Filosofia - Oriente, Ocidente

235
Filosofia: Oriente, Ocidente O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL Chan Wing Tsit A história da Filosofia oriental é complicada. Para obter-se uma visão abrangente faz-se mister um ângulo adequado para a abordagem e uma perspectiva total. A fim de abordar a filosofia oriental de um ponto de vista certo, devemos tratá-la como uma filosofia em contraposição à religião, com a qual ela tem intima vinculação histórica, porém não necessariamente filosófica. A NECESSIDADE DE UMA PERSPECTIVA TOTAL Podemos mencionar o Taoísmo como excelente exemplo da confusão entre a Filosofia oriental e a religião oriental. A menos que separemos o naturalismo da filosofia taoísta da primitiva e corrompida religião do culto da Natureza, da alquimia e dos encantos de todas as espécies que levam o nome de Taoísmo, não podemos deixar de ter um quadro confuso e distorcido da filosofia taoísta. Não precisamos historiar a maneira pela qual a filosofia taoísta foi utilizada pelo fundador de um culto primitivo no século 1 d.C. para ganhar prestigio e apoio, nem investigar como a religião taoísta se desenvolveu mais por imitação do Budismo do que seguindo os ensinamentos de Lao-Tsé. Quando

description

Filosofia - Oriente, Ocidente

Transcript of Filosofia - Oriente, Ocidente

Filosofia: Oriente, Ocidente

O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL

Chan Wing Tsit

A história da Filosofia oriental é complicada. Para obter-se uma visão abrangente faz-se

mister um ângulo adequado para a abordagem e uma perspectiva total. A fim de abordar a

filosofia oriental de um ponto de vista certo, devemos tratá-la como uma filosofia em

contraposição à religião, com a qual ela tem intima vinculação histórica, porém não

necessariamente filosófica.

A NECESSIDADE DE UMA PERSPECTIVA TOTAL

Podemos mencionar o Taoísmo como excelente exemplo da confusão entre a Filosofia

oriental e a religião oriental. A menos que separemos o naturalismo da filosofia taoísta da

primitiva e corrompida religião do culto da Natureza, da alquimia e dos encantos de todas

as espécies que levam o nome de Taoísmo, não podemos deixar de ter um quadro confuso

e distorcido da filosofia taoísta. Não precisamos historiar a maneira pela qual a filosofia

taoísta foi utilizada pelo fundador de um culto primitivo no século 1 d.C. para ganhar

prestigio e apoio, nem investigar como a religião taoísta se desenvolveu mais por

imitação do Budismo do que seguindo os ensinamentos de Lao-Tsé. Quando

distinguirmos a religião taoísta da filosofia taoísta, veremos que a crença no politeísmo,

na meditação, na transmigração, etc., pertence ao Taoísmo como religião, e não como

filosofia. Procedimento similar revelará que as fantásticas e anormais "práticas de Ioga"

não representam a filosofia ioga do intuicionismo dualístico e meditativo (1).

Por outro lado, para abordar a Filosofia oriental de um ângulo adequado, devemos usar

livre e generosamente a literatura na qual ela está incorporada. As traduções inglesas

ainda estão limitadas a uma pequena fração da Filosofia oriental, principalmente antiga,

e, para se ter uma visão abrangente dela, tais traduções são irremediavelmente

inadequadas. Veja-se, por exemplo, a filosofia do Budismo Mãhãyana: apenas algumas

das obras básicas das duas filosofias mahãyãnas mais importantes, a saber, a escola da

"Doutrina Média" e a da "Mente- Só", são encontráveis em inglês. Textos indispensáveis,

como o Tririmsika (Trinta Versos da Doutrina Mente- Só) (2), Vijíñaptimãtratãsiddhi (A

Conclusão da Doutrina da Mente- Só) (3), Yogãcãrabhúmi (Os Estádios da Perfeição no

Idealismo), Mahãyãnasangraha (Sumário da Filosofia Mahãyãna), Mãdhyamika Sástra

(Tratado da Doutrina Média) (4) , Dvãdasadvára Sastra (Os Doze "Portões" da Doutrina

Média), etc., ainda aguardam tradução, para não falar da bíblia da filosofia "totalística"

chamada Avatansaka Sútra, a bíblia da escola realista de Hinayana chamada

Abhidharmakosa Sãstra (5), ou a bíblia da filosofia niilista de Hinayãna chamada

Satyasiddhi Sastra (A Conclusão da Verdade). A lista poderia ir muito mais longe, mas

esta basta para mostrar que só é visível em inglês um cantinho do quadro.

Assim sendo, é obviamente impossível ter-se uma perspectiva total do sistema budista,

para não falar da Filosofia oriental em conjunto. Para termos uma perspectiva total dessa

Filosofia, devemos examinar de modo abrangente, não apenas uma ou duas filosofias

orientais importantes, mas todas as escolas filosóficas. Com muita freqüência, um sistema

oriental proeminente tem sido tomado como sendo toda a Filosofia do Oriente. Tanto o

Hinduísmo como o Budismo têm sido tomados separadamente como representativos "da"

filosofia "do" Oriente. Conforme veremos logo adiante, as filosofias da Índia e as da

China formam, na verdade, dois grupos, com tantas - se não mais - diferenças quantas

semelhanças entre si. Devemos lembrar que, com exceção do Budismo, as filosofias

indianas não passaram das fronteiras de sua terra natal.

O Budismo também tem sido considerado a filosofia representativa do Oriente, em parte

porque é a única filosofia oriental que cobriu a Índia, a China e o Japão, e em parte

porque os seus conceitos são tão diferentes do conteúdo filosófico do Ocidente que ele

apresenta um encanto peculiar, um desafio vigoroso e alguns contrastes agudos.

Conseqüentemente, a Filosofia oriental, em conjunto, foi descrita como defensora da

renúncia, da fuga, do pessimismo, da negação, etc., simplesmente porque estas tendências

existem em algumas escolas do Budismo. De fato, a extensão e o sentido em que elas são

verdadeiras no Budismo não devem ser aceitos sem mais exame, porque o "reino da

verdade comum" no Budismo, que é naturalmente inferior ao "reino da verdade mais

elevada", permite uma vida razoável e normal. Mas nenhum oriental, nem mesmo um

budista, afirmaria seja o Budismo a filosofia abrangente do Oriente, pois o Budismo é

coisa do passado na Índia há quase mil anos. Mesmo nos dias dos Mahãsanghikas e

Sarvãstivàdins, e do Nãgãrjuna, do Asanga e do Vasubandhu, dias de sua glória na Índia,

era ele considerado um sistema "heterodoxo". Nenhum leitor de literatura budista pode

deixar de impressionar-se com o esforço estrênuo que os filósofos budistas fizeram para

defender-se dos ataques do Nyãya, do Sãnkhya, do Vedãnta e de outras escolas

filosóficas hindus. Igualmente heterodoxo foi o Budismo na China. Embora a filosofi a

chinesa, principalmente o Neoconfucionismo, tenha sido até certo ponto influenciada

pelo Budismo; embora a China tenha sido a terra em que as filosofias do Nãgãrjuna e do

Vasubandhu alcançaram a maturidade; e embora a China tenha sido a terra natal de

escolas budistas como Ch'an (Zen) e T'ien-t'ai, o fato é que o Budismo como filosofia só

existiu durante pouco tempo na China e como "doutrina errônea". Hoje, o Japão é

chamado a terra do Budismo. Sob certos aspectos, isto é permissível porquanto

encontram-se no Japão todas as seitas budistas mahãyãnas e preservam-se a melhor

literatura e as melhores tradições. Não obstante, como filosofia, o Budismo no Japão

sempre foi ofuscado pelo Neoconfucionismo; como religião e modo de vida, enfrenta a

intensa competição do Xintó, o "Mandamento dos Deuses".

VARIEDADE E MUDANÇA

NA FILOSOFIA ORIENTAL

Assim, é incorreto considerar um sistema filosófico oriental como a filosofia oriental em

conjunto; igualmente incorreto é ver num período da Filosofia oriental todo o curso do

seu desenvolvimento. Como os antigos textos filosóficos orientais se encontram com

mais facilidade e, portanto, são mais familiares, as filosofias orientais medievais e

modernas têm sido consideradas, consciente ou inconscientemente, como que notas de pé

de página da antiga Filosofia oriental. Nada, porém, está mais longe da verdade. Se

percorrermos toda a história da Filosofia oriental, encontraremos muita variedade e

mudança, de modo que o antigo período, embora muito importante, de maneira alguma é

a história completa.

Talvez o exemplo mais frisante de variedade e mudança na Filosofia oriental seja o

Budismo. Isto pode surpreender as pessoas para as quais o termo filosofia budista

dificilmente sugere qualquer coisa além dos ensinamentos do Buda, mas as modificações

da filosofia, na história do Budismo, são tais que Gotama teria grande dificuldade em

reconhecê-lo. Tome-se a sua doutrina básica, o Caminho do Meio, por exemplo. Pela

forma como é ensinado por Gotama o Buda, o Caminho do Meio significava o espaço

que medeia entre os extremos do hedonismo e do ascetismo, posição intermediária

formulada como a Senda Óctupla ou o Nobre Caminho de Oito Voltas, a saber, opiniões

certas, intenção reta, linguagem correta, ação justa, modo de vida certo, esforço certo,

cuidado certo e concentração certa (6). Isto se transformou num Caminho Intermediário

metafísico no Hinayãna, no sentido da existência dos elementos mas da não-existência do

eu (7). Quando se chegou ao Mahãyãna, a alteração se tornou mais variada e mais radical.

Praticamente, todas as escolas mahãyãnas tiveram suas próprias interpretações do

"Caminho do Meio". Para a escola Mâdhyamika ele não era nada senão o vazio (8), e era

idêntico à Negação Óctupla, a negação total da produção, da extinção, da aniquilação, da

permanência, da unidade, da diversidade, da chegada e da partida (9). A escola Yogãcãra,

por outro lado, opôs-se a tal posição totalmente negativista e descreveu o Caminho do

Meio como o Assim, o Verdadeiro Estado, que devia ser realizado pelo mais elevado

estado de consciência, ou consciência "sem impureza", destituída de qualquer possível

discriminação. De acordo com este Caminho do Meio, "Nem se afirma que todos (os

elementos) são irreais (como é sustentado pelos Mãdhyamikas), nem são todos eles

realidades (como sustentado pelos Hinayãnistas) (10). "Assim, os dois extremos de

afirmação e negação são evitados, a doutrina da Mera Ideação estabelecida, e o Caminho

do Meio confirmado" (11). Divergindo de ambas essas escolas, a escola Avatansaka

interpretou o Caminho do Meio na base da "Causalidade Universal do Reino do

Principio". A Causalidade Universal implica tanto o Um quanto o Muitos, tanto o

universal quanto o particular, que se combinam todos numa grande harmonia sem

qualquer obstáculo" (12). A escola T'ien - t'ai levou mais longe essa doutrina da harmonia

e culminou com o ensinamento de que "Não há qualquer cor ou fragrância que não seja

idêntica ao Caminho do Meio" (13). Isto quer dizer que a verdade do Vazio (irrealidade

da existência), a verdade da temporariedade (existência transitória) e a verdade do Meio-

Termo (tanto não-existência como existência condicionada) são todas idênticas,

formando a "redonda e harmoniosa verdade tripla" ou a "absoluta verdade tripla"(14).

Por este rápido exame de algumas escolas budistas, podemos ver que a doutrina do

Caminho do Meio passou por muitas alterações, alterações que tornam o original quase

irreconhecível.

História semelhante pode ser contada a respeito do Confucionismo. O Lun Yü

(Analectos) de Confúcio (551-479 a.C.) foi a base, mas foi apenas o principio. O objetivo

da filosofia confuciana é a Perfeição, começando com o desenvolvimento da natureza do

indivíduo e afinal culminando num Estado bem ordenado e num mundo pacifico. Isto é o

jên, palavra que tem sido traduzida de várias maneiras - como benevolência, amor,

bondade e verdadeira natureza humana. Para Confúcio, jên significava simplesmente a

perfeição humana, conceito essencialmente ético. À época de Mêncio (371-289 a.C.), jên

era definido como "aquilo em virtude do que um homem deve ser homem". À ética de

senso comum de Confúcio, Mêncio acrescentou um fundamento psicológico defendendo

a teoria de que a natureza humana é boa. Assim, o Homem não apenas deve ser perfeito,

mas tem que ser perfeito. Em outras palavras, jên tornou-se uma necessidade psicológica.

No Neoconfucionismo, jên era, não apenas ético e psicológico, mas também metafísico.

A incessante produção e reprodução do universo é uma prova inalterável do jên, e, como

a natureza original do Homem é idêntica à do Grande Final, aquele deve esforçar-se por

"exercitar plenamente seu espírito" e "desenvolver sua natureza ao máximo", de modo a

produzir uma ordem cósmica e moral. Conseqüentemente, um homem deve considerar-se

a si mesmo, junto com os outros homens, todas as coisas e o Céu e a Terra, como parte de

uma e mesma entidade"(15).

O que se afirma a respeito da doutrina budista do Caminho Intermediário e do conceito

confuciano de jên também se aplica a muitas outras idéias na Filosofia oriental. Mesmo

no sistema aparentemente mais estagnado do sistema oriental, o Taoísmo, variedade e

mudança não faltam (16). O ritmo da mudança tem sido, evidentemente, mais lento do

que no Ocidente, especialmente a partir do Renascimento. Cumpre ter presente, contudo,

que nenhuma qualificação geral, tal como tradicionalismo, estagnação e

conservadorismo, deve ser exagerada.

Não devemos ser induzidos erroneamente a crer em tradicionalismo, dogmatismo, etc.,

pelo singular amor oriental às citações dos antigos e às remissões à sua doutrina em busca

de abonações. Todas as seis escolas hindus ortodoxas sustentam que sua autoridade

provém dos Vedas e dos Upanixades e, no entanto, do monismo espiritual dos

Upanixades se desenvolveram sistemas como o atomismo lógico do Nyãya, o pluralismo

atomístico do Vaigeshika, o dualismo realista do Sãnkhya, o intuicionismo meditativo

dualístico da Ioga, o monismo realista e ritualista do Mimãrhsã, e o monismo idealista do

Vedanta. Ademais, existiram profundas diferenças dentro de cada escola, como se

ilustrará melhor pelo monismo absoluto do Vedanta de Sankara, que considera a

multiplicidade como ilusão, e o "monismo qualificado" do Vedanta de Rãmãnuja, que

defende a multiplicidade como real (17).

CARACTERÍSTICAS DAS

FILOSOFIAS INDIANA E CHINESA

Quando nos damos conta de que nem todas as filosofias orientais nem os diferentes

estágios de uma filosofia oriental seguem o mesmo padrão, torna-se evidente que nem

toda caracterização de um sistema se aplica aos outros. Istonão significa que os

diferentes sistemas não têm pontos concordantes. Entretanto, nos exames que adiante se

farão de características específicas, devemos constantemente ter em vista que as

semelhanças na Filosofia oriental são acompanhadas por diferenças, de modo que a

Filosofia oriental não é uma, porém muitas. Em geral, as filosofias da Índia e as filosofias

da China e do Japão formam dois grupos diferentes, já que as características gerais

atribuídas às filosofias indianas, sejam quais forem, em muitos casos não são aplicáveis

às filosofias da China e do Japão.

Em exame mais adiante se mostrará onde estão as semelhanças e diferenças entre estes

dois grupos em geral e entre os vários sistemas filosóficos em particular. Quanto à

descrição geral dos dois grupos; recorramos às opiniões de alguns estudiosos nativos

ilustres.

O Professor S. Radhakrishnan, em seu Indian Philosophy, considera a espiritualidade, o

predomínio do interesse pelo subjetivo, o idealismo monístico e a intuição como

características gerais do pensamento indiano. Com o termo espiritualidade ele designa

uma forte motivação espiritual da filosofia indiana e um reconhecimento perspicaz da

intima relação existente entre a Filosofia, a religião e a vida. Isto não quer dizer que a

filosofia indiana seja dogmática ou não- intelectual. Ao contrário, é intensamente

intelectual, critica e sintética. O interesse pelo subjetivo vem da síntese especulativa e não

se opõe à Ciência. O idealismo monístico indiano acentua que a realidade é o eu e que o

Homem deve tornar-se realidade. É místico no sentido de disciplina da natureza humana

que conduz à realização do espírito. A intuição, ou antes, darsana, inclui observação

perceptual, conhecimento conceptual, experiência intuicional, investigação lógica e

introvisão da alma. O Professor Radhakrishnan repele enfaticamente a acusação comum

contra a Filosofia indiana de que ela é pessimista, dogmática, indiferente à ética e não-

progressista (18).

Outro eminente e representativo erudito indiano, o Professor S. Dasgupta, considera a

teoria do carma e do renascimento, a doutrina da emancipação (mukti), a doutrina da

alma (ãtman, purusha, jìva, etc.), o pessimismo e o sãdhana "pontos fundamentais de

acordo" entre as escolas indianas com a só exceção dos materialistas Chãrvãka. Sãdhana

denota esforço filosófico, religioso e ético, inclusive o domínio das próprias paixões, o

evitar dano à vida sob qualquer forma, a repressão de todos os desejos de prazer e a

prática do método ioga de concentração (19). Dasgupta explica que no pessimismo

indiano há uma "confiança otimista absoluta da pessoa em si mesma e no destino final e

na meta de emancipação" (20).

Não tem havido tanta avaliação da filosofia chinesa por estudiosos nativos como na Índia.

Dois aspectos, entretanto, foram muito destacados pelo eminente erudito Dr. Hu Shih.

Em seu The Development of the Logical Method in Ancient China, acentua ele que o

método lógico desempenhou papel importante tanto na antiga como na moderna filosofia

chinesa e, no artigo intitulado "Religion and Philosophy in Chinese History", dá ênfase ao

fato de que "a Filosofia, na China como alhures, tem sido criada, defensora, critica ou

adversária da religião" (21). O Professor Fung Yu-lan considera a Filosofia chinesa

inferior à ocidental e à indiana em demonstração e em explicação; que a filosofia chinesa

acentua o que o Homem é, e não o que ele tem; que ela não dá muita importância à

Epistemologia; que não está interessada no conhecimento pelo conhecimento; que não

contrasta o Homem e o Universo; que não desenvolveu um sistema de lógica; que

subordinou a Metafísica aos assuntos humanos; que discute extensa e completamente o

problema de como viver; que não é sistemática na forma, porém no conteúdo; e que só é

tradicional no nome e que é progressista (22).

Da descrição das filosofias indiana e chinesa conclui-se bem que elas mostram caracteres

diferentes. Concordam, entretanto, em um ponto, a saber, no interesse pelo Homem em

vez de pela Natureza ou Deus.

O HOMEM, ESTE MUNDO,

A IMORTALIDADE E O MAL

Tanto as virtudes como os vícios da Filosofia oriental podem ser atribuídos ao fato

central de que ela vê a Filosofia como um problema humano. Ela se dedica,

primordialmente, à busca da solução final para os problemas humanos. O objetivo último

é o Moksha, ou emancipação, para o Hinduísmo e o Jaínismo; o Nirvana para o Budismo;

"longa vida e visão duradoura" para o Taoismo; perfeição individual e uma ordem social

harmônica para o Confucionismo e o Neoconfucionismo; e o bem-estar geral para o

Moísmo (23). Não são ideais altos e remotos, de realização impossível: ao contrário,

acredita-se firmemente que são alcançáveis e, o que é ainda mais significativo,

alcançáveis neste mundo. Claro que algumas religiões orientais buscam a salvação

completa no outro mundo, tais como os estágios mais elevados da transmigração no

Hinduísmo, a "Terra Pura", o "Paraíso" e outras versões do Nirvana em certas seitas

budistas (24) e o "reino dos imortais" no culto taoísta. Mas tais crenças são desvios de

seus respectivos sistemas filosóficos, os quais insistem em que a salvação ocorre neste

mundo. Em todas as filosofias chinesas nativas, os símbolos de perfeição, a saber, a

ordem sábia e moral, não transcendem este mundo. Como dizem os neoconfucionistas, a

realidade "está bem diante dos nossos próprios olhos", e não há nenhum princípio final

como a Razão ou o Grande Final "além de questões diárias como beber e comer" (25). O

principal objetivo dos taoístas é "alimentar a nossa natureza original" e "preservar a

vida", deixando que ela siga seu curso naturalmente (26). Mesmo no Hinduísmo e no

Budismo, que aparentemente estão voltados para o outro mundo, a liberdade se conquista

quando se alcança o conhecimento certo e perfeito, porquanto a condição fundamental

para o Moksha e o Nirvana é a eliminação da ignorância, o que pode acontecer em

qualquer momento da nossa vida.

Isto não significa que a imaginação oriental não vá além deste mundo mundano. Os

hindus, os budistas e os taoístas - que copiaram os budistas como por atacado -

criaram mais céus e infernos do que todo o resto do mundo, mas como produtos de sua

fantasia religiosa, e não como resultados de sua especulação filosófica. No Hinduísmo, no

Budismo, no Taoísmo e no Confucionismo como filosofias, a resposta à pergunta sobre a

existência além deste mundo tem feição inteiramente diferente. Em nenhum sistema

oriental pode a concepção ocidental da imortalidade pessoal ser encontrada. A idéia da

alma pessoal no Bagavadguitá dela se aproxima, mas o estágio final da alma no

Hinduísmo é a unidade pura com o Brâmane, embora isto só possa ocorrer depois de

longa série de transmigrações (27). A resposta do Budismo à pergunta sobre a vida depois

da morte é singular. Como o Budismo não aceita nada parecido a um eu permanente, uma

vida específica dura apenas um momento, e a todo momento nasce uma nova vida. Por

este motivo, não pode haver problema de imortalidade porque não há um eu imortal. Se a

continuidade do renascimento deve ser interpretada como imortalidade, tal imortalidade é

a imortalidade do renascimento criativo e contínuo, e não a de uma pessoa. É óbvio que o

Nirvana não pode ser interpretado como imortalidade, porque o Nirvana é essencialmente

o estado em que todas as entidades específicas desaparecem. Mesmo o Absoluto como

entidade se extingue, e nada além da Qualidade Essencial permanece (28).

Todas as filosofias nativas da China e o Xintó do Japão coincidem inteiramente na teoria

de que, com a morte, a alma volta ao principio celeste ou ativo universal pelo qual foi

produzido, e que o seu espírito volta ao principio terreno ou passivo do qual veio. Isso

não ocorre imediatamente após a morte, pois o indivíduo conserva sua identidade por

algum tempo, durante o qual os elementos ativos e passivos nele existentes gradualmente

se dissipam. A extensão da permanência neste estágio dependente da quantidade de

méritos que ele acumulou, os quais têm uma maneira de consolidar as forças universais

que nele há. Pode-se dizer que Confúcio ainda continua a viver como ser espiritual, ao

passo que o seu qüinquagésimo descendente direto poderia ter deixado de ser uma

entidade espiritual. Podemos dizer, portanto, que os chineses e japoneses geralmente

acreditam na imortalidade temporária, se se permitir esta aparente contradição em termos

(29).

Embora difiram estas três respostas à pergunta sobre a vida futura, todas apontam na

direção de um modo de ver metafísico, extremamente importante no Oriente, que ocupará

nossa atenção repetidamente no presente texto. Trata-se do conceito do continuum

indiferenciado ou, na linguagem da Física moderna, o "campo" ao qual todas as entidades

individuais, particulares e específicas devem ser finalmente reduzidas. Para os orientais, é

esta a residência final do Homem, na qual sua realidade está identificada com a Realidade

Una. Tal identidade pode significar a perda da realidade individual, como uma gota de

água no oceano, no caso do Hinduísmo. Ou pode significar a ausência de qualquer

diferença entre o indivíduo e o universal, como uma luz de vela num quarto iluminado ou

uma voz num coro, no caso de outros sistemas orientais. De qualquer maneira, o

continuum indiferenciado é a solução final do problema da imortalidade.

Mas as filosofias orientais não estão em geral muito interessadas no problema da vida

após a morte. Estão ocupadíssimas com os problemas deste mundo. Tanto Buda como

Confúcio se recusaram a responder a pergunta sobre o além, explicando o primeiro que

um médico não tem tempo para entrar em discussões metafísicas, e o segundo que, se não

conhecemos a vida, não podemos esperar conhecer a morte (30). Os filósofos orientais

preocupam-se fundamentalmente com o Homem.

Este profundo interesse no Homem levou, em algumas filosofias orientais,

principalmente no Confucionismo e no Neoconfucionismo, ao ponto de vista de que o

Homem é o meio apropriado de estudo, não só dele próprio, mas também do universo

(31). Os confucionistas, sejam antigos sejam modernos, foram unânimes na asserção de

que, quando a harmonia central estiver firmada no Homem, também estará firmada no

universo. Tal tendência também se podia notar no Budismo e culminou na doutrina de

que o indivíduo pode ver sua natureza e tornar-se Buda vendo diretamente sua própria

mente (32). O Taoismo opõe a Natureza ao Homem. Mas o Tao, ou o Caminho, do Céu e

da Terra, deve ser descoberto no "homem puro" ou sábio, embora Tao exista em toda

parte, mesmo em coisas insignificantes como a formiga e o joio.

Sendo tão marcante a ênfase sobre a posição do Homem na Filosofia oriental, é de

esperar que a questão da natureza humana ocupe um lugar de suprema importância.

Praticamente todos os sistemas trataram dessa questão de modo integral e sob muitos

ângulos. Há muitas discussões interessantes nos Upanixades sobre a criação do Homem,

sua alma, sua natureza, seus quatro estágios (corpóreo, empírico, transcendental e

absoluto) e sua relação com o Brâmane (33). É, porém, no Confucionismo que se

encontra o mais vivo interesse pela questão, pois nunca houve filósofo confuciano que

não dedicasse grande atenção ao problema da natureza do Homem (34). Enquanto a

Filosofia oriental em geral acredita que a natureza humana é originariamente boa - pois a

fonte do homem é Atman, ou Brâmane como principio pessoal no Hinduísmo, jiva no

Jaínismo, Tao no Taoismo, o Grande Final no Neoconfucionismo, cada um dos quais é

bom como realidade final - não obstante, a natureza original do Homem de tal forma

degenerou por causa da ignorância, dos desejos ou de sua mente obnubilada, que é

necessária uma disciplina severa para recuperar-lhe a bondade original. Esta é a principal

razão por que na ética oriental se advoga uma disciplina severa a fim de recuperar a

virtude original do Homem.

Nisso reside a explicação oriental do aparecimento do mal. É inteiramente criação do

Homem. Praticamente todos os sistemas indianos, inclusive o Budismo, e o Taoísmo na

China, atribuem o aparecimento do mal à ignorância do Homem, que dá origem ao

conhecimento falso e a desejos perniciosos. O Confucionismo em todas as suas fases, o

Moismo e outras escolas filosóficas da China e do Japão são mais específicos na sua

explicação do mal: explicam-no em termos de egoísmo, ilusão, incapacidade, etc. (35)

Em outras palavras, não sustentam que há uma causa para o mal; há muitas razões para a

queda do Homem. Mas o significativo é que, seja a causa do mal simples ou complicada,

o próprio Homem deve ser responsável pelo seu infortúnio. Até o mal natural se acredita

causado pelos deuses como punição pela má conduta humana. Como o Brâmane, Tao ou

o Grande Final, que são absolutamente bons, podem jamais permitir à sua própria criação

- o Homem criar o mal, que é tanto novo como alheio ao caráter dele, é fato que nunca

foi satisfatoriamente explicado. A teoria, advogada pelo Hinduísmo, pelo Budismo, pelo

Taoísmo, e até certo ponto pelo Neoconfucionismo, de que a distinção entre o bem e o

mal é estranha à realidade última mas é seu produto humano, não elimina a dificuldade,

pois este produto deve ser tomado como outro exemplo de mal que se pode rastrear até a

própria realidade final. Pode-se, entretanto, encontrar algum consolo no fato de que,

como o Homem produz o mal, pode também destruí-lo. A Filosofia oriental insiste na

possibilidade de o Homem mesmo transmudar o mal. Provavelmente, isso explica por

que, nas religiões orientais, tanto a idéia de pecado original quanto a de perdão estiveram

ausentes. O Homem causa sua própria queda; deve, e pode, preparar sua própria salvação.

FILOSOFIA E RELIGIÕES ORIENTAIS

Isso não eqüivale a insinuar que a Filosofia oriental não é religiosa. A Filosofia oriental e

a religião oriental muitas vezes foram confundidas, como, por exemplo, os supersticiosos

cultos hindus são erradamente tidos como filosofia hindu e o corrompido culto taoísta da

Natureza se identifica com o Taoísmo naturalista e ateu. Mas não podemos negar que o

elemento religioso está presente em muitos sistemas orientais, embora não em todos. A

Filosofia oriental em geral não é religiosa no sentido de dependência do sobrenatural para

salvação ou conhecimento. Como se disse, o Homem deve preparar sua própria salvação.

Quanto ao conhecimento, as religiões populares orientais acreditam na revelação e nos

sonhos. Nas filosofias orientais, porém, a revelação como meio de conhecimento se

encontra apenas no caso dos Vedas, que se acredita tenham sido revelados. Desde os

Upanixades, o conhecimento tem dependido, não da revelação direta de uma deidade

mais elevada que o Homem, mas do estudo, por este, dos Vedas revelados, seja ou não

por intermédio de um mestre especialmente adestrado.

Quanto à crença na existência de uma deidade, não é tão forte na Filosofia oriental quanto

geralmente se acredita. É verdade que o Oriente tem os mais populosos panteões do

mundo, e é também verdade que diversos sistemas filosóficos orientais. aceitam a

existência dos seres sobrenaturais. Mas a realidade final no Hinduísmo, no Jaínismo e no

Budismo é entendida em termos de um principio universal, não de um ser sobrenatural.

Confúcio seguia às vezes práticas religiosas tradicionais, mas às vezes preferia servir o

Homem em primeiro lugar (36). Na maioria, os neoconfucionistas e taoístas eram

inteiramente céticos a respeito de um soberano divino. Diziam que, se existia, eles nunca

haviam encontrado qualquer sinal de sua existência (37). É verdade que o Moismo

defendia abertamente a crença em seres espirituais, e Mo-Tsé, mas não Confúcio nem

Lao-Tsé, fundou uma religião na antiga China (38). Entretanto, devemos lembrar que

Mo-Tsé incentivou a crença nos espíritos fundamentalmente porque tal crença contribuía

para o bem-estar do Homem. É também verdade que a Escola Ioga, na índia, achou

insuficientes as vinte e cinco categorias da escola Sãnkhya, naturalista e evolucionista, e

acrescentou Isvara, um Deus pessoal (39). Mas Isvara e muitos outros são principalmente

instrumentais, isto é, destinados a produzir efeito psicológico e estético. Os numerosos

deuses de ascendência védica na escola Mimãmsã, por exemplo, são mais parecidos aos

caracteres imortais na literatura clássica do que as personalidades existentes. São tipos,

ideais, símbolos de forças universais, e auxílios para a meditação. Há deuses, tais como

Críxena no Bagavadguita, e Deus no Vedãnta, que possuem todas as qualidades dos seres

divinos. Causará surpresa, porém, verificar quantos sistemas na Índia tentaram refutar

Deus. Os jainos, a escola Mimãmsã, a escola Sãnkhya e os budistas apresentaram

argumento após argumento, todos profundamente filosóficos e extremamente críticos,

contra sua existência (40). Há muito mais ateísmo na Filosofia oriental do que se

suspeita.

Mas, de outro ponto de vista, a Filosofia oriental em conjunto é profundamente religiosa.

De modo geral, é religiosa porque afirma repetidamente a intimidade entre o Homem e a

realidade. Constantemente, na Filosofia oriental, bate-se na tecla de que o Homem é um

ser pequeno que partilha do Eu maior que é mais real, mais duradouro e mais poderoso do

que ele. Ele deve sempre temer este Ser maior, sincera e reverentemente, e mesmo

submissamente. Eis a razão básica pela qual o Taoísmo naturalista, o Budismo ateu e o

Confucionismo humanista desenvolveram, todos eles, uma religião para acompanhar-lhes

a filosofia. É também por isso que as escolas Nyãjya e Vaseshika do Hinduísmo

desenvolveram bastante a idéia de Deus, apenas casualmente mencionada por seus

fundadores (41). A escola Vedãnta, a mais importante das escolas hindus, elevou a novas

alturas a idéia de Deus, alcançando o ponto de um Absoluto em Sankara e uma divindade

pessoal em Rãmãnuja.

O fato de que algumas das religiões de maior intensidade do mundo seoriginaram de

filosofias não religiosas é um fenômeno raro e pode parecer estranho à primeira vista.

Mas não o é porque tal desenvolvimento foi, não somente uma necessidade social e

psicológica, mas também filosófica. O caráter fundamental da Filosofia oriental o exige.

Todas as grandes filosofias do Oriente são unânimes na crença de serem o Homem e a

realidade essencialmente comuns. Existe, entre o Homem e o cosmo, uma relação natural

que nenhum homem pode deixar de ter em vista; para os orientais, tal relação natural é

harmoniosa. Tome-se, por exemplo, a relação entre o Homem e a Natureza. Nenhuma

atitude hostil é evidente na filosofia oriental: Hsun- Tsé, o filósofo confuciano, foi o

único a sustentar que a Natureza deve ser dominada e controlada. A atitude geral, em face

da relação entre o Homem e o universo, é a de identidade e correspondência. Como o

Homem e o universo são redutíveis à mesma realidade - quer ela se chame Atman,

purusha, jiva, Tao, Qualidade Essencial ou o Grande Final - , segue-se que a única

diferença essencial entre elas é de grau e não de qualidade.

A teoria da correspondência entre o Homem e o universo ocupou posição muito

importante tanto na Índia como na China. Uma relação macrocosmo- microcosmo é

acentuada com tanta ênfase nos Upanixades e na filosofia chinesa medieval que chega a

ser repulsiva (42). Diversas partes do corpo humano correspondiam, segundo ensinavam,

a partes diversas do céu e da terra, por nenhuma outra razão que não fosse imaginação

ética e a franca superstição. Essa fantasia primitiva foi eliminada nas filosofias hindu e

chinesa modernas. Na escola Vedãnta, quer pela forma como é representada por Sankara

quer segundo Ramanuja, a verdadeira relação entre o Homem e o universo é espiritual, é

uma relação da alma. O tema fundamental dos Upanixades foi solenemente reformulado

neste ponto. No Neoconfucionismo, o Homem é considerado um universo em miniatura:

há um Grande Final no universo, e há também um Grande Final em cada uma das

miríades de coisas, inclusive nos homens.

O UM E O MUITOS

Isto nos conduz à questão da relação entre o Um e o Muitos, questão em torno da qual se

criou muita incompreensão. Devido à idéia hindu, tal como foi vigorosamente

apresentada no Vedãnta do Sankara, de que a pluralidade é mãyã ou ilusão, e também

devido à concepção budista de que a Qualidade Essencial ou o Vazio não admite caráter

especifico, tem-se acreditado que a Filosofia oriental em conjunto não permite qualquer

realidade para o indivíduo. O indivíduo não é nada mais que uma gota d'água no oceano,

acredita-se, o que, em última análise, é verdade com relação ao Hinduísmo, ao Taoísmo e

ao Budismo. Não devemos, entretanto, ignorar o esforço da escola Vedãnta do Rãmãnuja

para reafirmar a realidade da multiplicidade. A filosofia de Rãmãnuja é chamada

"monismo atenuado", basicamente porque ele defendeu, sem reservas, o mundo da

multiplicidade e recusou-se a aceitar o mundo como mãyã (43). Nem devemos ignorar

que na escola Sarvãstivãda e na escola Abhidharmakosa do Budismo Hinayãna cada

coisa em particular é considerada uma entidade separada. No Mahãyãna, também,

principalmente nas escolas Avatahsaka e T'ien-t'ai, o Um e o Muitos são considerados

reais (44). Isto, naturalmente, não parece concordar com a teoria budista geral do não-

ego. Os filósofos budistas explicam essa aparente incoerência referindo-se à sua teoria,

igualmente importante, dos três graus de realidade, a saber, o ilusório, o parcial e o

absoluto (45). A corda é ilusória quando é tomada por uma cobra. Como corda, tem

realidade parcial, já que uma corda não passa do efeito de várias causas, como o

cânhamo, o espaço, etc. Tem realidade absoluta quando é reconhecida como a Qualidade

Essencial. A corda em si é fenomenal, é um pormenor extremo, ao passo que a realidade

absoluta não tem tal distinção como fenômeno e númeno ou como o particular e o

universal. É este o reino em que o Um é o Muitos e o Muitos é o Um. O ego tem,

portanto, realidade parcial e eficácia empírica, mas nenhuma individualidade no sentido

final. A principal diferença entre o Hinduísmo e o Budismo é que no Hinduísmo o

indivíduo é, ao final, absorvido pelo Absoluto (46), ao passo que no Budismo nem o

Absoluto nem o indivíduo engole o outro. Sua distinção não existe no estado da

Qualidade Essencial.

O ponto de vista do Taoísmo se aproxima do do Hinduísmo. Outras escolas da

China e do Japão, todavia, seja no Confucionismo, no Moismo, no Neoconfucionismo,

seja na filosofia japonesa em geral, sempre acentuam que tanto o particular como o

universal são reais. Na verdade, no Neoconfucionismo, que dominou o pensamento

chinês no último milênio e o japonês durante muitos séculos, a realidade de um depende

da realidade do outro. Sem a força vital, o princípio da diferenciação, a Razão ou o

principio universal não podem ter qualquer incorporação, não podem tornar-se concretos

nem operar. O Um só é passível de ser descoberto no Muitos, da mesma forma como o

Muitos só é discernível no Um (47).

Tomadas, porém, em conjunto todas as filosofias orientais, o fato indubitável é que o

Muitos está claramente subordinado ao Um, do qual depende para a sua realidade final.

Em outras palavras, a filosofia oriental é no fundo monista, a despeito de alguns sistemas

menores de dualismo e pluralismo na índia. Não deixamos de perceber o pluralismo

realista do Jaínismo, o pluralismo atomístico do Nyãya e do Vaséshika, o dualismo

realista do Sãnkhya. Mas, com exceção do Jaínismo, a dualidade e a pluralidade no

Hinduísmo afinal se resolvem na unidade do Brâmane. A Qualidade Essencial do

Budismo não admite restrição numérica, sendo impossível, por conseguinte, determinar-

se se o Budismo é monista ou pluralista. A literatura budista, entretanto, está cheia de

refutações da dualidade. Os setenta e cinco dharmas ou elementos da existência do

primitivo Budismo e os cem dharmas do Budismo posterior deverão ser todos

transcendidos quando a Qualidade Essencial for realizada. Na China e no Japão, nem o

dualismo nem o pluralismo encontraram lugar. A tradição do yin e do yang, que afirma

que todos os acontecimentos do universo são resultados da interação do princípio

universal da passividade, o yin, e do princípio universal da atividade, o yang, não é

dualista porque estas duas forças são apenas aspectos diferentes de uma Final. O

suspeitado dualismo da Razão (Li) no Neoconfucionismo não é real, porque elas são

finalmente sintetizadas no Grande Final.

Ponto controvertido é o de se o Um na Filosofia oriental é determinado ou indeterminado.

É obviamente indeterminado no sentido de que não pode ser descrito em termos

específicos, tais como o Vazio no Budismo, e, até certo ponto, o Tao no Taoismo e o

Brâmane no Hinduísmo. É determinado no Confucionismo, no Neoconfucionismo, no

Jaínismo, em várias escolas hindus ortodoxas, nas filosofias japonesas e em outros

sistemas orientais menos importantes, nos quais a realidade final pode ser compreendida

em termos específicos. Pode-se argumentar que esses termos específicos não descrevem o

Um como númeno, mas o Um como o "campo" do mundo fenomenal. Em outras

palavras, o Um na Filosofia oriental é intuído, mas não postulado. Não há dúvida de que

o monismo do Oriente está edificado em terreno muito menos racional do que o do

Ocidente. Em sistemas como o Hinduísmo, o Taoismo e certas escolas do Budismo, nos

quais o mundo é considerado fenomenal, o caráter indeterminado do Um é evidente por

si. Em outros sistemas, principalmente no Neoconfucionismo e em certas escolas budistas

que se recusam a distinguir o fenomenal do numenal, o caráter especifico do Um é claro

como o dia.

A ênfase monista ajudou o Oriente a evitar a grande dificuldade da Filosofia, isto é, a

relação entre corpo e espirito. Como nunca são claramente contrastados e como, em

última análise, são idênticos, qualquer dificuldade que surja do dualismo do corpo e do

espírito imediatamente desaparece. A nota de unidade percorre toda a filosofia oriental,

de forma como não ocorre em nenhuma outra parte do mundo.

MUDANÇA E DESTINO

A ênfase oriental sobre a unidade não deve ser interpretada no sentido de um universo

estático. A unidade compreende o que é e o que não é. A realidade consiste tanto no Ser

como no Não - Ser, isto é, no Tornar-se. Para os budistas, os taoístas e os confucionistas,

a realidade é particularmente dinâmica. A transitoriedade da vida constitui a base da

filosofia budista. No Taoismo, também, a realidade passa "como um cavalo a galope". O

Confucionismo, especialmente os neoconfucionistas, também ficaram fortemente

impressionados com a natureza dinâmica do universo. Sua filosofia deriva da tradição

chinesa geral de transformação, a qual, de acordo com o I Ching (O Livro das

Mudanças), ocorre a cada momento, já que toda produção envolve a interação dos dois

princípios do yin e do yang. Os filósofos chineses, desde o século XI, têm falado de

coisas como "acontecimentos" ou "negócios" que não têm "duração", mesmo por padrões

budistas (48).

O caráter efêmero da realidade é resultado lógico da concepção oriental das coisas como

relações, traço particularmente notável no Budismo e na filosofia chinesa. Para os

filósofos chineses, tanto confucionistas como taoístas, uma coisa é produzida pelo Grande

Final ou Tao através da interação dos princípios universais de passividade e atividade.

Estas forças nunca estão estagnadas, mas em fluxo constante. Para os budistas, qualquer

efeito deve ter várias causas ou vários elementos que se apresentam em relação singular.

Tal idéia de relação está tão profundamente enraizada no Oriente, que as relações

humanas se tornam um fator principal na ética oriental. É também responsável pela

gradação de realidade encontrada na maior parte das filosofias orientais.

O fatalismo e o pessimismo orientais, que atraíram muita atenção no Ocidente, podem ser

atribuídos à concepção da transitoriedade da realidade. Acentuou-se que a Filosofia

oriental acredita firmemente na possibilidade de salvação. Mas num universo de

transformação universal e incessante, e do ponto de vista da realidade final, o Homem,

como entidade, goza de mais permanência do que uma bolha ou uma sombra. Por este

motivo, Chuang-Tsé e a maior parte dos taoístas que vieram depois dele advogaram a

vida espontânea, o que significa deixar a vida seguir seu curso livremente. O Homem não

deve trabalhar por amor da riqueza e da fama, nem deve preocupar-se com a vida e a

morte. A Natureza tem seu próprio programa, que o Homem nunca pode ter esperança de

alterar. No Budismo e no Hinduísmo, a transitoriedade da vida identifica-se até com o

sofrimento. Consideram que o mundo sofre simplesmente porque a vida e a morte se

sucedem sem fim. Tentam escapar desta "roda" de sofrimento, para terminar o giro do

renascimento. Por que a impermanência da vida significa sofrimento é coisa que nunca

foi explicada (49). Os neoconfucionistas acolheram a transformação incessante de modo

mais realista. Consideraram questão de dever para o Homem ajustar-se ao esquema da

operação universal. Ele não deve lamentar-se por causa do curso natural e necessário dos

acontecimentos. Deve, ao invés, "estabelecer seu destino", participando e contribuindo

para a lei universal. Eles admitiram que o Homem não tem controle sobre a vida e a

morte ou a riqueza e a pobreza, mas insistiram em que é pura ignorância e loucura, e até

violação da lei morai, postar-se ao lado de um muro em vias de desmoronar e contar com

a própria sorte. O Homem deve esforçar-se muito por compreender as coisas e realizar a

própria natureza, pois "a realização completa da Razão das coisas, o pleno

desenvolvimento da própria natureza e o estabelecimento do destino são simultâneos"

(50). Deixaram espaço para o livre arbítrio, embora o Homem, como indivíduo, deva

conformar-se com o padrão geral do universo. Os budistas, os jainos e os hindus

incentivam, todos eles, o pleno exercício da vontade, pois somente por esforço sério pode

o Homem esperar destruir a ignorância.

A MENTE

A Filosofia oriental sempre atribuiu enorme importância à atividade mental, embora o

respeito geral pela tradição e a fraqueza da atitude critica pareçam indicar coisa diversa.

O espírito critico na Filosofia oriental, entretanto, é mais forte do que se suspeita, apesar

de se encontrar mais racionalismo no Ocidente. O respeito pela tradição não impede esse

espírito critico. Efetivamente, um dos principais defeitos da Filosofia oriental está na sua

ênfase excessiva na capacidade criativa da mente.

Ninguém pode subestimar o lugar da mente na Filosofia oriental. Em certo sentido, esta

pode ser considerada predominantemente idealista, considerando-se a importância da

mente, não apenas nas escolas idealistas do Hinduísmo, do Budismo e do

Neoconfucionismo, mas também no Taoismo naturalista, no Budismo totalista e no

Neoconfucionismo racionalista (51). No Hinduísmo e em certas escolas do Budismo, a

realidade é concebida como um principio da consciência, quer se chame Atman quer Ego,

quer Mente. Uma das escolas budistas e uma escola neoconfuciana francamente se

rotularam "escola da Mente - Só" (52) e "Filosofia da Mente" (53) respectivamente. Em

todos os casos de tendências idealistas na Filosofia oriental, a mente é a mente universal,

já que, no fundo, a mente individual fica aquém da plena realidade. Claro que

percebemos que nem Tao no Taoísmo, nem a Qualidade Essencial no Budismo, podem

ser reduzidos à mente, pois Tao designa o "Caminho" da Natureza, e a Qualidade

Essencial não admite restrição, seja material, seja espiritual. Tanto o Taoísmo como o

Budismo, pela forma como os representam algumas escolas, são naturalistas. Não

obstante, subsiste o fato de que a realização do Tao ou da Qualidade Essencial depende

de atividade mental como introvisão ou iluminação. Estamos também cientes de que o

mais importante sistema filosófico da China, o Neoconfucionismo, é basicamente

racionalista e de que a sua Razão não pode ser interpretada como consciência. Entretanto,

a mente é considerada o melhor ponto de partida na realização da Razão, já que a Razão

se incorpora melhor na mente, embora passível de ser descoberta em todas as coisas. O

materialismo não teve nenhum posto de relevo no Oriente, exceto a escola Chãrvãka na

índia e Hsun- Tsé e Wang Ch'ung na China, todos os quais tiveram vida curta (54).

Alguém afirmou que a insignificância do materialismo pode ser explicada pelo uso

oriental da intuição estética de preferência a conceitos por postulação. Seja como for,

uma filosofia profundamente preocupada com a realização do Homem e a salvação da

alma humana naturalmente se recusa a aceitar a matéria como a quintessência da vida.

Além disso, a realidade final, no Oriente, não é alcançada apenas através da intuição.

Muitos livros das várias escolas ai estão como testamentos vivos da enorme atividade de

especulação. Pode-se admitir, é verdade, que a China e o Japão estão muito mais

atrasados do que a Índia a este respeito, e que o Oriente, em conjunto, não está à altura do

Ocidente em atividade especulativa. Todavia, o que importa é que a realidade final

oriental não é o resultado apenas da intuição. Se somente a intuição fosse suficiente, a

realidade final do Taoismo e do Budismo, que utilizou a intuição mais do que qualquer

outra escola filosófica oriental, deve ter sido idealista. Acontece que a escola budista, que

se apresentou francamente como a doutrina do idealismo, a escola da Mente - Só ou

Vijñaptimãtratã, é uma das mais especulativas escolas, e sua análise da consciência em

três níveis, com suas oito categorias e sua quádrupla função, oferece algo absolutamente

excepcional na história da Filosofia mundial. Seus argumentos e deliberações sobre a

mente como a única realidade comparam-se favoravelmente com qualquer filosofia

idealista (55). O Budismo se empenhou na análise da consciência de modo tão extenso e

integral, que qualquer desconfiança de que a Filosofia oriental depende completamente

da intuição deve ser dissipada.

A INTUIÇÃO E OUTROS MEIOS DE CONHECIMENTO

Claro que ninguém deve subestimar o papel que a intuição desempenha na Filosofia

oriental em conjunto. O fato, porém, é que, em primeiro lugar, nem todas as escolas

importantes a utilizam como o principal método de conhecimento, e, ademais, todas as

que a usam como o caminho principal para a verdade só o fazem com a ajuda do

raciocínio, da observação e de outros meios de conhecimento. O Confucionismo, o

Moísmo, o Neomoísmo, a filosofia medieval chinesa, o Sofismo, as várias fases do

Neoconfucionismo, o Chãrvãka e a filosofia japonesa nativa consideram dignos de fé

todos os meios de conhecimento. Se há preferência é pelo raciocínio, embora isto possa

parecer surpreendente. A importância do raciocínio é óbvia nas escolas lógicas do

Neomoísmo e do Sofismo (56). Confúcio colocava o aprendizado à frente de qualquer

método de conhecimento - aprendizado com os antigos, a observação diária e o

pensamento grave (57). Na filosofia utilitária do Moísmo encontramos o famoso método

moísta de raciocínio que abrange uma "base", um "exame geral" e uma "aplicação

prática" (58). Entretanto, a maior ênfase sobre a reflexão foi dada pelo movimento

Neoconfuciano, também chamado, geralmente, a escola da "Razão", na qual o meio mais

seguro de se descobrir a "Razão" ou a Lei do universo é através da "extensão do

conhecimento ao máximo" mediante "completa investigação das coisas" (59).

Infelizmente, os primeiros neoconfucionistas procuravam dentro de si essa extensão e

investigação, e na segunda etapa do Neoconfucionismo, em Wang Yang-ming, ela

culminou no "conhecimento inato do bem". Entretanto, na terceira etapa do

Neoconfucionismo, a dos três últimos séculos, dá-se ênfase ao raciocínio, especialmente

ao raciocínio apoiado na experiência.

Na maioria das escolas filosóficas orientais, a intuição decerto tem seu lugar. Não

esquecemos - nem por um momento - que, enquanto sistemas chineses importantes

como o Confucionismo, o Moísmo e o Neoconfucionismo (exceto Wang Yang-ming) dão

ênfase à experiência e ao raciocínio, muitas filosofias orientais confiam, em última

análise, na intuição. O que pretendemos assinalar é que, mesmo nestas escolas, a intuição

transcende, em vez de excluir, outros meios de conhecimento. Praticamente todos os seis

sistemas hindus ortodoxos têm sua própria teoria de conhecimento, que envolve a

percepção, a inferência, o testemunho, a analogia, a presunção e a síntese. O Hinduísmo,

o Jaínismo, o Budismo e o Taoísmo têm graus de conhecimento que se distinguem como

conhecimento "inferior" e "superior" (60). É aqui que a intuição começa a assumir

importância fora do comum, na medida em que reduz todos os outros meios de conhecer

à posição de um estágio elementar ou intermediário. Os estudiosos têm razão quando

sustentam que, embora a intuição ocupe posição importante na Filosofia oriental, só

aparece depois de uma série de intensos esforços intelectuais.

LÓGICA

A intensidade de tais esforços intelectuais pode ser vista no significado que a Filosofia

oriental atribui à Lógica. Para começar, devemos declarar que a Lógica na Filosofia

oriental, não atinge a preeminência que encontramos na Filosofia ocidental. Os primeiros

escritos do Oriente, tais como os Vedas, os Upanixades, o Tao-tê Ching, Os Analectos,

etc., não podem deixar de dar a impressão de que as asserções são feitas e as conclusões

tiradas sem prova lógica. Com base nessa impressão, os ocidentais vieram a sustentar a

opinião de que, antes de tudo, os pensadores orientais não raciocinam logicamente e, em

segundo lugar, de que eles absolutamente não raciocinam: e, em terceiro, de que são até

ilógicos. Ninguém pode negar que o Oriente não desenvolveu a Lógica até ao grau de

sutileza alcançado no Ocidente. Mas tampouco se pode negar que os pensadores orientais

raciocinam logicamente, e até raciocinam pelo uso do silogismo lógico. Todas as escolas

budistas e hindus de Filosofia muito cedo aperfeiçoaram seus apurados sistemas de

Lógica. Raciocinavam de uma maneira que absolutamente não era diferente da do

Ocidente. Por exemplo:

1. Tese O som é impermanente

2. Razão Porque produzido à vontade por um esforço

3. Exemplo Como um jarro. Onde um esforço, aí impermanência.

4. Aplicação O som é produzido à vontade por um esforço.

5. Conclusão Ele é impermanente.

Com muita freqüência, os cinco membros do silogismo foram reduzidos a três, o que o

tornou praticamente idêntico ao do Ocidente, como mostrará o seguinte exemplo:

1. Onde há fumaça há fogo, como na cozinha.

2. Aqui há fumaça.

3. Deve haver algum fogo.

Tal exemplo pode ser encontrado em qualquer tratado filosófico importante nas escolas

hindus e budistas. É interessante notar que até no silogismo de três membros se dá um

exemplo, pois a lógica oriental insiste em que um exemplo concreto deve ser citado em

qualquer processo legítimo de dedução. O Jaínismo também tem seu próprio sistema de

raciocínio lógico chamado a Doutrina do "Talvez" (61). De acordo com os jaínos, há sete

formas de predicação condicional:

A é.

A não é.

A é e não é.

A é impredicável.

A é e é impredicável.

A não é e é impredicável.

A é, não é e é impredicável.

Na verdade, a Lógica ocupou lugar tão importante no raciocínio oriental que algumas

escolas são chamadas escolas lógicas, tais como o Nyãya no Hinduísmo, o Dignãga no

Budismo e o Neomoísmo na Filosofia chinesa. As filosofias orientais utilizam todas as

leis do pensamento. Usam a indução tanto como a dedução. Para ilustrar as

complexidades da lógica oriental, devemos, entretanto, encaminhar o leitor a livros como

o Nyãya Sutra; Buddhist Logic, em dois volumes, de Stcherbatsky (62); a History of

Indian Logic de Vidyãbhusha (63), e The Development of the Logical Method in Ancient

China, de Hu Shih. O que é importante assinalar aqui é que onde os filósofos orientais

usaram o raciocínio silogístico, usaram-no com reservas, e onde não usaram o raciocínio

silogístico, não raciocinaram menos clara e distintamente. A primeira atitude é

característica do pensamento indiano, ao passo que a segunda o é da China.

A desconfiança do raciocínio lógico foi tão longe que mais tarde, no Zen, houve não

apenas uma tentativa deliberada de descartar a Lógica, mas também de ridicularizá-la. Os

diálogos entre os grandes mestres do Zen e seus alunos devem causar no leitor não -

iniciado uma impressão de absoluta tolice. É difícil compreender por que, por exemplo,

quando um aluno perguntou quais eram as três jóias budistas, o mestre tivesse de

responder: "Arroz, painço e feijão!" - em vez do esperado - "O Buda, a Doutrina e a

Congregação"; ou por que, em resposta à importantíssima pergunta sobre o que constitui

o conteúdo dos cânones budistas, o mestre devesse apenas levantar o punho. Não há nada

de tolo nestas respostas. Elas representam um esforço consciente no sentido de destruir o

hábito do raciocínio lógico a fim de criar na mente do aluno uma singular atitude mental

superior, necessária para a apreensão da verdade final.

Os pensadores chineses geralmente não vão a tal extremo. Acreditam na eficácia do

raciocínio, embora nem por um único momento o aceitem como o caminho exclusivo

para a verdade. Se não usam o silogismo, é apenas porque não raciocinam tão

metodicamente quanto os filósofos ocidentais, muito embora o façam clara e

distintamente. Não há dúvida de que, comparada com o Ocidente ou com a Índia, a China

fica bem atrás no raciocínio sistemático, em explanação e em prova. À parte a escola neo-

moísta de Lógica, que teve vida curta, e a lógica budista, que veio com a filosofia budista

como se fosse sua criada, é difícil encontrar um sistema de Lógica formal na China. A

própria escola neo- moísta não pode ser chamada lógica no sentido estrito da palavra

porque, a despeito de suas definições, explanações e provas, e a despeito dos seus sete

métodos de argumentação, é discutível se a escola foi além do nominalismo (64). Não

obstante, qualquer dose de familiaridade com pensadores como Wang Ch'ung (27-100

d.C.) e os neoconfucionistas, do século XI em diante, convencer-nos-á de que as suas

mentes eram ativas e de que os seus processos de pensamento eram claros (65).

SÍNTESE E NEGAÇÃO

Lamentamos, porém, que o pensamento oriental claro e distinto não tenha dado maior

ênfase à Lógica, porque a subordinação do intelecto no Oriente impediu o

desenvolvimento da Lógica e das Ciências Naturais, o que, por sua vez, retardou o

progresso na Metafísica e na Epistemologia, por um lado, e a na indústria e no comércio

de outra parte. Acabamos de mostrar que a Lógica foi, e ainda é, usada na Filosofia

oriental. Mas a Lógica oriental é deficiente em descrição clara e precisa, em análise e no

uso de postulados. Conseqüentemente, a Ciência abstrata não se desenvolveu no Oriente

porque é impossível sem um sistema de Lógica bem estabelecido. Isto de modo algum

implica qualquer incompatibilidade da Filosofia oriental com a Ciência, pois, enquanto

existe unidade de corpo e espírito, qualquer dificuldade fundamental com a Ciência é

evitada. Mas o método intuitivo, mesmo quando apoiado por outros meios de

conhecimento e pela Lógica, tende a negligenciar a Ciência.

Parece um estado de coisas deplorável, porém não falta um elemento de consolo. Se a

intuição oriental subestimou a análise, deu ênfase à atitude sintética Como a realidade

consiste tanto no Ser como no Não - Ser, tanto na atividade como na inatividade, a

unidade se toma o princípio fundamental no reino da Natureza, assim como no reino do

Homem. Qualquer distinção absoluta, seja em fatos seja em idéias, é olhada como uma

distorção da realidade. E aqui está o segredo de como superar a dificuldade do dualismo

de corpo e mente. A mente oriental quase instintivamente busca a semelhança em vez da

diferença, e acha desagradável a proposição sujeito - predicado e a lei lógica da

identidade. Encara com forte suspeita uma afirmação como "A é A e nada mais". Não

duvida, por um só momento, de que A seja A, mas recusa-se a admitir que toda a história

possa ser contada de maneira tão simples. O universo é uma rede de relações íntimas, de

modo que nada pode ser reduzido a um ponto no espaço ou a um instante no tempo.

Finalmente, tudo envolve tudo mais, de maneira que A é concebivelmente B. Distinções

absolutas como as indicadas pelo ponto de vista "ou- ou" tampouco contam com a

aprovação da mente oriental. Concedendo individualidade e particularidade às coisas, a

maior parte das filosofias orientais insistiram em que as coisas tanto existem por si

mesmas como estão relacionadas com outras, que o universo é tanto Um como Muitos, e

que um homem é tanto um indivíduo independente quanto o filho de seu pai. Este ponto

de vista "tanto-como" é, realmente, o fundamento psicológico da identificação taoísta dos

contrários (66), o Caminho do Meio e o Vazio budistas como destituídos de caracteres

específicos (67), e a teoria hindu sobre a natureza paradoxal do Brâmane (68). Até certo

ponto, ele explica também a "harmonia central" de Confúcio, quer no sentido de meio

áureo quer no de um princípio universal central e inalterável, já que a centralidade

implica a síntese dos extremos.

Claro que essa abordagem sintética foi às vezes levada tão longe que se tornou destrutiva.

Quando indevidamente acentuada, não apenas dificulta a definição e a análise, mas

impossibilita qualquer afirmação. Isto é exatamente o que aconteceu com uma tendência

extrema do Budismo, a saber, o niilismo ou absolutismo de Nãgãrjuna. Sua negação

quádrupla de ens, non-ens, ou ens ou non-ens, e nem ens nem non-ens reduz a realidade a

um Vazio absoluto, que é "destituído" de quaisquer caracteres específicos. Embora o

Absoluto seja, assim, plenamente afirmado, os caracteres específicos são inteiramente

negados. A "Doutrina do Meio" de Nãgãrjuna, pela força do seu próprio argumento,

deixou sua posição "média" e tornou-se extrema demais mesmo para o budista comum

(69).

