se tiver um monte de gosto em comum… “Ah, curte a

página do político tal”, eu sei que tem uma visão política igual a minha. Esse tipo de coisa

conta sim, acho que é positivo. Influencia sim, mas não é determinante.

Você já teve alguma decepção no Tinder? Um perfil que você curtiu muito mas na hora

da conversa ou do encontro não era o q você esperava? Algo q te surpreendeu também

positivamente?

Eu já saí com algumas pessoas, eu fiz uma conta rápida aqui e foram seis pessoas que eu já saí

de aplicativo nesses dois anos. Eu saí com um cara uma vez que foi uma experiência legal

porque ele era uma pessoa legal. Eu acabei virando amiga dele, a gente acabou não

continuando o contato. Mas ele era muito legal, só que na hora não rolou muita atração assim.

Eu fiquei com ele, mas não foi o que eu esperava. Não teve a famosa química. Mas ele era

legal e não foi uma experiência ruim; ele me tratou muito bem, era educado e tal. Tirando ele,

todos os outros com quem eu saí eu achei muito legal, teve atração, teve química, foi muito

legal. Alguns eu saí uma vez só e nunca mais vi. Outros eu saí várias vezes e virou um mini

relacionamento. E todos se mostraram meio loucos depois, sei lá… Sumiram, surtaram,

ficaram com medo de compromisso e saíram correndo. Mas isso não é uma questão do

Tinder. Isso já aconteceu comigo e com as minhas amigas e com todo mundo um milhão de

vezes com homens que a gente conhece em todos os lugares possíveis. Mas falando dos

encontros em si, eu só tive experiências boas. Uma delas não foi tão boa assim, mas não foi

culpa do cara, foi porque não teve uma atração. Mas eu nunca tive uma experiência ruim ou

uma decepção, nada disso não. Surpresa positiva? Já teve sim. Já teve uma vez que tava

conversando com um e eu não tava muito interessada, sei lá, tava meio cansada e fiquei

160

respondendo só por educação, enrolando ali. Aí teve um sábado que eu tava em casa, não teve

nada pra fazer e nenhum dos meus amigos tava livre. Eu tava em casa sem fazer nada e já

tinha recusado umas duas vezes de sair com ele, aí ele falou “ah, você tá fazendo alguma

coisa” e eu disse que não e ele perguntou “vamos fazer alguma coisa?”. Eu fiquei meio

assim…. Aiinn, não sei. Mas fui por falta do que fazer, admito, e foi ótimo! Foi um dos

melhores encontros que eu já tive. A gente acabou não se vendo mais, porque ele

desapareceu, mas foi muito legal. Então essa foi a surpresa positiva, eu acho.

[E você acha que essa sucessão de encontros bons foi por já ter feito a seleção no Tinder

e já ter conversado com as pessoas online?]

Eu acho que o fato dos encontros terem sido legais tem muito a ver com já ter conversado

bastante antes de encontrar e já ter selecionado com um pouco de “rigor”. Não dá pra ter

muito rigor num aplicativo desses né? Mas ter selecionado bem pessoas que achasse que

tinham a ver comigo e tal. E acabei acertando, realmente tinham. É claro que isso não impede

de ter um encontro ruim, de ser um cara babaca, mal educado, alguma coisa assim. Mas dei

sorte também. Foram encontros bem legais. Tem uma parte de influência sim de ter sido

criteriosa na seleção e buscar pessoas que pareciam combinar comigo.

Você costuma ir conversar no Whatsapp ou fica só no chat do Tinder? Ou, às vezes, é só

depois de um tempo que vai para o Whatsapp?

Eu geralmente vou pro Whatsapp sim. Geralmente depois de um tempinho de conversa, se a

conversa tá sendo legal ou a pessoa pede meu Whatsapp, ou eu mesma peço. Eu acho melhor

também, fica mais pessoal. E o Tinder, às vezes, não aparece notificação. Dá uns problemas

assim.

Você disse que já excluiu o Tinder. Por que apenas não deixou de mexer?

Eu não sei, sou meio neurótica com essas coisas. Agora, por exemplo, eu tinha enjoado do

Twitter e excluído ele, e depois de dois meses voltei. Já exclui também todas as minhas fotos

do Instagram uma vez e resolvi começar do zero. Então quando enjoo do Tinder, eu deleto

para começar do zero. Se não, quando você volta, vai tá aqueles matchs antigos que deram

errado, que a conversa foi ruim…

161

ANEXO VII

ENTREVISTA - PAULA

REALIZADA EM 30/10/2017 – PRESENCIAL

Idade: 26 anos

Quanto tempo usou e porque entrou no Tinder?

Eu usei o Tinder de metade de 2014 a metade de 2015, parei porque comecei a namorar um

cara que conheci no aplicativo. Eu tinha voltado a pouco tempo do intercâmbio que fiz pra

fora e achei que seria uma opção interessante de encontrar pessoas que eu não encontraria

normalmente, seja por convivermos em mundos diferentes ou porque às vezes falta tempo.

Você não conhece ninguém porque tá preso nas suas coisas e achei que seria uma

oportunidade interessante.

