FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção...

download FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação Religiosa

of 351

Transcript of FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção...

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    1/350

    See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/29733723

    SER PADRE PRA SER SANTO; SER FREIRA PRASERVIR: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA VOCAÇÃORELIGIOSA - UMA ANÁLISE COMPARATIVAENTRE RAPAZES E MOÇAS NO RIO DE JANEIRO

     Article · January 2004

    Source: OAI

    CITATION

    1

    READS

    129

    1 author:

    Silvia Regina Alves Fernandes

    Federal Rural University of Rio de Janeiro

    28 PUBLICATIONS  9 CITATIONS 

    SEE PROFILE

    Available from: Silvia Regina Alves Fernandes

    Retrieved on: 27 May 2016

    https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Fernandes?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_4https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_1https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Fernandes?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_7https://www.researchgate.net/institution/Federal_Rural_University_of_Rio_de_Janeiro?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_6https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Fernandes?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_5https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Fernandes?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_4https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_1https://www.researchgate.net/publication/29733723_SER_PADRE_PRA_SER_SANTO_SER_FREIRA_PRA_SERVIR_A_CONSTRUCAO_SOCIAL_DA_VOCACAO_RELIGIOSA_-_UMA_ANALISE_COMPARATIVA_ENTRE_RAPAZES_E_MOCAS_NO_RIO_DE_JANEIRO?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_3https://www.researchgate.net/publication/29733723_SER_PADRE_PRA_SER_SANTO_SER_FREIRA_PRA_SERVIR_A_CONSTRUCAO_SOCIAL_DA_VOCACAO_RELIGIOSA_-_UMA_ANALISE_COMPARATIVA_ENTRE_RAPAZES_E_MOCAS_NO_RIO_DE_JANEIRO?enrichId=rgreq-da51f340-65d4-472d-b69e-da40345b69d4&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI5NzMzNzIzO0FTOjEwMjQ4NTAyNDgzNzYzNEAxNDAxNDQ1NzQzMDEx&el=1_x_2

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    2/350

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    3/350

     

    “Ser padre pra ser santo”; “Ser freira pra servir”A construção social da vocação religiosa – uma análise comparativa entrerapazes e moças no Rio de Janeiro 

    SÍLVIA REGINA ALVES FERNANDES

    Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial

     para a obtenção do grau de Doutor em Ciências Sociais

    Orientador: Prof. Drª Cecília Loreto Mariz

    Rio de Janeiro, 01 de Dezembro de 2004

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    4/350

    II

    Banca examinadora:

    ___________________________________________________________________Prof. Dra. Cecília Loreto Mariz

    Doutora em Sociologia

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (Orientadora)

    ___________________________________________________________________Prof. Dra. Maria das Dores Campos Machado

    Doutora em SociologiaUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

     ___________________________________________________________________

    Prof. Dra. Márcia Pereira LeiteDoutora em Sociologia e Antropologia

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

     ___________________________________________________________________

    Prof. Dra. Maria José F. Rosado NunesDoutora em Sociologia

    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

     ___________________________________________________________________

    Prof. Dra. Márcia ContinsDoutora em Antropologia

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    5/350

    IIIAgradecimentosJoão Vítor, um dos exemplos mais contundentes de amor: um filho que não exigeo tempo,

     já que o amor o transcende e o transforma em presente;

    Luiz, presença continuada, terna, luz, mesmo na obscuridade dos meus silêncios;Glória, minha mãe, calidez, firmeza e docilidade; Filadelpho, meu pai:singularidade;Graça, José Carlos e Ana Clara: carinho, cuidados e divertimentos com JoãoVítor,tornando a vida dele menos “chata” em “tempos de tese” da mãe;Cecília Mariz, inqualificável: companheira de início de carreira e de continuidade,semprepronta a estimular, ensinar e a ouvir;Mª das Dores C. Machado, ou simplesmente, Dôra, com a qual não possomensurar o tantode estímulos e aprendizagens compartilhados;Amigos e amigas do CERIS de ontem e de hoje, especialmente: Katia, amiga comquemdividi muito dos percalços dessa trajetória; Marcelo, humor cotidiano, apoio técnicoeamizade solidificada; Lúcia Pedrosa, acolhimento e cumplicidade sempre; Andréa,umtempo bom de maturação afetiva; Rosana Heringer, sem fronteiras ou temposparamanifestação da amizade; Gruman, recentes trocas de saberes e inquietudes;RogerioDardeau, uma constância em aprendizados e gratuidades; Lenini, amizade e“ouvidos” demuitas horas;Luiz Alberto Gómez de Souza e Lúcia Ribeiro: amigos de tempos ricos ediferentes,presenças inspiradoras;Rapazes e moças informantes dessa pesquisa; mestras de noviças, formadores eProvinciais,que me abriram seus seminários e conventos para a realização gratificante desseestudoPe. Alberto Antoniazzi, Pe. Joel Portella, irmãs Nelsa, Luzia, Fiorenza: sugestõesbibliográficas, trocas sobre o tema da tese, respeito profissional e pessoal mútuos;CAPES: apoio financeiro por meio de financiamento de Bolsa de Estudos noperíodo deFevereiro de 2000 a Fevereiro de 2004, fundamental para a minha dedicaçãoexclusiva aocurso de doutorado em Ciências Sociais do PPCIS/UERJ e para a confecçãodeste estudo.

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    6/350

    VIResumoPadres pop-star, freiras sem hábito, jovens sem religião, jovens que procuram asinstituições religiosas em um cenário religioso brasileiro em mutação por força daintensificação da modernidade, ou da modernidade avançada que vem

    alimentando eproduzindo novos sujeitos sociais.A opção dos jovens pela vida sacerdotal e religiosa é o tema desse estudo queprocura realizar uma análise comparada de rapazes e moças católicoscandidatos/as a esseestilo de vida. A tese analisa as motivações dos/as jovens, suas trajetórias familiarereligiosa e suas representações sobre a Igreja católica, considerando-se osseguintes eixos:Os avanços e limites institucionais, a Renovação Carismática Católica e aTeologia daLibertação e ainda as visões sobre os padres cantores.Trata-se de um estudo sociológico da vocação religiosa no catolicismo a partir dosdepoimentos de 35 jovens (moças e rapazes) onde são levadas em conta suastrajetórias atéo momento de ingresso, e suas visões de mundo e autorepresentações. A partirde suasnarrativas se pode traçar seus perfis, os rumos de sua reflexividade frente àinstituiçãocatólica e as constituições de suas identidades. Nessa direção, tem-se ainda asconfigurações do masculino e feminino sob o foco da não ordenação feminina edos votosde castidade e obediência.AbstractPop-stars priests, nuns without habit, young people without religion, young peoplethat look for religious institutions in a changing Brazilian religious scene due to theintensification of modernity or the advanced modernity that has been feeding andproducingnew social subjects. The option of young people for sacerdotal and religious life isthesubject of this study that intends to carry out a comparative analysis of Catholicyoung menand women who are candidates to this life style.The thesis analyses the youngster’s motivations, their family and religioustrajectories and their representations about the Catholic Church, considering thefollowingaxles: the institutional advances and limits, the Charismatic Catholic Renewal andtheTheology of Liberation as well as their opinion about the singer priests.This is a sociological study about religious vocation in Catholicism, having as astarting point the testimonies of 35 young men and women, taking into accounttheir

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    7/350

    background until the moment of joining religious life, their world visions and selfrepresentations. From the narratives it is possible to trace their profiles, the routesof theirreflectivity in regard to the Catholic institution and the constitution of their identities.In

    this direction, the configuration of the feminine and masculine is also examinedunder thefocus of the denial of female ordination and the votes of chastity and obedience.

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    8/350

    1

    SumárioIntrodução....................................................................................................................... 4I- Abordagens atuais: esboço de um

    cenário................................................................ 4I.1-Estudos no Brasil.................................................................................................... 6I.2 Situação das vocações para a VR feminina e sacerdócio no Brasil...................... 10I.3 -Vocações, modernidade e identidade religiosa....................................................18I.4 -A perspectiva de gênero.......................................................................................22II - Metodologia e perfis.............................................................................................24

    III – Organização do estudo........................................................................................30Capítulo 1 - Representações da Juventude e desafios sociais................................... 321.1 Um conceito ainda impreciso ...............................................................................321.2 Juventude e problemas sociais - o olhar dos/as jovens religiosos....................... 361.3 Ser ou não ser jovem e a política do reconhecimento ........................................54Capítulo 2 - Sentir-se chamado: as motivações para a escolha do sacerdócio e da

    vida religiosa................................................................................................................. 592.1 Compreendendo a palavra vocação no discurso católico.................................... 592.2 O ambiente familiar e correlações possíveis para a opçãovocacional................. 622.3 A atração pela Vida Religiosa (VR) – visão das moças .......................................762.3.1 Os sinais como intuição primeira da vocação ...................................................782.3.2 Diferenciação ante grupos relacionais..............................................................

    832.3.3 A motivação através dos desafiossociais.......................................................... 882.3.4 A motivação através de eventos cotidianos.......................................................902.3.5 Serviço aosoutros.............................................................................................. 92

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    9/350

    2.4 A atração pela vida sacerdotal – visão dos rapazes ............................................992.4.1 Os sinais na visão dos rapazes.........................................................................1002.4.2 Desejo no coração...........................................................................................

