Financeirizacao e investimento: a decisao da firma e a economia

25
Financeirização e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva 1 Financeirização e Investimento: a decisão da firma e a economia 1 Marcelo de Carvalho Pereira e Thadeu Alves Moraes da Silva (Mestrandos em economia do IE-UNICAMP) Sumário: O fenômeno da financeirização tem alterado profundamente o paradigma da governança corporativa nas empresas produtoras de bens e serviços não-financeiros, em particular no que diz respeito às decisões de investimento. Essa mudança se dá por meio do aumento da influência dos acionistas, em detrimento do poder dos administradores. O crescimento e o lucro no longo prazo são subjugados pela necessidade de valorização das ações ou de aumento nos fluxos de caixa livres. Ao ser generalizado, esse novo paradigma condiciona o potencial de crescimento da economia como um todo. Apesar de extensa, a bibliografia sobre o assunto tem apresentado orientação majoritariamente macroeconômica e a decisão de investimento da firma é normalmente tratada de forma estilizada. Este artigo tem por objetivo partir de uma análise no nível microeconômico do processo de decisão sobre o investimento para então modelar sua repercussão macroeconômica sob a influência da financeirização. Palavras-chave: financeirização, capitalismo liderado pela finança, valor para acionista, investimento. 1 Artigo submetido III Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira, para as sessões ordinárias da área „Dinâmica Industrial e Comportamento das Mega-Corporações‟, em 26/05/2010. Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010

description

Financeirizacao e investimento: a decisao da firma e a economia

Transcript of Financeirizacao e investimento: a decisao da firma e a economia

Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva1 Financeirizao e Investimento: a deciso da firma e a economia1 Marcelo de Carvalho Pereira e Thadeu Alves Moraes da Silva(Mestrandos em economia do IE-UNICAMP) Sumrio:Ofenmenodafinanceirizaotemalteradoprofundamenteo paradigmadagovernanacorporativanasempresasprodutorasdebense serviosno-financeiros,emparticularnoquedizrespeitosdecisesde investimento.Essamudanasedpormeiodoaumentodainflunciados acionistas,emdetrimentodopoderdosadministradores.Ocrescimentoeo lucronolongoprazososubjugadospelanecessidadedevalorizaodas aes ou de aumento nos fluxos de caixa livres. Ao ser generalizado, esse novo paradigma condiciona o potencial de crescimento da economia como um todo. Apesar de extensa, a bibliografia sobre o assunto tem apresentado orientao majoritariamentemacroeconmicaeadecisodeinvestimentodafirma normalmentetratadadeformaestilizada.Esteartigotemporobjetivopartir deumaanlisenonvelmicroeconmicodoprocessodedecisosobreo investimentoparaentomodelarsuarepercussomacroeconmicasoba influncia da financeirizao. Palavras-chave:financeirizao,capitalismolideradopelafinana,valorparaacionista, investimento. 1ArtigosubmetidoIIIEncontroInternacionaldaAssociaoKeynesianaBrasileira,paraassesses ordinrias da rea Dinmica Industrial e Comportamento das Mega-Corporaes, em 26/05/2010. Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva2 Abstract:Thephenomenonoffinancializationhasdeeplychangedthe paradigmofcorporategovernanceinenterprisesproducinggoodsand nonfinancialservices,particularlywithregardtoinvestmentdecisions.The changeisthroughtheincreasedinfluenceofshareholdersattheexpenseof the power of executives. Growth and profit in the long term are overwhelmed bytheneedofstockspriceincreaseortheriseoffreecashflows.When generalized, the new paradigm compromises economys growth potential as a whole.Despiteextensiveliteratureonthesubjecthasshownhuge macroeconomicapplications,firm'sinvestmentdecisionisusuallytreatedin stylizedform.Thispaperdepartsfromtheanalysisofdecisionmakingon investmentatthemicroeconomiclevelto,then,modelsthemacroeconomic impacts of such decisions under the influence of financialization. Keywords: financialization, finance-led capitalism, shareholder value, investment. 1.Introduo Omodelodeempresano-financeiradominantenastrsdcadasposterioresIIGuerra Mundial entra em declnio a partir dos anos 1970, aps a crise que encerrou o perodo de grande crescimentodops-guerra(osGoldenYearsouTrenteGlorieuses).Aprincipalmarcado novomodeloquesurge aposio delideranadosetorfinanceiro,oquedorigemaotermo financeirizao2.Essetermodesignaumanovarelaodeforasnaeconomiamundial,que irradiadospasesindustrializados,namedidaemqueopoderdomercadofinanceiro internacional cresce significativamente (Plihon, 2004).Com a crise do modelo anterior, surge um novo paradigma de atuao do Estado, de ntida inspiraoliberal.Nestenovoquadroinstitucional,trsfatoresemespecialpodemser destacadoscomopropulsoresdafinanceirizao:desregulamentaofinanceiraetrabalhista, privatizaes e crescimento do papel dos investidores institucionais.As instituies financeiras, que conviviam at ento com a rigidez do sistema de Bretton Woods, passam a ter cada vez mais liberdadeparacrescer,movimentarecontrolarquantiascadavezmaioresderecursos.Os mercadosdetrabalho,poroutrolado,sotambmflexibilizados,reduzindo-sedeforma expressivaopoderdesindicatoseasrestriesparademissesereduesnossalrios (GuttmannePlihon,2008).Aprecarizaodasrelaesdetrabalhoestimulaacriaode grandes fundos de penso privados para a aposentadoria dos trabalhadores, em especial aqueles 2 De acordo com Guttmann (2008), existem outros termos que evocam a financeirizao (financialization), como capitalismo patrimonial e capitalismo conduzido pelas finanas (finance-led capitalism). A despeito do nome, o importante a ser ressaltado que todos se referem a um novo regime comandado pelo setor financeiro. Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva3 egressosdasempresaspblicastransferidasparaosetorprivadonaondadeprivatizaesdos anos 1980-90. Essasituaoestimulaofortecrescimentodaindstriadefundosmtuos,quepassama gerirfraosignificativadariquezafinanceiradosagentes,pormeiodeestruturas profissionalizadas(Fracalanzaetal.,2009).Asprincipaisclassesdefundos,comohedgeede penso,concentramimportanteparceladocontroleacionriodasempresasabertasepassama exercerpoderdeinfluncianagestodestasdeformaindita,nopapeldeinvestidores institucionais.Aatuaodestesagentes,maisintensaeprofundadoquenopassado,tendea modificaroprocessodegovernanacorporativadasempresas.Estas,demodogeral,passama sercadavezmaisvoltadasparaocurtoprazoeparaageraodevalorparaoacionista,via maiordistribuiodedividendos,valorizaoerecomprasdasaesdaempresaetc.a revoluo do acionista: UmadasmaissignificativasmudanasestruturaisnaseconomiasdospasesdaOCDE durante os anos 1980 e 1990 tm sido a emergncia de mercados para controle corporativo crescentemente eficientes e um crescimento na capacidade de acionistas para influenciar a administrao de empresas abertas. Em particular, graas s possibilidades expandidas para investidoresutilizaremomercadodecapitaisparamedirecompararaperformancedas corporaesedisciplinaraadministraocorporativa,ocompromissodosexecutivosna geraodeshareholdervalue[valorparaoacionista]temsetornadoperceptivelmente maisforte;istorepresentaumamudanasignificativanocomportamentodasgrandes corporaes. (OCDE, 1998, apud Stockhammer, 2005, p. 198).A repercusso dessas transformaes se d diretamente na