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FETUS - CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM MEDICINA FETAL FLÁVIA WERNER DA ROCHA JESUINO ANOMALIAS CONGÊNITAS: TRANSPOSIÇÃO DOS GRANDES VASOS DA BASE DUPLA VIA DE SAÍDA DO VENTRÍCULO DIREITO São Paulo (SP), 2011. FLÁVIA WERNER DA ROCHA JESUINO

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FETUS - CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM MEDICINA FETAL

FLÁVIA WERNER DA ROCHA JESUINO

ANOMALIAS CONGÊNITAS:

TRANSPOSIÇÃO DOS GRANDES VASOS DA BASE

DUPLA VIA DE SAÍDA DO VENTRÍCULO DIREITO

São Paulo (SP), 2011.

FLÁVIA WERNER DA ROCHA JESUINO

1

ANOMALIAS CONGÊNITAS:

TRANSPOSIÇÃO DOS GRANDES VASOS DA BASE

DUPLA VIA DE SAÍDA DO VENTRÍCULO DIREITO

Trabalho de Conclusão de Curso de pós graduação apresentado como requisito para obtenção do certificado de pós graduação na área de Medicina Fetal.

São Paulo (SP), 2011.

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FETUS - CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM MEDICINA FETAL

FLÁVIA WERNER DA ROCHA JESUINO

PARTE 1:

TRANSPOSIÇÃO DOS GRANDES VASOS DA BASE

São Paulo (SP), 2011.

FLÁVIA WERNER DA ROCHA JESUINO

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SUMÁRIO - PARTE 1: TRANSPOSIÇÃO DOS GRANDES VASOS DA BASE

1 INTRODUÇÃO…………………………………………….............................................04 2 DEFINIÇÃO...............................................................................................................05

3 INCIDÊNCIA..............................................................................................................07

4 ETIOPATOGENIA (CLASSIFICAÇÃO).....................................................................08

5 ANOMALIAS ASSOCIADAS.....................................................................................11

6 DIAGNÓSTICO PRÉ NATAL....................................................................................12

7 CONDUTA PRÉ NATAL...........................................................................................18

8 CONDUTA OBSTÉTRICA........................................................................................20

9 ASSISTÊNCIA NEONATAL......................................................................................21

10 PROGNÓSTICO.......................................................................................................24

11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................27

PARTE 2: DUPLA VIA DE SAÍDA DO VENTRÍCULO DIREITO

12 INTRODUÇÃO…………………………………………….............................................31 13 DEFINIÇÃO.......................... ....................................................................................32

14 INCIDÊNCIA..............................................................................................................34

15 ETIOPATOGENIA (CLASSIFICAÇÃO).....................................................................35

16 ANOMALIAS ASSOCIADAS.....................................................................................37

17 DIAGNÓSTICO PRÉ NATAL....................................................................................38

18 CONDUTA PRÉ NATAL...........................................................................................40

19 CONDUTA OBSTÉTRICA........................................................................................42

20 ASSISTÊNCIA NEONATAL......................................................................................43

21 PROGNÓSTICO.......................................................................................................47

22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................48

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1 INTRODUÇÃO

O sistema cardiovascular fetal possui um comportamento diferente do coração

de um adulto. A placenta age como pulmão, fornecendo oxigenação e troca de

metabólitos entre a mãe e o feto, os ventrículos, intra-útero trabalham em paralelo e

não em série graças a três comunicações importantes (o ducto venoso, o forame oval e

o canal arterial), que fecham logo após o nascimento. Esta circulação paralela permite

ao coração fetal adaptar-se às mudanças no fluxo sanguíneo de um ventrículo ao outro,

tornando possível ao feto sobreviver mesmo portando de graves anomalias cardíacas

estruturais, como a transposição das grandes artérias (COHEN, 2001).

A transposição dos grandes vasos da base foi descrita pela primeira vez em

1797 por Matthew Baillie, porém somente com o advento da ultrassonografia, da

ecocardiografia, do cateterismo intervencionista e do avanço das técnicas cirúrgicas da

atualidade é que esta anomalia congênita alcançou êxito no diagnóstico precoce,

tratamento adequado e melhora do prognóstico e da morbidade dos recém nascidos

acometidos.

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2 DEFINIÇÃO

A transposição dos grandes vasos da base (TGVB) ou transposição das grandes

artérias (TGA) é um defeito cardíaco congênito em que os dois grandes vasos que

transportam o sangue para fora do coração - a aorta e a artéria pulmonar estão ligados

(transposição) (ZIPES, et al, 2007). Isto significa que o sangue pobre em oxigênio

retorna da circulação sistêmica para o átrio direito (AD), seguindo para o ventrículo

direito (VD), e é então bombeado para a aorta e para a circulação sistêmica novamente,

enquanto que o sangue rico em oxigênio volta dos pulmões para o átrio esquerdo (AE)

e ventrículo esquerdo, (VE) sendo enviado de volta para os pulmões através da artéria

pulmonar, sem seguir para a circulação sistêmica (CHARPIE, 2009).

Nesta anomalia existe uma discordância ventrículo-arterial com conexão

atrioventricular concordante. Como a aorta origina-se do VD e a artéria pulmonar do

VE, as circulações pulmonar e sistêmica, no período pós natal, estão em paralelo e a

saturação sistêmica depende exclusivamente do grau de mistura entre as circulações

(ZIELINSK, 1997). Por isso, as comunicações entre a circulação sistêmica e pulmonar

da vida intra uterina devem permanecer no período pós natal através de um forame

oval patente, defeito atrial, comunicação interventricular (CIV) ou uma persistência do

canal arterial para garantir a sobrevivência inicial (HARRIS, 2007).

Ainda deve-se citar a transposição congenitamente corrigida das grandes

artérias (TCCGA) que se caracteriza por discordância atrioventricular e

ventriculoarterial. É comumente vista em associação com obstrução do fluxo pulmonar

e comunicação interventricular, mas também é descrita em conjunto com a síndrome de

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heterotaxia, ventrículo único e atresia valvar (WAN et al. 2009). Nesta anomalia, a

válvula atrioventricular esquerda é morfologicamente uma válvula tricúspide, enquanto

que a válvula pulmonar é uma válvula mitral (DAVID, 2010).

É uma forma rara de defeito cardíaco caracterizada pelos átrios conectarem-se

com ventrículos anatomicamente discordantes, e os ventrículos conectarem-se com

transposição das grandes artérias, o que permite uma compensação hemodinâmica

(SHIMA, et al. 2009).

Transposição completa Transposição corrigida

Figura 1: VD: Ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; AD: átrio direito; AE: átrio esquerdo; AO: Aorta; TP: Tronco pulmonar.

VE VD

AE AD

VD

AE AD

AO TP AO

TP t

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3 INCIDÊNCIA

A doença cardíaca congênita é o defeito congênito maior mais comum,

ocorrendo em 4-8 por 1000 nascidos vivos. Dentro deste grupo, a TGVB é responsável

por 5-7% de todas as doenças coronárias, sendo uma das doenças cardíacas

congênitas mais freqüentemente diagnosticadas no período neonatal (DE LUCA et al.,

2009).