O que você considera um perfil ideal no Tinder? Pensando mais nas ferramentas que o

programa tem do que no seu gosto pessoal, porque imagino que você até tenha um perfil

ideal nesse sentido…

Eu sempre procurava alguém que escrevesse alguma coisa, porque pra mim não era só uma

experiência que a pessoa era bonita e eu queria transar com ela. Eu, pelo menos, me interesso

e sinto mais tesão quando é uma coisa que transcende isso. Então tinha que ter alguma coisa

escrita, porque eu achava que era uma pessoa mais perto dos meus interesses. E aí com base

nisso, eu via o que tava escrito, se era do meu feito. Se era uma pessoa com gostos

completamente diferentes, eu não dava like. Mas as fotos também eram importantes. Eu

nunca dava like numa pessoa que não tivesse foto, não porque a pessoa poderia ser feia, mas

porque parece que ela tem algo a esconder. E também pessoas com fotos super sexys ou sem

roupa eu também não curtia, não me atraía. Então, precisava ter foto, mas não precisava ser

uma enxurrada de foto de perfil.

Mas e se tivesse só uma foto?

Eu achava que eu queria ver mais. Geralmente, eu tentava achar a pessoa em outra rede social.

Mas quando tinha mais de uma foto era mais legal. Quando tinha foto com interação com

outras pessoas também era interessante, em grupo, com a família, com animal de estimação.

Porque mostrava que não era um sociopata, sabe? (risos)

162

E pensando o contrário, o que você considerava um perfil ruim? Algo que você via e já

te levava a não curtir a pessoa?

Um perfil sem foto, sem texto. Mesmo se as fotos eram interessantes, eu não curtia se não

tivesse nada escrito.

Então, você sempre lia as descrições? E o que você achava interessante de ter nas

descrições?

Eu achava que as descrições me mostrava mais da pessoa. Não só se ela compartilhasse

gostos na descrição, mas inclusive a forma de escrever já me mostrava como ela era. Então, o

humor que a pessoa usava ou não. Se a pessoa também já listasse “eu não gosto disso e disso

e disso”, eu também não curtia. Não quero sair com uma pessoa que só porque eu tenho o

cabelo curto não quer me conhecer. Então, eu acho que isso já diz muito sobre a pessoa.

Sobre esses perfis que listam as características que consideram negativas no outro, que

impressão esses perfis te passavam?

Que é uma pessoa que já sabia o que queria, então não era uma pessoa que tava aberta a

conhecer novas possibilidades no Tinder. Segundo que eu acredito que as pessoas não se

encaixam em… “ah, se você tem cabelo curto, eu não quero te conhecer porque você é uma

pessoa horrível”. Eu acho que alguém que pensa assim é uma pessoa com mente fechada. É

alguém que eu não quero conhecer. Eu costumava gostar muito mais quando a pessoa falava

sobre ela do que aquilo que ela tava procurando ou não. Isso a gente descobre depois. Dá,

inclusive, pra você dar match, conversar, ver que não tem nada em comum e depois parar de

conversar. Era muito mais interessante quando o cara contava um pouco dele, o que ele curtia,

do que aquilo que ele queria ou não queria.

E quando, na descrição, os usuários falavam das coisas que faziam e seus hábitos de

consumo? Era algo que você gostava então?

Sim, eu podia ver se era algo que combinava comigo ou não, algo que eu gostava ou não. Em

questões políticas, por exemplo, se você alguém com uma visão completamente diferente da

minha eu não dava like. Tipo Bolsonaro. Se você uma pessoa extremamente religiosa, eu

também não dava like.

163

Agora sobre as fotos. Você acha que algum tipo de foto especificamente não deveria

estar no Tinder?

Não, acho que tem fotos que não me atraíam. Mas não tem um tipo de foto que não deveria

estar ali. Eu que as fotos servem pra mostrar um pouco do que ela é, do que ela faz e se ela se

sente confortável em colocar aquela foto… Aí cabe pra mim julgar se serve pra mim ou não.

Quais os tipos de fotos que você mais gostava de ver no Tinder?

São fotos que, primeiro, me interessem. Por exemplo, eu gosto muito de viajar. Então se a

pessoa tiver fotos em locais de viagem, me atraía. Fotos que mostrassem interesses em

comum. Foto em uma mesa de bar, é legal. É algo que eu gosto de fazer e já mostra que a

pessoa tem uma vida social. (risos) E também o que eu já falei, fotos com amigos e em grupo

eu também acho interessante. Tem gente que não gosta né? Que acha melhor só a pessoa. Mas

também tem gente que bota tanta foto em grupo que você não consegue saber quem é a

pessoa. Aí também não é tão legal.

E sobre selfie? Você acha que são boas opções de foto pro Tinder?

Existe tipos de selfies. Eu acho que é importante porque mostra como é a pessoa, o rosto dela.

Só que assim uma coisa é você tirar uma selfie no espelho fazendo biquinho, outra é você tirar

na praia, num lugar legal… Eu acho que é importante pra mostrar quem você é, seu rosto, mas

existem tipos de selfies que eu não acharia legal. Mas aí é gosto pessoal.

Você acha que tem selfies mais forçadas?

Sim, sim. Tem selfie de cara mostrando os músculos, de óculos escuros sem camisa, fazendo

biquinho… Essas coisas.