conjuntura macroeconmica dos pases. Os investimentos em novos produtos, processos e instalaes, especialmente aqueles que apresentamlongosperodosdematurao,somuitomaisfreqentementesubstitudospor aplicaesfinanceiras,incrementadaspelainovaofinanceira,queapresentammaiores rendimentosnocurtoprazoeliquidez,quandonotransformadospuraesimplesmenteem dividendosadicionais.Amaiorcompetioentreativosalternativosfazcomqueos investimentos novos exijam eficincias marginais3 superiores quelas dos investimentos antigos. Comoconseqncia,adinmicadosinvestimentosprodutivos,essencialnoprocessode formao da demanda agregada, afetada (Lazonick, 2008). Com isso, as repercusses podero sepropagar paraarendaesuadistribuioportodaaesferaeconmica.Semcontrapartidaem crescimentovigoroso,arevoluodoacionistapodesimplesmenterepresentarumimportante vetorderedistribuiodarenda,nestecasoaoaumentarasosrendimentosfinanceirosem desfavor dos salrios (Lazonick, 2010). Oobjetivodesteartigocompreenderosefeitosdafinanceirizaosobreadecisode investimentodafirma,nonvelindividualedaeconomiacomoumtodo.Paratanto,nos apoiamos em modelos pioneiros desenvolvidos por Marc Lavoie (1992), Engelbert Stockhammer 3 O conceito de eficincia marginal do capital (ou taxa interna de retorno) o formulado por Keynes (1936, c. 11), no sentido da taxa de desconto que iguala o valor presente dos retornos esperados do investimento, durante sua vida til, ao seu custo de reposio (ou preo de oferta). Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva4 (2004,2005)eThomasDallery(2009),paraadimensomicroeconmica,eporEckhardHein (2009), no nvel macroeconmico. Paraanalisaressasquestes,esteartigoestorganizadoemquatrosees,incluindoesta introduo. Na Seo 2, analisa-se o processo microeconmico de transformao da firma, pela compreenso dos diversos cenrios de impacto da financeirizao sobre ela. Na Seo 3, busca-secompreenderoimpactomacroeconmicodastransformaesverificadasnaSeo2sobrea economiacomoumtodocomfocoespecialnoinvestimentoagregado.Analisaremosos principais resultados do modelo, a partirdas variveis relacionadas s decises de investimento dafirmafinanceirizada.Naconcluso,soresumidososprincipaisresultadosobtidose brevemente discutida a aplicabilidade das concluses ao ambiente econmico real. 2.Transformao da firma AteoriadafirmaPs-Keynesianabaseia-seemumaprofundaanlisedarealidadeedo processo histrico, o quelevaaum tratamento distintodo enfoque neoclssico. Primeiramente, em linhas gerais, a firma no vista apenas como unidade maximizadora de lucros, com preos definidos na condio de ajuste entre a demanda e a capacidade instalada das empresas, como na teorianeoclssica.Issoocorreporqueemumcontextoondeaofertaflexvel,asfirmasno necessariamente tentam igualar a demanda utilizao plena da capacidade quando elas definem os preos (Lavoie, 1992, p. 95). A conseqncia desse fato fundamental: as firmas no agiro de maneira maximizadora como regra, mas apenas em condies circunstanciais. Indo alm, a teoriaPs-Keynesianaidentificaaindaoutrascaractersticasdacorporaomodernaquea distanciam mais do paradigma neoclssico: a administrao separada da propriedade, os custos marginaisnosocrescenteseaoperaosedemmercadosmajoritariamenteoligopolizados (Lavoie, 1992). Nesse contexto, preos, via de regra, so administrados pelas empresas com base noscustosdeproduoenosobjetivosdafirma,deformarelativamenteindependenteda demanda.Estesobjetivosso,portanto,essenciaisparaacompreensodocomportamentoda grande empresa moderna. SeguindoatradiodeJohnK.Galbraith,considera-seaquiqueopoderoobjetivo ltimodafirma:podersobreseuambiente,sejaeleeconmico,socialoupoltico(Lavoie, 1992, p. 99). A busca pelo poder, por acionistas e administradores, os dois grupos de agentes que controlamafirma,direcionada,naprtica,paraobjetivosmaistangveis.Nocaso,pode-se considerar que os acionistas buscam o lucro, especialmente no curto prazo, e os administradores, ocrescimentodafirma.Atosanos1970,asupremaciadaadministraomaterializadana tecnoburocracia4 sobre o acionista era clara. Nesse contexto, se as firmas maximizam algo, ocrescimento,emltimainstncia,oobjetivotangvel.Assim,oslucrosnoprecisamser mxim[o]s,poisningumsaberoqueisso[...]osistemadeplanejamentoemgeral,tem-se adaptado [...] proteo da tecnoestrutura (Galbraith, 1985, p. 72). 4Conjuntodefuncionrios,incluindoaadministrao,quedetmasinformaesnecessriastomadadas decises relevantes na firma (Galbraith, 1985, p. 64). Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva5 Nesseparadigma,dafirmacontroladapelatecnoestrutura,oobjetivodecrescimento contnuocompatvelcomamaximizaodoslucrosapenasnolongoprazo.Crescersignifica investir em bens de capital, ou seja, manter elevadas taxas de acumulao de capital produtivo e istorequerfinanciamento.Apesardaimportnciadoacessoaomercadofinanceiro,afirma Galbraithiana5 tem como principal fonte de financiamento os lucros no distribudos (retidos). Lucros,portanto,deixamdeserafinalidadeparasetornaremosmeiosdafirmaatingirseus objetivos.Lucrosretidosmaiores,entretanto,significamdividendosdistribudosmenores. Dividendospassamasertratadoscomocustos,aseremmantidostoreduzidosquanto possvel (Galbraith, 1985). Essa disputa pelo usufruto do lucro torna conflitantes, pelo menos no curto prazo, os interesses de administradores e acionistas.Administradoresmitigamaflutuaodosdividendosnumatentativademanteros acionistasfelizeseomercadoacionrioquieto.Administradoresnormalmentemantm constanteonveldedividendososmantmsoblentocrescimento,assumindoqueos acionistasnoobjetaroestenveldepagamentodedividendosourazodedividendos [sobre os lucros]. (Lavoie 1992, p. 108). Atmuitorecentemente,esseeraocenriovigente.Mas,comoadventoda financeirizao,arelaodeforasentreadministradoreseacionistasmuda,emfavordos ltimos(Lazonick,2000).Dividendosmaioreseaesmaisvalorizadassubstituemo crescimentocomoobjetivosdominantes.Comoconseqncia,odesenrolardesseconflitoafeta negativamente o potencial de crescimento da firma (Guttmann, 2008). Apresentaremos a seguir trs quadros conceituais distintos para tentar explicar como se d a deciso de investimento da firma,por meio do balizamento dos conflitos apontados. Partimos do modelo da firma Galbraithiana clssica, onde domina a tecnoestrutura, e conclumos com a firma completamente financeirizada, onde impera o acionista. tentador considerar os quadros comorepresentativosdaevoluodagovernanacorporativaaolongodotempo,masistono devesergeneralizado.Acreditamossermaisconvenienteconsiderarcadaformaapresentada comoumadaspossibilidadesparaaexplicaodoprocessodedecisodafirmaindividual, conformeasituaoespecfica.Poroutrolado,enamedidaemqueavanaainflunciada financeirizao,razovelsuporqueaparceladasempresasquedecidemsobaforma Galbraithianaclssicadiminui,enquantoaumentaaproporodasfirmasqueoperamsobo paradigma financeirizado, de modo pleno ou no.Ostrsquadrosaseguirsocompostosporumcenriobase,representandoagrande empresanomomentoanterioraofenmenodafinanceirizao,ecincocenrios(alternativos, complementaresenoexaustivos)dodesenvolvimentodagrandefirmasobafinanceirizao. EstescenriosforamdesenvolvidosporStockhammer(2004)eDallery(2009),apartirdo ferramentalanalticodeLavoie(1992).Nossoobjetivo,almdaapresentaodoscenrios,foi deaprofundaredestacaraanlisedosmesmosemalgunspontos-chave,almdealinharas 5AdotamosadenominaofirmaGalbraithianaemconformidadeaomodelodafirmadescrito pioneiramenteporGalbraith(1985),queporsuavezguardaimportantessemelhanascomafirmadeChandler (1990).OmodelodeGalbraith,entretanto,ressaltaoconflitopersistenteentreadministradoreseacionistas,ponto centraldenossaanlise.Dallery(2009),cujomodeloserviudebaseparaopresentetrabalho,tambmadotaesta nomenclatura. Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva6 principaiscaractersticascomuns,deformaaprepararaanlisemacroeconmicaqueser desenvolvida na Seo 3. 2.1.A firma Galbraithiana A firma Galbraithiana busca o crescimento e, portanto, no est focada na maximizao de seus lucros. Ela busca o lucro porque assim pode crescer.Para tanto, as firmas escolhem nveis adequados de lucratividade, compatveis com o ritmo de crescimento desejado. Para representar este comportamento, dentro da tradio Ps-Keynesiana, Lavoie (1992) props uma modelagem baseadaemduasfronteiras:asrestriessobreofinanciamentoesobrearentabilidadedo investimento.Ambasdevemsersimultaneamentesatisfeitas.Esteomodeloutilizadoparaa compreenso da deciso de investimento da firma neste trabalho e representa o cenrio base de anlise. A primeira restrio, denominada Fronteira Financeira, limita o investimento aos recursos disponveis internamente (lucros retidos) somados ao financiamento externo (emisses de aes eemprstimos)factvel.Oinvestimento,porsuavez,desdobra-seeminvestimentoprodutivo (incrementodoestoquedecapitalprodutivo)einvestimentofinanceiro(aplicaesfinanceiras, incluindo recompra de aes, aquisies no sinrgicas etc.).Paratornarmaisclarososcomponentesdesseprocesso,foramadotadosalguns aperfeioamentospropostosporDallery(2009),sobreomodelodeLavoie.Elesaproximamo modelodoconceitodeportfliodeativosepassivosdeMinsky(1986),apartirdaidentidade contbilentreoinvestimentoeospassivoscriadosporele.Assim,podemosrepresentara Fronteira Financeira a partir da equivalncia entre fontes e aplicaes dos recursos (equao 1). Em seguida, obtemos a fronteira financeira na equao 2. (1) (2) : lucro bruto no perodo; r: rentabilidade (ROCE); I : investimento produtivo novo; K: estoque de capital; g: taxa de acumulao de capital (produtivo); D: estoque de dvida; d: razo dvida-capital; i: taxa de juros; sf: taxa de reteno de lucros; s, d e f: propores respectivas de equity novo, dvida nova e investimento financeiro novo sobre o investimento produtivo novo. investimento produtivo lucro menos pagamento de juros equity novo dvida nova investimento financeiro dividendos distribudos recursosdisponveisaplicao dos recursos Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva7 AFronteiraFinanceiraserentoumaretacominclinaoeintercepto, comorepresentadanaFigura1.ApenasasposiesacimadaFronteiradeExpansoso sustentveisnolongoprazo.Casocontrrio,afirmaencontrariaproblemasparaseguir financiando seus investimentos. A Fronteira Financeira proposta compatvel com o conceito de risco crescente de Kalecki6, conforme o modelo original de Lavoie (1992). AsegundarestriopropostaporLavoieaFronteiradeExpanso.Eladefineonvel mximoderentabilidade( )possvelparaumadadataxadeacumulaodecapital( ).Sua forma analtica geral est representada na equao 3. (3) : lucro bruto no perodo; : taxa de lucro; r: rentabilidade (ROCE); K: estoque de capital; Y: produto real; Y*: capacidade instalada; u: taxa de utilizao da capacidade instalada; v: relao capital-capacidade instalada; p: preo nominal. Deveserressaltadoqueenosoconstantes,masfunescujosvaloresvariam conformeonveldeproduto,acapacidadeinstaladaea tecnologia escolhida.Paraapreendero formatodacurvadaFronteiradeExpanso,devemserconsideradosdoismomentos. Inicialmente,combaixastaxasdeacumulao,acurvaascendente,representandoas possibilidadesdeaumentodeeficincia,quepodeocorrerpormeiodaplenautilizaoda capacidade e do investimento adicional em novas tecnologias. O aumento da rentabilidade pode se dar, neste momento, sem repasse para os preos. 6 Quanto maiores os lucros gerados pela firma, mais recursos a firma est apta a receber de bancos. Lucros soumasinalizaoquereduzoriscodosbancosparaforneceremprstimosparaestafirma(Dallery,2009,p. 496). Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva8 Figura 1 Cenrio base: a firma Galbraithiana. Conformeataxadeacumulao(eoproduto)segueaumentando,reduzem-seas alternativas tcnicas para aumento (adicional) da eficincia, ao mesmo tempo em que o aumento das vendas pressiona os preos para baixo. A reduo dos preos pode ser devida tanto resposta competitiva (tentativa de manuteno de market share pelos concorrentes) como saturao do mercadoconsumidor,ouambos.Assim,oformatodaFronteiradeExpansonormalmente cncavo, como representado na Figura 1. AregioindicadanaFigura1representaoconjuntodasescolhaspossveisentre rentabilidade( )eataxadeacumulaodecapitalprodutivo( ).Aescolhatimaestno ponto(g*,r*)indicado,considerandooobjetivodemaximizaodocrescimentodafirma Galbraithiana. Vale ressaltar que esse ponto no maximiza a rentabilidade da firma ( ), uma vez que isto requereria uma taxa de acumulao inferior ao potencial (g*). 2.2.A firma Galbraithiana financeirizada Osurgimentodafinanceirizaoafetaaformacomoadecisodeinvestimentotomada nasfirmasondeopoderdosacionistasaumenta.Comotodoprocesso,essamudanano pontualnemtampoucoinstantnea.razovelsuporqueelatranscorraporumperodo relativamentelongo.Assim,qualqueranlisedevepermitiracompreensodofenmenonos seusdiversosestgios.Estaapropostadoquadroanalticoaquiapresentado.Apartirdo modeloGalbraithianoclssico,Stockhammer(2004,2005)reformulouomodelodeLavoie,de formaaintroduzirasrestriesimpostaspelafinanceirizao.Combasenomodelode Stockhammer7,trscenriosdistintos,edecertaformacomplementareseprogressivos,so propostos nesta Seo. 7Stockhammer(2004,2005)utilizafunesdeutilidadeparamodelarosinteressesconflitantesde administradoreseacionistas.Nestetrabalhooptamospornointroduzi-las,porconsiderarmosqueelasno Taxa de acumulao (g) Fronteira Financeira Fronteira de Expanso g* r* Regio de escolha sustentvel Rentabilidade (r) Fonte: Stockhammer (2004), Dallery (2009), anlise dos autores Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva9 Figura 2 Primeiro cenrio: a firma Galbraithiana financeirizada. Noprimeirocenrioafinanceirizaorepresentadaexclusivamentepelainclusodos objetivos dos acionistas nas decises dos administradores: o aumento da rentabilidade. A deciso naturaldosadministradoresdafirmaGalbraithianaeramaximizarocrescimentopelo investimentoprodutivo,oquenopermitiaamaximizaodarentabilidadeouROCE(Return OnCapitalEngagedouretornosobrecapitalempregado).Poroutrolado,paraosacionistas,a situaotimadeoperaodafirmacorrespondeaopontoondearentabilidademxima, representada pelo ponto (g**, r**) na Figura 2. Neste ponto, entretanto, a taxa de acumulao de capitalprodutivo(g**)podesersubstancialmenteinferioraopotencialdafirma(g*), consideradas as Fronteiras Financeira e de Expanso presentes. Assim,conformecresceainflunciadosacionistassobreosadministradores,razovel esperarqueadecisoquantoaopontodeoperaodafirmasedesloqueparaalgumlugarno segmento[(g*,r*),(g**,r**)],comorepresentadonaFigura2.Estedeslocamentosedar, provavelmente,sobrea Fronteirade Expanso,pois nela que severificaa utilizao plena da capacidade instalada.OsegundocenriodafinanceirizaodafirmaGalbraithianasupe,almdacrescente influnciadosacionistas,oaumentodarestriofinanceirasobaqualafirmaopera.Esta restrio