É o tipo mais comum de malformação cardíaca cianótica no primeiro mês de

vida, com incidência de 3 casos por 10.000 nascidos vivos e uma relação masculino-

feminino de 2:1 (HARRIS, 2007), não possuindo preferência por raça (CHARPIE, 2009).

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4 ETIOPATOGENIA (CLASSIFICAÇÃO)

A causa da maioria dos defeitos cardíacos congênitos é desconhecida (ZIPES,

2007), geralmente, é de origem multifatorial (CHARPIE, 2009). A contribuição genética

versus fatores ambientais são discutidos de forma controversa e alguns casos de TGA

familiar são relatados como herança monogênica ou oligogênica (DE LUCA, et al.

2009).

Alguns fatores maternos podem aumentar o risco desta condição, como listados

do quadro 1: idade acima de 40 anos, alcoolismo, diabetes, má nutrição durante o pré

natal, rubéola ou outra doença viral durante a gravidez (ZIPES, 2007).

Fatores maternos que podem aumentar o risco para TGVB:

Idade acima de 40 anos Alcoolismo

Diabetes A má nutrição durante o pré-natal Rubéola ou outra doença viral durante a gravidez História familiar de TGVB ou outro defeito cardíaco congenito

Feto com trissomia do 21 Quadro 1: fatores de risco para TGVB

Do ponto de vista embriológico, duas hipóteses principais para o

desenvolvimento TGA são sugeridas: uma rotação anormal do septo infundibular e uma

anomalia sistêmica (DE LUCA, et al. 2009).

No período embrionário, ocorre persistência anormal do cone subaórtico com

reabsorção e subdesenvolvimento do cone subpulmonar, esta anomalia alinha a aorta

anterior com o VD durante o desenvolvimento (CHARPIE, 2009). Outra hipótese a

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considerar, é que este defeito seja resultado da rotação anormal do ducto cardíaco

primitivo, em direção à esquerda ao invés da direita, durante a embriogênese (TEKA;

DINCERB; GURLEKB, 2000).

Um estudo realizado no Reino Unido em novembro de 2009, analisou sete genes

conhecidos por serem responsáveis por um subconjunto de defeitos de lateralidade,

estes genes desempenham um papel essencial no desenvolvimento embrionário

precoce na padronização esquerda-direita. Portanto, alguns casos de TGA familiar são

causados por mutações nos genes da lateralidade, sendo parte do espectro da mesma

síndrome de heterotaxia. A TGA é relatada também em pacientes com síndrome de

DiGeorge e eliminação do cromossomo 22q11 (DE LUCA, et al. 2009).

Há modos diferentes de classificar as cardiopatias congênitas e a transposição

dos grandes vasos da base implica em uma cardiopatia com comprometimento

funcional no período neonatal e é o exemplo clássico de cardiopatia com circulações

pulmonar e sistêmica em paralelo (ZIELINSKY, 1997).

A forma mais comum de TGA é o tipo de dextro-loop, que consiste exatamente

na discordância ventrículo-arterial, de forma que a aorta é anterior e surge de forma

incorreta do lado direito do VD, enquanto que a artéria pulmonar surge posteriormente e

do lado esquerdo do VE. Em contraste com o coração normal, no qual ambas as vias

de saída e dos grandes vasos mostram uma curvatura para a direita, na TGA, os

grandes vasos apresentam um curso paralelo e há ausência da curvatura normal (DE

LUCA, et al. 2009).

Outra forma de classificação é considerá-la uma anomalia conotruncal,

juntamente com a comunicação interventricular (CIV); a tetralogia de Fallot (TOF); a

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síndrome da válvula pulmonar ausente (SVPA); a dupla via de saída do ventrículo

direito (DVSVD) e o truncus arteriosus (TA) (TOMETZKI, et al., 1999).

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5 ANOMALIAS ASSOCIADAS

Os defeitos associados incluem: comunicação interventricular (CIV), com

incidência de 20%, defeito do septo atrial, presente em 10% e estenose pulmonar em

5% dos casos (HARRIS, 2007). Malformações extracardíacas são pouco frequentes e

geralmente são menores, e raramente está associada a síndromes genéticas (DE

LUCA, et al., 2009). Quando não há defeitos cardíacos associados, é chamada de

TGVB simples, isto representa apenas 9-16% de todos os casos (PALADINI, et al.,

2006), e quando outros defeitos estão presentes, é chamada de TGVB complexa

(ZIPES, et al., 2007).

As anomalias associadas mais comuns são, em ordem decrescente de

freqüência: defeitos do septo ventricular, estenose ou atresia pulmonar e anomalias da

válvula tricúspide do lado esquerdo (PALADINI, et al., 2006).

A transposição dos grandes vasos da base com defeito septal e estenose

pulmonar, representa 25% de todas as transposições (MORELL; WEARDEN, 2007).

Em um estudo, 61 fetos apresentavam anomalias conotruncais, 24,5% tinham

transposição dos grandes vasos da base como defeito e destes, apenas dois

apresentavam TGA simples, os outros tinham defeito no septo ventricular associado

(TOMETZKI, et al., 1999).

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6 DIAGNÓSTICO PRÉ NATAL

A ultrassonografia do segundo trimestre de gestação, atualmente, faz parte da

rotina de cuidados pré-natais na maioria dos serviços (STOLL, et al., 2002). Em

gestações de baixo risco, deve ser realizada preferencialmente entre 18-22 semanas de

gestação. Neste intervalo de idade gestacional, detalhes da anatomia cardíaca fetal

podem ser bem visualizados e avaliados, como as conexões atrioventriculares e

ventriculoarteriais (JONE; SCHOWENGERDT, 2009).

A taxa de detecção pré-natal de doença cardíaca congênita aumentou durante o

período 1979-1999, graças ao avanço da tecnologia e da melhora na habilidade dos

ultrassonografistas (STOLL, et al. 2002). Ocorreu um avanço ainda maior nos últimos

anos e hoje podem-se detectar graves anomalias fetais (JONE; SCHOWENGERDT,

2009).

Um estudo realizado na França para avaliar a acurácia do diagnóstico pré-natal

de cardiopatias congênitas por ultrassom fetal de rotina em uma população durante o

período 1994-1999, incluiu 80.076 gestantes e diagnosticou 37,9% das transposições

dos grandes vasos da base quando este defeito era isolado e 46,6% quando este

estava associado a múltiplos defeitos (STOLL, et al. 2002). Este estudo não combina

com a realidade de países em desenvolvimento como o Brasil, pois mais de 95% das

gestantes estudadas, realizaram pelo menos um exame de ultrassonografia para

pesquisa específica de malformações congênitas e 88% o fizeram entre 18-24

semanas.