    1072.4.3 Diferenciação ante grupos relacionais.............................................................1112.4.4 Menção a pessoas-chave para a opção vocacional.......................................... 1132.4.5 A motivação através de eventos cotidianos.....................................................1182.4.6 Serviço aos outros............................................................................................1202.5 Principais diferenças no discurso dos grupos feminino e masculino ................122Capítulo 3 – Visões sobre a Igreja católica – avanços e limites institucionais ......1253.1 Avanços e limites da Igreja católica – visão dos rapazes ...................................1263.1.1 A melhora no relacionamento com o povo ou com a sociedade......................... 1263.1.2 O Ecumenismo ................................................................................................13123.1.3 Problemas relacionados à formação no seminário ..........................................1353.1.4 Falhas na aproximação com o povo/sociedade................................................1413.2 Avanços e limites da Igreja católica – visão das moças .....................................1453.2.1 A melhora no relacionamento com o povo ou com a sociedade .....................1463.2.2 Atitudes do papa e sustentação institucional ...................................................1503.2.3 O combate à exclusão social............................................................................1533.2.4 O poder hierárquico.........................................................................................1573.2.5 O comodismo na evangelização ......................................................................1633.2.6 A atuação dos leigos ........................................................................................164Capítulo 4 – Teologia da Libertação e RCC – conciliações, antagonismos eponderações. Que influências na construção social da vocação? 1694.1 Teologia da Libertação e RCC – visão dos rapazes ...........................................172

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    10/350

    4.2 Teologia da Libertação e RCC – visão das moças .............................................191Capítulo 5 - Padres cantores e a mídia: representações da identidadesacerdotal2135.1. Os seminaristas e os padres cantores.................................................................

    2175.2 As jovens e os padres cantores ...........................................................................2255.3. Ser padre para que? Algumas projeções dos rapazes sobre o próprio futuro....2325.3.1 A busca de santidade ......................................................................................2335.3.2 A ênfase nos estudos .......................................................................................2335.3.3 Estudos e missão..............................................................................................2345.3.4 Missão.............................................................................................................2345.4 Ser freira para quê? Algumas projeções das moças sobre o próprio futuro .......2355.4.1 Mobilização social e estudos ...........................................................................2355.4.2 Estudos e missão..............................................................................................2365.4.3 Missão..............................................................................................................2365.4.4 A ênfase nos estudos .......................................................................................2375.4.5 Ausência de projetos pessoais .........................................................................2375.5 Sintetizando: padres, mídia e apelo vocacional..................................................237Capítulo 6 – A não ordenação feminina: delimitando as assimetrias de gênerona Igreja a partir dos/as jovens vocacionados/as 2416.1 O lugar da mulher na Igreja e o sacerdócio feminino – visão dos rapazes....2456.2 O lugar da mulher na Igreja e o sacerdócio feminino – visão das moças...........262Capítulo 7 - Homem e mulher na Igreja: espaços, afetos e configurações dasidentidades - Os votos de castidade e de obediência................................................2777.1 Os rapazes e a experiência do celibato ...............................................................2807.2 Castidade para as mulheres – experiências, desejos esublimação..................... 2933

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    11/350

    7.3 Sínteses possíveis – o sexo e o afeto.................................................................. 3047.4 Obediência – ressemantizações do discurso sobre liberdade ............................3077.4.1 As moças e a obediência – dilemas “intragênero” ..........................................

    3077.4.2. Os rapazes e a obediência - embates do masculino.......................................3147.5 Condições feminina e masculina – novas proposições?....................................322Apontamentos conclusivos.........................................................................................325A construção das identidades de padre e freira – principais elementos ...................326Relação indivíduo e Instituição – a tradição e o processo reflexivo ........................328Interfaces entre a vocação e as propostas da RCC e da TdL....................................329Principais elementos das condições feminina e masculina ......................................331Bibliografia: ................................................................................................................3354IntroduçãoI- Abordagens atuais: esboço de um cenárioOs estudos no Brasil que vêm discutindo os efeitos da modernidadecontemporânea na esfera religiosa têm concentrado a atenção no debate sobre oenfraquecimento institucional das Igrejas (no sentido da perda de influência para aadesão religiosa) e outros temas como trânsito religioso, sincretismo,fundamentalismoe novos movimentos religiosos1. Neste cenário - que se apresenta como um traçodareligião nas sociedades ocidentais - arvora-se, com base nos processos deindividualização2, que as escolhas religiosas não ocorrem necessariamenteatravés daforça da tradição religiosa, mas antes, em função de necessidades individuais, debuscade bem-estar numa perspectiva de maior valorização da experiência e menor pesodasinstituições de referência. Brandão (1992) já chamava a atenção para as nuancesentre acrença e a identidade católica no caso da diocese de Goiás, enfatizando anecessidade dese olhar as várias dimensões presentes na afiliação religiosa.As análises socioantropológicas, portanto, concentram-se na investigação dosvários tipos de adesão ou formas de ser católico na cultura brasileira e, em geral,

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    12/350

    abordam o ponto de vista dos adeptos, freqüentemente denominados de fiéis.Assim, osagentes religiosos que recebem da Igreja católica o papel de transmissão dareligião,costumam ser analisados de maneira genérica, com terminologia que demarca o

    aspectoinstitucional ("Igreja Romana", "Cúpula", "Clero"). Há poucos estudos queinvestiguemo clero e a Vida Religiosa (VR) 3do ponto de vista sociológico4 lançando o olharpara os1 Sobre a temática da desinstitucionalização e sincretismo ver os trabalhos de Cecília Mariz & MªdasDores Machado (1994;1998); Cecília Mariz (2000). Pierucci&Prandi, (1996) e Reginaldo Prandi(1999)discutem trânsito religioso e a relação entre mercado e religião. Para ter um panorama das novasreligiosidades e sobre fundamentalismo religioso, ver: Leila Amaral, 2000; Maria Clara Bingemer(2000);José Magnani (1999); Marcelo Camurça (1999).2 Sigo a perspectiva de individualização assinalada por alguns teóricos contemporâneos. AnthonyGiddens (1997, p.18) define a individualização como a exaustão, desintegração edesencantamento dasfontes de significado coletivas e específicas de grupos, como por exemplo, a consciência declasse. Nodecorrer do século XX a perda dessas fontes remete a um esforço de definição sobre osindivíduos. Essemovimento é denominado pelo autor como o “processo de individualização”. Numa linhasemelhanteRichard Rorty (1992, p.88) argumenta: “individualization means the variation and differentiation oflifestyles and forms of life, opposing the thinking behind the traditional categories of large-groupsocieties – wich is to say, classes, estates, and social stratification”.3 Ao longo desse trabalho utilizarei essa terminologia entendendo a VR como instituição que reúne

    oconjunto de congregações, ordens e institutos religiosos onde estão alocados padres, freiras eirmãos(religiosos que não optam pela ordenação sacerdotal).5sujeitos que estão ingressando hoje neste estilo ou modelo de vida. Os agentesreligiosos são percebidos pela sociedade como possuidores de visõeshomogêneasacerca da própria escolha; de sua forma de inserção nesta Igreja e sobre osvalores queconsideram importantes para a própria experiência religiosa.Em geral, os dados estatísticos sobre progressão ou regressão do clero são

    assinalados pela imprensa que costuma dar menor ênfase a aspectos subjetivosou àrelação com a instituição católica. Assim, se desvincula sistematicamente papelsocialde identidades individuais. Outro limite analítico sobre a temática é que o interessedasmulheres pela VR é freqüentemente desprezado como objeto de investigação

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    13/350

    sociológica, possivelmente pelo fato de que as freiras não compõem a hierarquiadaIgreja.Quando um jovem ou uma jovem opta em seguir o sacerdócio ou a VR, já nomomento de ingresso e no processo educacional dos institutos5, percebe-se que

    hárelações de poder que estão imbricadas com a perspectiva de gênero de nossassociedades. Um candidato ao sacerdócio deverá obrigatoriamente concluir o nívelsuperior antes de ser ordenado, ao passo que, para a jovem que deseja seguir aVR, onível superior não é uma condição necessária para a profissão dos chamadosvotos, quedemarcam a consolidação da vocação religiosa para a mulher e para os homensqueoptam por ordenar-se dentro de ordens e institutos religiosos. As diretrizes enormaspara este estilo de vida, muitas vezes podem traduzir-se, por um lado, em atitudesdeerradicação6 dos sujeitos autônomos frente à instituição e, por outro, incentivar o4 As análises teológicas são mais freqüentes devido à própria natureza do tema (PALÁCIO, 2001,pp.13-24; NERY, 2001, pp. 25-42). O CERIS (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais),órgãoligado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) realizou em 1998 em parceria com aCRB(Conferência dos Religiosos do Brasil) um estudo sobre a Vida Religiosa no Brasil e maisrecentemente(2000) uma análise sociológica de grupos na Vida Religiosa. Percebe-se que, mesmo as análisessociológicas, têm sido produzidas por interesse da Igreja, demonstrando que o tema suscita

    interesseinstitucional. Nos anos 60 aquele mesmo Instituto realizou um estudo sobre o papel do padre ondetemascomo condições de vida e celibato, além de outros, foram analisados.5 Segundo o Código de Direito Canônico (1983), é a seguinte a tipologia da Vida Consagrada:- VidaConsagrada Religiosa (câns.607-709)- Vida Consagrada Secular (câns. 710-730)- VidaConsagradaEremítica (câns 603)- Vida Consagrada da Ordem das Virgens (câns 604). Vale ressaltar que háuma notano Direito Canônico explicitando a não rigidez destas tipologias: “O novo código não usa mais adistinção entre Ordens e congregações religiosas. Ao prescindir – em relação aos institutos deVidaConsagrada – de qualificar os votos como simples ou solenes, a distinção perdeu sua razão deser. Agorafala-se unicamente de Institutos religiosos”. Até mesmo a tipologia rígida dos diversos institutos foiabandonada admitindo-se a interpenetração das diversas formas de vida. Por esse motivo, não meconcentrarei em uma classificação rígida para as instituições aqui estudadas.6 Para entender a dinâmica da erradicação dos sujeitos vale analisar o estudo de Klaus Theweleit(1987)sobre autoritarismo. Erradicar significa invisibilizar o sujeito enquanto agente dos processos dereflexividade institucional.6