pode ter diversas origens, sendo as mais comuns (i) a maior distribuio de dividendos, (ii)oaumentodoendividamentoataxasdejurosmaiselevadas,(iii)arecompradeaesda prpria firma e (iv) o investimento puramente financeiro, como a aquisio de outras firmas (sem sinergiaprodutiva).Oumesmoumacombinaoentreelas.Nestasituao,osadministradores tm que buscar uma taxa de lucro (margem) maior para financiar seus projetos de investimento (Dallery, 2009, p. 503). contribuiriamcomaanlisenonveldeprofundidadeproposto.Acreditamos,entretanto,seguirmosfiisaos principais conceitos e concluses do autor. Rentabilidade (r) Taxa de acumulao (g) Influncia crescente do acionista g*g** r* r** Faixa de escolha Fonte: Stockhammer (2004), Dallery (2009), anlise dos autores Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva10 Figura 3 Segundo cenrio: o aumento da restrio financeira. NomodelodaFronteiraFinanceiradaequao2,essescasossorepresentados, respectivamente,por(i)reduode sf,(ii)aumentodese d,(iii)spotencialmentenegativoe (iv)aumentodef.Osefeitosdarestriofinanceiraampliadasetraduzemnosaumentosda inclinaoe/oudointerceptodaFronteiraFinanceira,comorepresentadonaFigura3.Nelase percebe a reduo da taxa de acumulao potencial de g* para g***, concomitante com o aumento da rentabilidade de r* para r***. Oimpactodamaiorrestriofinanceira,efetivamente,aimposiodeumamaior restrioparaocrescimentodafirma,independentementedasdemaisdecisesoperacionaisda administrao.Seconsiderarmos,ainda,oefeitocombinadodamaiorinflunciadosacionistas nasdecisesoperacionais,conclumosqueaoperaodafirmaprovavelmentepassarasedar sobre o segmento [(g**, r**), (g***, r***)]. A interpretao econmica desse movimento simples: os administradores precisam de um nvel superior de rentabilidade para que o risco financeiro da firma permanea no mesmo patamar. Umterceirocenriodefinanceirizao,propostoporDallery(2009),odeaumentoda eficincia da firma por meio da reduo de custos ou aumento de riscos operacionais, conforme descritoaseguir.Essasituaoocorre,emgeral,comoreaodaadministraoaosdois primeiroscenrios,natentativadepreservar(oureduzirmenos)ataxadecrescimento,a despeito da influncia crescente dos acionistas. O aumento da eficincia pela reduo dos custos se d, em geral, por meio da diminuio dossalrios(Boyer,2000;LazonickeOSullivan,2000).Enquantofenmenonaesfera macroeconmica,aprpriafinanceirizaotendeasancionarareduodossalrios,pela moderaodataxadeacumulaodaeconomia(verSeo3).Almdisso,aflexibilizaodo mercadodetrabalho,decorrentedasmudanasnoquadroinstitucionalassociadas financeirizao (Boyer, 2000), aumenta tambm a presso sobre a remunerao do trabalho, que Restrio do crescimento Rentabilidade (r) Taxa de acumulao (g)g*g** r* r** Fronteira Financeira g*** r*** Faixa de escolha Fonte: Dallery (2009), anlise dos autores Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva11 levou a uma inflexvel estagnao dos salrios [...] durante as ltimas trs dcadas [...] [com] a erosoconcomitantedaparceladerendimentosdotrabalhonamaioriadasnaes industrializadas (Guttmann e Plihon, 2008). A outra forma de aumento da eficincia a elevao dos riscos operacionais da firma. Para fazer face incerteza, as firmas normalmente constituem diversas formas de reservas, seja na capacidadedeproduo(paraatenderdemandainesperada),nacapacitaotecnolgica(para manter a competitividade futura), na segurana ambiental (para minimizar os riscos ao ambiente externo)ououtras.Porexemplo,osadministradores,aoaceitaremaoperaoacimadonvel mdioprojetadoparaacapacidadeinstaladadafirma,poderoencontrarproblemasde competitividade, caso a demanda aumente de forma rpida e imprevista ou alguma falha tcnica interrompaaproduo(aumentodoriscocompetitivo).Ou,aonegligenciaremascondiesde proteoambiental,poderocomprometeraimagemdafirmanaeventualidadedeumdesastre ecolgico (aumento do risco reputacional). UtilizandoomodelodeStockhammer,podemosmodelaroaumentodaeficincia operacional pelo deslocamento para cima da Fronteira de Expanso, conforme a Figura 4. Com isso, o potencial da taxa de acumulao de capital aumenta de g* para g***, simultaneamente com oaumentodarentabilidadeparar***.Isoladamente,estecenrioaumentaasescolhasdafirma, assimcomoseunvelderiscooperacional.Provavelmente,noquadrodafinanceirizao,esse movimentonoseddeformaisolada,masemconjuntocomosdoisprimeiroscenrios analisados (maior influncia dos acionistas e aumento da restrio financeira). Figura 4 Terceiro cenrio: o aumento da eficincia operacional. 2.3.A firma totalmente financeirizada Dallery vai alm dos cenrios propostos por Stockhammer e apresenta mais dois cenrios, jsobapremissatericadafirmacontroladapeloacionista(Dallery,2009,p.506).Aquio Rentabilidade (r) Taxa de acumulao (g)g*g** r** r** g*** Potencial de crescimento r*** Fronteira de Expanso Faixa de escolha Fonte: Dallery (2009), anlise dos autores Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva12 paradigmadafirmaGalbraithianatotalmentesuperado.Asdecisesgerenciaispassamaser tomadasdiretamentepelosacionistas,deformaintegral.Ou,oqueequivalente,ocorpo gerencialseidentificacompletamentecomosinteressesdosacionistas.Nestasituao, desapareceoconflitoeaescolhadeacionistaseadministradores,nomodelodeStockhammer, passa ao ponto (g**, r**), como apresentado nas Figuras 2, 3 e 4. Freqentemente os interesses dos acionistas no esto captados integralmente na dimenso darentabilidadesobreocapitalempregado( ),mas,alternativamente,serefletem prioritariamentenofluxodecaixalivre8ounovalordasaes.Conformesealteraadimenso preferencialdoacionista,conseqnciasdistintasseroobservadasnataxadeacumulaode bens de capital. O quarto cenrio analisa o impacto da maximizao do fluxo de caixa livre da firma como objetivodosacionistas.Issotambmmaximizaolucrolquido,isto,olucrodeduzidodo pagamentodejurossobreoestoquededvida( ).E,ainda,maximizaadistribuiode dividendos ouarecompradeaespelafirma.Amaximizaodo lucrolquidose dporduas estratgiasdistintas, conformeadiferenaentre a taxa de rentabilidade da firma ( ) ea taxade juros( )comaqualelapodesefinanciar.Casoarentabilidadesupereataxadejuros,os acionistasirodemandartodoofinanciamentofactvel,poisoacrscimodolucro( )ser superior ao desembolso incremental peridico com juros ( ). Este aumento da alavancagem vai, naturalmente, aumentar o risco financeiro da firma. No caso contrrio, quando a rentabilidade inferior taxa de juros, a opo da firma ser oposta, de busca de reduo do endividamento ( ), provavelmentepormeiodavendadosativosmenosrentveis(downsizing),atatingir rentabilidadeigualousuperiortaxadefinanciamentodisponvelparaafirma.Aequao4 mostra as variveis relevantes na determinao do fluxo de caixa livre ( ). (4) FCL: fluxo de caixa livre no perodo; : lucro bruto no perodo; r: rentabilidade (ROCE); I : investimento produtivo novo; K: estoque de capital; g: taxa de acumulao de capital (produtivo); D: estoque de dvida; d: razo dvida-capital; i: taxa de juros; sf: taxa de reteno de lucros; s, d e f: propores respectivas de equity novo, dvida nova e investimento financeiro novo sobre o investimento produtivo novo. No modelo de Stockhammer, a preferncia pela maximizao do fluxo de caixa livre est representadapelarotaodaFronteiraFinanceiranaFigura5.Anovafronteirafinanceira 8 O que equivalente aos lucros distribudos menos o pagamento de juros a terceiros. fluxode caixa