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No exame de pré natal de rotina, é de extrema importância realizar os cortes

adequados para a adequada visualização da anatomia cardíaca. A visão de quatro

câmaras não basta para obter a precisão diagnóstica, como mostrou um estudo

multicêntrico realizado na Itália. De um total de 121.232 exames realizados, somente

com visualização de quatro câmaras, a sensibilidade foi de apenas 15% (TODROS et

al, apud STOLL, 2002).

Portanto a sensibilidade do exame de quatro câmaras para a detecção de

cardiopatias congênitas no pré natal de rotina está longe do ideal e deve-se no mínimo

incluir a visão das vias de saída para aumentar a sensibilidade, como demonstraram

Riggs e Achiron que obtiveram melhora de 47% para 78% (STOLL, 2002).

Outras formas de aumentar a sensibilidade da ultrassonografia de rotina, é a

melhor formação dos operadores e respeitar a época ideal para realização do exame.

Imagens ecocardiográficas fetais podem ser difíceis além de 28 a 30 semanas de

gestação por causa da sombra acústica da costela fetal (JONE; SCHOWENGERDT,

2009).

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Figura 2: Uma visão bidimensional do eixo longo do coração demonstrando a transposição das grandes artérias com a aorta (AO) saindo do ventrículo direito e a artéria pulmonar (AP) conectado ao ventrículo esquerdo (VE). (A AP, podem ser vistos os ramos direito e esquerdo da artéria pulmonar). Os dois grandes vasos aparecem lado a lado ao invés do padrão cruzado normal (COHEN, 2001).

Figura 3: Transposição completa dos grandes vasos da base Nota-se a banda moderadora no

lado direito e lúmen do ventrículo direito é menor do que o esquerdo. Os grandes vasos apresentam um curso paralelo e a aorta encontra-se à direita e anterior da artéria pulmonar. AO, aorta; TP: tronco pulmonar; RV: ventrículo direito; LV: ventrículo esquerdo (McEWING; CHAOUI, 2004)

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Assim que há suspeita de alguma anomalia no exame de rotina, ou aumento da

medida da translucência nucal ou há fatores de risco maternos para isto como: história

familiar de doença cardíaca congênita; diabetes mellitus materno; exposição a drogas

teratógenas durante a gravidez ou infecções como rubéola; alcoolismo materno; doença

materna do tecido conjuntivo – lúpus; fenilcetonúria materna ou indicações fetais como:

polidrâmnio; hidropisia não imune; arritmia; anomalias extracardíacas múltiplas

(onfalocele, atresia duodenal, VACTREL, espinha bífida); cromossomopatias

(trissomias, microdeleções) e restrição de crescimento intrauterino simétrico (RCIU)

(MANGANAROA, et al. 2009). Estes fatores são representados no quadro 2.

Indicações para a ecocardiografia fetal:

Indicações maternas e familiares:

História familiar de doença cardíaca congênita

Diabetes mellitus materno

Exposição a drogas teratógenas durante a gravidez

Infecções maternas durante a gravidez – rubéola

Alcoolismo materno

Doença materna do tecido conjuntivo – lúpus

Fenilcetonúria materna

indicações Fetais:

Polidrâmnio

Hidropisia não imune

Arritmia

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Anomalias extracardíacas múltiplas (onfalocele, atresia duodenal,

VACTREL, espinha bífida)

Cromossomopatias (trissomias, microdeleções)

Restrição de crescimento intrauterino simétrico (RCIU)

Anormalidades morfológicas cardíacas detectadas em exame obstétrico de

rotina

O aumento no primeiro trimestre na medida da translucência nucal

Quadro 2: indicações maternas e fetais para ecocardiografia fetal. A ecocardiografia fetal revolucionou a cirurgia pediátrica ao identificar os

candidatos para intervenção cardíaca pré e pós natal (COHEN, 2005), e atualmente

representa não apenas o padrão ouro para o diagnóstico pré natal das cardiopatias

congênitas, mas também a única modalidade de imagem padronizada para a avaliação

das estruturas cardíacas (MANGANAROA, et al. 2009). É um método preciso e seguro

para o diagnóstico de cardiopatia congênita e serve como uma ferramenta de triagem

(JONE, SCHOWENGERDT, 2009).

O diagnóstico ecocardiográfico intra útero permite o aconselhamento dos pais

sobre o prognóstico e opções de tratamento (TOMETZKI, et al. 1999). Como o exame

de ultrassonografia, a ecocardiografia é operador-dependente, requer experiência

significativa, tempo disponível para realizá-lo de forma detalhada de acordo com a

técnica e padrão ecocardiográfico descritos na literatura e Infelizmente não está

disponível em todos os centros (MANGANAROA, et al. 2009).

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Um estudo realizado em 1999 teve como objetivo definir a acurácia da

ecocardiografia fetal para o diagnóstico pré-natal das anomalias conotruncais. Para

isso, incluiu as seguintes lesões: tetralogia de Fallot, síndrome da válvula pulmonar

ausente, dupla saída do ventrículo direito, transposição das grandes artérias, assim

como truncus arteriosus. Um total de 2.470 ecocardiogramas fetais foram realizados em

casos que todos apresentavam alguma suspeita em exames anteriores ou na

anamnese. As anomalias conotruncais foram diagnosticadas com um alto grau de

precisão, de até 80% (TOMETZKI, et al. 1999).

Alguns estudos mostram melhores resultados pós-natais quando o diagnóstico

de cardiopatia congênita é realizado durante o pré natal, como menor morbidade pré-

operatória, menor incidência de acidose, redução do risco de comprometimento

hemodinâmico e melhor perfusão para os órgãos. Assim, é importante a identificação

de fetos com cardiopatia congênita que necessitem de terapia precoce pós-natal

específica, especialmente com lesões ductais dependentes, como a transposição das

grandes artérias (JONE; SCHOWENGERDT, 2009).

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7 CONDUTA PRÉ NATAL

Como a TGVB é uma lesão que permanece quiescente intra útero, não há

vantagem de intervenção fetal (COHEN, 2001). O valor do diagnóstico pré natal está na

pesquisa de outras anomalias cardíacas e extra cardíacas, de síndromes genéticas e

análise do cariótipo fetal (JONE; SCHOWENGERDT, 2009). A avaliação detalhada da

morfologia fetal é vital, pois aproximadamente 60% dos fetos com diagnóstico pré-natal

de cardiopatia congênita terão uma lesão extracardíaca e cromossomopatias são

encontradas em 38%, portanto uma amniocentese deve ser oferecida (KITCHINER,

2004).

O estudo ecocardiográfico fetal deve ser repetido a cada 4 a 6 semanas até o

nascimento, para monitorar a evolução para disfunção ventricular, insuficiência valvar, e

o crescimento das várias estruturas que podem ser afetadas pelo fluxo anormal. O bem-

estar fetal deve ser monitorado, e deve-se realizar triagem para restrição de

crescimento intra-uterino, insuficiência placentária e hidropisia fetal (COHEN, 2001).