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    14/350

    processo de reflexividade7 e mudança destes mesmos sujeitos, provocando umprocessode revisão de sua forma de inserção institucional.I.1-Estudos no BrasilFazendo um breve apanhado bibliográfico sobre estudos preocupados com

    padres e/ou freiras, destacam-se os que se seguem.Antônio Flávio Pierucci (1996) revela a origem sociocultural do clero católicona arquidiocese de São Paulo. O autor demonstra que o clero paulista éproveniente decamadas populares chegando posteriormente a constituir-se sociologicamentecomouma "camada de intelectuais", sem negar, entretanto, sua origem popular. Pieruccicontesta a historiografia brasileira sobre o período colonial que tende adesconsiderar aorigem social mais popular de grande parte do clero, além da proveniência dosmeiosrurais.Direcionando a análise não para a origem social do clero, mas para a relação quese estabelece entre clero e leigos na Igreja católica no período pós-conciliar,AlbertoAntoniazzi (1989), padre e assessor da CNBB, indica três situações diferenciadasdoleigo frente ao clero.1) Passividade 2) Dependência do padre no plano espiritual edoutrinário, mas com autonomia relativa quanto à ação 3) a situação das CEBs(Comunidades Eclesiais de Base) nas quais os leigos realizam atividadespastorais esociocomunitárias independente da atuação do padre. O autor não menciona oMRCC(Movimento de Renovação Carismática Católica), que também possui grandeautonomia frente aos padres locais (Fernandes 1996). Contudo, Antoniazzidestaca entreoutros elementos, as tensões e mudanças presentes no catolicismo que devemserentendidas de forma dialética. Diferente de Pierucci, o olhar daquele autor é dealguémvinculado à instituição e assim, trata a questão de maneira orgânica.Já Regina Novaes (1992) realizou um estudo de caso na diocese de Guarabira(PB) onde a partir de um conflito local com agricultores, os padres fizeram uma"grevesacramental". A autora situa todos os atores envolvidos no conflito e demonstracomo épossível “uma religião fazer unidade (catolicidade) para além das divisões internasda7 Para Anthony Giddens (1997, pp.37; 220) a reflexividade é a capacidade do indivíduo tanto deredescobrir a tradição quanto de dissolvê-la ainda que isso não implique numa necessáriaausência de

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    15/350

    tentativas humanas de controle do mundo. Para este autor a réplica da modernização reflexivaapregoaexatamente a coexistência de muitas modernidades.7própria Igreja e suas opções parciais numa sociedade dividida”. Este estudocontribui

    para a percepção de uma conduta religiosa dos padres ligados à Teologia daLibertaçãono sentido de identificar elementos presentes no tecido social que estariammotivandosua ação. Novaes ajuda a perceber os padres e seus embates cotidianos naatuaçãoparoquial.Uma importante contribuição sob o ponto de vista da recuperação histórica dosseminários brasileiros é realizada por Ken Serbin (1992). Neste estudo pode-se terumaidéia das mudanças ocorridas nos seminários a partir dos anos de 1930 até os

    anos de1990. O autor analisa como o contexto sociopolítico e religioso brasileiro nasdiferentesdécadas, pôde influenciar mudanças, sobretudo no que se refere à formação dosseminaristas. Ken Serbin nos traz ainda um quadro de algumas crises vividaspelosseminaristas no que diz respeito à sua inserção na Igreja. Trata-se de um dospoucosestudos históricos que aborda a questão das vocações não apenas do ponto devistaestrutural, sinalizando para questões de caráter privado.

    Mais recentemente, tentando perceber como os padres orientam seus fiéis no quese refere a temáticas ligadas à sexualidade e reprodução, especialmente nascomunidades paroquiais onde atuam, Lúcia Ribeiro (2001) identifica variações naorientação "pastoral" dos sacerdotes. Essas variações apontam para a existênciade umadefasagem entre doutrina institucional, orientação dos sacerdotes e práticas dosfiéis,sobretudo em questões de esfera privada. O estudo dessa autora aproxima-se dotrabalhode Novaes por abordar a prática dos padres, embora se diferencie por tratarespecificamente dos dilemas dos religiosos frente às normas institucionais,

    especificamente no campo da moral e da sexualidade.Luiz Roberto Benedetti (1999) preocupou-se com o perfil do que denomina"novo clero" brasileiro. A partir de uma investigação feita com ex-alunos deTeologiada PUC-Campinas, o autor analisa que há um retorno ao clericalismo. Sua análisedemonstra que o clero atual não é tão novo pelo fato de introduzir um refluxo dasinovações trazidas pelo período pós-conciliar. A análise de Benedetti, padre esociólogo, aborda aspectos considerados "problemas" pelos novos padres, para o

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    16/350

    exercício de sua vocação. Tais "problemas" estão relacionados, segundo o autor,nãoapenas com questões inerentes à vida institucional, tais como: excesso detrabalho edificuldades financeiras, mas também de ordem pessoal ou mais subjetiva como

    porexemplo, o celibato ou o enfrentamento de vícios como, por exemplo, oalcoolismo. Na8tentativa de compreensão dos mecanismos institucionais que formam o "novoclero",Benedetti inclui em seu trabalho uma análise dos conteúdos formativos dosseminários,vistos como instituições totais que impossibilitam os jovens que se dedicam à vidasacerdotal, de fazerem a experiência da vida cotidiana, enfrentando, por exemplo,otrabalho como meio de sobrevivência.Um dos trabalhos mais recentes sobre o clero católico foi realizado por Cozzens(2001). Produzido nos EUA e recentemente traduzido, o estudo analisa do pontodevista teológico e psicanalítico as principais questões que perpassam o universodospadres na atualidade. O autor discute os desafios da formação da identidadesacerdotal,os temas ligados à sexualidade (homossexualismo e pedofilia) e também arelação coma hierarquia. Apesar de apresentar um quadro denso dos dilemas experimentadospelospadres atuais, o texto possui um tom de orientação e aconselhamento quecompromete aabordagem mais neutra das questões.A abordagem de William Pereira (2004) parte de um survey aplicado aformandos e formadores na VR, selecionados nos institutos de Filosofia, TeologiaePós-Graduação lato sensu em uma metrópole da região sudeste. O autor discuteosdilemas da formação dos candidatos e candidatas à VR e ao sacerdócio, tratandodetemas como a desejo, sexualidade e psicopatologia na VR, além de apresentar umvastoregistro sobre os casos de pedofilia e escândalos sexuais na mídia nacional einternacional.Ainda no ano de 2004, o CERIS realizou uma pesquisa sobre o Perfil doPresbítero Brasileiro na qual foram trabalhados temas como vivência e práticareligiosados padres; formação; vida psico-afetiva aonde se inclui questões como o celibatoe,

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    17/350

    relacionamento com o mundo feminino; relação com o laicato e com as dioceses.Umdado importante dessa pesquisa e que chamou a atenção da mídia brasileira foi oíndicede 41% dentre os informantes que declararam ter tido envolvimento afetivo com

    mulheres na condição de padres; além do índice de 42% de padres diocesanos e44%dos padres religiosos que são favoráveis ao celibato facultativo para o clerodiocesano.O fato gerou polêmica na própria CNBB que preferiu chamar a atenção para odado de94% dos padres que se declararam realizados em sua função sacerdotal. 88 A pesquisa foi encomendada pela Comissão Nacional dos Presbíteros e apresentada aos Bisposreunidosem Assembléia Geral na cidade de Indaiatuba/SP em Abril de 2004. O relatório de pesquisa naíntegrapode ser encontrado no site do CERIS (www.ceris.org.br) sob o título Perfil do Presbítero Brasileiro(2004). Foram entrevistados 758 padres (com equivalência estatística para 71% do corpopresbiteral). A9A Vida Religiosa feminina no Brasil iniciou-se no período colonial e cumpriamuito mais uma função política-econômica do que propriamente religiosa.RiolandoAzzi (1983, p.24) destaca que havia dois modelos de VR feminina. O primeiroestavadestinado a mulheres brancas e da classe senhorial portuguesa e era constituídopelosconventos e o segundo - não reconhecido na forma canônica - era destinado àsmulheres

    negras e mulatas consistindo nos beatérios e recolhimentos.Segundo este mesmo autor a primeira experiência de VR feminina no Brasil foirealizada em Olinda (1576) como casas de recolhimento. Entretanto, aorganização daVR inicia-se mais efetivamente no século XVII, sendo as Clarissas na Bahia aprimeiracongregação de senhoras que vieram do mosteiro de Évora de Portugal em 1677.Mas éno período de 1870 a 1930 que se observa o ciclo de maior expansão dasinstituições deVR feminina. Embora seja notável a presença mais intensa de ordens e

    congregaçõesvindas da Europa, já no ano de 1825 nasce a primeira congregação femininabrasileirafundada pelas Irmãs do Ssmo. Sacramento. Ao final desse período de expansão,há 22congregações femininas nacionais9.Os estudos sobre freiras no Brasil são de caráter histórico e de fundamental

