fisica dos fluidos

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CAPÍTULO II- FLUIDOS Conteúdos Noção de fluido. Conceito de densidade e pressão. Hidrostática. Variação da pressão com a profundidade. Princípio de Arquimedes. Dinâmica de fluidos. Fluidos ideais e viscosos. Escoamento laminar e turbulento. Número de Reynolds. Lei de conservação de massa. Caudal. Fluidos ideais: Lei de Bernoulli. Fluidos viscosos: Escoamento Poiseuille; resistência de um fluido ao movimento de um corpo no seu interior -Lei de Stokes. Líquidos: Tensão superficial e o fenómeno de capilaridade. Conceito de pressão negativa e sua importância. Noções de hemodinâmica. Difusão. Leis de Fick. Osmose e osmose inversa. Noções teóricas Densidade A densidade de um corpo é a massa por unidade de volume do corpo que, em geral, varia de ponto para ponto e no tempo. Matematicamente, dV dM V M V = = 0 lim ρ ou dM=ρdV. Na forma integral escreve-se , e no caso de um fluido de densidade constante obtém-se simplesmente = dV M ρ V M ρ = A unidade do S.I. de densidade é . Alguns autores usam, -3 m kg erradament e, densidade para a quantidade adimensional água ρ ρ . Pressão A pressão é a intensidade da força por unidade de área exercida pelo fluido numa superfície real ou imaginária na direcção da normal a essa superfície. A força é sempre normal à superfície devido ao facto de um fluido em repouso ser incapaz de suportar uma tensão de cisalhamento (tensões tangenciais). Notar que a força é uma grandeza vectorial e a pressão uma grandeza escalar n A F=P.A n 28

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mecanica dos fluidos com plicação em hidrodinamica.

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CAPÍTULO II- FLUIDOS

Conteúdos • Noção de fluido. Conceito de densidade e pressão. • Hidrostática. Variação da pressão com a profundidade. Princípio de Arquimedes. • Dinâmica de fluidos. Fluidos ideais e viscosos. Escoamento laminar e turbulento. Número

de Reynolds. • Lei de conservação de massa. Caudal. • Fluidos ideais: Lei de Bernoulli. • Fluidos viscosos: Escoamento Poiseuille; resistência de um fluido ao movimento de um

corpo no seu interior -Lei de Stokes. • Líquidos: Tensão superficial e o fenómeno de capilaridade. Conceito de pressão negativa

e sua importância. • Noções de hemodinâmica. • Difusão. Leis de Fick. • Osmose e osmose inversa.

Noções teóricas Densidade A densidade de um corpo é a massa por unidade de volume do corpo que, em geral, varia de

ponto para ponto e no tempo. Matematicamente, dVdM

VM

V=

∆∆=

→∆ 0limρ ou dM=ρdV.

Na forma integral escreve-se , e no caso de um fluido de densidade constante

obtém-se simplesmente ∫= dVM ρ

VM ρ= A unidade do S.I. de densidade é . Alguns autores usam, -3mkg erradamente, densidade para

a quantidade adimensional águaρρ

.

Pressão

A pressão é a intensidade da força por unidade de área exercida pelo fluido numa superfície real ou imaginária na direcção da normal a essa superfície.

A força é sempre normal à superfície devido ao facto de um fluido em repouso ser incapaz de suportar uma tensão de cisalhamento (tensões tangenciais).

Notar que a força é uma grandeza vectorial e a pressão uma grandeza escalar

n

A F=P.A n

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A unidade de pressão do S.I. é o Pascal, . São também usadas com muita frequência as unidades: atmosferas 1 ; milímetros de mercúrio, Pa 101.013 atm 5×=

Pa 101.33mmHg1 2×= e a unidade bar 1 . Pa 101 bar 5×= Reflicta: Como é possível deitar-se numa cama de pregos sem sentir dor, mas ao sentar-se num prego sente dor (não experimente!!)? Variação da pressão num fluido em repouso Nas aulas teóricas foi demonstrado que a pressão de um fluido aumenta com a profundidade de acordo com a lei ghPP 0 ρ+= , sendo a pressão em um nível de referência e h a profundidade, i.e., contada de cima para baixo. Recordemo-nos que a causa do aumento da pressão com a profundidade resulta do simples facto do peso do fluido a actuar numa dada superfície ir aumentando com a profundidade.