E quando era algo assim muito forçado, que impressão você tinha?

Eu achava que a pessoa tava ali só pra colecionar likes. E me passava a impressão de uma

pessoa que ia só querer me encontrar, me comer e nunca mais falar comigo.

E fotos em que a pessoa mostra o físico, sem camisa, o que você considera sobre essas

fotos?

164

Eu acho que, assim, quando a pessoa tem o físico bom, é legal de ver! (risos) Eu acho que se é

uma pessoa que tem dez fotos e uma dela é ela na praia, sem camisa, num ambiente que faça

sentido ela estar sem camisa… Vai ser legal! Mas todas as fotos sem camisa… Fotos sem

camisa no banheiro, na academia, em casa… Aí não! Eu acho que é forçação de barra e passa

a impressão de ser algo meio fútil e superficial.

Quando usam o humor no perfil, isso te agrada?

Era o que mais me agradava, ainda mais quando era irônico. Quando usava o humor

inteligente. Porque mostra muito da pessoa, mostra que a pessoa é geralmente inteligente e

perspicaz, e é uma coisa que me atrai nas pessoas.

E na hora da conversa, isso se mantinha?

Às vezes sim, às vezes não. Mas quando se mantinha, era muito mais interessante. E quando

não se mantinha eu acho que usava (aquela piada) com todo mundo. Porque normalmente a

pessoa vinha “oi, tudo bem? Tudo bem” e aí teve uma vez que, antes de me mandar oi, o cara

me falou “escolhe um número de um a cinco”, aí eu escolhi um número e o cara falou “tá,

nosso primeiro encontro vai ser não sei aonde”. Sabe? É interessante, é um jeito de quebrar o

gelo, uma abordagem diferente, mas obviamente eu não achei que ele tinha bolado aquela

piada só pra falar comigo. Eu achei que tinha sido uma coisa que ele falava pra todo mundo.

Às vezes, brincavam com meu nome, me chamavam de Lara Croft… Eu acho essas coisas

interessantes, porque mostram que não é sempre aquilo “oi, tudo bem, o que você faz...”. Eu

acho que é uma pessoa que, por exemplo, se você dava dois ou três matchs em outras pessoas

naquela semana, aquela pessoa era uma que se destacava porque não tinha sido uma conversa

genérica.

E você tinha muito dessas conversas que não fluíam, que morriam nesse papo genérico?

Tinham alguns que a conversa morria naturalmente. Eu parava ou ele parava de responder em

um ponto. Mas a maioria das conversas começava assim mas evoluía pra alguma coisa legal.

Começava a falar de trabalho, de faculdade, e aí evoluía.

E quando evoluía, normalmente, vocês iam pra alguma outra plataforma, como o

Whatsapp?

165

Sim, geralmente ia pro Whatsapp. Normalmente vinham com a desculpa “ah, eu não recebo

direito suas mensagens aqui, sua notificação não vem”. Mas pra passar meu número eu tinha

que tá conversando com a pessoa já e interessada, porque às vezes eu tava conversando mas

não tava interessada. Mas, como eu falei, eu geralmente procurava as pessoas em outras redes

sociais antes para saber um pouco mais dela. Eu pegava o nome e procurava pelos amigos em

comum. Porque, assim, no Tinder você só sabe o que a pessoa te deixa saber né? Então

quando você entra no perfil dela, você consegue ter uma abrangência maior; ver o que ela tem

publicado, o que ela tem falado. E, geralmente, isso era importante.

E quando você ia procurar a pessoa em outra rede social, você já teve alguma surpresa?

Alguma informação que não batia?

Já tive informações políticas que a pessoa não compartilhou no Tinder, a gente não conversou

sobre, mas eu acabei descobrindo no Facebook. Era tipo nada a ver comigo, “bolsominion”. E

aí eu já deixei a conversa morrer e tal.

E alguma surpresa boa? Teve?

Teve o X [atual namorado]! Eu procurei ele no Facebook e descobri que ele e meu pai eram

amigos! A gente já tava se falando no Whatsapp, aí eu adicionei ele no Facebook e ele viu

uma foto minha com meu pai e perguntou “esse cara aqui é seu pai?”, e eu respondi que sim.

E ele falou “então, a gente é amigo de bar”.

E um perfil com muito pouca informação? Que impressão te passava?

Eu ficava desconfiada. Se era uma pessoa que eu gostei muito pelas fotos, se não tinha nada

escrito, eu tentava achar essa pessoa. Se não tivesse amigo em comum, eu até podia dar match

e aí se a conversa rendesse eu continuava falando. Mas era mais difícil. A pessoa tinha que me

agradar muito pra eu dar like em alguém que não tivesse descrição ou que tivesse muito pouca

informação. E não tivesse amigo em comum, né? Porque quando não tinha amigo em comum

era mais difícil de descobrir também.

Mas por que você ficava insegura?