livre lucro total pagamento de juros lucros retidos Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva13 obtida em duas etapas. Primeiro, determinamos qual seria a posio da fronteira caso a firma no distribussedividendos(apenasparaefeitodeanlise).IstoresultaremumaFronteira Financeira menos inclinada (menor necessidade de novo financiamento) e deslocada para baixo (menorestoquededvida).Apartirdafronteiradeslocada,devemosencontrargraficamentea taxadeacumulao( )quemaximizaadistnciaentreasfronteirasFinanceiraedeExpanso. Este o ponto (gFCL) que maximiza a razo fluxo de caixa livre-capital (ou o fluxo de caixa livre porao).Dadoopontodemaximizaodofluxodecaixalivre(gFCL,rFCL),podemosento traaraFronteiraFinanceirafinal,quemaximizaadistribuiodedividendosnocurtoprazo, comoindicadonaFigura5.Observa-se,nestasituao,apossibilidadedeumareduo expressivanataxadeacumulao(gFCL),associadaaumincrementosignificativodorisco financeiro da firma (inclinao maior da Fronteira Financeira). Figura 5 Quarto cenrio: a maximizao do fluxo de caixa livre. Porfim,apresentamosoquintocenrio,queestudaocasodemaximizaodovalorda ao,que,genericamente,representaoaumentodariquezadoacionista,aformamaisobjetiva damxima:criarvalorparaoacionista.Paratantoseradotadaaanlisefundamentalista paradeterminarovalordafirma,baseadanovalorpresentedosfluxosdecaixalivresfuturos. Parasimplificar,consideraremosataxadecrescimentodosfluxosconstanteeigualtaxade acumulao, conforme a equao 5. A partir da, deduz-se o valor da firma por ao ( ) (Dallery, 2009, p. 509). (5) Rentabilidade (r) Taxa de acumulao (g)g*g** r* r** gFCL rFCL Fronteira Financeira sem dividendos Fronteira Financeira com dividendos Max(FE-FF) Restrio do crescimento Fonte: Dallery (2009), anlise dos autores Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva14 (6) V: valor da firma; v: valor da ao; FCL: fluxo de caixa livre no perodo; : lucro bruto no perodo; r: rentabilidade (ROCE); I : investimento produtivo novo; K: estoque de capital; g: taxa de acumulao de capital (produtivo); D: estoque de dvida; d: razo dvida-capital; e: taxa de retorno esperada; i: taxa de juros; sf: taxa de reteno de lucros; s, d e f: propores respectivas de equity novo, dvida nova e investimento financeiro novo sobre o investimento produtivo novo. A anlise da equao 6 mostra que no basta apenas o foco na rentabilidade ( ). O papel da taxa de acumulao ( ) igualmente crtico e dependente da estrutura de financiamento da firma. Propores maiores de equity9 novo ( ) valorizam a ao (a despeito de potencialmente dilurem o controle), ao passo que maiores inverses em ativos financeiros ( ) reduzem seu valor. Maior endividamento ( ) tem impacto varivel sobre o valor da ao, pois depende tanto do estoque de dvida ( ) como da taxa de juros ( ). Figura 6 Quinto cenrio: a maximizao do valor da ao. AanlisedestecasonomodelodeStockhammer(Figura6)levaaumasituao semelhanteaocasodafirmaGalbraithianafinanceirizada.Dadaasensibilidadedaequao6, bemcomoonmerodevariveisenvolvidas,Dallery(2009)sugerequeocomportamento provvel dos acionistas ser do tipo satisfatrio ao invs de maximizador, com a adoo de um 9 Utilizamos o termo ingls equity ao invs de sua traduo usual, participao acionria, pois o temo em ingls engloba um sentido mais amplo em diversas situaes. Rentabilidade (r) Taxa de acumulao (g)g*g** r* r** gva rva taxa de retorno convencional (ex. 15% ROE) Restrio do crescimento Fonte: Dallery (2009), anlise dos autores Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva15 critrio de valorizao convencional para o preo das aes. Desta forma, o acionista ir avaliar a capacidadedeconfiguraraoperaodafirma,dentrodafaixadeescolhajmencionada(entre g**eg*),esimultaneamenteoferecerumretornosobreequity(ReturnOnEquity-ROE) compatvelcomavalorizaodesejada.Assim,sepossvel,aoperaodaempresasedarno ponto(gva,rva).Casocontrrio,provavelmenteopreodasaescairatopontoemquea maior rentabilidade possvel (r**) seja suficiente para promover o ROE convencional desejado. 2.4.Perspectivas da firma financeirizada Nos cinco cenrios apresentados acima, as possveis configuraes e respostas das firmas financeirizaosomltiplas.Entretanto,algumascaractersticasgerais,comunsatodosos cenrios, podem ser traadas. A primeira, e mais importante, diz respeito prevalncia de nveis deinvestimento(outaxasdeacumulaodecapitalprodutivo)menores,emrelaoao paradigmaanterior.Omontantedareduovariaconformeocenrio,masemtodoseles esperada menor taxa de acumulao em relao ao cenrio base, sem financeirizao. O segundo pontocomumoaumentogeneralizadodarentabilidadeedadistribuiodedividendos.O terceiro surge como uma maior presso para a reduo dos custos, em especial os salrios. Todasessastrscaractersticas,aosegeneralizarementreasmaioresempresas,tero inequvocoimpactomacroeconmico.Orestantedestetrabalhotratarsobreestaquesto,com especial ateno no investimento agregado. 3.Conseqncias macroeconmicas Dado o carter geral das constataes da Seo anterior, evidente que existe significativa probabilidade de que asdecises das firmasno nvel microeconmico, ao se generalizarem sob os auspcios da financeirizao, tenham relevante impacto sobre o investimento agregado e sobre a distribuio de renda da economia como um todo. Ao explorarmos as conseqncias macroeconmicas da financeirizao, devemos fazer um breve adendo sobre a dinmica dos gastos pblicos. De maneira geral, aps as reformas liberais dosanos1980-90,acapacidadededispndiodoEstadofoireduzida.Osmovimentosde privatizao, controle de endividamento e de racionalizao tributria colocaram os governos em situaodecontrolemaisrgidoderecursos(GuttmannePlihon,2008).Essecenriocontrasta comasituaoanteriornospasesindustrializados,marcadapeloavanodoEstadodoBem-Estar Social. a contra-revoluo do Estado mnimo.Essefator,somadosalteraesjmencionadasnoinvestimentoenadistribuioda renda,podeapontarparamovimentosimportantesdademandaagregada(Guttmann,2008). Entretanto,comoservistoaseguir,noimediataadeterminaodadireodesses movimentos.Se,porumlado,inequvocoovisnegativodareduodosinvestimentose salriossobreademandaagregada,poroutro,oaumentodoconsumodeacionistaserentistas, graas elevaodarenda eaoefeito riqueza, eo estmulo ao crdito para os trabalhadores, tm impacto positivo. A possibilidade, ou no, destas tendncias contraditrias se compensarem tambm objeto de anlise desta Seo. Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva16 3.1.Consumo sob a financeirizao Paralelamentefinanceirizaodasfirmas,odesenvolvimentodenovosservios financeirosedatecnologiadainformaonasltimasdcadasaumentouconsideravelmenteo acessoaosmercadosfinanceirosemtodoomundo(MendonaeDeos,2009).Como conseqncia,onmerodeindivduosquepossuipartedesuariquezaalocadaemativos financeiros aumentou vertiginosamente. Nesse contexto, as famlias passam a ter o valor de seu estoquederiquezafortementeinfluenciadopelasoscilaesdomercadofinanceiro.Duranteas altas do mercado, a percepo de aumento da riqueza disponvel induz as famlias a uma reduo desuapropensoapoupar,criandoumimportantecanaldeestmulodademandaagregadaem momentos de euforia financeira. Naturalmente, o caminho oposto, nos momentos de crise, opera de forma anloga, retroalimentando negativamente a economia. Este fenmeno, conhecido como efeito riqueza, torna-se relevante sob a financeirizao (Boyer, 2000).Apesardo crditoaoconsumidor no ser uma invenorecente,a desregulamentao e o amploacessoaoendividamentopromoveramsuaaceleradaexpansonasltimasdcadas, levando-oaumnovopatamar.Estaexpansoseassentasobreocrescentevolumederiqueza mantidonointeriordosistemafinanceiroporfamliaseempresas.Assim,oconsumo, especialmenteporpartedostrabalhadores,cortaseuslaosntimoscomarendaepassaase desenvolver sobre novas bases, mais precisamente sob a dinmica do crdito. Evidncia emprica mostraqueoendividamentojsubstituiuapoupanadasfamliasempasesavanados(Hein, 2009,p.12-13),sobosauspciosdoacessoaocrditoedoefeitoriquezaduranteafase positivadoltimociclo.Apermannciadoacessofartoaocrditoemperodosdecrise, entretanto, questionvel.Parecerazovelsuporqueaquestodaretroalimentaonegativa,nocenriodoefeito riqueza,sejaefetivamenteampliadacomoavanodocrditoesuasconseqnciasnascrises (reduodoconsumoparareduodoendividamento).BelluzzoeCoutinho(1998,p.139) destacamopontocentraldesseprocesso:[...]oefeitoriquezanoserealizamedianteuma vendadosativosparaaconversodoresultadomonetrioemconsumo,senomedianteuma ampliao da demanda de crdito por parte dos consumidores enriquecidos. 3.2.Trajetrias macroeconmicas Os impactos da financeirizao sobre a economia ainda so, de certo modo, controversos. Por afetar profundamente os agentes na forma com que interagem, a composio de um quadro completodosefeitosdafinanceirizao,ainda,umatarefainconclusa.Encontramosna literaturaeconmica,demaneirageral,diversastrajetriaspossveisparaoregime macroeconmico sob a financeirizao. Para nossa anlise vamos adotar duas trajetrias, de certa formaestilizadas,parasimplificarainterpretaodosresultadosdomodeloapresentadoa seguir. Provavelmente,aprimeiratentativamaisestruturadaderepresentaroregime macroeconmico da financeirizao pode ser encontrada em Boyer (2000). Ele e outros autores identificaramapossibilidadedeumatrajetriadecrescimentolideradopelafinana(finance-led growth), no qualo aumentodainfluncia dos acionistas teria um impacto macroeconmico Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva17 positivo no crescimento, a despeito da tendncia reduo dos investimentos e dos salrios, bem comodoaumentodafragilidadefinanceira.Issosedaria,emsntese,porumforteaumentodo consumo sustentado pelo crdito, associado a uma elevada propenso a consumir dos acionistas erentistas(efeitoriqueza)edoaumentodaproporodarendaqueestescapturamsoba financeirizao.Assim,eapesardoaumentodosjurosedividendos,ataxadeacumulaode capitalprodutivopoderiasemanterouatcrescer,graasaomecanismodoaceleradorvia estmulo de consumo adicional. Outros autores, a partir de Cordonnier (2006), apresentam um quadro mais pessimista. Para eles, o aumento do consumo dos acionistas e rentistas seria insuficiente para compensar a queda doconsumodostrabalhadoresedoinvestimento,adespeitodoaumentodocrditodisponvel para o consumo. Esta situao identificada na trajetria denominada lucros sem investimento (profits without investment) (Hein, 2009). 3.3.Modelo stock-flow consistent10 da economia financeirizada Paraanalisaroimpactomacroeconmicodasdecisesdeinvestimentosoba financeirizao,adotaremosomodelopropostoporHein(2009).Trata-sedeummodeloPs-Kaleckianosimples,dotipostock-flowconsistent,quepermiteaanlisedocrescimentoeda distribuiodarenda,sobasduastrajetriasalternativasdefinanceirizaoapresentados anteriormente.Pequenos ajustes foram aplicados para padronizao com o restante do trabalho, sendonossoobjetivo,almdaapresentaodomodelo,ofocoeaprofundamentodasquestes discutidas neste artigo a partir dos insights do modelo de Hein. Os canais de transmisso dos efeitos da financeirizao para a economia so integrados no modelo de Hein da seguinte maneira: (i) distribuio de renda entre firmas e acionistas/rentistas (pormeiodoaumentodosdividendosejuros)nocurtoprazoeentrecapitaletrabalho(pelo aumentodomarkup)nomdioprazo;(ii)impactonoinvestimentodasfirmas(viaaumentodo poderdosacionistas/rentistas);(iii)influncianoconsumo(peloaumentodosdividendose juros)nocurtoprazoe(pelareduodarendadotrabalho)nomdioprazo;e(iv) endogeneizaodarazofinanciamentoexterno-capitalparaverificarestabilidadeeviabilidade das trajetrias de acumulao no mdio prazo. Omodelotemhorizontedemdioprazo.Elenoconsideraalteraesnasescolhasde carteiras dos acionistas e rentistas, supostas constantes. Tambm no considera efeitos positivos doqdeTobin11sobreosinvestimentosdasfirmas.Assumeainda:economiafechadaesem participao do Estado, apenas um tipo demercadoria (para consumo e investimento), ausncia de custos fixos ou de mudana tcnica (produtividade constante ( )), relao capital-capacidade instalada( )constante(ausnciadeavanotcnico),nenhumadepreciaoeausnciade poupana por parte dos trabalhadores (Hein, 2009). 10 Modelo com consistncia entre fluxos e estoques dos agregados macroeconmicos. 11 O q de Tobin a razo entre o valor de mercado e o valor de reposio do mesmo ativo fixo (Tobin, 1969). Valoreselevadosdeqestimulamafirmaainvestir,poistodogastocomestoqueadicionaldecapitalprodutivo mais do que compensado no valor da empresa (equity) no mercado. Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva18 Precificao e distribuio da renda: (7) (8) (9) Financiamento do capital e renda dos rentistas: (10) (11) (12) (13) Poupana e investimento: (14) (15) Condies de equilbrio no mercado de bens: (16) (17) : lucro bruto no perodo; f: lucros retidos; : taxa de lucro; r: rentabilidade; I : investimento produtivo novo; K: estoque de capital; g: taxa de acumulao de capital; : razo financiamento externo-capital; Y: produto real; Y*: capacidade instalada; u: taxa de utilizao da capacidade instalada; v: relao capital-capacidade instalada; e: taxa de retorno esperada (equity e ttulos); p: preo nominal; m: markup; w: salrio nominal; a: razo trabalho-produto; B: ttulos detidos pelos rentistas; Er: equity detido pelos rentistas; Ef: equity detido pelos acionistas; R: renda dos rentistas; S: estoque de poupana; : taxa de poupana; sr: propenso a poupar dos rentistas; , , , : coeficientes da funo investimento. Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva19 O modelo est representado pelas equaes (7) a (17). O ponto chave de nossa discusso, a influnciadoacionistasobreasdecisesdeinvestimento,capturadonomodelopelataxade retorno esperada pelos rentistas ( ) e das preferncias (ou animal spirits) dos administradores ( ), representando as variveis de ajuste do (eventual) conflito entre acionistas e administradores. Assim,asdecisesdeinvestimento,modeladaspelafunodeinvestimento(15),so influenciadaspositivamentepelataxadelucroesperada( )epelovolumedevendasesperado, representadaspelataxadeutilizaodacapacidadeinstalada( ).Jataxaderetornoesperada pelosacionistas( )afetanegativamenteoinvestimento.Oparmetroindependente( ) representa o animal spirits dos administradores na deciso de investimento. (18) : taxa de lucro; g: taxa de acumulao de capital; : razo financiamento externo-capital; v: relao capital-capacidade instalada; e: taxa de retorno esperada (equity e ttulos); sr: propenso a poupar dos rentistas; , , , : coeficientes da funo investimento. Oequilbrionomercadodebensdeterminadopelaigualdadeentredecisesde poupanaeinvestimento[equao16](Hein,2009,p.30).Apartirdapodemosresolvero sistema12paraobterataxadeacumulaodecapitaldeequilbrio( )resultante,conformea equao 18. A discusso a seguir, sobre o impacto da financeirizao, baseada nesse resultado domodelo.Desdej,ficaevidentequeoaumentodopoderdosacionistasnafirma representado pelo aumento da taxa de retorno esperado ( ) e pela reduo do animal spirits dos administradores ( ). 