0P

A lei, na forma apresentada, só é válida para fluidos incompressíveis, i.e., de densidade constante. É por isso de aplicação limitada para o estudo de gases como é o caso da atmosfera terrestre. Reflicta: 1- Um mergulhador de garrafa não deve suster a respiração enquanto sobe, sob risco de danificar os pulmões. Porquê? 2- Um balão de S. João sobe até uma altura máxima e fica estacionário enquanto que um submarino alcança o fundo do mar se começar a afundar-se e nenhuma alteração for feita. Porquê? Princípio de Arquimedes “Um corpo mergulhado num fluido recebe, por parte deste, uma força, cuja direcção é vertical e cujo sentido é de baixo para cima e intensidade igual ao peso do volume de fluido deslocado- força de impulsão1”. A força de impulsão é de intensidade gVolfluidoρ , Vol – volume do corpo imerso (que pode ser menor que o volume total mas nunca maior!). Note que a densidade é a densidade do fluido e não do objecto. Exercício: Determine as dimensões de gVolfluidoρ e verifique que tem dimensões de uma força. Este princípio permite-nos compreender um enorme número de fenómenos do nosso quotidiano. Ao colocarmos um corpo rígido num líquido podem ocorrer três situações diferentes: a) O corpo sobe no líquido, emerge uma parte do seu volume e só depois se imobiliza (fica a

“flutuar”) b) O corpo imobiliza-se na posição em que o deixamos -> possui flutuabilidade neutra. c) O corpo desce no líquido e imobiliza-se no fundo do recipiente.

1 Em alguns dos livros recomendados de tradução Brasileira a força de impulsão é designada por força de empuxo.

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No caso de termos um fluido gasoso as situações são semelhantes ao fluido líquido, com as alterações resultantes do gás ser um fluido compressível, e.g. c) o corpo desce na atmosfera ou até a sua densidade igualar a da atmosfera, caso isto seja possível, ou até cair no solo. Exemplo: Uma garrafa vazia de altura 25cm é posta na vertical numa piscina. A densidade média da garrafa é e a da água . Determine qual porção da garrafa que está imersa (Considere a garrafa como cilíndrica).

33102.0 −×= kgmρ 33100.1 −×= kgmρ

Resolução: Como a densidade da garrafa é menor que a da água, ela irá flutuar. Em equilíbrio, a força do peso da garrafa de intensidade gVolP garrafa ρ=

'gVolágua

é igual (mas de sentido contrário) à força de

impulsão de intensidade I ρ= , Vol - é a fracção de volume imersa. '

h- altura da garrafa, h’- altura da parte imersa da garrafa, A- área da base '' AhVol

AhVol==

C.M.– Centro de massa

C. I. – Centro de impulsão (centro de massa da parte imersa)

cm 5'g ' ==⇔ hhágua

garrafa

ρg água=⇔= VolVolIP garrafa

ρρρ , a parte imersa é de 5cm .

C.M:h

água h’ C.I.

Apesar de o exercício estar resolvido, uma questão importante é saber se o equilíbrio é estável. Para respondermos a esta questão necessitamos da noção de binário. Imaginemos que a garrafa é deslocada numa direcção, o binário resultante poderá deslocar a garrafa de volta à posição inicial ou de modo a exacerbar a perturbação, fazendo deslocar ainda mais o corpo. Neste caso, é possível mostrar que a garrafa irá de facto tombar por acção do binário - o equilíbrio é instável. Se a garrafa estiver deitada, o equilíbrio é estável. Reflicta: 1- Dois baldes idênticos de água estão cheios até à borda, mas num deles flutua um bloco de madeira. Qual dos baldes é mais pesado? 2- Toros de madeira colocados verticalmente no mar não permanecem nessa posição, mas flutuam deitados na água. Explique. Tensão superficial e o fenómeno de capilaridade Fenómenos em que intervém a tensão superficial são nossos conhecidos no dia a dia: insectos que se deslocam à superfície da água, patos na água e bolas de sabão. Estes fenómenos resultam da existência de forças tangenciais à superfície de um líquido. Ao nível microscópio, esta força resulta de forças electrostáticas entre as moléculas do líquido. Podemos comparar o que se passa na superfície de um líquido a uma membrana de borracha esticada. Se fizermos