O primeiro pensamento porque minha mãe… Cara, minha mãe pirou quando eu tava usando o

Tinder. Achava que eu era uma puta que tava dando pra todo mundo. Aí ficava falando na

166

minha cabeça que eu ia morrer, que eu ia ser estrupada. E aí, assim, a gente como mulher

sempre tem medo de ser abusada né? Então, primeiro, eu ficava apreensiva de ser a pessoa

que dizia que ela era e de ser uma pessoa bacana. Porque, às vezes, pode ser a pessoa e pode

ser um abusador, né? Por isso, também, quando não tinha um amigo em comum, eu ficava

desconfiada. Quando eu tinha amigos em comum, era uma pessoa que eu tava falando há

muito tempo e a gente ainda não tinha se visto, geralmente eu perguntava, se você um amigo

próximo, pra esse amigo em comum sobre essa pessoa. “Qual é do Fulano? Ele é legal e tal?”.

Mas é isso: geralmente eu ficava desconfiada.

Você já teve alguma decepção no Tinder? Um perfil que você gostou muito, mas na hora

da conversa ou do encontro você viu que não tinha nada a ver.

Já, já. Já teve perfis que eu conversei e aí não tinha assunto, porque não tinha coisa em

comum, e aí nem evoluiu pro encontro. E eu já tive encontros com um menino que eu fui

descobrindo, e aí na questão política também, que era uma pessoa que não combinava comigo

também.

E sobre medidas de segurança ao usar o Tinder? Você já falou um pouco sobre.

Sim, procurar o perfil em outras redes, perguntar pro amigo em comum, não passar meu

Whatsapp logo de cara.

E na hora do encontro?

Geralmente, eu avisava a algum amigo que eu tava indo, mas só também. (risos)

O que você acha de vincular a conta do Spotify ao Tinder e escolher a opção Minha

Música?

Pra mim, não é algo que faça diferença. Mesmo se colocar Mayara e Maraysa. Óbvio que é

uma forma de saber mais sobre a pessoa. Você pensa “será que essa pessoa vai a festa

sertaneja todo dia?”, o que não combina comigo. Mas sobre gosto musical, eu sou muito

eclética e eu acho super interessante você trocar sobre música com as pessoas. Então eu acho

que eu acharia interessante porque é mais uma informação, mas não é uma coisa que seria

definitiva.

167

E a conta do Instagram?

Facilita as coisas, porque além de mostrar mais fotos e você poder ver mais de como a pessoa

é fisicamente, mostra os momentos sociais, os momentos de trabalho, momentos com a

família, que eu acho que são super interessantes pra você entender como é a pessoa. Eu acho

que no Tinder a pessoa pode escolher as seis melhores fotos dela e chegar na realidade e ela

não ser exatamente o que ela dizia. E eu acho que no Instagram você tem uma abordagem

muito maior, porque você pode colocar um número infinito de fotos, então você consegue ter

uma visualização do que a pessoa curte e de quem ela é muito maior do que no Tinder.

Já teve alguém que você encontrou e era totalmente diferente das fotos?

Não, ainda bem! (risos)

Você costumava ver os gostos em comum? Era importante pra você?

Sim, era bem importante porque aquilo de ver o que a pessoa tem em comum com você, o que

ela curte que você acha interessante. E eu tava conversando sobre isso com meu namorado,

assim que a gente começou a namorar, e ele falou que ele me deu match principalmente por

três páginas que eu curtia; uma era do Fluminense, outra eu não me lembro e a outra era uma

página do Bukowski, que é um poeta que eu curto e que ele curte muito e ele achou muito

interessante achar alguém que curtisse. Então, eu acho que pode dar essas coisas que você não

diria pra alguém que você conhece ali. Você não diria de cara “ah, você curte Bukowski?”. E

aí você pode ter uma visão pelas páginas que a pessoa curte que é interessante.

Teve algum perfil em especial que te marcou?

Além do meu namorado, teve um menino que eu saí por uns dois meses. Me marcou porque

ele tinha visões políticas muito parecidas comigo, ele fazia doutorado em Ciências Sociais,

então era uma área que me interessa, visões literárias parecidas com as minhas também. Foi

muito mais por essas coisas do que por fotos, pela aparência.

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ANEXO VIII

ENTREVISTA - THAYSA

REALIZADA ENTRE 06 A 11/11/2017 – VIA WHATSAPP

Idade: 29 anos.

Quanto tempo usa o Tinder e por que entrou no programa?

Não faço a menor ideia de quanto tempo uso o Tinder, mas faz muito tempo. Acho que uns

três, quatro anos. Desde que ele chegou no Brasil, eu comecei a usar. Usava menos. Tive uma

fase de usar muito, tive uma fase que eu só conhecia caras no Tinder e agora tô numa fase que

estou com preguiça do Tinder. Até porque eu já consegui contatinho suficiente no Tinder e

agora eu tenho que administrar os contatinhos ao invés de começar novos, basicamente. Eu

entrei no programa porque hoje é mais difícil de conhecer novas pessoas do que antigamente.

Seus amigos não te apresentam mais ninguém, então você tem que se virar sozinha. E aí já

funciona como um filtro né? Você já vê ali que o cara é babaca, quando coloca foto sem

camisa, foto de carrão, foto encostado na moto de braço cruzado, foto no espelho da

academia. Só pela foto eu já elimino 30% dos caras que aparecem – e nem é pela questão ser

bonito ou feio, é porque a foto me diz se ele é babaca ou não babaca.