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    18/350

    importância. Não obstante, são raras as investigações de caráter sociológicosobre a VRfeminina, nas quais se pode privilegiar o ponto de vista dos próprios sujeitos emquestão, neste caso, as freiras. A seguir, abordo, em linhas gerais, algunscomentários

    sobre a bibliografia socioantropológica que analisa freiras no Brasil.Maria José Rosado Nunes (1985) inaugura este tipo de análise ao investigar amodernização da VR feminina catalisada por um determinado estilo de opçãoreligiosa:a presença das freiras nos meios populares. A autora mescla análise institucionalcom oponto de vista das mulheres revelando de modo crítico uma intrincada teia derelações.O trabalho de Mirian Grossi (1990) analisou também a VR feminina sob oângulo das famílias camponesas e da própria instituição católica. A autora abordaasformas de construção da identidade das religiosas residentes em conventos daregião Suldo Brasil.edição completa com comentários de especialistas foi publicada sob o título: O padre no Brasil(2005),pelas edições Loyola. A referência completa está citada na bibliografia final deste livro.9 O trabalho de Azzi é bastante extenso sob o ponto de vista da contextualização histórica dosconventosfemininos no Brasil. Na Bahia do século XVIII fundaram-se os conventos das Ursulinas das Mercêsem1735, Ursulinas da Soledade em 1739 e Ursulinas Franciscanas da Lapa em 1747. No Rio deJaneiro, aermida de Nossa Senhora da Ajuda é datada de 1749 e em 1750, Jacinta lança a primeira pedra

    para aconstrução da igreja e convento de Nossa Senhora do Desterro. Madre Jacinta é fundadora doconvento deSanta Teresa (AZZI, 1979, pp.223-233). Para um aprofundamento da mística de Madre Jacinta ver:Margareth Gonçalves, 2005.10Outro estudo sobre religiosas foi por mim realizado (Fernandes 1999)procurando revelar as crises e motivações de freiras para a vivência10 destaopção,aonde foram observadas as diversas modalidades de conjugação entre tradição emodernidade. As religiosas naquele estudo demonstraram intensa capacidadereflexiva e

    sinalizaram para um revigoramento da VR feminina.Tem-se ainda um olhar de "dentro" realizado por Tereza Venturim (2001),religiosa preocupada com a problemática da formação cidadã das freiras naatualidade.Maria Valéria Rezende (1999) analisa comunidades de religiosas inseridas nosmeios populares na região Nordeste. Esta autora trabalha com a abordagemweberiana

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    19/350

    das conexões de sentido como motivadora para o ingresso na Vida Religiosa edefendea existência de uma tensão entre carisma e instituição.Como vimos, há estudos sobre o clero já instituído seja realizado por agentes daIgreja católica, compondo inclusive seu corpo hierárquico seja por outros autores.

    Entretanto, estes analistas discutem parcialmente a vocação ou a motivação dosnovosvocacionados que poderão compor a base hierárquica do catolicismo. Percebe-setambém que, fora da instituição católica, a produção analítica sobre o tema daschamadas “vocações” é escassa.Penso que não seja possível compreender as transformações que a modernidadecontemporânea impõe à religião e, nesse caso, à religião católica, se nãoproduzirmosuma análise que compreenda facetas da reprodução do catolicismo nos níveishierárquicos. A adesão ao catolicismo é um ato que possui múltiplas formas emotivações e a vocação para o sacerdócio e para a VR pode ser lida como umadessasformas de adesão.I.2 Situação das vocações para a VR feminina e sacerdócio no BrasilAlguns elementos parecem estar mudando na forma de se viver hoje a VidaReligiosa11 ou a vida sacerdotal. Deparamo-nos com uma infinidade de novosestilos de10 O termo “vivência” é compreendido ao longo desse estudo como a “experiência sensível” queenglobaos elementos básicos do cotidiano: paixões, afetos, emoções, conflitos. (MAFFESOLI, 1998).11 Em meu trabalho sobre as religiosas, discuto algumas mudanças desse universo demonstrandoque asmulheres vinculadas a congregações religiosas atravessam um processo de redefinição ereflexividade que

    pode mobilizar ou questionar o estilo institucional vigente (FERNANDES, 2000-3/4).11padres e freiras. Essa diversificação ocorre principalmente a partir da metade dadécadade 60 com o fim do Concílio Vaticano II (1962-1965). Há nessas instituiçõessujeitosque crêem na possibilidade de surgimento de uma radicalmente nova instituiçãoda VidaReligiosa12.Nesse contexto de atualização ou de aggiornamento da Igreja católica, duastendências distintas de vivência do catolicismo irrompem: o Movimento de

    RenovaçãoCarismática Católica (MRCC) e a Teologia da Libertação (TdL). O MRCC,poderíamosdizer, é importado dos EUA e a Teologia da Libertação se consolida através deteólogoslatino-americanos, inclusive brasileiros. Não encontramos estudos quecorrelacionem as

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    20/350

    duas tendências com o mundo das vocações. Que tipo de orientação teológica-pastoralteria promovido maior sensibilização entre os adeptos para a procura da vocaçãoreligiosa, o MRCC ou a TdL13? Difícil obtermos uma resposta a essa pergunta. Háuma

    tendência no Brasil de se atribuir ao MRCC ou RCC (Renovação CarismáticaCatólica)a contribuição para um florescimento de novas vocações religiosas14, emboraainda seconstate uma crise de vocações para este estilo de vida. Os gráficos abaixotrazemalguns dados sobre o contingente de seminaristas e noviças comparando-se comocrescimento populacional a partir dos anos 70, primeira década posterior aoConcílioVaticano II.12 Depoimento de uma freira em uma assessoria que prestei em 04/2001.13 Quero lembrar, entretanto, que levo em conta que não apenas essas duas tendências ou formasdeinserção no catolicismo favoreceram ou favorecem a trajetória dos jovens para a vida sacerdotal ereligiosa, mas eles podem ter participado de outros movimentos dentro da Igreja que contribuírampara aescolha da vocação.14 Sobretudo a grande mídia tem estabelecido correlações entre a figura de Padre Marcelo Rossi,expoentedo MRCC no Brasil e o aumento de vocações sacerdotais. (Revista Época, 25/12/00; Revista Tudon. 10p.36, 37, 08/04/01; Caderno Megazine- O Globo 10/04/01; Jornal: A Folha de São Paulo, CadernoMais,11/04/04). O próprio padre Marcelo Rossi no documentário produzido por José Joffily, intitulado “O

    Chamado de Deus”, afirma que quando entrou no seminário o número de vocações era bemrestrito eatualmente, a partir do trabalho que realiza, o número de vocações vem aumentandosignificativamente.12Gráfico 1Evolução das vocações femininas e masculinas-80-70-60-50-40-30-20-100102030405060

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    21/350

    70801980 1991 2000População Sem. diocesanos Sem. Institutos NoviçasFonte: CERIS – Serviço permanente de Estatística / IBGE 2000Observa-se no Gráfico 1 que o crescimento da população brasileira na primeira

    década pós-conciliar foi de 27,78%. Nesse mesmo período os seminaristasdiocesanoscrescem 27,46%, há um decréscimo dos seminaristas dos institutos de -8,76% easnoviças têm um crescimento abaixo da população brasileira, representado em14,69%.A crise do clero dos anos 70 parece ter afetado mais diretamente os institutosreligiososque os seminários diocesanos.Na década posterior, de 1980 a 1991 a população cresce 23,37%, osseminaristas diocesanos ficam abaixo do crescimento populacional, apresentando

    umcrescimento de 16,74%; a situação dos seminaristas dos institutos se agrava econstataseum decréscimo de -71,21%. Surpreendentemente, as noviças crescemsignificativamente nesse mesmo período superando em três vezes mais (64,52%)ocrescimento da população. Que fatores poderiam explicar esse interesse dasmulherespela VR especialmente nessa década? Um elemento explicativo seria a fase deauge dasComunidades Eclesiais de Base e as propostas da TdL que encontram grande

    repercussão junto às congregações femininas. A convocação para a inserção oupara aconvivência com os segmentos populares é forte nesse período, assim como as13propostas de transformação social, catalisadas pelos ideais democráticos. Essesaspectosmarcam a Igreja católica do Brasil durante essa década. Todavia, esse apeloparece nãoter feito tanto eco junto às ordens e institutos masculinos dado o decréscimoobservado.No período compreendido nos anos de 1990 a 2000, a população brasileira

    cresce 15,65% e os seminaristas diocesanos apresentam um crescimento de39,19%,estando aproximados do crescimento dos seminaristas dos institutos quecorrespondeu a37,7%. O grupo de noviças é o que menos cresce, contudo mantém umcrescimento de14,77%, ou seja, aproximado ao crescimento populacional.Em números absolutos o CERIS registrou no ano 2000, 8.659 seminaristas

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    22/350

    ligados às dioceses brasileiras e 3.393 ligados aos institutos, obtendo-se um totalde12.052 seminaristas. As vocações para a VR feminina, entretanto, totalizam emnúmeros absolutos 3.140 moças entre noviças e pré-noviças.Gráfico 2

    Evolução das freiras em comparação com a população – 1970 - 2000-15-10-50510152025301980 1991 2000

    População FreirasFonte: CERIS – Serviço permanente de Estatística / IBGE 2000Se observarmos o contingente de freiras no Brasil, veremos que elas apresentamsignificativo declínio quando comparadas com a população brasileira ao longo dosúltimos 40 anos. Em 2000 elas apresentam um decréscimo de - 4%. Daí pode-seinferir14que no grupo feminino parece que as moças não se mantêm nos institutos, o quetemocasionado um quadro de religiosas com idade avançada nas congregaçõesfemininas.Em números absolutos o número de freiras em 2000 totalizou 35.732.Gráfico 3Evolução do Clero diocesano e religioso em comparação com a população –1970 - 2000-10-505101520253035

    401980 1991 2000População Clero diocesano Clero religiosoFonte: CERIS – Serviço permanente de Estatística / IBGE 2000Os padres, entretanto, continuam crescendo, sobretudo os diocesanos. Esse dadoaponta para uma crise de vocação mais aguda nos institutos religiosos. Naprimeira

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    23/350

    década pós-conciliar houve um baixo crescimento do clero diocesano e umdecréscimodo clero religioso em relação à população. Contudo, entre 1990 a 2000, o clerodiocesano cresce 35,6%, ao passo que o religioso apresentou um declínio de -0,85%.

