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A Avaliação do Desenvolvimento Socioeconómico, MANUAL TÉCNICO II: Métodos e Técnicas A Recolha de Dados: Técnicas de Observação 1 A Recolha de Dados Inquéritos Sociais Inquéritos aos Beneficiários Entrevistas individuais (parceiros e partes interessadas) Avaliação de prioridades Focus Groups (Grupos de discussão) Estudos de caso Avaliação local Abordagens e métodos participativos Utilização de dados de fontes secundárias Utilização de dados administrativos Técnicas de observação Técnicas de Observação Descrição da técnica O objectivo da técnica Circunstâncias em que se aplica Os principais passos da sua implementação Pontos fortes e limitações da abordagem Bibliografia Palavras-chave Descrição da técnica As técnicas de observação, uma forma de levantamento naturalista, permitem a investigação de fenómenos nos seus contextos de ocorrência natural. A observação participante implica a inserção do investigador na população ou na sua organização ou comunidade, para registar comportamentos, interacções ou acontecimentos. Este envolve-se nas actividades que está a estudar, mas tem como prioridade primária a observação. A participação é uma forma de se aproximar da acção e de se sensibilizar em relação ao que as coisas significam para os actores. Como participante, o avaliador está em posição de obter pontos de vista adicionais através da experiência directa dos fenómenos. A observação participante pode ser usada como técnica de curto ou longo prazo. O avaliador/investigador tem de permanecer o tempo necessário para se integrar no ambiente e na cultura local e ganhar a aceitação e confiança dos actores locais regulares. A observação consiste em observar o comportamento e as interacções à medida que vão acontecendo, mas presenciados pelo próprio investigador. Não existe qualquer tentativa de participar como membro do grupo ou do contexto em se enquadra, embora, em geral, o avaliador tenha de negociar o acesso a esse contexto e os termos da actividade de investigação. A intenção consiste em “passar despercebido”, para que a presença de um elemento externo não exerça uma influência directa sobre os fenómenos em estudo. Este tenta observar e compreender a situação “por dentro”. As técnicas de observação partilham aspectos similares à abordagem etnográfica utilizada por antropólogos para estudar uma cultura, embora normalmente permaneçam durante longos períodos de tempo em campo. Determinados aspectos da abordagem etnográfica são, por vezes, integrados nos métodos de observação, quando, por exemplo, o interesse

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A Recolha de Dados • Inquéritos Sociais • Inquéritos aos Beneficiários • Entrevistas individuais (parceiros e partes interessadas) • Avaliação de prioridades • Focus Groups (Grupos de discussão) • Estudos de caso • Avaliação local • Abordagens e métodos participativos • Utilização de dados de fontes secundárias • Utilização de dados administrativos • Técnicas de observação

Técnicas de Observação Descrição da técnica O objectivo da técnica Circunstâncias em que se aplica Os principais passos da sua implementação Pontos fortes e limitações da abordagem Bibliografia Palavras-chave

Descrição da técnica As técnicas de observação, uma forma de levantamento naturalista, permitem a investigação de fenómenos nos seus contextos de ocorrência natural. A observação participante implica a inserção do investigador na população ou na sua organização ou comunidade, para registar comportamentos, interacções ou acontecimentos. Este envolve-se nas actividades que está a estudar, mas tem como prioridade primária a observação. A participação é uma forma de se aproximar da acção e de se sensibilizar em relação ao que as coisas significam para os actores. Como participante, o avaliador está em posição de obter pontos de vista adicionais através da experiência directa dos fenómenos. A observação participante pode ser usada como técnica de curto ou longo prazo. O avaliador/investigador tem de permanecer o tempo necessário para se integrar no ambiente e na cultura local e ganhar a aceitação e confiança dos actores locais regulares. A observação consiste em observar o comportamento e as interacções à medida que vão acontecendo, mas presenciados pelo próprio investigador. Não existe qualquer tentativa de participar como membro do grupo ou do contexto em se enquadra, embora, em geral, o avaliador tenha de negociar o acesso a esse contexto e os termos da actividade de investigação. A intenção consiste em “passar despercebido”, para que a presença de um elemento externo não exerça uma influência directa sobre os fenómenos em estudo. Este tenta observar e compreender a situação “por dentro”. As técnicas de observação partilham aspectos similares à abordagem etnográfica utilizada por antropólogos para estudar uma cultura, embora normalmente permaneçam durante longos períodos de tempo em campo. Determinados aspectos da abordagem etnográfica são, por vezes, integrados nos métodos de observação, quando, por exemplo, o interesse