O que você considera um perfil ideal no Tinder? Levando em consideração as

informações e recursos utilizados (por exemplo, como usa as fotos e a opçao de texto)

mais do que o estilo da pessoa e seu gosto pessoal em si. E um perfil não satisfatório?

Então, eu não tenho um perfil ideal. Eu tenho o perfil que não serve. Acho que vai muito com

o que eu acredito: eu acho que não tem homem ideal, mas existe homens que não servem pra

mim. Eu uso esse mesmo filtro no Tinder. Então, assim, se o cara é muito ostentação, tem

muita foto de carro ou de moto, de academia, de cultura ao corpo, essas coisas assim, eu já sei

que ele não serve pra mim e já tchau! Outra coisa que eu também elimino é texto babaca do

tipo “se você é gorda, dê X” ou “se não quer conversar, dê X”. A bio é pra você se apresentar,

não é pra você colocar condições. Se você tá colocando condições, por mais que eu te ache

um cara bonito, foda-se. Você tá eliminado. Às vezes, eu dou match, acho o cara interessante,

aí começa a conversa e ele vem com “oi, tudo bem?”. Depende muito do meu humor, mas na

maioria das vezes que a pessoa vem com um “oi, tudo bem”, eu acho a pessoa bem sem graça.

Porque eu vou te mandar um print do meu perfil no Tinder. Você vai entender o tipo de

169

pessoa que eu sou. Eu sou uma pessoa muito escrachada. No meu perfil, tem uma foto minha

fantasiada de palhaça, tem um monte de baboseira escrita. Então, assim, a minha bio abre

precedente para que a pessoa comece uma conversa com algo diferente de “oi, tudo bem”,

“quantos anos você tem” (porque isso tá escrito lá), ou “o que você faz ou gosta de fazer”.

Acho que tem assuntos mais interessantes. Em algum momento, vai chegar a hora de

perguntar isso, as amenidades. Mas eu acho que é um pouco entediante ficar respondendo isso

toda vez que você dá o match. Então, eu descombino quando eu vejo que a conversa vai ser

assim chata e monótona. Mas basicamente, de todos os recursos que tem no Tinder, o que eu

mais levo em conta é isso: se tem essas fotos de ostentação, foto de “sou fodão pra caralho,

hétero topzera”, eu já elimino. Se tem algum tipo de preconceito explícito na bio, eu também

já elimino. Do tipo, sei lá, gordas, pretas, brancas, verdes… Ou se você não fala, se você

fuma, eu também elimino. Tem também aqueles perfis de busca específicos, tipo

“dominadores procurando submissas”, “casais procurando mulheres pra fazer menage”, etc…

Enfim, como não é uma praia que eu não me interesso, pelo menos por enquanto… (risos) Eu

também já elimino também. Tem um fator que eu acho interessante, que é um único critério

que chama a minha atenção positivamente: caras que falam que tem filhos já na descrição eu

acho interessante. Eu já gosto do cara pelo grau de honestidade.

Você costuma ler sempre as descrições dos perfis? Tem algo que te leva a não ler?

Não sempre. Tem vezes que uso o Tinder para passar o tempo, tipo joguinho, aí olho só a foto

e pronto. Mas quando estou lá pra encontrar um crush, aí sim eu leio.

Você acha importante que o usuário já fale algo sobre si mesmo e sobre as coisas que

gosta de fazer (seus hábitos de consumo) na descrição? Por quê?

Importante não. Acho importante que fale algo interessante. Se é sobre si mesmo ou sobre o

que gosta de fazer ou se é uma piada sem graça, tanto faz, sabe? Só implico um pouco com

quem se acha a última bolacha do pacote, cheio de condições, restrições e blablabla.

E o que você sente quando vê esses perfis que já falam o que esperam ou que não

querem na pretendente? Que impressão te passa?

Me dá a impressão de que é uma oferta pública de ações. Que a pessoa tá ali fazendo uma

proposta de trabalho. Me parece mais uma prospecção do que um interesse em conhecer outro

170

alguém, sabe? É isso.

Agora sobre as fotos: você considera que algum tipo de foto não deveria estar presente

no Tinder? E quais os tipos de fotos que você mais gosta de ver?

Tem uma galera que coloca foto meio inadequada, tipo segurando o pau dentro do short…

Fotos que eu gosto são espontâneas, engraçadas...

Você considera que as selfies são boas opções de foto para se colocar no perfil do

Tinder? Por quê?

Nunca parei pra pensar nisso, acho que a pessoa coloca a foto que achar melhor.

Fotos em que os usuários estão bebendo, em uma festa ou com amigos te passam que

impressão?

Impressão de que bebem com os amigos. “Bhah”.

Você considera importante fotos que mostrem o corpo e o físico dos outros usuários?

Por quê?

Detesto. Como disse lá no início, uma das coisas que me irritam são culto ao corpo.

Perfis com poucas informações passam qual impressão para você?

