Fichamento de leitura - Wolkmer - Introdução ao pensamento jurídico crítico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE MESTRADO – MINTER UNOCHAPECÓ METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA EDUARDO SENS DOS SANTOS [email protected] 4.2.2010 FICHAMENTO DE LEITURA WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. São Paulo : Saraiva, 2008. 268p. 1. Panorama Geral O livro tenta apresentar o que denomina ser o “pensamento jurídico crítico” através de um compêndio das principais ideias e escolas, que são denominadas uma a uma, inclusive com seus autores. Tem o mérito de apresentar as ideias-chave de um modo bastante resumido, mas peca, justamente por essa redução, por limitar em boa parte a compreensão do que efetivamente pretende cada escola. Em diversas passagens tem-se a impressão de estar diante de um livro de política e não de direito, dada a clara intenção de dar primazia a postulados da política (e filosofia) da libertação, do socialismo, do marxismo e neomarxismo e das críticas à globalização. Basta ver os adjetivos constantemente utilizados em sentido pejorativo

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Fichamento de leitura do livro Introdução ao pensamento jurídico crítico, de Antônio Carlos Wolkmer

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACURSO DE MESTRADO – MINTER UNOCHAPECÓ

METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA

EDUARDO SENS DOS SANTOS

[email protected]

FICHAMENTO DE LEITURA

WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. São Paulo : Saraiva, 2008. 268p.

1. Panorama Geral

O livro tenta apresentar o que denomina ser o “pensamento jurídico crítico” através

de um compêndio das principais ideias e escolas, que são denominadas uma a uma,

inclusive com seus autores.

Tem o mérito de apresentar as ideias-chave de um modo bastante resumido, mas

peca, justamente por essa redução, por limitar em boa parte a compreensão do que

efetivamente pretende cada escola.

Em diversas passagens tem-se a impressão de estar diante de um livro de política e

não de direito, dada a clara intenção de dar primazia a postulados da política (e filosofia)

da libertação, do socialismo, do marxismo e neomarxismo e das críticas à globalização.

Basta ver os adjetivos constantemente utilizados em sentido pejorativo para chegar a esta

conclusão: globalização hegemônica; capitalismo alienante; práticas dominadoras, discurso

fetichizado, entre outros...

A redação recheada de citações torna um pouco cansativa a leitura.

2. Introdução

As expressões teoria jurídica crítica e crítica jurídica ou ainda pensamento crítico

são usadas indistintamente na obra e, para o autor, devem ser entendidas como o

“profundo” exercício de reflexão do direito normatizado.

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Ao invés de criticar, todavia, este direito normatizado, o autor opta por tentar

abandoná-lo para “conceber outras formas não-alienantes” de prática jurídica. A intenção é

buscar outro referencial epistemológico para atender às contradições da modernidade

(pobreza, concentração de riqueza, p.ex.).

Justifica-se a busca em razão do “esgotamento” e da “crise de legitimidade” na

elaboração e aplicação da justiça, que não consegue dar conta das “incisivas contradições

sociais” contemporâneas.

Pretende também, no que chama de “nível teórico”, “denunciar os mitos e as

falácias” da ciência jurídica tradicional. No nível da práxis, pretende transformar o direito

em um “instrumento estratégico” de alteração das “práticas reais” vigentes, na busca e uma

sociedade mais “justa e democrática”.

Não se encontra menção, ao longo do livro, todavia, sobre mitos e falácias

específicos, nem de que modo específico tornar mais justa e democrática a sociedade.

Sobre a democracia, aliás, um pensamento que me ocorreu constantemente durante a

leitura da obra é sobre como substituir a atual democracia representativa e suas leis pela

democracia dos autores de direito “crítico”. Ao que tudo indica a “justiça” dos pensadores

do direito crítico, para o autor, seria mais justa que a justiça das leis votadas pelo

congresso. Claro que nada é perfeito, mas no caso das leis votadas pelo congresso pelo

menos há um processo democrático que, ainda que não totalmente perfeito, é mais seguro

do que decisões tomadas por aristocráticos juristas e suas conclusões de gabinete.

Capítulo 1 – Natureza e problematização da teoria crítica

Teoria crítica é conceituada como um instrumento “pedagógico” que permite a

sujeitos “inertes” e “mitificados” uma tomada histórica de consciência, para que se formem

agentes sociais com uma visão de mundo “racionalizada, antidogmática, participativa e

transformadora” (p. 5). Ao que tudo indica, portanto, a “teoria crítica” é do tipo

excludente: ou se é inerte ou se é crítico.

O objetivo da teoria crítica é claramente político: “definir um projeto que

possibilite a mudança da sociedade em função do novo tipo de homem”; que o homem saia

de sua condição de alienado, preso ao determinismo histórico-social (p. 9).

Reconhece o autor que a teoria crítica deve ser “permanentemente questionada para

não incorrer em absolutizações e dogmatismos”, para evitar pseudoparadigmas críticos.

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Apesar do respiro que aparentemente este ponto do capítulo traz, logo se vê que o

autor, ao utilizar a expressão pseudoparadigma crítico, entende que só a crítica pura (não

“pseudo”) é legítima e, por inferência, se deduz que não admitiria ele o permanente

questionamento desta crítica pura.

E, confirmando minhas impressões iniciais, reconhece o autor também que as

principais críticas à teoria crítica estão relacionadas à postura elitista (substitui-se o

parlamento por juristas), à falta de eficácia da postura prática política (claro, todo jurista

crítico quer ser apenas jurista de gabinete, não quer sair às ruas, como lembra Joaquim

Barbosa) (p. 13).