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não se limita a comportamentos e a interacções, mas se alarga a características físicas, sociais e culturais de um determinado contexto. Estas são tidas como incorporando as normas, valores, procedimentos e rituais da organização e reflectem o pano de fundo do respectivo contexto, que influencia os comportamentos, percepções, crenças e atitudes dos diferentes actores. Uma outra forma de observação naturalista que complementa os métodos de observação é a conversação e a análise de discurso. Este método qualitativo estuda discursos e conversas que ocorrem naturalmente em enquadramentos institucionais e não institucionais e oferece uma maior compreensão dos sistemas de significação social e os métodos usados para produzir a interacção social de uma forma ordenada. Pode ser uma técnica útil para avaliar a interacção conversacional entre os agentes dos serviços públicos e os clientes nos contextos de prestação de serviços.

O objectivo da técnica As técnicas de observação podem ser usadas para recolher informação aprofundada sobre algumas situações típicas na implementação de uma intervenção. O método oferece perspectivas detalhadas e valiosas para os efeitos da intervenção e influência do contexto, e é sensível aos pontos de vista dos principais actores e dos beneficiários. A observação participante vai mais além, ao permitir um acesso experimental a um mundo de significados visto de dentro. É uma abordagem particularmente útil, quando um estudo se preocupa em investigar um “processo” que envolve vários “jogadores” (tal como no exemplo dado na Caixa Avaliação de um serviço público de habitação), quando a compreensão da comunicação não verbal é um aspecto importante, ou quando as consequências dos comportamentos ou dos acontecimentos constituem um ponto focal do estudo. Os métodos de observação informados por outras abordagens etnográficas também podem apresentar elementos valiosos sobre o papel dos processos institucionais e organizacionais e seus efeitos nos comportamentos e significados sociais. As técnicas de observação também são úteis se for necessário observar uma situação sobre a qual o conhecimento é insuficiente, ou quando se suspeita que a mesma situação é compreendida de formas diferentes, dependendo se o ponto de vista é “externo” ou “interno”.

Caixa: Avaliação de um serviço público de habitação

Foi aplicada a observação etnográfica para a avaliação das políticas de habitação social em França. A intenção principal consistia em analisar a discrepância entre os objectivos nacionais dessas políticas e a sua implementação na prática por parte dos agentes públicos em contacto com o público. Durante vários meses, o avaliador acompanhou equipas de técnicos públicos ao serviço das agências responsáveis pela gestão da habitação para grupos de baixos rendimentos. Juntamente com estas autoridades, visitou estas habitações no momento em que os arrendatários chegavam e saíam. Estas visitas eram feitas com a intenção de avaliar o estado das habitações e determinar quais as obras de reparação que teriam de ser asseguradas pelo arrendatário ou pela agência gestora. A posição de observador permitiu-lhe “passar despercebido” e observar cerca de cinquenta