A síntese intuitiva foi reduzida a um processo de negação. Embora esta forma de intuição

seja extrema, não se deve deixar de ter em vista o objetivo central dessa atividade mental.

A intuição, quer como resultado da negação quer sob outra forma, não aceita menos que o

contato direto e imediato com o Absoluto, o continuum indiferenciado, o "campo".

MISTICISMO E MEDITAÇÃO

Estritamente falando, esse contato direto com a realidade é uma forma de misticismo.

Neste sentido, podemos descrever a Filosofia oriental como mística até um ponto

apreciável, tendo em vista que definição tão ampla não abrange o Confucionismo, o

Neoconfucionismo, o Moísmo, o Chãrvãka e outras escolas menores. Em sistemas como

o Budismo, o Hinduísmo e o Taoísmo, nos quais o misticismo desempenha importante

papel, não se trata do misticismo da comunhão, mas antes o da identidade, isto é, a pura

unidade com o Brâmane ou Tao. No caso do Budismo, o misticismo é muito difícil de

definir, já que a pessoa nem se põe em comunhão com o Buda nem se identifica com o

Buda. No Nirvana, a pessoa se torna Buda, não como o Buda ou um dos muitos Budas,

porque já não existe distinção numérica. Assim, o misticismo budista pode ser chamado o

"misticismo do tornar-se" ou, como diz o Professor Takakusu, o "misticismo da

autocriação". A filosofia taoísta realmente fica entre o Hinduísmo e o Budismo, sob este

aspecto.

No processo de identificação ou de "autocriação", o excepcional método oriental de

meditação desempenha importante papel. A palavra "oriental" se usa aqui para indicar

que a meditação é importante no Oriente, mas não para significar que seja o método geral

de todas as escolas filosóficas orientais. O tópico da meditação é tratado em outro

capitulo deste livro, bastando dizer, aqui, que, apesar de sua estranheza, seu significado

filosófico não deve ser tomado levianamente. É praticada no Hinduísmo, no Jaínismo e

no Budismo. Tanto no Taoísmo como em certas fases do Neoconfucionismo, a unidade e

a tranqüilidade da mente são veementemente destacadas. Seria, porém, um erro

identificar isso com meditação, porque isso é considerado como preparação psicológica

para uma "introvisão" clara no mundo existencial e um "conhecimento extenso" dele, ao

passo que o método de meditação é uma tentativa de transcender a existência. A

meditação da Ioga e do Budismo representa um esforço consciente, ativo e espiritual de

transcender o mundo para a consecução do conhecimento certo, da perfeição moral e para

a descoberta da realidade final.

FILOSOFIA ORIENTAL E ÉTICA;

UMA FILOSOFIA MUNDIAL

Temos aqui um exemplo excelente da afinidade da Metafísica, da Epistemologia e da

Ética orientais. Elas são interdependentes, e uma existe para a outra e a ela conduz. A

unidade de conhecimento e comportamento na Filosofia oriental é quase proverbial, e da

mesma forma a insistência na relação íntima entre a realização da natureza humana e a

realização da realidade. Isto explica a ausência do conhecimento pelo conhecimento no

Oriente. Também explica por que Filosofia e vida no Oriente estão intimamente

relacionados e por que a Filosofia oriental parece extremamente ética. Como o primeiro e

o último problema da Filosofia oriental em geral é a perfeição e a liberdade humanas, é

inevitável que, nela, a Ética seja de capital importância. O problema da Ética é discutido

em outro capítulo, bastando dizer que, a fim de conseguir-se um conhecimento claro da

Ética oriental, deve-se contemplá-la contra o plano de fundo da filosofia oriental em

conjunto, Metafísica e Epistemologia incluídas. A menos que nos recordemos de que a

realidade final é amoral para a maioria dos filósofos orientais, acharemos difícil

compreender por que eles insistem em que a distinção entre o certo e o errado é aceitável

e justificada apenas para o mundo empírico. Além disso, a menos que apreciemos a

relação entre o Um e o Muitos na Filosofia oriental, estaremos expostos a subestimar a

significação exata que esta atribui ao indivíduo.

Problemas como a condição do indivíduo estão forçando a Filosofia ocidental e a oriental

a defrontar-se. Se o mundo pretende ter paz, os padrões de vida dos diversos povos não

devem ser fundamentalmente incompatíveis. Portanto, como um mundo unido é ditado

pelo progresso das invenções científicas e pelo contato cultural, uma filosofia mundial

deve ser desenvolvida. Esperamos que não esteja muito distante o dia do aparecimento de

uma filosofia mundial. Já há sinais de que os orientais querem que a sua filosofia seja

ocidentalizada até certo ponto, seja mais científica, mais racional, mais positiva e mais

afirmativa com respeito ao particular. Ao mesmo tempo, a ênfase oriental na intuição, no

monismo, na harmonia entre o Homem e a Natureza, na transmutação do mal pelo

esforço humano, na tranqüilidade de espírito, na ética da simplicidade, no contentamento,

na não- violência e na não- injustiça e, acima de tudo, no conceito de continuum ou

"campo" não diferenciado, podem oferecer ao Ocidente algo para pensar. Estas

tendências ocidentais e orientais, em síntese adequadamente equilibrada, podem produzir

ou constituir uma filosofia mundial digna do nome.

NOTAS

(1) Para a verdadeira função da prática ioga, vide S. N. Dasgupta, Yoga as Philosophy

and Religion (Londres: Kegan Paul, 1924), capítulo XI.

(2) Existe em tradução francesa de S. Lévi, Matêriaux pour l'étude du systême

vijiíaptimatra (Paris: Librairie Ancienne Honoré Champion, 1932).

(3) Existe em tradução francesa de La Vallée Poussin, Vijñaptimãtratãsiddhi, La siddhi

de Hiuan-tsang, 2 volumes (Paris: Guethner, 1928 e 1929).

(4) Existe em tradução alemã de Marx Walleser, Die Mittlere Lehre des Nãgãrjuna

(Heidelberg: Cari Winter's Universitatsbuchhandlung, 1912).

(5) Existe em tradução francesa de La Vallée Poussin, L'Abhidharrnakoía de

Vasubandhu, 6 volumes (Paris: Guethner, 1923-1925).

(6) Samyutta Nikãya, V. 420. Vide E. J. Thomas, Early Buddhist Scriptures (Londres;

Kegan Paul, 1935), págs. 29-30.

(7) É verdade que o Buda não sugeriu no Caminho Intermediário nem a crença do não-ser

nem a crença no ser (Sarhyutta Nikaya, XXII, 90. Vide H. C. Warren, Buddhism in

Translations, Cambridge, Massachusetts, 1896, pág. 165): Mas a metafísica só se

desenvolveu mais tarde. Mesmo dentro do Hinayâna, não houve acordo geral sobre o

Caminho Intermediário. A escola Styasiddhi, por exemplo, atribuiu-lhe o significado da

negação tanto dos elementos quanto do eu.

(8) Mádhyamika Sâstra, cap. XXIX, verso 18.

(9) Th. Stcherbatsky, The Conception of Buddhist Nirvãna (Leningrado: Editora da

Academia de Ciências da URSS, 1927), pág. 70.

(10) Madhyãntavibhanga, Discourse on Discrimination between Middle and Extremes,

ascribed to Bodhisattva Maitreya and Commented by Vasubandhu and Sthiramati,

traduzido por Th. Stcherbatsky (Leningrado: Editora da Academia de Ciências da URSS,

1936), pág. 24.

(11) Vijñaptimdtratãsiddhi, La siddhi de Hiuan-tsang, traduzido por La Vallée Poussin,

pág. 419.

(12) Fa-tsang, Fa-chieh Yuan-ch'i Chang (Capítulo sobre a Causalidade Universal do

Reino do Principio) e Chin Shih-tzu Chang (Capítulo sobre o Leão Dourado).

(13) Chih-k'ai, Mo-ho Chih-kuan (Concentração e Introvisão no Mahâyâna), Cap. 1.

(14) Ibid., Cap. III.

(15) Para detalhes, vide Capítulo III, págs. 42 e 78. Para maiores informações sobre a

mudança do conceito de jên, vide meu artigo "Jên" em The Dictionary of Philosophy,

org. por D. D. Rumes (Nova Iorque: Philosophical Library, 1942), pág. 153.

(16) Vide Cap. III, págs. 49, 61, 66 e 68.

(17) A história é longa demais para ser contada aqui. Vide excelentes relatos dos Seis

Sistemas da Índia em S. C. Chatterjee e D. M. Datta, An Introduction to Indian

Philosophy (Calcutá: Universidade de Calcutá, 1939); S. N. Dasgupta, A History of

Indian Philosophy (Cambridge: University Press, Vol. 1, 1922, Vol. III, 1940); Ãchãrya

Màdhava, The Sarvadarsanasangraha, ou Review of the Different Systems of Hindu

Philosophy, tradução de E. B. Cowell e A. E. Gough (Londres: Trübner, 1882); F. Max

Müller, The Six Systems of Indian Philosophy (Londres e Nova Iorque: Longmans,

Green, 1899, nova ed., 1903 e 1928); S. Radhakrishnan, Indian Phylosophy, 2 vols.

(Londres: Allen & Unwin, Vol. II, 1927, rev., 1931).

(18) S. Radhakrishnan, Indian Philosophy, Vol. 1, págs. 24-53.

(19) S. N. Dasgupta, A History of Indian Philosophy, Vol. 1, págs. 71-77.

(20) Ibid., p. 77.

(21) Sophia Zen, org., Symposíum on Chinese Culture (Xangai, 1931), pág. 31.

(22) Fung Yu-lan, The History of Chinese Philosophy, Cap. 1 (cf. tradução da Parte 1 por

D. Bodde [Henri Vetch, Pequim, 1937], págs. 1-6).

(23) Vide Cap. III, págs. 39, 49, 55 e 72.

(24) À parte as várias seitas essencialmente religiosas que advogam a salvação na "Outra

Margem", a maioria das escolas budistas dá ênfase à necessidade de "a pessoa tornar-se

um Buda onde quer que esteja".

(25) Vide Cap. III, págs. 72, 74 e 83.

(26) Ibid., págs. 34 e 54.

(27) Bagavadguitá, II, 18-20; XI, 28-29; XII, 9.

(28) Sobre os argumentos budistas contra o eu como entidade permanente, veja o último

capítulo do Abhidharmakosa Sâstra, de Vasubandhu, que se encontra em tradução

francesa de Louis de La Vallée Poussin, L'Abhidharmakosa de Vasubandhu, 6 volumes

(Paris: Guethner, 1923), Vol. V, págs. 230-232; também Vijñaptimãtratàsiddhi, tradução

francesa de Louis de La Valée Poussin, La siddhi de Hiuan-tsang, Librairie Orientaliste

(Paris: Paul Guethner, 1928-1929), Cap. 1.

(29) Vide meu artigo "Hun" em The Dictionary of Philosophy, org. por D. D. Runes

(Nova Iorque: Philosophical Library, 1942), pág. 132. Este conceito está exposto

especialmente nos escritos dos filósofos chineses medievais, tais como Huai-nan Tzu

(morto em 122 a.C.), Tung Chung- Shu (177-104 a.C.), etc., e é defendido em toda a

filosofia chinesa moderna.

(30) Lun Yü (Os Analectos), XI, II; Majjhima Nikãya, suttas 63 e 72 (II. C. Warren,

Buddhism in Translations, Harvard Oriental Series, Vol. III [Cambridge, Harvard

University Press, 1922], págs. 117 e 123); Samyutta Nikãya, sutta 44.

(31) V. Cap. III, págs. 40 e 72.

(32) Principalmente na Escola Zen.

(33) Pode-se dizer que o principal problema dos Upanixades é a relação entre o Homem

como entidade espiritual individual e o Brâmane como a entidade espiritual universal.

Vide o Brihadãranyaka Upanishad, II, 5, 1; III, 4, 1; V, 5, 2; Chãndogya Upanishad, III,

13, 7; III, 14, 2-3; V, II, VIII, 8, 3; VIII, 14, 1; Taittiriya Upanishad, II, 8; III, 10;

Mundaka Upanishad, II, 1, 10; II, 2, 5 e 9; Aitareya Upanishad, V, 1-3; Svetâsvatara

Upanishad, 1, 16. Quanto à criação do Homem, vide Ait., II, 2-4; Tait., II, 1. Sobre a

alma e seus quatro estágios, vide Bri., IV, 3, 6; V, 6; Chãnd., VIII, 3, 3; Katha, III, 5; IV,

1-2; Mandukya, 3-7; Chãnd., VIII, 3-12. Consulte-se a tradução de R. E. Hume, The

Thirteen Principal Upanishads (Londres, Oxford University Press, 1931). Vide, também,

A. B. Keith, The Religion and Philosophy of the Veda and Upanishads, 2 vols.

(Cambridge: Harvard Oriental Series, Harvard University Press, 1925), págs. 567-570.

(34) Bem feito sumário do desenvolvimento das teorias confucianas da natureza humana

encontra-se em Hsüntzu's Theory of Human Nature and its Influence on Chine Thought,

de Andrew Chih-yi Chang (Peiping, 1928). Vide meu artigo "Hsing" (Natureza humana)

em The Dictionary of Philosophy, org. por D. D. Runes (Nova Iorque: Philosophical

Library, 1942), pág. 130.

(35)A questão da ignorância e do mal é examinada por todos os Seis Sistemas Indianos

(principalmente a Escola Vedanta; vide os Vedánta Sútra, 1, 1, 1-3, tradução de George

Thibaut, The Vedanta Sútra with the Commentary of Sankara, The Sacred Books of the

East [The Claredon Press, 1890 e 1896, Vol. XXXIV], págs. 3-19, as Escolas Budistas,

Mêncio (principalmente VI, 1, 6), e os Neoconfucionistas (principalmente Chu Hsi e

Wang Yang-ming).

(36) Lun Yü (Os Analectos), XI, II.

(37) Por exemplo: Chuang Tzü, Cap. II; cf. a tradução de Fung Yu-lan, Chuang Tzü, a

new selected translation with an exposition of the phylosophy of Kuo Hsiang (Xangai:

lhe Commercial Press, 1933), pág. 46.

(38) De acordo com Hu Shih. Vide seu The Development of the Logical Method in

Ancient China (Xangai: The Oriental Book Co., 1928), pág. 57.

(39) O Yoga Sútra, 1, 23-29; II, 1, 45. Veja-se a tradução de J.H. Woods, The Yoga-

System of Patanjali, Harvard Oriental Series, Vol. XVII (Cambridge: Harvard University

Press, 1927).

(40) Por exemplo, os argumentos Sãnkhya em The Aphorisms of Kapila, traduzidos por

James R. Balantyne (terceira edição; Londres: Trübner, 1885), 1, 92-94; V, 2-12.

(41) O Kusumánjali de Udayana, a clássica exposição das provas da existência de Deus,

do Nyãya, desenvolve inteiramente a idéia de Deus indiferentemente mencionada no

Nyâya Sutra.

(42) Bri., 1, 2, 3; Isa, 17; Ait., 1, 4; Chãnd., V, 12-18. Vide também Cap. III, pág. 66.

(43) Radhakrishnan, Indian Philosophy, Vol. II, págs. 690 e seguintes; Dasgupta, A

History of Indian Philosophy, Vol. III (1940), págs. 286 e segs.

(44) A escola T'ien-t'ai é muito persistente em sua teoria do verdadeiro estado de todos

os dharmas, isto é, todos os elementos manifestados são os elementos em seus próprios

estados (sarvadharma svalakshanatã). Ela proclama: "Tudo, mesmo a cor ou fragrância, é

idêntico ao Caminho do Meio, à Verdade." Igualmente impressivo é o ponto de vista do

Avatansaka de que "Tudo é Um e Um é Tudo". Vide notas 12 e 13.

(45) Pela forma como é apresentada em uma obra como Madhyãntavibhanga, Discourse

on Discrimination between Middle and Extremes, ascribed to Bodhisattva Maitreya and

Commented by Vasubandhu and Stiramati, traduzida por Th. Stcherbatsky, Leningrado:

Bibliotheca Buddhica, Vol. XXX, 1936.

(46) Bri., IV. 3, 32; Prasna, IV, 7; Tait., 1, 4, 3.

(47) Vide Cap. III, pág. 74.

(48) Vide Cap. III, págs. 74 e 83.

(49) Interessante paralelo pode ser traçado entre a idéia indiana de sofrimento e a

doutrina cristã do pecado original.

(50) Ch'êng-shih I-shu (Obras Póstumas dos Irmãos Ch'êng), Cap. II.

(51) Principalmente na índia. Vide 5. Dasgupta, Indian Idealism (Cambridge University

Press, 1933). A filosofia chinesa não vai ao extremo idealista. A doutrina Mente- Só

budista teve vida bem curta na China. Vide Cap. III, pág. 69.

(52) Vijñaptimãtravãda (também chamado Yogãcãra em sânscrito, Fa-hsiang em chinês,

Hosso em japonês e Mere-Ideation ["mera-Ideação" - N. do T.] em inglês). Literatura a

respeito desta escola pode ser encontrada em Vimsatika por Vasubandhu, tradução de C.

H. Hamilton, Wei Shih Er Shih Lun (New Haven: American Oriental Society, 1938); e

também os mencionados nas notas 1 e 2.

(53) Vide Cap. III, pág. 80.

(54) Vide Mãdhava Achãrya, The Sarvadarsanasangraha, or Review of the Different

Systems of Hindu Philosophy, tradução de E. B. Cowell e A. E. Gough (Londres:

Trübner, 1882), Cap. 1. Vide também Cap. III, págs. 47 e 68.

(55) Vijñaptimãtrasdhi, la sidhi de Hiuan-tsang, op. cit.

(56) Vide Cap. III, pág. 55.

(57) Lun Yü (Os Analectos), 1, i, 8, 14; II, 15; Chung Yung (Harmonia Central ou A

Doutrina do Meio), XIX.

(58) Vide Cap. III, pág. 56.

(59) Ibid., pág. 77.

(60) Sobre as teorias hindus do conhecimento, veja-se Dasgupta, A History of Indian

Philosophy, Vol. 1, págs. 261 e seguintes; 332 e segs.; 382 e segs.; 470 e segs. Quanto à

teoria jaína do conhecimento, veja-se J. Jaini, Outlines of Jainism, Jain Literature Society

(Cambridge University Press, 1916), págs. 109-118. As doutrinas budistas do

conhecimento inferior e superior são expostas de modo mais incisivo nos Satyasiddhi

Sãstra e nos Mãdhyamika Sãstra, de que não há tradução inglesa. D. T. Suzuki oferece

uma exposição geral das doutrinas budistas do conhecimento triplo e do conhecimento

duplo em seus Studies in the Lankãvatãra Sutra (Londres: Routledge, 1930), págs. 157-

165. Sobre a idéia taoísta de "grande" e "pequeno" conhecimento, veja-se Chuang Tzu,

Cap. II; cf. Fung Yu-lan, op. cit., pág. 45.

(61) Jaini, op. cit., págs. 112-118.

(62) Editora da Academia de Ciências da URSS (Leningrado, 1932; Cambridge,

Massachusetts, 1934).

(63) M. S. C. Vidyãbhushana, A History of Indian Logic (Calcutá: Universidade de

Calcutá, 1921).

(64) Paul Masson-Oursel, Comparative Philosophy (Nova Iorque:

Harcourt, Brace, 1926), págs. 119 e segs.

(65) Parece-me que o Professor Radhakrishnan levou longe demais sua argumentação em

favor da intuição na Filosofia oriental ao fazer a defesa da intuição (resumida em Counter

Attack from the East, the Philosophy of Radhakrishnan, de C. E. M. Joad (Londres: Allen

& Unwin, 1933), págs. 94-110.).

(66) Tao-tê Ching, 1, XLV, XX, XL, etc.; Chuang Tzu, Cap. II.

(67) Vide pág. 4 deste capítulo, e Capítulo III, pág. 69.

(68) Bri., IV, 4, 5; III, 7, 3; Isa, V; Katha, II, 21; Prasna, II, 5; Mund., II, 2, 1; Tait., II, 6.

(69) Th. Stcherbatsky, The Conception of Buddhist Nirvãna, pág. 70.

FILOSOFIAS DE VIDA EM COMPARAÇÃO

Charles A. Moore

A opinião mais fecunda sobre a relação entre as filosofias da Oriente e do Ocidente -

Metafísica, Ética, etc. - é a de que uma suplementa a outra e de que cada uma provê ou

salienta os conceitos de que a outra carece ou que tende a minimizar. Esta interpretação

sustenta, ademais, que estas duas faces essencialmente diferentes do pensamento humano

podem e devem ser conjugadas numa síntese que nos aproximaria mais de uma filosofia

mundial (2) - de uma filosofia digna do nome, mediante um ajustamento fiel da natureza

da Filosofia como "perspectiva total". Nem o Oriente nem o Ocidente é perfeito em sua

perspectiva: ambos necessitam corretivos que não se apresentam de forma satisfatória na

sua própria perspectiva imbuída de preconceitos. A sabedoria do Oriente e a do Ocidente

devem ser fundidas para darem ao Homem a vantagem da sabedoria da Humanidade.

Esta é, em geral, a atitude essencial a ser adotada em qualquer estudo comparado das

filosofias do Oriente e do Ocidente, e, no entanto, há perigo em adotar esta atitude de

forma muito pouco crítica. Em primeiro lugar, tal interpretação parece implicar que o

Oriente e o Ocidente estão em pólos opostos em matéria de conceitos, teorias e métodos

filosóficos, e a implicação, além de imprecisa, é capaz de neutralizar, em vez de

fomentar, o interesse pela Filosofia comparada, pois, de um ponto de vista prático, nem o

Oriente nem o Ocidente está disposto a procurar corretivos em uma cultura, uma tradição

ou uma perspectiva alheia à sua. Uma segunda implicação é que a filosofia do Oriente e a

do Ocidente são simples, bem definidas e de um só padrão, de tal modo que cada uma

pode ser confrontada com a outra. Ver a situação sob este prisma é fazer manifesta

injustiça, não apenas ao Ocidente mas também ao Oriente, desprezando uma rica

variedade de correntes de pensamento que desafia qualquer categorizarão semelhante.

Nosso problema imediato provém desta complexa situação. Cumpre acentuar dois pontos:

em primeiro lugar, a variedade e a complexidade do pensamento ético oriental deve ser

especificamente notada e, em segundo, deve-se fazer algum esforço para determinar

exatamente os aspectos especiais da filosofia ética oriental que podem ser sintetizados de

maneira mais vantajosa com as principais tendências da ética ocidental. Um terceiro

fator, a saber, o problema igualmente importante das idéias ocidentais que podem servir

de complementos corretivos para as tendências orientais, será apenas brevemente tratado,

e em grande proporção será deixado à reflexão posterior do leitor.

A VARIEDADE, A COMPLEXIDADE E A RIQUEZA DO PENSAMENTO ÉTICO

ORIENTAL

É desnecessário dizer - em face dos capítulos descritivos anteriores - que há uma

variedade quase infinita de filosofias de vida, de sistemas de ética e de idéias éticas

interessantes e significativas no Oriente. Esta é a verdade, seja qual for a abordagem que

se empregar na análise da situação filosófica do Oriente, quer se esteja interessado

fundamentalmente na definição do Summum Bonum, nas regras de conduta moral, na

situação da própria Ética (bem como nas distinções do bem e do mal), nos meios de

alcançar o Summum Bonum, na situação do agente moral individual ou na situação da

atividade mundana. Não há unanimidade de opinião nem mesmo entre os maiores

sistemas orientais a respeito desses aspectos da Filosofia ética.

Tal observação pode parecer inteiramente insensata a quem ache que ninguém que esteja

de qualquer maneira interessado na Filosofia do Oriente seria tão ingênuo ao ponto de

pensar de outra maneira. O caso, porém, é que interpretação tão ingênua nunca é rara no

Ocidente, onde freqüentemente se sustenta que há uma atitude considerada "a filosofia

Oriental" ou "a tradição oriental". Este mal-entendido é o resultado da apressada

generalização de que, efetivamente, todas as filosofias orientais são uma só em espírito e

em ensinamentos essenciais, independentemente de diferenças de opinião sobre detalhes

não essenciais. Portanto, uma exposição sobre a variedade de sistemas e idéias na

filosofia ética oriental - ainda que seja apenas uma breve recapitulação - servirá a duplo

fim: primeiro, indicar a riqueza e a possível fecundidade do pensamento oriental, e

segundo, negar qualquer supersimplificação que necessariamente causaria sério mal-

entendido e falta de compreensão da filosofia ética (3).

Na Filosofia propriamente dita, em sua busca essencial da verdade, é imperioso

prestarmos enorme atenção a todas as sugestões que tenham algo que dar à verdade

integral. Devemos, então, em nosso estudo da Filosofia Oriente - Ocidente, preocupar-nos

com todas as filosofias orientais e com as suas inúmeras atitudes e idéias, se quisermos

ver o que o Oriente tem a oferecer à Filosofia como tal, bem como ao Ocidente

especificamente. Esta atitude de considerar devidamente todas as numerosas filosofias do

Oriente deve ser adotada a despeito do fato de que algumas delas não tiveram igual

sucesso e já não persistem como disposições dominantes de pensamento. Pretendemos

primeiro notar a riqueza do quadro oriental, e em seguida indicar as disposições ou

tendências que parecem ter provado seu direito à preeminência através de uma

competição filosófica e prática com outros sistemas. No momento, nosso objetivo é

mostrar que o Oriente - se é que tem quaisquer tendências dominantes em Ética -

alcançou estas atitudes, não em virtude de qualquer escassez de idéias ou qualquer falta

de métodos críticos, mas por meio de um processo antigo de seleção de uma vasta gama

de quase todas as atitudes possíveis.

As opiniões éticas do Oriente vão desde o completo materialismo e hedonismo ao

espiritualismo monístico absoluto e ao ascetismo radical. Estão representados, por assim

dizer, todas as formas e graus de negativismo e ativismo, de ascetismo e de satisfação dos

desejos ou de mundanismo, de monismo e individualismo, de interesse religioso e de

ateísmo ou agnosticismo (4). Ademais, a respeito da questão da própria situação da Ética

mesma e da validade de quaisquer juízos éticos, na uma ausência de acordo semelhante.

Assim, ao Oriente não tem faltado imaginação nem engenho neste ponto, que é o seu

interesse mais significativo no campo da Filosofia. Não há atitude como a Filosofia

oriental de vida, assim como não há uma atitude única ou definitiva no Ocidente.

Antes de passarmos a uma exposição mais detalhada destas variedades de atitudes,

consideremos rapidamente algumas diferenças gerais ou mais amplas, pois estas também

indicam a variedade de atitudes básicas do Oriente e, no entanto, têm sido em geral

ignoradas pelo Ocidente, que tende a simplificar demais o quadro oriental.

Primeiramente, com referência às regiões ou países (5) do Oriente, há diferenças bem

notáveis de perspectiva filosófica, de tendência e de atitudes especificas entre os

principais países em exame, a saber, a Índia, a China e o Japão (6).

Por exemplo, não é absolutamente exato oferecer análises da "tradição oriental", "dos

fundamentos da Filosofia oriental" ou de algum tópico semelhante nem considerar apenas

a filosofia ou filosofias da Índia. A China não pode ser considerada "exceção" e logo

ignorada. Em alguns sentidos, em sentidos básicos, a Índia e a China são "mundos

separados" - sob muitos aspectos diretamente antagônicos - em suas atitudes em face da

vida e da atividade no aqui- e- agora e em face dos valores implícitos em tal atividade.

Pode-se muito bem considerar que as preocupações básicas da Índia são essencialmente

"religiosas", que os seus métodos são essencialmente "negativistas", que a fuga da vida

ou do renascimento é o principal bem, que a atenção da Índia está basicamente dirigida

para o estado e o destino finais do Homem. Assim sendo, as idéias predominantes da

China, pela forma como se encontram principalmente no Confucionismo, diferem

consideravelmente das da Índia. O contraste da Índia, segundo Schweitzer, apresentada

como essencialmente a "negação - do - mundo - e - da - vida", com relação à China, que é

"afirmativa- do- mundo- e- da- vida" (7), é superficial demais, porém há muita coisa nos

sistemas dos dois países que justifica esse contraste - dentro de certos limites.

As atitudes filosóficas da China (8) consistem em humanismo, vida prática com senso

comum, ênfase bem constante sobre a moral e o caráter como o bem supremo, moderação

em quase todas as coisas, mas também, às vezes - decerto em Mêncio e em grande parte

do Neoconfucionismo, se não em Confúcio -, em plena auto - expressão e em pleno viver.

Há um amor natural à vida. Há o ideal do "sábio por dentro e rei por fora", isto é, a

combinação da virtude íntima e das realizações exteriores. Tal atitude dificilmente

corresponde ao espírito da filosofia ética indiana (9)". Tanto o taoísmo como o Budismo

são partes significativas do complexo filosófico chinês, não resta dúvida, porém,

conforme vimos na descrição feita pelo Professor Chan, o taoísmo está muito mais

afinado com o espírito de moderação da China do que imaginávamos no Ocidente, e o

Budismo, em sua luta pela vida na China, ou foi modificado para se harmonizar com o

temperamento chinês ou criticado e rejeitado por suas tendências negativistas.

Ao contrastar indianos e chineses o Professor D. T. Suzuki mostra como esses dois povos

têm pouco em comum. "O povo chinês", escreve, "ama a vida com enorme intensidade;

não a vêem de modo tão pessimista quanto os indianos; não têm nenhum desejo especial

de fugir-lhe". Os chineses, continua, "são eminentemente práticos, morais e tem elevado

senso histórico", em contraste com os indianos, que são "inteiramente metafísicos e

transcendentais demais e acima de todas as coisas terrenas". Os chineses, ademais, "são

trabalhadores e inclinados a aumentar sua eficiência econômica; e desde o começo de sua

história perseguiram três desejos: Bem-aventurança, prosperidade e Longevidade (10).

Vê-se também o contraste no fato de que na Filosofia chinesa não há "emoção religiosa

que inflame a alma", ao passo que na Índia "toda doutrina se transforma em uma

convicção apaixonada que agita o coração do Homem e lhe aviva sua respiração (11)".

O Japão representa uma terceira atitude importante, já que o seu ponto (ou pontos) de

vista não podem ser identificados com os da Índia ou da China - a despeito do fato de que

a maior parte da sua filosofia veio de uma destas fontes ou de ambas elas. O Japão tem

pouco do pessimismo e da indiferença da Índia em face da vida do aqui- e- agora, e

pouco, se é que tem algum, desejo consciente de fugir à vida. Como a China - e ao

contrário da Índia (em geral), o Japão é claramente "afirmativo- do- mundo- e- da- Vida",

mas exprimiu esta afirmação de tal modo e em grau tal que parece ter ido muito além da

China confuciana. Com a China, o Japão, diz-se com freqüência, participa do ideal do

Extremo Oriente do Meio Caminho, mas o verdadeiro conteúdo da atitude varia

significativamente entre os dois países.

Ao contrário da China e da Índia, o Japão há muito dá importância ao que equivale à

classe dos soldados ou militares. A preeminência do bushi e do samurai (guerreiros), do

daimyo (chefe de uma província feudal) e do shogun (chefe militar da nação), é

notoriamente característica do Japão, divergindo tanto da Índia como da China. Apesar de

toda a sua imitação, o Japão é japonês na vida e na filosofia. O que adotou também

adaptou ao seu próprio uso. Tão diferente é esta filosofia que nos admiramos de como,

sendo parte do Oriente, o Japão poderia ter chegado a tal concepção.

A filosofia do Japão é um aglomerado de elementos do Confucionismo, do

Neoconfucionismo e do Budismo numa síntese com elementos nativos derivados do

antigo Xintó e de uma atitude da era feudal, mais tarde chamada "bushidõ", "o modo do

Cavaleiro (ou guerreiro)". Esta combinação produz uma filosofia de dever e lealdade de

uma espécie muito convincente, começando com um sentimento extremo de piedade filial

e culminando com lealdade absoluta à pátria e ao Imperador. Este característico

sentimento japonês de lealdade - seja de origem e base religiosa ou meramente social -

foi, desde muito cedo, a principal virtude dos japoneses e, como tal, sempre transcendeu

todas as outras virtudes na escala das virtudes. É um nacionalismo e um ponto de vista

racial que requer, não sé obediência aos superiores, mas também o espírito de atividade

em um grau que parece faltar no resto do Oriente. Nem há justificativa ou qualquer

necessidade de identificar isto com mera imitação do Ocidente. Tal atitude é pelo menos

tão antiga quanto o quinto século d.C. Naquela época, mesmo em condições em que

prevalecia uma sociedade basicamente agrícola e em conjunto pacifica, lemos a respeito

dos homens dos clãs, acompanhantes hereditários de Soberanos, que se vangloriavam:

"Não morreremos pacificamente, morreremos ao lado do nosso rei. Se formos ao mar

nossos corpos se afundarão na água. Se formos às montanhas, nossos cadáveres jazerão

no mato". O Confucionismo e o Budismo tiveram seus dias de triunfo no Japão, porém

através dos tempos - com certos intervalos não- conformistas - houve a predominância

deste modo de vida essencialmente nativo dos japoneses.

"O solo do espírito japonês", diz o Professor Takakusu (12), "(...) não é senão a

mensagem sagrada da Ancestral Imperial" que declarava que o Japão "era a terra em que

a linhagem de sua Família Imperial deve reinar e que a sorte do trono seria eterna,

juntamente com o céu e a terra". Este espírito japonês é ainda explicado como composto

de quatro elementos:

"O espírito forte (como expressão de bravura), o espírito calmo (expressão de

benevolência), o espírito ativo (expressão de inteligência), que é a origem das atividades

econômicas, e o espírito misterioso (expressão de sabedoria), que é a origem do idealismo

pessoal (13)". As três virtudes características, a saber, o intelecto, a benevolência e a

coragem - simbolizadas pelos Três Tesouros da tradição Xintó (o Espelho, as Jóias e a

Espada) - são as mesmas virtudes louvadas por Confúcio e reconhecidas pelo Budismo,

mas, pela forma como são interpretadas no Japão, parece haver uma ênfase nitidamente

japonesa. Continua o Professor Takakusu: "Afinal de contas, o espírito japonês cresceu

no solo da mensagem imperial, manifestou suas formas de atividade nos quatro espíritos

e lançou suas raízes firmemente na espírito dos tesouros sagrados. É a nossa vetusta

herança, o ideal comum de todos os japoneses com um passado de mais de 2 600 anos,

que esteve sempre vivo no coração das pessoas (14)".

Há, no espírito do Japão - continuamos a seguir a interpretação do Professor Takakusu -

uma consciência da "Cultura do Sangue". "O Japão Imperial tem sua própria terra,

estrutura de Estado e povo conscientes da Cultura do Sangue (15)". Da mesma forma,

como que em contraste até com os alemães - que também têm uma consciência de

"Cultura do Sangue" -, os japoneses têm um Ideal diferente, a eles transmitido de maneira

real.

Acrescente-se a isto - e aqui vemos como o Japão assimilou doutrinas de fontes

estrangeiras mas moldou-as para ajustá-las à sua perspectiva nativa - a doutrina

confuciana de lealdade e a doutrina budista de "totalismo" (16) ou unicidade de todas as

coisas e seres. Estas doutrinas, aplicadas em sentidos e graus que dificilmente parecem

compatíveis com as suas origens, serviram para aumentar a intensidade do espírito

japonês autóctone e o sentimento de um Destino divino. Como diz o Dr. Kenneth

Saunders, "Confúcio se teria surpreendido" se tivesse visto como os japoneses haviam

adaptado sua virtude de lealdade à "glorificação de guerreiros e chefes feudais, acima de

eruditos e filósofos" (17). Da mesma forma, enquanto o Budismo parece uma doutrina de

paz e de pacifismo (18), não obstante a doutrina do "totalismo" e outras virtudes cardeais

do Budismo, tais como a compaixão, a compreensão e a meditação, foram postas a

serviço dos fins da atitude japonesa. O totalismo, para os japoneses, parece significar o

ideal de um mundo completamente unido, e tal ideal, quando visto através da perspectiva

do Xintó, assume forma bem óbvia. A compaixão, a compreensão e a meditação (Zen) e a

atitude que reconhece a transitoriedade deste mundo foram afeiçoadas ao ambiente

japonês. O Zen é o lado prático da metafísica totalista e serve como técnica

complementar, não apenas para os que estão em busca da verdade, mas também para

soldados, como nova base de coragem, essa coragem que, juntamente com a lealdade,

parece a principal virtude japonesa.

Esta análise (19), embora faça justiça a um aspecto da variedade do pensamento ético,

tende a ser injusta com outros. Ao mostrar a variedade de filosofias por países, temo-nos

inclinado a ignorar: [1] enorme variedade de sistemas dentro de cada um dos países, [2]

interpretações variadas dentro de todos os sistemas mais importantes, levando,

efetivamente, a novos conjuntos de sistemas que expressam significativamente atitudes

éticas diferentes, [3] as variações dentro de países, sistemas e subsistemas (bem como nas

interpretações de idéias e princípios específicos) que resultam da perspectiva histérica em

mutação, e [4] uma variedade quase exaustiva de atitudes em resposta a cada um dos

problemas básicos da teoria e da prática éticas (20).

Para exemplificar: dentro do complexo filosófico da Índia, por exemplo, encontramos,

não apenas o Hinduísmo, mas também Chàrvãka, Jainismo e Budismo; dentro do

Hinduísmo encontramos, não apenas Vedanta, mas também Sãnkhya, Ioga, Mimãmsã,

Nyâya e Vaigeshika (para não falar do Bagavadguitá, e numerosas atitudes mais

especificamente religiosas); dentro do Vedanta mesmo encontramos as opiniões

divergentes de Bãdarãyana, Sankara e Râmânuja, etc.; e, finalmente, dentro do Budismo,

encontramos o realismo metafísico, o relativismo, o idealismo e o niilismo, bem como

uma falta equivalente de acordo na Ética, e sistemas contrastantes importantes como o

Hinayãna e o Mahãyana. A China apresenta quadro semelhante, como o Confucionismo

(Confúcio, Mêncio, Hsün-Tsé e outros), o Taoísmo (Lao-Tsé, Chuang-Tsé, Yang Chu e

outros), o Moismo, o hedonismo (em Yang Chu ou em algum autor não identificável) e o

Neoconfucionismo (Chu Hsi, Wang Yang- ming, Tai Tung- yüan e outros) - para não

falar dos desenvolvimentos e modificações significativas do Budismo e das filosofias

sintéticas quase inumeráveis do período medieval.

A fim de justificar e explicar estas observações gerais relativas à variedade de opiniões

dentro da filosofia ética oriental e de mostrar mais especificamente a complexidade dessa

filosofia, anotemos brevemente - sob a forma de um sumário ou recapitulação as

doutrinas específicas dos sistemas mais importantes.

HINDUÍSMO (21)

O cumprimento dos deveres da posição da pessoa na sociedade através dos quatro

estágios da vida, culminando no período final do ascetismo e da renúncia final de todas as

ligações terrenas, o Moksha (libertação, emancipação) possível na vida enquanto ela

durar através da atitude do Karmayoga (o espírito de não- ligação no trabalho). A

salvação, finalmente, apenas por meio do conhecimento do Brâmane, mas com a moral e

as atividades obrigatórias como preliminares essenciais. A moral se transcende no estágio

final da Homem. A salvação consta da separação da alma independente de ligações

corpóreas e, assim, do renascimento e do sofrimento; envolve, também, alguma forma ou

grau de não- separação do Brâmane. A Ahimsã (não fazer mal aos Seres vivos) é uma

virtude básica prática.

RIG VEDA:

Politeísmo, mais tarde monoteísmo e finalmente monismo. Absorção muito pronunciada

nos valores da vida diária. Hinos e orações a deuses da Natureza para obter ajuda no

enriquecimento da vida. Alguma crença vaga na imortalidade individual.

UPANIXADES:

Grande variedade de atitudes. Tendência ao monismo e ao ascetismo. Moral do senso

comum e aceitação da filosofia social do carma do renascimento e dos estágios da vida. A

salvação consiste em alguma forma de retorno ao Brâmane e da libertação da alma do

corpo e do mundo.

BAGAVADGUITÁ:

Filosofia da ação, da execução das atividades obrigatórias, independentemente de tudo

mais. O principal tema é o "dever cumprido, com um só objetivo e sincero apego a

Deus". Doutrina do Karmayoga. Virtudes paradoxais de renúncia, compaixão e

compreensão, simplicidade e humildade, por um lado, e atividade, energia, destemor e

coragem, por outro lado. Muitos caminhos para a salvação: ação, conhecimento, devoção

e amor a Deus, moral, fé. Salvação interpretada de duas maneiras: ou a imortalidade

individual da alma na presença de Deus ou como alguma forma de absorção no Brâmane.

SÃNKHYA:

O Summum Bonum consiste na libertação da servidão, do sofrimento e do renascimento.

A libertação é obtida quando a purusha (alma) é libertada da sua clara servidão ao corpo e

retorna ao seu estado original puro, que está acima do prazer e da dor. O Moksha,

finalmente, é obtido através do conhecimento apenas. As atividades morais e as práticas

Ioga são ajudas parciais e preliminares. Pluralista - tanto no aqui- e- agora como no

Moksha.

IOGA:

Estado de servidão, causa da servidão (ignorância) e Summum Bonum essencialmente os

mesmos que na Sãnkhya. A devoção a Deus e a disciplina prática acentuadas como

ajudas essenciais à obtenção do Moksha. O conhecimento é o método final, mas somente

o conhecimento não basta. Tendência ao pluralismo no aqui- e- agora e no Moksha. Faz-

se referência ocasional à realização de alguma forma de união com Deus.

VAISESHIKA:

O Summum Bonum consiste no Moksha ou libertação do renascimento e, assim, da

servidão e do sofrimento. A ignorância é a causa da servidão e, assim, o conhecimento é

o meio básico de fuga. A disciplina moral é reconhecida como uma ajuda ao

conhecimento e ao alcance do Moksha. Nitidamente pluralista, mas há também o ideal de

alguma forma de grau de não- separação do Brâmane. Diferenças de opinião entre os

autores e comentaristas quanto à exata natureza do Moksha seja um estado de pura

existência acima do prazer e da dor (que parece ser a opinião generalizada), seja um

estado de positiva bem-aventurança.

NYÃYA:

Sistema parceiro de Vaiseshika. Aceita os princípios fundamentais da Vaiseshika na Ética

e na Metafísica. Mais positivo em sua concepção da natureza do Moksha como estado de

bem-aventurança. O Conhecimento (jnãna) é o meio básico de conseguir-se a salvação.

MIMÃMSÂ:

Salvação através do carma ou ação em contraste com outros sistemas ortodoxos. O

conhecimento de injunções nos textos védicos e o cumprimento correto destas obrigações

e sacrifícios conduzem ao Summum Bonum, consistindo em eterna alegria no céu.

Doutrina inquestionável da pluralidade das almas. Mais "negativista" mais tarde,

adotando a teoria do Moksha como estado além do prazer, bem como do sofrimento.

VEDÂNTA:

(a) Sankara - O Summum Bonum consiste no Moksha, um estado de bem-aventurança -

ou, antes, um estado de existência pura, em absoluta identidade com o Brâmane. Toda

pluralidade, toda atividade, todas as qualidades são superadas, mesmo as distinções

morais. A servidão e o sofrimento se devem à ignorância e, assim, são evitáveis apenas

pelo conhecimento. O mundo empírico é relativamente real e, portanto, a vida moral, a

atividade e as distinções são reais e válidas - até esse ponto. Em suma, Moksha, Jnãna e

monismo absoluto.

(b) Râmânuja - Monismo qualificado. O mundo é real; as almas são reais; a alma e o

Brâmane têm características. O conhecimento é o caminho essencial para o Moksha, a

atividade moral é significativa e as distinções morais são válidas, mas o Moksha consiste,

não na identidade com ou na absorção no Brâmane, mas em alguma espécie de não-

separação do Brâmane. A pluralidade eterna das almas. A ênfase teísta.

CHÁRVÂKA (22):

Materialismo sem limites e hedonismo egoísta.

JAINISMO (23)

Filosofia do Moksha; o Summum Bonum é a fuga do sofrimento do mundo e consiste na

liberação de jiva (alma) do ajiva (não- alma). A alma, após a liberação, vive em estado de

perfeita sabedoria, perfeito poder, etc. Pluralista. A liberação é atingível pelo método

triplo da fé correta, do conhecimento correto e da conduta correta. A tendência ao

ascetismo para todos, porém muito mais para os devotos do que para os "donos de casa".

Voto quíntuplo de abstenção de mal, de falsidade, de roubo, de falta de castidade e de

apego ao mundo. Ahimsã como o maior desses votos.

BUDISMO (24)

Muitas escolas e muitas filosofias. Essencialmente uma doutrina do Caminho do Meio

(de vários tipos), exceto para a atitude final de Sunyatã (Vacuidade ou Vazio),

envolvendo a transcendência de todas as distinções e particularidades - mas sem absorção

no Absoluto. Distinção entre Hinayãna (pequeno veículo), rigorosa filosofia

individualista de fuga do sofrimento, e Mahãyana (grande veículo), filosofia mais

moderada e mais universalista, caracterizada pelas virtudes da sabedoria do amor. Na

primeira, Nirvana significa a cessação do desejo e, portanto, de todo sofrimento, e no

último, a consecução do estado de Buda. Dois níveis de moral, um código rigoroso para o

monge e um moderado para o leigo. Esforço para evitar sofrimento na vida evitando-se o

renascimento. O sofrimento é devido à ignorância; o conhecimento, ajudado pela

atividade moral, é o caminho para o Nirvana. A doutrina do anãtman (não- eu) em

contraste com o Hinduísmo, mas esta doutrina está aberta a numerosas interpretações. O

Nirvana é alcançável na vida mediante a realização da atitude de não- apego e da

superação do ódio, da luxúria e da ignorância.

CONFUCIONISMO (25)

Confúcio: Humanismo, o esforço para fundar uma sociedade ideal pelo esforço humano e

o aperfeiçoamento moral, mas também pela união ou continuidade do "Estado da

Natureza" e do "Estado da Arte" (Fung, A Comparative Study of Life Ideals, pág. 162).

Necessidade de sociedade, estado, educação, riqueza e moral para o bem-estar do

Homem. A virtude básica é o jên ou verdadeira natureza humana. Chung yung no sentido

de ser fiel ao princípio da própria natureza e de aplicar este princípio às relações com

outrem. "As virtudes universais" da sabedoria, da benevolência e da coragem. Seguir o

Destino. Atividade, correção e moderação (chung yung) acentuadas. A moral é o valor

supremo. A retidão pessoal, a harmonia familiar, a disciplina social e a paz do mundo

como Ideais (em The Great Learning, Introdução).

Mêncio: Bondade da natureza humana. Seguir o caminho do céu conhecendo nossa

própria mente e mediante o "pleno exercício da própria mente". O ideal é uma "mente

não perturbada". O jên (amor ou benevolência ou "aquilo que faz um homem ser

homem"), lealdade aos pais e as "quatro virtudes fundamentais" da benevolência, da

retidão, da correção e da sabedoria. Ênfase nas relações humanas. Programa prático de

atividade governamental para o bem-estar do povo. Tendência democrática.

Hsün-Tsé: O homem mau por natureza. Conseqüente necessidade de educação e

treinamento e regras de correção como meio de aperfeiçoamento e bondade dos homens.

Desejos naturais de encontrar satisfação mas sob o controle moderador da correção.

Humanismo radical - controle da natureza, e não do interesse intelectual que nela há.

Ideal de vida simples, tranqüilidade ou equilíbrio de espírito. A retidão de espírito é a

virtude básica.

Chung Yung (A Doutrina do Meio): Harmonia (chung yung) do Homem com a Natureza

fundada na Metafísica (conhecimento do céu necessário), com o resultante sentimento de

obrigação moral. Cinco deveres universais (como em Mêncio) entre soberano e ministro,

pai e filho, marido e mulher, irmão mais velho e irmão mais novo e amigos. Virtudes

básicas de benevolência, sabedoria e coragem. Exigência de incessante atividade e pleno

desenvolvimento da natureza da pessoa, mas como harmonia universal entre os homens.

NEOCONFUCIONISMO

O Li (lei ou razão) é o princípio central. A harmonia é o resultado do Li tanto no universo

como na sociedade. A conduta correta implica harmonia (chung yung) de atividade e

passividade que são princípios tanto morais quanto cósmicos. A ordem racional ou moral

é uma ordem social, não deixando meio de escapar à vida social (em contraste com o

Budismo). Igual ênfase sobre todos os aspectos da doutrina tríplice de [1] "investigação

da razão das coisas até o limite máximo", [2] "pleno desenvolvimento da natureza do

indivíduo" por e com pleno desenvolvimento dos outros, e [3] realização do Destino.

Virtude de um amor que tudo abrange (jên), não apenas como é compreendido no

primitivo Confucionismo, mas também no sentido de absoluta imparcialidade para com

todas as coisas - a Unidade do Homem e da Natureza. A Sinceridade (ser fiel à própria

natureza e também estar em harmonia com a Verdade) e a Seriedade ("unidade de

espírito" ou "absoluta equanimidade e absoluta firmeza"), bem como as três "Virtudes

Universais" e as quatro "Virtudes Fundamentais" do Confucionismo dos primeiros

tempos, são virtudes básicas.

TAOISMO

Lao-Tsé: Naturalismo oposto ao Humanismo confuciano e ao moralismo. A naturalidade

e a espontaneidade como essência da conformidade com o Tao. Crítica de todo

artificialismo. Vida simples. Ideal de um estado de quietude, harmonia e introvisão, não

"inação", mas ausência de esforço. Em certo sentido, a doutrina do Caminho do Meio - é

o aguaceiro ou o furacão que não sobrevive à manhã. Naturalismo, mas nunca no sentido

nietzschiano ou thrasimaquiano.

(Interpretação diferente é a adotada por Hu Shih em seu livro The Development of the

Logical Method in Ancient China, Xangai: The Oriental Book Co., 1928 - págs. 13 e

seguintes - nas quais Lao-Tsé é chamado o "maior dos sofistas" e um "niilista filosófico"

cuja "crítica sempre foi destrutiva e iconoclasta", e "que se ateve a uma doutrina da

'exaltação do Não- Ser' ". Atacou a sociedade confuciana ideal como tolamente

civilizada, refinada e artificial).

Yang Chu: Adepto da Natureza, interessado principalmente em passar a vida e em manter

intacta a essência do ser - não prejudicar com coisas a nossa existência material. Que a

vida siga seu curso livremente. Ignore, não só a riqueza e a fama, mas também a vida e a

morte.

Chuang-Tsé: Primitivismo, misticismo, quietismo, fatalismo, pessimismo. Primitivismo

até o último grau; naturalismo radical; posição de abandono radical. Rejeição de qualquer

benevolência, integridade, ritos e música (do Confucionismo). Nenhum nome, nenhuma

fama, nenhuma realização. "Faça uma excursão no vazio". "Em uma palavra, seja vazio".

A relatividade moral e, em certo sentido, distinção moral de nenhuma espécie.

(Para interpretações menos radicais veja-se Hu, Ibid., págs. 137 e segs., e Fung, Chuang

Tsu [Xangai: Commercial Press], 1933), Introdução, e A Comparative Study of Life

Ideals, Cap. II).

HEDONISMO (Chinês)

Lieh-Tsê, Cap. VII (o Capítulo intitulado "Yang Chu"). Pessimismo, fatalismo, auto-

interesse, evitar a dor e o gozo de prazeres imediatos e sensuais. A inutilidade e a

artificialidade da benevolência e da integridade. (Esta atitude foi particularmente

importante entre os libertinos do quarto ao sétimo séculos d.C.).

MOISMO

Humanismo utilitário. "Promova o bem geral e afaste o mal", consistindo o bem geral

essencialmente em riqueza e população. A doutrina do amor universal, baseada no

princípio do utilitarismo e na sanção religiosa. Crítica do ritualismo e do formalismo do

Confucionismo, e também do seu determinismo e da sua doutrina de gradação do amor;

oposição a qualquer forma de luxo, às belas-artes, à guerra -a qualquer coisa que obre

contra o bem geral.

LEGALISMO

Regras de conduta social não aplicáveis apenas com ritos, mas devem ser impostas por

métodos legalistas. Aceitação dos princípios básicos do Confucionismo. Rejeição do

intelectualismo.

XINTÓ (26)

Interesse antigo no bem-estar físico e na prosperidade temporal. "Reflita a verdade como

um espelho; seja limpo por dentro e por fora". Virtudes do intelecto, benevolência e

coragem. Sentimento de destino nacional e conceito extremo de lealdade ou dever.

Pureza e limpeza como ideais práticos e espirituais. Lealdade para com o soberano,

reverência pela memória ancestral, piedade filial. Disciplina, dever para com os pais, os

mais velhos, os superiores, a pátria e o Imperador. Simplicidade, sinceridade, pureza.

BUSHIDO

Lealdade, honra pessoal (em comparação com a qual a própria vida é barata), retidão ou

justiça, coragem ou o espírito de audácia, benevolência, polidez e modéstia, veracidade,

autocontrole, educação, suicídio ou reparação, e "a Espada, a Alma do Samurai" (27).

ZOROASTRIANISMO

"Uma religião de vida no mais nobre sentido da palavra". "O ideal de renúncia não tem

fascínio para a mente intensamente prática dos zoroastrianos". Nenhum misticismo,

nenhuma tentativa de sondar as sombras mais profundas e mais escuras da vida, nenhuma

fuga para o transcendental. A realidade da alma individual e sua capacidade de atividade.

O vigor na vida e uma seriedade na vida moral. A obrigação do Homem é abraçar a causa

do bem em oposição às forças do mal, fomentar todas as forças vitais e retardar todas as

forças da morte. O reconhecimento dos valores físicos e do dever de lutar por eles - às

custas de atividades intelectuais. Não a mera utilidade ou mundanidade. "Uma apreciação

vivida das possibilidades mais elevadas e mais finas da alma humana". Ideais básicos de

verdade, integridade e pureza e horror das contaminações.

ISLÃ

Monoteísmo, imortalidade individual, salvação no eterno céu da felicidade (do tipo

mundano). (Alcorão, LVI, tradução de Sale, págs. 435-436). Ordens básicas: absoluta

obediência a Deus e a Ele só; bondade com os pais, parentes, órfãos e pobres; constância

na oração; e dar esmolas (II, pág. II; IV, págs. 65-66; XXI, pág. 273; XLII, pág. 491).

Outras virtudes: moderação (VII, pág. 118), paciência (II, pág. 18), sinceridade (LXX,

pág. 465), beneficência e misericórdia (III, pág. 51), justiça (LX, pág. 447; XVI, pág.

221), disposição de lutar pela religião (II, págs. 22-23); oposição à iniquidade, à opressão

(XVI, pág. 221), orgulho, cobiça (IV, pág. 63) e hipocrisia (IX, pág. 157).

Tão grandes, pois, têm sido a sutileza filosófica, a sagacidade, a introvisão e a variedade

de opiniões; tão intensa e real tem sido a competição entre os sistemas que a variedade e a

sugestividade da Filosofia ética oriental parece verdadeiramente inexaurível. No Ocidente

não nos aprofundamos nesse vasto depósito de idéias e modos de vida. Na verdade,

qualquer estudo da Filosofia oriental envolve, em seu curso, muito contato desanimador

com doutrinas estranhas e aparentemente ridículas; as verdades essenciais muitas vezes

ficam escondidas sob uma superfície de atitudes não essenciais e inaceitáveis. Estas,

entretanto, não constituem a essência da questão, e ignorar o que vale a pena por causa do

que nada vale é, não só injusto para com o melhor que a Filosofia oriental tem a oferecer,

mas também improdutivo para o Ocidente, que tanto precisa de novas introvisões e novas

perspectivas.

O "ESPIRITO" DA FILOSOFIA ÉTICA ORIENTAL - SUAS ÊNFASES

Tal é a variedade do pensamento ético oriental - como acabamos de ver - que é

impossível determinar qualquer "Espírito" da filosofia ética oriental, a menos que se

ignorem ou minimizem as fases significativas dela. E, no entanto, isto é, em certo sentido,

a própria tarefa que se nos depara, pois um estudo comparativo deve tentar pelo menos

indicar aqueles contrastes gerais proeminentes entre o Oriente e o Ocidente.

Impressionante e sugestivo paralelo se apresenta no esforço dos estudiosos orientais para

fazer, pelo Ocidente, o que aqui estamos tentando com referência ao Oriente. O Dr.

Shastri, em sua obra The Essentials of Eastern Philosophy (29) mostra o "espírito de

atividade, que apela para a mente ocidental como formadora da essência mesma da vida",

e além disso generaliza no sentido de que "a civilização ocidental é, de fato, a deificação

do desejo", é "sem alma, irreligiosa e artificial", e se inclina a "dar ênfase demais ao

indivíduo". Nós no Ocidente estamos na posição paradoxal de ser forçados a admitir e, ao

mesmo tempo, negar essa descrição. Ela certamente tem em si mais do que um elemento

de verdade. Ao contrário, porém, a facilidade da descrição a trai; é simples demais para

ser precisa. Não obstante, especialmente se estamos comparando o Oriente e o Ocidente,

os elementos da civilização ocidental indicados pelo Dr. Shastri são precisamente aqueles

que o pesquisador deve escolher para dar ênfase, pois, a despeito de numerosas opiniões

diretamente contrastantes no decurso da história do pensamento e da história ocidentais,

estas idéias e atitudes em grande parte constituem o "Espírito" do Ocidente. Certamente

elas são pelo menos as ênfases contrastantes básicas do Ocidente e são, portanto, as

principais contribuições que o pensamento ético ocidental pode oferecer ao Oriente ou a

qualquer filosofia que abrangesse tanto o Oriente quanto o Ocidente.

A atitude deste estudo é exatamente essa mesma atitude: em vão procuraremos qualquer

"espírito" único da filosofia ética oriental, mas podemos, notando ênfases, chamar a

atenção para diferenças significativas de tendência e, assim, separar para exame especial

as atitudes que serão mais importantes para o Ocidente e para qualquer filosofia mundial

que a Humanidade possa atingir em virtude de uma perspectiva mundial.

O Oriente - como o Ocidente - conheceu quase todas as variedades de filosofias de vida,

positivas e negativas, hedonísticas e ascéticas, mundanas ou sobrenaturais, religiosas e

não- religiosas, monísticas e pluralísticas. No Oriente - como no Ocidente - algumas

atitudes "pegaram" ao passo que outras não. No Oriente o Hinduísmo (especialmente o

Vedanta, como foi formulado por Sankara), o Budismo e o Confucionismo assumiram

preeminência como sistemas enquanto os outros comparativamente perderam

importância. Alguns sistemas sobreviveram, gozaram de aceitação geral, exerceram forte

influência sobre a mente e a vida do Oriente; ao passo que outros ou desapareceram

inteiramente como fatores significativos na vida do Oriente ou foram superados, em

competição filosófica e prática com outros sistemas, ou finalmente, foram tão

modificados que pouca semelhança guardaram com as idéias originais (30).

Em outras palavras, o Oriente achou que algumas atitudes são lógicas e praticamente

satisfatórias e outras lógica e praticamente deficientes. Como resultado desse processo de

escolha e eliminação surgiram certas ênfases orientais significativas, ao passo que muitas

atitudes - inclusive algumas das teorias mais importantes do Ocidente - foram, de um

modo geral, repudiadas, ou viu-se que representam meras aproximações da verdade.

Nossa preocupação imediata é com as atitudes que o Oriente se tem inclinado a aceitar.

A PRIORIDADE DO PRÁTICO SOBRE O TEÓRICO

Em apenas um aspecto o Oriente inteiro alcançou unanimidade de opinião dentro do

campo do nosso estudo. Trata-se da opinião de que toda filosofia existe, afinal de contas,

para fins práticos, que a Ética ou a filosofia de vida é a fase essencial da Filosofia, que o

teórico só encontra sua justificativa em seu serviço como guia para o prático.

Embora possa parecer paradoxal, a Filosofia oriental é inteiramente "prática" em espírito

e de fato, ao passo que a Filosofia ocidental em geral não o é. Do ponto de vista do

Oriente a Filosofia deve estar intimamente ligada à vida e aos seus problemas; raramente

- se é que alguma vez o faz - a Filosofia adota o papel de um exercício acadêmico ou

puramente teórico. A determinação do modo correto de vida constitui o objetivo supremo

subjacente - e conscientemente subjacente -à busca da verdade. Se há qualquer

generalização aplicável a todas as grandes filosofias do Oriente é este fato.