A ecocardiografia fetal também permite uma melhor orientação da família após o

diagnóstico pré-natal da cardiopatia congênita, tranquiliza o casal a aguardar a

gestação e promove uma melhor compreensão do prognóstico pós-natal (JONE;

SCHOWENGERDT, 2009). A avaliação completa do feto permite aos pais tomarem

decisões baseados também na amniocentese, tanto das possíveis causas como do

risco de recorrência (KITCHINER, 2004).

Nos países onde é permitido o aborto, assim que uma anomalia cardíaca é

detectada e confirmada, é oferecida ao casal, a interrupção médica da gestação

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(KITCHINER, 2004). Em países como a França, não há limite de idade gestacional para

realizar este procedimento (STOLL, 2002).

Se a família decide prosseguir com a gravidez, é útil consultar com equipe

multidisciplinar, como o neonatologista, cardiologista, cirurgião cardiotorácico, e equipe

de enfermagem (COHEN, 2001). Este é o principal valor do manejo pré natal, o

encaminhamento das gestantes com fetos afetados para um centro terciário de

cuidados cardíaco neonatal (JONE; SCHOWENGERDT, 2009). Visitas ao hospital,

especialmente na unidade de terapia intensiva, para observar as crianças que se

submeteram à cirurgia cardíaca a céu aberto, também podem aliviar muito a ansiedade

(COHEN, 2001).

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8 CONDUTA OBSTÉTRICA

Recomenda-se o parto no termo, pois durante a vida intra uterina não ocorre

qualquer comprometimento funcional, já que a circulação pulmonar é escassa, de alta

resistência e pouco depende do tipo de conexão ventrículo-arterial (ZIELINSKI, 1997).

O parto vaginal é normalmente indicado para fetos com cardiopatia congênita,

pois estes geralmente estão em boas condições durante a vida intra uterina, mas já

deve ocorrer em centro terciário, com a equipe adequada para receber o RN e

preparada para possíveis complicações (COHEN, 2001).

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9 ASSISTÊNCIA NEONATAL

Os sintomas aparecem ao nascimento ou logo após os primeiros dias de vida, e

a gravidade depende do tipo e tamanho dos defeitos cardíacos associados, como

comunicação interatrial ou persistência do canal arterial (ZIPES, 2007). Essa é a lógica

do processo, pois quanto maior for a mistura das circulações sistêmica e pulmonar,

maior será a quantidade de oxigênio bombeado através do fluxo de sangue para o

corpo (HARRIS, 2007).

O sintoma primordial é a cianose, diagnosticada nas primeiras horas de vida,

acompanhada de taquipnéia, sopro cardíaco muitas vezes está ausente, mesmo na

presença de um defeito no septo ventricular. Podem também desenvolver sinais e

sintomas de insuficiência cardíaca congestiva (ZIPES, 2007).

Os principais sintomas estão listados no quadro 3.

Sintomas pós natais TGVB:

Pele cianótica

Deformidades nos dedos das mãos ou dos pés

Má alimentação

Dispnéia / taquipnéia

Sopro cardíaco

Quadro 3: sintomas pós natais em portadores de transposição dos grandes vasos da base Quando um recém nascido cianótico é examinado pela primeira vez, é oferecido

oxigênio suplementar. Nos casos de doença pulmonar, com frequencia a cianose

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melhorará, mas nos casos de transposição, haverá pouco efeito nos níveis de oxigênio

e este é o primeiro indício desta cardiopatia (ZIPES, 2007).

Um cateterismo cardíaco poderá ser necessário para esclarecer detalhes do

defeito, outros testes diagnósticos estão listados no quadro 4 e incluem: raio X de tórax,

eletrocardiograma (ECG), ecocardiograma e oximetria de pulso (CHARPIE, 2009).

Testes diagnósticos TGVB:

Cateterismo cardíaco

Raio X de tórax

ECG (eletrocardiograma)

Ecocardiograma

Oximetria de pulso

Quadro 4: testes diagnósticos de transposição dos grandes vasos da base

Como primeira medida terapêutica, o recém nascido deverá receber

imediatamente prostaglandina endovenosa para manter o canal arterial aberto,

permitindo a mistura das duas circulações sanguíneas, o que normalmente ocorria na

vida fetal (ZIPES, et al, 2007).

Apesar da TGVB ter sido descrita pela primeira vez há mais de dois séculos, o

tratamento ainda não estava disponível até metade do século vinte (CHARPIE, 2009). A

técnica cirúrgica de switch atrial (Operação de Senning ou Mustard), deixa o ventrículo

direito morfologicamente associado à circulação sistêmica (PATANE, S. et al., 2008), foi

descrita por Senning em 1958, e desde então, aplicada com sucesso em inúmeros

pacientes durante três décadas, de 1960 até o final de 1980. Reoperações após a

operação de Senning são raras (HORER, J. et al., 2008).

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Um procedimento paliativo utilizado no pré operatório para melhorar o fluxo de

sangue oxigenado para a circulação sistêmica, é a atriosseptostomia com balão,

conhecida como procedimento de Rashkind, forma-se um grande orifício no septo atrial

para permitir a mistura das circulações e assim fornecer um alívio imediato ao recém

nascido com hipóxia até que o switch atrial possa ser realizado (ZIPES, et al, 2007).

Durante 15 anos, 8.681 recém nascidos com TGVB foram analisados

retrospectivamente, e em 20% realizou-se Rashkind, estes apresentaram menor

mortalidade quando comparados aos que não receberam o procedimento, porém as

morbidades respiratórias, infecciosas, hematológicas e neurológicas como AVC foram

maiores. Este estudo representa a maior análise de TGVB até o momento

(MUKHERJEEA, 2010)

Estas técnicas paliativas foram seguidas por reparação anatômica (cirurgia de

Jatene) (CHARPIE, 2009). A cirurgia de Jatene é usada para corrigir o problema de

modo definitivo na primeira semana de vida (ZIPES, 2007). Nesta cirurgia, a artéria

pulmonar e a aorta são seccionadas logo após suas saídas do coração e conectadas

aos ventrículos correspondentes. As artérias coronárias são também reinseridas na

aorta. As válvulas permanecem unidas aos ventrículos, de modo que a válvula

pulmonar é agora a válvula aórtica e vise-versa (MAYO CLINIC, 2011).

Para o tratamento de pacientes com TGVB com comunicação interventricular,

estenose pulmonar e ventrículo direito hipoplásico, a técnica de translocação da aorta é

a ideal. Nesta técnica, desloca-se a raiz da aorta em conjunto com as artérias

coronarianas para a posição pulmonar como uma forma de proporcionar uma

verdadeira “correção anatômica” e assim preservar ao máximo o volume do VD

(MORELL; WEARDEN, 2007).