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situações em que a política nacional foi aplicada em situações concretas pelos agentes públicos. As situações observadas foram registadas e foram seleccionadas cerca de vinte sequências típicas. Estas sequências foram registadas, com o devido respeito pela confidencialidade, e, depois, apresentadas aos responsáveis políticos em reuniões organizadas separadamente a diferentes níveis (técnicos públicos de base, directores das agências, autoridades nacionais). A avaliação ajudou a mostrar como as autoridades locais aplicam as regras, como os arrendatários as interpretam e como os últimos influenciam a sua aplicação. A avaliação salientou o facto de os arrendatários sentirem dificuldades em compreender as razões para as regras. Em face destes resultados, foram feitas várias alterações: os directores das agências procederam à revisão de algumas das regras e começaram a prestar mais atenção ao recrutamento e à formação dos seus técnicos. FONTE: Philippe Warin, « L’évaluation des usagers au cours des relations de service », Les annales de la recherche urbaine n°47 (1990). MEANS Collection, 1999

Circunstâncias em que se aplica As técnicas de observação têm vindo a ser usadas para compreender o funcionamento das políticas na educação, saúde (ex. diagnósticos, cuidados), justiça e sistema judicial, investigação científica, transportes urbanos e habitação. No quadro da avaliação, esta técnica é particularmente recomendada para a observação de processos de interacção entre os administradores e o seu público. As técnicas de observação não terão sido usadas de forma alargada no contexto da avaliação de programas socioeconómicos. No entanto, esta técnica é particularmente adequada a certas intervenções relacionadas com os Fundos Estruturais, como, por exemplo, as que se destinam a públicos que são difíceis de observar através de técnicas de investigação mais tradicionais (ex. desempregados de longa duração ou toxicodependentes). No exemplo acima descrito, o investigador também realizou uma análise etnometodológica. O método foi usado para analisar os raciocínios quotidianos feitos pelas pessoas (funcionários públicos, beneficiários, utilizadores, etc.) em relação às situações em que se encontravam e às acções colectivas em que estiveram envolvidos. Se for adequadamente aplicada enquanto técnica “não invasiva”, a observação pode ser usada para analisar o comportamento espontâneo das populações que têm normalmente dificuldade em aceitar o formalismo de inquéritos por questionário ou a prestar informação fiável. É a única técnica disponível quando existem sérias dificuldades de acesso no terreno, como, por exemplo, no caso de conflitos entre as organizações responsáveis pela implementação ou quando o comportamento dos beneficiários é parcialmente ilegal ou irregular. A técnica é, então, particularmente interessante, se a avaliação for realizada com o intuito de ajustar os regulamentos que se pensa serem ineficazes. Devido ao seu carácter indutivo, os métodos de observação podem ser usados para observar os efeitos de uma intervenção, cujo funcionamento não se conhece bem. É particularmente útil quando se suspeita que os responsáveis pela implementação da intervenção e os seus beneficiários não partilham da mesma percepção da realidade.

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Por outro lado, a técnica consome muito tempo e gera muita informação que requer um processamento e uma análise detalhados. O uso de quadros de observação estruturados pode ajudar a superar esta limitação e também permite que os dados sejam agregados e se façam generalizações. A técnica também requer capacidades consideráveis por parte do investigador para absorver e reflectir com precisão o comportamento dos actores-chave, e este pode demorar a “mesclar-se no cenário” e, portanto, pode levar tempo até os participantes se comportarem de forma normal.