Em contraste vivo, a Filosofia ocidental surgiu e encontrou seu incentivo desde os dias

dos gregos primitivos, em grande parte na curiosidade humana, no sentido de admiração e

no desejo de simplesmente conhecer pelo amor ao conhecimento (31). O resultado foi

uma longa história de especulação filosófica que foi rotulada pelos orientais (32) (e pelo

"homem da rua" até no Ocidente) como um exercício teórico e acadêmico com pouca ou

nenhuma relação com a vida (33). Não se quer com isto insinuar que não houve Filosofia

teórica no Oriente (34), mas simplesmente que a Filosofia do Oriente nunca se divorciou

da vida. Os grandes filósofos orientais, quer sejam os originadores das grandes filosofias

quer seus maiores seguidores teóricos e construtores de sistemas, desejam, acima de tudo,

resolver os problemas práticos da vida, seu significado, seus valores, o destino do

Homem, etc. A curiosidade nunca foi o incentivo fundamental e mais forte da Filosofia

oriental. Quase toda Filosofia básica (Metafísica e Ética) conhecida do Homem foi

desenvolvida no Oriente, mas em todos os casos a atitude metafísica foi alcançada como

solução de problemas práticos ou teve conseqüências práticas que foram conscientemente

salientadas como o traço essencial do sistema.

O Budismo, a única filosofia que exerceu influência em todo o Oriente, é um exemplo

bem a propósito. A prevalência, se não a universalidade, do sofrimento, pela forma como

está expresso na primeira das Quatro Verdades Nobres, constitui o ponto de partida e o

problema da Filosofia. Disse o Buda:

"O nascimento é sofrimento; a velhice é sofrimento; a doença é sofrimento; a morte é

sofrimento; a dor, a lamentação, o sofrimento, a amargura e o desespero são sofrimento;

desejar o que não podemos ter é sofrimento; em resumo, todos os cinco grupos- de-

ligação são sofrimento (35)".

É este, pois, o problema inicial. As três Verdades Nobres restantes constituem, de certa

forma, a essência do restante do pensamento budista; a saber, a descoberta da causa do

sofrimento, a descoberta da causa da cessação do sofrimento e a descoberta de um meio

de alcançar tal cessação do sofrimento. Estas envolvem as análises psicológicas,

metafísicas e morais destinadas a proporcionar uma solução para o problema prático

original. Sem esse problema não haveria filosofia budista; mas com esse problema a

especulação que era necessária para a sua solução tornava-se inevitável. Tal é o começo

da filosofia budista que, no curso de sua longa história, tornou-se complicada, elaborada e

minuciosa em todas as fases do estudo filosófico, porém nunca perdeu de vista seu

problema inicial e o fato de que toda filosofia tem sua raison d'être (*) em seu esforço

para resolver esse problema (36). O próprio Buda muitas vezes se recusou a discutir

questões de Metafísica, já que "não aproveitam".

O Hinduísmo também, inclusive os Vedas, os Upanixades, o Bagavadguitá e todos os

Seis Sistemas tiveram interesse prático similar. Com exceção dos Vedas, que são alegres

e utilitários em seu tom, esta mesma sensação de dor e sofrimento na vida comum do

aqui- e- agora - ou pelo menos o sentimento de que esta vida é incompleta - constitui o

problema dos Upanixades através dos Seis Sistemas, bem como no Jainismo heterodoxo

(37). Ademais, todos os sistemas filosóficos - inclusive a minuciosa exposição metafísica

e lógica - seguem quase exatamente o padrão lançado no Budismo. Como exemplo,

tomemos o sistema que menos se esperaria que se interessasse basicamente nos

problemas práticos, a saber, a Escola Lógica de Nyaya:

"Dor, nascimento, atividade, falta, mal-entendido - na sucessiva aniquilação destas em

ordem inversa - segue-se a libertação".

(...) A libertação, que consiste em libertar-se a alma do mundo, é a condição da suprema

felicidade marcada pela perfeita tranqüilidade e não manchada por qualquer profanação.

Uma pessoa é capaz de afastar seus mal-entendidos pelo verdadeiro conhecimento das

dezesseis categorias (38)".

Em outras palavras, o problema é a questão prática de se alcançar a "suprema felicidade"

ou "libertação", e o método é o de conhecer a natureza da realidade, que neste sistema em

especial consta de dezesseis categorias. O resto do livro de sútras explica um sistema

lógico- metafísico complexo, mas toda esta complicação tem o objetivo único de explicar

a verdade pela qual se chega a uma solução do problema prático que se enfrenta. O

Nyãya, em seu método de apresentar a questão ou problema e a solução, é típico de todos

os sistemas indianos (39). No Sãnkhya e no Vaigeshika os verdadeiros começos dos

sútras determinam o problema da dor a ser vencida (40). No Vedanta é o conhecimento

do Brâmane que é declarado como o objetivo da busca, mas imediatamente se explica que

"O Infinito (Brâmane) é bem-aventurança" e que "não há bem-aventurança em qualquer

coisa definida" (41), indicando assim que a busca subjacente é de bem-aventurança, ou

que pelo menos há a consciência inicial de que o conhecimento do Brâmane trará tal

bem-aventurança. Nos Yoga Sútras o problema inicial é a definição da ioga, mas o

objetivo de tal definição - como "concentração" - é indicar isto como meio de fugir à dor,

pois "tudo é dor para o exigente" (42). Finalmente, no Púrva Mimãnsã o problema

originário é a determinação da natureza do dharma (dever) e o ponto é que, seguindo o

verdadeiro dharma, conquistaremos a salvação (43).

Esse móbil e esse interesse práticos são talvez ainda mais acentuados entre as filosofias

chinesas. Isto não ocorre no sentido - que é freqüentemente o sentido em que os

ocidentais pensam na Filosofia chinesa - de que não há filosofia na China que não seja

pensamento ético e político. Ocorre, porém, no sentido de que praticamente toda a

Filosofia da China, possivelmente desde O Livro das Mudanças até a moderna filosofia

chinesa clássica, tem tido um interesse fundamental em questões práticas e tem sido com

freqüência a elas aplicada com grande prejuízo para a Metafísica, a Lógica e a

Epistemologia, bem como para o espírito científico em geral (44).

O Dr. Hu Shih, em seu livro The Development of the Logical Method in Ancient China,

desacredita a teoria da falta de filosofia lógica, metafísica e mesmo científica entre os

antigos pensadores chineses. Sua tese é que os métodos lógicos e científicos do Ocidente

"não são totalmente alheios à mente chinesa e que, ao contrário, são os instrumentos por

meio dos quais e à luz dos quais grande parte dos tesouros perdidos da Filosofia chinesa

pode ser recuperada". Continua: "A ênfase na experiência em oposição ao dogmatismo e

ao racionalismo, o método científico altamente desenvolvido em todas as suas fases de

operação e a visão histórica ou evolutiva da verdade e da moralidade - que considero as

contribuições mais importantes da moderna filosofia do Mundo Ocidental - podem

encontrar seus precursores remotos porém altamente desenvolvidos naquelas grandes

escolas não- confucianas dos séculos V, IV e III a.C (45)".

Estas teorias não são, em si mesmas, teorias do prático, nem sua significação é limitada à

solução dos problemas práticos. Não obstante, como mostra o Dr. Hu, em todos estes

casos a teoria em questão nasceu de um problema prático ou foi interpretada de modo a

aplicar-se quase exclusivamente a interesses práticos; ou foi abandonada ou não

desenvolvida - neste caso em virtude da ausência de cunho prático da teoria, da

aplicabilidade prática superior do Confucionismo ou da posição autoritária que o

Confucionismo prático adquiriu entre os pensadores chineses e sobre a cultura chinesa

em geral. Não é nosso objetivo, aqui, estudar a variedade de concepções lançadas e

desenvolvidas pelos grandes pensadores da Idade de Ouro da China, mas cabe, talvez,

examinar esse desenvolvimento ligeiramente para o fim de demonstrar que a Filosofia

chinesa é tipicamente oriental no sentido de que é prática e não teórica em interesse.

Para começar, o próprio surgimento da Filosofia como algo acima do nível dos Poetas e

dos primeiros sofistas estava na necessidade de uma solução do problema prático da era,

a saber, o problema da "anarquia intelectual" e de condições caóticas de vida - "doutrinas

despropositadas e atos violentos (46)". "Mesmo nesta fervilhante torrente de anarquia

intelectual", escreve o Dr. Hu, "houve indícios que anunciaram a chegada de uma nova

era, a era do pensamento construtivo. A Filosofia já estava em campo e se ocupava com

as condições e problemas da época. Buscava o tao - palavra que foi desnecessariamente

confundida por tradutores amadores, mas que significava simplesmente um modo ou um

método, um modo de vida individual, de contato social, de atividade e governo público,

etc. Em resumo, a Filosofia se pusera à procura de um modo ou método de ordenar o

mundo, de compreendê-lo e de melhorá-lo (47)".

Outra maneira de abordar o nosso problema se encontra na observação de que o

Confucionismo dominou quase completamente a Filosofia chinesa e de que o espírito do

Confucionismo sempre foi o motivo prático. Confúcio e os confucianos de épocas

posteriores não foram, de forma alguma, apenas pensadores éticos - Confúcio, por

exemplo, abordou métodos científicos seguros em várias das suas doutrinas - mas "estava

demasiadamente interessado nas instituições e relações humanas para desenvolver

plenamente este aspecto científico do seu sistema (48)". Era reformador, político e

estadista - e humanista - em grau muito elevado, em suas atitudes filosóficas e na vida,

para permitir que as suas teorias puramente especulativas desviassem sua atenção do

Homem e de seus problemas. Parecia rejeitar qualquer interesse pela especulação além do

nível do Homem (49). Seu adepto Hsün-Tsé, o "Modelador do Confucionismo",

acreditava com maior ênfase ainda em dominar e em utilizar a Natureza pelo bem do

Homem - em vez de apenas estudá-la de modo desinteressado (50).

Até as teorias mais lógicas e científicas de Confúcio foram aplicadas a situações

humanísticas ou para elas interpretadas, como, por exemplo, quando ele deixa que a sua

doutrina lógica da "retificação de nomes" tome a forma de uma teoria de organização

social e de aperfeiçoamento dando-lhe uma ênfase inteiramente prática e social. Como

diz o Dr. Hu, "o resultado lógico de tal retificação, como Confúcio a concebeu, seria uma

sociedade ideal em que todos os membros da comunidade fielmente se desincumbiriam

do dever próprio da sua 'profissão' ou status (51)". A aplicação prática desta doutrina

pode ser vista nas palavras de Confúcio: "Quando o pai é pai, o filho é filho, o irmão mais

velho é irmão mais velho, o marido é marido e a esposa é esposa - então a família está na

ordem adequada, tudo estará bem no mundo (52)". Poderíamos muito bem dizer, de todas

as doutrinas de Confúcio, o que o Dr. Hu diz da sua doutrina de hsiang ou "idéias": "Por

trás de todas as suposições fantásticas, por trás de todas as suas aparências quase ocultas,

não devemos deixar de reconhecer o ideal prático e humanístico que anima toda a

filosofia confuciana (53)". Resumindo a atitude de Confúcio, que continuou a dominar a

Filosofia chinesa através da obra de seus seguidores, "era natural que o problema central

de Confúcio fosse a reforma da sociedade. A tarefa da Filosofia foi concebida como de

regeneração social e política. Ele também estava em busca do tao, de um meio de ordenar

o mundo (54)".

Esta atitude tipicamente confuciana de humanismo e cunho prático não apenas dominou

os seguidores do Mestre nos primórdios da Filosofia chinesa, mas continuou por toda a

moderna filosofia. O texto dominante, um texto confuciano, dos grandes filósofos

modernos dos períodos Sung (960-1279) e Ming (1368-1644), foi o seguinte da

Introdução a The Great Learning (tradução de Hu):

"Quando as coisas forem inteiramente investigadas, o conhecimento se estenderá ao

máximo. Quando o conhecimento se estender ao máximo, as nossas idéias se tornarão

verdade. Quando as nossas idéias se tornarem verdade, nossas mentes serão retificadas.

Quando nossas mentes forem retificadas, nosso caráter individual será melhorado.

Quando nosso caráter individual for melhorado, nossa família será bem ordenada.

Quando as famílias forem ordenadas, o Estado será bem governado. Quando os Estados

forem bem governados, todo o mundo estará em paz".

Esta passagem serve de princípio fundamental da moderna filosofia chinesa e determina-

lhe o método. A própria passagem e o modo como foi interpretada pelos filósofos

chineses modernos indicam irrecusavelmente a continuação da atitude prática e

humanística tipicamente confuciana. Em primeiro lugar, há a potencial utilidade da

passagem para uma abordagem filosófica segura das coisas não limitada aos problemas

do Homem e da sociedade. Entretanto, tal utilidade não foi desenvolvida porque os

grandes pensadores que adotaram esta passagem como base dos seus sistemas preferiram,

à moda bem confuciana, interpretar a palavra "coisas" como "negócios". Dessa forma,

como diz o Dr. Hu, "esta interpretação humanística de uma palavra determinou toda a

natureza e alcance da moderna filosofia chinesa. Limitou a Filosofia ao reino dos

"negócios" e relações humanas (55)". Poderíamos, também, salientar que na passagem o

ideal prático da paz do mundo é precisamente a meta da "investigação de coisas" e da

"extensão do conhecimento".

A descrição habitual da antiga filosofia chinesa reconhece seis escolas principais:

Confucionismo, taoísmo, Moismo, Yin Yang, Sofistas e Legalistas. Em todas estas

escolas, o principal interesse foi quase exclusivamente o prático. Observemos brevemente

a base prática das escolas não- confucianas.

O taoísmo é a mais metafísica de todas as escolas, mas a busca universal entre as

variações dentro do sistema é do tao como modo de vida através do conhecimento do

Tao, que é o princípio cósmico interpretado de forma variada. O próprio nome da escola,

taoísmo, é bastante para indicar seu móbil essencialmente prático.

Como o Confucionismo, o taoísmo surgiu no seio da matriz da era de anarquia intelectual

e de condições de vida caóticas. Qualquer que sela a interpretação que se der aos

ensinamentos de Lao-Tsé (56), não há dúvida de que ele estava basicamente interessado

nos problemas práticos do homem individual e da sociedade. Sua tarefa foi encontrar uma

solução para as preocupações da época e sua solução específica assumiu a forma de uma

filosofia de "seguir a Natureza" (Tao), atitude que criticava a solução confuciana baseada

em regras de correção e em estritos padrões morais. Seu apelo foi no sentido de uma

"volta à Natureza" ou à naturalidade. Esse foi o seu problema e sua solução, embora fosse

forçado a empregar especulação metafísica e introvisão mística antes de conseguir

encontrar uma base para tal modo de vida (57).

Taoístas de época posterior conservaram o conceito básico do Tao de Lao-Tsé e seu

paralelo ético, mas modificaram, de uma forma ou de outra, o significado do Tao e o

modo de vida que se ajustava a ele. Também mantiveram o móbil e o interesse prático.

Yang Chu concordou com Lao-Tsé a respeito dos princípios metafísicos, mas adotou

interpretação significativamente diferente desta metafísica em sua aplicação ao problema

prático. Apresentou uma teoria de semi- hedonismo; e, da mesma forma, é o modo de

vida que se destaca acima da teoria metafísica como o interesse dominante. Chuang-Tsé

desenvolveu uma forma de misticismo algo radical e uma teoria lógica equivalente da

relatividade de todos os conceitos -- indo, assim, muito além do seu mestre nos campos

da Metafísica e da Lógica - mas de seu mestre herdou o problema prático, como está

evidenciado pelo teor de todo o texto dos sete capítulos básicos de sua obra (58). E,

assim, com base em sua nova metafísica e lógica, Chuang-Tsé ofereceu uma nova

solução prática que consistia em uma filosofia de vida similarmente mais radical do que a

de Lao-Tsé (descartando inteiramente as distinções confucianas e ortodoxas de certo e

errado) e em uma forma mais radical de negativismo ou escapismo (59).

As outras principais escolas da Filosofia chinesa eram de espírito tão prático que há

pouca razão para examiná-las de modo extenso. Entretanto, alguns fatos devem ser

notados:

[1] O Moismo era exclusivamente de mente prática e prático de fato, com suas doutrinas

de amor universal, riqueza e população como os bens supremos da sociedade e com os

seus métodos nitidamente pragmáticos e utilitários, implicando crítica até do

Confucionismo pela sua falta de cunho prático, já que ele deixou de pôr à prova suas

doutrinas pelo critério de seu efeito prático sobre as pessoas.

[2] Mesmo a doutrina dos Sofistas, que, segundo todas as aparências, está totalmente

divorciada de qualquer interesse em questões práticas, também foi motivada pelo

interesse prático. Por exemplo, os dez famosos Paradoxos de Hui Shih alcançaram seu

clímax no paradoxo final: "Ame todas as coisas igualmente; o universo é uno". Em outras

palavras, esta construção lógica está sujeita a interpretação como uma demonstração

metafísica e lógica da validade do monismo ético, que é a doutrina do amor universal tal

como foi anunciado por Mo-Tsé. (O Professor Chan apresenta, no Capítulo III, uma

interpretação radicalmente diferente dos móbeis desta escola).

[3] A escola Yin Yang também era prática em sua significação, já que era relativamente

sem importância como escola de Filosofia, exceto como método de adivinhação. É

verdade que houve um desenvolvimento extenso da especulação cosmológica e do estudo

da correspondência entre o Homem e a Natureza, mas isto apenas propiciou o

desenvolvimento desta doutrina filosófica potencialmente significativa de acordo com

linhas de adivinhação, mágica, etc (60).

[4] O móbil prático da escola legalista está assaz patente no próprio nome da escola. Ela

também teve sua "lógica" (61), mas o móbil da escola era a ordenação prática da

sociedade por métodos legalistas. A nova concepção desta filosofia foi o acréscimo de

"modos e meios" de impor e generalizar a aplicação das leis a todas as pessoas,

modificando, assim, a solução confuciana ortodoxa com vistas à execução prática e até

onde se podem aplicar regras e regulamentos. Este movimento foi de interesse tão prático

que contribuiu diretamente para provocar o famoso incidente da Queima de Livros no ano

213 a.C., acontecimento que foi uma das causas principais da quase total ausência de

especulação desinteressada por séculos e séculos a partir de então. A Queima dos Livros

foi justificada pelos Legalistas com os fundamentos práticos de que:

"O que agora se chama sabedoria consiste em teorias que, por sutis e especulativas, nem

os homens mais sábios compreendem. (...) Quando não tens nem arroz de grão grosso

para comer, não penses em vinho e carne. Quando não tens sequer trapos para vestir, não

penses em seda e roupas bordadas. E, ao dar organização a um Estado, quando as

necessidades mais urgentes não são atendidas, não há por que tomar iniciativas que não

têm nenhuma influência imediata nas necessidades da época. Nada é mais prejudicial ao

bom governo do que incentivar o que até os mais sábios não compreendem bem, quando

a verdadeira necessidade é o senso comum. Portanto, teorias sutis e especulativas não são

assunto para o povo (62)".

As filosofias do Japão também se ajustam ao padrão oriental geral de interesse no lado

prático da Filosofia. As filosofias dominantes do Japão são (ou têm sido) o

Confucionismo, sob suas diversas formas, o Budismo, o Xintó e o Bushidõ, ou alguma

combinação sintética ou eclética de princípios deles. Já reconhecemos o prático como o

móbil dominante do Confucionismo e do Budismo, mas é de notar especialmente que o

Budismo, em muitos casos, assumiu forma nitidamente religiosa no Japão, sempre que a

própria Filosofia se tornou abstrata demais para servir de guia ágil para a vida prática.

Quanto ao Xintó e ao Bushidõ, os nomes mesmos indicam sua natureza prática, pois a

última sílaba deles se compara ao tao como ele é descrito acima, de modo que o Xintó

proporciona o "caminho dos deuses" como guia da vida, ao passo que o Bushidõ inculca

o "modo do Bushi" ou do samurai, o cavaleiro ou guerreiro (63).

A relação íntima entre a Filosofia e a vida no Oriente não está limitada ao interesse

básico do Oriente nos problemas da vida e à determinação de um modo de vida distinto

da busca desinteressada da Verdade. Esta tendência oriental comum muitas vezes se

expressa ou se mostra de forma diferente. "Para aqueles que compreendem a verdadeira

vinculação entre a vida e a teoria", escreve Radhakrishnan ao explicar as características

comuns do pensamento indiano, "a Filosofia se torna um modo de vida, uma

aproximação da realização espiritual. Não houve um só ensinamento (...) que tenha ficado

como transmitido oralmente ou como dogma de escolas. Toda doutrina se transforma em

uma convicção apaixonada que excita o coração do Homem e lhe acelera a respiração

(64)". Com algumas restrições, o mesmo se pode dizer dos sistemas, ou pelo menos do

"espírito", da Filosofia chinesa e japonesa, no sentido de que a Filosofia não é para a

minoria de intelectuais, mas para a maioria - para ser vivida. Essa maioria conhece e vive

as filosofias, embora pudesse não entendê-la completamente. Além disso, mesmo o

filósofo deve viver moralmente (65) e compreender a vida mais do que em um sentido

intelectual antes de conseguir compreender sua própria filosofia; ou melhor, antes que

possa compreender a Realidade abordada em sua filosofia. O intelectual e o prático são

um só; só se sabe a verdade quando se vive esta verdade.

As objeções à tese de que a Filosofia oriental é "prática" vêm de muitas partes. Entre elas

se contam: [1] a opinião de que a Filosofia oriental, tanto na Índia como na China, teve o

incentivo que lhe deu origem não em questões práticas, mas, como no Ocidente, na

curiosidade e no desejo desinteressado de resolver o enigma da Realidade (66); [2] a

opinião de que a Filosofia indiana não só transcende, mas na verdade minimiza ou ignora

a Ética e o lado prático da vida, fazendo do conhecimento o único "caminho real" para a

salvação (67); e [3] a opinião de que a própria palavra "prático" está em completa

desarmonia com a natureza e o espírito da Filosofia oriental.

Não podemos examinar todas estas críticas, mas consideremos a última porque parece ter

mais importância para o Ocidente. O que se afirma é que a Filosofia oriental se

caracteriza pela sua "grande distância da prática", pela sua sobre - naturalidade e

ascetismo, ao passo que o termo "prático" deve implicar um interesse direto nas

atividades e nos valores de todo dia; evidentemente, ser "prático" significa estar

interessado na "vida", no "viver", não em escapar ou libertar-se dela.

A afirmação de que o Oriente não é prático neste sentido é, obviamente, correta com

referência a grande parte do Oriente. Talvez a escolha do termo - "prático" - foi infeliz

porque preparou o caminho para muita confusão de sentido. Todo o Oriente é "prático"

no sentido de que tem um interesse fundamental no lado prático ao invés do lado teórico

da Filosofia: o problema da verdadeira maneira de viver é universalmente o problema

básico do Oriente. Mas o Oriente não é universalmente prático no sentido pretendido na

crítica que ora se discute. Embora seja verdade e deva ser salientado que a China e talvez

todo o Extremo Oriente (para não falar do Zoroastrianismo) estão predominantemente

interessados nos valores mais práticos e utilitários do aqui- e- agora, não obstante o

Hinduísmo, o Budismo e o Jainismo - que constituem o principal gênio filosófico da

Índia - não são práticos em qualquer sentido semelhante. A filosofia in diana de vida não é

predominantemente uma filosofia de "viver" no estreito sentido ocidental. A maior parte

da sua filosofia não é prática, se essa caracterização nega a transcendência fundamental

do aqui- e- agora e implica a ausência de renúncia.

Não obstante, examinemos esta tese de que a Filosofia indiana não é prática. "Toda

filosofia hindu", diz o Professor Franklin Edgerton, "tem um fim prático. Procura a

verdade mas não a verdade pela verdade. O objetivo é a verdade como caminho para a

salvação humana". E, continua, "toda filosofia hindu é religiosa na base. Para a mente

hindu, 'a verdade te libertará'. Do contrário, não há verdade nela (68)". A pergunta que

nos vem à mente é: Não é a filosofia indiana realmente prática, nos dois sentidos, assim

do ponto de vista do interesse como do verdadeiro conteúdo? Outro ponto é que há duas

concepções do conteúdo do prático. "Em certo sentido", como com tanta pertinência o

descreve o Professor Schaub, "suas associações se fazem com a utilidade, com os fins

determinados a serem alcançados, com as relações dos objetos e instrumentos com as

necessidades e os desejos e com os fins específicos realizáveis por meio de cursos de

ação; no outro sentido, refere-se à satisfação de um anseio religioso e espiritual, a uma

experiência do Absoluto, à consecução da salvação que tranqüiliza o questionar inquieto

do intelecto e a inflamada pressão do desejo (69)".

É em algo como este último sentido que é prática grande parte da Filosofia indiana; isto é,

como caminho para a salvação, para uma experiência religiosa e espiritual,

freqüentemente em relação com um Absoluto. A precisão desta interpretação e a validade

deste uso do termo "prático" devem ser acentuadas. Negar tal uso do termo é uma petição

de princípio quanto à verdadeira natureza do prático. Não perceber a distinção entre os

dois sentidos é, também, não perceber a importância de grande parte da Filosofia oriental

para o Ocidente. Uma das idéias que o Ocidente pode obter do Oriente é esta própria

noção de que os valores fundamentais - e mesmo a salvação definitiva - são a essência do

verdadeiramente prático.

Em contrapartida - como mais adiante teremos oportunidade de ver -, o cunho prático do

Ocidente é um conceito estreito. Muitas vezes se reduz ao "estar ocupado", à atividade e à

ação, à completa submersão no imediato e no aqui- e- agora, geralmente sem qualquer

sentido estudado de direção ou de valor fundamental. A Índia tem a visão longa do cunho

prático, ao passo que o Ocidente tende a ser dominado pela vista curta. A este respeito,

como em tantos aspectos do nosso problema geral, a China - e possivelmente todo o

Extremo Oriente - parece ter alcançado a posição mais sensata do verdadeiro Caminho do

Meio, evitando as tendências radicais tanto da Índia como do Ocidente. Os chineses não

estão particularmente preocupados com a salvação ou com uma experiência religiosa

transcendental, mas tampouco estão escravizados pelo imediato e mundano.

O primeiro e mais universalmente aprovado modo pelo qual o pensamento ético oriental

pode suplementar o do Ocidente é, pois, esta múltipla ênfase no aspecto e na função

práticos da Filosofia. Sem tal significação prática, a Filosofia nunca teria nascido ou

nunca se teria desenvolvido no Oriente e, apesar das diferenças de opinião quanto à

natureza exata da função e do significado práticos da filosofia, essa característica geral de

toda Filosofia oriental se apresenta como um dos principais contrastes do Oriente com o

Ocidente, que se inclinou a perder de vista semelhante atitude em favor da busca mais

desinteressada e teórica da verdade. Ambas as opiniões são estreitas e, portanto, falazes;

o Oriente e o Ocidente necessitam de corretivos, mas em síntese apontam o caminho para

uma solução fácil e saudável.

Nenhuma outra atitude é universalmente aceita no Oriente: nem o monismo nem o

negativismo nem o pessimismo nem a sobrenaturalidade, nem o interesse religioso nem a

transcendência das distinções de moral, nem qualquer das outras descrições comumente

aceitas do pensamento do Oriente. Entretanto, algumas destas atitudes são as mesmas

que, quando devidamente compreendidas e devidamente ligadas aos seus paralelos ou

contrapartidas ocidentais, constituem as ênfases ou tendências básicas do Oriente.

Escolhamos, para consideração especial - descritiva e avaliativa -, as que parecem mais

significativas. Além de [1] a interpretação prática da filosofia, são: [2] a atitude da

Perspectiva Final; [3] a atitude da Perspectiva Dupla que envolve a teoria de "dois níveis"

na Metafísica e na Ética e a doutrina complementar do "pessimismo inicial"; [4] o

Negativismo (palavra perigosa e que abrange muitas atitudes mas que, quando

corretamente compreendida, é tão boa como qualquer substituto); [5] o Monismo; [6] a

Inclinação espiritual e a clara rejeição de atitudes ocidentais típicas de tendência

contrária, como o hedonismo, o naturalismo e o materialismo em todos os sentidos.

PERSPECTIVA FINAL

Um dos traços mais impressionantes de grande parte da Filosofia oriental (o Hinduísmo

em conjunto, o Budismo, o Jainismo e possivelmente o taoísmo) é seu interesse na

condição e no status final do Homem. A perspectiva que só reconhece o presente (e suas

coisas) como significativos - a maneira de Shastri descrever a atitude do Ocidente (70) -

ou qualquer opinião que admite a mesquinharia, o egoísmo, o apego ou a mundanidade é

denunciada como em desacordo com a natureza final das coisas. É a relação do eu com o

universo, a condição final do Homem, a única preocupação real do indiano e do budista.

Eticamente, nada que não seja a salvação final - sem se levarem em conta diferenças

quanto à natureza ou o conteúdo exato da salvação - é bom ou o bom. Isto é indicado pelo

fato de que o Moksha, o estado de libertação final, é a meta constante de todo Hinduísmo

e Jainismo, ao passo que o Nirvana é a única meta verdadeira do Budismo.

Se examinarmos os sistemas mais importantes da Filosofia oriental e se nos

concentrarmos nos princípios fundamentais desses sistemas, é óbvio, não só que a

conformidade com o estado final da realidade constitui a meta real, mas também que há

uma acentuada uniformidade de interpretação quanto à natureza específica desse estado

final do Homem e das coisas. Conforme destaca o Professor Northrop em capítulo

anterior (71), se nos preocuparmos apenas com os conceitos básicos dos mais importantes

sistemas orientais, verificaremos que a teoria do "continuum não diferenciado" (para usar

sua expressiva terminologia) representa a verdade metafísica final em todos eles. Não há

como pôr em dúvida a validade desta interpretação com referência ao Vedanta de Sankara

(e possivelmente também com referência ao espírito dos Upanixades), ao Budismo com o

seu conceito fundamental de sünyatã, e até ao taoísmo, em seus aspectos mais metafísicos

ou mais místicos.

Ademais, não há como interpretar mal as implicações de tal opinião metafísica para a

Ética. Se esta metafísica do "continuum não diferenciado" é a verdade, então muitas das

descrições ocidentais habituais da filosofia de vida do Oriente são aparentemente

corretas, pelo menos na medida em que se referem aos princípios fundamentais dos

sistemas; porque segue-se que a situação ética deve, então, consistir essencialmente em

monismo, sobrenaturalidade, negativismo e renúncia, na transcendência de todas as

distinções morais e na redução de toda atividade mundana à condição de insignificância -

o que necessariamente implicaria pessimismo na medida em que os valores do aqui- e-

agora estão em jogo (72). Assim sendo, são estas mesmas idéias que devemos estudar

porque são tendências fortes do Oriente. Paradoxalmente, elas constituem a mais vital das

atitudes orientais (73); mas, ao mesmo tempo, quando mal compreendidas, elas puseram

em perigo a importância e a influência da Filosofia ética oriental além das fronteiras

limitadas da sua origem.

Todas estas doutrinas, mesmo em suas formas radicais, são reconhecíveis nessas

filosofias orientais mas há duas circunstâncias que devem ser notadas antes de passarmos

a estudá-las em detalhe. Primeiro - ainda que seja pura repetição - há, além desses

sistemas, muitos outros e, de fato, dentro de cada um dos sistemas há notável oposição a

esta interpretação radical. Se isto for verdadeiro, o Oriente não deve ser definido em

termos de tais atitudes. Em segundo lugar, essas atitudes, na forma extrema pela qual

ficaram conhecidas na maior parte do Ocidente, não representam toda a verdade, mesmo

destes próprios sistemas. Embora semelhante afirmação possa parecer duvidosa, não há

sistema de Filosofia no Oriente que se apegue a estas opiniões exclusivamente em seu

sentido extremo. Em todo sistema, cada uma destas idéias é limitada ou moderada. Que

isto pareça incompatível (74) com a opinião metafísica fundamental dos sistemas é óbvio;

que é incompatível se pode negar em face das considerações a seguir. Que esta atitude do

que chamei "Perspectiva Final" é uma das doutrinas supremamente importantes de grande

parte do pensamento ético oriental é notório. O Ocidente está muito bem familiarizado

com tal aspecto do pensamento ético oriental - obviando, assim, à necessidade de maiores

minúcias aqui -, mas não está tão ciente das ressalvas da doutrina e dos ensinamentos e

interpretações mais moderados que servem para torná-la menos radical. As mais

importantes conseqüências da doutrina, a saber, o monismo e o negativismo, serão

examinadas em detalhe mais adiante; no momento, pretende-se corrigir alguns mal-

entendidos da filosofia ética oriental sugerindo algumas ressalvas e limitações

importantes desta doutrina básica mas extrema da "Perspectiva Final".)

PERSPECTIVA DUPLA: A DOUTRINA DE "DOIS NÍVEIS"

Há duas atitudes muito importantes, sejam implícitas sejam explícitas, nestes sistemas,

que constituem a essência da resposta oriental à interpretação tão radical das suas

filosofias. São: primeiro, o conceito de "dois níveis" - chamem-se "opinião e

conhecimento", "realidade e aparência", "númenos e fenômenos" ou o que se queira - na

Metafísica e na Ética; e segundo, a atitude de karmayoga, que exige o cumprimento dos

deveres sociais e morais mas sempre sem apego, em virtude deles, ao aspecto menos real

das coisas. Estas doutrinas estão explícitas no Budismo, no Hinduísmo e no Jainismo

(75). Quanto ao taoísmo, a doutrina dos "níveis" (de conhecimento) é explicitamente

aceita (76) e a atitude de karmayoga é aceita em espírito na filosofia taoísta da

naturalidade ou espontaneidade destituída de esforço. Até o Confucionismo se aproxima

da atitude de karmayoga na doutrina confuciana da atividade pela atividade, e não pelos

resultados da ação; e reconhece especificamente níveis de conhecimento e de ação

moral".

Se o "continuum não diferenciado" ou seu equivalente fossem a soma exclusiva da

realidade, de modo que tudo mais fosse irrealidade, o resultado seria que a moral, a

atividade, a individualidade e tudo que as acompanha seriam irrealidade, e que a renúncia

e o pessimismo completos constituiriam a essência da boa vida. Seguir-se-ia, também,

que qualquer reconhecimento de um modo de vida que aceitasse o aqui- e- agora como

significativo constituiria uma incoerência. Se, repetindo, o "continuum não diferenciado"

fosse a única realidade, viver no aqui- e- agora perderia toda a importância.

Mas, diz Radhakrishnan, expressando a opinião de críticos orientais e ocidentais sobre

concepção tão radical, "se temos que jogar o jogo da vida, não podemos fazê-lo com a

convicção de que o jogo é um espetáculo e de que todos os prêmios são meros bilhetes

em branco (78)".A questão, porém, é que o nosso mundo não é irreal. Não podemos

entregar-nos aqui a uma análise da Metafísica oriental. Basta dizer que, em um sentido ou

outro, todos os sistemas ora sob exame especial se agarram a uma Metafísica que atribui

pelo menos realidade empírica ao mundo de todo dia, sendo o Homem e as atividades do

Homem parte dela. Somente em Sankara há uma tendência inegável a levar a noção do

Brâmane não diferenciado final a extremos que compensam a irrealidade de tudo mais, e

mesmo em tal caso há a aceitação explícita da realidade empírica deste mundo e a

exigência de atividade moral nela (79). Com exceção da interpretação ocasionalmente

radical de Sankara, o Vedanta concorda com o Budismo em ater-se a uma divisão tripla

da realidade, de tal forma que a primeira é inteiramente real, a segunda (nosso mundo

comum, os "fenômenos" de Kant, o Ser- e- Não- Ser de Platão) é realidade condicional, e

apenas a terceira é ilusória (80). No taoísmo, exceto na opinião radical de Chuang-Tsé, há

pouco esforço para demonstrar a irrealidade do mundo, do Homem e da atividade do

Homem; ao invés, todos eles adquirem realidade em virtude da presença do Tao neles; o

que é negado é a artificialidade ou a não- naturalidade de certas coisas e feitos do Homem

que violam o Tao.

A questão que o oriental poderia propor ao crítico ocidental seria esta: que incoerência ou

contradição existe na doutrina de uma realidade final e uma realidade empírica

complementar? Não é quase inevitável que qualquer metafísica, exceto a teoria do puro

naturalismo, deve apresentar tal distinção? Não é quase necessariamente verdadeiro que,

a menos que este mundo seja a realidade final, deve ser, não inteiramente irreal, mas

relativamente real? É este o ponto de vista oriental, e ele anula a interpretação radical e

crítica que faria o sistema oriental - seja ele Vedanta, Budismo, Jainismo ou taoísmo -

adotar a posição e/ou de aceitar a atividade, a moral, etc., do mundo como a soma e

essência das coisas, ou de negar-lhes toda e qualquer realidade.

Esta doutrina metafísica de níveis de realidade se aplica dentro do campo da Ética em

dois sentidos importantes: primeiro como justificativa da atividade ética e de outras no

aqui- e- agora, ainda que apenas a realidade final transcenda todas as distinções, inclusive

as da moral; e segundo, como princípio da distinção entre a vida moral do confessado

aspirante à salvação, por um lado, e a do leigo do outro. Esta última atitude de aceitar

dois códigos de moral é um traço muito importante do Hinduísmo, do Jainismo e do

Budismo (81). Por meio dela, até os sistemas mais radicais evitam as práticas (e as

acusações dos críticos) de ascetismo, inação universais e radicais, etc. Apenas o homem

de religião, o extremista, o que se interessa excessiva e exclusivamente na salvação deve

adotar a vida de extrema renúncia.

A despeito de sua base na metafísica dos "níveis de Realidade", esta teoria, ao permitir

atividade significativa no aqui- e- agora (que não é fundamentalmente real) prestou-se à

acusação de incoerência. Agora está claro o infundado dessa acusação. Responde-se

também, de modo não- metafísico, por meio da doutrina segundo a qual, apesar do

reconhecimento da atividade no nível inferior, somente o asceta ou o devoto pode

realmente alcançar a salvação final. O Buda louvou o homem moral, o adepto do código

de moral inferior, fora da Ordem (82) o Bagavadguitá como representante do Hinduísmo,

acentua deveres e atividades cotidianos; e o Jainismo estabelece um complicado código

de conduta moral para o "dono- de- casa". Mas em todos os casos tal moral - como o grau

de realidade - a que ela é associada - é, reconhecidamente, de importância e eficácia

apenas secundária; não pode levar até o Moksha ou o Nirvana. Isto, porém, não significa

que todos os sistemas sejam ascéticos, pois há um reconhecimento quase universal do

nível inferior de moral como preliminar, muitas vezes como preliminar absolutamente

indispensável, ao caminho verdadeiro e final da renúncia e do conhecimento (83).

Se a teoria dos dois níveis de moral parece estranha ao espírito ocidental ou nos

impressiona como auto- contraditória, não será impróprio recordar que a mesma doutrina

pode ser encontrada em alguns dos mais profundos e influentes pensadores e sistemas do

Ocidente, embora não tenha conseguido receber o exame sério que merece. Está

claramente exposta na República de Platão (84) e na Ética a Nicômaco (85) de

Aristóteles, onde o cerne da teoria parece bem similar às idéias subjacentes do Oriente.

No Cristianismo, também encontramos a distinção entre certos "Conselhos de Perfeição"

e os Mandamentos necessários à salvação. Esta distinção, pois, como a que há no nível

metafísico, é inteiramente inteligível mesmo para o espírito ocidental; de fato, parece

inevitável e necessária uma distinção como esta no reino da conduta, como no reino da

Metafísica, se se há de tornar realmente inteligível qualquer um desses remos. As únicas

alternativas são o transcendentalismo absoluto ou o naturalismo absoluto, nenhum dos

quais é filosoficamente defensável.

Se aceitarmos como ponto pacífico que o oriental não perdeu toda a visão ou sentido da

vida, da atividade e do mundo do homem individual comum, apesar da tendência ao

transcendentalismo, voltemos a uma discussão mais completa das implicações éticas

desta última doutrina; porque elas constituem - pelo menos como ênfases - contribuições

importantes do Oriente para o Ocidente. Agora que observamos que estas opiniões

radicais não constituem toda a história, podemos passar a expô-las sem medo de mal-

entendido, sem medo de recairmos nos erros do passado e de interpretar o Oriente nos

termos destas doutrinas radicais.

"NEGATIVISMO" (86) - DE ACORDO COM A DEFINIÇÃO OCIDENTAL

A primeira implicação desta espécie de metafísica ("continuum não diferenciado") e da

atitude geral que chamamos de "perspectiva final" é uma doutrina múltipla de, digamos

assim, "negativismo". Ademais, tal atitude, de uma forma ou de outra, não depende

exclusivamente da teoria metafísica de um monismo fundamental não diferenciado;

predomina quase por todo o Oriente - de uma forma ou de outra, de algum modo - no

Vedanta Absolutista, no Nyãya não- Absolutista, no Vaiseshika, no Sãnkhya e na Ioga,

no Mimãmsã mais recente, no Jainismo e no Budismo heterodoxos no taoísmo e, num

sentido especial, possivelmente até no Confucionismo.

Em que sentido pode haver tendência tão forte para o negativismo no Oriente que ele

deve ser isolado como uma das atitudes básicas? O que, exatamente, queremos dizer com

o vocábulo "negativo"? É impossível dar uma resposta direta ou simples. A atitude do

Oriente nunca é considerada negativa pelo próprio Oriente; é sempre a renúncia a algo de

menor valor por algo de maior realidade e mais alto valor. Entretanto, em tal estudo

comparado, e apenas em tal estudo, é permissível declarar o que o Ocidente quer dizer

quando aplica o termo "negativo" a esta atitude. Apenas do ponto de vista do que o

Ocidente tende a chamar "positivo" podemos descrever certas doutrinas do Oriente como

negativas - e mesmo então é, em grande parte, uma questão de grau. Se alguma atitude

como a que está exemplificada na afirmação "a vida é real, a vida é séria" - dizer um sim

integral a vida - expressa a essência de uma filosofia positiva, se "positivo" se refere à

aceitação da vida (e de tudo que nela há), para ser vivida tão seriamente e tão plenamente

quanto possível e em certo sentido por si mesma (87), então as atitudes orientais que se

examinam, com exceção do Confucionismo, podem ser corretamente chamadas

"negativas" (88).

Não é, porém, uma simples "negativa" que podemos corretamente aplicar a qualquer

atitude do Oriente. Há muitas formas e graus deste ponto de vista geralmente negativo.

Poucos sistemas concordam em detalhe, mas a maioria pensa da mesma maneira quanto à

necessidade de se moderar ou denunciar a atividade mundana como um fim em si e, com

poucas exceções, rejeita qualquer esforço de definir o Summum Bonum em termos de

realização ou perfeição mundana, seja ele hedonístico, naturalístico ou idealístico.

Examinemos algumas das várias maneiras e graus em que é "negativa" a filosofia ética

oriental - porque cada um deles tem uma significação especial para o Ocidente.

(a) Com base na definição que adotamos, o Budismo, o Hinduísmo e possivelmente o

taoísmo são, em estrita precisão e coerência metafísica, vistos do ponto da verdade

fundamental, teorias éticas negativas (89). A salvação final implica a perda de toda

individualidade e de todas as diferenciações e distinções; e, quanto ao método, a salvação

só é alcançável mediante o abandono, através de qualquer grau de renúncia necessária, de

tudo que seja diferenciado. Esta é a filosofia da renúncia, tão forte no Budismo (em todo

o Oriente) e em todos os principais sistemas indianos. Encontra seu paralelo também -

embora em grau muito menor - na "resignação fatalista" ou na "resistência passiva" da

vida e do pensamento chinês, e especialmente na busca taoísta da paz e da tranqüilidade

finais (90). Todo o Hinduísmo adere ao Vedanta e ao Budismo nesta interpretação geral

do final, não no sentido da extinção monística completa do indivíduo e de todas as

diferenciações, mas inquestionavelmente no sentido de terminar o processo de

renascimento. O Moksha ou "libertação" e a cessação do renascimento (e, em

conseqüência, a cessação da dor) constituem o Summum Bonum. Isto, de acordo com a

nossa definição, é negativo e é a renegação- do- mundo- e- da- vida"- fundamental e

idealmente - assim como o é o método para lá chegar.

(b) Falando-se de modo estrito, mesmo a teoria mais moderada dos dois níveis de

realidade implica uma atitude negativista para com o mundo de todo dia. O mundo e os

acontecimentos que nele ocorrem não constituem a realidade mesma, e, assim, o

Summum Bonum não pode ser encontrado ali; são apenas relativamente reais,

possivelmente um degrau necessário do finito para o infinito, mas, mesmo assim, no

máximo apenas um caminho para um fim mais definitivo. Em consonância com todas

estas atitudes está a que os indianos chamam "pessimismo inicial", uma insatisfação com

o mundo que todos os construtores de sistemas hindus, bem como o Buda, acharam cheio

de dor. Que tal pessimismo seja meramente "inicial" e não completo ou final, já que há

um meio final de escapar, não altera substancialmente o quadro com referência ao

mundo, pois de um modo geral a reação destes sistemas não assume a forma de um

esforço positivo para melhorar as condições do mundo, mas apenas para mudar o estado

de espírito do sofredor, inculcando atitudes de desprendimento e indicando a meta da

libertação final. Como a "Realidade", o Summum Bonum transcende o aqui- e- agora e

todos os seus significados e valores; estes são aceitos apenas como parcialmente

significativos.

(c) Este negativismo, em seu sentido mais moderado, pode ser resumido como a essência

da doutrina da carmaioga, que é um conjunto de duas atitudes que parecem contraditórias

até serem sintetizadas. Há, em primeiro lugar, a atitude do carma, trabalho ou feitos ou

ação a ser empreendida; e, em segundo lugar, a atitude da ioga ou o controle, basicamente

do próprio espírito, de modo a não se ficar de forma alguma vinculado a tal ação ou a

quaisquer possíveis benefícios dela resultantes. É a atitude de cumprir o próprio dever

como dever nosso e, como é nosso dever, a execução puramente desinteressada do dever.

A carmaioga não advoga a inação ou a negação; o trabalho deve ser feito e é feito.

Entretanto, a atitude que se adotar com vistas a esse trabalho é negativa porque consta de

rejeição absoluta de qualquer apego as coisas terrenas. Está bem expressa e sua

significação múltipla está implícita na afirmação sumária de que "há duas modalidades de

ação: uma que é feita sob a influência do apego, do ódio, da insensatez, e outra que é feita

sem estas circunstâncias. Somente a primeira fortalece o nosso desejo de apegar-nos ao

mundo e gera as sementes do carma que provoca o renascimento" (91).

Tal é o espírito da carmaioga que, melhor do que qualquer outra doutrina

individualmente, constitui o espírito de grande parte do Oriente (92). É o princípio

essencial da filosofia prática dos hindus, dos budistas e dos jainistas. Em certo sentido,

parece também expressar a verdadeira atitude do taoísta, cuja ação espontânea é

caracterizada por uma falta semelhante de esforço para fazer ou realizar algo, e a prática

de "fazer um trabalho sem orgulhar-se dele". A carmaioga, em certo sentido, também

exprime o espírito do modo de vida japonês que é uma combinação do ativismo do

Confucionismo, do Xintó e do Bushido com o desprendimento, a disciplina, o domínio de

desejos, a meditação, etc., que vêm do Budismo. O modo de vida resultante é

impressionantemente similar à carmaioga: cumprir o dever terreno mas com um

sentimento de desprendimento ou serenidade que dá tanto a Arjuna no Bagavadguitá

como ao bushi ou ao samurai japonês (ou mesmo ao guerreiro de hoje) uma coragem

inspiradora (93).

Não se exagera na ênfase que se dá à doutrina da carmaioga. Em espírito ela está presente

nas principais Filosofias de todos os países que estamos examinando. Poderia ser

facilmente aceita como a descoberta mais significativa do Oriente. Só é superada pela

teoria da base e função práticas da Filosofia como a atitude mais próxima do universal no

Oriente. A carmaioga é, em grande parte, o espírito do Oriente e se destaca em contraste

vivo com o espírito do Ocidente. Há algo aqui que nos lembra a filosofia de Kant do

"dever pelo dever". De uma maneira geral, o Ocidente, em contraposição ao Oriente,

"deificou" a atividade. Mais importante é o contraste do móbil da atividade; no Ocidente

não há espírito de ioga ou controle, não há sentimento de desprendimento ou de

desinteresse na atividade. No Ocidente se age basicamente com vistas ao resultado

imediato da ação, ou por causa do amor à atividade como tal, e isto é, não somente o

oposto da carmaioga, mas também, talvez, o segredo da escravidão do Ocidente ao

mundo e aos seus valores.

A carmaioga representa o espírito do Oriente em ação e a flor de Lótus simboliza tal

espírito. Dificilmente poderia simbolizar o espírito do Ocidente. O Lótus simboliza o

Oriente porque, embora nasça, viva e cresça em contato com o mundo e com a lama e

muitas vezes com a sujeira do mundo, é completamente livre de contaminação por essa

lama ou sujeira e não é nem mesmo manchado pela água que o toca. Assim, não é tanto

desprendimento ou negação do mundo que o oriental exige, mas antes a negação absoluta

do apego no sentimento de amor indevido do temporário e das coisas relativamente

insignificantes do aqui- e- agora.

Se não fosse a idéia dominante de se alcançar a vida eterna no céu, o Cristianismo -

embora também oriental em sua origem - ligaria o Ocidente a esta atitude oriental básica.

Tal ação "interessada", tão intimamente relacionada com a consecução de uma meta

almejada, é especificamente rejeitada pelas filosofias carmaioga. Não obstante, em sua

atitude em face do mundo e das coisas deste, o Cristianismo está em harmonia com a

carmaioga. O Buda ou mesmo Sankara, bem como São Paulo, poderiam ter dito que é o

amor ao dinheiro a raiz de todos os males. Essencialmente, o Cristianismo mostra aqui

algo do espírito do Oriente; e o Oriente, a despeito dos críticos ocidentais e cristãos, tem

o verdadeiro espírito do Cristianismo neste particular. O apego ao mundano (a qualquer

coisa que possa desviar o nosso interesse do real e do fundamental) é mau - no Budismo,

no Hinduísmo, no Jainismo, no taoísmo e no Cristianismo. Em nenhum deles o mundo

deve ser rejeitado em qualquer sentido completo, nem devem ser negadas as funções

normais de viver. Contudo, em todos eles não deve haver apego ao temporário, ao

transitório, ao relativamente irreal.

(d) Outro aspecto do negativismo do Oriente é a atitude do Caminho do Meio, o Áureo

Meio ou a Moderação. Esta atitude foi definida e avaliada de modo notável pelo falecido

Professor C. L. Lanmam, que a descreveu como "vida simples e desejos moderados" e

classificou esta como a lição essencial que o Oriente podia ensinar ao Ocidente. Tal'

descrição do Oriente e tal avaliação deve parecer realmente estranha ao Ocidente, que

não está acostumado a pensar no Oriente como terra de moderação. A moderação é,

entretanto, uma atitude essencial de grande parte do Oriente, da Pérsia ao Japão. O

Oriente não é uma terra de extremos - de ascetismo ou de condescendência. Há formas de

ascetismo em todas as terras orientais e elas são importantes. Tem havido formas de

hedonismo também. Mas a moderação é claramente uma das virtudes básicas do Budismo

(94) e do Zoroastrianismo (95) e nos sentidos específicos há pouco mencionados ("dois

níveis" e carmaioga) é também básica no Hinduísmo e no Jainismo, assim como no

Budismo. Há também, provas importantes da influência da moderação mesmo no Japão,

onde as filosofias mais ativistas do Xintó, do Bushido e do Confucionismo estão

misturadas com o espírito mais negativista do Budismo.

A atitude de moderação é, todavia, mais clara e mais especificamente uma contribuição

chinesa. É não apenas uma virtude fundamental de Confúcio (chung yung) e do

Confucionismo, mas está presente até no taoísmo, embora este seja muito mais

negativista em tom geral do que o Confucionismo. À parte sistemas específicos, a China

em conjunto, mais do que qualquer outra parte do Oriente e do mundo, é a terra da "vida

simples e dos desejos moderados" - como é quase inevitável numa terra em que a atitude

dominante é uma síntese de Confucionismo, taoísmo e Budismo.

Um exemplo da filosofia chinesa pode revelar-se esclarecedor. Lao-Tsé declara que

"depois que uma árvore se tornou forte está condenada" (96). Considere-se isto em

relação com as suas outras afirmações de que "é melhor aderir ao princípio central

(caminho do meio)" (97) de que "quem conhece o contentamento do contentamento está

sempre contente" (98) e de que "quem está contente não se expõe a nenhuma humilhação,

quem sabe quando parar não se arrisca a nenhuma degradação" (99), e o sentido é claro

(100). Embora a tendência geral do taoísmo seja para o negativismo, não é uma filosofia

de inação ou do nada; é, antes, uma filosofia de "vida simples", uma negação apenas do

esforço, da extravagância e da artificialidade. É, indiscutivelmente, uma filosofia de

"simplicidade", e isto é quase sinônimo do atual significado do termo "moderação". De

qualquer maneira, a árvore que não procura, por assim dizer, ficar forte, desenvolver-se

até sua capacidade máxima, tem a permissão do lenhador de levar uma vida sem

perturbação, ainda que não desenvolvida; é- lhe concedida "vida longa".

Este exemplo é apenas um caso particular, mas sua significação vai muito além disso

porque descreve o espírito da maneira de viver chinesa de um modo geral. Confúcio e os

confucionistas em geral concordariam em espírito a respeito deste ponto principal de

moderação, embora certamente não concordassem com o verdadeiro cerne da vida (como

mais adiante veremos). "Ir além é tão errado quanto não alcançar" (101), diz Confúcio.

"A extravagância leva à insubordinação, e a parcimônia à mesquinhez"(102). "Perfeita é a

virtude que está de acordo com o Meio Constante (chung yung) (103). O confuciano, ao

contrário do taoísta, nunca busca mero contentamento ou vida longa; e, ademais, a

doutrina confuciana posterior da "exaustão" da natureza da pessoa, ou o "pleno exercício

da própria mente" (104) parece contradizer o princípio da moderação - e com toda certeza

indica um desvio da simples moderação -, mas na realidade o Confucionismo nunca

perdeu o espírito de chung- yung. Mêncio, por exemplo, nos exorta a "tornar poucos os

desejos" (105), a praticar o Caminho do Meio (106) e a procurar como nossa meta uma

mente sossegada (107) e tranqüilidade (108) Hsün-Tsé argumentava que os desejos

naturais do Homem devem ser satisfeitos, mas sempre sob o controle moderador do

decoro (109). Os ritos e a música, fundamentos do convívio social, têm como fim

especifico a moderação dos desejos, sentimentos e paixões do Homem" (110). De fato, o

espírito de todo Confucionismo é o da harmonia em todas as coisas e com todas as coisas,

e em tal filosofia não há lugar para extremos. Mesmo no Confucionismo posterior e no

Neoconfucionismo a busca é de tranqüilidade e equilíbrio mental (111), de "felicidade

racional" (112) que se encontra não fazendo a própria felicidade depender do sucesso

exterior das próprias ações, e de "calma absoluta", que é a "união da tranqüilidade com a

atividade" (113), o mais elevado e o melhor estado de espírito" (114).

A afirmação de Lao-Tsé (sobre a árvore) mostra como este tipo oriental de moderação

(ou "simplicidade") ou atividade está em vivo contraste com a teoria do Ocidente, e

especialmente - paradoxalmente - com a concepção de Aristóteles (115). Explicando em

poucas palavras: é muito duvidoso que Platão, Aristóteles, Santo Tomás ou qualquer

outro defensor ocidental da moderação fizesse a afirmação tirada de Lao-Tsé ou lhe

aceitasse as implicações. Em essência, Lao-Tsé está-nos aconselhando não a viver

plenamente, mas muito e com satisfação. Está insistindo em que a melhor vida é a de

satisfação e em que o melhor meio para alcançá-la está em evitar qualquer coisa que

possa causar descontentamento. Negativamente, está-se opondo ao que o Ocidente

chamaria de "perfeccionismo" (116).

Se a moderação (117) neste sentido é indicativa do espírito da filosofia chinesa de vida,

torna-se manifesto um contraste muito importante entre grande parte do Oriente e o

Ocidente. O Ocidente tem-se inclinado intensamente a seguir Platão (especialmente o da

República) e Aristóteles em sua atitude de viver plenamente, de desenvolver, de

aperfeiçoar ou de auto realizar-se no sentido da plena concretização das nossas

potencialidades. "Viver" é o requisito básico. Viver plenamente é o ideal. A atitude de

sacrificar a plenitude de vida pelo mero contentamento não é desconhecida no Ocidente

(118), mas não é importante na corrente principal da Filosofia ocidental, onde ela surgiu

ocasionalmente mas foi rejeitada. A relativa insignificância de filosofias éticas

negativistas como as dos estóicos, de Epicuro, dos neoplatonistas e de Schopenhauer -

como fatores da vida ocidental ou como influências sobre o desenvolvimento do

pensamento ocidental na direção negativa - é clara indicação do domínio ocidental por

um ponto de vista mais positivo. Mais importantes de todas são, talvez, as razões bem

precisas do Cristianismo, no qual a tendência negativa e sobrenatural do período

primitivo foi progressivamente modificada na direção de uma atitude muito mais positiva

em face da vida e da atividade no aqui- e- agora. Neste ponto, então, o Oriente apresenta

vivo contraste e protesto, contra a filosofia ocidental de vida predominante, isto é, a

filosofia do esforço ilimitado de perfeição em qualquer sentido que se escolha

(hedonístico, naturalístico, idealístico), freqüentemente, ou, antes, inevitavelmente, às

custas da satisfação.

Esta concepção oriental não deve ser mal entendida - do contrário será atacada (como

tantas vezes o tem sido) como inútil. Não é fatalismo (119), indiferença ou uma atitude de

inatividade. Não é uma fuga da vida em qualquer sentido radical. Para alguém dominado

pela atitude de esforço sempre maior no sentido de uma meta inatingível, esta filosofia

oriental da moderação parece "fraca" e "covarde" (120). E não é nada disso. Ela apenas

evita excesso na direção de um esforço por uma meta que está sempre além do nosso

alcance. O contentamento, para o oriental, não significa contentamento com qualquer

coisa; não envolve qualquer enfraquecedora falta de atividade; não exclui esforço

moderado; nem significa aceitação cega do Fado. Pela forma como é vivida e formulada

em teoria, a filosofia da moderação e do contentamento é apenas um protesto de senso

comum contra a filosofia de vida inevitavelmente sem êxito que busca, mas não consegue

encontrar, a felicidade ou o Summum Bonum em constante e excessivo esforço, o esforço

pela perfeição em algum sentido mundano, é claro. Consiste essencialmente no

reconhecimento da inutilidade de uma filosofia condenada à insaciabilidade. A filosofia

do perfeccionismo, do esforço implacável que não sabe "quando parar", de nunca estar

contente com o que se tem, mas sempre dominado pela ânsia de ser ou ter mais, deu

origem ao que no Ocidente chamamos progresso; mas também provocou a competição, a

destruição, a incerteza, a insegurança e a falta completa de "paz de espírito". O Oriente

rejeita esta filosofia de vida.

(e) Tal filosofia predominante do Ocidente é rejeitada porque não consegue levar ao

supremo objetivo da Humanidade: paz de espírito ou paz espiritual. Quando o hindu e o

jainista procuram o Moksha e quando o budista procura o Nirvana, estas filoso fias são

"negativas" no sentido de que rejeitam (finalmente) o mundo do aqui- e- agora. São

excessivas, em sua denúncia de coisas mundanas e no preço que pagam pela "paz". Ficam

no pólo oposto com relação ao Ocidente, pois este, mesmo em suas filosofias re ligiosas,

nunca pode rejeitar os significados e valores desta vida, mas deve tê-los conservados de

alguma maneira, mesmo no final, no futuro - concepção que o oriental considera tão

antagônica à razão quanto o Ocidente acha a filosofia indiana de moksha ou do Nirvana.

Seja como for, os chineses ainda têm uma terceira filosofia a sugerir: a busca da paz de

espírito ou o contentamento geral mediante a moderação e a vida simples. Este é,

também, um caminho do meio entre os excessos das filosofias indianas de renúncia e as

filosofias ocidentais de perfeccionismo. Aqui, pois, parece estar uma pista para a síntese

que devemos procurar entre o Oriente e o Ocidente.

[Esta e observações similares no atual estágio do nosso estudo não devem ser

erroneamente compreendidas como [1] a convicção de que a felicidade (ou,

especificamente, a paz de espírito), e não o caráter moral, é o bem fundamental, ou [2] a

asserção de que a Filosofia oriental sustenta esta tese. A primeira questão não está em

discussão aqui. A última, freqüente mal-entendido de grande parte da Filosofia oriental,

já foi discutida com certa amplitude e será examinada com mais detalhe em parágrafos

adiante sobre o hedonismo].