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10 PROGNÓSTICO

A maioria dos recém nascidos com transposição dos grandes vasos da base são

normais para a idade gestacional, com baixa incidência de problemas neurológicos

detectáveis (COHEN, 2001). Porém, cada vez mais, sugere-se que a maturação

cerebral e o desenvolvimento são prejudicados em recém-nascidos com defeitos

congênitos complexos, como a transposição dos grandes vasos da base. Os atrasos no

desenvolvimento resultam de falhas no fornecimento de oxigênio ao cérebro e

nutrientes ou anormalidades no fluxo sanguíneo. Recém-nascidos a termo com doença

arterial coronariana, demonstram menor circunferência cefálica e cérebro

estruturalmente menor em comparação a neonatos normais de termo (McQUILENA,

2010).

Quando não tratada, 30% morrerão na primeira semana, mais de 50% no

primeiro mês de vida e mais de 90% em um ano (ZIPES, 2007). Portanto, a correção

cirúrgica é sempre necessária (CHARPIE, 2009). A maioria das crianças que se

submeteram à cirurgia de Jatene não têm mais sintomas e vivem vidas normais

(BROOKS, 2008).

Hoje, a taxa de sobrevida de recém nascidos com transposição das grandes

artérias é superior a 90%, graças ao avanço nas técnicas cirúrgicas e o preparo ao

receber o recém nascido (CHARPIE, 2009). Nos melhores centros, a mortalidade intra-

hospitalar dos pacientes submetidos à operação de Jatene para transposição das

grandes artérias, se aproxima 1%. No entanto, em torno de 4% dos pacientes com TGA

morrem antes cirurgia (BROOKS, 2008).

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A longo prazo, os pacientes submetidos à técnica de switch atrial, enfrentam

problemas como: obstruções coronarianas; distorção das artérias pulmonares; dilatação

da raiz aórtica; bloqueio cardíaco; arritmias atriais; regurgitação aórtica; anormalidades

da valva tricúspide, comunicação interventricular e estenose pulmonar. Pode haver a

necessidade de implante de marcapasso, e o flutter atrial pode ser um marcador de

morte súbita, e alguns pacientes podem necessitar de transplante cardíaco (PATANE,

et al., 2008). Estas complicações são listadas no quadro 4.

Possíveis Complicações a longo prazo:

obstruções coronarianas

distorção das artérias pulmonares

dilatação da raiz aórtica

bloqueio cardíaco

arritmias atriais

regurgitação aórtica

anormalidades da valva tricúspide

comunicação interventricular

estenose pulmonar

Quadro 4: complicações a longo prazo dos portadores de TGVB A insuficiência cardíaca congestiva desenvolve-se na idade de 45 anos em 67%

dos pacientes CCTGA com lesões associadas e em 25% dos pacientes sem defeitos

associados. A falência ventricular sistêmica ocorre em 7,7% dos pacientes após a

correção de TGA e o transplante cardíaco é necessário em 13% dos pacientes adultos

com CCTGA (DAVID, et al., 2010).

26

Embora os pacientes com CCTGA sem defeitos associados possam permanecer

assintomáticos e serem diagnosticados apenas na fase adulta, não é uma condição

benigna, e a sobrevivência é consideravelmente reduzida (CHIAPPA, et al., 2005).

Apesar da reparação adequada, os pacientes com circulação proveniente do ventrículo

direito, tem um risco aumentado de desenvolver insuficiência cardíaca e arritmias

acompanhadas de uma elevada taxa de mortalidade (SHIMA, et al., 2009).

Se ocorrer uma rápida deterioração da função cardíaca antes de um doador de

coração tornar-se disponível, o implante de um marcapasso no VE pode ser a única

opção para estes pacientes. Um estudo publicado em 2010, descreveu três casos de

pacientes adultos que necessitaram do implante para fornecer suporte circulatório

mecânico, e funcionar como uma ponte para o transplante. Este marcapasso oferece

opções adicionais para adultos com doença cardíaca congênita em estágio final de

insuficiência cardíaca (DAVID, et al., 2010).

Os resultados cirúrgicos melhoraram significativamente nos últimos anos, os

estudos geralmente enfatizam apenas a sobrevida pós operatória, questões do

desenvolvimento neurológico a longo prazo como desempenho escolar, transtornos

psiquiátricos e déficit de atenção com hiperatividade, estão apenas começando a serem

respondidos (COHEN, 2005).

Como medidas de prevenção, mulheres que pretendem engravidar devem ser

imunizadas contra a rubéola, se ainda não são imunes. Comer bem, evitando bebidas

alcoólicas, e controle do diabetes, tanto antes como durante a gravidez podem ser úteis

(ZIPES, 2007).

27

11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BROOKS, P.; PENNY, D. J. Management of the sick neonate with suspected heart disease. In: Early Human Development , Melbourne, Australia: Elsevier, v. 84, p. 155-159, 2008. CHARPIE, J. R.; MAHER, K. Transposition of the great vessels. E Medicine Cardiology, Atlanta, EUA, jun. 2009. CHIAPPA, E. et al. The prenatal diagnosis of, and short-term outcome for, patients with congenitally corrected transposition. Cambridge Journals , Turin, Italy, v. 14, n. 3, p. 265-276, jan. 2005. COHEN, M.S. Fetal Diagnosis and Management of Congenital Heart Disease. Clinics in Perinatology , Pennsylvania, EUA, v. 28, n.1, p.11-29, mar, 2001. COHEN, M. S.; FROMMELT, M. A.Does Fetal Diagnosis Make a Difference? Clinics in Perinatology , Milwaukee, USA, v. 32, p. 877-890, 2005.

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30

FETUS - CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM MEDICINA FETAL

FLÁVIA WERNER DA ROCHA JESUINO

PARTE 2:

DUPLA VIA DE SAÍDA DO VENTRÍCULO DIREITO

São Paulo (SP), 2011.

FLÁVIA WERNER DA ROCHA JESUINO

31

12 INTRODUÇÃO

A doença cardíaca congênita é uma importante causa de morbidade e

mortalidade neonatal. O diagnóstico pré-natal precoce e o transporte materno para um

centro de cuidados terciários melhoraram os resultados perinatais.

Após os anos oitenta, o avanço tecnológico dos aparelhos de ultrassonografia, a

maior acessibilidade para realização do mesmo, o aprimoramento das técnicas

cirúrgicas e a criação de protocolos para a recepção de recém nascidos com

cardiopatias congênitas, permitiu estender os benefícios da correção cirúrgica à idade

neonatal.

A dupla via de saída do ventrículo direito é um exemplo de cardiopatia congênita

com diagnóstico possível de ser realizado no pré natal da era moderna, e seu primeiro

exemplo foi descrito em 1793, como uma transposição parcial (WILKINSON;

EASTAUGH; ANDERSON, 2010). O termo dupla via de saída do ventrículo direito , no

entanto, não apareceu até 1957, quando Witham primeiramente o utilizou para

descrever a transposição parcial das grandes artérias (TARRAGO; NEISH, 2008).

32

13 DEFINIÇÃO

A definição de dupla saída do ventrículo direito (DVSVD) ainda é uma área de

controvérsia e em 1957, Witham estabeleceu os primeiros critérios diagnósticos,

considerando as duas grandes artérias, a aorta e a artéria pulmonar, resultantes

predominantemente do ventrículo direito (VD) (AUGUSTO, et al., 2003). Esta definição

não exige a presença de descontinuidade mitro-aórtica (o que é difícil de definir em

qualquer caso no feto) (LAGOPOULOS, et al., 2010).