Os principais passos da sua implementação Os métodos de observação envolvem, em geral, os seguintes passos: Passo 1. Escolha de situações para observação: Os contextos para observação são definidos com antecedência, em relação aos interesses dos que encomendam a avaliação e de outras partes interessadas. Consistem em contextos de interacção ou de negociação entre os actores públicos e os beneficiários da política avaliada. O investigador negoceia o acesso aos locais de observação com as partes relevantes (informalmente, no caso da observação participante). Passo 2. Observação: O observador observa o curso da interacção, tendo o cuidado de perturbar o menos possível o comportamento dos actores. Este trabalho consiste em tirar notas e em gravar as situações através de meios audiovisuais (o mais discretamente possível). O observador pode tirar notas longe dos sujeitos da investigação ou imediatamente a seguir à visita. Este passo não se pode limitar a uma simples observação, mas tem de ser complementado por análises de ordem organizacional ou institucional para identificar as formas através das quais as características sociais, culturais e físicas do contexto influenciam as relações entre os actores. O observador tem de registar a maior quantidade de informação possível e captar uma perspectiva ‘de dentro’. Passo 3. Análise do material: Uma abordagem para processar o material reunido é analisar os acontecimentos observados em termos de sequências características. Cada gravação é “cortada” de uma forma semelhante ao da edição de um filme em sequências. O observador identifica as “afirmações avaliativas”, i.e., as frases que implicam um juízo de valor explícito ou implícito. As sequências típicas e a sua análise concentram-se nestas afirmações e revelam a forma através da qual a política é julgada no terreno. Usada desta forma, a ferramenta pode proporcionar uma nova perspectiva importante sobre a validade e eficácia da política. Passo 4. Análise das sequências típicas com os actores. As sequências típicas e as afirmações são reescritas ou modificadas de forma a permanecerem anónimas. São, depois, entregues aos representantes da população observada, para efeitos de recolha dos seus comentários e reacções. Este passo serve para verificar que não foram criados enviesamentos ao tirar as sequências do seu contexto. Oferece, em cada sequência, chaves para a sua interpretação, que são reconhecidas e validadas pela "comunidade" em estudo.

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Pontos fortes e limitações da abordagem A observação é um método genérico que envolve a recolha, a interpretação e a comparação de dados. Partilha estas características com o método de estudo de casos. É particularmente adequada à análise dos efeitos de uma intervenção que é inovadora e não familiar e, em especial, à clarificação de factores exógenos que influenciam o aparente sucesso ou fracasso das intervenções avaliadas. As técnicas de observação servem para revelar a discrepância entre o modo como as intervenções públicas são compreendidas a níveis superiores na cadeia da tomada de decisão, e o modo como são compreendidas no terreno; salienta a interpretação feita por indivíduos numa situação operacional. A observação é geralmente limitada a um pequeno número de contextos. É possível, portanto, generalizar, mas apenas se a intervenção for suficientemente homogénea entre os diferentes locais. Baseia-se em dados espontâneos ou naturalistas, reunidos por um observador independente e experiente. A fiabilidade da observação depende, em larga medida, do know-how profissional do observador-investigador. É, todavia, possível introduzir um modelo de observação estruturado, que pode ser usado por investigadores com menos experiência, aquando da reunião de dados de um vasto número de contextos. Apesar das vantagens, a observação requer uma preparação meticulosa para tornar o observador capaz de se integrar no contexto observado sem perturbar ninguém, bem como um período de tempo considerável para a recolha dos dados, tornando-se um método dispendioso. A técnica permite que os dados sejam reunidos em situações difíceis, onde não podem ser usadas outras técnicas de inquérito. Um ponto forte importante relacionado com a aplicação de técnicas de observação, especialmente as que se baseiam na ‘Grounded Theory’, é o de estas captarem informação inesperada que os outros métodos podem deixar escapar. O investigador não define as categorias dos dados antes de entrar em campo, mas está aberto ao que “está lá” – a teoria surge a partir dos dados no terreno por oposição a uma teoria predefinida que influencia os dados recolhidos. Até que ponto o observador pode estar presente sem perturbar ou influenciar os sujeitos da investigação nunca é um facto garantido; recomenda-se, normalmente, que os observadores tenham sempre consciência de como podem ter impacto no meio que investigam e o tenham em conta na sua recolha de dados. Na observação participante, o investigador tem por intenção tornar-se parte de uma comunidade ou ambiente e não permanecer à parte.

Bibliografia

Coulon, A. (1987) L'ethnomethodologie. Paris: PUF, Que sais-je?

Garfinkel, H. (1967) Studies in ethnomethodology. Englewood Cliffs, NJ. Prentice Hall. A return to the origins of ethnomethodology.

Jorgensen, D.L. (1989) Participant observation: a methodology for human studies. London: Sage Publications. Applied Social Research Methods Series, No 15.

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Palavras-chave

• Observação participante

• Investigação etnográfica