3.4.Anlise dos resultados Antesdeiniciarmosaanlisedosresultadosapontadospelomodelo,umalerta necessrio.Comoemqualquermodeloaplicvelaumarealidadecomplexa,umasriede premissas simplificadoras foram adotadas, conforme j indicado anteriormente. Estas premissas, enquantovlidasnosentidodeviabilizaraapreensodasdireesegrandestendnciasdos principais agregados macroeconmicos analisados, no so capazes de atender a todo o conjunto desituaesobservadasnaeconomiareal.Faremos,portanto,oesforodenosconcentrar naquelas concluses mais gerais e inequvocas proporcionadas pelo modelo, sem perder de vista as limitaes apontadas. Para a anlise de curto prazo, algumas premissas adicionais so propostas por Hein (2009, p. 31): a razo de financiamento externo-capital (ou estrutura de capital) ( ) mantida constante, 12Asoutrasvariveisdeequilbriopodemtambmserobtidaspormeiodamanipulaoalgbricado modelo, o que nofaremos aqui dado o foco deste trabalhoe oespao disponvel. Para maiores detalhes ver Hein (2009). Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva20 asfirmasnotransferemparaospreos( )aumentosdedividendosejuros( )e,portanto,o markup ( ) e a taxa de lucro ( ) permanecem constantes. Deimediato,constatamosqueoefeitodoanimalspiritsdosadministradores( ) semprepositivamenterelacionadocomataxadeacumulaodecapital( ),pois.Jo impacto da taxa de retorno esperada ( ) sobre a acumulao (equao 19) mais complexo, pois depende da propenso a consumir dos acionistas/rentistas ( ) bem como de outros parmetros ( , e), podendo ser tanto positivo como negativo. (19) (20) : taxa de lucro; g: taxa de acumulao de capital; : razo financiamento externo-capital; v: relao capital-capacidade instalada; e: taxa de retorno esperada (equity e ttulos); m: markup; sr: propenso a poupar dos rentistas; , , , : coeficientes da funo investimento. Assim,parachegarmostrajetriadecrescimentolideradopelafinana,dentrodas restriesdenossomodelo,sonecessrios(inequao19)simultaneamente:umabaixa propensoapoupardosrentistas( ),umabaixasensibilidadedoinvestimentocomrelao distribuio de lucros ( ) e uma elevada elasticidade do investimento em relao utilizao da capacidade( ).Apenasseessascondiesprevaleceremteremosapossibilidadedecompensar osimpactosnegativosdoaumentodopoderdosacionistaspormeiodoaumentodos rendimentosdosrentistas(Hein,2009).AFigura7representaestascondiesgraficamente, analisandoafronteiraentreasduastrajetrias,emfunodapropensoapoupardos acionistas/rentistas( )edomarkup( ),quefixonocurtoprazo.Existe umarelaoinversa entreapropensoapoupareomarkup(inequao20),indicandoque,oaumentodoretorno esperado( )dependedareduodapropensoapoupardosacionistas/rentistasouda acumulao agregada (ou ambas). As combinaes de propenso a poupar e markup abaixo da fronteira da Figura 7 implicam na trajetria de crescimento liderado pela finana, desde que viveis. A viabilidade definida pelalinhadomarkupmnimoassociadotaxaderetornomnimo13requeridapelos 13Estaemgeralumataxaconvencionale,portanto,relativamenteestvel.Dadosempricosmostram estabilidade desta taxa em torno de 15% (Plihon, 2004, p. 138) Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva21 acionistas/rentistas.Casocontrrio,teremosaprevalnciadatrajetriadelucrossem investimento, com a conseqente reduo do potencial de acumulao de capital da economia. Figura 7 A fronteira entre as trajetrias. Paraaanlisedemdioprazo,serorelaxadasaspremissasadotadasnaanlisedecurto prazo. Assim, o modelo permitir o repasse para os preos ( ) de aumentos da taxa de retorno ( ) exigidapelosacionistaserentistasemgeral,mantidasasdemaisrestrieselimitaesj apresentadas. Considerando a equao 7, o aumento da taxa de retorno implicar na reduo da proporodarendadestinadaaostrabalhadores,emdetrimentodaquelaapropriadapelos rentistas. Alm disso, o modelo permitir o ajuste endgeno da razo de financiamento externo-capital( ),razoestaque,apsoequilbriodemdioprazo,deveriapermanecerconstante ( ) caso se deseje uma trajetria de crescimento estvel. (21) : taxa de lucro; g: taxa de acumulao de capital; : razo financiamento externo-capital; v: relao capital-capacidade instalada; e: taxa de retorno esperada (equity e ttulos); sr: propenso a poupar dos rentistas; , , , : coeficientes da funo investimento. A equao 21 mostra as condies de composio do capital das firmas necessrias para a trajetria de crescimento liderado pela finana. Obviamente as mesmas condies e concluses obtidas no caso da anlise de curto prazo se aplicam (Figura 7). ROE insuficiente Markup (m) Propenso a poupar dos rentistas (sr) 1,0 Capitalismo liderado pela finana Lucros sem investimento m(emin) Fonte: anlise dos autores Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva22 Por fim, avaliamos o efeito de alterao na taxa de retorno esperada ( ), para determinar a taxadeacumulaodecapitalagregada( ),nomdioprazo(equao22).Conclumosde imediato que o aumento da taxa de retorno esperada ir sempre aumentar a taxa de acumulao (inequao23).Esseresultadodecorrentedaconstnciadacomposiodocapitaldasfirmas ( ), derivada da condio de equilbrio de mdio prazo, porque qualquer aumento de dividendos oujuros( )implicaremumaumentoequivalentenoestoquedecapital.Entretanto,node formaalgumagarantidoqueataxa de acumulaode capital no equilbrio do mercadode bens ir se ajustar quela taxa [( )] (Hein, 2009, p. 42). (22) (23) K: estoque de capital; g: taxa de acumulao de capital; : razo financiamento externo-capital; e: taxa de retorno esperada (equity e ttulos); R: renda dos rentistas; sr: propenso a poupar dos rentistas. Acondioacimavlida,exclusivamente,casooequilbrionomercadodebensseja estvel, o que, por sua vez, requer que a condio prevista em (24) seja cumprida. Ou seja, deve existirtendnciadeequilbrionaestruturadecapitaisdaeconomianomdioprazo.Aquinos deparamos novamente com as mesmas condies j analisada no caso de curto prazo (Figura 7). Caso contrrio, tanto a estrutura de capital das firmas ( ), quanto a taxa de acumulao ( ) sero instveis. (24) : taxa de lucro; g: taxa de acumulao de capital; : razo financiamento externo-capital; v: relao capital-capacidade instalada; e: taxa de retorno esperada (equity e ttulos); sr: propenso a poupar dos rentistas; , , , : coeficientes da funo investimento. Portanto,aconclusodomodeloparaperodosmaioresaindamaisrestritivadoqueno curtoprazo.Emnvelmacroeconmico,sequerumatrajetriadelucrossemrendimento Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva23 estvel,dentrodaslimitaesdomodelo.Apenasatrajetriadecrescimentolideradopela finanapotencialmenteestvel,massujeitaaumconjuntobastanterestritivodecondies para sua viabilidade. 