O Ocidente inclina-se a considerar esta filosofia de "paz", "quietude" e "contentamento"

como negativa, exatamente como habitualmente confere tais atributos às filosofias mais

radicais. Estas metas menos radicais, tão positivas para o oriental, são negativas e

objetáveis para o ocidental porque ele considera a atividade, a auto- realização, o sucesso,

a fama, as proezas, os bens e até a agitação e o perigo como as verdadeiras metas do

Homem. Para o ocidental típico "a intranqüilidade é divina". Deificamos a atividade. O

Oriente questiona a verdade de uma filosofia que vê nestes valores os componentes da

"boa vida". Que busca o Homem, afinal de contas? Não é tudo que pode proporcionar-lhe

satisfação duradoura, verdadeiro contentamento ou paz de espírito? O desejo é realmente

desejável? Esta é a pergunta a que tantos orientais responderam negativamente. Lutar, a

ambição de continuar e continuar, o esforço sem fim em prol da atividade e da melhora,

tomou-se o espírito dominante do Ocidente. Mas esta atitude foi devidamente

demonstrada, ou mesmo devidamente contestada? Pode-se obter satisfação duradoura de

tal maneira de viver? É certo que todos nós - do Oriente e do Ocidente - gostamos de

agitação e perigo, mas isto é razoável quando, como é o caso de modo quase universal,

tais atividades comprometem a nossa verdadeira meta que é a satisfação? Pode-se

realmente ser feliz sem satisfação? Talvez Cálicles (121) tivesse razão ao dizer que um

homem contente é como uma pedra - morto - mas talvez também a tivesse Schopenhauer

quando observou que o impulso incessante da vontade conduzia a uma satisfação apenas

momentânea, juntamente com uma insatisfação quase continua. Talvez Nietzsche

também tivesse razão quando observou as implicações de sua filosofia da "vontade de

poder", pois viu claramente o que aparentemente deixamos de ver, a saber, que o esforço

constante no sentido de progredir implica competição, crueldade e a destruição dos que

não são capazes de sobreviver. Poucos (ou ninguém) nestas condições alcança

contentamento ou felicidade.

A nossa maneira de viver típica no Ocidente não é tão radical como a de Nietzsche, mas

da mesma forma a filosofia chinesa do contentamento não é equivalente à pedra de

Cálicles ou a "negação da vontade" schopenhaueriana. Os chineses pensam e vivem de

acordo com o senso comum (122), e é próprio do senso comum ser moderado, estar

contente sem chegar à conquista da grandeza ou da riqueza, de "nome, fama e

realização". Trata-se apenas da inócua sugestão de que o Ocidente, apesar de todas as

suas façanhas, de todas as suas conquistas mecânicas, não conquistou nem contentamento

nem felicidade. A filosofia do "perfeccionismo" (no sentido aqui descrito) é

essencialmente a filosofia de vida do Ocidente, e seu valor e acerto foram sobrestimados

pelo Ocidente. Não se precisa ser derrotista, fatalista ou pessimista para reconhecer isto.

O Oriente - especialmente a China - sugere uma solução, uma solução de senso comum:

desejos moderados e vida simples.

Isto pode não ser o significado pleno ou exclusivo de qualquer sistema ético da China -- o

Confucionismo, o taoísmo ou o Budismo -, mas é o espírito da síntese chinesa

característica destas diversas filosofias. Tal análise não deve levar a nenhuma

incompreensão destes diversos sistemas que contribuem para a atitude chinesa total. Por

exemplo, como acima se aventou, o Confucionismo, principalmente o Confucionismo

mais recente, é uma filosofia de "perfeccionismo" e de Auto - Realização. Embora o

Confucionismo nunca perca de vista a virtude do Áureo Meio, não é nem uma atitude de

moderação em atividade nem uma busca de mero contentamento. É este aspecto da

Filosofia chinesa que a distingue tão claramente da Filosofia mais negativista da Índia.

Para começar, o próprio conceito básico do chung yung está aberto a várias

interpretações: não precisa significar mera moderação - na verdade, raramente significa

apenas isto. Uma tradução mais precisa é "princípio central", de modo que o

Confucionismo não é tanto uma filosofia de moderação ou do áureo meio como uma

filosofia de seguir o princípio central ou de fazer o "certinho". Esta última interpretação

requer o cumprimento exato e pleno do dever e a realização da própria natureza da pessoa

- nada "a meio caminho", mesmo em nome do contentamento, é aceitável. Por exemplo,

já nos Analectos de Confúcio e na doutrina da "retificação de nomes" o príncipe deve ser

príncipe, o ministro deve ser ministro, o pai deve ser pai e o filho deve ser filho (XII, II).

Isto é auto - realização.

Mas nem isto é suficiente. Tal auto- realização e a atividade que ela implica devem ser

levadas ao limite da nossa capacidade. Aqui está, em grande parte, o contraste entre o

taoísmo e o Confucionismo. Confúcio fala, por exemplo, em servir os pais com o maior

devotamento (I, 7) e na mais completa observância de todas as regras da correção ao

servir o príncipe (III, 18). Mêncio diz que o que deseja ser governante ou ministro deve

"no mais alto grau" agir como um governante ou ministro (IV, I, 2), e fala do ideal de

"exaurir o próprio coração ou espírito" (VII, I, 1). O Chung Yung nos aconselha a

"realizar a nossa natureza ao mais alto grau" (XXII), ao passo que The Great Learning (*)

exige o maior esforço" (II) e insiste para que "descansemos no mais alto bem" (I). Da

mesma forma, o Li Chi exige que "se siga o caminho até o fim" (XXVI, 10) e,

especificamente, "quanto ao respeito, ir ao máximo de respeito" (XXV, 12).

Esta atitude geral é o "Perfeccionismo", e como tal representa o espírito do

Confucionismo em conjunto. Nesse sentido, pois, "Perfeccionismo" - não mero

contentamento - é o ideal da China confuciana (e a China, evidentemente, tem sido

fundamentalmente confuciana em quase toda a sua história). Não obstante, a China

confuciana foi modificada, e não de forma insignificante, pelo taoísmo e pelo Budismo.

A descrição acima, que acentuou a moderação como um princípio central do modo de

vida chinês, foi uma tentativa de descrever a atitude chinesa que resulta da fusão prática e

teórica destas três filosofias.

Aqui - para voltar ao nosso ponto - está, possivelmente, o contraste individual mais

importante entre Oriente e Ocidente. Sem levar em conta, no momento, a falácia da

supersimplificação, está claro que o Ocidente é um mundo de atividade, de fazer e

conseguir; tem uma filosofia positiva nesse sentido, ao passo que o Oriente geralmente

tende a denunciar, ou ao menos a moderar, a atividade em nome de metas como paz,

harmonia, contentamento. O que ocorre, para falarmos sem rebuços, é que o Ocidente

tem uma filosofia de ação, mas tem pouca compreensão de qualquer meta fundamental de

ação. Com muita freqüência se esquece de que a ação é apenas um meio para alcançar um

fim. O Oriente, em contrapartida, concentrou a atenção na meta, mas muitas vezes perdeu

de vista os meios para uma vida melhor (embora não tenha perdido de vista os meios para

a "salvação"). O resultado destas tendências opostas, para o Ocidente, é que sua irrefreada

atividade ou seu "estar sempre ocupado", principalmente por não se dirigir a nenhuma

meta definida e aceitável para os homens que pensam, levou a conseqüências espantosas;

a interminável confusão, desordem e inquietação; e até à guerra como um de seus

resultados inevitáveis - sem qualquer possibilidade de paz, contentamento ou satisfação

duradoura.

Prova disto é a destrutividade sempre recorrente e a insaciabilidade da civilização

ocidental, a despeito de seu reconhecido gênio para a produção. O avião, por exemplo, foi

inventado, teoricamente, como benfeitoria ou para conveniência da Humanidade, mas

como a produção, a ação, o fazer cresceram pari passu, sem se considerar devidamente o

objetivo a que isto poderia conduzir, esse produto da inteligência humana agora é usado

para o fim exatamente oposto. Realizar e fazer não são a essência da boa vida; devem ser

guiados e, se necessário, reduzidos com vistas a uma compreensão racional e

praticamente aceitável do significado da vida e de seus valores fundamentais.

Não é resposta dizer que a atividade em si constitui sua própria recompensa - mesmo o

Confucionismo diz isto às vezes -, pois isto é pelo menos discutível; torna-se quase

ininteligível se tal atividade for cega, se não tiver objetivo. Temos a maior dificuldade em

aceitar a tese de que a atividade, o esforço sem fim ou a agitação - sem meta ou sentido -

seja o bem supremo do Homem. A ação é quase indiscutivelmente apenas um meio para

algum fim. O meio e o fim da vida não são idênticos e não devem ser confundidos como

no Ocidente; nem deve qualquer deles ser descartado em nome do outro, como parece ser

a prática tanto no Oriente como no Ocidente. A boa vida consiste, não apenas na ação ou

no poder, nem em sua eliminação, mas em dirigir as atividades do Homem para um

objetivo humano aceitável. A grande contribuição do Oriente a esse respeito é, não

apenas sua insistência em que o Ocidente não deve perder de vista, em sua agitada vida

de fazer, a meta de sua atividade, mas também sua sugestão de que a meta do Homem, a

única meta que não conduz ao caos, à confusão ou à insatisfação é a paz espiritual ou a

satisfação. Esta meta de Paz consta de duas espécies: a paz espiritual mais fundamental

característica do Hinduísmo e do Budismo, e a paz ou a satisfação mais comum

característica do ponto de vista chinês. A fraqueza da filosofia - e da vida - ocidental é

que ela não conseguiu destacar nem proporcionar nenhuma delas.

MONISMO

Outro dos meios pelo qual a Filosofia do Oriente pode suplementar a do Ocidente é a sua

famosa e difundida tendência ao monismo em contraste com a "ênfase exagerada do

Ocidente sobre o indivíduo" (123). O Ocidente tem tido suas filosofias monísticas, de

Platão até os nossos dias, mas em ênfase e no viver - principalmente desde a insistência

do Cristianismo no valor infinito do indivíduo - quase não se põe em dúvida que o

Ocidente se inclinou na direção oposta. A Filosofia oriental varia muito a este respeito,

desde o monismo absoluto ao pluralismo absoluto (124). Não é este o lugar para discutir

o alcance do monismo das filosofias do Oriente, a não ser para mostrar os diversos tipos

de monismo pela forma como se refletem em suas aplicações éticas - porque cada uma

destas tem importância diferente para o Ocidente.

(a) Há um monismo radical - por exemplo no Vedanta, a mais sugestiva filosofia da Índia

-, embora apenas o Vedanta - (de Sankara), de todas as principais filosofias do Oriente,

seja completamente monística. Por outro lado, na medida em que várias das diferentes

filosofias orientais se atêm à teoria do "continuum não diferenciado" como a realidade

final - e isto é significativamente importante em todo o Oriente -, na mesma medida são

monísticas do ponto de vista final. Rejeitando toda e qualquer diferenciação finita, tais

filosofias rejeitam também toda e qualquer particularidade como finalmente irreais ou

insignificantes. Estes orientais vêem as coisas do ponto de vista de uma perspectiva e

desta perspectiva o indivíduo como tal perde toda importância. O lugar do Homem no

universo é o verdadeiro interesse desses sistemas mais monísticos em claro contraste com

o individualismo do Ocidente. Na mais radical dessas filosofias orientais, todos os

significados e valores mundanos são transcendidos e o indivíduo é absorvido pelo Um ou

novamente unido a ele. Esta tem sido a tendência do Hinduísmo desde os Upanixades até

o Vedanta e foi criticada pelo Ocidente como filosofia inaceitável, já que é injusta com o

indivíduo, a pessoa. Para o hindu, porém - e esta a significação da atitude para o Ocidente

-, não é um caso de perder a realidade, porém de conquistar o infinito do Ser; não é uma

perda do eu ou da auto - realização, mas a identificação do eu com o Absoluto. É a

expansão infinita do eu. O eu que pode tornar-se idêntico ao Absoluto mesmo é o "eu

verdadeiramente expansivo , e não o da "filosofia centrífuga da 'vontade expansiva' que,

na melhor hipótese, se centra em torno do aperfeiçoamento da sociedade e do mundo"

(125). Tat tvam asi (isso és tu) não significa a aniquilação, mas a realização (126).

Este monismo radical é raro até na Índia. O Budismo é difícil de descrever, mas de um

modo geral parece, ao cabo de contas, conformar-se com as implicações gerais da

filosofia do continuum não- diferenciado. Neste sentido - finalmente - o Budismo é não-

individualista. Além disso, a consciência do eu é freqüentemente descrita como a fonte de

todo mal ou sofrimento. (O egoísmo sob qualquer forma é rejeitado universalmente nas

grandes filosofias orientais.) Entretanto, há aspectos do Budismo que negam qualquer

interpretação radical. O espírito do Budismo é o altruísmo universal e a rejeição de todo

auto-interesse. O espírito do Bodhisattva (candidato a Buda) que não aceitará nem mesmo

o Nirvana enquanto todos não tiverem sido salvos é a essência do Budismo. A condição

do indivíduo, uma vez "salvos" todos, é questão a resolver; mas está acima de qualquer

dúvida que este estado final do Homem não é de imortalidade pessoal sob qualquer forma

semelhante ao significado ocidental desse conceito. Além disso, como em grande parte

do Hinduísmo, neste estado final de salvação, não só o indivíduo é transcendido, mas

também o são todos os interesses e valores particulares do indivíduo - os significados e

valores e interesses. Isto traz à nossa atenção uma observação que deve ser feita com

referência a qualquer filosofia que acredite em "salvação" da espécie transcendental. O

Hinduísmo e o Budismo aventam que tal salvação deve consistir na transcendência das

coisas mundanas, já que elas são apenas parcialmente reais. Conseqüentemente, aventam,

ainda, que o indivíduo, o eu particular, também deve ser transcendido porque o eu

particular é o eu destes interesses mundanos. Isto eqüivale a propor que qualquer dessas

filosofias também aceite tais implicações. Que justificação existe para exigir, como o

Ocidente o faz quase universalmente, a preservação dos significados e valores do aqui- e-

agora? Devido à sua íntima vinculação com o mundo do aqui- e- agora, o Ocidente

muitas vezes disse, efetivamente, que, se não se pode "viver" e "fazer coisas" mesmo no

além, não se pode achar desejável o além. O hindu e o budista consideram esta atitude

filosoficamente ininteligível; e, praticamente, vêem nela a raiz de todos os males, pois é

significativamente indicativa da servidão do Ocidente a esta vida e às coisas desta vida -

com a indicação adicional da falta de perspectiva final. Em comparação, pois, o Ocidente

tem vista curta: pensa excessivamente em termos do muitos e do aqui- e- agora.

(b) Há ainda outros aspectos - embora menos radicais - da tendência monística do Oriente

que são significativos para o Ocidente - e todos concordam em um ponto, a saber, na

rejeição de qualquer opinião que coloque no indivíduo como tal o valor fundamental. Em

todos há um princípio mais elevado. Um destes é a tendência taoísta ao monismo. Tao, o

único real, é um. Ele produziu o muitos mas estes, essencialmente, são apenas aparências,

e, como em Platão, conquistam a realidade que têm em virtude da sua participação no

Um. O Tao é o princípio universal de todas as coisas, a essência da realidade. Ele

transcende a particularidade finita; não pode ser definido. Na interpretação mais mística,

o Tao é concebido como algo similar ao Brâmane, mas o Tao é basicamente o meio, a lei

ou princípio essencial ou subjacente da realidade, como, digamos, o Logos de Heráclito

ou a Idéia do Bem de Platão (embora não idêntico na natureza específica). Neste sentido,

o taoísmo representa um tipo de monismo diferente do do Hinduísmo (e do Budismo). O

ideal no taoísmo é a conformidade com a lei da realidade, seja esta interpretada como

uma lei puramente natural seja como um princípio sobrenatural. Todos os tipos de

pluralismo metafísico são rejeitados porque os Muitos não constituem realidade mas, ao

mesmo tempo, não há absorção dos muitos no Um. É verdade que não há imortalidade

individual, mas em outro sentido o taoísmo exige individualidade ou diferenciação. A

maneira pela qual qualquer coisa determinada pode melhor conformar-se ao Tao é

realmente pela conformação absoluta com seu próprio tê, sua própria "virtude" ou sua

própria natureza específica (127), porque a lei universal do Tao está exemplificada nas

maneiras naturais de funcionar das numerosas espécies particulares de coisas. É de

duvidar que o Tao tenha qualquer significado à parte os diversos tê dos muitos. Os muitos

foram criados pelo Um, é verdade, mas não são por isso irreais; são, porém, reais em

maior grau apenas quando se conformam absolutamente ao Tao, ao modo de ser das

coisas, da mesma forma como em Platão o mundo estaria em sua melhor forma e seria

mais real se e quando todas as coisas se conformassem à Idéia do Bem.

Aqui está um monismo de espécie significativa. É óbvio que não é desconhecido, do

Ocidente, mas torna-se mais significativo quando visto no contexto de todo o quadro

oriental onde se considera necessária alguma forma de monismo. O espírito do taoísmo,

embora de forma diferente do Hinduísmo e do Budismo, que são muito mais monísticos

em suas formas radicais, é, não obstante, inegavelmente monístico. Cada coisa,

conformando-se ao seu próprio tê, conforma-se também ao Tao universal, e desta forma o

universo flui suavemente. É uma filosofia da harmonia das coisas entre si e de todas as

coisas com a Natureza ou com o princípio íntimo da Natureza. Para falar de maneira

prática, ela se opõe a qualquer filosofia de competição ou ao esforço de expansão além

dos limites naturais da natureza de cada um. Nestes sentidos, o taoísmo é monístico. Seu

contraste com o espírito do Ocidente é que o seu naturalismo ou sua filosofia de auto-

realização (se assim se pode chamá-la) se dirige para um resultado inegavelmente

diferente do do naturalismo ocidental ou das filosofias ocidentais de auto- realização e o

alcança. O contraste pode ser exposto simplesmente como o que há entre a harmonia e a

competição. O espírito de harmonia é, em grande parte, o espírito do Oriente, ao passo

que a competição é o espírito do Ocidente. Talvez nenhum deles seja exclusivamente

aceitável, mas parece essencial uma síntese mais séria do que a que o Ocidente já

alcançou até agora.

(c) O lado metafísico do Confucionismo, pela forma como está desenvolvido no

Neoconfucionismo, e as implicações éticas dessa teoria metafísica apresentam outro

aspecto da tendência do Oriente ao monismo.

O Confucionismo, desde Confúcio até as suas formulações modernas, sustenta que a

forma da atividade de uma coisa deve ser guiada ou determinada pela natureza essencial

dessa coisa e que a soma de toda esta atividade (como na organização social advogada

por Confúcio) deve assumir a forma de um complexo de atividade harmonioso e

cooperativo (128). Nesta forma de Confucionismo estão os germes de um tipo mais

radical de monismo metafísico que anularia a significação da individualidade. As

sementes de tal interpretação devem ser encontradas no fato de que o Confucionismo

também tem o seu Um final, o Grande Final do qual parecem ter-se originado todas as

coisas. Como, porém, tão bem explicou o Professor Chan, na metafísica neoconfuciana

há uma harmonia essencial e uma interdependência entre o Um e os muitos, o Li e o ch'i.

O ideal é uma harmonia ou unidade do Homem e da Natureza e de cada homem com

todos os homens e todas as coisas. O confuciano não "dá ênfase exagerada" quer ao

indivíduo quer ao Grande Final, mais monístico, de toda realidade; o indivíduo não é

"engolido" por qualquer Absoluto - mas tampouco é pessoalmente imortal (129).

(d) Também do ponto de vista menos metafísico o Oriente achou melhor uma forma mais

monística de vida e sociedade. O sistema de castas da Índia, o sistema de família - clã da

China e do Japão, o nacionalismo do Japão e o conceito de dever (talvez melhor definido

como lealdade no Japão e possivelmente também na China) são conhecidas atitudes

orientais que, do ponto de vista puramente prático, tornam o indivíduo basicamente parte

de um conjunto maior e lhe negam qualquer grau de significação completa em si mesmo.

Este ponto não precisa ser desenvolvido a não ser para afirmar o que é óbvio para o

Ocidente moderno - talvez principalmente para os norte-americanos -: que uma das

fraquezas da democracia e do individualismo como os conhecemos, com sua insistência

nos direitos do indivíduo, tem sido a incapacidade de inculcar nesse indivíduo qualquer

percepção apropriada da realidade da sociedade em conjunto ou da obrigação do

indivíduo para com a sociedade. Grandes escritores sociais, políticos e filosóficos, desde

os dias de Platão até hoje, mostraram a importância do grupo acima do indivíduo, ou

antes, como suplementar aos direitos do indivíduo. Mas foi necessário que houvesse

guerra e devastação para trazer-nos aos nossos sentidos. O Oriente, por outro lado,

raramente pensou no homem individual como indivíduo e nada mais; em sua filosofia e

em sua vida, o indivíduo é considerado de um ponto de vista mais amplo. Embora o

Oriente não tenha levado na devida conta a personalidade do homem individual,

reconheceu o outro lado do Homem, o homem membro da família, da sociedade, do

universo. O Oriente preocupou-se em fazer do indivíduo mais do que um indivíduo. O

Ocidente tem estado interessado demais em sua individualidade pessoal. Demais, nem o

Oriente nem o Ocidente é fiel à natureza real ou plena do Homem; demais, uma síntese é

o caminho mais sábio.

Em resumo, pois, seja pela atitude inteiramente metafísica do Vedanta, seja pela filosofia

social mais terra- a- terra de Confúcio, o Oriente se inclinou a pôr o Homem em seu lugar

nalgum contexto mais amplo. Em geral, o resultado pretendido e verdadeiro tem sido a

harmonia entre os homens. Juntamente com esta harmonia social tem andado a harmonia

do Homem com a Natureza ou com o universo, e não o espírito de ser outro que mais ou

menos predomina no Ocidente. O Oriente adotou estas tendências monísticas por causa

tanto da especulação metafísica como da sabedoria prática. O resultado liquido - à parte

exceções contemporâneas - tem sido um mundo em paz consigo mesmo e com os outros.

"Acima de todas as nações está a Humanidade". Talvez a tendência oriental a desviar o

olhar do indivíduo e dos seus interesses privados possa associar-se à doutrina cristã da

fraternidade do Homem para convencer o mundo de que tal ideal efetivamente vale a

pena.

DE SENTIDO "ESPIRITUAL" CONTRA SENTIDO MATERIALISTA

Deve-se mencionar uma maneira final de contrastar o Oriente e o Ocidente de modo a

indicar, mais uma vez, a necessidade de suplementação do Oriente com o Ocidente e do

Ocidente com o Oriente. Positivamente se pode dizer - com muitas reservas que não serão

expostas aqui - que o Oriente é de mentalidade mais espiritual, de tendência mais

religiosa, do que o Ocidente. É este o contraste que Shastri tinha em vista na passagem,

antes citada, segundo a qual o Ocidente não tem alma, não é espiritual e é irreligioso.

Pelo menos uma maneira de interpretar este contraste é permissível sem restrição, a saber,

que o Oriente é de inclinação mais espiritual se com isso se pretende dizer que o oriente

está basicamente mais interessado no sentido, no valor, na significação das coisas, e até

da vida, do que nas coisas em si ou na vida (130). O Ocidente, por outro lado, tem vivido

mais do que pensado na vida.

Formulação mais clara deste contraste pode ser feita negativamente, mostrando que o

Oriente, no passado e no presente (131), tem, de modo geral, rejeitado como falazes

várias das atitudes específicas mais importantes do Ocidente. Parece de interesse para

nós, no Ocidente, onde estas teorias ou maneiras de viver são aceitas - explícita ou

implicitamente - recordar-nos da sua impropriedade aos olhos dessa vasta parcela da

humanidade conhecida como o Oriente. Já se disse antes que no Oriente certas teorias da

vida "pegaram" na competição dos sistemas através dos longos períodos da história

oriental. Agora é hora de notar as teorias que não conseguiram vencer, pois - é

impressionante - são elas, em grande escala, as teorias predominantes do Ocidente. Todas

essas atitudes se desenvolveram no Oriente, mas a ênfase se dirigiu quase exclusivamente

em outras direções. Não é a falta das teorias, porém sua rejeição quase universal e

completa, que deve ser notada. Em outras palavras, tanto as ênfases positivas como,

inversamente, as atitudes rejeitadas do Oriente e do Ocidente se apresentam em contraste

assaz constante e completo. As três principais atitudes de espírito aqui são: [1]

hedonismo, [2] naturalismo no sentido ocidental de Trasímaco, Cálicles, Nietzsche, etc. -

a filosofia do "o poder faz o direito"; e [3] o que, à falta de melhor nome, se pode chamar

materialismo.

[1] Em certo sentido, e contradizendo a nossa tese, todo o Oriente pode ser descrito como

hedonístico. E, por estranho que pareça, esta interpretação não está baseada na

preeminência de sistemas hedonísticos específicos, pois estes - Chàrvãka na Índia e o de

"Yang Chu" (como foi descrito no capítulo do mesmo nome em Lieh Tzü) na China -

tornaram-se as filosofias menos importantes da sua terra natal e agora não têm status

filosófico. Está, porém, baseada em primeiro lugar em tendências inegáveis dentro da

Índia e da China e em todas as principais filosofias de ambos os países. Por exemplo, o

Hinduísmo busca a fuga ao sofrimento deste mundo e instaura um Summum Bonum que

consta ou do Moksha (libertação da dor) ou da Bem-aventurança no Brâmane; não parece

estar diretamente interessado na moral ou na conduta moral exceto como caminho para o

chamado objetivo hedonístico (132). O Jainismo tem o mesmo problema e a mesma

perspectiva geral (sem o conceito do Brâmane) (133). O Budismo também se conforma

(com a mesma ressalva), pois o problema do Budismo é escapar ao sofrimento do mundo

e alcançar o Nirvana que, a este respeito, é comparável ao Moksha (134). Todas estas

concepções parecem habilitar-se pelo menos como "hedonismo negativo". A China

também se ajusta ao padrão, já que toda a filosofia da "vida simples e dos desejos

moderados", a filosofia do contentamento - característica de toda a China - não passa de

hedonismo moderado ou de senso comum. Além disso, não há oposição séria ao gozo da

vida (135) - dentro de limites - ou qualquer rejeição da satisfação dos desejos, quer no

Taoísmo quer no Confucionismo ou no Taoísmo. Segundo diz Fung, "Como o Taoísmo

hedonístico, o Confucionismo era a favor da expressão da paixão e da satisfação dos

desejos. (...) Como o Taoísmo hedonístico, o Confucionismo era a favor do gozo do

presente e da despreocupação com o futuro" (136).

Como quer que seja, a interpretação hedonística exagera ou interpreta mal as tendências

dentro dos vários sistemas; ou, o que é pior, deixa, sem nenhuma dúvida, de compreender

seus sentidos mais profundos. Identificar o Hinduísmo, o Budismo e o Jainismo com o

hedonismo é, visivelmente, supersimplificar estes sistemas, é pensar apenas em termos

dos seus conceitos ou problemas mais primitivos e deixar de levar em conta o seu sentido

espiritual mais profundo. O Moksha - que é um estado da "integridade natural" da alma,

além tanto do prazer como da dor, ou um estado de Bem-aventurança que (no

Hinduísmo) vem da vida na presença do Brâmane ou da identificação com o Brâmane -

não deve ser comparado com o espírito do hedonismo (137). O Moksha e o Nirvana não

são apenas a fuga da dor, mas também de todas as limitações e diferenciações do

relativamente irreal; são a consecução de um estado de conformidade com a realidade - e

isto não é hedonismo. Ademais, a pureza íntima da alma e da moral de pensamento,

palavra e feito é uma exigência quase universal.

O "hedonismo" no sentido moderado é uma parte muito real da maneira chinesa de viver,

mas nem isto pode ser comparado, de nenhuma forma abrangente, com o hedonismo

filosófico do Ocidente. A China não conhece o hedonismo ocidental - quer na filosofia

quer na vida. Em primeiro lugar, o Taoísmo transcende o hedonismo, a menos que

pretendamos perder de vista o significado mais profundo do sistema - como nos casos do

Hinduísmo e do Budismo. A conformidade com o Tao é o Summum Bonum. Ele

conduzirá à paz, bem como à "realização" e à "felicidade", mas o importante é a essência

da realidade - isto é, por que os homens devem "seguir o Tao".

Talvez, entretanto, a filosofia do contentamento mereça classificar-se como hedonismo,

como hedonismo moderado, e como tal é parte necessária de qualquer filosofia ou

maneira de viver saudável. Mas o hedonismo, como é conhecido na história da Filosofia

ocidental - e não temos em vista qualquer exagero ou caricatura do hedonismo ocidental -

é uma teoria ética que designa o prazer (exclusivamente) como o Summum Bonum e

define a conduta moral em termos do prazer produzido, negando, assim, a rejeição ou a

moderação do prazer em termos de qualquer outro ou mais elevado valor. Tal hedonismo

não se ajusta à moldura chinesa. Na filosofia e no modo de viver chineses a busca do

prazer é sempre contida por outros padrões obviamente mais elevados. A busca do prazer

por uma pessoa é disciplinada pelo dever para com os pais e a família. É contida pela

exigência universal de moderação. Finalmente, e muito importante, deve ser determinada

de forma absoluta em termos dos princípios morais que, portanto, não são determinados

em termos de prazer. Por exemplo, tanto Confúcio como Mêncio colocam a moral acima

da própria vida (138), e o maior receio de Mêncio parece ser que "os princípios de Yang

Chu e de Mo- Tsé" não sejam detidos, pois estão em oposição aos "princípios de

Confúcio... (a saber) a benevolência e a integridade" (139). Em outras palavras, a China

não reconhece o hedonismo filosófico - estrito e intransigente - como um verdadeiro

modo de vida. O Confucionismo o condena, e o Confucionismo é, não só a filosofia

básica da China, mas também o princípio orientador primordial do modo de vida chinês.

[2] O naturalismo, em seu sentido etimológico, está presente em todo o Oriente, pois o

oriental sempre insistiu em que a maneira de viver se conforme à natureza das coisas. O

naturalismo, no sentido ocidental mais estrito de "justiça natural", de "O poder faz o

direito", da "sobrevivência dos mais capazes", da "vontade de poder", nunca foi uma

filosofia proeminente no Oriente; nunca foi lá conhecida como um sistema filosófico

basicamente formulado (140). Esta é a verdade, a despeito do fato de que o Oriente teve

teorias da evolução que se aproximam das nossas teorias científicas do Ocidente que

proporcionaram uma base científica para tais doutrinas éticas (141). A incapacidade para

um oriental de conceber tal doutrina parece claramente significativa. O naturalismo, no

sentido competitivo e até agressivo, tem-se destacado em toda a história da Filosofia

ocidental. Como o hedonismo, conserva lugar proeminente tanto na teoria ética como na

prática, e de tempos em tempos reconquista uma posição predominante. Entretanto, o

Oriente nunca desenvolveu um naturalismo completo deste tipo. Por quê?

Possivelmente isto se explicará pelo fato de que o naturalismo entraria em conflito com

tantos princípios básicos do pensamento e da cultura orientais de um modo geral (142).

Há, por exemplo, a tendência indiana, quase universal, de encontrar seu Summum Bonum

além deste mundo onde há tanto sofrimento. Há também a doutrina indiana igualmente

universal do ahimsã (não fazer mal a criaturas vivas). Na China, o naturalismo enfrentaria

a filosofia contrastante do contentamento, bem como a doutrina da harmonia.

Evidentemente, o "naturalismo" ocidental teve pouca oportunidade de sucesso na Índia,

onde a tendência é no sentido de se procurar o bem principal além deste mundo e onde,

neste mundo, há a atitude básica do não fazer mal. O mesmo se pode dizer da China,

onde o contentamento, e não a agressão e a busca do poder, é a doutrina universal, e onde

a doutrina da harmonia, que remonta ao esforço pré- confuciano de harmonizar as forças

opostas do yang e do yin, opõe-se a qualquer doutrina que busca no conflito a melhor

maneira de viver. O ideal de toda filosofia chinesa é paz, ordem e harmonia. Mesmo o

ideal confuciano da auto-realização individual e da "exaustão" da natureza de cada um

deve ser concretizado em condições de paz e harmonia. "O naturalismo", então, por sua

própria natureza, é alheio ao espírito da Índia e da China.

Mas, que dizer do Japão nesta oposição ao naturalismo? O Japão moderno - desde 1868 -

certamente parece aderir a uma política de "o poder faz o direito", e a um programa de

conflito agressivo para alcançar seus fins. O quadro se complica ainda mais pelo fato de

que o Japão de hoje não é um Japão inteiramente novo, mas o Japão mais antigo em trajes

modernos. Mesmo o Japão feudal com o seu "bushidõ" e o samurai era igual, em essência

(143). Seria fácil - fácil demais - recorrer a teoria da "religião inventada" (144) para

explicar o Japão de hoje, ou reconhecer apenas a influência do Ocidente mais naturalista"

(145). Ambas estas teorias contêm sem dúvida muita verdade, mas o espírito dinâmico é

tão antigo quanto o próprio Xintó, e da mesma forma o espírito dominante de lealdade

absoluta e devoção à pátria. O Japão aprendeu do Ocidente basicamente os seus "meios e

modos", seus métodos, e não suas filosofias.

O lugar do Japão no quadro filosófico do Oriente é um obstáculo sério a qualquer

definição precisa do Oriente. O Japão está no Oriente e é do Oriente e, no entanto, visto

hoje, parece tão diferente. Um ponto, porém, é essencial: não devemos julgar os

japoneses ou a filosofia japonesa inteiramente pelos acontecimentos dos anos recentes.

Em todas as épocas o Japão foi dominado por uma mistura de Confucionismo, Budismo e

seu próprio Xintó. Esta combinação não precisa produzir um "naturalismo" a não ser em

circunstâncias extraordinárias. A cultura japonesa é ativista, mas o Confucionismo (que

por tanto tempo serviu o Japão) também é ativista -dentro da moldura de harmonia,

porém, e não de agressividade naturalista. O espírito indígena ativista do Japão foi

moldado ao longo de linhas naturalistas por muitas forças - algumas delas provenientes

do Ocidente e outras da minoria militar que tem tido o controle político - mas o Japão

naturalista moderno não é o Japão tradicional, e, assim, não é ele a nossa preocupação

fundamental - exceto (como adiante veremos) na medida em que traz à luz as

implicações inteiramente naturalistas da filosofia japonesa tradicional.

Além disso, os japoneses não desenvolveram - mesmo em face de tendências modernas -

qualquer doutrina formulada de naturalismo. O chamado naturalismo do Japão moderno

não tem condições para apresentar-se como uma das filosofias importantes do Oriente.

De fato, mesmo o Japão dos nossos dias repetidamente repudiou o naturalismo filosófico,

justificando suas ações com razões morais em todas as oportunidades e pensando nos

acontecimentos recentes da China como "incidentes" ou como "expedições punitivas"

(justificadas no Confucionismo) mas nunca como atos naturalistas de agressão. Os

acontecimentos de 7 de dezembro de 1941 e os posteriores naturalmente contradizem tais

explicações e tal justificação de ações passadas, e revelam a verdadeira explicação.

Em resumo, por paradoxal que seja - embora não contraditório -, o Japão de hoje não é

nem o Japão tradicional nem um novo Japão. Mesmo o Japão guerreiro, naturalista e sem

princípios de hoje não é realmente novo. O espírito do samurai e do bushi não é novo.

Nem o espírito de inabalável devotamento à pátria. Nem as virtudes básicas de lealdade,

obediência ao dever e bravura absolutas. Estas (embora não tivessem, no passado,

conduzido a atividades naturalistas e a um código naturalista de ética) prepararam o

caminho para acontecimentos recentes. A filosofia do Japão tradicional há muito

reclamou um alto padrão de honra e outros valores morais reconhecidos - de tal modo que

se tem enorme dificuldade em compreender os acontecimentos recentes. Na verdade,

porém, não há nada insuperavelmente difícil na situação. A honra, a solidariedade, a

modéstia, a polidez, a benevolência, etc., há muito são virtudes fundamentais dos

japoneses, mas acima de todas elas e de todos os padrões sempre se levantou a chave da

abóbada: a saber, a lealdade e o dever para com o governante, a pátria e a raça. Em

deferência a este padrão absolutamente supremo tudo mais se reduz à insignificância.

Não declarado explicitamente, mas incorporado implicitamente na situação geral, está o

fato inegável de que qualquer coisa que se considere compatível com a lealdade ao

governante e à pátria ou essencial a ela será aceita - sem que se levem em conta conflitos

com outros (e menores) padrões. O fim justifica os meios - e aparentemente quaisquer

meios. As ações inescrupulosas do Japão de hoje parecem divergir dos altos padrões do

samurai e do bushidö em geral, mas estas ações realmente não são contrárias ao princípio

básico da moral japonesa. O Japão tem sido potencialmente naturalista todo o tempo. Os

militaristas do Japão forçaram este naturalismo implícito a tornar-se explícito e a revelar-

se o princípio ético final subjacente a muitos traços virtuosos louváveis mas na verdade

relativamente superficiais do povo japonês - como nação.

[3] A terceira das atitudes ocidentais que tem sido em geral rejeitada pelo Oriente é a

atitude complexa e indescritível do materialismo- mecanicalismo- "cientificismo". A

eficiência, a produção mecânica e o progresso: dispositivos mecânicos para o conforto

dos homens, os bens materiais e a dependência a empreendimentos econômicos e

científicos para a solução dos problemas do Homem e para proporcionar-lhe o Summum

Bonum de todo viver - este é o espírito do Ocidente, principalmente do Ocidente

moderno (147). Nunca constituiu o espírito do Oriente - embora esta atitude geral se

esteja tornando mais importante no Oriente hoje (exceto, porém, na Índia, onde os líderes

do pensamento ainda insistem na validade das filosofias idealistas tradicionais) (148).

Dizer que esta tem sido a filosofia do Ocidente pode dar a impressão de que nós também

temos culpa de interpretar uma cultura apenas pelo seu último estágio. Não é o caso,

porém, pois o Ocidente, quase em toda a história do seu pensamento, tem tido uma

mentalidade científica (149) e consciente da economia e do poder (150) e tem focalizado

sua atenção na busca dos bens terrenos como objetivo das ações do Homem. O ponto não

precisa ser desenvolvido ou examinado extensamente. Em rigor, há numerosas exceções à

opinião de que o Ocidente tem sido dominado por esta atitude geral mas, de um ponto de

vista prático, há pouca dúvida de que essa seja a verdade.

Em contraposição a estas tendências ocidentais que o Oriente tem rejeitado, grande parte

do Oriente tem adotado alguma forma do que muitas vezes se chama "Auto-realização

idealista" ou "Perfeccionismo Idealista" (151). No Ocidente, esta filosofia reclama o

reconhecimento do supremo valor da Pessoa - muitas vezes no sentido individualista -, e

também fixa a perfeição como ideal. Exige, ainda, a plena realização da múltipla natureza

do Homem, o ativamento completo de todas as suas excelências, mas sempre a serviço do

lado mais elevado e mais idealista do seu ser. Há tendências importantes no Oriente que

não se ajustam a semelhantes exigências, como vimos. Na crítica destas tendências

orientais pode-se dizer que aqui - do ponto de vista do Ocidente - está o núcleo da maior

estreiteza de visão do Oriente (especialmente da Índia) sua cegueira à plena natureza do

Homem resultante do seu excessivo reconhecimento da natureza e da condição finais dele

em relação ao universo. Sua atitude de perspectiva final, sua concepção do Homem como

parte do universo, perturbou o reconhecimento justo dele como homem.

Entretanto, em contraposição a todas as filosofias terrenas e mais materialistas, o Oriente

não se ajusta à doutrina da Auto-realização Idealista. Negativamente, é idealista em

virtude da sua rejeição de todas as atitudes não-idealistas, e positivamente, em virtude da

sua insistência em alguma forma de Summum Bonum ou Auto-realização acima do nível

do material ou corpóreo. Este idealismo, de uma forma ou de outra, é característico das

principais tendências do pensamento ético em todo o Oriente (152). "O Oriente nunca foi

seduzido pela matéria".

CONCLUSÃO

Tais são, portanto, os aspectos principais do pensamento ético oriental que, como ênfases,

estão em contraste com as principais tendências da Filosofia ocidental e da civilização

ocidental: [1] o reconhecimento do aspecto "prático" da Filosofia, [2] a atitude da

"Perspectiva Final", [3] a atitude da "Perspectiva Dupla", [4] a tendência para alguma

forma de "Negativismo", [5] o Monismo ou a tendência a ver o homem individual em

alguma perspectiva maior, e [6] o Idealismo em algum sentido geral deste termo (153).

Estas ênfases constituem os modos mais importantes pelos quais o pensamento ético do

Oriente pode suplementar a perspectiva ética do Ocidente. O Ocidente não deixou de

descobrir estas várias atitudes, é verdade, mas é indiscutível que sua tendência tem sido

em outras ou em direções opostas e que tais ênfases das filosofias orientais de vida têm

sido, comparativamente, pouco consideradas. Ocorre o oposto no caso do Oriente. Isto é,

cada um achou certas atitudes mais aceitáveis prática e filosoficamente. Tais tendências

venceram de modo tão absoluto na competição entre modos de vida que as suas

antagonistas, perderam posição, de um modo geral. Foi este o erro tanto do Oriente

quanto do Ocidente. Esta tragédia, filosófica e praticamente, pode ser superada. A

sugestão óbvia é que uma filosofia de vida mais saudável - uma filosofia mundial -

poderia ser encontrada em uma síntese destes grandes pontos de vista opostos.

A ênfase nesta análise, como em todo o livro, foi conscientemente dirigida no sentido de

se chamar a atenção do Ocidente para as idéias e atitudes do Oriente que parecem mais

importantes como possíveis corretivos ou suplementos às tendências do pensamento ético

ocidental. Deu-se, além disso, ênfase à interpretação destas atitudes em seu melhor

enfoque - isto é, seu enfoque apropriado -, de modo a contrabalançar a interpretação

crítica muito mais freqüente. Não nos deixamos levar por nenhuma distorção de

significados. Só se tentou apresentar as idéias como o oriental compreende suas próprias

teorias, mas também de modo a mostrar sua significação especial para o Ocidente, com

os seus problemas e interesses determinados. Esta forma de apresentação pode ter dado a

impressão de que as idéias orientais são superiores às do Ocidente. Não foi essa a

intenção. A tese subjacente foi de que tanto o Oriente quanto o Ocidente são falhos em

sua análise da situação ética e em suas filosofias de vida e, conseqüentemente, que ambos

necessitam de corretivos. Acontece que o Oriente e o Ocidente efetivamente oferecem,

em suas ênfases, antíteses um tanto definidas sobre certos pontos principais, de tal modo

que uma síntese prontamente se apresenta. Tal síntese, entretanto, deve ser fiel, baseada

em um estudo apropriado, sincero e compreensivo do Oriente pelo Ocidente e do

Ocidente pelo Oriente. A busca de tal síntese foi, na verdade, iniciada pelo Oriente - que

avançou consideravelmente na direção de uma compreensão e exame corretos das

filosofias do Ocidente (154) - mas não foi seriamente tentada pelo Ocidente.

Neste estudo, o principal esforço se dirigiu às deficiências do pensamento ocidental em

relação com cada um dos pontos principais considerados. As deficiências das atitudes

orientais contrastantes foram algo evidentes, decerto, para o leitor ocidental - é fácil ver

os defeitos de uma cultura estranha - e a intenção foi deixar este lado do quadro ao exame

do próprio leitor. Embora cada uma das principais atitudes apresentadas com

contribuições orientais ao pensamento ético seja importante, nenhuma delas é

suficientemente abrangente para ser aceitável como resposta final ao problema em

questão. Não obstante, estas pequenas amostras de sabedoria do Oriente, baseadas que

estão em aguda introvisão intelectual e provadas na teoria e na prática por séculos de

crítica e de julgamento como verdadeiros guias da vida de grande parte da raça humana,

não podem ser ignoradas ou mesmo minimizadas se quisermos chegar a uma filosofia que

seja digna do nome. Não é bastante - nem é mesmo lógico - dizer que tais idéias não se

ajustam à nossa tradição ocidental. Talvez a nossa tradição mesma esteja necessitando de

alguma readaptação. Seja como for, a Filosofia como filosofia não é a busca de conceitos

que se ajustam a certas tradições; é buscar o significado da vida e a essência da boa vida.

Nesta busca a sabedoria do Oriente não deve ser desprezada, pois ela tem idéias

importantes a sugerir. Estas podem não pôr de lado as atitudes tradicionais do Ocidente,

mas nossa civilização - e Filosofia - ocidental muito mais jovem pode beneficiar-se de

um número infinito de maneiras da sabedoria do Oriente, que em muitas das suas atitudes

parece ter amadurecido muito além de qualquer coisa alcançada no Ocidente.

Concluamos com uma nota de específica sugestividade e esperança, uma idéia que nos

vem do antigo Embaixador da China nos Estados Unidos, Dr. Hu Shih (155), uma das

mais importantes figuras na recente Filosofia chinesa. Ele se opõe a interpretação habitual

de que o Oriente é mais espiritual (em sentido mais lato) do que o Ocidente - pelo menos

potencialmente. Seu ponto é que o Oriente dificilmente pode entregar-se de todo ao lado

mais espiritual da vida devido à urgência do próprio processo de viver; os problemas da

satisfação das verdadeiras necessidades da vida são tão grandes que o lado mais espiritual

desta deve obrigatoriamente ser desdenhado. No Ocidente, por outro lado, onde a

mecânica de prover as reais necessidades da vida foi aperfeiçoada, há os requisitos

básicos para o lado espiritual da vida: a não-urgência do problema prático de viver e o

conseqüente lazer que é tão necessário antes que o lado espiritual da vida possa ser

apreciado. Aqui está, então, uma sugestão específica para uma síntese: o Ocidente deve

voltar-se para o aspecto mais espiritual da vida, para uma preocupação mais séria com o

significado e o verdadeiro objetivo dela, já que dominou seu lado prático; o Oriente deve

aprender do Ocidente, não necessariamente sua interpretação do sentido da vida, mas sua

maquinaria prática, seus métodos para suprir as necessidades da vida. Desse modo tanto o

Oriente como o Ocidente podem, finalmente, experimentar a vida humana real e

completa (156).

NOTAS:

(1) Este capítulo pressupõe conhecimento de todos os anteriores. O material destes

capítulos é aplicado aqui ao estudo comparado do Oriente e do Ocidente. A fim de se

evitar repetição extensa, omitir-se-á referência especifica às idéias neles contidas.

(2) A possibilidade desta filosofia de vida única - em todos os detalhes - naturalmente é

questionável, já que as condições geográficas, econômicas e outras são fatores

significativos na determinação dos problemas e atitudes dos povos. O que, porém,

estamos buscando é uma filosofia de vida para o Homem que esteja acima e além de

diferenças menos significativas de regiões, nações e raças.

(3) Como o objetivo original deste estudo foi a tarefa mais humilde de apontar a natureza

falaciosa de algumas das mais proeminentes interpretações ocidentais errôneas das

filosofias orientais de vida, será talvez permitido indicar uma destas interpretações -

radical em sua natureza, é verdade, mas que não deixa de ser típica do Ocidente.

"Na tradição oriental" - escreve W. C. Bell em sua obra If a Man Die [Se um Homem

Morrer] (Mrs. Anne Lee Laird, org. [Nova Iorque e Londres: Charles Scribner's Sons,

1939], págs. 96- 98) -, "a inata vontade- de- viver do homem como indivíduo viu-se, logo

no princípio de sua história, face a face com uma filosofia religiosa que se inclinava antes

a anulá-la que a dirigi-la e executá-la. A filosofia Vedanta achava que a Realidade final e

a forma mais elevada do Ser no Universo é o Brama [Brâmane], que se compreende

como um Ser impessoal e inativo do qual não se podem afirmar qualidades definidas, o

lado plácido cujo seio nenhuma tempestade jamais agita. Como a imutabilidade do Brama

[Brâmane] é o fato real e mais elevado do mundo, segue-se que todo ser ativo e pessoal é

um erro enorme, e que a salvação é o resgate na placidez eterna. "Devemos esforçar-nos

por liberar-nos de todo esforço". Segue-se, também, que a personalidade é uma forma

inferior de vida, e que a vontade- de- viver individual é uma doença. Devemos cortar os

laços que nos ligam à vida mediante uma renúncia ascética ao mundo, esvaziar a alma de

emoção e desejo, inibir a ação da vontade. Assim, a vida ativa e individual terminará. A

meta real é concebida de forma vária - o Nirvana tem significado graus diferentes de não-

ser para diferentes pessoas. Para Buda parece haver pouca dúvida de que ele significava

aniquilação". A chama que é soprada pelo vento", diz ele, "se apaga e não pode ser

reacendida". Para Outros, isto significou a anestesia permanente que esvazia a vida dos

Sonhos de dor e sofrimento; para outros, ainda, um céu de vida imortal. Mas esta última

opinião só é adotada mediante a contradição da filosofia que provocou a concepção, pois

o veredicto final da mais elevada sabedoria desta tradição é que a vida pessoal e ativa é a

vida no seu grau mais baixo, que a ambição de viver é uma ambição indigna. "Neste

sistema de pensamento ainda perdura, naturalmente, certa ambição. Interrompendo todo

pensar, sentir e querer alcançaremos o mais elevado estado de existência em união com

Buda; e esse estado mais elevado é o Ser, não o Fazer. A visão que sustêm o Oriente é a

visão de um estado de eterna inércia, abençoada parque livre de dor. A convicção

subjacente a essa visão é a de que a vida não vale a pena de viver. Portanto, o asceta

oriental pode falar da vida com desprezo e do Nirvana em termos de entusiasmo

religioso".

(4) "Característica impressionante do pensamento indiano é sua riqueza e variedade. Não

há praticamente nuança de especulação que ele não contenha". M. Hiriyanna, Outlines of

Indian Philosophy (Nova Iorque, 1932), pág. 16. Com autorização de The Macmillan Co.,

Publishers.

(5) Para maior exame da ética oriental de modo semelhante vide K. Saunders, The Ideals

of East and West (Cambridge, Inglaterra: University Press, 1934), e H. N. Spalding,

Civilization in East and West (Londres: Oxford University Press, 1939).

(6) Isto não eqüivale a negar que haja um "Oriente" como unidade. Certas condições

tendem a conferir à Índia, à China e ao Japão uma perspectiva similar, em comparação

com o Ocidente, decerto: a influência do Budismo, a enorme população, condições

sociais semelhantes, condições econômicas semelhantes e uma cultura em geral não-

mecânica.

(7) Albert Schweitzer, Indian Thought and his Development, tradução de Mrs. C. E. B.

Russeil (Londres: Hodder and Stoughton, 1936), p. 1.

(8) Vide, também, a descrição do Professor Chan neste livro, Capítulo III, e Fung Yu-lan,

A History of Chinese Philosophy, tradução inglesa de D. Bodde (Pequim: Henri Vetch,

1937), págs. 2-3.

(9) Vide Surendranath Dasgupta, A History til Indian Philosophy (Cambridge, Inglaterra:

University Press, Vol. I, 1922, Vol. II, 1932, Vol. III 1940). Pontos fundamentais de

acordo entre as sistemas indianos, exceto o Chàrvãka, são: a teoria do carma e do

renascimento, a doutrina do mukti ou emancipação, a doutrina da existência da Alma -

excetuado o Budismo -, uma atitude pessimista em face do mundo e uma fé otimista no

fim e certos princípios gerais de conduta ética, como o domínio das paixões, não- injúria,

etc. (Vide 1, págs. 71-77). Vide, também, S. Radhakrishnan, Indian Philosophy, 2 vols.

(Londres: George Allen & Unwin Ltd., Vol. 1, edição revista, 1929, Vol. II, edição

revista, 1931). Vide 1, 24-53.

(10) Introdução, por D. T. Suzuki, a Mahãyana Buddhim, de Beatrice Lane Suzuki

(Londres: Buddhist Lodge, 1938), págs. XV e segs. Vide, também, "Some Chinese

Fears", de Bingham Dai, in Asia and the Americas, XLIII, n.o 11, nov. 1943, pág. 617:

"Os chineses, de modo geral, são inapelavelmente mundanos e sentem por esta vida um

amor que suas condições materiais às vezes não justificam; mas não o ser tão

intensamente significaria deixar de ser chinês".

(11) Radhakrishnan, Indian Philosophy, 1, 27. Com autorização de The Macmillan Co.,

Publishers.

(12) The New Japanism and the Buddhist View on Nationality, tradução de Kiyoshi

Maekawa e Ejichi Kiyooka (Tóquio: Hokuseida Press, 1938), pág. 9.

(13) Ibid., pág. 10.

(14) Ibid., pág. 14.

(15) Ibid., págs. 14-16.

(16) Ibid., págs. 16-22. Há, também, a doutrina positiva e ativa do Amor que é

característica do budismo mahãyana, que é o tipo de Budismo aceito no Japão. Como diz

Schweitzer, o Japão, "com admirável perspicácia [sic], simplesmente reinterpretou o

Budismo em seu próprio sentido. (...) Assim, a afirmação japonesa do mundo e da vida

transforma o Budismo e o faz harmonizar-se com o seu próprio espírito". Op. cit., pág.

153.

(17) The Ideals of East and West (Cambridge, Inglaterra: University Press, 1934), pág.

88.

(18) Vide Junjirõ Takalcusu, Buddhism, the Fountain Head of Intellect (Tóquio:

International Buddhist Society, 1938), págs. 67-68.

(19) Em tal análise por países ou regiões do Oriente, talvez devamos mencionar, também,

as terras do Zoroastrianismo e do IsIã. Em contraste com várias das mais importantes

doutrinas orientais, nenhuma destas doutrinas é pessimista - mesmo inicialmente ou

negadora- do- mundo- e- da- vida. Ambas exigem uma vida ativa, o reconhecimento dos

valores humanos e mundanos e a imortalidade pessoal.

(20) Estes vários pontos de vista serão brevemente mostrados nas páginas a seguir, porém

para explicações mais completas vide os capítulos descritivos deste livro - os de números

II a VII.

(21) Além das fontes básicas, vide Dasgupta, A History of Indian Philosophy;

Radhakrishnan, Indian Philosophy e Eastern Religious andWestern Thought (Londres:

Oxford University Press, 1939); E. W. Hopkins, Ethics of Índia (New Haven: Vale

University Press, 1924); McKenzie, Hindu Ethics (Oxford University Press, 1922); S. K.

Maitra, Ethics of the Hindus (Calcutta University Press, 1925), e Albert Schweitzer,

Indian Thought and Its Development (tradução inglesa) (Nova Iorque: Henry Holt & Co.,

1936).

(22) Vide Sarvadarsanasangraha, traduzido por E. B. Cowell e A. E. Gough (Londres:

Kegan Paul 1904), págs. 2 a 11.

(23) Para ir às fontes vide The Sacred Books o! the Jains (Lucknow, Índia: Central Jaina

Pub. House, Vol. 1, Drauyasangraha, 1917, Vol. II, Tattuãrthãdhigama Sutra, 1920, Vol.

III, Panchãstikãyasãra, 1920). Para o estudo da ética jaina vide J. Jaini, Outlines of

Jainism (Cambridge, Inglaterra: University Press, 1916), e Senhora S. T. Stevenson, The

Heart of Jainism (Oxford University Press, 1915).

(24) Para estudos da ética budista vide Louis de La Vallé Poussin, La Morale Buddhique

(Paris: Nouvelle Librairie Nationale, 1927); S. Tachibana, The Ethics of Boddhism

(Oxford University Press, 1926); Senhora C. A. F. Rhys Davids, Buddhism: A Study of

Buddhist Norm (Londres: Williams and Norgate, 1912) ; A. B. Keith, Buddhist

Philosophy in India and Ceylon (Oxford: Clarendon Press, 1923); E. W. Hopkins, Ethics

of India; e J. B. Pratt, The Pilgrimage of Buddhism (Nova Iorque: Macmillan, 1928).

(25) Para o exame da ética chinesa vide Fung Yu-lan, A Comparative Study of Life

Ideals (Xangai: Commercial Press, 1924) ; F. Rawlinson, Chinese Ethical Ideals (Peiping,

College of Chinese Studies, 1934); e P. C. Hsu, Ethical Realism in Neo-Confucian

Thought (Peiping, 1933).

(26) Vide D. C. Holton, The National Faith of Japan (Londres: Kegan Paul, 1938);

Genchi Katõ, A Study of Shintô (Tóquio: Maruzen Co., 1935), especialmente capítulos

XV e XIV; W. C. Aston, Shinto (Londres: Longmans Green & Co., 1905), esp. Cap. XI;

K. Saunders, Ideais of East and West; e E. Kaibara, The Way of Contentment, tradução

de G. K. Hoshino (Londres: J. Murray, 1913).

(27) Esta lista abrange os títulos de capítulo de Inazo Nitobe, Bushidõ, the Soul of Japan.

20ª edição (Tóquio, Tukí Publishing Co., 1914).

(28) Vide M. A. Buch, Zoroastrian Ethics, publicado, com uma Introdução, por A. C.

Widgery, The College, Baroda (1919), "Gaekwad Studies in Religion an Philosophy", IV.

Vide, também, M. N. Dhalla, History of Zoroastrianism (Nova Iorque: Oxford University

Presa, 1938).

(29) P. D. Shastri, The Essentials of Eastern Philosophy (Nova Iorque, 1928),

Conferência I. Com permissão de The Macmillan Co., Publishers.

(30) Por exemplo, o sistema radical do Vedanta de Sankara como desenvolvimento dos

Upanixades, muito menos radicais. Da mesma forma, o Mahãyana, como está ligado ao

Hinayãna - de tal forma que até a Senhora Suzuki pode acolher a pergunta sobre se o

Mahãyana é budismo. Vide Prefácio a Mahãyana Buddhism, págs. X-XI.

(31) Cf. Platão, Teeteto, 155 D, e República, 475c; Aristóteles, Metafísica, 980a; R. B.

Perry, The Defense of Philosophy (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press,

1931), pág. 16: "o filósofo é impelido basicamente por uma curiosidade de natureza

singularmente obstinada e exagerada". Entretanto, Perry define assim a tarefa da

Filosofia: "descobrir a natureza do universo e aplicá-la ao significado da vida" (págs. 3-

4).

(32) Vide Shastri, Op. cit., págs. 12-14.

(33) Esta declaração e o objetivo do argumento não podem ser anulados pela observação

dupla de que [1] as religiões ocidentais são de interesse inteiramente "prático" e [2] de

que as filosofias orientais ou são religiosas de fato ou são os equivalentes orientais da

religião. Em muitos casos, os sistemas orientais são aceitos com convicção e vividos com

entusiasmo, mas as filosofias orientais não são religiosas no sentido corrente. Vide a

distinção feita pelo Professor Chan entre a Religião e a Filosofia no Oriente (Capítulo VII

deste livro), e notem-se, também, as diferenças entre a religião e a Filosofia no

Hinduísmo, no Budismo, no taoísmo e no Confucionismo, nos quais os dois

desenvolvimentos são bem distintos.

(34) Vide F. Thilly, History of Philosophy (Nova Iorque: Henry Holt & Co., 1914), pág.

3. "As doutrinas dos povos orientais (...) consistem, em conjunto, em doutrinas

mitológicas e éticas e não são sistemas consumados de pensamento".

(35) H. C. Warren, Buddhism in Transalpinos (Cambridge, Massachusetts: Harvard

University Press, 1896, 8ª impressão, 1922), pág. 368. Sobre outras Verdades Nobres

consulte págs. 370, 372 e 373.

(36) Majjhima, LXIII. Para um exame de atitude do Buda sobre esta questão veja-se J. B.

Pratt, The Pilgrimage of Buddhism, págs. 89-91; também págs. 71, 76, 82-84.

(*) Em francês, no original (N. do T.).

(37) O Jainismo, achando que o mundo - no qual a alma está em servidão com relação ao

corpo - está cheio de sofrimento, coloca como seu principal problema a libertação da

alma do corpo. Vide Panchâstikãyagãthâ, 28 e 172. O Chàrvãka também reconhece o

sofrimento do mundo. Aconselha, não a fuga, mas a busca de qualquer prazer alcançável

em tal mundo.