    Em 2000 o clero diocesano totalizou 9.207 padres e o clero religioso apresentouumcontingente de 7.565. Somando-se as duas modalidades de clero, o contingentepresbiteral brasileiro corresponde a 16.772 padres15.Cabe destacar que, anualmente, há pedidos de laicização de padres o queredunda em uma baixa do contingente diocesano e religioso. Não há registro dos15 Trabalhamos com os dados de 2000 por dois motivos: 1) para viabilizar a comparação com osdadospopulacionais do IBGE e 2) pelo fato de que na ocasião da confecção desse trabalho o CERIS nãohaviaatualizado integralmente os dados referentes ao contingente religioso.15

    motivos pelos quais os padres solicitam essa laicização (deixar de ser padres),mas éimportante notar que após os anos 70 o número de padres que solicitamlaicização temse mantido estável e, pensando-se todo o contingente, esse número é tambémreduzido.Quadro 1Ano dereferênciaLaicizados dasdioceses

    Laicizados dosinstitutosTotal de laicizados1970 162 127 2891980 58 15 731990 30 36 662000 50 33 83Total 300 211 511Fonte: CERIS - Serviço Permanente de Estatística – 2000Pode-se verificar que as solicitações de laicização ao longo das décadas têm sidomaiores entre os padres diocesanos. Em ambos contingentes se observou maiordesistência da vida sacerdotal em 1970 quando ocorre a crise do clero brasileiro,impulsionada pela modernização da Igreja católica que se dá, sobretudo noperíodopós-conciliar 16.Voltando ao gráfico 3 nota-se que a diminuição dos padres religiosos deve-se aofato de que muitos missionários estrangeiros estariam regressando à sua pátria esendosubstituídos por padres brasileiros (Antoniazzi 2001a). Vemos que não apenasesse fato

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    24/350

     justifica a diminuição desse contingente, mas verifica-se a presença de um menornúmero de jovens que ingressam nos institutos religiosos.O estudo recente mencionado acima (Costa 2002) analisa ainda a relação entrecrescimento populacional e contingente de padres desde os anos de 60 até 2000,observando que há uma tendência atual, pela primeira vez no Brasil, de o número

    depadres crescer mais proporcionalmente do que a população. 17.Analisando a fase atual da VR no Brasil, Edênio Valle (2001) argumenta que háum aumento das vocações religiosas masculinas, embora exista um intensodebate sobrea qualidade dessas vocações. Como poderíamos entender essa demanda por"qualidade"16 Evandro Ruiz A Costa (2002) demonstra que a crise dos anos 70 segue até meados dos anos80. Em1990 esse crescimento é retomado.17 O Pe. Evandro Ruiz Costa (2002) realizou o estudo a partir dos dados disponíveis no AnuárioCatólico.

    16que se origina, sobretudo através do discurso de intelectuais orgânicos? A"qualidadedas vocações" é geralmente mencionada pelos agentes dos organismos da Igrejaquediagnosticam uma perda intelectual no novo clero. Os documentos produzidoschamama atenção para a necessidade de oferecer uma formação mais consistente nossemináriose a crítica se inclina em duas direções: 1) constatação de uma certa debilidadeintelectual18; dos formandos, em grande parte, oriundos de famílias pobres e sem

    grandes chances de estudo (a esse fato também se soma a deficiência do ensinonoBrasil); 2) o problema da falta de preparo dos próprios responsáveis pela formaçãodosrapazes nos seminários. Aqueles nem sempre são considerados suficientementeaptospara o exercício dessa função. Eles assumem uma responsabilidade educativaquecontempla as dimensões humana, afetiva e sexual (Marmilicz 2003).Após esse breve panorama que será retomado nos capítulos que se seguem,retornemos a algumas questões que orientam este estudo.Considero que qualquer associação entre o crescimento de vocações entre jovensligados ao MRCC e entre jovens que estariam orientados em sua prática religiosapelaTeologia da Libertação (TdL) seria impressionista, já que não possuímospesquisasqualitativas nesse campo. O que vale a pena observar, entretanto, é que osagentesreligiosos que abraçaram o modelo da Teologia da Libertação, em geral eram

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    25/350

    provenientes dos institutos religiosos e em menor proporção das dioceses. Já oMRCCcresce rapidamente nas dioceses brasileiras e possui, inclusive uma secretariaparaseminaristas, fundada em 1983.

    Sabe-se, contudo, que o recrutamento vocacional realizado pelas dioceses temsido intensificado ao passo que os institutos religiosos, por estarem muito ligadosàquestão missionária, só recentemente têm se preocupado com o dilema dasvocaçõesminoritárias. A partir dessa percepção, esses institutos femininos e masculinostêminvestido na propaganda através de Internet e revistas direcionadas ao tema19.18 Dentre autores que fazem essa crítica e que estão vinculados à Igreja pode-se citar AlbertoAntoniazzi(1998, p.607); Luis Roberto Benedetti (1999, p.110); Vitor Hugo Mendes (2002, pp.120-134).Quanto aos

    documentos da CNBB que apresentam essa preocupação pode-se citar: Diretrizes básicas daformaçãodos presbíteros da Igreja no Brasil (1994) e Formação dos presbíteros na Igreja do Brasil.DiretrizesBásicas, documentos da CNBB, 30 (1984).19 Não realizei um mapeamento extenso sobre os sites dos institutos religiosos que apresentaminformações sobre a própria ordem ou congregacão, além de telefones para contato etc. Contudo,qualquer busca rápida localiza milhares de sites dessas ordens e algumas fazem o trabalho deconvocaçãovocacional através da Internet. A Pastoral vocacional da Igreja católica organizou o sitehttp:

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    26/350

    participam ao longo da vida em ambas as tendências (MRCC e TdL) ou de outrosmovimentos eclesiais, sendo importante identificar como cada candidato aosacerdócioe à Vida Religiosa define sua pertença e quais são as representações que cada

     jovem

    possui dos fatores que o conduziu à escolha vocacional. É possível estabeleceresse tipode relação? Quais os bens simbólicos oferecidos por congregações e semináriosquefavorecem ou dificultam o ingresso para este estilo de vida? Como a VR e osacerdóciocontribuem na construção de suas identidades?Ao longo da história algumas interpretações de textos bíblicos tais como "AMesse é grande, mas são poucos os operários" (Mat. 9,37) ou "Muitos sãochamados,mas poucos os escolhidos" (Mat. 22,14) foram realizadas em uma perspectiva quebuscava legitimar a vocação religiosa (Vários autores 2000) no catolicismo. Outrasigrejas cristãs, entretanto identificam essa máxima como sendo um apelo a todososcristãos e não exclusivamente aos sacerdotes, seguindo a idéia de sacerdóciocomumconforme concebida por Lutero e os Reformadores. Mas quando se fala em crisedevocações no catolicismo, alguns dos membros ligados à VR ou ao clero nãoreforçamessa idéia, defendendo a visão de que a vocação religiosa é algo para poucos esempreserá reduzida, não havendo necessariamente uma crise. D. Eugênio Sales -identificado20 Em um dos mosteiros onde realizei entrevistas havia à época 24 moças que desejavam serfreiras, aopasso que entre os grupos de inseridas o maior número de moças que encontrei foi seis. Aconfirmação ounegação dessa hipótese exige estudos quantitativos.21 É importante lembrar que os/as jovens que procuram a vida religiosa ou sacerdotal podem aolongo dasetapas de formação desistir deste estilo de vida. Esta pesquisa investiga candidatos/as nos váriosciclos deprocesso de adesão considerando suas motivações para o ingresso.18

    com a ala conservadora da Igreja católica - em pronunciamento durante um dosencontros anuais com os padres declara que "há vozes alarmantes que anunciamumacrise"22 , mas ele próprio não acredita nisso. Também padre José Lisboa (2003) sepergunta se o problema das vocações seria de fato falta de padres ousimplesmente umadificuldade destes em assumirem um trabalho missionário que ajudaria a suprir aausência de padres em determinadas regiões do país.

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    27/350

    Sem desconsiderar que esse discurso religioso de alguns setores da Igreja podeestar funcionando no sentido de legitimar a escassez de pessoas que procuramesse tipode vida ascética, tem-se por outro lado, em vários seminários diocesanosbrasileiros, um

    aumento de candidatos em termos absolutos. Seria influência dos padres cantoresqueaparecem no cenário midiático nesta última década? O que estaria provocando noBrasilo movimento de ingresso em seminários? Quais são os projetos desses jovens aooptarem por esse estilo de vida? Como se estabelece a relação entre indivíduo23 einstituição católica na modernidade contemporânea? Haveria a busca desegurança, ou odesejo de distinção numa sociedade anômica? E os ideais de tom marxistaapregoadospela Teologia da Libertação ainda fazem eco quando se trata de optar pelosacerdócioou pela Vida Religiosa?I.3 -Vocações, modernidade e identidade religiosaCompreender o ingresso vocacional na atualidade ganha especial importância nocontexto brasileiro, embora possamos verificar que estilos de vida sacerdotal ereligiosamais conservadores parecem ser mundiais. Já no início dos anos 90 David Power(1990)analisando o aumento de seminaristas na África e na Ásia indica a existência deumaumento de conservadorismo em padres recém-ordenados, havendo maior ênfasenadistinção entre sacerdotes e simples fiéis provocando tensões na vida dosacerdote.22 Notícia da Catolicanet veiculada em 24/08/01. Cf.:

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    28/350

    que estaria em decadência, em sua visão, seria a motivação para a VR comênfase natransformação de estruturas sociais. Ao contrário, os/as jovens estariamdesejando umamissão mais explicitamente religiosa favorecendo, portanto, a vocação religiosa do

    tipoclássico. Diianni destaca ainda que na ordem das Dominicanas - tradicionalmentemaiscéticas quanto à vida religiosa clássica - não tem havido noviças devido àorientaçãomais voltada para transformações sócio-estruturais da ordem religiosa.Para compreender a opção de jovens para a vida sacerdotal ou religiosa é precisoconsiderar que vivemos em uma sociedade complexa, que carrega em si efeitosdamodernidade e, em movimentos simultâneos, produz reações a eles ou osincorpora numprocesso de naturalização. Berger (1999) assinala que a rejeição ou a adaptaçãosãoestratégias abertas para as comunidades religiosas no mundo secularizado. Asecularização é apontada pela literatura como um dos principais efeitos damodernidade,por outro lado, esse mesmo processo vem sendo questionado em sua origem econstataseque a modernidade produziu tanto o religioso quanto a sua negação, ainda queemesferas diferenciadas (Poulat 1992; Schelegel 1992). Assim, tem-se o “fim social”dareligião, mas não o declínio da religião na consciência individual.25 Cecília Marizchama a atenção, entretanto, para o fato de que, embora Berger afirme oequívoco dasteorias da secularização contrariando posições anteriores, este mesmo autor nãonegaque em alguma medida a modernidade seculariza a sociedade e as mentalidades.Nessesentido, o que Berger defenderia seria uma relação não necessária entre amodernidade eo declínio da religião (Mariz 2001).Alguns autores procuram lançar o olhar também sobre a esfera individual eassinalam que a modernidade traz em sua origem uma transformação daconsciência decada indivíduo o que produziria redefinições na esfera privada (Giddens1993;2002;Beck1992) e o indivíduo passaria a ser então, o que faz de si próprio.As análises de conteúdo mais global sobre a relação entre religião emodernidade permitem a apresentação do seguinte quadro. A modernizaçãoprovocaria

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    29/350

    a racionalização, a diferenciação funcional e o declínio do religioso (Dobbelaere1981)24 O autor é vigário formador geral dos padres Maristas, em Boston.25 Peter Berger (1999,p.3) assinala: “Secularization on the societal level is not necessarily linked tosecularization on the level of individual consciousness”. Por outro lado, também é presente no textode

    Berger a consideração de que há casos em que a religião pode ter um papel no mundo público,mas ter-seuma sociedade onde as consciências são seculares.20e ainda, a emergência da subjetividade, do pluralismo e de comunidadesemocionais(Berger 1985; Hervieu-Léger 1989). Em relação à América Latina talvez não sepossafalar de secularização, mas antes, de novas formas de expressões religiosas oudehibridismos, nas quais alguém pode pertencer a uma denominação cristã pelamanhã eoutra à noite (Davie 2000).Preocupado com as discussões atuais nos estudos da religião sobre o fim dosparadigmas, Joanildo Burity (2001) questiona justamente a maneira como se falasobrea relação entre religião e modernidade, dando-se como certo o fim de paradigmas.Oautor critica o que denomina "ecumenismo teórico" constituído pelo esforço dereposição de diferentes perspectivas, mas acredita que há uma rearticulação ou"versõesde um mesmo paradigma" sobre a religião enfatizando que os paradigmas tornam-se

    "circunscritos e menos universais". Cada vez mais a religião tem se mostradocapaz dereciclar suas práticas. Assim, a recomendação de Joanildo Burity, que carrega umtommetodológico, é de que o estudioso da religião considere a singularidade de cadacaso ea diferença que um estabelece em relação ao outro.A perspectiva que adoto é a de que há uma reformulação em curso dos sentidosdados à religião e na forma de considerá-la na esfera individual. Sua capacidadedereciclagem se dá tanto ao nível das formas quanto ao nível dos conteúdos e

    práticas. Aautonomia26, a relativização dos conteúdos religiosos, a busca ou o afastamentodosagrado são atitudes facilmente identificáveis na forma de se viver a religião nassociedades ocidentais. O desafio posto é o da identificação e compreensão deuma dasformas que geram maior ou menor combinação dessas atitudes constituídas sobas asas

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    30/350

    da modernidade entre os/as jovens que se dedicam à VR e à vida sacerdotal 27.Então, falar de vocação religiosa nesse contexto de livre escolha, por um lado,ou de enfraquecimento institucional, por outro, não em benefício do secular, masdo26 Giddens assinala que a “escolha ativa” produz ou é a própria autonomia e Beck considera que oconceito de individualização significa uma passagem da “biografia padronizada” para a “biografia

    escolhida” do tipo “faça você mesmo”, onde se apregoaria também autonomia (GIDDENS; BECK,1997). A utilização do termo autonomia neste livro está pautada numa idéia de que a autonomiadosindivíduos é construída sempre em “relação a”, que se traduz na capacidade do indivíduo em serautônomo frente a uma instituição ou rede social e dependente frente a outro segmento ou esferada vidaprivada e pública. Aqui analisaremos a capacidade dos jovens em se tornarem mais ou menosautônomosna relação com a instituição religiosa a qual pertencem. Agradeço a Maria das Dores Machado asugestãode contextualizar o termo.27 Embora seja conhecido um fenômeno relativamente recente de consagração de leigos, quepassam a

    viver inclusive o celibato, meu objeto de estudo se constitui por jovens (rapazes e moças) queestãoingressando na instituição de maneira mais clássica, ou seja, através dos seminários ou institutos eordensreligiosas.21religioso (entendido como crença em alguma transcendência) provoca umainteressantereflexão: se a autoridade institucional das Igrejas está em crise, a vocaçãoreligiosa seriaum tipo de exceção a essa tendência? Ou ela representaria uma composição oucombinação entre a escolha religiosa catalisada pela experiência e a necessidade

    deprescrições e legitimação da fé, que encontraria na instituição o seu respaldo?Essasquestões conduzem à discussão sobre identidade religiosa na modernidade.Para Charles Taylor (2000) a busca humana é sempre uma busca de sentido e adescoberta desse sentido se dá na articulação que conduz o indivíduo a nãoapenasacatar tradições de maneira incondicional, mas desenvolver suas próprias versõesdelas,empréstimos e semi-invenções. O autor argumenta também que as identidadessão

    moldadas parcialmente pelo reconhecimento28, e o não reconhecimento podecausardanos aos indivíduos. Para este autor, o elemento novo sobre o reconhecimentonassociedades modernas, é o fato de que essa exigência se tornou explícita, ou seja,há umadisseminação da idéia de que somos formados pelo reconhecimento. Estariamos/as

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    31/350

     jovens, ao optarem pela vida consagrada e sacerdotal, buscando algum tipo dereconhecimento social?Para Anthony Giddens (1993) e Manuel Castells (1999) a identidade sediferencia de papel social, embora ambos possam coincidir em alguns casos. Adiferença reside na questão do significado, que para Castells, é o elemento-chave

    que aidentidade organiza ou gerencia. Já os papéis sociais organizam funções quecadaindivíduo estaria desempenhando.Outro autor que discute a formação das identidades dando mais ênfase à relaçãocom a cultura moderna é Denys Cuche (1999). Para ele, as identidades seconstituiriamcomo um processo de negociação contínua entre o que se é e o que os outrosdefinemsobre nós.29Hervieu-Léger (1986) também vai abordar o problema da crise de identidade dospadres na França argumentando que há uma crise subjetiva amplamentedifundida nocorpo clerical que atravessa problemas de envelhecimento e simultaneamentecrise devocações.28 Para Charles Taylor há dois níveis de familiaridade do discurso do reconhecimento. O primeiroestariarelacionado com a esfera íntima onde a identidade e o self estão num diálogo contínuo e em lutapor seussignificativos. No segundo nível se destacaria a esfera pública através da política dereconhecimento igualonde se considera a política da igualdade - mais especificamente relacionada com os direitosuniversais -

    e a política da diferença onde há o reconhecimento da dignidade peculiar de um indivíduo ougrupo.29 Cuche cita Jean Pierre Simon com os conceitos de auto-identidade, que representa a identidadedefinidapor si mesmo e a hetero-identidade ou exo-identidade, definida pelos outros.22A constituição da identidade religiosa dos/as jovens religiosos/as é um doselementos que nos ajudará na compreensão das transformações que amodernidadecontemporânea vem infundindo à esfera religiosa. Portanto, o delineamentodestasmudanças através dos/das jovens vocacionados/as é a preocupação central deste

    estudo.I.4 -A perspectiva de gênero30Toda a investigação leva em conta a mediação de gênero na medida em que estacontribui para que se chegue a uma concepção diferenciada do tempo e dasrelaçõesentre natureza e cultura (Spivak 1994; De Lauretis 1994).Adota-se a perspectiva de gênero enunciada por Teresa de Lauretis (1994) no