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um pequeno corte na membrana, os dois lados do corte separam-se, a força que os mantinha unido, a força de tensão, deixa de se fazer sentir. Assim, a superfície de um líquido quando perturbada pelo peso de um objecto exerce uma força no objecto resultante da tensão superficial, em semelhança com o que aconteceria se o objecto fosse colocado numa membrana elástica esticada

Definimos a magnitude da tensão superficial por lF=γ , ou seja, a tensão superficial é uma

força por unidade de comprimento. Exercício: Quais as dimensões e unidades de tensão superficial? Consideremos uma bolha esférica de um líquido (e.g. bolha de sabão) de raio r. A tensão superficial do líquido exerce uma força resultante para o interior da bolha de intensidade γπγ )2(2 rF = , sendo o factor 2 resultante de a bolha do líquido ter dois lados. Esta força é equilibrada por uma força para o exterior resultante das diferenças de pressão entre o interior e o exterior . Em equilíbrio, 2)()( rPPAPPF eieiP π−=−=

PPPr e ∆=)i −= (4γ

(equação de Laplace).

Exercício: A pressão no interior de uma bolha é maior ou menor que no exterior? Se formar duas bolhas de sabão de raios r=2cm e r=10cm, qual a razão entre as diferenças de pressão nos dois casos? O fenómeno de capilaridade resulta da acção da tensão superficial. Ao introduzir um capilar num recipiente com líquido, o líquido não fica ao mesmo nível dentro e fora do tubo, ele sobe ou desce dentro do capilar conforme molha ou não as paredes do tubo. A altura que o líquido sobe ou desce resulta da força das paredes do capilar que “puxam” ou “empurram” o líquido em reacção à força resultante da tensão superficial (acção capilar). No

caso de um capilar de secção circular esta altura é dada por gr

θγ cos2= , em que θ é o

ângulo entre a direcção da tangente à superfície do fluido e a vertical no ponto de contacto entre o fluido e o tubo. Dinâmica de fluidos Propriedades do escoamento de um fluido: • Permanente ou não-permanente (alguns autores usam a designação estacionário ou não

estacionário). Um escoamento diz-se permanente se as grandezas físicas que caracterizam o fluido num ponto não variam com o tempo mas apenas de ponto para ponto.

• Viscoso ou não-viscoso: Apesar de todos os fluido serem viscosos2, há situações onde a viscosidade pode ser desprezada sem alterar o resultado da descrição do escoamento do fluido e facilitando a caracterização físico-matemática do escoamento- fluidos ideias.

• Laminar ou turbulento: Aumentando a velocidade a que um fluido viscoso fluí em torno de um obstáculo, o escoamento passa de estacionário em que simplesmente contorna o obstáculo para um escoamento em que a velocidade num ponto varia com o

2 A temperaturas perto do zero absoluto é possível obter fluidos sem viscosidade – os superfluidos.

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tempo ou de uma maneira cíclica ou de uma maneira caótica. O tratamento matemático da turbulência é extremamente difícil e ainda não existe uma teoria da turbulência .

Lei de Conservação de Massa Num escoamento permanente, a massa de fluido que entra em A por unidade de tempo (fluxo de massa) é igual ao fluxo em B.

BBAA VV BA AreaArea ρρ = ou em qualquer ponto constante=AVρ não há fontes nem sumidouros de fluido A B

VA

VB

Como a área do tubo em A é maior do que em B, é necessário que a velocidade ou/e a densidade aumentem de A para B. Os líquidos são, numa boa aproximação, incompressíveis, então constante=ρ e a lei de conservação de massa pode ser escrita como

. Definimos o caudal como sendo o volume de fluido que passa por unidade de tempo Q .

constanteAV=

=AV

Exercício: Quais as dimensões e unidades no S.I. de caudal? Lei de Bernoulli A lei de Bernoulli é válida para escoamentos permanentes de fluidos incompressíveis e não

viscosos, e diz-nos que constante21 2 =++ VghP ρρ ao longo de uma linha de corrente.