4.Concluso Dessaforma,conclumosnossaanlisesobreosdiversoscenriosdedecisodo investimento da firma sob a financeirizao e suas repercusses macroeconmicas. Como visto, as respostas individuais so bastante variadas e dependentes da situao especfica de cada firma, especialmente no que diz respeito ao grau de influncia dos acionistas sobre a administrao da companhia.Entretanto,identifica-seaexistnciadealgunspadresentretodososcasos,oque certamente traz impactos agregados relevantes.Emdestaque,verifica-seumantidatendnciageralreduodataxadeacumulaode capital e do crescimento das firmas, em contrapartida ao aumento da rentabilidade e do valor das aes.Abuscapelopoderdeacionistaseadministradoresnomaiscentradanotamanhoda firma e no crescimento a qualquer custo. A firma Galbraithiana perdeu sua substncia no mundo financeirizado; a tecnoestrutura dominada pelos acionistas. Outra constatao importante, que tambmpermeiaamaioriadasfirmas,apressopelaeficinciaoperacional.Sejapela intolerncia a performances inferiores do ROE ou pela consolidao do mercado de aquisies hostis e do downsizing, a administrao da firma teve seu espao de escolha discricionria entre crescimentoerentabilidadebastantereduzido.Dadecorreaprogressivareduodossalrios, bemcomoaacomodaodemaioresnveisderiscooperacionalefinanceiro,quesetornama tnica da firma financeirizada contempornea (Lazonick, 2000). Nessecenrio,areduodarendaagregadadostrabalhadoresinevitvel,bemcomoo impactosobreoconsumoagregado.Entretanto,outravarivelsecontrapenestecaso:o aumentodocrditoparaoconsumo.Almdisso,amaiorrendadisponvelparaacionistase rentistastambmtrazimpactopositivosobreoconsumo.Oresultadodetodasestasalteraes nas variveis da economia no pode ser inequivocamente definido a priori. Utilizando-seummodelomacroeconmicosimples,foipossvelconstatarque,soba financeirizao,pelomenosduastrajetriassopossveis.Aprimeira,atrajetriade crescimentolideradopelafinanapermiteacompensaodoinvestimentonorealizadopelo consumoadicional,geradoapartirdamaiorrendadeacionistas/rentistasedaofertadecrdito aos trabalhadores. Essa trajetria, com restries, tecnicamente compatvel com o crescimento econmico no longo prazo. J a segunda trajetria, de lucros sem investimento, no permite a compensao dos efeitos do aumento poder dos acionistas sobre as empresas, e da conseqente redistribuiodarenda,apontandoparaumcenriodeausnciadecrescimentoeconmico persistente no curto prazo, ou sequer estvel no mdio e longo prazos. Masatrajetriadecrescimentolideradopelafinanarequerumaconstelaode parmetrosmuitoespecial[...].Mesmoseestaconstelaodeparmetrospersistirporcerto perodo de tempo, ainda questionvel se [esta trajetria] poderia permanecer estvel no mdio e longo prazos se uma baixa propenso a poupar, como uma pr-condio crucial para tal regime, for associada com endividamento crescente dos domiclios de trabalhadores (Hein, 2009, p. 52). Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva24 Nestecenrio,maisrealistasuporaprevalnciadatrajetriadelucrosseminvestimento, associado instabilidade de mdio prazo dos mercados financeiros e do investimento, devido aos elevadosnveisdeendividamento(deempresasetrabalhadores)eaocrescimentorestritodas firmas. Nocenriotraado,ecomasrestriesdenossomodelosimples,apenasforasexternas ao ambiente analisado, especialmente o governo, teriam a capacidade para estabilizar a trajetria delucrosseminvestimentonolongoprazo.ConsiderandoareduodopoderEstadosoba financeirizaoe,conseqentemente,suacapacidadedepromoverpolticasanticclicas, chegamos a uma concluso que refora a tese do aumento da instabilidade com o novo regime. Dados empricos dos EUA, desde o incio dos anos 1980, sugerem que a trajetria de lucros sem investimento a situao que prevalece neste pas desde ento (Van Treeck, 2008). O presente trabalho focou-se na anlise de apenas uma das vertentes do processo sistmico dafinanceirizao.Masseuresultadoconsistenteecomplementarcomtrabalhosquevem sendo desenvolvidos sobre as problemticasadvindas da financeirizao, como a fragilidade da regulaodosistemafinanceiroeopapeldasinstituiesnacionaisesupranacionais.Aesse ponto se chegou com a globalizao financeira e o movimento de financeirizao do capitalismo pelo qual a riqueza de papel se multiplica relativamente independente da valorizao dos ativos produtivos,dasvariveisreais.umprocessoemquetodososatoresestoenvolvidos,ata corporao produtiva que incorporou a meta financeira em seus objetivos (Braga, 2009, p. 96). 5.Referncias14 BELLUZZO, L. G.; COUTINHO, L. Financeirizao da riqueza, inflao de ativos e decises de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, Campinas, n.11, 1998. BOYER,R.Isafinance-ledgrowthregimeaviablealternativetoFordism?Apreliminary analysis. Economy and Society, v. 29, n. 1, p. 111-145, 2000. BRAGA,J.C.Crisesistmicadafinanceirizaoeaincertezadasmudanas.RevistaEstudos Avanados, So Paulo, v. 23, n. 65, p. 89-102, 2009. CHANDLER,A.ScaleandScope:TheDynamicsofIndustrialCapitalism.Cambridge,MA: Harvard University Press, 1990. CORDONNIER, L. Le profit sans laccumulation: La recette ducapitalisme gouvern par la fi-nance. Innovations: Cahiers dEconomie de lInnovation, v.23, n. 1, p. 79-108, 2006. DALLERY,T.Post-KeynesianTheoriesoftheFirmunderFinancialization.ReviewofRadical Political Economics, v. 41, n. 4, pp. 492-515, 2009. FRACALANZA, P. S.; RAIMUNDO, L. C.; MIRANDA, T. A Corporao Contempornea e o Regime de Acumulao Liderado pela Finana. Campinas, 2009. GALBRAITH, J. O Novo Estado Industrial. So Paulo: Nova Cultural, 1985. GUTTMANN, R. A Primer on Finance-Led Capitalism and Its Crisis. Revue de la Rgulation, n. 3/4, 2008. 14 Todas as tradues das citaes dos textos em lngua estrangeira so de responsabilidade dos autores. Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010Financeirizao e Investimento Marcelo Pereira e Thadeu Silva25 GUTTMANN,R;PLIHON;D.Oendividamentodoconsumidornocernedocapitalismo conduzido pelas finanas. Economia e Sociedade, Campinas, v.17, n. especial, p. 576-610, 2008. HEIN,E.A(Post-)Keynesianperspectiveonfinancialisation.IMKStudies,HansBoeckler Foundation, Duesseldorf, n. 1, 2009. KEYNES,J.M.The General Theoryof Employment, Interestand Money. London: Macmillan, 1936. LAVOIE,M.FoundationsofPost-KeynesianEconomicAnalysis.Aldershot:EdwardElgar, 1992. LAZONICK, W.; OSULLIVAN, M. Maximizing shareholder value: a new ideology for corpo-rate governance. Economy and Society, v. 29, n. 1, p. 13-35, 2000. LAZONICK,W.TheQuestforShareholderValue:StockRepurchasesintheUSEconomy. University of Massachusetts Lowell and Stockholm School of Economics, 2008. LAZONICK, W. Marketization, Globalization, Financialization: The Fragility of the US Econ-omyinanEraofGlobalChange.UniversityofMassachusettsLowellandUniversityof Bordeaux, 2010. MENDONA,A.R.;DEOS,S.Crisesinthefinancialregulationoffinance-ledcapitalism:a Minskyan analysis. Revue de la Rgulation, n. 6, 2009. MINSKY, H. Stabilizing an unstable economy. New Haven: Yale University Press, 1986. PLIHON, D. Les grandes entreprises fragilises par la finance. In CHESNAIS, F. (Org.). La fi-nancemondialise:racinessocialesetpolitiques,configuration,consquences.Paris:La Dcouverte, 2004. p. 125-145. STOCKHAMMER, E. Financialisation and the slowdown of accumulation. Cambridge Jour-nal of Economics, v. 28, n.5, p. 719-741, 2004. STOCKHAMMER,E.Shareholdervalueorientationandtheinvestment-profitpuzzle.Journal of Post-Keynesian Economics, v. 28, n.2, p. 193-215, 2005. TOBIN,J.Ageneralequilibriumapproachtomonetarytheory,JournalofMoneyCreditand Banking, v. 1, n. 1, p. 15-29, 1969. VANTREECK,T.Reconsideringtheinvestment-profitnexusinfinance-ledeconomies:an ARDL-based approach, Metroeconomica, v. 59, p. 371-404, 2008. Artigo aceito para apresentao no III Encontro da Associao Keynesiana Brasileira De 11 a 13 de agosto de 2010