(38) Nyãya sútras, I, I, 2, com comentário. Sacred Books of the Hindus, VIII, tradução de

M. S. C. Vidyabhushana (Allahabad City: L. M. Basu, 1930).

(39) Como dizem os Professores S. C. Chatterjee e D. M. Datta, "O ponto de acordo mais

impressionante e fundamental [de todos os sistemas indianos] é que todos os sistemas

consideram a Filosofia uma necessidade prática e cultivam-na a fim de compreender

como se pode melhor levar a vida. O objetivo da sabedoria filosófica é, não apenas a

satisfação da curiosidade intelectual, mas principalmente uma vida esclarecida pela

prudência, pela previdência e pela introvisão". An Introduction to Indian Philosophy

(Calcutá: University of Calcutta Press, 1939), págs. 14-15.

(40) Sãnkhya Kãrikã, I - II; Sãnkhya Aphorisms, I, I. Introdução de Sankara Misra aos

Vaiseshika Sútras e ao sutra I, I, 4. Sacred Books of the Hindus, VI.

(41) Vedanta Sútras of Bãdarãyana, 1, 1, 1, com comentário. Sacred Books of the Hindus.

V. Vide, também, Vedanta Sutra, I, I, 4, com comentário por Sankara. The Sacred Books

of the East, XXXIV (Oxford: The Clarendon Press, 1897), pág. 25.

(42) Yoga Sútras, I, I e II, 15. Sacred Books of the Hindus, XXVIII.

(43) Mimãnsã Sútras, I, I, 1-2. Sacred Books of the Hindus, XXVIII.

(44) Vide Fung, A History of Chinese Philosophy, 1, 1-2; também Hu, The Development

of The Logical Method in Ancient China (todo o volume). Todas as citações adiante

feitas do Dr. Hu serão tiradas desse livro, a não ser que se indique outra fonte.

(45) Introdução, pág. 9.

(46) Vide The Works of Mencius, III, II, 9.

(47) Páginas 16-17.

(48) Hu, pág. 39. Vide toda a Parte II, onde há uma exposição da multiforme lógica

confuciana.

(49) Os Analectos, XI, II, também VII, 20 e VII, 24.

(50) Hsün Tzü, Capítulos VIII, XII e XVII.

(51) Páginas 26-27.

(52) Citado por Hu, pág. 27; vide também Os Analectos, XIII, 3.

(53) Página 39; grifo meu.

(54) Ibid., pág. 22.

(55) Págs. 4-5.

(56) Comparem-se interpretações de Chan Wing-tsit, neste livro, Cap. III, e Hu, págs. 14

e segs.

(57) Vide Tao-tê Ching, Caps. 1, XI, XII, XIX, XLVIII, LVII, LXXX.

(58) Vide capítulos como "A Excursão Feliz", "Fundamentos do Cultivo da Vida" e "O

Rei- Filósofo".

(59) A filosofia de Chuang-Tsé está aberta a diferentes interpretações: compare -se Chan

Wing-tsit, neste livro, Capítulo III, e Fung, Chuang Tzü, introdução, especialmente págs.

6 a 11.

(60) Estas observações são feitas com muita hesitação, pois a doutrina do yin yang no

primitivo pensamento chinês era provavelmente muito mais significativa - metafísica e

cientificamente - do que aqui se indica. Vide Fung, A History of Chinese Philosophy, 1,

Caps. III e VII, Sec. 7.

(61) Vide Hu, págs. 170-184.

(62) Han Fei Tzü, Livro 46, citado por Hu, págs. 183-184.

(63) Nas filosofias da Pérsia e da Arábia (basicamente o Zoroastrianismo e o Islamismo),

como nas da índia, da China e do Japão, há também um móbil "prático" predominante no

sentido de que a especulação puramente intelectual ou teórica está subordinada à Ética ou

a propicia. Por exemplo, o Avesta zoroastriano consta quase inteiramente de regras de

conduta. Assim também o Alcorão. Em todos os casos, quer seja nas formas originais

menos místicas e ascéticas dessas filosofias, quer em seus desenvolvimentos mais

místicos, a busca da salvação e fazer o bem são considerações básicas.

(64) Indian Philosophy, 1, 26-27. Com permissão de The Macmillan Co., Publishers.

(65) Isto se pode dizer principalmente dos sistemas indianos.

(66) É possível que O Livro das Mudanças e a doutrina de yin yang tenham sido esforços

desinteressados dos chineses dos primeiros tempos no sentido de compreenderem e

descreverem a realidade - embora tal afirmação seja extremamente duvidosa. Talvez,

também como aventa Radhakrishnan (Indian Philosophy, XX, 1, 22), o começo da

Filosofia indiana tenha sido precedido pela "segurança da vida, a riqueza de recursos

naturais, o libertar-se das preocupações, o desligamento dos cuidados da vida e a ausência

de um interesse prático tirânico", que "estimularam a vida mais elevada com o resultado

de que achamos desde o começo uma impaciência de espírito, um amor â sabedoria e

uma paixão pelas atividades mais saudáveis do espírito" (Vide, também, Ibid., I, 72 e 93-

94). Com permissão de The Macmillan Co., Publishers. Na China, entretanto, todas as

filosofias voltaram-se para canais práticos ou foram descartadas como insignificantes, e

na Índia prevaleceu praticamente o mesmo espírito. Mesmo no mais filosófico dos Vedas

(o Hino ao Deus Desconhecido, Rig Veda, 121) a busca visa ao conhecimento do Deus

"ao qual sacrificaremos". Ademais, o "fim dos Upanixades" é descrito pelo próprio

Radhakrishnan como "não tanto alcançar a verdade filosófica, porém trazer a paz e a

liberdade ao aflito espírito humano" (I, 138). Quanto aos Seis Sistemas, "Todos os

sistemas têm como ideal um equilíbrio mental completo e liberdade das discórdias e

incertezas, amarguras e sofrimentos da vida" (I, 126). Com permissão de The Macmillan

Co., Publishers.

(67) Basicamente, grande parte da Filosofia indiana e do Budismo se atém à

transcendência das distinções morais, embora, como repetidamente se mostrou, todas

essas filosofias reconheçam a importância da moral no aqui- e- agora. A moral não é

considerada um fim em si mesma, e sim apenas um meio de se chegar à salvação

definitiva; uma vez alcançada essa meta - ou perfeição -, moral não é mais necessária.

(Vide Radhakrishnan, Ibid., II, 625 e segs., e 633-634.) Ademais, as mesmas filosofias

efetivamente reconhecem o conhecimento como o caminho definitivo para a salvação - o

que, efetivamente, pode ser uma atitude mais filosófica do que o reconhecimento da ação

como o método básico -, mas "conhecimento" ou sabedoria (jñãna) para o oriental é um

processo complicado que inclui a disciplina mental e física e a vida moral, assim como o

conhecimento teórico.

(68) Bagavadguitá (Chicago: Open Court Publishing Co., 1925), pág. 6.

(69) Edward L. Schaub, "Indian Philosophy in its Divergence from the Spirit of the

Contemporary West", The Open Court (Chicago: Open Court Publishing Co., outubro de

1930), Parte II, pág. 592.

(70) The Essentiais of' Eastern Philosophy, págs. 7-8.

(71) Cap. VIII.

(72) Muitas destas atitudes estão também presentes no Jainismo, que não tem Absoluto

ou "continuum não diferenciado".

(73) Por exemplo, vide: (1) a defesa da renúncia feita por Shastri, Op. cit., págs. 17-18; e

(2) a defesa da atitude de transcender as distinções mundanas, tais como as da moral:

Shastri, págs. 7-8; Radhakrishnan, Indian Philosophy, II, 621, 633-634; e Chatterjee e

Datta, Introduction to Indian Philosophy, págs. 25-26.

(74) Vide W. C. Bell, 1f a Man Die, citado acima, pág. 273, nota 3; também Albert

Schweitzer, Indian Thought and its Development (tradução inglesa), págs. 7, 111, 179 e

54 e seguintes. Para uma resposta detalhada a esta acusação, vide S. Radhakrishnan,

Eastern Religions and Western Thought, págs. 64 e segs.

(75) Vide, abaixo, notas 80, 82 e 83; também a seção sobre o "Negativismo", parágrafo

(c).

(76) Vide Chuang Tzü, Cap. II; Tao-tê Ching, LXXVII e LXXXI.

(77) Vide The Doctrine of' the Mean, Cap. IV, e Fung, A Comparative Study of Life

Ideals, págs. 176 e segs.; The Works of Mencius, I, I, 7, e Analectos, VIII, 9.

(78) Indian Philosophy, II, 463. Com permissão de The Macmillan Co., Publishers.

(79) Vide Radhakrishnan, Ibid., II, Cap. VIII, Sec. XL.

(80) No Vedanta, vide Vedãnta Sütra, 1, 1, 1, com comentários de Rãmãnuja, The Sacred

Books of the East (Oxford: The Clarendon Press, 1904), XLVIII, págs., 38-47. No

Budismo, vide Lankãvatãra Sütra, Cap. VI.

(81) Vide, abaixo, notas 82 e 83.

(82) Majjhima, II; Diema, III.

(83) Vide, por exemplo, Radhakrishnan, Indian Philosophy, II, págs. 615-616, um exame

deste problema em Sankara, o mais radical de todos os monistas e transcendentalistas

orientais. Comparem-se os vedanta sútras de Bãdarãyana, III, 435-43, Sacred Books of

the Hindus, V, onde se diz que o devoto integral é considerado superior a tal atividade.

(84) Vide os níveis de conhecimento, Livros V-VI; também níveis da moral, o do Rei-

Filósofo (o único verdadeiramente moral porque só ele conhece o Bem) e o das pessoas

em geral. Comparem-se, também, os tipos diferentes de vida sugeridos no Fédon e na

República.

(85) Cf. Livro VI sobre a Sabedoria Prática e o Livro X sobre a vida "mais elevada"

("mais elevada do que a mera natureza humana") da contemplação. Se o oriental é

incapaz de explicar completamente a relação entre estas duas, também o é Aristóteles. "A

relação entre ela [a vida mais elevada] e a inferior é deixada de forma algo obscura". J. S.

Smith, Introdução à Edição Everyman (Nova Iorque: E. P. Dutton & Co., 1911), pág.

xxiii. Vide, também, em Radhakrishnan, Indian Philosophy, II, pág. 625, semelhanças

entre as atitudes aristotélica e indiana.

(86) Esta é, talvez, a caracterização mais discutível (e objetável para o oriental) aplicada

geralmente às filosofias de vida orientais. Entre as melhores respostas encontram-se:

Radhakrishnan, Indian Philosophy e Eastern Religion and Western Thought; M.

Hiriyanna, Outlines of Indian Philosophy; S. C. Chatterjee e D. M. Datta, Introduction to

Indian Philosophy; Canis, The Gospel of Buddha (Chicago: Open Court Publishing Co.,

1921), introdução e apêndice, e The Canon of Reason and Virtue (Chicago: Open Court

Publishing Co., 1913), introdução e comentários; S. Yamakami, Schools of Buddhist

Thought (Calcutá: University of Calcuta, 1912); Fung, A Comparative Study of' Live

Ideais; J. B. Pratt, The Pilgrimage of Buddhism; e F. Rawlinson, Chinese Ethical Ideais.

(87) Schweitzer descreve as filosofias competitivas como "afirmação de mundo e vida" e

"negação de mundo e vida". Op. cit., págs. 1 a 10.

(88) A maioria das concepções indianas derivam de uma atitude de pessimismo inicial, o

sentimento de insatisfação com o mundo, e portanto buscam a fuga. Por exemplo, vide S.

Dasgupta, A History of Indian Philosophy, 1, 74 a 76: "(...) se pudéssemos desfazer-nos

de todas as emoções, idéias ou desejos que nos conduzem à ação, acharíamos dentro de

nós o eu sem ação que não sofre nem goza, não trabalha nem passa pelo renascimento.

Quando os indianos preocupados com a infindável agitação e tumulto dos eventos

mundiais, procuravam e acreditavam que em alguma parte uma meta pacífica podia ser

encontrada, em geral acertavam no eu do Homem. A crença de que a alma, em algum

estágio, podia ser compreendida como permanentemente despojada de todas as ações,

sentimentos ou idéias, conduziu logicamente à conclusão de que a ligação da alma com

estes elementos mundanos era estranha, artificial ou até ilusória. Em sua verdadeira

natureza, a alma não é tocada pelas impurezas da nossa vida comum, e é através da

ignorância e da paixão, como é herdada do ciclo do carma do tempo sem princípio, que a

ligamos com elas (...)".

Embora a crença de que o mundo está cheio de sofrimento não tenha sido acentuada de

forma igualmente proeminente em todos os sistemas, pode-se, não obstante, considerá-la

como partilhada por todos eles (...). Todas as nossas experiências são essencialmente

dolorosas e fundamentalmente geradoras de sofrimento. O sofrimento é a verdade final

deste processo do mundo. (...) Através da mais alta elevação moral um homem pode

alcançar a calma em face das experiências do mundo e afastar-se, em corpo, espírito e

fala de todas as preocupações mundanas. (...) Nunca houve a mais leve tendência a fugir

às obrigações desta vida, porém a elevar-se acima delas mediante um comportamento

correto e conhecimento correto. Somente quando um homem se eleva ao mais elevado

pináculo da glória moral está ele apto a esperar a realização do seu eu em comparação

com o que todas as coisas mundanas ou mesmo as alegrias do Céu, não só se encolheriam

em sua insignificância, mas surgiriam com o seu verdadeiro caráter doloroso e repulsivo".

(89) Vide a análise do Professor Northrop dos princípios metafísicos básicos dos grandes

sistemas orientais, Cap. VIII.

(90) Vide em Fung, Chuang Tzü, Introdução, um exame da semelhança de Spinoza e

Chuang-Tsé a este respeito.

(9l) Chatterjee e Datta, Op. cit., pág. 142.

(92) Como vimos, o apego é um dos vícios principais do Budismo, e é rejeitado

completamente no voto quíntuplo do Jainismo, ao passo que o desprendimento é o ponto

essencial de todo o Bagavadguitá. A carmaioga também está implícita em todos os

sistemas hindus

(89) Vide a análise do Professor Northrop dos princípios metafísicos básicos dos grandes

sistemas orientais, Cap. VIII.

(90) Vide em Fung, Chuang Tzü, Introdução, um exame da semelhança de Spinoza e

Chuang-Tsé a este respeito.

(9l) Chatterjee e Datta, Op. cit., pág. 142.

(92) Como vimos, o apego é um dos vícios principais do Budismo, e é rejeitado

completamente no voto quíntuplo do Jainismo, ao passo que o desprendimento é o ponto

essencial de todo o Bagavadguitá. A carmaioga também está implícita em todos os

sistemas hindus ortodoxos. (Vide Radhakrishnan, Indian Philosophy, I, págs., 215 e segs.;

II, págs. 163, 222-223, 309, 619, 625, 631-633, 629, 704). O Buda e Sankara, ativos mas

desligados depois que atingiram a sabedoria, eram incorporações vivas da carmaioga.

Para um retrato da Índia moderna vide R. Tagore, Sãdhãna, The Realization of Life

(Nova Iorque: The Macmillan Co., 1914), especialmente Cap. VI.

(93) Mesmo o Confucionismo tem os germes desta atitude nas doutrinas da "atividade

pela atividade" e da "união da tranqüilidade com a atividade" (Cf. Fung, A Comparative

Study of Life Ideais, págs. 176 e segs. e 221-222).

(94) Sermão de Benares (Mahãvagga), 1, 6, secs. 10 a 47 e Buddhacaritakãvya Sutra,

1217-1279).

(95) Dinkard, Livro VI, x, 11-12: XII, 56; Menuk-i Khrat, 47. (Citado por M. A. Buch,

Zoroastrian Ethics.)

(96) Tao-tê Ching, LXXVI, 4; ou, como diria Chuang-Tsé:

"Ela [a árvore] é inútil e para nada serve. Por isso é que alcançou idade tão avançada".

(Chuang Tzü, Cap. IV). O negativismo ainda mais radical do exemplo mais famoso de

Chuang-Tsé e da sua filosofia em geral leva-nos a acompanhar Lao-Tsé neste exame.

(97) Lao Tzü, Op. cit., V, 3.

(98) Ibid., XLVI, 3.

(99) Ibid., XLIV, 3.

(100) Vide, também, Ibid., XLIV, 3; XXIX, 3; XXXII, 3; XIX, 4.

(101) Os Analectos, XI, 14.

(102) Ibid., VII, 36.

(103) Ibid., VI, 27.

(104)The Doctrine of the Mean [A Doutrina do Meio]: XIII, 3; XII; XXV. Vide, também,

Tai Tung-yüan: "Quando um homem não desenvolve ao máximo suas aptidões, isto se

deve a dois males, a saber, o egoísmo e a ilusão".

(105) Mencius, Livro VII, II, 35.

(106) Ibid., V, II, 4.

(107) Ibid., II, I, 2.

(108) Ibid., IV, I, ii.

(109) Hsün Tzu,Cap. XIX.

(110) Li Chi, Livro XX sec. 4 e Livro VII, Sec. I, Caps. 10 e 19, citado por Fung, A

Comparative Study of Life Ideais, págs. 167-168.

(111) The Works of Wang-ming, Livro 1.

(112) Vide Fung, Op. cit., págs. 179 e segs.

(113) A China, especialmente a China confuciana, realmente jamais poderia ir além desta

síntese - de atividade e passividade -em qualquer direção. Apesar de considerações e

complicações que se notarão mais adiante, ela nunca poderia alcançar a ênfase

exageradamente explícita no que é simplesmente positivo e ativo. Quer dizer, a China

deve sempre ter presente o dualismo básico de yang e yin, nenhum dos quais pode ser

explícita ou implicitamente ignorado. É quase inevitável um meio-termo ou uma

harmonia entre estas duas forças e atitudes essenciais.

(114) Fung, Op. cit., pág. 221.

(115) Aristóteles sempre reclama intensa atividade e "trabalho", nunca "repouso" ou

"mera vida" para o "flautista, estatuário ou artesão de qualquer espécie", ou aquela pessoa

superior, se é que há alguma, que pode levar a vida da contemplação que consiste em

incessante atividade intelectual. "O trabalho de um harpista é tocar harpa e de um bom

harpista, tocá-la bem. (...) De fato, todas as coisas são bem terminadas no tocante às

virtudes que lhes pertencem peculiarmente: se tudo é assim, então o Bem do Homem vem

a ser 'uma obra da alma no tocante à sua Excelência', ou, se a Excelência admite

gradação, no tocante à melhor e mais perfeita Excelência". Ética a Nicômaco, 1087b-

1098a (Edição Everyman). Vide, também, 1177b- 1178a. Platão, naturalmente, tem

concepção semelhante. Vide República, 352-354. Recorde-se, igualmente, a recusa de

Sócrates em aceitar a "mera vida", na Apologia e em Cristão.

(116) Isto não deve ser interpretado no sentido de que os filósofos chineses como Lao-

Tsé e Confúcio advogavam a moral moderada ou de que se opuseram à perfeição moral.

Ao contrário, ambos exigiam a perfeição moral - embora em sentidos diferentes do termo.

(117) É possível que este relato sobrestime a importância da moderação de atividade e a

busca de contentamento como partes da filosofia total de vida da China. O

Confucionismo, que é certamente o fator predominante - embora não o único - na

filosofia sintética da China, reconhecidamente acentua métodos mais positivos de vida e

metas mais positivas de conduta humana. Daqui a pouco voltaremos a este último ponto.

(118) Os estóicos e Epicuro, e até Sócrates em Górgias, são exemplos.

(119) Apesar da tendência fatalista do taoísmo e do Confucionismo e da aparência de

determinismo implícitas nas doutrinas indiana e budista do carma, todo sistema oriental

modifica esta teoria reclamando esforço moral pessoal e responsabilidade pessoal.

(120) Pode ser "não- progressista", mas essa crítica depende, pelo menos em parte, de

uma definição de progresso que é uma petição de princípio.

(121) Vide, em Górgias de Platão, um debate penetrante sobre esta questão - no qual

Sócrates defende a filosofia da satisfação.

(122) Vide interessante descrição - não- técnica - em Lin Yutang, My Country and My

People (1935) [Minha Terra e Meu Povo] e The Importance of Living (1937) [A

Importância de Viver]. Nova Iorque: The John Day Co. Vide, também, Bingham Dai,

"Some Chinese Fears", em Asia and the Americas, XLIII, no. II, nov. 1943, pág. 619:

"Se nos detivermos para refletir sobre os fatos da história cultural chinesa (...) não

poderemos deixar de observar uma nota de não- agressividade ou não- afirmação que

perpassa por todos eles. Nem podemos deixar de perguntar-nos se por baixo não há um

caráter chinês ou uma estrutura de personalidade chinesa básicos que sejam

essencialmente não- combativos, que não se caracterizem por nenhum grande impulso no

sentido da perfeição, do domínio absoluto ou do sucesso não disputado, mas por uma

sensibilidade altamente desenvolvida aos sentimentos humanos e uma grande

preocupação pelas relações pessoais".

(*) O Grande Aprendizado (N. do T.).

(123) Exame comparado mais extenso deste problema da condição do indivíduo se

encontrará em E. R. Hughes (org.), The Individual in East and West (Oxford, 1937).

(124) Vide capítulos descritivos anteriores e esboços sumários dos sistemas neste

capítulo.

(125) Edward L. Schaub, "A Filosofia Indiana em Sua Divergência do Espírito do

Ocidente", The Open Court (Chicago: Open Court Publishing Co., 1930), Seção II, pág.

598.

(126) A resposta a esta pergunta sobre a condição final do indivíduo depende, decerto, de

considerações metafísicas; assim, a tendência oriental não pode ser condenada a não ser

com base em prova metafísica em contrário.

(127) "O Tao produz uma coisa: o I a mantém". Tao-tê Ching, Cap. LI. "As pernas no

pato são curtas, mas, se tentarmos alongá-las, o pato sentirá dor. As pernas da garça são

compridas, mas se tentarmos cortar-lhes uma parte, a garça sentirá dor. Não devemos

amputar o que é por natureza longo, nem alongar o que é curto por natureza". Chuang

Tzü, Cap. VIII. "Agi de acordo com a vossa vontade, dentro dos limites da vossa

natureza, mas procurai não ter nada que ver com o que está além dela". Kuo Hsiang,

Comentários ao Cap. IV. (Traduções de Fung, in Chuang Tzü, Introdução.)

(128) "Todas as coisas vivem juntas sem ferir-se umas às outras. Todos os caminhos são

transitados sem colisão". The Doctrine of the Mean [A Doutrina do Meio], Cap. XXX.

(Tradução de Fung in A Comparative Study of Life Ideals, pág. 183.)

(129) Vide um exame da questão da imortalidade no Confucionismo em F. Rawlinson,

Chinese Ethical Ideals (Peiping: California College in China, 1934), págs. 104 e segs.

(130) Esta atitude geral tem diferentes significados no Oriente. Na Índia se refere ao

interesse predominante na condição final do Homem contrastada com o seu bem-estar

terreno, e também à predominância da doutrina da "tendência da alma". Na China se

refere, em grande parte, ao interesse pela cultura e pela beleza, e não ao bem-estar físico e

à eficiência.

(131) Por exemplo, a obra de Gandhi e a de Tagore. A reação moderna aparentemente

não foi tão forte na China nem, principalmente, no Japão.

(132) Vide referências anteriores, neste artigo, a afirmações que se inclinam a justificar

esta interpretação.

(133) Vide págs. 284 e 293 deste capítulo.

(134) Vide em Pratt, The Pilgrimage of Buddhism, pág. 20, uma interpretação do

Budismo como "hedonismo altruístico". O Bispo Copleston, em seu livro Buddhism,

acusa o Budismo de ser completamente egoísta. Vide a réplica budista em S. Yamakami,

Systems of Buddhist Thought, págs. 55 e segs.

(135) Os Analectos, VII, 26, XVI, 5; Li Chi, Livro VII, Sec. 1, Cap. 19.

(136) A Comparative Study of Life Ideals, págs. 183-184.

(137) Se estas doutrinas podem ser chamadas hedonísticas, também o podem as vidas dos

cristãos e dos mártires (cristãos ou outros); é óbvio que tal interpretação é uma

supersimplificação, para dizer o menos.

(138) The Works of Mencius, VI, 1, 10; Os Analectos, XV, 8.

(139) Livro III, II, 9.

(140) Pode-se argumentar que há implicações do naturalismo - pelo menos até certo

ponto - em vários aspectos da filosofia, da literatura e do modo de vida indianos: [1] o

Arthasãstra de Kautilya, um tratado sobre a política realista (apr. 300 a.C.), [2] o

Bagavadguitá, com sua aparente aprovação da guerra e do dever do guerreiro, e [3] o

Mahãbhãrata ou Grande Epopéia em conjunto, bem como o Código de Manu, que

reconhecem, ambos, a classe guerreira e exigem o cumprimento do seu dever. Em

resposta, basta-nos dizer que a moral hindu ortodoxa, com sua ênfase na realização da

função social de uma pessoa, mas também com o seu ideal fundamental de não fazer mal

(exatamente o oposto do naturalismo) e sua meta final do Moksha, se mantém em todas

as fontes mencionadas. É o que ocorre mesmo no caso de Kautilya, embora sua ênfase

esteja indiscutivelmente, no prático e no "aqui- e- agora". (Vide a tradução inglesa de R.

Shamasastry, Mysore, Índia, 1923.)

(141) Vide Hu, The Development of the Logical Method in Ancient China, Parte IV.

(142) Outra consideração importante que caberia fazer aqui é de que para o oriental a

"Natureza" raramente significou Natureza no sentido ocidental mais estreito, de modo

que "seguir a Natureza" não foi interpretado no sentido do "naturalismo" ocidental.

(143) Vide J. Takakusu, The New Japanism, onde se mostra que os princípios básicos do

Xintó, do Budismo e do Confucionismo ainda são supremos. Vide, também, Things

Japanese, de B. H. Chamberlain, 5 ª edição revista (Londres: John Murray, 1905); págs.

7-8: "(...) da mesma forma é perfeitamente claro, para aqueles que mergulharam sob a

superfície da moderna sublevação japonesa, que se conservou mais do que se abandonou

do passado. (....) O caráter nacional persiste intacto, sem manifestar qualquer mudança no

fundamental. As circunstâncias o desviaram para outros canais, nada mais".

(144) Vide The Invention of a New Religion, de B. H. Chamberlain (Londres, 1912).

Esse artigo aparece em Things Japanese, 5 a. edição, reimpressa com dois apêndices.

(Londres: Kegan Paul, 1927). A ressurreição do Xintó puro nos fins do século XVIII e no

princípio do XIX por Matoöri, Babuchi e Hirata é prova clara de que os japoneses tinham

perfeita consciência desse nacionalismo e deste racismo muito antes da Restauração de

1868.

(145) O Ocidente teve grande influência sobre o Japão, do todo de excepcional

capacidade de imitação e adaptação de idéias estranhas. As filosofias de Spencer e Mill, a

atitude geral da civilização norte-americana (por intermédio das obras muito influentes de

Yukichi Fukuzawa) e os métodos industriais do Ocidente desempenharam todos papéis

significativos no redirecionamento do moderno espírito japonês.

(146) Os Analectos, XVI, 2. Vide também, Kamazo Mizoguchi, "Orientation in the Study

of Shintoism", in A Cuide to Japanese, Studies (Tóquio: Kokusai Bunka Shinkokai,

1937), pág. 148: "(...) seja o Xintoísmo uma religião ou um código ético, deve promover

a paz mundial, pois os japoneses não são um povo belicoso, como algumas pessoas de

fora poderiam desconfiar (...) a Deusa [Amaterasu Omikami] (...) não gostava de guerra.

Mais longe ainda no passado, os Nihonshoki e Kojiki descrevem o ódio que os deuses

tinham à guerra. (...) Mas mesmo os que odiavam a guerra se levantavam quando a paz e

a cultura nacionais estavam em jogo. Nesta atitude se vê algo do espírito japonês. Nossa

história prova que nunca declaramos guerra a países estrangeiros: lutamos apenas para

proteger nossa paz e segurança contra a violência de forças estrangeiras".

(147) Poucos orientais, mas muitos ocidentais, diriam, com o Dr. H. M. Kallen: "Onde

quer que a salvação seja procurada principalmente por meio da Ciência e pelas

tecnologias baseadas na Ciência, os homens são mais livres, mais sadios, melhor

alimentados, mais felizes, mais pacíficos e vivem mais". The Bertrand Russell Case,

organizado por John Dewey e Horace M. Kallen (Nova Iorque: The Víking Presi, 1941),

pági. 35-36.

(148) Vide S. Radhakrishnan, organizador, contém porary Indian Philosophy (Londres:

Allen and Unwin, 1936). Vide, também, A. K. Coomaraswamy, "Eastern Wisdom and

Western Knowledge", Isis, XXXIV, 1943, pág. 360: "(...) como diz Guénon, 'o que os

ocidentais chamam 'levantar-se' seria chamado por alguns 'afundar-se'; é o que pensam

todos os verdadeiros orientais".

(149) Vide, por exemplo, John Burnet, Greek Philosophy, Parte 1, Tales a Platão

(Londres: Macmillan and Co., 1920). Vide Introdução.

(150) A Idade Média é uma exceção, é claro, e da mesma forma o elemento ou parcela do

pensamento e da civilização ocidentais que deriva do Cristianismo e de outras religiões.

(151) Vide, em W. M. Urban, FundamentaIs of Ethics (Nova Iorque: Henry Holt & Co.),

Caps. VI-VII, uma declaração sobre os fundamentos desta teoria.

(152) Esta declaração está baseada, em geral, na predominância alguma doutrina de

"tendência da alma" em todas as principais filosofias indianas e na preocupação

fundamental da China confuciana com a retidão moral como valor supremo - mesmo

acima da própria vida. Mesmo os japoneses, como recentemente escreveu o Professor

Karl Löwith na Fortune Magazine (dezembro de 1943), "desprezam a nossa civilização

pelo seu materialismo, o cuidado com a vida e o conforto, a felicidade individual, a saúde

e a riqueza".

(153) Muitas outras idéias e práticas da ética oriental - tais como a ahimsã, o carma, a

ioga, etc. - são também dignas de exame extenso como sugestões estimulantes para o

Ocidente. Foram brevemente explicadas em outros capítulos descritivos ou aqui, mas

nenhum estudo apropriado de tais idéias poderia ser tentado. Chama-se a atenção, em

especial para as doutrinas da ahimsâ e do carma porque foram consideradas as idéias

mais importantes da Filosofia indiana por competentes autoridades.

(154) O texto e o índice remissivo de quase todas as obras recentes sobre Filosofia

oriental ou comparada escritas por um oriental oferecem ampla prova da precisão desta

afirmação. Contraponham-se as histórias da Filosofia escritas por ocidentais.

(155) Vide seu ensaio "Our Attitude Towards Modem Western Civilization"

(originalmente publicado em chinês em 1926), em seu livro Hu Shih Wents'un (Collected

Essays) (Xangai: Commercial Press), Third Series, Vol. 1, 1930, especialmente pág. 8.

(156) Outra sugestão específica - relacionada com a Índia e o Ocidente - vem de Kenneth

Saunders (The Ideais of East and West, pág. 25): "A aceitação indiana da lei fundamental

do carma tem sua fraqueza: a personalidade é fundida na massa e seu nervo é com

freqüência cortado - sendo muito comum uma atitude fatalista. E o solo panteísta da Índia

não é bom para as virtudes mais valorizadas no Ocidente mais individualista - energia,

iniciativa e disposição de utilizar a natureza a serviço do homem". Por outro lado, "todo

hindu francamente confessa que no serviço social o Ocidente lançou um padrão novo e

criativo; e muitos admitem que até a ahimsã e o desprendimento necessita do controle da

lógica e de uma escala sensata de valores. Pode a Índia conservar sua mansidão e

acrescentar energia, conservar sua devoção a Deus no serviço dos homens, praticar o

desprendimento enquanto adquire entusiasmo? Nesse caso, poderá ajudar a curar-nos do

culto da máquina e criar, junto conosco, uma ordem mais humana na sociedade".

METAFÍSICA ORIENTAL E METAFÍSICA OCIDENTAL

George P. Conger

Se há necessidade de alguma justificação para a Metafísica, digamos que o termo aqui

designa o estudo das principais características gerais do universo. A despeito de muitas

tradições, o que é metafísico não deve e não necessita ser meramente o metempírico;

qualquer metafísica deve incluir os dados empíricos, ainda que não tente levar mais longe

suas explorações. Pensando bem, podemos comparar a Metafísica com a gravidade: de

certo modo estamos inextricavelmente envolvidos por ela, e qualquer contravenção

alegada ou tentada de sua lei só serve para mostrar-lhe a força em nova manifestação. O

perigo, principalmente para alguns ramos do pensamento contemporâneo, não é tanto o

de que não haverá Metafísica quanto o de um ou de outro método de obter conhecimento,

sobre o qual ainda serão feitas muitas perguntas meramente metodológicas, ser

indevidamente transformado em uma Metafísica e considerado resposta ao problema do

universo e da posição do Homem nele.

Um estudo das metafísicas oriental e ocidental não é nada desprezível: deve servir para

mostrar se ainda se pode dispor de uma estrutura para uma Filosofia de âmbito mundial.

É um tipo de estudo em que se poderia passar a vida sobre um prefácio, mas passemos

logo aos fundamentos.

Os termos "oriental" e "ocidental" devem ser entendidos em sua habitual flexibilidade. O

primeiro significa a Índia, a China e o Japão, e no segundo, por motivos especiais, se

incluem o mundo árabe e o palestino, bem como a Europa e as Américas. A linha ou

região fronteiriça parece estar nas vizinhanças do Golfo Pérsico, mas contribuições

autóctones da Austrália e da África (exceto a de Ikhnaton) (1) podem ser excluídas por

serem primitivas.

É de notar, desde logo, que o Oriente e o Ocidente, no sentido em que são tomados aqui,

sob vários aspectos não estão bem equilibrados. As culturas orientais são as mais antigas

e provêm de territórios mais densamente povoados. No Ocidente, a história conhecida da

Filosofia está muito mais intimamente ligada ao pioneirismo econômico, à organização

política e ao progresso científico. São diferenças que tiveram seu efeito sobre as

respectivas metafísicas; para atravessar todo o território abrangido, uma generalização

metafísica, como uma rota de avião, deve ser elevada, deve ter uma visão ampla.

De todas as generalizações, a proporcionada pelas abstrações do número é a que melhor

nos serve aqui. Os sistemas metafísicos diferem de acordo com o número de

características ou entidades gerais, que são vistas como essenciais para o mundo. Nos

sistemas monísticos se considera que tudo é essencialmente uma espécie de coisa; nos

sistemas dualistas, duas espécies, e nos pluralistas, muitas espécies. Devemos dizer, de

saída, que não há distinção absolutamente precisa entre tais sistemas, e que na maioria

dos casos cada um, mais cedo ou mais tarde, contém algo dos outros. Não obstante,

quando os sistemas metafísicos orientais e ocidentais são classificados desta maneira,

seus traços mais significativos começam a aparecer; e outras generalizações em termos de

substância, causalidade, etc., podem ser adaptadas à classificação.

Passamos a uma análise dos sistemas monísticos, com uma série de classificações

cruzadas mostradas no quadro.

Na primeira coluna do quadro, os monismos estão agrupados de acordo com as suas

descrições da Realidade Una em termos mais ou menos concretos, e similarmente mais

ou menos abstratos. Tentativas de definir "concreto" e "abstrato" são como tentativas de

definir "norte" e "sul": dependem do ponto de vista que se pressuponha. Quando damos

por estabelecida alguma situação real, qualquer coisa que se considera concreta é

relativamente mais carregada de conteúdo. É menos analítica e menos remota e leva em

conta, ou inclui, mais qualidades realmente encontradas na situação dada como um todo.

"Concreto" descreve a maneira como na realidade vivemos, aqui e agora; "abstrato"

descreve a maneira como pensamos e teorizamos. Nos sentidos em que os termos são

usados aqui, "concreto" se refere mais ou menos completamente à série de qualidades ou

processos pessoais, tais como volição, intencionalidade, inteligência, sentimentos,

emoções, consciência. Qualquer coisa abstrata tem menos qualidades desse tipo, ou as

tem em menor grau.

Quando suas descrições de uma Realidade Una são, assim, consideradas como

relativamente mais ou menos concretas, os monismos podem ser ordenados, como na

primeira coluna, em uma espécie de espectro, começando com descrições totalmente

abrangentes quanto às qualidades e propriedades e estendendo-se, em gradações mais ou

menos definidas, por uma longa série, até chegarem a meras referências que tendem a

conservar as qualidades descritivas ou atribuídas em proporção mínima. A palavra

"espiritualista" se usa antes no seu sentido filosófico do que no popular: não deve ser

confundida com "espírita". Deve-se frisar que em toda a série é difícil fixar quaisquer

linhas claras de demarcação: os termos são usados por vários autores com diferentes

nuanças de significado, e mesmo quando um significado está bem determinado, tende a

transformar-se gradativamente em alguns dos demais.

Na segunda coluna, as palavras "conhecido, realizado ou alcançado" se referem a

procedimentos relacionados na terceira coluna, e os monismos são classificados como

reais, imediatos, finais ou alguma combinação destes. Se um monismo é efetivamente

conhecido, realizado ou alcançado, nenhum outro procedimento se faz necessário para

defini-lo à pessoa que o experimenta. Se é conhecido como imediato, procedimentos de

raciocínio, treinamento ou disciplina podem ser necessários antes de a pessoa chegar à

realização final. Pode-se dizer que os monismos finais, como veremos, incluem alguns, se

não todos os chamados dualismos.

Na terceira coluna, a classificação destaca vários procedimentos e métodos usados em

tentativas de conhecer ou realizar que a Realidade é Una. Primeiro relacionamos a

percepção, embora poucos defendessem a opinião de que qualquer monismo final é

apreendido por mera percepção, ou que somente ela é importante. A palavra "intuição" às

vezes é usada como percepção imediata, porém sugere tantos componentes,

especialmente emocionais, que é melhor reservar o termo para uma experiência mais

intimamente integral, como abaixo. Muito freqüente na literatura do monismo está o

apelo ao debate, à razão. Isto tem por vezes resultado em muita ingenuidade, mas

freqüentemente, por outro lado, tem havido critica severa e apurada, com afirmações

ponderosas e sutil dialética. De acordo com muitos escritores e escolas, a unidade final do

mundo deve ser apreendida pelo exercício da vontade, ou por respostas exaltadas e mais

ou menos imoderadas, ou pelas disciplinas da meditação, ou por intuição direta e

imediata que integra e funde todos os recursos do organismo e da personalidade humana.

SISTEMAS MONÍSTICOS

1. A Realidade Una descrita com vários graus de concretitude (e graus correspondentes

de abstração) em termos

. panteísticos

. personalísticos

. espiritualísticos

. idealísticos

. pan - psiquísticos

. naturalistas

. materialistas

. mecanicistas

. matemáticos

. neutros

ou

. referida simplesmente como um também não descrita

ou

. tida como inefável.

2. A Realidade Una descrita como conhecida, realizada ou alcançada

. de forma real

. de forma imediata

. de forma final

. ou em alguma combinação destas formas

3. A Realidade Una descrita como procurada pela

. percepção (às vezes chamada "intuição", mas vide abaixo)

. razão, mais ou menos critica ou dialética

. vontade, com disciplina mais ou menos voluntária

. emoção

. meditação

. intuição (no sentido mais comum deste termo)

. ou por alguma combinação destes procedimentos

Os monismos assim analisados podem ser reagrupados em grande número de

permutações e combinações. Alguns deles talvez não tenham sido provados, mesmo na

longa história da Filosofia, mas muitos outros são prontamente reconhecíveis,

principalmente quando se não se levarem em conta algumas limitações de menor

importância.

Voltando aos grandes sistemas orientais, vemos que a filosofia central dos Upanixades e

do Vedanta, muitas vezes considerada panteísta, seria descrita com mais precisão como

um monismo espiritualista. Exemplo melhor de panteísmo é apresentado pelo Deus de

Spinoza com um número infinito de atributos. No Advaita Vedanta o Brâmane é

caracterizado por sat (ser), cit (inteligência) e ãnanda (bem-aventurança), em vez de toda

a gama de atributos pessoais; as modificações de Rãmãnuja na doutrina advaitista

atribuem qualidades pessoais mais ricas ao Brâmane, mas com esse desenvolvimento se

dirige antes para um personalismo do que para um panteísmo. Em qualquer das duas

versões do Vedanta, o Brâmane é alcançado pelo indivíduo que chega a compreender sua

própria identidade com a da Realidade Una. Tal conhecimento, realização ou saber é real

ou final, de acordo com a interpretação do avidya, ignorância, e o grau de dificuldade que

o estado de ignorância impõe. O conhecimento da própria identidade com o Um vem

como imediato pela razão, bem como por disciplinas tomadas de empréstimo à Ioga ou

nela refletidas, mas a consumação de todo o processo é uma intuição inefável. É para essa

intuição que aponta o debate da razão, e nela repousa finalmente o debate. O Tao, ou

Caminho, do Taoísmo é um objetivo ou estado final. É referido pelo uso de um termo

singular, e deve receber seu lugar entre os monismos. Descrições específicas delas são

reduzidas a um mínimo, mas como, em face dos sentimentos religiosos, apenas com

grande dificuldade se pode sustentar qualquer abstração elevada, oferecem-se algumas

pistas ao que busca. Algumas pistas nunca se livram do paradoxo, mas em conjunto seu

significado é claro. O Taoísmo, com toda a sua vaguidão, proporciona uma espécie de

disciplina cósmica. Para Lao - Tsé, e também para Chuang -Tsé, há um fundamento para

todas as coisas. Se visto pelo prisma chinês, em vez do ponto de vista de alguns

estrangeiros, o Tao é mais naturalista e menos espiritualista do que o Brâmane do

Vedanta. Uma pessoa não se torna idêntica ao Tao, embora se possa identificar com ele.

Há pouca especulação e relativamente pouco misticismo sobre ele; o Tao é obumbrado

pela razão, mas é alcançado pela tranqüila observância de uma vida simples que se recusa

a ser perturbada por males que são superficiais, porque alcança vê-los na perspectiva de

ideais remotos.

A característica inclinação chinesa para as filosofias "tanto-como" aparece quando se faz

qualquer tentativa de classificar o Confucionismo. O sistema é humanista e prático, mas,

ainda assim, há uma ordem moral última com a qual o Homem deve unir-se. O

verdadeiro conhecimento é alcançado de maneira bem positiva "pela investigação das

coisas". O Neoconfucionismo é pelo menos monístico em seu relato dos princípios; um

T'ai Chi (Grande Final) dá origem a uma díade, iniciando, assim, o processo cósmico que

é impregnado pelo Li, o principio da razão; mas aqui também os interesses humanistas

sobrevêm às teorias metafísicas e quase as ocultam. Aqui, como no Taoísmo, a Realidade

Una dificilmente pode ser chamada espiritual ou psíquica: se tem qualidades, parecem

qualidades que nos são familiares na Natureza.

O Budismo é tão variado que as combinações que apresenta são difíceis de identificar,

para não falar na dificuldade de harmonizá-las. É, fundamentalmente, uma disciplina

pessoal na qual a razão, muitas vezes pelo uso de uma dialética muito sutil, ajuda a

encontrar o caminho para uma realidade final. Se queremos compreender os sistemas

budistas, não devemos ser contidos por dificuldades comuns. As negações budistas e o

niilismo, por exemplo, significam, não que o budista negue tudo e nada tenha a dizer, mas

que ele pensa que penetrou além do âmbito da experiência ordinária e ali encontrou algo

que não pode ser dito. De qualquer modo, a palavra "nada" é sempre um termo de

referência, usada para um objeto considerado como portador de um mínimo de

qualidades. Não significa ausência de tudo, e sim presença de algo meramente referido e

também deixado sem descrição.

O Budismo tipicamente aponta para algo final (p. ex., Identidade, Nirvana, Dharmadhãtu)

que "não e vazio, mas destituído" de qualidades específicas; sob estes aspectos, seu lugar

é com os outros monismos de referência que examinamos. Visto sob outras perspectivas,

por exemplo, na doutrina de Asvaghosha da reserva - de - ideação, na obra da etapa mais

avançada de Vasubandhu e na escola Yogãcãra, em que a tradição adquire um feitio

idealista, o Budismo se aproxima muito dos monismos conhecidos. O negativismo

Mãdhyamika também é suficientemente completo para ser monista; é uma espécie de

imagem especular de um monismo positivo, alcançado pelo tratamento dialético de

alternativas nas quais nenhum dos passos sucessivos é inteiramente final, mas cada um é

de certo modo relacionado aos outros como são as classes de classes numa teoria de tipos.

O habitual negativismo de Nãgãrjuna se 'compreenderá melhor como uma espécie de

teoria de tipos negativos, pois em uma de suas obras ele expôs seu monismo de modo

mais afirmativo.

No realismo das escolas Sarvãstivãdin e Vaibhãsika do Budismo, como no Sãnkhya, o

monismo é mais difícil de ver. O mundo é essencialmente independente de nós: não o

absorvemos, nem nos tornamos idênticos a ele; livramo-nos dele e o deixamos de lado. O

mundo de que nos livramos presumivelmente não deixa de existir, mas é, na melhor

hipótese, inteiramente inútil, e podemos dizer que estes realismos resultam em um

monismo prático ou avaliativo, embora teoricamente estejam entre os dualismos.

O Ocidente, como veremos, tornou o monoteísmo mais característico do seu pensamento

do que o monismo; os monismos, onde surgiram, foram concepções ou pontos de vista de

minorias. Os místicos ocidentais sempre ecoaram ou rivalizaram com os místicos

orientais em seus relatos semiarticulados da Realidade Una; tenderam a descrever sua

relação com ela antes como comunhão do que como união, mas defenderam esta com

freqüência suficiente para torná-la familiar nesta parte do mundo.

O pensador ocidental que talvez tenha sido o mais oriental em seu modo de ver a

Realidade final muito provavelmente chegou a ela por influência indiana. Plotino, com

sua doutrina de que todas as coisas emanam do inefável Ser Primeiro e de que nós, afinal,

pela razão, vontade, emoção e intuição, atingimos a reabsorção naquela fonte, está entre

os monistas finais. Sua ênfase acha-se aí, no objetivo e não no curso, embora a adaptação

das suas opiniões para atender às necessidades da teologia cristã o leve a parecer dualista.

Depois de Plotino, Spinoza foi a montanha monística seguinte. Notamos que Spinoza, em

seu panteísmo, atribuiu a Deus um número infinito de atributos (apenas dois dos quais, o

pensamento e a extensão, foram especificados ou considerados conhecíveis por nós). Mas

o panteísmo, como o próprio Spinoza, nunca esteve inteiramente à vontade no Ocidente,

porque a luz e a sombra do teísmo foram fortes demais. Também para os personalistas

tem sido difícil alcançar o monismo. As mais elevadas qualidades pessoais parecem

prosperar melhor em contraste: precisam ser gravadas em um pano de fundo, e não

incorporadas a ele.

As sínteses recorrentes das teses e antíteses de Hegel colocam-no entre os monistas

idealistas finais, para os quais o real é o racional e a nossa auto - realização é a auto -

realização do Absoluto. Os sistemas de Bradley, Bosanquet e Royce diferem em suas

descrições da Realidade Absoluta Una, mas em seus argumentos para fundamentá-la

procuram ficar firmemente em terreno monístico. O voluntarismo de Fichte, assim como

o de Schopenhauer, resulta no monismo idealista, e de muitas maneiras anuncia o

pragmatismo posterior sem se deixar despedaçar em fragmentos pluralistas.

O evolucionismo criador de Bérgson não é dualista como às vezes o interpretam: é

panvitalismo (e não pan - psiquismo), a menos que se pretenda que a visão mística de

Deus seja entendida como algo que suplanta todas as outras teorias e princípios. Outros

evolucionismos recentes, especialmente os de S. Alexander e R. W. Sellars, têm sido

mais naturalistas; são versões metafísicas de tendências monistas nas Ciências, nas quais

a crescente tendência a tudo exprimir sob forma matemática contribui para um monismo

formal e abstrato. Quaisquer aspectos não- matemáticos ou não- métricos do mundo têm

probabilidade de ser negados, desdenhados ou minimizados, exceto por Eddington e

alguns como ele.

SISTEMAS DUALISTAS

Fizemos ver que o limite entre os sistemas monistas e dualistas não está fixado com

precisão e que estes últimos tendem todos, ao cabo de contas, a passar para os primeiros.

Talvez não haja nenhum dualismo final, mas a concepção mais característica da Filosofia

ocidental é tão mais notória em seus traços dualistas do que nos monistas, que pode ser

contrastada com os sistemas que examinamos. Esta concepção é a do monoteísmo, a

doutrina de que há um Deus pessoal distinto do universo da Natureza. Aqui, a Metafísica

se integra com a Filosofia da religião, e mesmo com as formas de Filosofia

institucionalmente sancionadas que constituem teologias. Durante muitos séculos, o

monoteísmo dominou a Filosofia ocidental; tem sido praticamente sempre o monoteísmo

ético das religiões semitas, a doutrina do Deus íntegro, justo, mas também

misericordioso, do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo.

Esta afirmação sobre o domínio do monoteísmo no pensamento ocidental se faz a

despeito de três ressalvas que são importantes, embora permaneçam em plano secundário.

Primeiro, os grandes gregos dificilmente podem ser considerados monoteístas, pelo

menos no sentido pleno. Platão às vezes fala de Deus no singular, mas de um modo geral

ele é mais fiel ao platonismo. Aristóteles pode ser chamado monoteísta, mas quase por

falta de termo mais preciso; introduz o seu Primeiro Motor partindo antes de razões

lógicas e ontológicas do que teológicas ou religiosas. Mas os gregos, e com eles Plotino,

estavam suficientemente próximos dos monoteísmos semitas para terem sua utilidade. O

Cristianismo, principalmente, saiu da Palestina para o mundo mediterrâneo com grande

dinamismo religioso, mas com uma metafísica apenas ingênua e super pitoresca - um

sobrenaturalismo refinado mas intelectualmente simples. Foi aos lugares aos quais o

pensamento grego levara mais maturidade intelectual, porém menos influência moral.

Das tradições semitas e gregas, cada uma tinha o que faltava à outra, e o resultado foi que

o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo se valeram, todos eles, dos recursos da

Metafísica grega. As idéias gregas se incorporaram de tal forma ao Cristianismo, que

várias gerações de estudiosos mal as perceberam. Incidentalmente, foi isto, sobretudo,

que assegurou a preservação e a transmissão da literatura platônica e aristotélica: Platão,

Aristóteles e Plotino foram mais úteis para os cristãos do que Demócrito, por exemplo.

Assim, o próprio fato de termos os documentos gregos, com todas as variações que os

diferenciam do monoteísmo semita, comprova a influência deste último, que era fraco

bastante para deles precisar, mas poderoso bastante para absorver ou ofuscar suas

diferenças.

A segunda ressalva é que, conforme notamos, nenhum dos três monoteísmos semitas se

libertou inteiramente de concepções inegavelmente monistas. O Judaísmo teve o seu

Spinoza, o Cristianismo o seu Hegel, e até o Islamismo os seus místicos Sufi.

Uma terceira limitação se deve ao fato de que grande parte do pensamento

contemporâneo está rompendo inteiramente com o sobrenaturalismo e o monoteísmo. Se

se considerarem apenas os pensadores contemporâneos, de modo algum ficará evidente

que o monoteísmo atualmente domina o pensamento ocidental. Recentes ressurreições do

sobrenaturalismo (o neo - escolasticismo católico, o fundamentalismo protestante, o

barthianismo, o buchmanismo, e o que vier a surgir da guerra) (2) representam reações, e

não progressos. Suas novas maneiras de insistir em antigas filosofias testemunham a

força dos recentes ataques. O moderno conflito científico e. econômico - social com o

monoteísmo é recente demais para que o seu valor seja julgado ou a sua direção prevista;

mas é, de qualquer maneira, recente, questão de dois ou três séculos, e fica, portanto, de

pé a afirmação de que historicamente o monoteísmo dominou o pensamento ocidental.

Agostinho, Tomás de Aquino, Descartes e Leibnitz, para não falar de Kant, são fortes

demais para serem contestados. Mesmo nos dias atuais, o virtual pan - psiquismo de

Whitehead é contrabalançado pelo seu teísmo (bem como pelo seu platonismo), de modo

que ele pode ser incluído entre os dualistas.

Com estes fatos históricos em vista, toma-se evidente o principal contraste entre as

metafísicas oriental e ocidental: é o contraste entre um monismo final predominante, por

um lado, e de outro, um monoteísmo predominante, que gradualmente se transforma em

monismo. Para o pensamento indiano, o mundo comum tende a dissolver-se. Pouco

importam as distinções: o Homem como indivíduo, e os deuses, da mesma forma ao final

desaparecerão. Na China, há muito mais preocupação com as relações humanas; o

monismo está, indiscutivelmente, no fundo, mas ali permanece. Tanto na Índia como na

China há, provavelmente, mais despreocupação e serenidade para um ajustamento ético.

Seja devido ao clima, à densidade da população, a uma introvisão superior, ou a todos os

três, o ideal é estar contente com a vida em vez de estar todo o tempo preocupado em

mudá-la (3). No Ocidente temos um agudo contraste do monoteísmo entre Deus e o

mundo, assim como entre o bem e o mal. Ao passo que no Oriente todas as diferenças

tendem a desaparecer na Realidade Una, no Ocidente elas tendem a ser garantidas, tanto

aqui como no além, pelo bom Deus. Os que vêem tais contrastes em termos geográficos

ou raciais verificam - se não de forma significativa pelo menos curiosa - que na

fronteira entre o Oriente e o Ocidente, na região do Golfo Pérsico, aparece o

Zoroastrianismo, com o seu monismo final, mas seu dualismo imediato dos princípios da

luz e da escuridão, do bem e do mal.

Fixado o ponto principal, não se deve deixar de acrescentar que, juntamente com tais

monismos e monoteísmos, também encontramos no Oriente importantes sistemas que,

embora dualistas, são no máximo apenas vagamente teístas. Além do caso extremo

zoroastriano, o Oriente mostra esta tendência na filosofia Sankhya da Índia e nas

doutrinas de yin e yang que impregnam o pensamento chinês. No Ocidente, Platão, com

seu reino de idéias, podia, como mencionamos, ser justamente incluído entre os dualistas,

e Aristóteles, ainda que se lhe atribua apenas um monoteísmo formal, ainda é dualista,

exatamente como seu mestre.

Nenhuma descrição dos dualismos estará completa sem se passar da Metafísica à

Epistemologia, onde a "bifurcação de natureza" entre os componentes subjetivos e

objetivos tem sido um procedimento típico, e onde o "dualismo epistemológico"

proporcionou material para muitas controvérsias. Se devemos dar ênfase ao processo de

conhecimento, deverá ele destacar-se em contraste com alguma outra coisa. No Sãnkhya,

no Nyãya e no Vaiseshika hindus, na escola Sarvãstivãdin budista e nos típicos realismos

ocidentais, a alma, o eu ou o espírito contrasta com o mundo objetivo comum, do qual, se

conseguir conquistar a salvação, ele deverá escapar de alguma forma. Nas epistemologias

ocidentais mais críticas, há mais ênfase na contribuição do espírito para alguma matéria-

prima que, de alguma maneira ou de outra (conforme se siga Locke, Hume ou Kant), é

trabalhada para vir a constituir o mundo que conhecemos. A doutrina de Fichte do não-

ego como postulado do ego traz de volta a um monismo final as epistemologias críticas.

Os dualismos epistemológicos do espírito e do mundo cruzam e recruzam as linhas dos

dualismos metafísicos do espírito e da matéria. Assim, os nossos espíritos às vezes são

considerados espirituais e contrastados, como em Berkeley, com uma Realidade espiritual

mais elevada. Também neste caso, nossas mentes são consideradas não muito mais do

que materiais, e contrastadas, como no neo - sobrenaturalismo, como uma Deidade

inteiramente transcendente. As fronteiras - oriental e ocidental - são de tal forma

confundidas por seculares controvérsias, que provavelmente é difícil colher qualquer

coisa de real valor; aprofunda-se a convicção de que o que se vier a encontrar será

encontrado antes nas avenidas da Metafísica do que nos atalhos, da Epistemologia.

SISTEMAS PLURALISTAS

Os sistemas pluralistas, se realmente os há, podem ser tratados ligeiramente; geralmente,

os traços pluralistas vêm combinados com alguma forma de monismo ou dualismo. Os

pluralismos qualitativos são mais importantes do que os quantitativos, mas qualquer das

duas espécies tem dificuldades em manter-se contra a corrente das outras concepções. No

estado atual, o pluralismo não vai muito além de um convite à Filosofia; é uma pergunta à

qual o monismo ou o dualismo tentam responder.

Se o que precede descreve adequadamente as tradições e a situação, podemos perguntar

quais são as perspectivas de uma Metafísica mundial. Há um século atrás, a questão se

discutiria em torno de pontos consagrados pelo tempo, entre os monismos orientais e os

monoteísmos ocidentais. Era significativo que mesmo os primeiros estavam filiados a

vários politeísmos e os últimos a um ocasional panteísmo; cada um tinha bastante da

principal ênfase do outro para evitar qualquer interrupção completa, e mesmo sugerir uma

possível ponte entre eles. No século XIX, sobretudo entre os hegelianos, algumas pessoas

pensavam que viam e possuíam o caminho para a compreensão e a síntese. Se o

panorama filosófico não tivesse mudado, a pergunta poderia ter sido respondida -

primeiro, por uma fusão dos idealismos orientais e ocidentais (que poderiam não ter

exigido muito mais do que uns ajustamentos verbais e metodológicos) e, segundo,

compondo-se as diferenças tanto entre estes monismos quanto entre os monoteísmos, de

modo a permitir que cada concepção se dissolvesse na outra, na medida em que a mente

ou o mundo se voltava para este ou para aquele lado. Foi este o sonho de alguns e deve

ter sido o sonho de todos os idealistas.

Entretanto, desde o século XIX novas influências se fizeram sentir cada vez mais e

começaram, à sua própria maneira, a reescrever os prolegômenos a qualquer Metafísica

futura. Um deles é a Ciência empírica que, embora apenas gradualmente se estivesse

libertando dos cueiros epistemológicos, e nem mesmo ainda além do alcance do principio

do argumento da indeterminação da ignorância, aponta inegavelmente na direção do

naturalismo. Outro é a máquina do poder que, embora em algumas partes do mundo

esteja efetuando com lentidão suas transformações, e no pragmatismo contemporâneo

seja mal interpretada no sentido de dar ao Homem uma sensação exagerada de sua

importância, está gradualmente transformando o comportamento do Homem e, assim,

suas idéias sobre a natureza das coisas. Um terceiro é a exaustão, que se aproxima, das

áreas em que o pioneirismo econômico pode ser impulsionado - influência que tende a

empurrar os homens de volta aos fatos e levá-los a reconsiderar algumas idéias, cedo

demais descartadas, sobre o mundo natural. Estes fatores reunidos, em sua ação e reação

uns sobre os outros, estão lentamente refazendo as filosofias humanas. A questão não é

saber se os tradicionais monismos e monoteísmos são compatíveis entre si, mas de que

maneira qualquer um deles pode persistir no realismo e no naturalismo do futuro (4).

Notas:

(1) Ikhnaton ou Akhenaton: Nome adotado pelo faraó Amenotep (Amenenófis) IV, que

reinou de 1379 a 1362 a.C. e realizou importante revolução religiosa, tendo introduzido o

monoteísmo com o culto de Aton, o "disco solar". (N. do T.)

(2) A II Guerra Mundial (N. do T)

(3) O A. aqui faz um jogo de palavras cuja expressividade não é possível reproduzir em

português: content "contente" e intent "preocupado", "atento", "resolvido" (N. do T).