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    32/350

    sentido de compreender este conceito como a representação de uma relaçãosocial. Poreste caminho, a compreensão dessas relações requer atenção às diferenças ecomportamentos das moças e rapazes, não no sentido da diferença sexualestritamente e

    em termos oposicionais, mas antes, no sentido das representações que estes jovensconstroem a partir de sua situação de gênero no processo de interação social.Considerando a perspectiva da mulher, Ivone Gebara (2000) trabalha a questãode gênero sob duas dimensões do mal vivido pelas mulheres enquanto sujeitoshistóricos: o sacrifício e a culpa. A autora – religiosa e teóloga que passou por umlongoperíodo de silêncio imposto pelo Vaticano - constatou que o sistema patriarcal e arelação ideológica entre mulheres e natureza serviram para construir e reforçarprocessos de exclusão e opressão. Este processo também seria presente naTeologia.Interessante observar que Ivone Gebara reconstrói sua história pessoal tentandoexplicitar as representações do mal que viveu desde o contexto familiar, por ternascidomulher. A autora comenta o sentimento ambivalente que sentia ao observar aexperiência de vida das mulheres com as quais convivia (mãe, tias etc.)demonstrandoque sua escolha pela VR foi uma tentativa de “valer por si mesma” e não pelosserviçosou funções femininas que pudesse desempenhar:30 A discussão conceitual aplicada aos dados da pesquisa será realizada no capítulo 6.23A opção de entrar numa congregação religiosa dava continuidade à minha

    lógica pessoal de valer por mim mesma. À primeira vista, isto pode pareceruma contradição, principalmente hoje, quando as instituições religiosasfemininas estão passando pelo crivo da crítica antipatriarcal. Mas para mimnaquele momento era um caminho de liberdade e de justiça (p.87).Também no estudo por mim realizado31, algumas religiosas interpretaram seuingresso como sendo motivado por um desejo de liberdade. Esta liberdaderepresentariauma libertação relacionada à posição de gênero e, neste sentido, uma liberdadededeterminada condição histórica de invisibilização e desvalorização das mulheres?Estepoderia ser um aspecto generalizável para as moças que buscam a VRatualmente? Quefatores condicionariam esta liberdade?32Como vimos, em números absolutos há menor número de moças que ingressamna VR do que rapazes. O que este quadro pode revelar para a discussão maisamplasobre os papéis de gênero em nossa sociedade? Que elementos podem estardesmotivando o ingresso das jovens à VR tradicional e aproximando os homensdo

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    33/350

    apelo institucional eclesiástico?Sabe-se que as mulheres são maioria nas mais diversas confissões religiosas.Elas lotam os estádios com shows religiosos, animam as romarias, as festasreligiosas eas atividades pastorais. Entretanto, parecem recuar diante de um compromisso de

    vidaque lhes exige a radicalidade da VR mesmo com a relativa flexibilização dedeterminadas congregações religiosas, sobretudo no Brasil.Outro aspecto investigado dentro dessa perspectiva é a questão do celibato paraos jovens e o voto de castidade para as mulheres. As freiras demarcam que, naVR se"escolhe" a castidade, enquanto que para o exercício do sacerdócio o celibato éimposto.Que elementos subjetivos ou históricos estariam demarcando essa diferença ou aassimilação dessa diferença para elas? Sabe-se que na VR, não é uma escolhalivre avivência da castidade, no sentido de que os votos são elementos constitutivosdessemodelo institucional significando que não se pode ser freira ou religioso sem aderiraeles. O celibato é um tema interessante na discussão de gênero porque expressaclaramente a divergência de visões sobre a forma como ele foi prescrito parahomens emulheres na instituição católica.31 Op. cit, 1999.32 O condicionamento da liberdade humana foi lembrado por Mariz e é aqui aprofundado, sobretudonocapítulo 7 a partir da discussão sobre autonomia.

    24Após essas considerações sobre as temáticas principais a serem abordadasnesselivro, destaco que procuro delinear ao longo dos capítulos os perfis sociais dos/das

     jovens que se candidatam à vida sacerdotal e religiosa no Brasil, identificandofatorespresentes na modernidade religiosa contemporânea que podem estar motivandotalescolha. A pesquisa visa contribuir no debate sobre duas grandes tendências deadesãoao catolicismo presentes no Brasil (MRCC e TdL) e por esse motivo a perspectiva

    comparada se realizará considerando os modos de inserção dos candidatos nocatolicismo, seja através da proposta da Teologia da Libertação (participação emCEBsou grupos ligados a TdL) e/ou via o Movimento de Renovação CarismáticaCatólica,sem deixar de levar em conta que tais tendências, nem sempre estarão presentesnatrajetória dos/as entrevistados/as.

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    34/350

    Entende-se que o estudo permite aprofundar o debate sobre a relação entre areligião e a modernidade, sobretudo por tratar-se de objeto de pesquisa que seencontrana fronteira dessa relação, levando em conta a combinação vista no Brasil entreum

    modo de ser padre que carrega elementos tradicionais e os recompõe comaspectosmodernizantes (Fernandes 2004).II - Metodologia e perfisAs entrevistas foram realizadas no Rio de Janeiro e em Duque de Caxias; esseúltimo, um município da Baixada Fluminense. Optei por entrevistar jovens dediferentesordens religiosas33 bem como em diferentes etapas da formação para o ingresso.Houvediversificação na escolha dos candidatos considerando-se também o tipo deopção queestariam realizando, ou seja, se desejavam ser padres ligados a uma diocese(seculares)ou a uma ordem religiosa (religiosos ou clero regular). Entre os rapazes temos umtotalde sete que estão vinculados a Institutos religiosos e nove que estão vinculadosàsdioceses.No caso das moças, procurei diversificar as congregações religiosas, mas todasas entrevistadas pertenciam a congregações de vida ativa na terminologiacanônica, o33 Por motivos éticos não poderei citar os nomes dos institutos religiosos visitados para a realizaçãodas

    entrevistas. Entre os femininos foram visitados 5 institutos, todos no Rio de Janeiro. Entre osmasculinosforam visitados três institutos religiosos e dois seminários diocesanos (Rio de Janeiro e Duque deCaxias).25que corresponde a religiosas que atuam em várias esferas do mundo secular:escolas,hospitais, pastorais sociais, comunidades periféricas etc.Foram entrevistados 35 jovens, sendo 19 moças e 16 rapazes. Encontrei maiordificuldade no contato com os rapazes por apresentarem menor disponibilidade detempo, justificada pelo período de dedicação aos estudos semanais; ao mesmotempoem que aos finais de semana, muitos realizavam atividades pastorais, não secolocandodisponíveis para a realização das entrevistas. Em um dos institutos contatadosentretanto, havia 15 rapazes em formação, mas apenas um se colocou àdisposição paraa entrevista.Minha apresentação e a solicitação para as entrevistas ocorreram de duas formas:

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    35/350

    1) através de contatos com padres ou freiras conhecidos, que sugeriam nomes deordensou congregações religiosas que poderiam estar abertas à pesquisa; e através dee-mails etelefones conseguidos por meio do Anuário Católico publicado pelo CERIS. Em

    geral,era feito um primeiro contato com a irmã superiora ou mestre de noviciadoexplicandono que consistia o estudo e se haveria disponibilidade para as entrevistas. Nocaso dosseminários e institutos masculinos, o contato era feito com o formador ou reitorresponsável. Recebi cinco recusas e apenas duas justificadas pelo fato de que osseminários ou casas de formação onde eu poderia encontrar os/as jovens nãoeramlocalizados no Rio de Janeiro. Foi uma prática comum os superiores e superiorasconsultarem os/as jovens antes de marcarem datas para as entrevistas. Estasduravamcerca de uma hora, sendo que a mais longa transcorreu em uma hora e meia.Utilizei ogravador em todas as entrevistas e as mesmas foram transcritas e analisadas demaneiracomparada acionando-se uma ou outra variável de acordo com o tema emquestão.Um clima de cordialidade transcorreu em todos os encontros, observando-se quehá diferenças importantes nos perfis dos rapazes e moças de seminário paraseminário,de congregação para congregação. Estas diferenças são observadas no modo defalar, devestir-se34; no modo de recepcionar-me, por vezes mais formal, por vezes maisespontâneo.34 Em algumas casas os rapazes se vestiam de modo mais informal, usando bermudas ecamisetas demalha, em geral, estampadas com símbolos da ordem ou de alguma pastoral da Igreja. Em outras,eles jáse apresentavam mais formais, com uso de clericman (um colarinho circular que envolve opescoço comuma pequena faixa branca central). Embora se faça a distinção entre seminaristas e noviços, nocasomasculino, optarei pela terminologia “seminaristas” para todos os rapazes entrevistados sejamaquelesque estão ligados a institutos religiosos, seja aos que pertencem aos seminários diocesanos.Entre as moças, algumas congregações utilizam hábito e outras não. Contudo, nas congregaçõesem queo hábito religioso não era utilizado as moças se vestiam com bastante informalidade.26Quanto às impressões gerais dos dois grupos entrevistados (levando-se em contaa divisão apenas por sexo) percebeu-se que as moças apresentaram maioresdificuldades35 para abordar temas relacionados à Igreja e períodos históricos ouaté

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    36/350

    mesmo algumas deliberações do magistério eclesiástico, como por exemplo, aquestãoda ordenação de mulheres. Esta dificuldade por si só, pode representar umadesigualdade quanto ao acesso ao conhecimento. Os rapazes que pretendemingressar

    no Seminário Maior devem ter necessariamente concluído o nível médio e deverãocumprir no mínimo sete anos de estudo para tornarem-se sacerdotes36, a etapa deformação de uma moça que deseja ser freira costuma durar aproximadamentequatroanos e neste período os estudos não acadêmicos se concentram na dimensãohumana enos chamados carismas fundacionais que estão relacionados com a propostapedagógico-espiritual do fundador ou fundadora do instituto ou congregaçãoreligiosa.O contato com as formadoras e formadores dos/as jovens vocacionadas/os37 foiimportante para se obter uma percepção mais geral do clima da formação. Algunsidentificaram problemas ou questões mais recorrentes, assim como dificuldadesnoprocesso formativo.Este estudo realizou uma análise comparativa de moças e rapazes que procurama VR e sacerdotal levando em conta as seguintes variáveis: idade, camada social,escolaridade/ou etapa da formação (noviciado, Filosofia, Teologia), religião dospais,participação na igreja, cor/raça.Trata-se de um estudo qualitativo que não permitegeneralizações dos resultados para o âmbito nacional. Permitirá, entretanto, queseidentifique tendências que possibilitem um maior conhecimento da realidadedestes35 Observa-se maior capacidade de articulação do pensamento entre os rapazes. As moçaspensam maissobre as questões propostas, utilizam uma linguagem menos elaborada, mas com raras exceções,conseguem opinar sobre os temas apresentados.36 Há aqueles que entraram com 15 anos, no caso de religiosos, que ainda não foram ordenados,compreendendo um período de cerca de 10 anos de formação. Consta no documento da CNBBintitulado: Diretrizes Básicas da Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil (1994) asorientações enormas para a formação dos jovens vocacionados. Na etapa denominada de Propedêutico, asDiretrizesindicam como elementos principais necessários: "Aprofundamento do discernimento vocacional;aprimoramento da formação humano-afetiva; formação espiritual com aprofundamento daexperiência de