Se o fluido for irrotacional3 então a constante é a mesma em todo o fluido, esta vai ser a nossa base de trabalho. Exemplo: Considere uma tubagem horizontal de secção circular de raio 1m e 0.2m em cada uma das extremidade sendo a variação do raio ao longo da tubagem gradual. Um fluido incompressível circula com velocidade 1m/s e com pressão de 7atm na extremidade mais larga do tubo. Determine a velocidade e pressão do fluido ao passar na parte mais estreita do tubo ( ). -33 kgm 102 ×=fluidoρ Resolução: A lei de conservação de massa diz-nos que na parte mais estreita do tubo temos

1-2

2

ms 25)( ==e

lle r

rVV

ππ

.

Aplicando a lei de Bernoulli ,

3 Um fluido diz-se com rotacional se ao colocarmos um pequeno objecto num qualquer lugar do fluido ele adquire movimento de rotação - vorticidade.

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22

21

21

llee VghPVghP ρρρρ ++=++ , e como as duas extremidades estão ao mesmo

nível

atm 0.76Pa1076.0)251(102 5223 =×=−×5.0107)(21 522 ×+×=−+= elle VVPP ρ

Concluímos que a velocidade na secção mais estreita do tubo é mais elevada, como intuitivamente esperaríamos, mas a pressão é mais baixa. Ou seja, se velocidade aumenta então a pressão diminui. É com origem nesta diferença de pressão que surge a força que acelera o fluido . Escoamento laminar de fluidos viscosos O escoamento de fluidos viscosos4 no regime laminar em tubagens de secção circular (com aplicação óbvia ao fluxo sanguíneo) é regido pela equação de Poiseuille:

LrPP

π8

)( 421 −

= . Esta equação pode ser rescrita como R

PP 21 −=Q , em que R é a

resistência hidrodinâmica , 4

8rLR

πη= . Note a analogia entre esta equação e a lei de Ohm para

circuito eléctricos, RVI = . À diferença de pressão corresponde a diferença de potencial

eléctrico e ao caudal a intensidade de corrente.

r L

1P 2P

Perfil de velocidade (a velocidade é nula na parede do tubo)

No caso de não haver viscosidade não é necessário existir uma diferença de pressão para que haja movimento do fluido. É também de notar que se a viscosidade do fluido aumentar então, para manter o caudal constante, é necessário aumentar a diferença de pressão. Esta expressão tem como revelação mais importante a grande dependência do caudal no raio da tubagem. Se diminuirmos o raio a metade, o caudal resultante é apenas 6.25% da inicial!

Turbulência

Uma grande parte dos escoamentos relevantes para o dia a dia não são laminares mas turbulentos. É conveniente definir uma grandeza adimensional, número de Reynolds, que é a

razão entre a inércia e a força de viscosidade η

ρDVRe = , ρ é a densidade do fluido, V a

sua velocidade, η a sua viscosidade e D uma dimensão característica. Esta dimensão pode ser o diâmetro de uma esfera ou cilindro que o fluido contorna, ou o diâmetro de uma tubagem por onde o fluido escoa, etc. 4 Válido para fluidos Newtonianos (regra geral todos os fluidos constituídos por moléculas simples).

álido para alguns fluidos importantes: pasta dos dentes, geleias, soluções de polímeros. Alguns

Não é v fluidos têm propriedades elásticas, e.g. clara de ovo, liquido sinovial.

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O uso do número de Reynolds é de importância crucial. O comportamento de dois fluidos distintos só pode ser comparado se tiverem iguais números de Reynolds! É isto que permite o uso de maquetas para o estudo de barragens, pontes, aviões, etc. Se considerarmos um fluido em movimento e formos aumentando a velocidade de escoamento (aumentando Re) o fluido passa de laminar a turbulento com a formação de vórtices que se propagam e quebram quer de uma maneira regular, quer de uma maneira irregular ou caótica. O número a que se dá a passagem de laminar a turbulento depende do problema em questão. No caso do escoamento de um fluido numa tubagem cilíndrica, este número é 2000.

Movimento de um corpo num fluido viscoso

É equivalente considerarmos o movimento de um corpo num fluido em repouso ou o movimento do fluido em torno de um corpo em repouso (obstáculo). De facto, o importante é o movimento relativo. A força de atrito dinâmico ou, na linguagem de fluidos, a força de viscosidade, opor-se-à ao movimento. Estes conceitos são extremamente importante para o estudo da sedimentação de partículas num fluido como a água ou a atmosfera e para compreendermos o funcionamento de uma centrifugadora.