No coração normal, apenas a artéria pulmonar que leva o sangue para os

pulmões para ser oxigenado, surge a partir do VD. A aorta, que transporta o sangue

oxigenado para a circulação sistêmica, normalmente surge a partir do ventrículo

esquerdo (VE) (CHILDREN”S HOSPITAL BOSTON, 2011).

Uma forma menos rígida para difinir esta anomalia, exige que a origem de um

tronco arterial completo e pelo menos metade do outro, seja do VD (AUGUSTO, et al.,

2003). Como uma conexão ventriculoarterial em que 50% de cada grande artéria (lei

dos 50%) origina-se a partir do VD (BRADLEY, et al., 2007). A origem de ambas as

grandes artérias do VD e um defeito do septo ventricular, são características

morfológicas presentes em todos os conceitos (VOGT, P. R. et al., 1994). A figura 1

mostra as relações das câmaras cardíacas com a saída das grandes artérias e o defeito

do septo ventricular.

33

Figura 1: Dupla via de saída do ventrículo direito, VD: ventrículo direito, VE: ventrículo esquerdo, AD: átrio direito, AE: átrio esquerdo, TP: tronco pulmonar, AO: aorta, DSV: defeito do septo ventricular.

O espectro da DVSVD pode variar de uma simples comunicação interventricular

subaórtica (defeito do septo interventricular - DSV) para anomalias mais complexas

como ventrículo único, atresia valvar e síndrome de heterotaxia (LAGOPOULOS, et al,

2010). A variação depende da posição e tamanho das grandes artérias, bem como da

posição do defeito do septo ventricular. Pode ocorrer com ou sem transposição das

grandes artérias (TGA) e ser semelhante a tetralogia de Fallot (TARRAGO; NEISH,

2008).

VE VD

AO

TP

AD AE

DSV

34

14 INCIDÊNCIA

A incidência das cardiopatias congênitas varia de 0,8% nos países mais

desenvolvidos e 1,2% nos países mais pobres, sendo que no Brasil é aceito valor

médio de 1%. Os óbitos por anomalias cardíacas podem ficar desconhecidos quando

não se investiga a causa da morte neonatal.

A DVSVD é uma anomalia congênita rara, ocorrendo em 0,5% de todas as

cardiopatias congênitas (VOGT, et al., 1994). Na referência americana representa até

1,5% das cardiopatias congênitas, com incidência de 1 para cada 10.000 nascidos

vivos, sem preferência por raça ou sexo (TARRAGO; NEISH, 2008).

35

15 ETIOPATOGENIA (CLASSIFICAÇÃO)

A formação do coração ocorre durante as oito primeiras semanas do

desenvolvimento embrionário. É neste momento que a DVSVD pode ocorrer, na maioria

das vezes esporádica, porém pode ser decorrente a alguma anomalia cromossômica,

exposição ambiental ou a determinados genes, podendo aparecer com mais frequência

em determinadas famílias (CHILDREN”S HOSPITAL BOSTON, 2011). A deleção do

cromossomo 22q11 – Síndrome DiGeorge, é um exemplo de cromossomopatia que

pode apresentar esta anomalia.

É considerada uma anomalia conotruncal complexa, com uma variação

anatômica considerável (AUGUSTO, et al., 2003), a descrição fisiopatológica e a

classificação são de acordo com a relação do DSV com as válvulas semilunares

(CHEN, et al., 2008). Então são descritos 4 tipos: defeito do septo ventricular subaórtico

(a CIV está logo abaixo da aorta), com ou sem estenose pulmonar; DSV subpulmonar

(a CIV está localizada abaixo da artéria pulmonar); DSV duplamente comprometido (a

CIV ocorre abaixo de ambas as artérias) e não relacionada ao defeito do septo

ventricular (a CIV está localizada longe de uma das grandes artérias) (BRADLEY, et al,

2007). Estes subtipos estão relacionados no quadro 1.

Tipos de DVSVD:

Defeito do septo ventricular

subaórtico com ou sem estenose

pulmonar

CIV está logo abaixo da aorta

36

Defeito do septo ventricular

subpulmonar

CIV está localizada abaixo da artéria

pulmonar

Defeito do septo duplo CIV ocorre abaixo de ambas artérias

Não relacionada a defeito do

septo ventricular

CIV está localizada longe de uma das

grandes artérias

Quadro 1: tipos de DVSVD de acordo com a posição do defeito do septo interventricular em relação às grandes artérias. CIV: comunicação interventricular.

Quando o DSV é subaórtico, representa o subtipo mais comumente encontrado,

e neste caso, o sangue flui através da comunicação interventricular (CIV) para a aorta,

e o fluxo do VD flui principalmente para a artéria pulmonar, resultando em uma fisiologia

semelhante a tetralogia de Fallot (TEXAS HEART INSTITUTE, 2011).

Na dupla via de saída do ventrículo direito com DSV subpulmonar, é chamada de

Síndrome de Taussig-Bing, em que o fluxo de sangue do VE vai para a artéria pulmonar

através da CIV e o sangue do VD, vai para a aorta, gerando uma fisiologia semelhante

a transposição das grandes artérias, mas se há estenose pulmonar, também fica

semelhante a tetralogia de Fallot (TARRAGO; NEISH, 2008).

Um estudo avaliou 17 crianças com DVSVD e encontrou, baseado na relação da

CIV para os grandes artérias, 18% subaórtica, 41% subpulmonar, 35% não-

comprometidos e duplo acometimento em 6% (CHEN, et al., 2008). Em outro com 393

pacientes com a anomalia, 47% tinham DSV subaórtico, 23% subpulmonar, 26% não

relacionado a defeito do septo ventricular e duplamente comprometido em 4%

(BRADLEY, et al., 2007).

37

16 ANOMALIAS ASSOCIADAS

Na forma simples de DVSVD, a única anomalia associada é o defeito do septo

ventricular e representa a única saída do ventrículo esquerdo (VOGT, P. R. et al, 1994).

Neste caso o DSV é útil, pois permite a passagem do sangue oxigenado do VE para o

VD, o oxigênio chega à aorta, e assim para a circulação sistêmica, por outro lado,

ocorre mistura das circulações e os níveis de oxigênio são baixos (CHILDREN”S

HOSPITAL BOSTON, 2011). Muito raramente não existe CIV e o sangue flui para o

átrio direito através de uma comunicação interatrial (BARBERO-MARCIAL, et al., 1997).

Nas formas complicadas de DVSVD, várias anomalias associadas podem estar

presentes, incluindo DSVs múltiplos, defeitos do canal atrioventricular (AV) ou

hipoplasia ventricular direita ou esquerda (VOGT, et al, 1994). Coarctação da aorta é a

lesão mais comum associada, e a interrupção do arco aórtico também pode estar

presente (TARRAGO; NEISH, 2008).