Que a pessoa ou tem pouca criatividade ou tava com preguiça. Não é todo mundo que tem

talento com as palavras. Não me incomoda muito isso. Na verdade, assim, o que me incomoda

um pouco é a pessoa que coloca lá a altura, só e mais nada. “1,82m”. Você acha que essa é a

informação mais relevante sobre você? Que merda. Aí eu dou não. Mas não é por causa da

pouca quantidade de informação, mas por causa da pouca quantidade de informação mal

selecionada, entendeu? Por exemplo, tem um menino que eu saio que ele tem um descritivo

super curtinho, mas que eu achei interessante. Era tipo “piracicabano, ex-míope” e não lembro

a outra coisa, mas era uma frase assim curtinha, bem resumido do que ele é. Duas linhas,

então é pouco conteúdo, mas era legal, ok, serviu…

Você costuma procurar as pessoas em outras redes sociais, tipo Instagram e Facebook?

Por que usar essa estratégia? Você ja teve alguma surpresa (alguma informação que não

171

tava no Tinder, mas você descobriu no Facebook, por exemplo..)?

Não, não faço isso. Quanto a pessoa tem conectado o Instagram no Tinder, aí eu olho por ali.

Mas eu não procuro. Eu procuro depois do match, se a gente já tiver conversando, antes não.

Porque eu acho que é meio que roubar no jogo e já saber a carta que a pessoa tem na mão. Eu

prefiro conhecer a pessoa com aquilo que ela tá me apresentando. Inclusive fico puta quando

alguém vem me adicionar no Facebook. Deu match, me deu bom dia e já vai me caçando no

Instagram e Facebook. Eu não aceito no Facebook. Só aceito depois de já ter conhecido a

pessoa pessoalmente, não aceito nem um cara que conheci no Tinder sem ter encontrado. Meu

Facebook não é casa da mãe Joana para ter qualquer um lá não. E no Instagram beleza, porque

se a pessoa quer me seguir, segue aí lindão. Vai ver o que quer e o que não quer. Mas eu não

procuro não.

O que acha de vincular a conta do Instagram ao Tinder? E a conta do Spotify e a opção

minha música, você costuma reparar e elas te ajudam na experiência no programa?

Eu acho ok. Eu trabalho com marketing digital e mídias sociais, então acho que a minha

opinião não é o “brasileiro médio”, digamos assim. (risos) Eu tenho noção, eu sei como as

pessoas levam em conta as fotos e tal. Inclusive, quando você perguntou sobre quando a

pessoa tem fotos bebendo com os amigos e o que eu achava, pra mim não diz nada, mas eu sei

que as pessoas consideram isso. Minha relação com a bebida faz eu não me preocupar.

Quando eu era mais nova, eu tinha muita foto no Facebook bebendo e tal. E, hoje, apesar de

eu beber muito mais do que eu bebia naquela época, eu não tenho. Até tenho, aparece uma ou

outra, carnaval, festa e tal, mas eu não faço questão de ostentar meu estilo de vida beberrão,

como eu fazia quando era mais nova. Só que hoje eu sou sócia de uma empresa, então eu não

tenho que me preocupar com meus chefes ou RH, só com meus clientes. Então, eu meio que

tento deixar a coisa não tão escancarada, mas também sem esconder quem eu sou. Então,

meus clientes sabem que eu sou escrachada, que eu bebo e falo palavrão. E quem me segue no

Instagram e no Facebook também sabe disso. Então eu acho que, assim, vincular é mostrar

um pouco mais de quem você é. Um pouco mais do que a bio e a conversa. Tem um estilo de

música que eu já elimino de cara, que é a galera do heavy metal, porque eu não tenho

paciência. Porque, em geral, são pessoas que “ahn, sertanejo, ahn, samba, ahn, tudo”, só o

heavy metal é legal. Então, caguei, não quero. Elimino de primeira. Então, se o Spotify não

estiver vinculado, eu não tenho como saber que o cara é isso. Mas é certo que vai aparecer na

172

conversa, então é só um filtro com mais informações. Acho que é basicamente isso. Inclusive,

meu Spotify é vinculado ao Tinder, o Instagram também. Eu quero mais é que vejam que eu

só ouço bagaceira mesmo. De Fernanda Mendonça, Anitta, até Rio Negro e Solimões, com

intervalo de Vinícius de Moraes e Chico Buarque, porque essa pessoa sou eu, entendeu? Não

vou ficar fingindo que eu sou culta e ouço Mozart. Até ouço, mas né? Não com a mesma

frequência. (risos)

Você repara também nos amigos em comum e nos gostos em comum no Facebook (as

páginas curtidas)? Qual a influência delas?

Então, amigos em comum, no meu caso é um pouco complicado porque, como te falei, eu

trabalho com X, já dei palestras e já dei aula, e eu tenho muito contato no Facebook por conta

de networking. É gente que eu conheci em algum evento, vi uma vez na vida ou então me viu

na palestra e me adicionou. Então, não reparo nos amigos em comum, mas é por esse motivo

em específico. Eu acho que se eu tivesse um perfil em que não tivesse tantos perfis de

networking, assim, eu prestaria mais atenção. Aquele menino que eu citei como exemplo

antes. Ele morava na cidade que eu morava e eu não conheci ele lá, e a gente tinha dois

amigos em comum. Uma era a esposa de um cara que trabalhava comigo, então eu realmente

conheci ela e encontrei várias vezes. E a outra era uma menina que foi no evento em que fui

palestrante e me adicionou. Então, eu nem considero uma amiga em comum. É só um contato.