(4) A fim de não terminar sem indicar algumas possibilidades de uma teoria construtiva,

acrescentemos que, se forem feitas algumas concessões mútuas, o naturalismo poderá não

ser tão escuro quanto se pinta nem tão severo com os valores associados ao idealismo e

ao monoteísmo monísticos. Em primeiro lugar, no que diz respeito à concessão, os

monismos, principalmente o idealismo, não devem insistir em que o mundo tem de ser

infinito ou absoluto; se estas palavras forem usadas, que signifiquem apenas a nossa

recusa a impor limites ou certas reservas específicas à Natureza. Os monismos devem

admitir que qualquer mundo em que pensarmos é um mundo selecionado contra um pano

de fundo desdenhado; qualquer monismo carrega uma dualidade implícita. Em segundo

lugar, os naturalismos devem submeter a cuidadoso estudo os dados da evolução, a fim

de ver se não é verdade que a matéria, a vida e o espírito se assemelham em suas

estruturas e processos de tal forma que o Homem não é apenas apical, mas também, de

certa forma, típico do universo - que, como inúmeros filósofos orientais e ocidentais

sustentaram, o Homem, quando estudado empiricamente, é um microcosmo do conjunto

e, assim, de especial significação dentro dele. Finalmente, os sobrenaturalismos e teísmos

devem admitir que o espírito e a matéria não são, de forma alguma, necessariamente

antagônicos; que na Natureza e na História, conjuntamente, algum bem evolveu em

contraste com o que quer que seja mau; e que este bem em evolução é capaz de

reconhecimento como objeto de devoção religiosa. As semelhanças empiricamente

detectadas nas estruturas e processos de matéria, vida e espírito, ao mostrarem que o

Homem, sob certos aspectos específicos, e um microcosmo, estarão, então, em condições

de interpretar esse bem com referência às qualidades pessoais que nos monoteísmos

foram atribuídos a Deus. Desta forma, as teorias correntes do Homem como um

microcosmo, tanto as orientais como as ocidentais, podem fornecer uma base para a

compreensão, ainda que idealismos contemporâneos, naturalismos e sobrenaturalismos

não o façam.

O VALOR DO ESTUDO

COMPARADO DA FILOSOFIA

William E. Hocking

O mundo ocidental está começando a levar o Oriente a sério. Há talvez dois séculos tem

ele mostrado interesse erudito pelo Oriente como local de vários acontecimentos

interessantes da civilização. Durante estes dois séculos, dominou línguas e editou e

traduziu muitos textos orientais clássicos. Acrescentou muito ao nosso conhecimento da

história oriental, mas em todo esse trabalho de erudição raramente se admitiu que as

filosofias do Oriente tenham algo de importante para nós: com a ilustre exceção de

Schopenhauer, nenhum filósofo ocidental de primeira plana incorporou idéias orientais

importantes ao seu sistema de pensamento.

Esta objetividade erudita tem andado de mãos dadas com a objetividade política. O

Oriente lá está, dele temos que ocupar-nos e devemos usá-lo como fonte de

abastecimento e como um grande mercado, mas sem uma fraternidade fundamental.

Hoje há um novo espírito de respeito: o elemento de fraternidade começa a penetrar. O

Oriente fala as nossas línguas e nós começamos a falar as línguas dele. Centenas de

pontes estão sendo construídas para ligar-nos a essas multiformes maneiras de viver, em

parte através de nova cooperação política, e em parte pelo trabalho da Ciência e da Arte.

Na Ciência, ainda conservamos a liderança quanto ao volume e a importância das

descobertas e dos empreendimentos, embora os cientistas orientais estejam começando a

contribuir para o crescente volume de uma verdade que está acima de raça e nação. Mas

nas Belas - Artes, já nos demos conta de que, em muitos pontos, a sensibilidade oriental é

incomparavelmente maior do que a nossa. No campo da cor, por exemplo, saímo-nos

bem com o contraste e a harmonia de duas cores, ao passo que apenas na China foram

alcançados com sucesso a harmonia e o equilíbrio correspondentes em três cores.

2

Uma causa desta mudança de atitude, naturalmente, é que temos meios muito mais

adequados de conhecer o Oriente, mas há uma segunda causa, que é prática: temos que

haver-nos cada dia mais com o Oriente, sob todos os aspectos, e precisamos conhecer

aquilo com que temos que haver-nos. Negociações comerciais e políticas nunca são

meras trocas de bens e serviços; há sempre um elemento psicológico. Há maneiras de

vender que não dão resultado. Produtos que atraem o comprador ocidental nem sempre

atraem o oriental, pois não é apenas porque facas e garfos não encontram bom mercado

em um país que usa pauzinhos, mas porque toda a noção do que constitui uma vida

confortável e satisfatória é diferente: As reações emocionais das pessoas têm que ser

levadas em consideração nas negociações diplomáticas e comerciais. O cliente ofendido

não comprará, ainda que queira, e em toda parte estamos lidando com o que podemos

chamar de fundamento emocional da vida.

Ora, as filosofias do Oriente e as religiões do Oriente são a admissão deste fundamento

emocional. Estamos acostumados a dizer que o Oriente é inescrutável - outra maneira de

dizer que não lhe compreendemos as emoções, e dizemo-lo porque procuramos a fonte

dessas emoções no lugar errado. Se você olhar dentro dos olhos de uma pessoa, pode

ficar intrigado querendo saber como ela se sente ou por que se sente como dá a entender.

Mas, se quiser conhecer o fundo da consciência da qual brotam as emoções, você verá

que foram as tradições que o formaram. O registro das religiões e filosofias orientais é a

auto - expressão da reação oriental à vida. É a chave do caráter oriental. O mais concreto

dos nossos interesses práticos precisará de um conhecimento mais intimo de tais fontes

do sentir oriental, mesmo no momento em que dessas tradições se estão afastando os

próprios orientais. Nenhuma mudança desse tipo poderá ser suficientemente profunda

para refazer em pouco tempo uma civilização de tal qualidade, que há vários séculos se

tem transmitido com extraordinária fidelidade.

3

Os estudos do pensamento oriental têm o mesmo valor que a comparação das

civilizações. Mostram a grande afinidade da inteligência dos homens em todas as

circunstâncias. Assim como a Aritmética é a mesma em todo o mundo, assim também é a

Ciência nos seus simples começos, na observação do céu, da terra e dos seres vivos. Mas

tais estudos mostram também, e às vezes com espantoso contraste, diferenças nas

próprias bases do nosso modo de ver o mundo - os dados dos sentidos, da observação e

das nossas primeiras apreciações. Estamos acostumados a pensar que a Ciência avança

em linha reta, e que há um estágio de conhecimento preciso, mais alto e mais baixo.

Todavia, mesmo no progresso das ciências, há grande vantagem em recomeçar numa

nova trilha e com novos olhos. Os indianos viram coisas da vida animal que a nós nos

escaparam completamente. A percepção chinesa das formas e qualidades naturais tem

muitas novidades para o olhar mais embotado. O sentido dos japoneses para a harmonia e

a ilusão na paisagem abre uma nova gama de percepção original nas histórias e fantasias

sobre os seres vivos. As possibilidades na contextura do jade, da esmeralda, do ouro e do

ferro trabalhados a mão são uma espécie de revelação física elementar. Esses singulares

poderes de percepção até agora não foram transformados pelo Oriente em novas fases de

ciência. O que tem faltado é o esquema do desenvolvimento científico. A China

descobriu a pólvora e usou a bússola muito antes de ela ser conhecida no Ocidente, mas

não escreveu nenhum tratado sistemático de Física ou Química. Mas agora que ela tem o

modelo transmitido pelo Ocidente, esses poderes de observação exercerão sua singular

função, mostrando novas facetas da Natureza, como nos estudos da fisiologia das plantas

por Bose, de Calcutá.

O que se pode afirmar da Ciência também se aplica à Metafísica e à Ética. Há princípios

universais, como na Lógica e na Metafísica. Há, de fato, certa tendência a admitir que as

"categorias do pensamento são diferentes no Oriente e no Ocidente. Recentemente, foi até

defendida a tese de que a estrutura sujeito - predicado da língua grega, que impôs um

molde aristotélico de sujeito - atributo a todo o pensamento ocidental, escapa ao

pensamento chinês, porque o verbo "ser- estar"(1) não tem equivalente exato em chinês:

"shih", como termo geral de afirmação, não possui infinitivo. Pode ser verdade que o

pensamento chinês seja mais naturalmente relacional, mas trata-se de uma questão de

ênfase. As categorias básicas tanto de ser como de valor são as mesmas em toda parte. Se

assim não fosse, não se teria esperança num entendimento ou numa ordem internacionais.

Nem poderiam os estudiosos escrever, sobre tais diferenças, artigos que fossem

compreendidos em ambos os hemisférios.

Admitida esta premissa, a importância dos estudos comparados depende do fato de que,

no corpo da verdade, há ênfases que são de natureza racial, assim como há uma

psicologia racial. Na verdade, o que queremos dizer quando nos referimos a uma

psicologia racial é principalmente uma diferença característica na ênfase moral. Essas

diferenças são causas freqüentes de alienação ou antipatia: o preconceito racial, por

exemplo, é em grande parte a manifestação de uma opinião de que o sentido ético ou

estético de outro povo é defeituoso em algum ponto, ao passo que tal opinião pode ser

verdadeira sem constituir nem superioridade da parte do que se arvora em juiz nem um

abismo moral. Porque é muito provável estar ocorrendo que os juízos morais do critico

também em algum ponto estejam falhos! A verdadeira questão é saber se cada um é capaz

de reconhecer que os seus juízos morais são defeituosos; porque, nesse caso, ele está

julgando seus juízos por um padrão mais próximo do universal, e então pode haver um

ponto de encontro. Se, pois, qualquer psicologia racial estiver baseada nas peculiaridades

do juízo moral ou, digamos, do juízo de valor, esse fato é da maior importância, mas não

será necessariamente um fato decisivo; porque a descoberta de que tal é o caso é um meio

de mudá-lo. Divergências de percepção racial em Ética e em Estética são um fator de

enriquecimento de toda a experiência humana acumulada. O influxo de novos

conhecimentos sobre a Filosofia oriental deverá ser um recurso poderoso para

alcançarmos por nós mesmos melhor percepção dos princípios universais nesses campos.

4

Deve-se recordar que o Oriente é mais conscientemente filosófico do que o Ocidente.

Vale dizer, é comum, nos países orientais, que a vida seja guiada por referências

conscientes a princípios gerais de filosofia ou religião. Esses princípios gerais se

encaixam na conversação de modo mais natural, o que é uma esquisitice para o espírito

ocidental, parecendo ao realista obstinado que o espírito oriental se ocupa muito com

irrealidades.

Neste ponto, sem dúvida, o ingênuo é o realista. De modo geral, o temperamento

pragmático e realista do Ocidente aceita as coisas da experiência como verdadeiras pelo

seu significado aparente. Trata seus objetos físicos e seus créditos comerciais como

realidades, no sentido pleno da palavra. Acredita que o seu "progresso" se deve em

grande parte a esse realismo. Na verdade recorda-se, vez por outra, de que tais coisas não

são definitivas e de que há um mistério por trás dos fatos patentes; mas, depois de

reconhecer a existência de um mistério, talvez uma vez por semana, passa, então, a tratar

o mundo como se esse mistério não tivesse nenhuma importância prática.

Ignora que os seus próprios códigos de conduta surgiram de um estado de espírito - uma

religião oriental - em que esses mesmos mistérios eram soberanamente verdadeiros.

Como conseqüência, justamente em seu lado prático a consciência ocidental está dividida

e confusa. É vagamente religiosa em saber por quê. Aceita orientação ética sem os

poderes adequados de critica porque esqueceu como chegou a adquiri-la. Se se pergunta

ao homem ocidental médio o que significa a vida, ele emudece. Contenta-se em viver e

em deixar que outrem pense nisso.

O oriental é mais sábio; sua filosofia está sempre em ação. Ele não tem filosofia ou

religião que não esteja em ação. Suas reflexões se mantêm em íntima ligação com seus

atos. Temos que aprender do Oriente a significação prática da Metafísica. Um povo que

pôde criar um sistema de pensamento árido, como o positivismo lógico, o qual declara

sem significação os problemas metafísicos, tem todos os motivos para escutar

serenamente o que tem a dizer o espírito oriental.

5

Assim fazendo estamos, naturalmente, apenas voltando às nossas próprias origens.

Familiarizar-se com o Oriente no que concerne à sua Filosofia - e religião - é familiarizar-

se com os nossos eus arcaicos. A história do Oriente é, no fundo, como qualquer história,

uma história de fatos, porém, é mais fundamentalmente ainda uma história de idéias; e

essa história está ainda por ser escrita.

6

Quem se aprofundar na rica mina do pensamento oriental deparará muitos pontos em que

está pronto a reconhecer a superioridade do gênio oriental. A pobreza do Oriente, a

generalizada miséria da população rural, é um fato econômico que merece, como todos os

fatos assim, ser medido e registrado. Mas deveríamos, ao mesmo tempo, registrar que,

nessas consternadoras condições, o Oriente manteve um nível extraordinário de íntima

dignidade humana. Há males óbvios, patentes na superfície da vida oriental, e é evidente

a necessidade de mudança, não apenas para o Ocidente, mas também para o Oriente. A

nossa era será conhecida como a era do despertar social da Ásia, mas com o mal se foi

uma solução parcial. Ninguém que estude o "problema do mal" pode dar-se ao luxo de

desdenhar a história íntima do homem comum da China e da Índia; de descobrir, se

possível, como, em tais circunstâncias, ele tem mantido um padrão humano tão elevado.

Muitas vezes pensamos no Confucionismo como um sistema estático de convenções

sociais. A própria China se inclina a identificá-lo com uma vida de família fora de moda,

grilhões que a era atual tem de pôr fora. Mas há uma qualidade espiritual do

Confucionismo que ninguém pode enfrentar sem reconhecer-lhe a imortalidade essencial.

Confúcio certamente acreditava em formalidades, mas não acreditava em formalidades

sem significado. Não podia haver apelo à sinceridade maior do que o dele, que tanto

desprezava a arte de "dar as coisas seus nomes exatos". Quando consideramos que a

hipocrisia ocidental, na política e alhures, consiste em dar às coisas nomes mais decentes

do que elas merecem, apreciamos devidamente o alcance desta aguda máxima segundo a

qual se devem dar às coisas os nomes exatos. E, mesmo no pormenor do dia - a - dia,

podemos aprender o padrão confuciano do "homem nobre". Confúcio louvou um dos seus

discípulos atribuindo-lhe dois méritos notáveis - primeiro, não tinha de aprender de novo

o que havia aprendido uma vez. Segundo, não "transferia seus sentimentos", isto é, a

pessoa não transporta o aborrecimento que teve com um episódio para o seguinte, porque

se aborreceu, assim como não levará uma hilaridade despropositada para o momento

seguinte porque se divertiu um instante. O homem ideal é o adequado emocionalmente

para cada ocasião. O requinte de justiça deste ideal é um exemplo da pureza da

observação ética que encontramos em todo o rico repertório da reflexão oriental.

7

Passando agora destas observações gerais para questões de principio, perguntemos que

espécie de visão interior se pode esperar do estudo comparado das Filosofias oriental e

ocidental.

Se a Filosofia fosse simples ciência dedutiva, tanto a Filosofia ocidental como a oriental

poderiam considerar-se auto-suficientes e sem nenhuma necessidade absoluta de receber

luzes de qualquer outro quadrante do globo. As premissas originais deveriam concordar,

e as inferências delas extraídas constituiriam um corpo de verdade indiferente ao tempo e

ao lugar. O número maior de trabalhadores que poderia resultar se as filosofias do

Ocidente e do Oriente se dessem as mãos de fato facilitaria, como no caso da Ciência, o

progresso da Filosofia; mas não poderíamos esperar nenhuma compreensão

qualitativamente diferente.

Mas a Filosofia é, basicamente, uma questão de o que uma pessoa vê, e, em seguida, da

sua capacidade de fazer uma conexão racional entre o que vê e o que, de alguma outra

maneira, sabe; suas premissas são suas observações originais sobre o mundo. Assim, as

pessoas que possam acrescentar alguma coisa à nossa visão são o apoio mais importante

para o progresso em Filosofia. O próprio fato de o Oriente ter modos diferentes de

intuição - o que às vezes se coloca sob a forma enganosa de que há um abismo entre as

mentalidades do Oriente e do Ocidente - é o que torna tão importantes para nós suas

contribuições à Filosofia e as nossas para eles. É uma felicidade, sob este aspecto, que as

Filosofias oriental e ocidental tenham-se desenvolvido separadamente durante tanto

tempo. Elas ficaram consolidadas em sua maneira de ver as coisas. Cada uma se tornou a

carta régia de uma civilização mais ou menos duradoura. Se a prova de uma filosofia

fosse a durabilidade da civilização nela baseada, o Oriente sem dúvida teria muito mais

autoridade. Quando Sarendranath Dasgupta falou na inauguração do novo templo budista

em Sarnath, em 11 de novembro de 1931, declarou de modo incisivo que a civilização

européia, embora professasse uma religião de paz, singularmente não conseguira

instaurar a harmonia em sua casa, ao passo que o Budismo na realidade promovera a paz

e nunca progredira com a ajuda de pressão política; e deu as boas-vindas ao que chamou

de civilização hindu - budista do futuro na Ásia. As considerações subjacentes a esta

admirável declaração merecem nossas mais sérias reflexões.

A suplementação das filosofias ocorre mesmo nos ramos abstratos da Lógica; é porém

mais visível na Metafísica, na Ética e nos fundamentos da vida social. Consideremos, por

exemplo, dois pontos em que a nossa filosofia está em dificuldade, e em que o Oriente

tem algo de peculiar a dizer: a questão do individualismo versus a vida social em

agrupamentos e a questão da existência de um outro mundo (ou misticismo) versus o

humanismo realista.

8

O individualismo para nós é, ou tem sido, uma senha. Temo-lo considerado um ideal

mais ou menos incorporado ao nosso sistema legal. Não podemos dizer que, de fato,

julgamos o indivíduo sagrado, mas criamos nossas leis no pressuposto de que os

indivíduos têm iguais direitos perante a lei, e deste ponto deduzimos nossos sistemas de

direitos civis e nosso democracia. Mas a base dos direitos iguais é igual valor; e podemos

dizer que, de fato, atribuímos valor igual (e "sagrado") a todos os indivíduos?

Um escritor chinês há pouco acusou nossa civilização de hipócrita precisamente com este

fundamento. Vamos ao Oriente e falamos dos direitos sagrados do indivíduo; todavia,

como ele assinalou, as companhias de bondes dos Estados Unidos que matam por ano um

número estatístico de pessoas negaram-se - segundo se divulgou - a instalar limpa-

trilhos de segurança sob a alegação de que o custo deles seria maior do que as

indenizações anuais por vidas e membros perdidos. Na prática, pensamos na vida em

termos de dólares e cêntimos, de modo que o crítico chinês argumentou: a "sacralidade" é

um sentimento, e não um princípio.

Nem, tampouco, verificamos, na prática, que tratar o indivíduo como a unidade absoluta

da vida social, a sede de todos os direitos e poderes, corresponde aos fatos sociais. A vida

grupal e associativa também tem seus direitos e suas reivindicações sobre seus membros,

e não reconhecer tal fato é enfraquecer a vida orgânica do Estado.

De modo mais especifico, o individualismo tendeu na prática a destruir a capacidade das

nossas democracias de alcançar unidade de ação e de sentimento: a reclamação de

direitos acabou com a consciência do dever comum. A reação totalitária expressa a

desconfiança nas bases morais da democracia. Não podemos enfrentar o totalitarismo

com a mera reafirmação da nossa confiança na democracia. Temos de reconsiderar a base

filosófica da democracia e o significado do individualismo que continuaremos a

sustentar. A este respeito, o Oriente pode ser-nos muito instrutivo.

9

O Oriente nunca propôs o individualismo nem a sacralidade da personalidade como

princípios básicos. Os críticos ocidentais têm sustentado que as filosofias orientais

tendem a olhar como ilusório o mundo da experiência, e da mesma forma as diferenças

individuais. O Budismo considera a ânsia de isolamento individual a raiz de todos os

sofrimentos. Para o Hinduísmo, na sua forma clássica, a grande realização consiste em

sermos idênticos ao Brâmane (2), e portanto, idênticos um ao outro. Esta não e a única

forma, da filosofia hindu, e é injusto para com o pensamento indiano identificar o

Hinduísmo com tal doutrina; mas ela tem, não obstante, vasta influência. E, na medida

em que este seja o caso, é evidente que nenhum individualismo poderia estar baseado

nela, exceto como uma máxima operacional válida numa ordem inferior de realidade.

Talvez o pensamento indiano, que ultimamente se tem ocupado em repudiar o hábito dos

ocidentais de caracterizarem seu modo de ver em termos de Advaita Vedanta, possa

voltar a ter certa satisfação nesse aspecto do Vedanta que corrige uma falácia ocidental -

a falácia da separação pessoal.

De qualquer maneira, a estabilidade da sociedade oriental se deve, em parte, à saudável

indisposição de exagerar a importância da diferença de função e status sociais, que as

suas filosofias registram e sustentam. As filosofias autóctones do Extremo Oriente quase

universalmente atribuem significação religiosa à família como uma entidade

supraindividual dentro da qual a diversidade de funções é a regra. A família, por sua vez,

prove a todos e de todos cuida, criando uma domesticidade em que todos tomam parte

sem uma artificial profissão de igualdade. O espírito da família até há pouco permeou os

grupos mais vastos, conduzindo a uma relativa aquiescência em diferenças sociais e a

uma relutância de insistir em comparações sociais invejosas. Permite-se que a casta ou o

tipo de ocupação descrevam uma carreira, pois não foi Manu quem disse que a confusão

de castas é a maior das desgraças? A relativa falta dessa estridência de ambição pessoal,

que se mostra na determinação de "subir", e, assim, uma certa ausência de inquietação e

insistência em direitos que tanto enche as nossas sociedades ocidentais de queixas, lutas e

guerras de classes, constitui, pelo menos em parte, um elemento de força social.

Poderíamos, talvez, dizer que é característico da Filosofia oriental ver a "justiça" social,

quando a justiça se define em termos de pretensão individual aos bens e à posição, como

assunto de somenos importância. E, assim sendo, acompanha a natural desigualdade entre

os homens a disposição de suportar sem queixa uma certa dose de provação social. Essa

capacidade de suportar e de aceitar é ajudada, em algumas regiões do Oriente, pela

doutrina do carma, que representa as circunstâncias reais do indivíduo como dotadas de

significado em termos de seu destino eterno, significado que não foi fixado nem pelos

seus esforços atuais nem pelos da sociedade.

Bem, de acordo com as primeiras impressões dos observadores ocidentais, toda esta

aceitação é perniciosa e constitui um fator de estagnação social. Tentamos insuflar no

Oriente uma disposição de lutar contra a injustiça e de reformar suas instituições no

interesse da liberdade de ação individual; recomendamos uma disposição a rebelar-se, a

ajudar-se, a esquecer o carma, a tomar nas próprias mãos o destino individual e da

sociedade; queremos inspirar o oriental com um descontentamento que gostamos de

qualificar de "divino". E o moderno Oriente, mais do que meio convencido desse

programa, encontra o germe do esforço individual agressivo nas suas próprias filosofias e

a estas inflama com nova vida.

Admitido que tal tendência esteja certa, posso indagar se ela é mais do que meio certa?

Talvez a capacidade de suportar do Oriente seja, pelo menos até certo ponto, uma virtude

que nos falta e que dificilmente compreendemos. A meu ver, só teremos uma apreciação

justa da nossa própria ordem social quando tivermos compreendido as bases filosóficas

desse modo de ver oriental, de acordo com o qual a sorte do indivíduo não está

mergulhada, mas entrelaçada com os destinos de um grupo ou grupos integrados, seja a

família, seja o grupo ocupacional, seja a nação.

10

Isto me traz ao segundo traço da Filosofia oriental sobre o qual desejo falar - a existência

de um outro mundo. O sentimento de que o mundo visível não é todo o mundo

certamente tem desempenhado um papel na imaginação de milhões de pessoas cujas

vidas são mais tediosas e difíceis do que jamais conhecemos no Ocidente. O fazendeiro

oriental médio vive num mundo de trabalho duro e incessante, mas também num mundo

de viva imaginação, na medida em que pensa na sua relação com os membros do seu

próprio clã que se foram. Seu trato com esses espíritos de seu culto familiar é

provavelmente supersticioso: atribui-lhes uma influência que eles não têm em sua sina no

mundo. Quando se torna crítico e intelectual, é provável que descarte todo esse modo de

ver. A Filosofia tradicional tenta manter os dois mundos em relativo isolamento um do

outro. Achamos que estes dois aspectos do mundo se separam demasiadamente no

Oriente; que a sua Filosofia tende, de forma exagerada, a ser um culto de uma realidade

transcendente que nada tem a ver com este mundo. A intelligentsia do novo Oriente

concorda com semelhante opinião: sua crença num outro mundo desaparece num

secularismo pragmático ou humanista.

O grande valor, para o Oriente, da crítica pragmática das idéias metafísicas não deve ser

desdenhado, pois ainda tem muito que realizar. Pode ela ser tida como uma contribuição

do pensamento ocidental para o oriental, até onde vá o atual incentivo; embora, também,

tenha tido o efeito de reanimar as raízes pragmáticas existentes nas tradições das próprias

Filosofias orientais, especialmente na China. Mas há uma diferença entre crítica e

construção; e, como o pragmatismo no Ocidente tem-se mostrado singularmente incapaz

de construir uma visão positiva do mundo, convém que tanto o Oriente como o Ocidente

considerem as origens destas audazes estruturas de fé, as quais durante tanto tempo

serviram de matrizes da cultura.

Se o nosso objetivo é manter para a civilização algo que não seja uma visão sordidamente

prática e material do mundo; se pretendemos alcançar um humanismo genuíno, teremos

que reconsiderar as bases da antiga crença num outro mundo. E, ao reconsiderá -las, será

bom examinarmos os tipos de convicção mística que ainda não se perderam para o

Oriente e que estão tão próximos das fontes da nossa própria fé histórica. Nenhuma

metafísica conserva hoje sua inteira força tradicional, e, no entanto, nenhuma metafísica

tradicional perdeu sua importância contemporânea.

11

Mencionei dois pontos em que a comparação de filosofias promete aumentar os recursos

de que dispomos para um juízo correto. Tais pontos podem servir de exemplo dos

princípios gerais de que cada filosofia com que estamos lidando é uma variedade de

ponto de vista; de que no trabalho filosófico, que nunca foi tão urgente quanto hoje,

precisamos, não apenas de dois olhos, mas de muitos; e de que as próprias diferenças que

constituem a tão sentida estranheza do Oriente são precisamente as diferenças que lhe

tornam seu pensamento indispensável para nós. Resumindo:

Há três atitudes históricas no trato com o que esteja além do nosso próprio círculo de

idéias. Primeiro: "Isto é estranho e alheio - evite-o". Segundo: "Isto é estranho e alheio -

investigue-o". Terceiro: "Isto parece estranho e alheio - mas é humano; tem, portanto,

afinidade comigo e é potencialmente meu - aprenda com ele". Até dois séculos atrás,

agíamos de acordo com a primeira máxima. Por mais dois séculos, do XVIII ao XX,

agimos de acordo com o segundo: temo-nos preocupado com um estudo objetivo do

Oriente. Os dois séculos à nossa frente devem ser consagrados à terceira, a uma tentativa

de ir além da objetividade erudita para chegar a uma associação humana ativa e à busca

comum da verdade universal.

Notas:

(1) "To be", no original, traduzido, para maior precisão, pelas duas formas que admite em

português (N. do T.).

(2) V. a nota da pág. 29 (N. do T.).

(2) A palavra "Espírito" não é a tradução exata de "Brâmane", mas deve ser entendida

como uma aproximação. Brâmane, poder-se-ia dizer, é "Algo quase - psicológico".

AS ÊNFASES COMPLEMENTARES DA FILOSOFIA INTUITIVA ORIENTAL

E DA FILOSOFIA CIENTÍFICA OCIDENTAL

Filmer S. C. Northrop

Para determinar-se a relação entre coisas diversas é necessário expressar cada uma

em termos de um denominador comum. Ninguém tentaria relacionar três quintos com

quatro sétimos em Matemática sem antes reduzir estas duas frações a trinta e cinco avos.

Isto se aplica também a teorias filosóficas diferentes, e especialmente a sistemas que

contrastam tão vivamente como os do Oriente e do Ocidente. Antes de haver uma análise

comparativa fidedigna entre as doutrinas filosóficas orientais e ocidentais deve haver uma

terminologia comensurável e sem ambigüidade para exprimi-las. Certas relações muito

interessantes e importantes aparecerão quando se dispuser de tal terminologia.

A NECESSIDADE DE UMA TERMINOLOGIA TÉCNICA

Esse denominador comum para a compreensão internacional não é proporcionada

pela tradução proficiente, feita por poliglotas, dos textos em sânscrito, chinês ou japonês

para a língua inglesa. Tradução necessária, mas não suficiente. Ninguém haveria de supor

que a mais competente tradução da monografia original de Einstein sobre a Teoria

Especial da Relatividade do alemão para o inglês nos daria uma base suficiente para

comparar a teoria da relatividade com a mecânica de Newton. Também seria necessário

um conhecimento de Física. Da mesma forma, o estudioso de filosofia comparada, para

merecer confiança, deve ser mais do que um simples poliglota ou possuir mais do que

traduções fiéis feitas por poliglotas; deve, além disso, ter um domínio profissional dos

problemas, métodos e teorias da Filosofia.

Há ainda outras dificuldades resultantes da natureza (a) do simbolismo e (b) do

assunto da Filosofia.

À primeira vista, o simbolismo da Filosofia parece fácil de compreender, pois usam-

se palavras do discurso comum. Contudo, um pouco de leitura dos tratados filosóficos

logo revela que essas palavras não são usadas com os seus sentidos comuns. A palavras

comuns se dão significados técnicos e, o que é ainda mais complicado, o sentido

técnico/filosófico que um termo de sentido comum tem num sistema filosófico

geralmente difere do que ele tem em outro sistema.

A razão desta perturbadora situação pode ser entendida se se considerarem as duas

alternativas abertas a quem deseje apresentar um significado técnico preciso para o qual a

língua convencional seja ambígua demais. Pode-se escolher um termo sem dado qualquer

significado anterior e atribuir-lhe o sentido técnico, a ele que, de outro modo, seria

destituído de significado. Em resumo, pode-se recorrer a uma nova terminologia técnica.

Ou pode-se escolher alguma palavra bem conhecida, com o sentido comum que seja o

mais próximo do sentido técnico preciso que se deseja transmitir, e então acrescentar-lhe

uma definição restritiva ou recorrer aos diversos contextos em que a palavra é usada para

dirigir a atenção do leitor, subseqüentemente, para o exato significado pretendido. De um

modo geral, a Ciência adota a primeira alternativa e a Filosofia a última.

Cada escolha tem suas vantagens e limitações. Uma terminologia técnica reduz ao

mínimo a possibilidade de ambigüidade, mas automaticamente restringe a compreensão

da língua ao perito com treinamento técnico - profissional no assunto. A Filosofia, em

parte devido à pertinência dos seus problemas para o leigo — assim como para o

especialista —, escolhe a linguagem comum, alcançando dessa forma um público mais

vasto, mas ao mesmo tempo tem que depender de contextos mais extensos para transmitir

seu significado técnico. É esta uma das razões por que os tratados filosóficos tendem a

ser mais extensas do que os científicos. Uma linguagem cujos sentidos são transmitidos

apenas pelo contexto não pode ser tersa.

Agora se tornam evidentes as dificuldades que tal simbolismo contextual apresenta

para a Filosofia comparada.

Não se podem comparar tratados inteiros. Se a pesquisa pretende ir além das

generalidades comuns e mais banais, precisa-se descer aos capítulos, parágrafos e

períodos. Precisa-se escolher doutrinas especificas e designá-las com palavras

especificas. Mas fazer isso é retirar as frases e palavras dos seus contextos, com o que

elas perdem seu importante sentido técnico e filosófico.

Torna-se também evidente a completa insuficiência da versão, por tradutor

profissional, de sistemas filosóficos diversos para uma língua comum, pois a única coisa

que tais versões podem fazer é dar as equivalências de dicionário dos termos um a um, e

tais equivalências representam apenas os significados comuns, não os técnico-

filosóficos. E tampouco estará superada a dificuldade se o tradutor profissional for

também filósofo profissional. Como observamos, a mesma palavra de sentido comum no

contexto de uma teoria filosófica tem um sentido técnico e, no contexto de uma teoria

filosófica diferente, significado diferente. É o que se dá principalmente, como mais

adiante veremos, se uma das teorias for do Oriente e a outra do Ocidente.

A questão é que os termos da linguagem comum são perfeitamente adequados,

quando desenvolvidos minuciosa e sistematicamente em vários contextos, para transmitir

a doutrina técnica de um só filósofo ou teoria filosófica, mas são completamente

inadequados para servir de denominador comum em que se possam traduzir sistemas

filosóficos diversos para fins de comparação. É o que se dá com vários sistemas

ocidentais e orientais. Quando a Filosofia se torna comparada, o caráter do seu

simbolismo impede a introdução de uma terminologia técnica.

A matéria de que trata a Filosofia obriga A mesma conclusão. O objetivo total da

pesquisa humana abarca toda a gama da experiência, que é complexa e extensa demais

para qualquer disciplina investigar e compreender sozinha. A tarefa tem de ser dividida

em suas diversas partes e entregue a diferentes especialistas. De modo geral, as ciências

especiais tratam de fatores locais restritos da experiência, tais como os organismos vivos

ou os corpos celestes, ao passo que a Filosofia se ocupa dos fatores igualmente evidentes

e extensas da experiência comuns a estes detalhes mais locais.

Devido à sua matéria localizada, qualquer ciência especial atinge um estado

concreto preciso e determinado e intensa precisão com relação aos pormenores, mas

apenas à custa de numerosos fatores igualmente importantes que não são levados em

conta, com o risco resultante da perda do senso de proporção. A Filosofia, por outro lado,

por ter a sua atenção voltada para os aspectos da experiência mais gerais e extensos,

porem não obstante menos factuais, é capaz de manter em seus verdadeiros lugares os

pormenores técnicos, preservando dessa forma um senso de proporção, mas apenas se

incluir os dados das ciências especiais e do senso comum em sua própria doutrina final

extensa e sistemática.

Mas fazer isso é colocar os fatos do senso comum e da ciência técnica em contexto

mais amplo. A diferença entre uma teoria filosófica e outra é que tal contexto é definido

de formas diferentes. Por conseguinte, o que há de filosoficamente importante com

qualquer termo de senso comum, pela forma como ele entra em qualquer teoria filosófica,

não é o seu puro significado de dicionário, mas o significado contextual singular,

comumente associado ao sistema filosófico em questão. Os materialistas, idealistas,

dualistas e monistas neutros filosóficos admitem, todos eles, a existência do que o senso

comum designa com o vocábulo “mente”, e no entanto há enorme diferença na maneira

como eles analisam e concebem esse princípio.

Conseqüentemente, aprender do tradutor profissional que o equivalente inglês literal

de uma certa palavra chinesa ou sanscrítica e “mente” não diz muita coisa significativa

para a Filosofia comparada. Tal tradução nos fornece as associações denotativas do

símbolo de sentido comum, mas não seu significado conotativo técnico - filosófico e

contextual. O que se apreende diretamente é, grosso modo, a mesma coisa em qualquer

sistema filosófico, mas como ele é analisado e correlacionado com outros fatores, sejam

imediatamente dados sejam postulados, é diferente; são estas diferenças, precisamente,

que nos interessam na Filosofia comparada. Por conseguinte, reduzir as diversas

doutrinas da Filosofia oriental e ocidental ao denominador supostamente comum da

linguagem de sentido comum é ver-se com pouco mais que os significados denotativos ou

de dicionário, e perder os diversos sentidos contextuais técnicos, próprios de cada

sistema, que são os fatores importantes em qualquer pesquisa filosófica.

Freqüentemente se diz que a Filosofia oriental é mais “religiosa” ou mais “idealista”

do que a ocidental. Tais afirmações, como veremos, são muito enganosas e as mais das

vezes sem valor, já que pressupõem que as palavras “religioso” e “ideal” têm a mesma

análise filosófica e os mesmos significados técnicos no Oriente e no Ocidente. Veremos,

por exemplo, que a religião budista é atéia e céptica com relação justamente às

características que o Ocidente considera essenciais para a crença na religião. Da mesma

maneira, em Ética, muitas doutrinas, como a ênfase no indivíduo, que o Ocidente tende a

considerar “boas”, o Oriente tende a tratar como “más”. Inversamente, no caso de fatores

imediatamente apreendidos, diferentes sistemas filosóficos no Oriente e no Ocidente

usam amiúde diferentes vocábulos de sentido comum para denotar a mesma coisa. Assim,

a mesma palavra em sistemas filosóficos diferentes designa muitas vezes significados

técnico - filosóficos inteiramente diferentes, e até opostos, e vários vocábulos de sentido

comum em sistemas diferentes muitas vezes denotam o mesmo significado.

Conseqüentemente, enquanto não tivermos uma terminologia técnica para a expressão

comensurável dos significados filosóficos precisos dos diversos sistemas filosóficos, as

tentativas de Filosofia comparada têm mais probabilidade de ser enganosas do que

esclarecedoras.

A terminologia do sentido comum, quando desenvolvida em varias contextos dos

numerosos tratados de uma única teoria filosófica, pode ser razoavelmente adequada para

orientar a pessoa para o significado técnico dessa doutrina em especial, mas, dada a

natureza do simbolismo e a matéria tratada pela Filosofia, não merece confiança para

servir de denominador comum no expressar e comparar sistemas filosóficos diferentes. A

Filosofia comparada deve ter uma terminologia técnica.

UMA TERMINOLOGIA TÉCNICA PARA A FILOSOFIA COMPARADA

Uma teoria de qualquer espécie, seja científica seja filosófica, é um corpo de

proposições, e um corpo de proposições, e um conjunto de conceitos. Os conceitos se

classificam em vários tipos de acordo com as diferentes fontes do seu significado.

Conseqüentemente, a designação dos diversos possíveis tipos principais de conceitos

deve proporcionar uma terminologia técnica com a generalidade suficiente para incluir

como caso especial qualquer possível teoria filosófica.

OS DOIS PRINCIPAIS TIPOS DE CONCEITOS

Um conceito é um termo ao qual se atribuiu um significado. Há duas maneiras

principais de se fazer esta atribuição. O vocábulo que em outras circunstâncias não tem

significado pode ser denotativamente associado com algum princípio ou conjunto de

princípios dados imediatamente, ou pode ter o seu significado proposto para ele

teoricamente pelos postulados da teoria dedutiva em que ele ocorre. Chamaremos, a esses

dois tipos básicos, conceitos por intuição e conceitos por postulação, respectivamente.

Espera-se que os vocábulos “intuição” e “postulação” orientem o leitor para os

sentidos precisos que se têm em vista. Como, porém, o nosso objetivo é oferecer uma

terminologia técnica, importa não deixar isto ao acaso; daí as seguintes definições:

Um conceito por intuição é aquele que denota alguma coisa imediatamente

apreendida, e cujo significado completo também é dado por tal coisa.

“Azul”, no sentido da cor percebida, é um conceito por intuição. Deve-se acentuar

que na nossa terminologia “intuição” se refere àquilo que se opõe diretamente ao que é

apreendido apenas indutivamente. Se só estivéssemos interessados no Ocidente poderia

ser melhor chamar este tipo de conceito de “conceito por indução”, e não “conceito por

intuição”. Como estamos interessados no Oriente, esta última designação tem algumas

vantagens. Mesmo assim, o leitor deve ter sempre em vista o nosso uso restrito do

conceito conforme está prescrito na definição acima.

Um conceito por postulação é aquele cujo significado completo é designado pelos

postulados da teoria dedutiva na qual ocorre. Qualquer conceito que possa ser definido

cm termos de tais conceitos chamaremos também de conceito por postulação. “Azul” no

sentido do número de um comprimento de onda na teoria eletromagnética é um conceito

por postulação.

Uma teoria dedutiva é um conjunto de proposições que se classificam em dois

grupos chamados postulados e teoremas, de tal forma que os postulados formalmente

implicam os teoremas por meio da relação lógica de implicação formal. Dados os

postulados, os teoremas podem ser provadas.

Ao considerarmos qualquer teoria, não devemos confundir prova com verdade.

Prova é uma relação entre proposições, isto é, entre aquelas que são postulados e as que

são teoremas; ao passo que a verdade é uma relação entre as proposições e o fato

imediatamente apreendido. Aquela é uma relação puramente formal, que cabe à

Matemática pura e à Lógica formal definir; esta é uma relação empírica que compete à

Ciência empírica e à Lógica empírica designar.

A relação de prova definida pela relação lógica formal de implicação formal, é

inteiramente independente da verdade ou falsidade das proposições que ela relaciona. As

provas dos teoremas nos Elementos de Euclides se sustentam independentemente da

questão empírica do valor- de- verdade, cujo objetivo é determinar se a Geometria

euclidiana é a do espaço do nosso universo real. A prova de Newton de que as

proposições dos seus Principia decorrem necessariamente, segundo fundamentos lógicos,

dos axiomas fundamentais da sua mecânica, é tão válida hoje quanto o era antes de a

verdade dessa mecânica haver sido questionada pelo experimento de Michelson-Morley e

pela análise de Einstein. Portanto, quando os postulados de uma teoria dedutiva são

definidos como as proposições da teoria que são tidas como não provadas e usadas para

provar os teoremas, isto não deve ser confundido com a questão inteiramente

independente da verdade ou falsidade dos postulados.

Se está claro o que se entende por postulado e por teoria dedutiva, estamos

preparados para compreender um conceito por postulação.

Nossa definição nos diz que tal conceito é aquele cujo completo significado é

designado pelos postulados da teoria dedutiva na qual ocorre. Em outras palavras, o único

significado que tal conceito tem é o que adquire em virtude das propriedades ou relações

a ele atribuídas pelo postulado ou pelo conjunto de postulados dentro dos quais ele é um

vocábulo- membro. Ele significa o que os postulados determinam que signifique, nada

mais, nada menos; isolado destes postulados, ele é uru signo sem sentido.

Quando se recorda que a prova dos teoremas em uma teoria dedutiva pode ser

estabelecida independentemente do conhecimento relativo à verdade dos teoremas ou dos

postulados, e quando a isto se acrescenta o fato de que as proposições podem ser

propostas como postulados, na construção de uma teoria dedutiva, sem se considerar se

há qualquer coisa denotativamente dada em apreensão imediata que é idêntica ao que as

proposições propõem, então se torna evidente que os conceitos que adquirem seu

significado de tais postulados podem ter significados que não são nem derivados de

qualquer coisa imediatamente apreendida nem diretamente refervíeis a tal coisa. Este é o

significado técnico de um conceito por postulação. Como se podem comprovar

empiricamente teorias formuladas em termos de tais conceitos é o que nos interessará

mais adiante.

A IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS POR POSTULAÇÃO

Os conceitos por postulação são particularmente importantes no mundo ocidental.

Nenhuma tentativa séria de designação precisa da principal diferença entre os sistemas

filosóficos ocidental e oriental pode menosprezá-los. Esta importância se revela em três

setores: (a) Ciência, (b) Filosofia e (c) Crenças do senso comum, cada um dos quais

merece consideração à parte.

CIÊNCIA OCIDENTAL

Na Ciência moderna, o primeiro uso dos conceitos por postulação e a primeira

distinção clara entre eles e os conceitos por intuição foi feita pelo homem que formulou

dedutivamente a Física moderna — Sir Isaac Newton. No começo dos seus Principia

escreve Newton: “Até aqui registrei as definições das palavras menos conhecidas e

expliquei o sentido em que desejaria fossem elas entendidas no discurso que se segue.

Não defino tempo, espaço, lugar e movimento, por serem bem conhecidos de todos. Devo

apenas observar que o homem comum concebe estas quantidades sem nenhuma outra

noção que não a relação que têm com objetos sensíveis. E daí surgem certos preconceitos,

para cuja eliminação será conveniente distingui-las em absolutas e relativas, verdadeiras e

aparentes, matemáticas e comuns”.

I. O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza,

flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa, e por outro nome se chama

duração: o tempo relativo, aparente e comum é alguma medida de duração sensível e

externa (precisa ou variável) por meio do movimento. (...).

II. O espaço absoluto, por sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa,

permanece sempre igual e imóvel. O espaço relativo é alguma dimensão ou medida

móvel dos espaços absolutos; que os nossos sentidos determinam pela sua posição com

relação aos corpos; (...).

Na linguagem mais precisa de nossa terminologia técnica, o que Newton está

dizendo em sua distinção entre espaço “matemático” e “percebido” é que há dois tipos

diferentes de conceitos para os quais se usa o termo “espaço”. Há “espaço” no sentido de

“espaço matemático”, que é um conceito por postulação, e há “espaço” no sentido do

“percebido” ou imediatamente apreendido, que é um conceito por intuição. Estes dois

conceitos não devem ser confundidos, observa ele, se se quer evitar “certos

preconceitos”. Na teoria dedutiva da Física, o que se usa é sempre espaço, tempo ou

movimento no sentido do proposto conceito por postulação. Ou, de forma mais concreta,

isto traz como conseqüência a circunstância de que, se se quer saber o que a Física

newtoniana designa com a expressão “objeto físico”, não se apreendem imediatamente as

formas coloridas da mesa ou da cadeira de sentido comum; em vez disso, examinam-se os

postulados dos Principia de Newton. Newton, com a expressão objeto físico, significa a

espécie de entidade que tem as propriedades e o comportamento prescritos por suas três

leis do movimento.

Entre “objeto físico” neste significado postulacionalmente prescrito e “objeto físico”

no sentido de um conceito por intuição há uma diferença enorme. De “objeto físico” neste

último sentido nada absolutamente pode ser deduzido. Como Hume mostrou, a relação

entre um fator imediatamente apreendido e outro é externa e contingente. Os Principia de

Newton demonstram, contudo, que de “objeto físico” no sentido do seu conceito por

postulação, cujo significado é dado pelos “Axiomas” dá sua Mecânica, todas as dúzias e

dúzias de proposições que constituem a maior parte do seu tratado podem ser deduzidas

como conseqüências necessárias. Entre estas proposições deduzidas ou provadas podem

encontrar-se as três leis keplerianas de movimento planetário e todas as leis importantes

empiricamente comprovadas de todo o sistema da Dinâmica.

Recentemente, Einstein substituiu os postulados newtonianos da Mecânica por um

conjunto diferente. Mas na teoria de Einstein existe a mesma distinção entre o tempo

postulado que flui “uniformemente” e o tempo percebido que flui sem “uniformidade”

(3). Assim, a Física contemporânea, assim como a Física tradicional moderna, distingue

entre conceitos por intuição e conceitos por postulação e formula sua teoria nos termos

desta última. Recentemente, o Professor Whitehead e outros, num ataque à “bifurcação da

Natureza” (3), que a distinção entre conceitos por intuição e conceitos por postulação

acarreta, tentaram sustentar que todos os conceitos científicos são conceitos por intuição

adquiridos imediatamente apreendidos por “abstração extensa”. Até agora, contudo, eles

não responderam à prova da Ciência apresentada contra esta tese pelo Professor Arthur

O. Lovejoy (4).

A presença de conceitos por postulação mostra, talvez, mais obviamente no caso do

conceito científico do elétron, ao qual foi dado significado preciso nos postulados da

teoria eletromagnética generalizada de Lorentz, vários anos antes de haver sido

confirmada experimentalmente pelo Professor J. J. Thomson, a existência de uma

entidade que possui as propriedades designadas pelos postulados de Lorentz. Neste caso,

com toda clareza, o conceito recebeu um significado postulacionalmente antes que

estivesse presente qualquer fonte proporcionada denotativamente. Além disso, um elétron

é pequeno demais para ser imediatamente apreendido. Seu diâmetro é tal, com relação ao

comprimento de onda de luz, que sua observação, não apenas praticamente, mas também

teoricamente, é ‘impossível.

Isto nos torna conscientes de um segundo significado dos conceitos por postulação.

É por meio deles que a Ciência alcança introduzir entidades e relações não observáveis na

sua teoria, e predizer teoricamente a existência de objetos científicos que só são

confirmados experimentalmente mais tarde, e ainda assim apenas de modo indireto.

Se só houvesse conceitos por intuição, nossas teorias científicas ou filosóficas não

se poderiam referir a nada além do que é apreendido imediatamente. Nossa concepção da

natureza das coisas se esgotaria com os limites toscos da nossa percepção pelos sentidos e

dos poderes da apreensão imediata, e todo conhecimento científico e filosófico do

Ocidente teria a inexprimível inefabilidade associada a tudo que é dado com imediação.

A FILOSOFIA OCIDENTAL

Não é por acaso que os mais eminentes filósofos ocidentais, de Demócrito, Platão e

Aristóteles, passando por Alberto Magno, Descartes, Leibnitz e Kant, até Russell e

Whitehead, foram matemáticos, físicos e biólogos antes de serem filósofos. A ciência

provada de uma cultura não pode usar conceitos referentes a fatores que não o que é

imediatamente apreendido sem que o efeito sobre a Epistemologia e a Metafísica se

tornem evidentes e inelutáveis. Na verdade, a Metafísica, quando definida sem

ambigüidade, é a tese de que há tanto conceitos por postulação como conceitos por

intuição; o positivismo, ao contrário, é a tese de que só há conceitos por intuição. E o

curioso, como mostraremos mais adiante, é que não é à Ciência do Ocidente, mas à

Filosofia e à religião do Oriente, que se deve recorrer se se quiser observar o que

acontece quando o positivismo é levado a sério.

Os conceitos por postulação foram primeiramente introduzidos na Filosofia

ocidental por Demócrito, devido à necessidade que a Física e a Matemática gregas tinham

deles (5). Platão apenas continuou o que Demócrito iniciara, analisando os átomos

inobserváveis da teoria democritiana no continuum intuitivamente dado que fornecia a

“matéria” deles e na razão matemática ideal que lhes determinava a forma geométrica (6).

A distinção de Demócrito e de Platão entre o “mundo dos sentidos” e o “mundo real (7)”

é um exemplo da nossa distinção entre o que é dado à percepção imediata, tal como

denotado por conceitos por intuição, e o que é proposto por teoria dedutiva científica e

filosófica, tal como designado por conceitos por postulação.

Aristóteles, por outro lado, em virtude da falência dos postulados das teorias

democritiana e platônica na Matemática grega, devido à sua incapacidade de confirmar o

método eudoxiano de exaustão (8) e por causa de sua preocupação com a Biologia, foi

obrigado a rejeitar todos os objetos científicos postulados, tais como os átomos físicos de

Demócrito ou os átomos estereométricos de Platão, e a admitir na Ciência e na Filosofia

apenas conceitos por intuição (9). Isto o levou a negar qualquer “bifurcação” entre o real

tal como é dado aos sentidos em observação e o real tal como é compreendido

postulacionalmente na teoria dedutiva; aquele, quando apreendido no seu caráter lógico,

exaure a realidade. Em seu ataque contra a “bifurcação” da Ciência moderna tradicional e

contemporânea o Professor Whitehead recentemente voltou a esta tese aristotélica.

Os estudiosos contemporâneos têm revelado tendência a perder-se em sua

interpretação de Platão e de Aristóteles por não conseguirem distinguir entre conceitos

por postulação e conceitos por intuição, não notando que “idéia” para Platão é um puro

conceito por postulação, ao passo que para Aristóteles é em parte um conceito por

intuição. A distinção, na filosofia de Platão, entre “sensíveis”, “matemáticos” e “idéias”,

a que Aristóteles se refere no primeiro livro da Metafísica e que se mostrou possuir

conteúdo científico especifico nas teorias matemáticas e astronômicas do tempo de Platão

(10), também gira em torno da nossa distinção entre conceitos por intuição e conceitos

por postulação. Um “sensível” é um conceito por intuição cujo significado é dado por

reconhecimento imediato através da percepção pelos sentidos. “Matemáticos” e “idéias”

(isto é, razões), de outra parte, são conceitos por postulação. A clarificação da distinção

entre “matemáticos” e “idéias” deve aguardar o desenvolvimento adicional, mais adiante,

da nossa terminologia técnica para a Filosofia comparada, e especialmente a classificação

dos diversos tipos possíveis de conceitos por postulação.

Feito isto, tornar-se-á evidente também que certas reservas devem ser feitas à

designação das teorias aristotélica e whiteheadiana da Ciência e da Filosofia como teorias

que usam apenas conceitos por intuição. Este seria o caso no sistema aristotélico se os

“sensíveis” fossem tomados apenas em seu caráter puramente psicológico pelo “intelecto

passivo”; no momento, porém, em que os tomamos em seu caráter lógico como uma

“forma positiva”, como se faz na transição do “intelecto” passivo” para o “intelecto

ativo”(11), aí se introduziu, então, um tênue elemento por postulação. A alteração não é

que se rejeite, denotativamente, conceitos dados por intuição da teoria científica que se

adota, substituindo-os por conceitos por postulação apenas teoricamente designados,

como o fazem Demócrito, Platão e os físicos modernos, mas que, conservando e usando

apenas conceitos por intuição, postulam-se, dos seus significados dados intuitivamente,

uma condição lógica e a persistência imortal resultante além dos breves espaços de tempo

durante os quais eles realmente são percebidos. Em outras palavras, aceitam-se apenas

conceitos por intuição que se tratam, para usar a linguagem de Whitehead, como “objetos

eternos”. O que se quer significar é algo dado apenas por apreensão imediata. A este

conteúdo imediatamente apreendido, que é transitório pela forma como é percebido,

acrescentam-se por postulação apenas uma condição e uma persistência lógica imortal. É

precisamente este tênue elemento de postulação, acrescentado a puros conceitos por

intuição, que distingue teorias obviamente metafísicas como as de Aristóteles e

Whitehead do positivismo.

Nunca será demais acentuar que os “objetos eternos” de Whitehead e as “formas” de

Aristóteles são muito diferentes das “idéias” de Platão. Uma “idéia” aristotélica, como

um “objeto eterno” whiteheadiano, é um “sensível” platônico ao qual se dá persistência

imortal por postulação. Uma “idéia” platônica, por outro lado, não é nem em parte um

“sensível”; “idéias” e “sensíveis” são coisas totalmente diferentes. Platão concorda com

os positivistas e os filósofos do Oriente em que os “sensíveis” são nominalistas e

puramente transitórios. E é precisamente por isso que ele diz que o mundo da percepção é

um mundo de devenir, e não um mundo de ser. Somente abandonando conceitos por

intuição (isto é, os “sensíveis” platônicos) e formulando sua teoria científica e filosófica

completamente em termos de conceitos por postulação (isto é, “idéias” platônicas) que a

pessoa pode encontrar as invariantes submetidas ao princípio de ser que dão

“conhecimento genuíno” de acordo com Platão.

A formação de “idéias” de Aristóteles e de Whitehead, mediante a atribuição de uma

condição eterna aos “sensíveis”, é conseqüência necessária da sua rejeição da

“bifurcação”. Repudiados todos os objetos ou fatores científicos cuja manutenção é

garantida pela postulação, nenhum significado pode ser proporcionado às leis da Ciência

que se apliquem, mesmo quando o cientista não está observando, a não ser introduzindo

clandestinamente, nos dados transitórios da percepção dos sentidos, uma persistência

imortal que eles não possuem.

Platão forma “idéias” rejeitando inteiramente conceitos por intuição na formulação

da teoria dedutiva da sua ciência e da sua filosofia e usando apenas conceitos por

postulação. Ademais, estes conceitos por postulação recebem tais significados pelos

postulados da teoria dedutiva em que ocorrem segundo os quais eles não designam nada

sensível ou imaginável. No Sexto Livro da República, ao descrever a passagem de

dialética dos “matemáticos” nas hipóteses das ciências para as “idéias”, Platão afirma que

“não se faz uso de imagens” (pág. 510). Não é que se dê aos ‘‘sensíveis” ou imagens’’

uma condição imortal lógica; não as usamos de forma alguma. Uma “idéia” platônica,

com relação ao seu conteúdo assim como à sua imortalidade, é uma espécie bem diferente

de conceito.

Mas não são apenas a Filosofia grega de Demócrito e de Platão e a Ciência moderna

que usam conceitos por postulação. Isto se aplica até às crenças ocidentais de senso

comum.

CRENÇAS DO SENSO COMUM

Berkeley e Hume mostraram que mesmo as nossas crenças mais comuns, tais como

a suposição de que há objetos físicos públicos ou mentes que não as nossas, envolvem

muito mais do que a mera observação ou a apreensão imediata podem dar. Estas crenças,

como as teorias comprovadas da Ciência moderna, são propostas por postulação e

confirmadas apenas indiretamente por observação; não são dadas nem garantidas

completamente apenas pelo exame direto. Os erros dos nossos juízos perceptuais

demonstram isto.

Tal presença de conceitos por postulação mesmo nas crenças comuns do leigo é

ofuscada pelo fato de que os postulados em questão foram comprovados através das suas

conseqüências dedutivas tantas vezes na nossa experiência diária que chegamos a

considerar sua fidedignidade como quase tão segura quanto a nossa crença em fatores

imediatamente apreendidos, tais como cores e sons.

Na verdade, porém, há uma enorme diferença. A crença na existência de cores só é

garantida pela observação ou pela mera apreensão imediata, e envolve conseqüentemente

apenas conceitos por intuição. A crença em mesas e cadeiras e em outras pessoas

depende, porém, da postulação de mais do que é imediatamente percebido e da

verificação da hipótese que formulamos deduzindo conseqüências lógicas dai e

confirmando as deduções. Como o que é postulado envolve mais do que proporciona a

mera observação imediata, estão presentes conceitos por postulação.

Quando se passa dos objetos do senso comum para os objetos postulados de Ciência,

mais dedutivamente férteis e adequados, aumenta a quantidade de significado introduzida

na teoria ocidental por postulação, e o que se significa diverge cada vez mais dos

significados proporcionados pelos conceitos por intuição, que se restringem de todo ao

imediatamente percebido. Como explicou um dos mais ilustres físicos matemáticos

contemporâneos, “os desenvolvimentos físicos modernos exigiram uma matemática que

muda seguidamente seus fundamentos e se torna mais abstrata”. Acrescenta, além disso,

que “os problemas fundamentais da Física teórica que aguardam solução” requerem, nos

nossos conceitos fundamentais, mais alterações, de “tal magnitude, que estará além do

poder da inteligência humana conseguir as idéias novas necessárias mediante tentativas

diretas de formular os dados experimentais em termos matemáticos”. Em resumo, os

conceitos por intuição são inteiramente inadequados. Continua o Professor Dirac: “O

trabalhador teórico terá, portanto, no futuro, que proceder de maneira mais indireta, O

método mais eficaz de progresso que pode sei sugerido atualmente é o emprego de todos

os recursos da Matemática pura em tentativas de aperfeiçoar e generalizar o formalismo

matemático que forma a base existente da Física teórica, e, após cada sucesso nesta

direção, tentar interpretar as novas características matemáticas em termos de entidades

físicas (12)”.

Esta presença de conceitos por postulação dedutivamente formulados tanto no senso

comum como na teoria científica foi indicada por Albert Einstein num trabalho relativo a

Clerk Maxwell: “A crença num mundo externo independente do indivíduo que percebe é

a base de toda a Ciência Natural. Como, porém, a percepção dos sentidos apenas dá

informações sobre este mundo externo ou sobre a ‘realidade física’ indiretamente (isto é,

através das conseqüências dedutivas da nossa hipótese científica) (13) só podemos

apreender esta última por meios especulativos (isto é, postulando mais do que

imediatamente percebemos). Segue-se daí que as nossas noções da realidade física nunca

podem ser finais. Devemos estar sempre prontos para mudar estas noções — quer dizer, a

subestrutura axiomática da Física (isto é, seus conceitos por postulação) — a fim de fazer

justiça aos fatos percebidos da maneira mais logicamente perfeita. Na realidade, um

relance ao desenvolvimento da Física mostra que ela sofreu mudanças profundas com o

passar do tempo”.

Como a crença no mundo externo é uma crença tanto de senso comum quanto de

Ciência Natural e, portanto, é, quando muito, apenas uma hipótese indiretamente

confirmada e altamente provável, exposta em termos de conceitos por postulação, e não

uma certeza imediatamente percebida denotada por conceitos por intuição, esta crença,

também, não precisa ser a única para o senso comum. Pode não haver teorias mesmo para

o senso comum. Outras que não as que o Ocidente usa? A resposta deve ser afirmativa.

Podem ser encontradas no Oriente. É necessária uma designação dos possíveis subtipos

de conceitos por postulação e conceitos por intuição para tornar isto claro.

POSSÍVEIS TIPOS DE CONCEITOS POR POSTULAÇÃO

Podemos postular entidades ou estruturas que podemos imaginar mas não perceber,

e podemos postular fatores que não podemos nem perceber nem imaginar. Chamaremos

de conceito por imaginação um conceito por postulação que designe as primeiras, e o que

designe os últimos, conceito por intelecção.