    Deus, da leitura bíblica e da vida de oração e litúrgica; complementação da formação intelectual;iniciação e aprofundamento da vida comunitária; adequada compreensão da Igreja e do ministériopresbiteral". O documento destaca ainda que o Propedêutico é uma fase onde se deve privilegiar oamadurecimento do candidato com especial ênfase para a dimensão humano-afetiva. Eles deverãocursarposteriormente três anos de Filosofia e quatro de Teologia, para então se prepararem para aordenação.37 Os seminários e casas de formação onde os jovens ingressam possuem os chamados “mestrede

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    37/350

    noviços”, ou “mestra de noviças”, que são pessoas responsáveis pela formação. No caso dossemináriosdiocesanos há os formadores ou reitores que cumprem esse papel.27grupos, tendo em vista que se optou metodologicamente pela análise dediscurso38

    dos/as jovens por meio de entrevistas em profundidade.38 O uso dessa metodologia nos obriga a colocar na pauta duas considerações importantes dePierreBourdieu (2002, pp. 183-191) a respeito das histórias de vida: 1) o relato auto-biográfico semprebuscarádar sentido e coerência à própria narrativa, extraindo uma lógica retrospectiva e prospectiva entreosestados sucessivos. 2) O investigado no momento da entrevista realiza uma produção de si, daí aimportância de se tentar compreender as biografias não como uma série única de acontecimentossucessivos.28Quadro 2Dados dos/as entrevistados/asSexo/nomefictícioIdade Cor/raça Natural Escolaridade Etapa de formação39 Religião dos Pais ClassesocialTipo devocaçãoF – Celina 21 Branca PR Médio Noviciado Mãe cat pratic./painão praticantePopular Vida ativaF – Dalva 23 Branca RJ Médio Postulantado Católicos prat. Popular Vida ativaF – Berenice 24 Negra ES Médio inc. Noviciado CatólicospraticantesPopular Vida ativaF – Decir 26 Branca MG Médio Noviciado Cat. não prat. Popular Vida ativaF – Mônica 23 Negra MG Médio Noviciado Católicospraticantes

    Popular Vida ativaF – Márcia S/I Negra RJ Superior Noviciado Mãe cat; Pai nãoinf.MédiabaixaVida ativaF – Rose 31 Negra MG Fundamental Noviciado Mãe evangélicaPai católicoPopular Vida ativaF – Silvana 26 Branca RJ Médio inc Postulantado Cat. não prat Popular Vida ativaF – Vina 20 Mestiça RJ Médio Postulantado Mãe: s/religiãoPai: não informadaPopular Vida ativaF – Andreza 29 Branca RJ Superior Postulantado Mãe cat praticante Popular Vida ativaF – Alcinda 35 Branca ES Médio Noviciado Cat praticantes Popular Vida ativaF – Elza 24 Branca ES Médio Noviciado Cat não praticantes Popular Vida ativaF – Gelcir 24 Parda RJ Médio Aspirantado Cat praticantes Popular Vida ativa

    F - Joana 33 Mestiça AL Sup. Inc. Noviciado Mãe: não inf.Pai: católico prat.MédiaBaixaVida ativaF – Julia 21 Branca RS Médio Noviciado Cat. praticantes Média Vida ativaF – Miranda 23 Negra MG Médio Noviciado Mãe cat. praticante Popular Vida ativaF – Telma 19 Branca DF Médio Noviciado Católicos Popular Vida ativaF – Gilda 22 Branca SC Sup. Inc. Noviciado Católicos MédiaBaixaVida ativaF - Samira 31 Branca BA Médio Postulantado Cat. não praticantes Popular Vida ativa

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    38/350

    M - Alcir 22 Branca SE Sup. Inc. Filosofia Católicos nãopratic.Popular ReligiosoM - Lucas 25 Branca PR Superior Teologia - a ordenar Católicos prat. Popular ReligiosoM – Rivaldo 24 Branca PR Superior Teologia Cat. não praticantes Popular ReligiosoM – Jonas 27 Branca PA Sup. Inc. Filosofia Católicos pratic. Média ReligiosoM – Josafá 28 Branca PR Superior Teologia Católicos pratic. Popular ReligiosoM – Josué 34 Negra RJ Sup. Inc Filosofia Cat. não praticantes Popular Religioso

    M – Fabiano 23 Branca RJ Superior Teologia Mãe cat. prat./painão pratic.MédiabaixaDiocesanoM – Flavio 23 Branca RJ Superior Teologia Mãe cat. praticante MédiabaixaDiocesanoM - René 20 Mestiço RJ Sup.inc. Filosofia Cat. não praticantes Popular DiocesanoM – Juliano 34 Branca PR Superior Teologia Cat. praticantes Popular ReligiosoM – França 23 Branca PB Sup. Inc. Filosofia Mãe cat. prat./painão pratic.Popular DiocesanoM – Junior 21 Branca RJ Sup. Inc. Filosofia Católicos pratic. MédiabaixaDiocesanoM – Wagner 21 Negra RJ Sup. Inc. Filosofia Católicos pratic. Popular Diocesano

    M – Walmar 34 Negra RJ Superior Teologia - a ordenar Mãe umbandista.Pai S/ReligiãoPopular DiocesanoM – Marcos 24 Branca RJ Sup. Inc. Filosofia Cat. não praticantes MédiabaixaDiocesanoM- Neto 25 Branca RJ Superior Teologia Mãe cat.Pai evang.Média Diocesano39 As etapas de formação na VR compreendem três fases: Aspirantado, Postulantado e Noviciado.OAspirantado é uma fase preliminar de conhecimento do instituto ou congregação e durante esseperíodo,em geral, os/as candidatos/as permanecem nas próprias casas. Por Postulantado se entende afase anterior

    ao Noviciado na qual costumam ser trabalhados o auto-conhecimento dos/as candidatas e noçõesdocarisma da congregação. Já o Noviciado se constitui como um tempo mais intenso de estudos ediscernimento e como a última etapa antes da profissão dos primeiros votos.29Quadro 3Síntese dos dados dos/as entrevistados/asSexo Idade média Camada social deorigemPredominanteEscolaridadePredominante

    CorpredominanteReligiãopredominante(pais)Rapazes 25,5 Popular/média-baixa Superior Branca católicosMoças 23,9 Popular/média-baixa Ensino médio Branca católicosA partir dos quadros acima se tornam necessários alguns comentários que

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    39/350

    ajudem a vislumbrar de forma mais detida o perfil dos entrevistados. Como sepodenotar, os rapazes entrevistados apresentam idade média um pouco superior àsmoças.Em ambos os grupos, porém, se percebe a predominância da camada popular,

    categoriaconstruída a partir das informações sobre renda média familiar, profissão e níveldeescolaridade dos pais. No grupo de rapazes, dois deles são provenientes dacamadamédia e entre as moças, apenas um caso.40Quanto à escolaridade, entre as moças há quatro casos com nível superior ousuperior incompleto, e há uma moça que possui apenas o Ensino Fundamental,emborao Ensino Médio deva ser iniciado após a realização dos primeiros votosreligiosos41.Entre os rapazes, sabe-se que para a ordenação sacerdotal o nível superior éindispensável, portanto todos estão concluindo ou concluíram o nível superior emFilosofia ou Teologia .Em relação à cor/raça observa-se que há entre as entrevistadas, seis moçasnegras; duas mestiças e onze brancas. Já entre os seminaristas a grande maioria- dozerapazes - é branca, havendo três negros e um mestiço. Os dados sobre cor foramlevantados considerando informações sobre etnicidade e o fenótipo dos/asinformantes.A religião predominante dos pais de nossos/as entrevistados/as é o catolicismo.Entre as moças há um caso em que a religião do pai é desconhecida e a mãe ésem40 Um rapaz que é filho único e o pai é representante de vendas com renda estável, emboramorador deum bairro da zona norte; um rapaz cujo pai é médico; e uma moça de família proveniente da zonasul dacidade, filha de mãe pedagoga e pai, alocado na Marinha Brasileira.41 Como comentado anteriormente, a exigência de nível superior par a consolidação da vocaçãoreligiosase dá apenas no caso dos rapazes. Entre as mulheres exige-se que tenham o nível médio antes darealização dos primeiros votos. A moça que iniciará o Ensino Médio (Rose) após ter feito osprimeirosvotos constitui-se em uma exceção, que pode estar relacionada com sua própria dificuldade emconciliaras várias fases da formação religiosa com o ensino formal.

    30religião, e ainda um caso em que a mãe é católica e o pai evangélico. Entre osrapazeshá um caso em que a mãe é espírita e o pai sem religião, e outro, em que a mãe écatólica e o pai, evangélico.III – Organização do estudoA relação dos jovens com os compromissos sociais e as representações que

  • 8/16/2019 FERNANDES, Silvia Regina Alves - Ser Padre Pra Ser Santo; Ser Freira Pra Servir - A Construção Social Da Vocação…

    40/350