38

17 DIAGNÓSTICO PRÉ NATAL

A grande maioria das anomalias fetais ocorre no grupo de gestantes de baixo

risco, o que levou à introdução do exame de ultrassonografia em programas de pré

natal de rotina para todos os grupos, possuindo indicação ideal entre 18 a 22 semanas

de gestação (ROBERTS; BHIDE, 2007).

As pequenas estruturas cardíacas, a profundidade das lesões de interesse, a alta

freqüência cardíaca fetal e/ou o alto nível de desorganização gerado pelos movimentos

respiratórios fetais, contribuem para dificultar o diagnóstico pré-natal das anomalias

cardíacas (AUGUSTO, et al., 2003).

O Instituto Americano de Ultra-sonografia em Medicina publicou as diretrizes que

definem os componentes para investigação da anatomia cardíaca fetal. O exame de

base inclui uma visão única das 4 câmaras cardíacas, obtida em corte transversal do

tórax fetal, o que permite a avaliação dos ventrículos direito e esquerdo, átrios, e

válvulas atrioventriculares. A análise da base cardíaca alargada, também deve ser

realizada para avaliação das vias de saída dos ventrículos direito e esquerdo

(MICHELFELDER; CNOTA, 2009), e assim realizar o diagnóstico ou suspeição das

anomalias conotruncais, considerando como diagnósticos diferenciais de DVSVD, a

transposição das grandes artérias, o tronco arterial e outros defeitos do septo

ventricular (TARRAGO; NEISH, 2008).

Pode não ser tão simples distinguir DVSVD de outras anomalias conotruncais

como a tetralogia de Fallot, a transposição das grandes artérias com comunicação

interventricular ou uma simples CIV perimembranosa (AUGUSTO, et al., 2003), e assim

39

marcos anatômicos do VD como a banda moderadora e a arquitetura de seu músculo

são características anatômicas esseciais para auxiliar a diferenciar precisamente a

DVSVD dessas anomalias (VOGT, et al., 1994).

Para melhorar a eficácia diagnóstica, o Fluxo Dinâmico Avançado, oferece um

método de mapeamento de fluxo de velocidade com capacidade de banda larga de

transmissão de Doppler, com vantagens na imagem vascular fetal e maior número de

diagnósticos quando comparado com o Doppler colorido convencional (AUGUSTO, et

al., 2003).

O rastreamento direcionado é oferecido às gestantes de alto risco de

anormalidade fetal, por causa de uma história familiar positiva, translucência nucal ou

bioquímica sérica alterados, doença materna, como diabetes, ou exposição a

teratógenos, tais como infecções e drogas diversas e todas as demais indicações

clássicas para ecocardiografia (ROBERTS; BHIDE, 2007). Nestes casos, a

ecocardiografia é considerada a principal técnica de imagem e o mais precioso método

de avaliação (CHEN, et al., 2008) e já é bem estabelecida a alta correlação da

ecocardiografia fetal com o ecocardiograma neonatal, de até 85% (BERKLEY;

RAPPAPORT; GOEN, 2010).

40

18 CONDUTA PRÉ NATAL

Após o diagnóstico da anomalia cardíaca, a família é encaminhada para um

especialista que fará a interpretação do ecocardiograma fetal e o aconselhamento a

respeito das condições e expectativas da gestação (FRANKLIN, et al., 2007). Uma

equipe multidisciplinar de obstetra especialista em medicina fetal, neonatologista,

cirurgião pediátrico, cardiologista fetal, geneticista e patologista perinatal, também

devem realizar o acompanhamento da gestante (ROBERTS; BHIDE, 2007).

A comunicação entre os serviços e o centro obstétrico deve assegurar as

condições ideais para um parto seguro com equipes de Neonatologia e Cardiologia,

treinadas para os primeiros cuidados (FRANKLIN, et al., 2007).

Este é o principal papel do diagnóstico pré natal, sugerir a prevenção de

emergência neonatal, em um local sem os devidos suportes (DEMPSEY, et al, 2006). O

parto programado baseado em um ecocardiograma fetal pode identificar com precisão

os pacientes que se beneficiarão de transporte materno e parto em um hospital terciário

(BERKLEY; RAPPAPORT; GOEN, 2010).

Em um estudo realizado no Canadá, os pacientes com DVSVD, apresentaram

sobrevida pós-natal similar tanto para os que tiveram diagnóstico pré-natal, versus

aqueles com diagnóstico apenas no pós-natal (84% e 85%), não havendo influência da

detecção pré-natal nos resultados, o que é diferente de outras lesões como TGA e

síndrome de hipoplasia do coração esquerdo. No entanto, o diagnóstico pré-natal

proporciona uma estadia mais curta na unidade de cuidados intensivos e menos

complicações cardíacas (LAGOPOULOS, et al., 2010).

41

A interrupção da gravidez deve ser oferecida quando adequada considerando o

tempo de gestação, as leis locais e a via de parto (ROBERTS; BHIDE, 2007). Deve-se

oferecer também uma amniocentese para a pesquisa de anomalias cromossômicas e

assim ajudar o casal nesta decisão, lembrando que na maioria dos casos não há esta

relação. Em um estudo com um total de 267 pacientes com DVSVD, 24 gestantes

optaram pela interrupção da gestação, e cromossomopatia foi confirmada em 10

(LAGOPOULOS, et al., 2010).

Se a opção for por manter a gestação, esta será monitorada periodicamente com

novos exames de ultrassonografias para garantir que não haja mudanças nas

condições fetais (FRANKLIN, et al., 2007).

42

19 CONDUTA OBSTÉTRICA

Graças às comunicações intracardíacas existentes na vida intrauterina, como o

forame oval e o ducto arterioso, como regra, o feto continua a desconhecer qualquer

defeito cardíaco até que o cordão umbilical seja pinçado ao nascimento (FRANKLIN, et

al., 2007). Por isso, não há razão para parto prematuro terapêutico e deve-se aguardar

parto no termo. Assim as condições neonatais para a cirurgia serão melhores.

Então, a via de parto é por indicação obstétrica, e o mais importante é que este

seja realizado em um local adequado. Na maioria das vezes, a decisão por cesariana, é

influenciada pela necessidade de planejamento do horário e local de nascimento, para

dispor-se de uma equipe de cirurgia pediátrica para o pronto atendimento ao feto.

43

20 ASSISTÊNCIA NEONATAL

A posição da abertura do septo ventricular influenciará no tipo de sintomas

observados, na gravidade e na idade em que aparecerão primeiro, geralmente durante

o primeiro mês de vida (TARRAGO; NEISH, 2008). Os seguintes sintomas são mais

comuns: fadiga, sudorese, sopro cardíaco, taquipnéia, dispnéia, cianose, baixo ganho

de peso e anorexia (CHILDREN”S HOSPITAL BOSTON, 2011). Estes sintomas são

descritos no quadro 2.