Os centauros, os átomos de Demócrito, os platônicos sólidos uniformes do Livro

XIII de Euclides e os modelos atômicos da Física atômica clássica de Bohr e de

Rutherford constituem exemplos de conceitos por postulação que são conceitos por

imaginação. As estruturas multidimensionais da Física matemática, nos casos em que as

dimensões sejam maiores em número do que três, são exemplos de conceitos por

postulação que são conceitos por intelecção. Não se podem imaginar mais do que três

dimensões, porém com o uso de conceitos por postulação os físicos matemáticos não têm

dificuldade em definir um espaço de qualquer quantidade de dimensões. A razão (“idéia”)

que define o aspecto em que duas figuras geométricas similares (“matemáticos”) são

idênticas na Matemática platônica, consideradas separadamente das duas figuras

percebidas ou imaginadas, de diferentes tamanhos, em que a razão idêntica está

incorporada, é outro exemplo. Assim, a distinção platônica entre “matemáticos” e

“idéias” é, quando expressa sem ambigüidade na nossa terminologia técnica, a diferença

entre um conceito por postulação que é um conceito por imaginação e um conceito por

postulação que é um conceito por intelecção. As teorias dedutivas da Física do século

XIX, que exigia modelos físicos imagináveis, usaram conceitos por imaginação. As

teorias dedutivas da Física contemporânea, que só podem ser expressas

matematicamente, dispensam conceitos por imaginação e usam apenas conceitos por

intelecção.

Conceitos por imaginação e conceitos por intelecção classificam-se igualmente em

dois grupos, que denominaremos pluralista e monista. Os conceitos monistas designam

um só fator que tudo abarca; os conceitos pluralistas designam muitos fatores

externamente relacionados.

A teoria atômica cinética de Demócrito ou a teoria cinética de calor e gases da

Física de partículas clássica moderna são exemplos de um conceito pluralista por

imaginação. A substância etérea da Física de campo pré - relativista é exemplo de um

conceito monístico por imaginação. As quatro razões primitivas dos quatro triângulos

atômicos da Matemática platônica exemplificam um conceito pluralista por intelecção. A

equação tensorial para a gravidade, de Einstein, que designa as propriedades métricas

invariantes do espaço - tempo de quatro dimensões, ilustra um conceito monístico por

intelecção.

Além de conceitos por imaginação e conceitos por intelecção, há um terceiro tipo

importante de conceito por postulação que a nossa consideração de crenças do senso

comum indicou. Não somente os átomos e as equações tensoriais representam fatores

postulados, mas também os representam os objetos externos comuns e as mentes de

outras pessoas. A conceitos que designem estes objetos de senso comum chamaremos

conceitos por percepção. Mesas, cadeiras e objetos comuns e pessoas de trato social são

exemplos. Ao designar tais conceitos como conceitos por percepção, é importante

distinguir “percepção” neste sentido da compreensão imediata. Como mostraram

Berkeley e Hume, e como antes indicamos, “os objetos perceptuais não são fatores

imediatamente compreendidos; são postulados de senso comum tão completa, freqüente e

inconscientemente comprovados através de suas conseqüências dedutivas, que apenas os

críticos dão-se conta de que eles são postulados e não imediatamente compreendidos.”

Os conceitos por percepção também se classificam em dois grupos: pluralista e

monista. Os numerosos objetos físicos e as pessoas de trato comum exemplificam

conceitos pluralistas por percepção. O espaço único e publicamente percebido dentro do

qual estes objetos perceptuais pluralistas estão localizados é exemplo de um conceito

monista por percepção.

Nosso exame da diferença entre as “idéias” de Platão, as quais são conceitos por

postulação que são conceitos por intelecção, e as “idéias” de Aristóteles ou os “objetos

eternos” de Whitehead, que são conceitos por intuição para os quais uma condição lógica

imortal foi postulada, indica a possibilidade de um quarto tipo, fronteiriço, de conceito

por postulação. Chamaremos a este quarto tipo conceitos lógicos por intuição. São

conceitos cujo conteúdo é dado pela apreensão imediata e cuja persistência imortal é

proposta por postulação.

Há, também, conceitos lógicos por intuição pluralistas e monistas. “Quente” no

sentido da sensação imediatamente percebida que funciona como uma “forma por

privação” (14) na Física de Aristóteles, e os “objetos eternos” de Whitehead em sua

relação de disjunção mútua, são exemplos do pluralismo. O “Motor Não- Movido” da

teologia de Aristóteles, na qual as formas pluralistas são tratadas como unidade

hierárquica, é um exemplo monístico.

Resulta, então, a seguinte classificação de Conceitos por Postulação:

I Conceitos por Intelecção - Conceitos por postulação que designam fatores que não

podem ser nem imaginados nem percebidos.

(a) Monista. P. ex., O continuum espaço- tempo da Física de campo de Einstein.

(b) Pluralista. P. ex., As razões atômicas de Platão.

II Conceitos por Imaginação - Conceitos por postulação que designam fatores que

podem ser imaginados mas não percebidos.

(a) Monistas. P. ex., O conceito etéreo da Física de campo pré- relativista clássica.

(b) Pluralista. P. ex., Os átomos e moléculas da Física de partículas clássica.

III Conceitos por Percepção - Conceitos por postulação que designam fatores em

parte percebidos e em parte imaginados.

(a) Monistas. P. ex., O espaço público da vida diária.

(b) Pluralista. P. ex., Outras pessoas, mesas, cadeiras e a lua esférica com o seu lado

escondido que não vemos, bem como o seu lado manifesto que vemos.

IV Conceitos lógicos por Intuição - Conceitos que designam fatores, cujo conteúdo

é dado através dos sentidos ou por mera abstração da totalidade da percepção pelos

sentidos e cuja universalidade e imortalidade lógicas são dadas por postulação.

(a) Monista. P. ex., “O Motor Não- Movido” na Metafísica de Aristóteles.

(b) Pluralista. P. ex., Os “objetos eternos” de Whitehead, as essências de Santayana ou as

“idéias” de Aristóteles.

Como os conceitos lógicos por intuição são conceitos por postulação apenas na

medida em que sua imortalidade está em causa e são conceitos por intuição com relação

ao seu conteúdo, proporcionam uma transição natural do tipo genérico de conceito para o

outro.

OS POSSÍVEIS CONCEITOS POR INTUIÇÃO

Os conceitos por intuição adquirem todo o seu significado do que é imediatamente

percebido, cumpre considerar seu caráter geral e os fatores que ele contém a fim de

designar os possíveis tipos de tais conceitos.

Devemos começar com a imediação que tudo abarca e de que provém qualquer

teoria, oriental ou ocidental. Esta imediação se mostra como um continuum ou campo

diferenciado. Pareceria que todas as pessoas concordariam com isto como designação

correta do que se percebe imediatamente, por mais diferentemente que pudessem analisá-

la à medida que a pesquisa se desenvolve. Será bom ter um nome para este fato que tudo

abarca, fato inicial e imediatamente apreendido, com o qual toda tentativa de chegar a

uma descrição da experiência deve começar. Chamá-lo-emos o continuum estético

diferenciado. A palavra “continuum” e usada para denotar o fato de que o que

apreendemos imediatamente é um campo que tudo abarca. A palavra “diferenciado” foi

escolhida para indicar que dentro deste campo ocorrem fatores em uma parte diferentes

dos de outra. Imediatamente percebemos um campo que é branco aqui e azul ali. O

adjetivo “estético” se acrescenta para assegurar que o que se indica é o qualitativamente

inefável, emocionalmente comovente continuum de cores, sons e sentimentos que o

artista apresenta na imediação dele, e não o continuum logicamente definido da Física

matemática que é um conceito por postulação (15); também o que Prall chamou de

“superfície estética” considerada em e por si se percebe imediatamente; o objeto externo

de senso comum que o objeto estético às vezes simboliza é um conceito por postulação, e

não um conceito por intuição. Tal fato inicial, complexo, denotativamente dado,

considerado em sua totalidade sem que nada seja deixado de lado, é o que significamos

como conceito do continuum estético diferenciado.

Como o continuum estético diferenciado, com toda a sua imediação estética e

emotiva, inclui tudo que se percebe imediatamente, todos os outros conceitos por intuição

derivam dele por abstração. Com o termo “abstração” queremos referir-nos, em todo este

capítulo, à consideração de certos fatores imediatamente percebidos separadamente do

seu contexto imediatamente percebido; não queremos dizer o “abstrato” no sentido do

postulado. Já se observou que o continuum diferenciado estético contém dois fatores

abstraíveis. Há (a) o campo ou continuum separado das diferenciações que há dentro dele

ou das propriedades definidas que o caracterizam, e há (b) as diferenciações ou

propriedades definidas separadamente do continuum que as percorre e as abarca. O

primeiro, (a), é o que chamaremos de continuum estético indefinido ou não - diferen-

ciado, e o último, (b), já que há muitas, as diferenciações.

Chegamos, portanto, aos três principais conceitos por intuição, a saber:

I. O Conceito do Continuum Estético Diferenciado,

II. O Conceito do Continuum Estético do Indefinido ou Não- diferenciado,

III. Os Conceitos das Diferenciações. A estes, por motivos que adiante se darão,

denominaremos também Conceitos por Inspeção.

Das denominações dadas acima, deduz-se que são válidas as seguintes relações:

I - II com III;

II - sem III;

III - I sem II.

É importante notar que tais relações não definem os significados destes três

conceitos da maneira pela qual os postulados de uma teoria dedutiva prescrevem o

significado dos conceitos por postulação dentro dos postulados. Os conceitos 1, II e III

são conceitos por intuição. Logo, o leitor, para obter o seu significado, deve verificar o

que eles denotam em percepção imediata. Mesmo então o pleno significado só pode ser

alcançado mediante a consideração do que é percebido.

O mais difícil destes três conceitos para a compreensão do ocidental é o segundo.

Isso acontece devido à influência de Berkeley e de Hume, que insistiram em que todos os

conceitos são conceitos por intuição, mas inclinando-se a considerar o continuum nada

além de um conjunto de características secundárias e terciárias. Um exame do que se

percebe imediatamente mostrará que isto é falso. Nós inspecionamos diretamente, não

apenas o que é branco ou barulhento, mas também as características que estão num

campo. O campo é dado tão imediatamente quanto qualquer característica especifica, seja

secundária seja terciária, que esteja dentro dele. Além disso, a maior parte do campo

percebido diretamente é vago e indefinido. Apenas no que William James chamou seu

centro é que há especificidade e exatidão. Assim, é evidente que o continuum indefinido,

indeterminado, estético é tão imediatamente apreendido quanto as diferenciações

específicas que estão dentro dele. Segue-se que o conceito do continuum indefinido ou

indiferenciado, alcançado por abstração do continuum diferenciado estético, é um

conceito por intuição, e não um conceito por postulação.

Os conceitos por intuição que são conceitos das diferenciações dividem-se em dois

grupos. As diferenciações que se percebem imediatamente podem ser dadas (a) através

dos sentidos ou (b) introspectivamente. Às primeiras chamaremos conceitos por sensação

e às últimas conceitos por introspecção. “Azul”, no sentido de cor imediatamente sentida,

é um conceito por sensação. As “necessidades” e as imagens da fantasia são exemplos dê

conceitos por introspecção. Chamaremos também os conceitos por sensação e os

conceitos por introspecção, de acordo com o Professor C. l. Lewis, de “conceitos por

inspeção”. Os conceitos por inspeção são, na nossa terminologia técnica, idênticos aos

conceitos das diferenciações. Esta última terminologia é melhor no sentido de que nos

recorda que os dados dos sentidos e as características terciárias não têm existência isolada

do continuum ou campo estético dentro do qual aparecem e do qual são abstraídos. A

terminologia do Professor Lewis é melhor no sentido de que oferece um único conceito

para designar quer os conceitos por sensação quer os conceitos por introspecção.

Usaremos a terminologia mais sugestiva em cada caso. Não advirá nenhuma confusão

contanto que o leitor se lembre de que os conceitos das diferenciações e os conceitos por

inspeção denotam, e portanto significam, já que são conceitos por intuição, precisamente

a mesma coisa.

O Professor George P. Conger chamou a minha atenção para um conceito adicional

por intuição alcançável do continuum estético diferenciado por abstração. É uma

característica específica, a que não se deu a devida atenção, examinada no continuum

estético com todas as outras diferenciações, mas não o próprio continuum. Tal conceito

por intuição nós o denominaremos conceito de campo por inspeção. Uma filosofia que

toma como básico e suficiente este tipo de conceito será positivista no sentido de que

admite apenas conceitos por intuição, mas diferirá da maior parte da doutrina positivista

ocidental ao sustentar antes uma teoria monista do que pluralista do que é percebido

imediatamente. A este respeito, é sugestiva a filosofia de Bradley, como também o é a

psicologia da Gestalt.

Chegamos à seguinte classificação dos principais conceitos por intuição:

I. O Conceito do Continuum Estético Diferenciado - A totalidade do imediatamente

percebido sem que nada seja abstraído.

II. O Conceito do Continuum Indefinido ou Indiferenciado - O Continuum intuído isolado

de todas as diferenciações.

III. Os Conceitos das Diferenciações Conceitos por Inspeção - Conceitos Atômicos por

Inspeção - As características específicas examinadas ou as diferenciações consideradas

isoladamente do continuum.

(a) Conceitos por Sensação - III dados através dos sentidos.

(b) Conceitos por introspecção - dados introspectivamente.

IV. Conceitos de Campo por Inspeção - qualquer exemplo de III considerado como

inseparável de II.

Isto completa a classificação dos diversos tipos possíveis de conceitos a partir dos

quais pode ser construída qualquer teoria científica ou filosófica. Como ela esgota os

meios possíveis principais de proporcionar significados aos termos, nossa terminologia

técnica para a Filosofia comparada pode ser considerada apresentada.

As diversas doutrinas filosóficas podem agora ser comparadas notando-se quais os

possíveis tipos de conceitos que admitem. Com esta terminologia também se podem

definir diferentes teorias filosóficas. O positivismo, por exemplo, é a tese de que só há

conceitos por intuição, O positivismo ocidental, além disso, tem-se inclinado a sustentar

que todos os conceitos por intuição são definíveis em termos de conceitos atômicos por

inspeção ou redutíveis a eles. Uma teoria metafísica, por outro lado, é a que sustenta que

há também conceitos por postulação. Conforme mostramos, a tendência geral da Ciência

e da Filosofia ocidentais tem sido no sentido de exigir conceitos por postulação.

Somente nos períodos de transição do desenvolvimento do pensamento ocidental,

como o período atual, no qual os conceitos tradicionais por postulação estão-se

esboroando e antes que os conceitos científicos que substituíram os antigos sejam

ordenados filosoficamente é que aparecem no Ocidente o positivismo e sua tentativa de

restringir toda a realidade ao imediatamente percebido.

Os conceitos por intuição são particular e continuamente importantes no Oriente,

fato que se tornará claro mediante o exame das mais importantes doutrinas da Filosofia

oriental.

No que se segue, deve ser acentuado que estamos buscando o denominador comum

de concordância subjacente às inúmeras diferenças que há na Filosofia e na religião

orientais, da mesma forma como mais adiante tentaremos indicar o fator comum no

Ocidente que distingue a Filosofia ocidental da oriental. O elemento básico de

concordância em diferentes sistemas orientais não impede que, em casos especiais, eles

introduzam suposições adicionais que em muitos respeitos tornarão algumas das suas

posições semelhantes às do Ocidente. Da mesma forma, a principal ênfase em todo o

pensamento ocidental que nos distingue do Oriente não impede que os nossos filósofos e

teólogos às vezes sustentem posições nitidamente orientais.

OS PRINCIPAIS SISTEMAS ORIENTAIS

BRAMANISMO

É lugar-comum na Filosofia indiana referir-se ela ao real como algo que não pode

ser apreendido pelo raciocínio ou por métodos lógicos. Charles Johnston, em seu

comentário sobre o Kena Upanixade (16), resumiu da seguinte maneira a atitude dos

hindus: “todas as filosofias racionalistas terminam, e terminam inevitavelmente, em

agnosticismo. Tal é a conclusão lógica da busca de conhecimento desta maneira por esse

meio (...) inspirado e posto em movimento pela intuição, (...) o filósofo racionalista

imediatamente vira as costas à intuição e entrega a tarefa ao espírito inferior, que é

incapaz de encontrar a resposta. Tendo começado com a intuição, ele deve continuar com

a intuição”. Conforme está expresso no Katha Upanixade, “Nem deve este espírito ser

conquistado pelo raciocínio (17); (...) Deve ser percebido (...) por experiência direta (18).

Isto significa que o conceito ou conceitos que designam a realidade não podem ser

conceitos por postulação e devem ser conceitos por intuição. O nosso problema, portanto,

é determinar qual dos quatro principais tipos possíveis de conceito por intuição é usado”.

Na primeira página do prefácio à sua obra clássica sobre A Filosofia dos

Upanixades (19) Paul Deussen escreve que os “pensamentos dos Vedanta (...) se

tornaram para a Índia uma atmosfera espiritual permanente e característica. (...) Para

todos os brâmanes indianos, hoje em dia, os Upanixades são o que o Novo Testamento é

para os cristãos”. No capítulo III, sobre “A Concepção Fundamental dos Upanixades”,

acrescenta que “todos os pensamentos dos Upanixades se movem em torno de duas idéias

fundamentais, a saber, 1) o Brâmane e 2) o Atman (20) Em seguida, mostra que o

Brâmane “é idêntico ao Ãtman”, sendo o primeiro o princípio cósmico do Universo e o

último este mesmo princípio em seu “caráter psíquico” (21). Se, portanto, concentrarmos

a atenção no conceito do Brâmane, teremos o fator fundamental do sistema dominante da

Filosofia indiana.

No capítulo V, Deussen nos diz o que significa este conceito. “O Brâmane”,

escreve, “é, nos homens e em todos os objetos do universo, aquilo que permanece quando

extraímos deles tudo que não seja não- eu, alheio ou diferente” (22). Em outras palavras,

o Brâmane é tudo que apreendemos imediatamente, com todas as distinções e

diferenciações extraídas de dentro dele. Se o leitor voltar à nossa classificação dos

conceitos por intuição possíveis, verá que é precisamente assim que caracterizamos o

conceito do continuum estético indefinido ou indiferenciado.

Os Upanixades corroboram esta conclusão. O Brihãdaratjyaka Upanixade contém a

seguinte passagem representativa: “Não se demonstrou que o Brâmane, o objeto do

conhecimento, é livre de todas as diferenças, como antes de, atrás de e “circunstâncias

semelhantes, uniforme e, como um torrão de sal, de um gosto só?” (23) A referência ao

gosto mostra que estamos lidando com um conceito por intuição, e a liberdade “de todas

as diferenças” indica que o conceito por intuição em questão não pode ser outra coisa

senão o conceito do continuum indiferenciado ou indefinido.

O mesmo Upanixade também acrescenta explicitamente que o conceito básico não é

um conceito por intuição que é um conceito por inspeção. “Aquilo que os sábios chamam

imperecível (...) não é grosso nem fino, nem curto nem longo, nem vermelho (como fogo)

nem fluido (como água), nem sombreado nem escuro, nem vento nem éter (espaço), nem

adesivo (como goma), sem gosto nem cheiro, sem olho nem ouvido, sem fala, seta

compreensão, sem força vital e sem respiração, sem boca nem tamanho, sem interior nem

exterior; nunca consumindo nada, nem sendo consumido por qualquer coisa” (24). Em

outras palavras, o fato imediatamente apreendido denotado pelo Brâmane não é nem uma

característica secundária dada aos sentidos nem uma qualidade terciária conhecida

introspectivamente. Como é conhecido, não pela intuição mas pela razão ou pela

postulação, nada resta para ele senão ser o continuum indefinido ou indiferenciado dentro

do qual aparecem as características transitórias secundárias e terciárias.

O hindu não nega conceitos por intuição que são conceitos por inspeção. As

diferenciações inspecionadas dentro do continuum intuído existem, mas são transitórias

exatamente na medida em que são percebidas. Como rejeitou a razão e os seus conceitos

por postulação, não há atribuição de imortalidade ao que é examinado como temporário, à

maneira das “formas” de Aristóteles, das “essências” de Santayana ou dos “objetos

eternos” de Whitehead. O hindu rejeita todos os conceitos lógicos por inspeção. Todos os

conceitos das diferenciações são puros conceitos por intuição sem que se acrescente

nenhum caráter ou imortalidade lógicos postulados. Neste ponto, como em todos os

outros, o hindu é um positivista completo. Não há conceitos por postulação, mas apenas

por intuição.

Mesmo com relação ao Brâmane, nada é postulado, tudo é imediatamente

apreendido. Na discussão entre a Morte e Nachiketas na Casa da Morte há a seguinte

conversação:

“Morte: ‘Um mortal que ouviu isto e o abraçou, que o separou de todas as suas

características, e que assim alcançou o Ser sutil, regozija-se, (...) A casa do Brâmane está

aberta, creio eu, ó Nachiketas.’

Nachiketas: ‘Fala do que vês como nem isto nem aquilo, como nem efeito nem causa,

como nem passado nem futuro’ ” (25).

Evidentemente o Brâmane é aquilo “de (que) todas as características” foram

“separadas”. Também não é uma entidade postulada não vista, imaginada ou pensada; é

“aquilo que se vê”; está imediatamente “aberto” para a gente. Quando se separam todas

as diferenciações e características distinguíveis da totalidade do imediatamente

apreendido apenas resta o continuum indefinido ou indiferenciado.

Como o que percebemos imediatamente é um continuum que abarca tudo que

percebemos, o continuum indiferenciado e o princípio cósmico” ou Brâmane. Como o eu

imediatamente percebido é o continuum intuído ilimitado que abarca as características e

sentimentos locais perscrutados transitórios, e não apenas os últimos, o continuum

indiferenciado intuído é “o princípio físico” ou o “eu” ou o Ãtman. Assim, conforme

mostrou Deussen, o Brâmane e o Ãtman são idênticos. Na nossa terminologia técnica, o

eu é um conceito de campo por intuição, não um mero conjunto transitório de conceitos

atômicos por inspeção.

O caráter de campo do Brâmane e do Atman (o Eu) que é idêntico ao Brâmane está

explicitamente afirmado nos livros sagrados da doutrina hindu. “Um oceano é o que vê,

sem qualquer qualidade; este é o mundo - Brâmane”. O eu “não conhece nada que esteja

fora, nada que esteja dentro”. Tudo que é imediatamente apreendido está no continuum.

“Mas não há então nenhum segundo, nada mais diferente dele que ele chegasse a ver”.

Sua “natureza é como o éter” (26).

As diferenciações dentro do continuum intuído que é o eu são transitórias. O campo,

ou o próprio continuum intuído, isolado das diferenciações que vão e vêm dentro dele,

não e transitório. Esta distinção entre estes dois tipos de fatores intuídos que constituem o

eu complexo, diferenciado, intuído, é a chave para a doutrina da salvação na religião

oriental.

Para compreender isto, e necessário tentar compreender por que os hindus e, como

mostraremos, todos os principais líderes filosóficos e religiosos orientais consideram a

percepção imediata, sem qualquer recurso aos postulados da razão, capazes de garantir o

caráter imortal ou não - transitório do continuum imediatamente apreendido e

indiferenciado que é a parte “verdadeira” do eu. A razão é que o transitório é o temporal,

e somente a intuição nos informa de que o tempo não abarca todo o continuum, desse

modo tornando este último transitório, mas é, ao Invés, intuído como apenas uma

dimensão que se projeta contra as dimensões espaciais distinguíveis. O continuum

integral, envolvendo dimensões espaciais outras que não a dimensão temporal, é mais do

que o temporal e, portanto, está fora dele, e assim escapa à transitoriedade de qualquer

coisa temporal. O temporal e o transitório estão dentro do continuum em vez de estar o

continuum dentro do tempo. Conseqüentemente, o campo componente do eu complexo e

intuído não está sujeito aos estragos do tempo.

Uma vez compreendido isto, a Filosofia e a religião dos Upanixades se tornam

inteligíveis como tese puramente empírica. Não há realidade a não ser a que é

imediatamente apreendida. Aquilo que é imediatamente apreendido é divisível em dois

fatores: um, as diferenciações específicas dadas através dos sentidos ou

introspectivamente; o outro, o continuum imediatamente apreendido que não é dado por

qualquer sentido específico. O continuum imediatamente inspecionado, considerado

isoladamente das suas diferenciações, é não - transitório. As diferenciações são todas

temporárias e condenadas a morrer. Como afirma o Katha Upanixade,

“Aquilo que permanece inaudível, intangível, invisível,

que não pode ser nem provado nem cheirado, imperecível,

É o que se mantém eterno, sem princípio nem fim, maior do que o Maior.

Quem sabe disso escapou das faces da morte” (27).

Um ocidental pode perguntar-se como o conhecimento do que é denotado pelo

conceito do continuum indeterminado permitirá que se escape das “faces da morte”. Esta

pergunta marca também a transição do Brâmane para o Ãtman. O conhecedor

imediatamente percebido, porém, considerado como uma criatura determinada, não é

primordial e irredutível. Ele, como o objeto determinado e intuído do conhecimento,

precisamente devido à sua diferença com relação ao objeto do conhecimento, é uma

diferenciação no múltiplo intuído que a outros respeitos é indiferenciado. Mas

compreender isto é perceber que o conhecedor é o campo intuído indefinido comum ao

seu eu determinado e a todas as outras coisas intuídas determinadas, tanto quanto é o

complexo determinado de características transitórias que inspeciona quando

imediatamente se reconhece através dos sentidos ou introspectivamente. Isto se segue

porque, para o hindu, todos os conceitos por inspeção são conceitos de campo por

inspeção. Como o continuum indeterminado está fora do tempo, em virtude do seu caráter

de campo que tudo abrange, conforme se mostrou no parágrafo anterior, o eu neste

sentido também “escapa às fauces da morte”.

Como diz o Katha Upanixade, “O homem sábio, considerando que a atividade dos

poderes de percepção e ação (a parte diferenciada do eu intuído) está separada do seu ser

real (o fator de campo indiferenciado no eu intuído e em todos os objetos intuídos) (28) e

que eles têm seu nascer e seu poente, como de atividades que nascem isoladamente dele,

não se lamenta” (29).

Esta citação torna claro que as diferenciações perscrutadas no continuum estético

que constituem o eu empírico são tão transitórias quanto as diferenciações percebidas no

mesmo continuum que constituem o objeto empírico. O sujeito determinado e o objeto

determinado, como diferenciações que são dentro do continuum comum a ambos, são

igualmente transitórios. Por esta razão, não há imortalidade da personalidade determinada

na religião hindu. Apenas o continuum indeterminado que, como abarca a distinção entre

sujeito e objeto (30), é tanto princípio cósmico externo (Brâmane) quanto o princípio

psíquico subjetivo (Ãtman), é imortal. A identificação hindu entre o Brâmane e o Ãtman

e sua doutrina da imortalidade são conseqüências da sua observação de que todos os

conceitos por inspeção são conceitos de campo por intuição. Toda diferenciação é uma

diferenciação dentro do único e mesmo continuum intuído.

A indeterminação do continuum indiferenciado é tão importante quanto a sua

continuidade intuída que tudo abarca. É devido a esta indefinição que a realidade

fundamental nunca pôde ser positivamente descrita para os orientais. Conforme escreve

Dasgupta, “Verificaram que quaisquer que tenham sido os meios que eles tentaram para

dar um conteúdo positivo e claro da realidade final, o Brâmane, falharam. As definições

positivas eram impossíveis”(31). Isto se dá porque qualquer atributo positivo dá uma

diferenciação do continuum sob outros aspectos indeterminados, em vez do próprio

continuum indeterminado.

Por tal motivo, não há nada de comum entre o Brâmane e a realidade final como é

concebida por Demócrito, Platão ou Aristóteles. Os átomos de Demócrito, as idéias de

Platão e as formas de Aristóteles eram coisas determinadas e claras, a própria antítese do

indeterminável Brâmane. Também os átomos democritianos, as idéias platônicas e o

Motor Não - movido aristotélico foram conceitos por postulação, ao passo que o

Brâmane, além de indeterminado, é um conceito por intuição.

Para encontrar o Brâmane não é necessária nenhuma mudança do que é

imediatamente reconhecido para um mundo postulado não observado, conhecido apenas

pela imaginação ou pelo intelecto. Tendo começado com a intuição, isto é, com a que é

dada com imediação, o hindu permanece com a intuição. Até o fim ele é um consumado

empiricista e positivista. Apenas transfere sua atenção, dentro do complexo continuum

estético diferenciado, das diferenciações para o continuum do qual elas são as

diferenciações. Dessa forma, ele aprende a ver a conduta e a vida do ponto de vista do

múltiplo indeterminado dentro do eu intuído e determinado da pessoa e de todos os dados

intuídos determinados, e não apenas do ponto de vista do eu determinado considerado

como nada mais que o conjunto transitório de impressões sucessivas denotadas apenas

pelos conceitos atômicos por inspeção.

“Se ele chegou ao conhecimento d’ Ele (Brâmane) na vida presente, este é o bem

supremo. (...) Procurando-O e descobrindo-O em todas as coisas existentes, os sábios,

partindo deste mundo, tornam-se imortais” (32). Como disse Charles Johnston, em seu

comentário desta passagem: “O que é necessário é a direção da atenção para o que já está

lá” (33). Não se abandona o complexo múltiplo diferenciado dado em apreensão imediata

recorrendo a uma realidade inobservável designada por conceitos por postulação; apenas

se desdenha a diferenciação enquanto se retém o campo e se dirige a atenção para este

campo em e por ele, bem à maneira pela qual, ao perceber uma forma colorida, se poderia

dirigir a atenção para a cor enquanto se despreza a forma, ou para a forma enquanto se

despreza a cor.

No Apêndice a The System of the Vedanta (34), Deussen salienta que os livros

sagrados dos Vedanta “distinguem duas formas (rupa) de Brâmane: o Brâmane superior,

sem atributo (param, nirgurnam), e o inferior, que possui atributos (aparam, sagunam)”.

Acrescenta que “No primeiro caso se ensina que o Brâmane não tem quaisquer atributos

(guna), diferenças (visésha), formas (akara) ou limitações (upadhi) — no último, para

fins de culto muitos atributos, diferenças, formas e limitações lhe são atribuídos”.

Se esse meio-termo, no interesse da conveniência, afinal corrompeu e ofuscou a

doutrina fundamental, é ponto que não precisa preocupar-nos aqui. O que é importante é

que a necessidade de um novo movimento surgiu na Índia levando-nos de volta ao

conceito de um múltiplo irredutível intuído que é indeterminado e indiferenciado. Esse

movimento é o Budismo.

BUDISMO

O Budismo é uma filosofia e uma religião de caráter inter - racial e internacional.

Surgiu na índia, passou ao Tibete, à China e à Coréia e hoje existe em forma

notavelmente pura no Japão. Por isso, para dar-lhe o tratamento adequado devemos não

apenas ocupar-nos dos textos sanscríticos originais, mas também do seu desenvolvimento

em diferentes textos e escolas chinesas e japonesas. Não é exagero dizer que o estudioso

que, talvez acima de todos os outros, investigou o Budismo desta maneira completa e

abrangente é o Dr. Junjira Takakusu, Professor Emérito de Sânscrito na Universidade

Imperial de Tóquio. Vamos, pois, em nossa análise do Budismo, basear-nos muito

intensamente nas conferências e no volume mimeografado (35) escrito pelo Professor

Takakusu para os participantes do seu curso sobre o Budismo no curso de verão da

Universidade do Havaí, realizado em coordenação com a Conferência Oriente - Ocidente

de Filósofos.

A primeira coisa que impressiona quem examina o Budismo à luz da sistemática

análise do Professor Takakusu é o grande número de sistemas técnicos em que ela é

formulada. Encontram-se teorias desenvolvidas com termos e distinções técnicos tão

sutis, formais e intricadas como os das mais abstratas e sofisticadas teorias filosóficas

ocidentais. Examinaremos os quatro sistemas principais pela forma como são designados

pelo Professor Takakusu, dos quais derivam muitos outros diferentes sistemas. São [1] o

Hinayanistico Realista, [2] o Hinayanistico Niilista, [3] o Semi- Mahãyanístico e [4] o

Budismo Mahayãnístico Niilista.

Os sistemas [1] e [3] foram formulados por Vasubandhu (420-500 d.C.); o Sistema

[2] é a obra de Harivarman (aproximadamente 250-350 d.C.) e o Sistema [4] é a criação

de Nãgãrjuna (aproximadamente 100-200 d.C.). Por estes quatro sistemas, da maneira

como foram inter-relacionados através de reflexões feitas em épocas posteriores, perpassa

uma dialética de negação que culmina no minucioso niilismo do Budismo Mahãyãnístico

[4] de Nãgãrjuna. Somente no último sistema o método lógico usado para se chegar a

todos os quatro sistemas alcança sua culminação.

Um exame das datas dos quatro sistemas revela um ponto muito interessante. A

ordem lógica da dialética não é a ordem cronológica da formulação original das quatro

teorias. O produto final da dialética da negação, o Budismo Mahãyinistico niilista de

Nãgãrjuna, foi o primeiro sistema a ser formulado cronologicamente. Assim, a dialética

racionalista da negação, pela maneira como foi desenvolvida por estudiosos mais recentes

e aplicada aos quatro sistemas, nada mais nos deu além do que tínhamos a princípio,

antes de a dialética ser aplicada. Isto significa que o produto do método dialético

racionalista foi realmente descoberto e, portanto, deve ser conhecível inteiramente à parte

do método. Se o resultado a que leva a dialética é algo conhecível por apreensão

imediata, tal como denotado por um conceito por intuição, e se a função da dialética não

é apresentar a verdade diretamente mas eliminar o erro passo a passo, deixando,

finalmente, o que falta ser conhecido pela intuição, então se torna inteligível o fato de que

o que vem em último lugar logicamente é o primeiro cronologicamente. Este é o caso.

A dialética começa com a doutrina ordinária do senso comum. De acordo com essa

doutrina, o mundo deve ser considerado como um sistema de (a) objetos físicos externos

em relação com (b) pessoas persistentes que têm (c) idéias sobre esses objetos e elas

próprias.

O Sistema [1], o Budismo Realístico Hinayãnístico, é o resultado de aplicar-se o

princípio de negação à doutrina de senso comum do eu pessoal persistente. Sua tese

fundamental é a pudgala- sunyatâ que, pela forma como foi traduzida pelo Professor

Takakusu, significa “vazio- de- personalidade”, isto é, o vazio do conceito do eu

determinado persistente. É este precisamente o fato estabelecido por Hume com respeito

a Berkeley para a Filosofia ocidental. A tese é que a noção do eu pessoal como uma

substância persistente designada por conceitos por postulação que são conceitos por

percepção não designa nada real; há apenas, no que diz respeito ao eu, apenas o múltiplo

intuído com a sua sucessão transitória de fatores determinados denotados apenas por

conceitos de intuição. Desta maneira nasce a doutrina da escola Sarva-asti de Vasabandhu

{Sistema [1]}.

O importante a notar com relação a esta doutrina budista é que ela ainda conserva a

crença no objeto material determinado persistente, embora tenha rejeitado o eu pessoal

determinado persistente. Assim, dificilmente se encontrará uma contrapartida desta

doutrina no mundo ocidental. A moderna Filosofia ocidental, com Descartes e Berkeley,

perdeu a confiança no postulado da existência do objeto material persistente embora

mantivesse absoluta confiança no eu persistente antes de rejeitar o postulado de um eu

determinado persistente com Hume. Em vez de começar com a certeza do eu como a

Filosofia ocidental moderna com Descartes, o Budismo, na escola Hinayanística de

Vasubandhu, oferece o exemplo de uma filosofia que nega o eu determinado persistente

enquanto ainda conserva a crença nos objetos físicos e no mundo externo postulado.

A aplicação do princípio de negação à última doutrina produz o Sistema [2], o

Budismo Hinãyanístico niilista de Harivarman, representado pela escola Satyasiddhi. A

tese fundamental desta escola é “Sarva-dharma-fanyata”, que, traduzida literalmente,

significa “vazio- de- todos- os- elementos”. Em outras palavras, não apenas os eus

postulados, mas até os objetos externos postulados do senso comum são negados. Não há

nem substâncias mentais determinadas nem substâncias materiais determinadas que sejam

persistentes. Os conceitos por postulação que são conceitos por percepção não designam

nada real.

REALISMOHinayanistico(Realismo)

EscolaSarvaasti(sustenta quetudo existe)

Pudgala súnyata(nega aindividualidade)

O Caminho doMeio como ocaminho idealda vida prática;nem otimistanem pessimista.

NEGATIVISMO(1)Hinayanistico(Niilismo)

EscolaSatyasiddhi(sustenta que averdade éalcançável pornegaçãoantitética)

Sarva-dharmasúnyata (nega arealidade de tudo— matéria eespírito)

O Caminho doMeioAlcançável peloreconhecimentoda não- entidade,não admitindonemindividualidade(Pudgala) nem arealidade da ma-

IDEALISMOSemi-Mahãyãnística

EscolaVijñaptimatra(sustenta que sóa ideaçãoexiste).

Bahya-arthasúnyatá (nega arealidade detodas as coisasexteriores).

O Caminho ouVerdade doMeio não estánem emreconhecer arealidade detodas as coisasporque coisasexteriores nãoexistem, nemem reconhecer

NEGATIVISMO(2)Mahãyãnístico(Niilismo)

EscolaMãdhyamika(sustenta que averdade éalcançável pornegação sintética)

Sava-dharmasúnyatá (nega arealidade de tudo— matéria eespírito e tudo quepertence aos seresvivos; esforçando-se, assim, poralcançar a verdade“mais elevada”[Caminho doMeio] que só podeser concebida pelanegação ou pelanegação danegação)

O Caminho doMeio alcançadoquer por negaçãorecíproca quer pornegaçãorepetitiva;negação recíprocaé a recusa óctuplados fenômenos do

Vasubandhu(420-500 d. C..)

téria e do espírito(Dharma). Tudotermina noNirvana (vazio).O Niilismo opostoao realismo.

Harivarman(aproximadamente250 - 1350 d.C.)Tradução chinesa- 407 d. C.

a não- realidadede todas ascoisas porqueas ideaçõesexistem.

Vasubandhu(420-500 d.C.)

ser e a negaçãorepetitiva é arecusa quádruplaem série dasidéias populares edas mais elevadas.

Nãgãrjuna(aproximadamente100-200 d.C.)

OS QUATRO PRINCIPAIS SISTEMAS DO BUDISMO

(Do esquema de filosofia budista elaborado pelo Professor Junjirõ Takakusu)

A esta negação de substâncias pessoais subjetivas, persistentes e determinadas e de

substâncias materiais objetivas e persistentes é possível aplicar uma segunda negação que

dá, além da doutrina negativa referente ao que não existe, a tese positiva de que apenas as

idéias existem. Isto produziu o Sistema [3], o Budismo Semi-Mahãyãnistico, a segunda

doutrina de Vasubandhu. Esta doutrina está relacionada com a escola Vijñaptimatra, que,

em tradução literal, significa a escola da “ideação- apenas”. É o equivalente oriental da

filosofia de Hume e de Mach.

A esta doutrina é possível fazer uma aplicação final do princípio da negação. O

resultado, nas palavras do Professor Takakusu, é “a recusa quádrupla em série das idéias

populares e das mais elevadas”. Nem as idéias de Hume consideradas por si mesmas sem

referência à mente ou a objetos se admite que representem o fator fundamental. Este é o

consumado niilismo do Budismo Mahãyãnístico de Nãgãrjuna. Aqui a dialética da

negação da Lógica budista atinge sua conclusão. A realidade primordial não é designável

por quaisquer conceitos determinados, e nem os conceitos por postulação se referem a

eus determinados persistentes e a objetos exteriores nem os conceitos por intuição que

são conceitos por inspeção se referem a meras características secundárias ou terciárias

determinadas.

Não obstante, tal dialética radical da negação nos leva ao fator positivo mostrando o

que ele não é; qualquer coisa determinada, quer seja uma característica secundária ou

terciária imediatamente percebida denotada por um conceito por inspeção quer um senso

comum não observado ou o objeto científico designado por um conceito por postulação, é

rejeitada com a alegação de que não dá um conhecimento fidedigno. O que perdura é o

fator positivo. Como ele não é designado pelo método lógico da dialética, deve ser algo

imediatamente reconhecido. Por conseguinte, o conceito que o denota deve ser um

conceito por intuição. Como não é um conceito por intuição que é um conceito das

diferenciações (Tipo III), nada lhe resta senão ser o conceito por intuição do Tipo II, a

saber, o conceito do continuum estético indeterminado. É isto precisamente que o

Budismo Mahãyãnista niilista quer que ele seja. A “verdade mais elevada” é o “vazio

absoluto” (36), isto é, o campo diferenciado da percepção imediata com as diferenciações

dentro dele “apagadas” ou “esvaziadas”.

Por um processo racionalista de negação dialética, o Budismo histórico chega

exatamente ao mesmo conceito intuitivo da realidade última a que o Hinduísmo e

Nãgãrjuna chegaram por um processo mais direto e puramente empírico de pura intuição

e abstração. A tese de que o conceito básico do Bramanismo e do Budismo é o conceito

do múltiplo indeterminado pode, por conseguinte, considerar-se demonstrada.

Antes de dedicar-nos à análise do Taoísmo, devem ser notados dois pontos

relacionados com o Budismo e amiúde deturpados.

Primeiro, o Budismo usa conceitos por postulação, bem como conceitos por intuição

em algumas das suas diversas formulações. O conceito de mundo exterior da Escola

Hinayãnística Realista de Vasubandhu é um exemplo. Mas, em vez de usar conceitos por

postulação como no Ocidente, para designar o real, o Budismo os usa em combinação

com a lógica da negação para provar que eles não designam o real: eles apenas nos

guiam para o que resta quando o princípio racionalista da negação é aplicado até o limite

máximo.

Em segundo lugar, a lógica dialética de negação do Budismo funciona exatamente

em oposição à de Hegel. Quando Hegel aplica a negação a uma tese e chega a uma

antítese, passa, então, a um conceito mais inclusivo do real, que absorve como síntese a

tese e a antítese distintas e determinadas. Mas quando o Budismo aplica a negação a uma

tese, esta tese é posta fora, e quando a aplica de novo, a antítese é também posta fora. Por

exemplo, quando o Budismo Hinayãnístico niilista aplica a negação a substâncias mentais

e materiais, elas são abandonadas, dando, na Escola Semi-mahãyãnística, apenas a

antítese de idéias, e quando a negação é novamente aplicada a esta última doutrina, as

idéias determinadas, como designativas do real, são também abandonadas. Assim, a

realidade final a que se chega pela dialética budista da negação é o que resta depois que

tudo que é determinado, seja mera idéia determinada seja uma coisa postulada além da

idéia, foi negado e rejeitado até o limite. Não há como associar os fatores antitéticos em

uma síntese absoluta mais inclusiva. É, portanto, inteiramente errôneo identificar o

Brâmane ou o Nirvana ou a Natureza- Buda do Hinduísmo e do Budismo com o absoluto

de Hegel. O absoluto de Hegel inclui todas as determinações e diferenciações antitéticas.

A realidade final, na forma como é encarada pelo Oriente, não tem propriedades

específicas: é pura experiência indeterminada não indicável por qualquer conceito

determinado, conhecida apenas por intuição, e, mesmo então, somente depois que se

desprezaram as diferenciações comumente percebidas junto com elas.

Quando, com respeito ao determinado, a negatividade não remida da dialética

budista é percebida, ficamos melhor preparados para compreender o caráter, sob outros

aspectos paradoxal, dos escritos hindus e budistas. Compreendemos o Brihadãranyaka

Upanixade quando ele diz que o Ãtman “não é assim, não assim (neti, neti)”; nada

determinado designa o real. É o que resta depois que todos os fatores específicos, sejam

postulados ou intuídos, são negados ou negligenciados. Como toda propriedade definida é

uma diferenciação do continuum indefinido, podemos corretamente dizer que este está

em todas as coisas intuídas determinadas, embora também negando que ele seja

caracterizado por qualquer predicado específico.

“Isso se move, Isso não se move;

Isso está distante, Isso está como que perto.

Isto está dentro de tudo isto; Isso está fora de tudo isto”.

Ao comentar tais passagens, Charles Johnston salienta (37) que “Encontramos

exatamente a mesma coisa no Tao-tê Ching, página após página, quando Lao-Tsé procura

indicar o Caminho ...”

TAOISMO (38)

Lao-Tsé, citado por Johnston, diz: “Portanto, os antigos disseram: Quem tem a luz

do Caminho parece envolto em escuridão; quem avançou pelo Caminho parece andar

para trás; quem subiu o Caminho parece de condição inferior”.

O primeiro capítulo do Tao-tê Ching, na tradução de Ch’u Takao, descreve este

Caminho da seguinte maneira:

“O Tao que pode ser expresso não é o Tao eterno;

O nome que pode ser definido não é o nome imutável.

A não-existência é chamada o antecedente do Céu e da Terra;

A Existência é a mãe de todas as coisas.

Da eterna não- existência serenamente observamos, portanto, o misterioso começo do

universo;

Da existência externa claramente vemos a distinção aparente.

Estas duas são da mesma fonte e se tornam diferentes quando manifestas.

Esta identidade se chama profundidade. A infinita profundidade é o portão de onde sai o

começo de todas as partes do universo”

Ainda aqui o fator primordial é o inefável material indeterminado da intuição do

qual provêm as diferenciações que apreendemos dentro dela, através dos sentidos

determinados e das introspecções específicas.

No capítulo XVI, o Tao-tê Ching nos aconselha a “alcançar a meta da vacuidade

absoluta”. É evidente que a identidade deste conselho com o que o Professor Takakusu

denomina o “vazio absoluto”, ao qual chega a dialética final da negação do Budismo.

Dois séculos mais tarde, escreve Chuang-Tsé:

“Somente os verdadeiramente inteligentes compreendem este princípio da identidade de

todas as coisas. Não vêem as coisas como são apreendidas por si mesmas,

subjetivamente; mas transferem-se para a posição das coisas observadas. E; observando-

as assim, são capazes de compreendê-las, e até de dominá-las; e o que pode dominá-las

está perto. Assim, pois, o Tao é colocar-se uma pessoa em relação subjetiva com as

coisas exteriores, sem consciência da sua objetividade” (39).

O que torna possível ao eu, aqui, “transferir-se” para a coisa ali é que o eu, tal como

imediatamente reconhecido, é o continuum intuído comum a ambos, e não apenas as

características perscrutadas aqui que ficam de fora das características sentidas da coisa

externa ali e são diferentes delas. Também é devido ao fato de que a coisa externa

conhecida é o objeto estético no continuum intuído, e não o objeto público postulado no

espaço geométrico postulado, que se torna possível a uma pessoa “colocar-se em relação

subjetiva com as coisas externas, sem consciência da sua objetividade”. O leitor agora

compreenderá por que, na formulação original da nossa terminologia técnica,

denominamos “continuum estético” o continuum dado pela percepção imediata.

CONFUCIONISMO

O Confucionismo pode ser definido como o estado de espírito em que o conceito do

múltiplo intuído indeterminado passa para o último plano do pensamento e as

diferenciações concretas, em suas idas e vindas relativistas, humanistas e transitórias, for-

mam o conteúdo da Filosofia. Não é que o Confucionismo tenha rejeitado o conceito

fundamental do múltiplo indeterminado do Bramanismo, do Budismo e do taoísmo; este

conceito está sempre presente para impedir o confuciano de tornar qualquer das suas

sentenças concretas determinadas e precisas demais. Mas a atenção se centra mais na

determinação intuída da experiência, em seus contextos transitórios e relativistas, com

ênfase mais na parte humanista do que na naturalista do continuum estético.

Os escritos de Confúcio ilustram isto: “Um homem bem educado é cuidadoso com

três coisas: na juventude, quando seu sangue está forte, é cuidadoso com o sexo. Depois

que se tornou adulto e seu sangue é abundante, é cuidadoso quanto à eventualidade de

entrar numa briga. Quando está velho e seu sangue está se tornando mais fino, é cauteloso

com dinheiro” (40). “Há prazer em encostar a cabeça num braço inclinado depois de uma

refeição de simples legumes com um gole de água. Por outro lado, desfrutar riqueza e

favores sem conquistá-los pelos meios certos é para mim como outras tantas nuvens

flutuantes” (41). São óbvios a preocupação com a experiência humana naturalista

imediatamente percebida e o uso das imagens concretas da experiência estética.

Disse, ainda, Confúcio: “Se tiveres a sabedoria de perceber uma verdade, mas não a

força de caráter para mantê-la, perdê-la-ás de novo, embora a tenhas descoberto. Se

tiveres a sabedoria de perceber uma verdade e a verdadeira força de caráter para mantê-la,

e deixares de observar o decoro na tua apresentação em público, não conseguirás o

respeito das pessoas pela autoridade. Se tiveres a sabedoria de perceber uma verdade, a

força de caráter para mantê-la e tiveres decoro na apresentação mas deixares de estar

imbuído do espírito do li (ou disciplina social) em tuas ações ou conduta, tampouco é

satisfatório” (42). (...) “É difícil lidar com as mulheres e as pessoas sem instrução.

Quando as tratas com familiaridade elas ficam insolentes, e quando as ignoras elas se

ofendem” (43).

Nada há de transcendental a respeito desta ética. Ela está fundada numa observação

naturalista sagaz e de larga visão das conseqüências de diferentes formas da conduta

humana imediatamente percebida. No máximo, apenas o conceito por postulação do

senso comum é usado. Trata-se, decerto, de uma ética deste mundo. Nela, é verdade, há

juízos de valor que o mero empirismo intuitivo não dá, mas estes são definidos pelas

normas estabelecidas pela tradição pela forma como esta foi revelada a Confúcio através

do seu persistente estudo dos clássicos. Como ele disse, “Se não estudares os clássicos,

não terás guia para a tua conduta” (44). O simples naturalismo empírico não é bastante.

“Não nasci sábio. Apenas amo os estudos Antigos e trabalho muito para aprendê-los”,

escreveu (45).

É claro que Confúcio aceitou sem maior discussão sua teoria normativa de boa

conduta tal como lhe foi ministrada pelas cerimônias tradicionais. “Foram estas as coisas

de que Confúcio sempre falou: Poesia, História e realização de cerimônias” (46).

Com relação à relatividade das formas de conduta dadas apenas naturalisticamente,

isoladamente do “guia” dos clássicos, Confúcio é específico: “Sou diferente de todos

eles. Não há curso de ação que me agrade necessariamente, e não há curso de ação que

necessariamente me desagrade” (47). Como disse Mêncio: “Quando era direito aceitar

um cargo, então devíamos aceitá-lo; quando era direito afastar-se do cargo, então

devíamos afastar-nos dele; quando era direito continuar nele por muito tempo, então

devíamos continuar nele por muito tempo; quando era direito retirar-se dele rapidamente,

então devíamos retirar-nos dele rapidamente. Era esta a orientação de Confúcio” (48).

Com a palavra “direito” (49) deixada em base tão puramente intuitiva e indefinida, esses

pronunciamentos tautológicos não nos dizem muito, a não ser que o empirismo intuitivo

na Ética, apartado da norma estabelecida pelas cerimônias da tradição, é um tanto estéril.

A passagem da atenção, do continuum estético indefinido do Bramanismo, do

Budismo e do taoísmo, apenas para as diferenciações transitórias, em seus contextos

relativistas, com ênfase nos fatores concretos que se manifestam na conduta humana,

parece completa no Confucionismo. Não obstante, o Confucionismo é caracteristicamente

oriental.

Em primeiro lugar, o real é designado em termos de conceitos por intuição, e não

em termos de conceitos por postulação (50). Mesmo as determinações intuídas são

assumidas com toda a relatividade e transitoriedade que as caracterizam pela forma como

são mostradas à percepção imediata. Nenhuma persistência imortal além do tempo em

que elas são sentidas é postulada para elas, como foi feito por Aristóteles no Ocidente, ao

desenvolver uma filosofia da História Natural sob outros aspectos similar ao

Confucionismo. Esta restrição a conceitos por intuição, não obstante a ênfase confuciana

no concreto, é afirmada explicitamente até por Mo Tsé, que criticou Confúcio por não

haver ele desenvolvido um método lógico. Escreveu MoTsé: “As minhas opiniões sobre a

existência ou inexistência de qualquer coisa são baseadas naquilo que a experiência

efetiva dos olhos e ouvidos das pessoas considera existente ou inexistente. O que foi visto

ou ouvido eu chamo de existente. O que nunca foi visto ou ouvido eu chamo de

inexistente” (51). É evidente a rejeição ou o abandono de todos os conceitos por

postulação.

Em segundo lugar, não obstante esta ênfase, tanto na escola confuciana como na

moística, sobre o concreto que é imediatamente percebido, o conceito do múltiplo

indeterminado intuído está, não obstante, implicitamente presente no fundo. Foi em

grande parte devido à sua irrestrita confiança no persistente múltiplo monístico

indeterminado, tão explícito no pensamento e nas cerimônias taoístas e budistas da China,

que os confucionistas, moístas e neoconfucionistas posteriores com tão boa vontade

concordaram com a relatividade e a transitoriedade intuída de todas as coisas

determinadas. Isto ficará claro depois de se examinarem as idéias primitivas da filosofia

confuciana em sua relação com o conceito fundamental do continuum indeterminado no

taoísmo de Lao-Tsé, conforme foi indicado pelo Dr. Hu Shih em sua obra The

Development of the Logical Method in Ancient China.

O Dr. Hu começa seu relato de Lao-Tsé da seguinte maneira: “Ele era um niilista

filosófico. Sustentava que ‘Todas as coisas vêm do ser; e o ser vem do não-ser’. Este não-

ser foi identificado com o espaço vazio. (...) Este não-ser é concebido como o começo de

todas as coisas: ‘Antes do Céu e da Terra ele era. Sozinho ele está e não muda; (...) pode

ser chamado a Mãe do Mundo’”(52). Para Lao-Tsé, não-ser claramente significa aquilo

que não é o ser determinado ou o que nós, usando a sugestão do espaço vazio, como faz

Lao-Tsé, chamamos o continuum indiferenciado estético.

Prossegue a citação de Lao-Tsé feita pelo Dr. Hu: “As cinco cores cegam o olho

humano; as cinco notas (de música) ensurdecem o ouvido humano; os cinco gostos

estragam a boca humana; a corrida e a caça enlouquecem o espírito humano; os tesouros

exageradamente apreciados degradam a conduta humana” (53). A questão não é apenas

de que o continuum não diferenciado seja real ou imortal, mas que as diferenciações

intuídas dentro dele, sendo transitórias, não oferecem nada além de uma base transitória e

efêmera para a conduta humana. Embora esta doutrina possa parecer radical, nunca

perdeu sua influência sobre o caráter e a conduta chinesa, até os dias atuais. Faz muitos

chineses que não se submeteram ao fascínio das doutrinas ocidentais desconfiarem de

causas que propõem uma reforma ou uma ação inflexível e de modos de vida que exigem

que um homem sacrifique a vida por algum princípio determinado. Todas as coisas

determinadas são relativas e transitórias. Nenhuma teoria determinada do Homem pode

ser considerada um princípio sem restrições para a ação moral que prevaleça em todas as

circunstâncias. Somente com o fundo intuído indeterminado e subjacente se pode contar

sempre. Lao-Tsé aconselha-nos a ater-nos a este fator indeterminado e acautelar-nos

contra todas as formas determinadas de experiência ou conduta como base permanente

para viver. “Aja de acordo com a não - ação; não empreenda nenhum empreendimento;

prove o sem gosto”, aconselha o Tao-tê Ching (54).

A primeira vista, pareceria que Confúcio foi ao outro extremo, acentuando as

diferenciações concretas, e não o continuum indeterminado. Conforme sugere o Dr. Hu:

“Lao-Tsé, como vimos, levou longe demais esta idéia insistindo no inexistente como

ainda superior ao simples e fácil, e na possibilidade e desejabilidade da volta ao estado

verdadeiramente original de não - ação. Confúcio era positivista e contentou-se com o

simples e o fácil como ponto de partida” (55).

O Dr. Hu acrescenta, entretanto, que Confúcio, de acordo com O Livro das

Mudanças, disse: “Há o Grande Término , que gera o Par Primevo ; O Par Primevo

produz as Formas, das quais derivam os Oito Kwas. Os oito Kwas determinam ou podem

ser usados para determinar todo o bem e todo o mal, e daí surge a grande complexidade

da vida” (56). Isto dá a entender que todas as diversas coisas determinadas do mundo

reduzem-se a dois princípios, aqui chamados o Par Primevo, outras vezes chamados na

Filosofia chinesa o yin e o yang, e que este dualismo deriva de um monismo subjacente, o

Grande Término ou o Grande Final, que é o continuum indefinido do taoísmo. Torna-se

claro, portanto, que mesmo no Confucionismo e no Moismo, com a sua concentração de

atenção no diferenciado e no concreto, o continuum estético fundamental indeterminado

do Bramanismo, do Budismo e do taoísmo ainda está no plano de fundo, na base de todas

as coisas e de toda conduta.

Como disse o Professor Chan Wing-tsit, “A Filosofia oriental é esmagadoramente

monística, não obstante sistemas menores de dualismo e pluralismo. (...) No

Confucionismo, no Neoconfucionismo, no Xintó, no Jainismo, no Moismo, em cercas

escolas do Budismo, em algumas tendências do taoísmo e em alguns sistemas hindus, os

Muitos (são) inteiramente reais como componentes do Um” (57). Mesmo os princípios

dualistas são meras diferenciações transitórias no continuum indefinido que tudo abarca.

Isto se aplica mesmo ao moderno Neoconfucionismo.

NEOCONFUCIONISMO

Chou Lien-hsi (1017-1073), um dos primeiros neoconfucionistas, ao fazer o elogio e

explicar O Livro das Mudanças, escreveu o seguinte: “O T’ai Chi (Grande Final) vem do

infinito. O T’ai Chi com a sua energia produz o yang. Quando a energia alcança o limite,

vem a inércia. Da inércia o T’ai Chi produz o yin. Com a transformação do yang e em

conseqüência a união do yin, são produzidos a Água, o Fogo, a Madeira, o Metal e a

Terra” (58). E destes últimos elementos derivam as numerosas coisas determinadas que

observamos. Por todo o Neoconfucionismo está presente esta derivação do campo inde-

finido subjacente das diferenciações que sentimos e perscrutamos dentro dele.

Mesmo um filósofo mais recente como Wang Yang-ming (1473-1529) escreve o

seguinte: “O adulto é uma unidade (uma substância) que tudo impregna, com céu, terra e

coisas. Vê a terra como uma família. (...) Se vê plantas destruídas, certamente sente pena,

o que indica que a sua benevolência inclui plantas. (...) Quando vê telhas e pedras serem

quebradas, certamente terá consideração por elas, o que indica que a sua benevolência se

associa às coisas inanimadas. Todas são a benevolência do mesmo corpo” (59). Para um

ocidental isto parece algo estranho, porém, se nos lembrarmos de que o que queremos

dizer com a palavra “coisas” são objetos estéticos imediatamente percebidos, dados por

conceitos por intuição, e não objetos externos postulados e materiais; designados por con-

ceitos por postulação, e se notarmos que todos os fatores estéticos imediatamente

percebidos, quer os que constituem o homem intuído o conhecedor ou os que constituem

as plantas intuídas e as coisas inanimadas, são diferenciações dentro do continuum

indeterminado comum a ambas, então a afirmação perde sua estranheza.

De qualquer maneira, parece demonstrada a tese de que o conceito intuitivamente

dado do continuum indefinido é o conceito fundamental da filosofia oriental, não apenas

para o Bramanismo, o Budismo, o taoísmo e o Confucionismo tradicional, mas também

para o Neoconfucionismo e para um filósofo chinês tão recente como Wang Yang-ming.

O Confucionismo e o Neoconfucionismo diferem das escolas ortodoxas do Bramanismo,

do Budismo e do taoísmo na ênfase que dão à realidade das diferenciações concretas

consideradas exatamente como são intuídas como transitórias, mas, assim fazendo, os

confucionistas e os neoconfucionistas nunca abandonam o continuum indeterminado não

- transitório do qual nascem as determinações e nos quais elas desaparecem. O continuum

indefinido, que apenas a intuição imediata indeterminada pode perceber, é sempre

fundamental, e perpassa as diferenciações específicas, garantindo para a concreta mente

chinesa um elemento de incerteza e de indefinição, mesmo na mais precisa das

experiências.

Parece, portanto, que nos principais sistemas do Oriente o real é sempre concebido

como algo denotável apenas por conceitos por intuição, e especialmente por aquele que

denominamos o conceito do continuum estético indiferenciado.