Você já teve alguma decepção no Tinder? Um perfil que você curtiu muito mas na hora

da conversa ou do encontro não era o q você esperava? Algo q te surpreendeu também

positivamente?

Eu tenho uma história muito bacana, que foi logo quando comecei a usar o Tinder. Eu sou do

Rio, mas moro em São Carlos, que é uma cidade universitária. Quando fui pra lá, eu tinha 25

anos e a galera era bem mais nova que eu. Eu não tinha muita paciência para conversar com

eles, porque eu sou velha de espírito há muito tempo. Aí tinha um cara que foi um dos

primeiros que saí do Tinder. A gente deu match e ficamos conversando por muito tempo,

porque ele era feinho, mas o descritivo do Tinder dele foi muito legal e eu dei match porque

achei muito legal. E aí a gente foi conversando, conversando, conversando, ele sempre me

chamava pra sair e eu sempre enrolava e tal. Um belo dia eu fui sair com uns amigos, estava

completamente bêbada, passei num corredor do pub e só ouvi alguém falar meu nome. E meu

173

nome é um pouco complicado, difícil alguém acertar de primeira, então quando eu escuto

alguém falar meu nome certinho, eu paro e olho porque sei que é uma pessoa que me conhece.

E era ele! Só que eu não lembrava. Aí eu “oi”. A gente ficou conversando, a gente ficou e ele

se ofereceu pra me levar em casa – só que eu fui com meus amigos mesmo, porque né? Não.

A gente continuou saindo quase um ano depois disso. Foi bem legal, porque nós dois

estávamos num momento em que não dava pra virar namoro e ele ficou sendo meu PA

durante muito tempo, muito tempo mesmo. (risos) A gente virou amigo, conversamos muito,

falamos muita besteira um pro outro. Então, foi uma surpresa boa. Muito mais pra amizade.

Tenho mais uma, que essa é mais curta. Lembra que eu te falei que uso o Tinder como

joguinho né? Eu fico lá passando os perfis. Tô sem nada pra fazer, vou lá olhar o Tinder. E

tem dias que eu tô mal humorada e faço competições idiotas comigo mesma, do tipo: “vou dar

10 corações não importa pra quem seja, sem ler e sem olhar”. Aí eu vou lá e dou 10 corações

e me fodo, porque dou match com umas pessoas bem aleatórias. Só que eu dei sorte de dar

match com um cara que também era feiozinho, mas, assim, eu gosto de feiozinho tá? Mas eu

dei match nesse cara que era muito fofo. Ele é muito legal. Aí a gente começou a conversar e

de cara o papo foi muito legal. E aí ele me chamou pra sair e eu falei que não podia e

realmente não podia. Era o final de semana de aniversário da minha mãe e eu tava muito triste

que não ia poder passar com ela. Aí ele ficou enchendo muito meu saco pra sair no domingo,

só que eu falei pra ele “cara, eu tô muito chata, tô triste, não quero sair, porque vou ser uma

péssima companhia”. Daí ele falou “vamos, se você não quiser mais e quiser ir embora, eu te

levo de volta”. Daí eu falei “então tá, mas eu quero ir no lugar mais pé sujo que você puder,

porque eu vou encher a cara”. E aí ele me levou num open bar. (risos) A gente saiu de casa

quatro da tarde, ele me deixou em casa seis da manhã. A gente tava bêbado horrores. A gente

continuou saindo algum tempo depois disso. Também foi uma surpresa legal. A gente teve um

monte de treta depois, mas é porque ele é capricorniano, eu sou taurina, é meio esquisito.

Mas, fora isso, tudo bem. E ele é também hoje muito meu amigo. Me ajudou com minha

mudança, enfim. A gente conversa pra caramba.

Experiência ruim… Pior que não! Porque eu sou muito chata no meu filtro. Se o cara vem e

pergunta “oi tudo bem, o que você faz?”, eu já tô de saco cheio, já dou descombinar. Porque,

mano, isso daqui não é entrevista de emprego. Seja interessante. Se é isso o seu padrão de ser

174

interessante, cara, você não serve pra mim. É aquilo que já te falei, a minha foto do Tinder

sou eu vestida de palhaça, a minha descrição tem falando que eu sou “botequeira (volte pra ler

isso de novo, não foi isso que você leu)”. Então, um cara que vem com esse papo feijão com

arroz, não! Então, eu descombino sem dó. Acaba que eu fico com muito pouco… A minha

conversão é muito baixa, porque dou match com vários, começo a conversar com alguns,

continuo a conversa com muito poucos… Não é nem que o tempo é longo. Já rolou uma

conversa interessante suficiente pra não me decepcionar com a pessoa. Já aconteceu de eu

encontrar a pessoa, sair e a pessoa ser maior legal, mas não ter aquela química de ficar. Mas

eu não acho que me decepcionou. Às vezes, o beijo não bate, fazer o quê? Decepção é gente

babaca e felizmente meus filtros com o Tinder funcionam. Não me arrependo de nenhum dos

caras que eu conheci. Tenho uma ótima relação com todos eles.