Sintomas da dupla via da saída do ventrículo

direito:

Fadiga

Sudorese

Sopro cardíaco

Taquipnéia

Dispnéia

Cianose

Baixo ganho de peso

Anorexia

Quadro 2: sintomas dos portadores de dupla via de saída do ventrículo direito. Os primeiros exames devem incluir, raio X de tórax para avaliar principalmente a

trama vascular pulmonar e cardiomegalia, e a ecocardiografia neonatal para

comparação com os dados pré natais ou para uma visão mais detalhada neste

momento (TARRAGO; NEISH, 2008).

44

Nos últimos anos, a taxa de mortalidade após a cirurgia de correção de DVSVD

diminuiu, em virtude da melhora no diagnóstico pré-operatório. Uma descrição

minuciosa da CIV e sua relação com as válvulas semilunares, a inter-relação das

grandes artérias e a condição de saída do ventrículo direito são avaliados com uma

demonstração exata da anatomia cardíaca (CHEN, et al, 2008).

Hoje, exames e alta tecnologia como a Ressonância Magnética Cardíaca com

imagens tridimensionais, determinam de modo preciso o fluxo sangüíneo e o

funcionamento do coração, e o cateterismo cardíaco, um procedimento mais invasivo,

fornece informações detalhadas sobre as estruturas cardíacas, podem ser

considerados para uso em neonatologia, com o objetivo de diagnóstico mais apurado e

melhor programação cirúrgica (CHILDREN”S HOSPITAL BOSTON, 2011).

A tomografia computadorizada em 3D também pode ser de grande utilidade na

avaliação de doenças cardiovasculares no período neonatal, em termos de precisão

diagnóstica para todos os tipos de DVSVD, possui uma escala de precisão de 88-100%,

contra 71-94% para a ecocardiografia, e 6-10% para cardioangiografia (CHEN, et al.,

2008).

A posição da comunicação interventricular define o aspecto hemodinâmico, bem

como a abordagem operatória (EASTAUGH, et al., 2008). Consideram-se também as

anomalias associadas, a saúde geral da criança e a experiência da equipe médica com

as técnicas cirúrgicas (CHILDREN”S HOSPITAL BOSTON, 2011). Anomalias severas

associadas podem tornar o reparo intracardíaco de correção difícil e até mesmo

totalmente impossível (VOGT, et al., 1994).

45

O tratamento de escolha é uma cirurgia que visa ligar a aorta ao ventrículo

esquerdo. Isso pode ser feito através de várias abordagens diferentes (CHILDREN”S

HOSPITAL BOSTON, 2011). O mais importante é a atenção cuidadosa à anatomia pré-

operatória, pois determinará a melhor abordagem cirúrgica e melhores resultados

(BROWN, et al., 2001).

Um dos métodos disponíveis é o reparo intraventricular, onde cria-se uma

espécie de túnel para ligar o ventrículo esquerdo à aorta através da CIV. Desta forma,

o fluxo de sangue do ventrículo esquerdo é bombeado para a aorta (CHILDREN”S

HOSPITAL BOSTON, 2011).

A cirurgia de Fontan á a solução para o tratamento dos defeitos complexos

univentriculares e inovações nos últimos anos levaram a uma melhora imediata e a

médio prazo após um único reparo ventricular, mesmo em pacientes com formas

complexas de DVSVD (BRADLEY, et al., 2007). Esta abordagem também pode ser

estendida para os pacientes com risco cirúrgico elevado para o reparo biventricular

convencional (BROWN, J. W. et al., 2001).

Atualmente, a operação de Jatene é a recomendada para a correção dos

corações de Taussig-Bing (VOGT, et al., 1994), e envolve apenas a mudança das

posições das grandes artérias, a mesma cirurgia de escolha para transposição dos

grandes vasos da base (CHILDREN”S HOSPITAL BOSTON, 2011).

Registros cirúrgicos de crianças com DVSVD foram acompanhadas entre 1978 e

2007, um total de 356 pacientes submeteram-se ao reparo biventricular (BVR), Fontan e

Paliativo. Os grupos do BVR e os do Fontan apresentaram sobrevida global semelhante

em 20 anos (86-88%) e nenhum dos pacientes submetidos ao método Paliativo

sobreviveram além dos 10 anos (EASTAUGH, et al., 2008).

46

Um estudo realizado nos Estados Unidos acompanhou por 20 anos, de 1980 a

2000, 124 crianças submetidas à correção de DVSVD. A sobrevida foi alta para todos

os pacientes submetidos ao reparo intraventricular, onde faz-se o túnel entre VE e

aorta, à operação de Jatene, ou a um procedimento modificado de Fontan (BROWN, et

al., 2001).

Em um estudo brasileiro 15 pacientes portadores de DVSVD não relacionada

foram submetidos à técnica de reconstrução biventricular com um túnel do ventrículo

esquerdo para a aorta utilizando-se dois ou mais retalhos de pericárdio bovino.

Considerando uma mortalidade de 20%, os demais foram acompanhados por uma

média de 33 meses e em nenhum dos pacientes ocorreu obstrução do túnel ventrículo

esquerdo – aorta (BARBERO-MARCIAL, et al., 1997).

A fim de analisar a técnica cirúrgica e os fatores de risco para a morte ou

reoperação foi realizada uma avaliação retrospectiva entre 1968 e 1991, 59 pacientes

com DVSVD foram submetidos à correção total no Hospital Universitário de Zurique. As

técnicas cirúrgicas e as empregadas para a proteção do miocárdio variaram

consideravelmente ao longo da experiência. A taxa de mortalidade hospitalar foi de

27%, sendo 41% antes de 1980 e 13% daí em diante. Baixo débito cardíaco foi a

principal causa de morte precoce. A taxa de sobrevida livre de reoperação foi de 51%

(33% -69%) após 10 anos e 31% (12% -50%) após 20 anos. A média do tempo de

seguimento variou de 2 a 20 anos. Setenta e cinco por cento de todos os pós-

operatórios sobreviventes estão em classe funcional I e fração de ejeção do ventrículo

esquerdo é normal em 82% (VOGT, et al., 1994).

47

21 PROGNÓSTICO

Dupla saída do ventrículo direito, mesmo sem heterotaxia, está associado a

cuidados pós-natais complexos e de alto risco de morte precoce (LAGOPOULOS, et al.,

2010), sendo a mortalidade intra-hospitalar no pós operatório imediato de

aproximadamente 5% e é significativamente maior nos pacientes com lesões

complexas (TARRAGO; NEISH, 2008).

Atualmente, as taxas de mortalidade são baixas, mesmo para as formas mais

complexas de DVSVD devido à melhoria na proteção do miocárdio e

no refinamentos na técnica cirúrgica (VOGT, et al., 1994). A sobrevida global em 15

anos varia de 89,5-95,8% e reoperações são necessárias em 11,2% dos pacientes

sobreviventes, este procedimento é necessário geralmente após 4 anos do reparo

definitivo original, sendo a causa mais comum, a obstrução da saída do ventrículo

(TARRAGO; NEISH, 2008).

48

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