IDENTIDADES E DIFERENÇAS ENTRE AS DOUTRINAS ORIENTAIS E AS

OCIDENTAIS

POSITIVISMO

O positivismo pode ser definido como a tese de que só há conceitos por intuição. De

acordo com esta doutrina, nada existe a não ser o que é imediatamente percebido. Tal tese

só apareceu intermitentemente no Ocidente durante períodos, tais como o atual, em que

se estão desmoronando as crenças científicas, filosóficas e religiosas tradicionais,

formuladas em termos de conceitos por postulação, e antes que as novas sejam colocadas

em seu lugar. No Oriente, porém. é a doutrina permanente. Conseqüentemente, se

quisermos ver o que acontece quando o positivismo é levado a sério, devemos voltar-nos

para a filosofia e a religião intuitiva do Oriente, e não para a ciência ocidental.

Isto feito, surgem várias conseqüências interessantes. Em primeiro lugar, há muito

pouca ciência além das informações mais óbvias e elementares do tipo de História

Natural. Os indianos efetivamente iniciaram a Matemática mas nunca seguiram seus

modernos desenvolvimentos ocidentais. Isto não é acidental, pois, como mostramos

anteriormente, a Filosofia ocidental introduz e exige conceitos por postulação. Uma

cultura que admite apenas conceitos por intuição está automaticamente impedida de

desenvolver a Ciência do tipo ocidental além do estágio de História Natural mais

elementar e indutivo.

Em segundo lugar, a ênfase no inefável e no místico é iniludível. É surpreendente,

porém verdadeiro, que as coisas que são inefáveis no sentido de serem indescritíveis e

intransmissíveis a qualquer pessoa que não as tenha experimentado imediatamente são os

fatores diretamente observados. Isto para nós, no Ocidente, fica ofuscado porque nossa

confiança nos objetos científicos postulados e nos objetos perceptuais postulados do

senso comum é tão segura (devido à força dos nossos métodos lógicos e experimentais

para verificar tais fatores imediatamente inobserváveis através de suas conseqüências

dedutivas), que aqueles entre nós que não leram Berkeley e Hume cuidadosamente su-

põem que observamos imediatamente estas entidades postuladas. Berkeley e Hume,

entretanto, recordam-nos que tudo quanto é imediatamente observado, à parte a inferência

postulada confirmada indiretamente e não diretamente, são as opiniões ou veredictos dos

nossos sentidos e introspecções. Não se trata de mesas, cadeiras e pessoas, mas de cores,

odores, sons, dores e prazeres. Cada um destes objetos ou manifestações imediatamente

reconhecidos é indescritível e incomunicável a qualquer pessoa que não o tenha

experimentado imediatamente. Não há dissertação ou habilidade de técnica postulacional

capaz de transmitir a cor azul a Helen Keller. Se o positivismo é correto, tudo é

misticamente indescritível e inefável. O real não pode ser dito. As palavras apenas

dirigem a atenção para ele: ele deve ser intuído e então contemplado. É verdade que o

positivismo ocidental tende a acentuar apenas as características secundárias e terciárias

inspecionadas, ao passo que o Oriente concentra a atenção no continuum estético

igualmente evidente dentro do qual elas aparecem. Mas esta última ênfase é apenas uma

diferença de direção de atenção dentro do reino do que é positivamente intuído, e não um

desvio do positivismo.

Da mesma forma, se o positivismo for aceito, não há necessidade de razão e lógica

exceto como método negativo, já que a meta de todo conhecimento está presente por pura

indução e por percepção imediata. O positivismo lógico, estritamente falando, é uma

contradição em termos. Aceitar o positivismo é, portanto, ser forçado a todas estas

conseqüências que o Oriente tão inequivocamente confirmou.

Inversamente, se forem introduzidos conceitos por postulação, então os métodos de

lógica e a formulação sistemática dedutiva das doutrinas científicas, filosóficas e

religiosas — que constitui a grande conquista do Ocidente — é iniludível. Como os

conceitos por postulação se referem a fatores que não são imediatamente percebidos, os

métodos de observação e de contemplação por si sós revelam-se inteiramente

inadequados para comprovar a exatidão das teorias que usam tais conceitos. A única

maneira, até hoje conhecida do Homem, pela qual os objetos científicos inobserváveis

podem ser manipulados cientificamente é a indicação das suas propriedades e relações

com precisão num conjunto de postulados, e em seguida a aplicação da lógica formal a

estes postulados para determinar qual deve ser a situação se eles forem verdadeiros, e

então conferir estas conseqüências deduzidas por inspeção direta num experimento

controlado decisivo. Justamente porque a Ciência ocidental é metafísica, por haver ela

introduzido objetos e processos científicos designados por conceitos por postulação,

métodos lógicos e matemáticos são uma ferramenta absolutamente necessária para um

conhecimento fidedigno, e não puramente negativo, como acontece com a maioria dos

casos no Oriente.

Isto se revela nos principais tratados do Ocidente. A poesia intuitiva dos Upanixades

ou do Tao-tê Ching ou a sabedoria intuitiva discursiva dos ditos desconexos de Confúcio

não bastam. Os Elementos de Euclides, a Metafísica de Aristóteles, a Suma, de Santo

Tomás, os Principia de Newton, a Ética de Spinoza, as Equações de Maxwell e os

Principia Mathematica de Russell e de Whitehead também são necessários. A observação

crua, seguida da contemplação dos objetos observados; não é suficiente. Deve também

haver idéias e postulados primitivos levados, por dedução rigorosa e formal, às suas

conseqüências lógicas, para serem, então, verificadas indiretamente contra os puros dados

inspecionados sob condições experimentalmente controladas.

Ao acentuarmos este uso de conceitos por postulação e a teoria deles resultante na

Ciência, na Filosofia e na religião ocidentais, teoria esta dedutivamente formulada e

indireta e experimentalmente corroborada, não se deve deixar de ter em conta que o

Ocidente também usa conceitos por intuição. Isto é inevitável porque só podemos

corroborar a existência do que é postulado, mesmo pelos métodos indiretos da Ciência

ocidental, mediante a inspeção do que é imediatamente percebido. Da mesma forma,

mesmo antes que a Ciência ocidental possa passar ao estágio de teoria científica

experimentalmente corroborada, deve passar por um estágio preliminar de História

Natural no qual predominem a intuição, a descrição e a classificação. Neste estágio, são

usados conceitos por intuição, embora também se insinuem conceitos por postulação que

são conceitos por percepção. Um tordo, por exemplo, é descrito como um pássaro de

peito vermelho. Nesta descrição, a palavra “vermelho” se refere, não ao comprimento de

onda na teoria eletromagnética, que é um conceito por postulação, mas à cor

imediatamente sentida; portanto, é um conceito por intuição.

Claro que também estão presentes conceitos por postulação. O estudante ocidental

de História Natural relaciona o “vermelho” ao “peito” do tordo. Com a expressão “peito

do tordo” ele significa, não a mera superfície estética no continuum estético

imediatamente percebido, porém a parte inferior e curva de um objeto tridimensional,

público e biológico no espaço externo. Este último, como antes notamos, não é denotado

imediatamente por um conceito por intuição, mas, ao contrário, é apenas indiretamente

designado por um conceito por postulação que é um conceito por percepção. Assim,

mesmo no estágio de História Natural preliminar do seu desenvolvimento, a Ciência

ocidental não é completamente positivista; os objetos públicos postulados do senso

comum são introduzidos como os sujeitos que as características imediatamente sentidas

(o vermelho) qualificam (60).

Em algumas doutrinas filosóficas ocidentais dedutivamente formuladas, esteve

presente um conceito básico por intuição juntamente com conceitos igualmente básicos

por postulação. São exemplos a “díade indeterminada” da filosofia de Platão e a “matéria

primeira” da ciência e da filosofia de Aristóteles. Nenhuma das duas é conceito por

postulação; cada uma tem um significado apenas denotativamente dado. De fato, embora

tenham nomes diferentes, são idênticos: cada um denota o continuum imediatamente

percebido, abstraídas todas as diferenciações e características definidas. Traduzidas para

a nossa terminologia técnica, a “díade indeterminada” de Platão, como a “matéria -

primeira” de Aristóteles e o conceito básico por intuição dos principais sistemas do

Oriente, é o continuum estético indiferenciado. É muito provável que esta componente

intuitiva desses sistemas não se tenha originado em Platão e Aristóteles, vindo até eles do

Oriente.

A ORIGINALIDADE DO OCIDENTE

O que se originou em Parmênides, Demócrito, Platão e Aristóteles, e na formulação

dedutiva de Ciência que surgiu conjuntamente com eles, foi a descoberta de uma

componente de realidade inteiramente nova e além do alcance da percepção e da

contemplação positivistas imediatas, que exigiu a introdução de conceitos por postulação

para suplementar os conceitos orientais por intuição e tornou necessário o

desenvolvimento de métodos formais de Lógica e Matemática combinados ao final com

uma experimentação crucial para assegurar um conhecimento fidedigno.

Este novo método científico trouxe consigo uma nova teoria do conhecimento.

Imediatamente, foram usados conceitos por postulação, não negativamente, como no

Oriente, para indicar o que não é o real, mas positivamente, para designar o que o real é.

Os métodos racionalistas do lógico e do matemático, quando combinados pelo novo

método científico com a observação e a experimentação, tornaram-se, não a armadilha e a

ilusão que representaram para os orientais, mas o principal, se não o único, meio de

chegar-se ao conhecimento genuíno. O que os conceitos por postulação designavam,

quando devidamente controlados e testados por este novo método científico ocidental, foi

tomado como o real. Assim, foi bruscamente anunciado que há um componente de

realidade inteiramente novo designado pelo que é postulado em acréscimo ao que os

orientais tinham acentuado e restringido ao imediatamente intuído.

Com Demócrito, Platão e Aristóteles, este novo conceito científico de conhecimento

e realidade tornou-se bem ordenado como uma filosofia. Desta filosofia nasceu uma nova

religião, o Cristianismo do Cristo do Quarto Evangelho, de São Paulo, de Santo

Agostinho e de Santo Tomás de Aquino, que identificou o fator divino na natureza das

coisas, não como o continuum indiferenciado imediatamente intuído chamado Brâmane

ou Nirvana e denotado por um conceito por intuição, mas com o princípio não visto,

denominado Deus Pai e designado apenas por um conceito por postulação.

O Quarto Evangelho não se abre com a afirmação “No princípio era a idade

indeterminada”, como aconteceria se estivesse continuando com a tradição oriental; em

vez disso, diz: “No princípio era o verbo e o verbo era Deus”. Foi uma declaração

chocantemente nova na história da religião mundial. Proclamou literalmente um novo

Deus, um fator divino na natureza das coisas que não só não é imediatamente percebido,

mas também é determinado (um limite, e não o ilimitado indefinido), e ao mesmo tempo

imortal. Para o oriental, isto é incompreensível; tudo que é determinado e específico é

transitório: apenas o continuum indeterminado com a diferenciação transitória descurada

pode protestar imortalidade. Mas para o ocidental esta nova tese não é um contra-senso,

pois há conceitos por postulação, bem como conceitos por intuição, e há um método

científico fidedigno que envolve uma combinação de instrumentos formais lógicos e

dedutivos, matemáticos e simbólicos, com experimentação controlada que indica se o que

se postula é confirmado experimentalmente como existente ou não.

“Meu reino não é deste mundo”, diz Cristo a Pilatos. “Não olhamos para as coisas

que são vistas, mas para as coisas que são eternas”, escreve São Paulo aos Coríntios,

“pois as coisas (determinadas) que são vistas são temporais”, exatamente como o oriental

afirma, “porem as coisas que não são vistas (as dadas pelos postulados de uma teoria

científica que não põe limite temporal na existência dos fatores fundamentais que são

postulados) são eternos”. Tal é o caráter de nova religião mundial que nasceu no Ocidente

quando a sua Ciência, Filosofia e Teologia suplementavam conceitos por intuição com

conceitos por postulação e que, graças à eficácia do novo método científico desenvolvido

para controlar e confirmar os conceitos por postulação, concluíam que o componente não

observado da natureza das coisas designado por conceitos por postulação dá um

conhecimento até mais importante e fidedigno do que o componente visto ou

imediatamente apreendido, denotado pelos conceitos por intuição. Somente quando

pomos a religião ocidental em contraste com a do Oriente, compreendemos plenamente

até que ponto a Ciência, a Filosofia e a religião ocidentais constituíam uma só peça, não

obstante seus conflitos internos. A chave para a novidade, a importância e o sucesso de

todos três é o uso de conceitos por postulação para designar um conhecimento positivo

fidedigno.

Parece, também, que o suposto acordo entre as religiões orientais e ocidentais, pela

forma como dá a entender principalmente a tradução de textos orientais por simples

tradutores, tem sua base exclusivamente no uso de termos de senso comum na Filosofia

comparada para transmitir os significados técnicos de diferentes doutrinas. Quando os

significados técnicos filosóficos e religiosos de sistemas orientais e ocidentais específicos

são reduzidos a um denominador comum para tornar possível a comparação

comensurável por meio da nossa terminologia técnica para a Filosofia comparada, as

supostas identidades são substituídas por uma oposição bem definida.

A oposição entre a religião ocidental e a oriental se centra, não apenas na distinção

entre o metafisicamente postulado e o positivamente intuído, mas também na distinção

entre o indefinido intuído ou o continuum indiferenciado e o especifico ou determinado,

quer seja este último intuído quer postulado. Por exemplo, o Deus Pai no Quarto

Evangelho e o princípio masculino no Timeu de Platão são identificados com o conceito

verbo da ciência matemática e da filosofia platônica grega. É tanto um conceito por

postulação como um conceito de algo preciso e determinado. O mesmo se aplica ao

“Motor Não - Movido” de Aristóteles, que define o conceito de Deus Pai no Cristianismo

católico de Santo Tomás de Aquino. Em resumo, o “religioso”, de acordo com a

concepção cristã ocidental tradicional, é designado por uma doutrina definida ou uma tese

determinada. É por isso que uma pessoa sem religião no Ocidente é chamada atéia.

A DIFERENÇA ENTRE A RELIGIÃO ORIENTAL E A OCIDENTAL

Ora, é precisamente tal ateísmo — tal negativa de que qualquer fator ou tese

determinado de qualquer espécie designe o real ou o religioso — que as principais

religiões do Oriente afirmam. O Professor Takakusu, em sua exposição do princípio da

Verdadeira Realidade na religião budista, escreve o seguinte: “É natural que as pessoas

primeiro procurem uma essência interna em meio à aparência externa de todas as coisas

ou que alcancem um fato imutável entre muitas coisas mutáveis. Falhando nisso, as

pessoas tentariam distinguir o incognoscível do conhecível, o real do aparente ou a coisa-

em- si da coisa para nós. Este esforço também terminará em fracasso, pois o que elas

escolhem como o real ou a coisa- em- si está inteiramente além do conhecimento

humano. Tais esforços podem ser chamados a busca do princípio do mundo ou a do

princípio da vida. O método de busca também varia. Alguns são monistas ou panteístas,

enquanto outros são dualistas ou pluralistas. Contra todas essas opiniões levanta-se

sozinho o Budismo. O Budismo é ateu — não há dúvida” (61). Nenhuma característica

definida, quer intuída quer postulada, designa o real ou o religioso. A sabedoria e a bem-

aventurança devem, ao invés, ser encontradas “no estado sem realidade específica”,

acrescenta o Professor Takakusu, ou, em outras palavras, na imediação “pura e

indeterminada” sem qualquer propriedade ou diferenciação específica.

A religião do Oriente tem sido muitas vezes comparada ao Deus de Spinoza. Nada

poderia estar mais longe da verdade. Eles estão em pólos opostos. O Deus de Spinoza

tinha um número infinito de atributos determinados e o final religioso e filosófico do

Oriente não tem qualquer atributo determinado. É por isso que ele só pode ser intuído e

contemplado e não pode ser descrito positivamente.

TRANSCENDÊNCIA

O oriental e o ocidental muitas vezes falam do real como algo que “transcende” o

que os sentidos transmitem. Por este motivo, muitos, mais uma vez enganados pelo uso

de uma terminologia de senso comum na filosofia comparada, supõem que o oriental e o

ocidental estão dizendo precisamente a mesma coisa. Nossa terminologia técnica mostra

o erro. Quando o oriental diz que o real transcende o perceptível, refere-se ao conceito do

múltiplo estético indeterminado em oposição a conceitos por inspeção. Trata-se de uma

oposição, inteiramente dentro dos conceitos positivistas por intuição, entre o múltiplo

indeterminado monístico e suas diferenciações pluralisticas. Quando, em contrapartida,

um ocidental alude (como Demócrito, Platão ou Newton) ao “real, verdadeiro ou

matemático” como o que não é “aparente, relativo e perceptível” ou que transcende estas

características, quer dizer o que é designado por um conceito por postulação, em oposição

ao que é denotado por um conceito por intuição, independentemente da circunstância de

que este último tipo de conceito se refira ao múltiplo indeterminado ou às diferenciações.

O REALISMO DO ORIENTE

Uma vez apreendida esta diferença fundamental relativa ao conceito de

transcendência, tornam-se evidentes o positivismo integral e o empirismo puro da

Filosofia e da religião do Oriente. Nenhuma outra religião do mundo se resigna tão

completamente à transitoriedade de tudo que é determinado, inclusive a personalidade

humana determinada. Observa-se que todas as coisas determinadas morrem.

Defrontando-se com esse fato, o Ocidente tende a admiti-lo, dizendo, porém, que isto só

se aplica ao eu empírico e acrescentando que há outro eu dado por postulação que é

determinado e imortal. E mesmo os materialistas ocidentais, que negam essa imortalidade

do eu, postulam uma imortalidade para os fatores científicos nas leis de conservação da

matéria e da energia em Física. Mas o Oriente, em sua rejeição de todos os conceitos por

postulação como designativos do real, não tem tal recurso. Aceita o eu empírico, intuído,

completamente transitório e determinado como o único eu determinado que existe.

Quanto ao “princípio – da - vida”, escreveu o Professor Takakusu em sua exposição do

Budismo, o Buda “negou a existência de ego, alma ou qualquer espécie de coisa

(definida) que se possa chamar o eu real” (62).

Dai decorre o princípio inicial e básico da religião budista, “o princípio do

sofrimento”. O Homem, em seu estado natural, imediatamente se reconhece, e àqueles a

quem ama, como criaturas definidas específicas; observa, também, que todas as coisas

determinadas são transitórias e condenadas a passar e a morrer. Disto não há escapar para

um “eu mais real, imortal e determinado” dado por postulação. Conseqüentemente, o

Homem está condenado a sofrer. Nunca houve religião tão integralmente empírica e

positivista quanto a religião do Oriente.

Não obstante, dentro de todo este realismo e empirismo puro há um caminho para a

salvação.

O CONCEITO ORIENTAL DA SALVAÇÃO

O ocidental conquista a salvação por meio do que ele denomina o “Verbo”,

significando com isto uma doutrina determinada designada por conceitos por postulação.

É salvo, não por intuição e contemplação, mas pela doutrina — a fé. Até o decidido

materialista moderno do Ocidente também acredita nisto. Os objetos científicos

postulados, e as leis da Física e da Química a eles concernentes, definem o seu conceito

de salvação. Por meio destas doutrinas indiretamente corroboradas, ele regula seus

processos industriais, constrói suas pontes, exprime a boa vida que se opera através da

Ciência aplicada, e espera dominar cada vez mais os processos naturais que determinam

seus sofrimentos e seus prazeres, sua saúde e sua doença e até os padrões de sua arte e de

sua literatura. Mas o oriental não tem tais conceitos por postulação para apelar; como

nega a significação, para a conduta ou para o próprio conceito de realidade, de todos os

conceitos por postulação, crê que a salvação deve vir de outra maneira, se é que há de vir

para ele.

O conceito fundamental do continuum indiferenciado que, conforme mostramos,

está subjacente às principais doutrinas do Oriente, define esta “Maneira”. Conquista-se a

salvação abandonando-se qualquer veleidade relativa ao eu empírico determinado e

transitório e às coisas intuídas determinadas e transitórias, e recaindo-se passivamente,

por intuição ou percepção imediata, indeterminadas mas não obstante simplesmente

empírica, no continuum intuído indefinido dentro do indivíduo e comum a todas as outras

coisas intuídas. O tempo é uma diferenciação dentro do continuum estético que tudo

abarca e, portanto, pressupõe este último por sua própria existência. Assim, em vez de

estar o continuum indiferenciado sujeito ao tempo e aos “estragos da morte”, que

destroem todas as coisas temporais, o temporal está sujeito ao continuum indefinido e é

complementar a ele. Conseqüentemente, a pessoa conquista a salvação consentindo nesta

porção de campo de si mesma e de todas as coisas, indeterminada e imediatamente

percebida, e intuindo e contemplando essa profundidade e essa riqueza, inefáveis,

indescritíveis e indizíveis, “apagando” assim todos os desejos específicos da parte

diferenciada do eu complexo introspectivamente dado, ou da parte determinada das

coisas complexas imediatamente percebidas, de modo que somente a experiência

imediatamente percebida e indeterminada continua acalentada.

Assumindo-se o ponto de vista do continuum indiferenciado, que é tanto a própria

pessoa quanto a colocação transitória de características terciárias e secundárias dadas

introspectivamente ou através dos sentidos específicos, adquire-se a capacidade de

renunciar à parte temporal e mortal do eu empírico sem ressentimento.

A DIFERENÇA ENTRE A MORAL ORIENTAL E A OCIDENTAL

Temos, também, tendência a considerar as realizações dos ocidentais, quando eles

transformam teses limitadas e transitórias em questões morais imortais — destruindo,

dessa forma, qualquer possibilidade de entendimento que não sejam guerras mortais —,

como a vaidade imatura e ultra - entusiástica de pessoas que não têm a sabedoria

necessária para reconhecer o caráter transitório dos objetos limitados e das teses pessoais

específicas. Tal era, no fundo, o ponto de vista do chinês de tempos passados, do indiano

que não era muçulmano e do japonês budista, antes do advento do nacionalismo

ocidental, da Ciência ocidental e dos missionários cristãos.

Hoje — com o Japão dominado pela religião nacionalista tribal do Xintó

ressuscitada quando da visita de Perry a Yokohama, e não pela religião não- nacionalista

e não-diferenciadora do Budismo; e com a Nova China que tem origem no Cristianismo

de Sun Yat-sen, com sua tese determinada de que um homem não é homem a não ser que

sacrifique a vida por algum princípio restrito e determinado — o espírito de conciliação

desapareceu do Oriente, e os orientais também podem, finalmente, empenhar-se em

saudáveis e sangrentas guerras mortais exatamente como qualquer bom ocidental (63). A

religião e a moral ocidentais têm seus riscos como têm suas vantagens.

O primeiro lampejo de luz, no que concerne aos males do mundo contemporâneo,

surgirá quando a Humanidade despertar para a compreensão de que uma das fontes

básicas do seu infortúnio não é nem a natureza má dos homens nem sua incapacidade de

estar à altura dos seus ideais, mas a parcialidade e a conseqüente insuficiência desses

ideais.

Quando esse despertar ocorrer, o Homem verá que a mais importante tarefa do

nosso tempo é uma revisão do nosso conceito do bem. Neste sentido, a análise comparada

das doutrinas orientais e ocidentais que vimos fazendo é importante porque mostra como

tal conceito do bem se identifica com a nossa concepção filosófica da natureza das coisas

e é por ela determinada. O velho Oriente, colocando no continuum estético indefinido a

realidade fundamental, tem uma teoria da vida boa, ao passo que o Ocidente tradicional,

ao identificar o real com algo determinado que possui uma imortalidade postulada, tem

uma teoria que difere de forma equivalente daquela em que consiste a conduta ideal.

Há razões para acreditar que cada lado do mundo — o Oriente com a sua ênfase no

indefinido e no esteticamente imediato, o Ocidente com a sua insistência no definido e no

cientificamente postulado — tem um elemento essencial de verdade permanente. A tarefa

construtiva do nosso tempo é associá-las, no que devemos, entretanto, guiar-nos, não

apenas pela Filosofia comparada, mas também pela nova descrição e análise do

continuum estético diferenciado que a Filosofia empírica contemporânea e a arte

impressionista estão fazendo e pela profunda reconstrução do nosso conceito do que é

postulado, na qual se acha agora empenhada a Física matemática.

Um exame dos métodos do Oriente e do Ocidente indicará a direção que tem

probabilidade de ser seguida.

INTUIÇÃO E LÓGICA NO MÉTODO FILOSÓFICO

O raciocínio formal e a ciência dedutiva não são necessários, se apenas conceitos

por intuição forem usados em uma dada cultura. Se o que a Ciência e a Filosofia tentam

designar é imediatamente percebido, então, obviamente, tudo que se tem que fazer para

conhecê-lo é observá-lo e contemplá-lo. Os métodos de intuição e contemplação se

tornam os únicos métodos fidedignos de pesquisa. É precisamente isso o que o Oriente

afirma. É precisamente por isso que a sua Ciência nunca progrediu muito tempo além do

estágio inicial, da História Natural do desenvolvimento à qual nos limitam os conceitos

por intuição.

O método do Oriente, porém, é ligeiramente mais complicado do que este,

complicação que surge porque o principal fator a ser conhecido não é tudo que a intuição

dá, porém, fundamentalmente, a indeterminação e a continuidade do continuum estético

com as diferenciações que ele contém omitidas ou abandonadas.

Embora esse fator indeterminado seja exatamente tão imediata e empiricamente

percebido quanto os objetos determinados dados através dos sentidos distintivos e por

introspecção, sua intuição, em si e por si, não é dada por um sentido específico e de modo

algum é fácil. Por conseguinte, é natural que se elaborassem métodos para facilitar esse

difícil objetivo.

A Ioga é exatamente tal método prático. A dialética da negação do Budismo, pela

qual racionalistamente se rejeitam todos os fatores determinados, quer postulados, quer

intuídos, até que reste apenas o simples múltiplo indeterminado, é outro método. E um

terceiro é a prática dos primitivos sábios indianos de se sentarem no chão, no meio de

uma floresta indiana, tão assoberbados pela diversidade e pela complexidade da sua

folhagem tropical que a mente perde toda capacidade de distinguir diferenciações e é

deixada na contemplação da insondável e inefável intensidade e da inexpressível

imediação da própria experiência indeterminada.

Se, por outro lado, aquilo que o conhecimento esta tentando determinar é designado

por conceitos por postulação que propõem objetos e estruturas científicos, filosóficos e

teológicos muito diferentes do material estético inefável que a mera percepção imediata

revela, é evidente que os métodos orientais de observação, intuição e contemplação,

embora necessários, são de todo insuficientes.

Surge, portanto, imediatamente, no Ocidente, a questão de saber como os fatores

postulados fidedignos podem ser distinguidos dos espúrios. Sem lógica e sem raciocínio

dedutivo, isso é impossível. Somente pela aplicação da Lógica formal ou da computação

matemática ao que é postulado, para dele se deduzirem conseqüências que podem ser

submetidas a uma prova empírica num experimento decisivo, é que a proposta de um

maníaco pode ser distinguida da de um Newton ou de um Einstein. É por isso que o

Ocidente, que introduziu conceitos por postulação em sua Ciência e em sua Filosofia, é

necessariamente forçado a sustentar que a Matemática e o raciocínio lógico formal, e não

apenas a intuição e a percepção e contemplação empíricas, são absolutamente necessários

para obter-se um conhecimento fidedigno.

O método preciso envolve quatro partes: [1] A formulação postulacional das várias

hipóteses concernentes às entidades e estruturas não - observadas; [2] a aplicação da

Lógica formal aos postulados expostos em termos de conceitos por postulação para

deduzir teoremas expostos em termos da mesma espécie de conceitos; [3] a designação

do que este autor, em outro local (64), denominou “correlações epistêmicas”, que

relacionam os conceitos por postulação, nos teoremas deduzidos, aos correspondentes

conceitos por intuição, os quais são geralmente conceitos por sensação, transpondo assim

o abismo que há entre o que é postulado e o que é intuído empiricamente, a fim de tornar

possíveis a corroboração empírica ou a falsificação; e [4] a inspeção imediata do fato para

observar se ele é o que prescrevem os conceitos por intuição indicados no número [3].

Quando for este o caso, diz-se que existem as entidades postuladas, por exemplo elétrons,

átomos ou propagações eletromagnéticas; quando não for, diz-se que os fatores

postulados não existem. Desta maneira se distinguem teorias falsas, em termos de

conceitos por postulação, de teorias fidedignas.

O que há de importante a notar, para os nossos fins atuais, é que esta distinção entre

o conhecimento falso e o fidedigno não é possível sem a formulação dedutiva da teoria de

que se tratou nos estágios [1] e [2] e o uso complementar inelutável de definições precisas

e da Lógica formal. Eis a razão por que o Ocidente se inclinou a insistir na Matemática e

na Lógica, em seu critério de conhecimento genuíno, e por que até os seus tratados éticos,

filosóficos e teológicos tiveram a forma sistemática, técnica e lógica da Ética de Spinoza,

da Metafísica de Aristóteles, da Crítica da Razão Pura de Kant, da Suma de Santo Tomás

e do Processo e Realidade de Whitehead, em vez da índole intuitiva, informal e poética

dos Upanixades ou dos Analectos de Confúcio.

Os estágios [3] e [4] da análise acima do método científico e filosófico ocidental

tornam, entretanto, igualmente evidente que o Ocidente, não obstante sua insistência em

conceitos por postulação como designativos do conhecimento real, também usa conceitos

por intuição. Sem estes, não se pode construir uma ponte que, passando pelas correlações

epistêmicas, vá do que é postulado ao que é positivística e esteticamente intuído, o que é

essencial se se pretende alcançar confirmação ou falsificação. Não se pode, pois, apoiar a

acusação freqüentemente feita pelos orientais de que o Ocidente desdenha inteiramente a

intuição. Pode-se duvidar se qualquer pessoa do Oriente jamais intuiu ou contemplou

todas as sutis distinções existentes nas diferentes espécies de plantas e animais

observados, na medida em que isso se possa dizer de um naturalista ocidental como

Lineu. O Ocidente tem sua ciência da História Natural, bem como sua Ciência e Filosofia

mais madura e dedutivamente formuladas, e mesmo no caso da corroboração desta

última, bem como, quase exclusivamente, mesmo na exposição da primeira, usam-se

conceitos por intuição e os métodos orientais apropriados.

Conseqüentemente, há um sentido muito definido no qual a Filosofia do Ocidente é

mais inclusiva do que a dos principais sistemas do Oriente. Enquanto esses últimos

tendem a excluir os métodos e conceitos lógicos por postulação como positivamente

designativos de qualquer coisa finalmente real ou importante no conhecimento, o

Ocidente, em sua insistência nos conceitos por Postulação e em seu método lógico formal

complementar como essencial para o real conhecimento do que existe, também usa. não

obstante, conceitos por intuição.

Por tal razão, o Oriente, para conseguir uma compreensão do aspecto da realidade

apreendido pelo Ocidente, deve aceitar como fatores positivos os conceitos por

postulação e os métodos formais aos quais os sábios do Oriente no máximo deram um

valor negativo. O Ocidente, entretanto, a fim de incluir em sua perspectiva a introvisão

básica do Oriente, necessita apenas de começar com os seus atuais conceitos por intuição,

que tendem a restringir-se aos que são conceitos por inspeção (65), e a notar sua

percepção, não como elementos atômicos, mas como diferenciações transitórias do

múltiplo igualmente intuído. Quando este múltiplo for considerado uma abstração em si,

isolado das diferenciações, como indeterminado, o Ocidente terá o conceito básico por

intuição do Oriente.

Ainda assim, o Ocidente ainda tem muito que avançar para compreender o

verdadeiro significado do que o Oriente tem para ensinar-lhe. Porque a tendência do

Ocidente, quando face a face com o imediatamente percebido, é ou confundi-lo e

corrompê-lo com o que é postulado ou usá-lo apenas como sinal da presença do que é

postulado e abandoná-lo incontinenti, como se inclinavam a fazer Platão e os outros

filósofos metafísicos do Ocidente. Assim, o Ocidente, mesmo nos seus breves e

ocasionais intervalos de positivismo ou no caso dos seus filósofos que, como Bergson,

deram ênfase à intuição, nunca aprendeu a reconhecer plenamente o que é imediatamente

percebido em si e por si. Como conseqüência, o ocidental se inclinou a ficar emocional e

espiritualmente inane. Foi salvo em teoria mas ficou insatisfeito em espírito. O que deve

ser apreendido é a introvisão fundamental do Oriente de que o intuído é bem diferente do

que é científica, filosófica e teologicamente postulado e é, não obstante, um componente

final e essencial da realidade digno de atenção e contemplação em si e por si mesmo.

A arte ocidental contemporânea, que está libertando os materiais estéticos

imediatamente percebidos da sua correlação epistêmica com o antigo senso comum

postulado e com as referências simbólicas teológicas, é um desenvolvimento nesta nova

direção (66). Há outras provas de que este movimento pelo Oriente e pelo Ocidente em

direção a uma filosofia mundial totalmente abrangente já está em evolução.

A FILOSOFIA MUNDIAL DE AMANHÃ

Basta conversar com qualquer líder contemporâneo da China ou do Japão ou

observar o que esses países estão fazendo agora para compreender que o principal fator

que eles se propõem aprender do Ocidente é sua tecnologia. Seus aventureiros militares

da nossa era tornam isto ainda mais necessário. Com relação à religião, à arte e ao

humanístico por oposição à Filosofia científica, muitos orientais importantes consideram

que o Ocidente pouco tem a ensinar-lhes.

Para usar a tecnologia ocidental com eficiência, o oriental precisa dominar as teorias

científicas ocidentais das quais ela provém. Essas teorias científicas já tornaram os

orientais conscientes da importância positiva dos conceitos por postulação e da

necessidade de métodos formais, lógicos e matemáticos de que depende seu uso

fidedigno. Dessa maneira, o Oriente está sendo forçado a ampliar seu conceito da

natureza das coisas para incluir o componente de realidade postulado descoberto pelo

Ocidente. Por conseguinte, a Filosofia de amanhã, mesmo na parte mais passiva e

contemplativa do Oriente, bem como no Ocidente movimentado, ativo e técnico, será

uma filosofia da Ciência Natural. Não é por mero capricho, mas em virtude de uma

compreensão profunda da tarefa básica da sua própria cultura, que o Professor Junjiro

Takakusu, com a idade de setenta e dois anos, depois de passar toda a vida estudando o

sânscrito e outras fontes históricas da religião budista, dedicou a maior parte da sua

meditação e do seu tempo ao estudo da filosofia da Ciência Natural.

A própria filosofia intuitiva dos orientais também será conservada. Tornou isto claro

um adepto da ciência ocidental, o Dr. Hu Shih, que, na Introdução à sua The Development

of the Logical Method in Ancient China, escreveu o seguinte: “Haveria, sem dúvida, um

prejuízo grande para a Humanidade se a aceitação desta nova civilização (do Ocidente)

assumisse a forma de um deslocamento abrupto, em vez de uma assimilação orgânica”

(67). Para isto, propõe ele uma volta dos antigos clássicos chineses em cujas obras os

começos dos métodos científicos ocidentais foram sugeridos mas nunca levados adiante.

Um dos resultados de tal volta pode ser a redescoberta do conceito intuitivo do continuum

indeterminado que está na base do Confucionismo, como mostramos anteriormente, e a

manutenção disto juntamente com os conceitos por postulação da Ciência ocidental.

Entre estes dois fatores não há qualquer conflito. Dessa maneira, a doutrina básica do

Oriente e o uso singular dos conceitos por postulação do Ocidente podem ser

combinados.

Há um movimento contrário no Ocidente que já o está levando à mesmo posição.

Este movimento tem origem na intensa análise do método de ciência dedutiva e empírica

que atualmente se desenvolve, análise que se centra em torno da pergunta concernente à

maneira como podem ser confirmadas as teorias sobre os objetos científicos não

observados designados por conceitos por postulação. As correlações epistêmicas a que

antes nos referimos respondem a esta pergunta. Também tornam evidente, porém, que

qualquer filosofia da ciência completa e apropriada deve ter um conceito por intuição

irredutível, bem como conceitos por postulação irredutíveis. De outra forma teorias

formuladas em termos destes últimos conceitos jamais poderiam ser corroboradas, e

somente haveria o que é teoricamente concebido, mas não um mundo diretamente

intuível, com toda a sua imediação estética móvel, para perceber e contemplar. Dessa

maneira, a análise do método de confirmação dos objetos científicos designados por

conceitos por postulação está levando o Ocidente à aceitação de um conceito por intuição

como também essencial.

Outro desenvolvimento no Ocidente está impondo a mesma conclusão. Sua filosofia

moderna começou com a convicção de Descartes da certeza indubitável da existência do

seu próprio eu como substância mental. É significativo que Descartes justificou essa

conclusão, não com bases empíricas de intuição e contemplação, mas com o fundamento

racionalístico de que ela era logicamente pressuposta no fato perscrutado de sua própria

dúvida. Somente a dúvida, não o que duvidava, foi dada por percepção imediata. Assim, a

substância mental de Descartes era um conceito por postulação. Seus conceitos de Deus e

da matéria eram da mesma espécie.

Isto se aplica também às substâncias mentais e materiais de Locke, que surgiram

como resultado da tentativa necessária de esclarecer a relação entre os átomos postulados

da física de Newton e as cores, sons e odores diretamente inspecionados dados aos

sentidos. Como acentuou Newton, apenas os últimos eram conceitos por intuição.

Ponto essencial das teorias de Descartes e Locke era que as cores, os sons e todas as

outras impressões estéticas imediatamente percebidas tiveram por base apenas a ação das

substâncias materiais sobre as substâncias mentais. Em resumo, a moderna Filosofia

ocidental foi erigida sobre a tentativa de definir o intuído em termos de uma interação do

postulado.

A história da Filosofia moderna é a história do fracasso desta tentativa. Berkeley e

Hume mostraram que, com tal fundamento, o conhecedor nunca poderia conseguir os

significados necessários para formular sequer a noção de uma substância, seja mental seja

material. A Psicologia e a Psicobiologia modernas confirmaram as análises de Berkeley e

de Hume. Todas as tentativas de esclarecer a maneira pela qual os átomos de Física e suas

emissões de energia agem sobre a substância mental para fazer com que este projete o

continuum supostamente fenomenal de cores e sons têm sido infrutíferas. A teoria agora

mostrou ser uma hipótese científica dedutivamente vã. Os resultados em Epistemologia

têm sido semelhantes. Todas as tentativas dos filósofos modernos posteriores a Descartes

e Locke no sentido de resolver as dificuldades epistemológicas, nas quais nos atira esta

moderna tentativa ocidental de reduzir o intuído ao postulado, terminaram em malogro.

A razão é muito simples. Foi ofuscada devido ao descaso com que se tratou a

distinção entre conceitos por intuição e conceitos por postulação. Como as cores e os sons

são imediatamente percebidos, as coisas são fatores denotados por conceitos por intuição.

Como as substâncias mentais e materiais são fatores postulados não observados, são

entidades designadas por conceitos por postulação. E, já que estes dois tipos de conceitos

adquirem seus significados de diferentes maneiras, referem-se a diferentes mundos de

discurso. Os métodos lógicos de definição e dedução podem mover-se dentro de um dado

mundo de discurso, mas não podem mover-se de um determinado mundo de discurso

para outro inteiramente diferente. É esta a razão por que não há manipulação lógica que,

por meio de definição ou dedução, possa levar-nos do comprimento de onda para “azul”,

que é um conceito por postulação, ao “azul” imediatamente percebido, que é um conceito

por intuição. Todavia, é isto, exatamente, que procurou fazer a moderna tentativa de

derivar os fatores esteticamente imediatos, que percebemos diretamente, da interação dos

fatores postulados mentais e matéria.

A Filosofia moderna terminou em fracasso porque sua tese básica, de que o

esteticamente imediato é um fator secundário e puramente fenomenal, derivado do

postulado, tenta o que é logicamente impossível, a saber, a derivação ou dedução lógica

de conceitos por intuição de conceitos por postulação.

Por conseguinte, os epistemologistas ocidentais modernos estão sendo gradualmente

forçados à mesma posição a que os lógicos modernos foram levados, como conseqüência

de sua análise da relação entre fatores intuídos empíricos e fatores teóricos postulados no

método científico; a saber, à conclusão de que deve haver um conceito irredutível por

intuição, bem como conceitos irredutíveis por postulação. Mas admitir isto é aceitar a tese

fundamental do Oriente de que o esteticamente imediato, conhecido apenas por intuição e

contemplação, representa algo científica e filosoficamente irredutível e final.

As conseqüências psicológicas, epistemológicas, religiosas e culturais disto, quando

se apreendem todas as suas implicações, serão enormes. Terá ocorrido uma verdadeira

revolução no pensamento ocidental. Em vez de se definir o esteticamente imediato como

mera projeção fenomenal resultante da interação de mente e corpo, o corpo e a mente e o

meio pelo qual eles são ligados serão definidos, cada um separadamente e todos juntos,

em termos da relação entre o que é esteticamente imediato, denotado por conceitos por

intuição, e o que é teoricamente ontológico, designado por conceitos por postulação. Em

resumo, em vez de se definirem a Estética e a Lógica, inclusive a Matemática, em termos

de uma relação entre Psicologia e Física, Psicologia e Física serão derivadas de uma

estética e de uma lógica mais primária. Ou, dito de forma mais concisa, isto significa que,

em vez de considerar a consciência uma faculdade ou propriedade de um conhecedor,

mediante a qual ele apreende e se toma consciente de materiais estéticos puramente

subjetivos, tais como cores e sons, um conhecedor será tido como consciente porque se

compõe de materiais estéticos irredutíveis e inefáveis. É esta primazia do estético e a

inefabilidade de qualquer coisa conhecida com imediação que são a fonte da chamada

consciência do indivíduo, e não a consciência do indivíduo que é a fonte dos materiais

estéticos. Assim, a Estética e a Lógica, inclusive a Matemática definida em termos de

Lógica, tornam-se os temas primordiais, um tão irredutível, fundamental e importante

quanto o outro, e a Psicologia, a Física e até a religião serão derivados deles — inversão

completa das presunções básicas do moderno pensamento ocidental.

Assim como sua importação de tecnologia ocidental está forçando o oriental a

suplementar sua insistência tradicional na primazia e a irredutibilidade do intuído com

igual situação para o que é postulado, da mesma forma os recentes desenvolvimentos da

Lógica e da Epistemologia empíricas estão levando o ocidental a suplementar sua ênfase

tradicional na primazia do postulado com um reconhecimento semelhante da importância

do intuído.

Surge imediatamente a pergunta: que conceito por intuição deve o Ocidente

considerar primordial? Duas considerações mostram a resposta: uma que surge da análise

contemporânea do método científico e que tem que ver (a) com a situação das correlações

epistêmicas, e outra ditada (b) pelo princípio da parcimônia.

A CONDIÇÃO DAS CORRELAÇÕES EPISTÊMICAS

A necessidade destas relações para ligar os conceitos por postulação na teoria

científica com os conceitos por intuição e, desta forma, tomar possível a confirmação, já

foi mostrada. Ocorre a pergunta: estas correlações são meras convenções arbitrárias ou

significam algo na natureza do mundo que o cientista está investigando? Como os objetos

científicos designados por conceitos por postulação existem, segundo os cientistas,

quando, com recurso a estas correlações, sua existência postulada se confirma, é difícil

escapar à conclusão de que, de certo modo, estas correlações epistêsmicas também

existem. Em que pode consistir tal “existência”?

Considere-se o que relacionam as correlações epistêmicas. Elas juntam a realidade

intuída à realidade postulada. Ou, para formular a questão de modo mais concreto, juntam

qualquer coisa tal como conhecida por apreensão imediata ao que é, em certo sentido,

aquela mesma coisa tal como é conhecida por uma teoria postulada e sistematicamente

formulada que é confirmada indireta e experimentalmente através das suas conseqüências

dedutivas. Qual natureza do intuído poderia definir tal relação com o postulado? Uma

resposta seria: o caráter simbólico do imediatamente apreendido — sua capacidade de

apontar além de si mesmo para o postulado.

Ninguém pode negar que este caráter simbólico do intuído existe. É impossível, a

qualquer de nós, inspecionar uma dada imagem visual sem ser forçado, por esse dado

imediatamente apreendido, a decretar se se trata do sinal sensorial de um objeto

postulado, como uma mesa ou uma cadeira em espaço público.

É precisamente por causa deste caráter simbólico que tem o intuído de desviar a

atenção de si mesmo para o postulado, que nós, no Ocidente, nos tornamos

emocionalmente inanes, com a nossa preocupação com o postulado e por causa do nosso

desdém pelo intuído em si e por si mesmo. É também por esta mesma razão que o Oriente

teve que elaborar métodos específicos como a Ioga e a dialética negativa do Budismo a

fim de compelir a mente humana a permanecer com o imediatamente percebido tempo

suficiente para garantir o amparo emocional, estético e espiritual que ele proporciona,

tamanho é o poder simbólico do intuído para desviar a atenção de si para o que é

postulado.

O resultado de qualquer observação indutiva do continuum estético diferenciado é

sugerir, à mente de senso comum e científica, o que é postulado. Somente desta maneira

podemos chegar, instintivamente, sem reflexão consciente e deliberada, como

procedemos quando criancinhas, a um mundo público de objetos externos. Isto o intuído

só pode realizar para nós se, por si mesmo e isoladamente das nossas mentes e vontades

conscientes, tiver um caráter simbólico. Somos, portanto, levados a esta teoria da situação

das correlações epistêmicas: não são meras convenções, mas têm sua base no caráter

simbólico das qualidades imediatamente apreendidas do continuum estético diferenciado.

O Oriente nunca perseguiu estes últimos materiais para descobrir e corroborar o

postulado e a Ciência do Ocidente altamente desenvolvida e que lhe é complementar,

porque, como no Hinduismo, no Budismo e no taoísmo, ou ele desdenhou as

diferenciações do continuum estético para dirigir a atenção para o continuum indefinido

ou, como no Confucionismo, somente considerou os conceitos por inspeção em suas

relações transitórias mútuas e relativas. As correlações epistêmicas existem na Ciência e

representam uma referência simbólica na natureza das coisas porque o que é

determinadamente intuído simboliza um fator postulado definido que vai além de si

mesmo, e porque o que é verdadeiramente (isto é, dedutiva e experimentalmente

confirmado) postulado apenas se torna real analogicamente no intuído empiricamente, em

proporção suficiente para distinguir-se do que é possível apenas hipoteticamente, me-

diante a introdução de diferenciações no continuum estético intuído e, sob outros

aspectos, indefinido e indiferenciado.

Parece, portanto, que o componente postulado da realidade do Ocidente e o

componente estético ou intuído do Oriente são ambos finais e, pelo menos em parte,

irredutíveis, sendo um o complemento simbólico do outro.

A PRESCRIÇÃO DO PRINCÍPIO DE PARCIMÔNIA

O principio de parcimônia recorda-nos que não devemos multiplicar além do

necessário nossos conceitos primitivos, quer os princípios por intuição quer os que

existem por postulação. Deve, portanto, guiar-nos ao conceito ou conceitos por intuição

que nós, no Ocidente, devemos considerar primordiais.

Enquanto se dedicava a este tópico, há uns dez anos, no contexto de uma tentativa

de esclarecer a relação entre elementos estéticos e científicos na Ciência e na Filosofia

ocidentais, este autor descobriu que não é necessário levar em conta todos os quatro

conceitos na nossa classificação dos quatro principais tipos possíveis de conceitos por

intuição como primitivos. É suficiente escolher, como único conceito indefinível e

irredutível por intuição, o conceito do continuum indefinido ou indiferenciada, ou, como

foi então denominado (68) e que vem a dar no mesmo, “simples característica

experimentada indeterminada, (...) o determinável de todos os determináveis”. Em termos

do continuum estético indiferenciado e dos primitivos conceitos por postulação,

juntamente com a noção dos correlatos epistêmicos, podem ser definidos os outros três

conceitos por intuição.

A função do primitivo intuído — o continuum indiferenciado estético — é assegurar

uma realidade intuída que é um múltiplo único de experiência imediata. Tem o mérito

adicional de conservar as cores percebidas do céu estético no continuum estético, onde

elas são realmente observadas, em vez de situá-las na mente do observador, onde a

tradicional Ciência e a tradicional Filosofia ocidentais modernas foram obrigadas a

colocá-las. A função do primitivo postulado é assegurar uma realidade determinada,

persistente, imediatamente não- observada e teoricamente concebida. Mas estes dois, os

componentes intuicionais e postulacionais da realidade, não estão isolados. Devido à

relação simbólica existente entre eles e definida pelas correlações epistêmicas, elas se

combinam para gerar as diferenciações simbólicas específicas denotadas por conceitos

atômicos por inspeção e que a totalidade do fato imediatamente percebido que é o

continuum estético diferenciado. Assim, dado o conceito do continuum indiferenciado e

os conceitos por postulação não - definidos como primitivos, juntamente com as

correlações epistêmicas, todos os outros conceitos podem ser derivados como conceitos

definidos.

Desta maneira, guiado apenas pela necessidade de esclarecer a relação entre os

fatores indutivos e teóricos da Ciência e da Filosofia ocidental, sem qualquer cogitação

de Filosofia oriental, este autor foi levado ao próprio conceito por intuição como

irredutível e, pois, final, que este estudo mostrou ser a concepção básica dos cinco

principais sistemas filosóficos e religiosos do Oriente.

Parece que, através de desenvolvimentos independentes no Oriente e no Ocidente,

está-se ordenando uma Filosofia nova e mais abrangente na qual o fator intuído básico, há

muito tempo descoberto no Oriente, está sendo combinado com o recém- concebido

componente postulado da natureza das coisas, exigido pelas recentes descobertas

cientificas revolucionárias do Ocidente. Esta nova Filosofia, ampliando a perspectiva e os

valores de cada parte do mundo para incluir os do outro, pode bem servir de critério

fidedigno do bem para uma ordem mundial verdadeiramente cosmopolita e internacional,

na qual as diferentes concepções básicas e as conseqüentes avaliações de duas grandes

culturas se combinem numa única civilização mundial, mais rica e melhor porque inclui,

em harmonia reciprocamente complementar, com ênfase equilibrada, as mais profundas e

maduras introvisões de cada uma.

Notas:

(1) Sir Isaac Newton, Mathematical Principies of Natural Philosophy, tradução de

Andrew Motte revista por Florian Cajori (Berkeley: University of California Press, 1934),

pág. 6.

(2) Vide, do Autor, “A Ciência Natural e a Filosofia Crítica”, The Heritage of Kant

(Princeton: Princeton University Press, 1939), págs. 58-59.

(3) A. N. Whitebead, The Concept of Nature (Cambridge, Inglaterra: University Press,

1920).

(4) Arthur O. Lovejoy, The Revolt Against Dualism (Nova Iorque: W. W. Norton &

Company, 1930). Vide, também, o capítulo deste Autor sobre “A Filosofia da Ciência de

Whitehead”, The Philosophy of AlIred North Whitehead (Evanston: The Library of

Living Philosophers, 1941). No mesmo volume, o Professor W. E. Hocking também

contestou a rejeição da bifurcação mesmo do ponto de vista da teoria da mente.

(5) S. Luria, “Die Infinitesimais Theorie der Antiken Atomisten” in Quellen u. Studien

zur Geschichte der Mathematik. Abt. B. Band II: 106-185 (Springer, Berlim, 1930).

(6) Vide, deste Autor, “Os Antecedentes Matemáticos e o Conteúdo da Filosofia Grega”,

Philosophical Essays for Alfred North Whitehead (Nova Iorque: Longmans, Green and

Co., 1936), págs. 1-40.

(7) S. Luria, Op. cit.

(8) Vide nota 6 da página anterior.

(9) A tais conceitos, cujo conteúdo se dá empiricamente, acrescentou, contudo, uma

imortalidade postulada, devido ao seu caráter lógico.

(10) Vide, deste Autor, “Os Antecedentes Matemáticos e o Conteúdo da Filosofia

Grega”, Op. cit., e as investigações de Erich Frank, S. Luria. O. Toeplitz e J. Stenzel, ali

indicadas.

(11) Vide De Anima, de Aristóteles.

(12) Toda a matéria citada neste parágrafo é do trabalho de Professor P. A. M. Dirac

publicado nas Proceedings of the Royal Society of London, Série A, Vol. 133, pág. 60.

(13) A. Einstein, The World As 1 See It (Nova Iorque: Covici-Friele [agora Crown

Publishers], 1934), pág. 60.

(14) Physica de Aristóteles, Livro I, 7, 190b25.

(15) Por esta razão não deve ser confundido com o conceito de campo da Física de campo

ou com o espaço público dos objetos perceptuais de senso comum que são ambos, como

acima dissemos, conceitos monistas por postulação.

(16) The Great Upanishads, Vol. 1 (Nova Iorque: The Quarterly Book Department,

1927), pág. 83.

(17) Traduzido por Charles Johnston, Ibid., pág. 222.

(18) Ibid., pág. 232.

(19) The Philosophy of the Upanishads: tradução inglesa autorizada, feita pelo

Reverendo A. S. Geden (Edimburgo: T. & T. Clark, 1906).

(20) Ibid., pág. 38.

(21) The Philosophy of the Upanishads: tradução inglesa autorizada, feita pelo

Reverendo A. S. Geden (Edimburgo: T. & T. Clark, 1906), pág. 39.

(22) Ibid., pág. 157. Vide, também, P. Deussen, The System of the Vedanta, tradução

autorizada feita por Charles Johnston (Chicago: Open Court Publishing Co., 1912), pág.

94. Aqui Deussen escreve que “O Brâmane mesmo está livre de todas as diferenças”.

(23) Citado por P. Deussen em The System of the Vedanta (Chicago: Open Court

Publishing Co., 1912), pág. 95.

(24) Citado por P. Deussen e traduzido por A. S. Geden em The Philasophy of the

Upanishads, pág. 147.

(25) Traduzido em The Bible of the World. Org. por Robert O. Bailou, Friedrich

Spiegelberg e Horace L. Friess (Nova Iorque: The Viking Press, 1939), pág. 47. Os grifos

são meus.

(26) The Bible of The World, Op. cit., págs. 58, 57, 60.

(27) Citado por P. Deussen em The Philosophy of the Upaníshads, pág. 148.

(28) As observações entre parênteses são minhas.

(29) Charles Johnston, The Great Upanishads, Vol. 1, págs. 23 1-232.

(30) Cf. P. Deussen, The System of the Vedunta, pág. 95.

(31) Surendranath Dasgupta, A Hístory of Indian Philosophy (Cambridge: University

Press, 1922), Vol. 1, pág. 44.

(32) The Great Upanishads, Op. cit., pág. 212.

(33) Ibid., págs. 72-73.

(34) Loc. cit., pág. 456.

(35) J. Takakusu, Buddhist Philosophy and Philosophy of the Buddhist Religion, 1939.

(36) Cf. J. Takakusu, Ibid.

(37) Loc. cit., pág. 27.

(38) Nesta e na análise seguinte das doutrinas filosóficas chinesas, extraí muito material

das conferências e fontes auxiliares sobre a filosofia chinesa do Professor Chan Wing-tsit,

apresentadas no curso de verão da Universidade do Havaí em 1939, e também em seu

volumoso esboço mimeografado da Filosofia chinesa.

(39) The Bible of the World, pág. 508. Tradução de Herbert A. Giles em Chuang Tzü,

Mystic, Moralist, and Social Reformer (Londres: Bernard Quaritch, 1889).

(40) Os Analectos, XVI, 7. The Wisdom of Confucius. Editado e traduzido por Lin

Yutang (Nova Iorque: Random House, 1938), pág. 193.

(41) Ibid., VII, 15, pág. 162.

(42) Ibid., XV, 32, págs. 201-202.

(43) Ibid., XVII, 25, pág. 197.

(44) Os Analectos, XVI, 13.

(45) Ibid., VII, 19.

(46) Ibid., VII, 17.

(47) Ibid., XXIII, 8.

(48) The Works of Mencius, II, 1, 2. Traduzido em The Four Books, por James Legge

(Xangai: The China Book Co. [sem data]).

(49) Além de numerosos outros sentidos, a palavra proper, usada no original, tem os

seguintes que também caberiam em lugar do termo que se preferiu na tradução:

conveniente, oportuno, apropriado, justo, correto, bom. [N. do T.]

(50) É claro que os conceitos por postulação que são conceitos por percepção também são

usados, mas consideram-se os objetos de senso comum mais no sentido estético com que

impressionam o observador do que como objetos externos considerados em si e por si

mesmos. Sobre esta ênfase predominantemente estética do Confucionismo tal como ele

se manifestou na cultura coreana, veja-se The Grass Roof, de Younghill Kang (Nova

Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1939).

(51) Hu Shih, The Development of the Logical Method in Ancient China (Xangai: The

Oriental Book Company, 1928), pág. 73.

(52) Hu Shih, The Development of lhe Logical Method in Ancient China (Xangai: The

Oriental Book Company, 1928), pág. 73.

(53) Hu Shih, Op. cit., pág. 14.

(54) The Bible of the World, loc. cit., pág. 497.

(55) Hu Shih, Op. cit., pág. 33.

(56) Chuang-Tsé, Op. cit., pág. 497.

(57) Esta passagem é de uma monografia ainda sob a forma de esboço mimeografado

intitulado The Spirit of Oriental Philosophy, apresentada na Conferência acima

mencionada.

(58) De Chan Wing-tsit, loc. cit. Cf. J. P. Bruce, Chu Hsi and His Masters (Londres:

Probsthain & Co., 1923), págs. 128-131.

(59) F. G. Henke, The Philosophy of Wang Yang-ming (Chicago: Open Court Publishing

Co., 1916), págs. 204-205.

(60) Isto apareceu de modo divertido no desenvolvimento do programa contemporâneo,

supostamente positivista, do Circulo de Viena. Esse movimento começou com uma

tentativa de extrair os conceitos técnicos da Física matemática somente dos conceitos por

intuição que são conceitos por inspeção, juntamente com constantes lógicas definidas -

como funções da verdade ou possibilidades da verdade, de acordo com a teoria do

Professor Wittgenstein. Assim, em seu objetivo ele era tanto genuína quanto

nominalmente positivista. Quando, porém, o Professor Carnap tentou levar avante este

programa em seu livro Der Logische Aufbau der Welt, tornou-se evidente a dificuldade,

antes apontada por Berkeley, de dar um significado ao mundo público do mecanismo

físico, operações e processos físicos sem o recurso a conceitos por postulação.

Conseqüentemente, os “positivistas lógicos” acharam necessário passar ao “fisicalismo”

do Dr. Neurath. Quando isto ocorreu, o positivismo havia sido rejeitado. Coisa (Ding)

para eles não é o objeto puramente positivista, o objeto estético imediatamente

apreendido exclusivo de uma consciência individual, mas o objeto material, público e

externo de senso comum. Conforme Einstein mostrou na citação anterior que dele

fizemos, este objeto público de senso comum, para não falar dos objetos científicos mais

sutis da Física moderna, não é dado apenas positivisticamente por mera observação,

dependendo, ao invés, de um postulado que apenas indiretamente é confirmado através de

suas conseqüências dedutivas. Em resumo, o “Ding Sprache” não é a linguagem

positivista de conceitos por intuição que são conceitos por inspeção, mas a linguagem

metafísica de conceitos por postulação que são os conceitos por percepção das crenças de

senso comum.

(61) Loc. cit., pág. 56. Também diz o Professor J. B. Pratt, no livro The Pilgrimage of

Buddhism (pág. 19): “Porque o Buda não é Deus no sentido judaico ou cristão”.

(62) Ibid.

(63) Excelente descrição desta diferença entre o conceito oriental antigo e o ocidental

tradicional do bem pode ser encontrada no animado debate entre o velho pai chinês e seu

filho ocidentalizado, nacionalizado e cristianizado, no romance Xangai, 1937, de Vick

Baum, págs. 511- 521.

(64) The Journal of Unified Science, Vol. IX, págs. 125-128. Vide, também, “The

Method and Theories of Physical Science in Their Bearing on Biological Organization”,

Growth Supplement (1940), págs. 127-154.

(65) Há exceções, em algumas doutrinas pós-kantianas como as de Schopenhauer e na

filosofia de Bérgson. e também na psicologia da Gestalt.

(66) Para maior desenvolvimento deste ponto vide, deste autor, “The Functions and

Future of Poetry”, in Furioso, Vol. 1, n.0 4 (New Haven, Connecticut, 1941), págs. 71-

82).

(67) Pág. 7.

(68) Science and First Principies (Nova Iorque e Cambridge, Inglaterra: University Press,

1931), págs. 256-261.

Ficha técnica:

O texto aqui presente pertence ao livro de MOORE, C. (org.) Filosofia: Oriente,

Ocidente. São Paulo: Cultrix - EDUSP, 1978.