Pera! Tem o Fulano. A gente deu match no Tinder, papo maravilhoso, fiquei louca pra

conhecer ele. Depois disso, ele sumiu do Tinder. Quando exclui a conta e a conversa

desaparece. Eu já pensei “começou a namorar”. E eu não tinha ele no Facebook, nem no

Whatsapp. Aí passou uma semana, apareceu ele de novo no Tinder. Demos match de novo. E

a gente ficou nessa, uns três meses. Ele dava match, a gente conversava e passava um tempo

ele sumia. Aparecia de novo. Beleza. Eu falei “mano, na boa, por que você vive sumindo do

Tinder? Você tem namorada? É casado? Qual é o rolê? Pode falar”. Aí ele “não, nada”. Achei

muito suspeito. Porém, estava numa seca maquiavélica e tava muito afim de transar com ele,

porque o papo dele era muito bom, ele tinha uma barba linda e eu queria. Aí um belo dia, eu

virei pra ele numa tarde de sábado e falei “tô com fome”. E ele é metido a MasterChef e falou

“vou fazer lasanha, quer vir pra cá?”. Aí eu falei “quero, vem me buscar”. Aí eu fui pra casa

dele, a gente comeu lasanha, jogamos videogame e obviamente transamos e foi mó legal. Aí

eu, no dia seguinte, falei “você vai me contar o que que rola? O que é?”. Ele falou “não, nada,

não sei o que...”. Aí eu falei “você não me engana não, eu sei que você tem mulher na

jogada”. E aí qual era a jogada: ele era de outra cidade, ia pra lá pra estudar, tinha uma

namorada. Eles tentaram namorar a distância e não deu certo. Daí eles instituíram um

relacionamento aberto, só que era aberto mais ou menos, porque se ela descobrisse que ele

ficava com outras pessoas, ela ficava emputecida. Havia um acordo que ele podia ficar com

outras pessoas aqui e ela lá, mas ela não podia saber que ele ficou com alguém. Então, toda

vez que ele ia pra cidade natal, ele excluía o Tinder. Daí ele me adicionou no Facebook e eu

175

dei uma stalkeada no perfil da namorada, porque era fácil de achar ela, e realmente eles não

namoravam. Mas era um negócio esquisito! Não era uma decepção, ai meu deus. Mas eu

comecei a dar uma evitada e sair menos com ele. Mas a gente se fala até hoje, somos amigos e

tal.

Pelo o que você falou no último áudio, você aplica alguns filtros no seu próprio perfil,

concorda? Põe um pouco de humor no seu perfil para atrair pessoas que também

tenham um senso de humor. Mas em relação a decepções, na hora de conversar no chat,

você vê que não era esse tipo de pessoa que você queria atrair ou o perfil era muito mais

interessante que a conversa?

Ah, sim, nesse sentido de decepção sim. Vários, diversos, infinitos. Eu dou match com vários,

converso com alguns e continuo a conversa com poucos. Taí nesse meio esse critério de

decepção que você citou. Acho que o mais comum de todos é o cara ter o perfil super

interessante, ou coisas escritas do tipo “dá coração, puxa a conversa, que você vai descobrir”.

Aí você dá coração, puxa a conversa e o cara não te responde. Nunca fala com você. Então,

filho, se você quer bancar o simpaticão, seja simpaticão. Ser simpaticão só com que tipo de

pessoa você quer ser, já é uma decepção. Eu não sou padrãozinho, não sou loira, gata, alta,

magra, entendeu? Então, assim, eu já sei que não é todo mundo que dá match comigo. Pra que

você vai dar match se não vai falar? Então essa é uma coisa que acontece muito. Eu sou louca,

já puxo assunto falando alguma merda, mando algum gif dando hello, Bob Esponja, esse tipo.

Eu sempre puxo conversa e a grande maioria não responde. Essa é uma decepção. Outras

decepções têm muito que é o cara que tem um perfil interessante, mas na hora da conversa é

RH. Pergunta o que faz, qual sua música favorita. É um pouco decepcionante, mas é isso…

Tem bastante do cara ter o perfil interessante, mas não conseguir continuar uma conversa.

Durante um tempo, eu tinha no bloco de notas do meu celular um FAQ Tinder, porque todo

mundo perguntava as mesmas coisas. Por exemplo, quando eu falava que morava no interior

de São Paulo, todo mundo perguntava porque uma carioca foi morar em SP. Eu já tinha a

resposta pronta e dava ctrl c + ctrl v. isso era um pouco decepcionante, porque você não pode

fazer essa pergunta de uma forma mais interessante? Daí eu fui mais criteriosa com meus

matches e não precisei mais usar o FAQ do Tinder. Hoje, a cada dez matches que eu dou,

cinco viram algum tipo de conversa e dois passam de dois dias de conversa. E uma a cada

dois ou três meses… Quando a lua está cheia e Marte está em Vênus… (risos) Aí rola uma

176

conversa no Whatsapp e, dependendo disso, um encontro. Nesse momento, eu tô de saco

cheio da porra toda e não uso há algumas semanas. Mas daqui a pouco eu viro piranha de

novo, vou lá e dou mole pra geral, converso com geral, saio com uns dois, três, viro uma

temporada meio piranha e depois volto pra essa temporada de abstinência que tô agora.

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Anexo IX

Grade de Observação

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