Reconhece também o autor que por vezes embora os teóricos críticos assumam um

discurso neomarxista e de crítica à cultura burguesa dominante, acabam não refletindo nas

atitudes pessoais a crítica à opressão social e à condição real das “massas espoliadas”.

Constata também que a teoria crítica não se vincula adequadamente com a práxis dos

movimentos sociais emergentes (p.15).

Capítulo 2 – Teoria crítica no Direito

Os objetivos da teoria crítica do direito são:

a) mostrar os mecanismos discursivos através dos quais a cultura jurídica

se converte em conjunto fetichizado de discursos;

b) denunciar funções políticas e ideológicas das concepções normativistas

do direito e do estado, que estariam apoiadas na dissociação (falsa) entre

direito e política;

c) rever (suponho que seja “substituir” e não “rever”) as bases

epistemológicas que comandam a produção tradicional do direito;

d) superar os bizantinos debates que mostram o direito a partir de uma

perspectiva abstrata; pretendem fazer do direito um saber

eminentemente técnico, destinado à conciliação dos interesses

individuais. * neste ponto concordo: o direito tem que ser

essencialmente prático;

e) criar uma consciência participativa nos juristas;

f) modificar as práticas tradicionais de pesquisa jurídica a partir de uma

crítica epistemológica;

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g) proporcionar instrumental pedagógico para que os estudantes de direito

compreendam o papel das escolas de direito como produtoras de ideias

(p. 20-21);

Sobre a teoria crítica há duas correntes. Para a primeira, é possível construir uma

teoria crítica do direito, como teoria do direito. Para a segunda, não é possível criar uma

teoria crítica específica; o que se tem é um “discurso de deslocamento ou um movimento

fragmentado por diferentes perspectivas metodológicas” (p. 23). Nesta última corrente

estão Leonel Severo Rocha e Luis Alberto Warat.

Para Leonel Severo Rocha a teoria crítica também adota as particularidades de um

saber dogmático e oculta objetivos políticos específicos. Enquanto a dogmática é

conservadora, o objetivo político da teoria crítica é a contestação. A teoria crítica, para este

autor, acaba “incidindo na inutilidade do mais profundo conceitualismo” (p. 27).

À crítica de Leonel Severo Rocha responde o autor que “recai num questionamento

fragmentado, relativista e niilista da teoria crítica do direito, apontando e detendo-se,

superficialmente, em seus excessos conceitualistas, em sua tendência camuflada de tornar-

se outra dogmática e em sua pouca eficácia como práxis decisória.

Pronto: estou com Leonel Severo Rocha! É justamente isso que me parece o a

teoria crítica. Conceitualismo que pretende tornar-se dogmático (não admite críticas).

Warat também identifica adequadamente os problemas da teoria crítica. Para o

autor, “se o pensamento jurídico tradicional é totalitário porque fala em nome da lei, a

teoria crítica é também totalitária porque fala em nome de uma “verdade social” (p. 30).

Digo mais: a teoria crítica fala em nome de um grupo de juristas, ao passo que o

pensamento tradicional fala em nome de uma lei que foi aprovada num congresso de

representantes do povo eleitos democraticamente.

E o mais interessante vem a seguir. Para Warat, os “teóricos críticos” praticam um

condicionamento através de controles hierárquico-administrativos para – suponho que nas

faculdades – estabelecerem restrições burocrátias à concorrência conceitual dos discursos

críticos. Justamente o que, tenho a impressão, ocorre na Ufsc.

Capítulo 3 – Principais escolas do pensamento jurídico crítico

Nos EUA a teoria crítica tenta revelar o grau de envolvimento do direito com as

relações de poder e com as ideologias dominantes. A Critical Legal Studies é a escola mais

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conhecida, que inicialmente estudou autores do marxismo jurídico, como Pashukanis, mas

depois o repudiou.

Na França, num primeiro período, a manifestação do direito crítico tentava

evidenciar que o Direito e o Estado são fenômenos produzidos por contradições sociais e

que a apreciação neutra do direito apenas reforça a dominação gerada pelo modo de

produção capitalista (p. 40). No segundo momento acentuaram a dimensão social do direito

(p. 42). * O problema dessas descrições é serem exageradamente abstratas. Não é possível

diferenciar uma e outra escola e nem saber exatamente o que cada uma propõe para

“evidenciar as contradições sociais”...

Na Itália e na Espanha o “uso alternativo do direito” tinha como objetivo usar o

ordenamento jurídico vigente para uma prática jurídica emancipadora, voltada para setores

sociais e classes menos favorecidas. * também não explica em que especificamente isso

consistia...

Esta escola não tinha a intenção de formar uma nova teoria do direito, mas sim de

explorar as contradições do próprio sistema, buscando formas mais democráticas. Os

defensores do uso alternativo do direito propunham o alargamento do processo

hermenêutico nas instâncias menores, ocupadas por juízes mais jovens e mais sensíveis às

reivindicações populares.

Na Alemanha surge a teoria do direito como “reflexão transcendental”. Para esta

escola o direito só pode ser compreendido como fenômeno histórico-social e, portanto,

deve se modificar com a modificação da sociedade.

Na Bélgica a etnologia jurídica de François Ost tenta evidenciar a pluralidade de

formas de direito no tempo e no espaço. É impossível, para o autor, falar em essência única

do direito. Para ele, a lei não pode ser o instrumento exclusivo de regulamentação social. *

mas isso está tão claro já nos manuais dogmáticos de introdução ao direito: moral, família,

escola, tudo isso são instrumentos de regulamentação social...

No México o jurista Jesús Antonio de La Torre Rangel propõe uma intermediação

entre a filosofia da libertação e o direito. Para ele, deve-se buscar um jusnaturalismo

histórico, adequado à América Latina, que permita fugir da dominação normativa

burguesa.

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