ηF Fluido V

No caso do escoamento do fluido ser laminar a força de viscosidade é proporcional à velocidade rVCF ηη = , em que C é uma constante numérica e r o raio característico do

corpo. No caso dum corpo esférico π6=C e obtemos a lei de Stoke rVF πηη 6=2

. No caso

do escoamento do fluido ser turbulento a força de viscosidade é proporcional a V e não a V, ou seja, um fluido turbulento exerce uma força de viscosidade mais dependente da velocidade do que um fluido laminar. No caso de transição entre laminar e turbulento o problema é mais complicado e não há uma lei simples para o descrever.

Exemplo: Considere uma poeira de raio 0.1mm e densidade que cai no mar ( ). Determine a velocidade terminal da poeira sabendo que o escoamento é laminar e .

-33 kgm103×=ρ-33 kgm10025.1 ×=ρ1=η 23 /.100. msN−×

impulsão força de viscosidade

Peso

O grão atinge a sua velocidade final ou terminal quando a velocidade é tal que a força resultante actuante no grão é nula. Pela 1ª Lei de Newton, o movimento manter-se-á inalterável.

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⇔= 0RF Peso = Impulsão + força de viscosidade, terminalágua 6 rVgVolgVol πηρρ += .

Então 1-ms04.0) =água2

terminal (92

6)(

−=−

= ρρηηπ

ρρgr

rVol

g águaV .

3

34 rπ=Vol

Osmose e difusão

Concentração

Consideremos uma solução aquosa constituída por um soluto e um solvente.

Há inúmeras maneiras de exprimir concentração. Algumas das mais frequentes são:

Molaridade : numero de moles de soluto por litro de solução.

Osmolaridade: molaridade do número total de partículas provenientes do soluto (e.g. uma solução 1M de NaCl é 2Osm)

Difusão

A difusão de um pouco de leite no chá ou do sal de cozinha na água é de todos conhecida. Se dois fluidos, cada um com uma dada concentração de soluto, são postos em contacto há passagem (difusão) de partículas do soluto de um fluido para outro até se igualarem as concentrações.

O fluxo de soluto5 que atravessa uma dada região de área A é dado pela primeira lei de Fick :

dxdCDAJ −= , sendo D o coeficiente de difusão e C a concentração de soluto .

Membranas, Osmose e Pressão osmótica

As membranas celulares são permeáveis a certos iões e moléculas mas impermeáveis a outros. Considerando que existem concentrações diferentes de um soluto no meio extra-celular e intracelular haverá passagem de soluto até as concentrações se igualarem caso a membrana seja permeável à sua passagem. Caso contrário, na impossibilidade de haver passagem de soluto, haverá passagem de solvente (essencialmente água) no sentido de diluir o meio de maior concentração. Isto ocorre até que o aumento de pressão resultante da passagem de água equilibre a tendência para o fluxo de soluto. A este fenómeno de passagem de solvente dá-se o nome de osmose e à “pressão” que leva a que haja este movimento de soluto dá-se o nome de pressão osmótica.

Uma solução em relação a outra diz-se:

Iso-osmótica – se exerce a mesma pressão osmótica através de uma membrana permeável apenas ao solvente. Assim, duas soluções com a mesma concentração de partículas dissolvidas têm a mesma osmolaridade e portanto são iso-osmóticas.

Hipo-osmótica – se exerce menor pressão osmótica que a outra através de uma membrana permeável apenas ao solvente.

Hiper-osmótica – se exerce maior pressão osmótica que a outra através de uma membrana permeável apenas ao solvente.

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5 nº de moles de soluto que atravessa uma dada superfície por unidade de tempo.

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Um conceito relacionado mas distinto é de tonicidade. Uma solução diz-se isotónica para uma dada célula ou tecido se a célula imersa nessa solução não altera o seu volume. De maneira análoga, se a célula incha, a solução diz-se hipotónica e se a célula enruga a solução diz-se hipertónica. Se as membranas celulares fossem impermeáveis à passagem de todos os solutos então tonicidade e osmolaridade seriam sinónimos.

Exemplo:

A osmolaridade do fluido intracelular é de 300 mOsm. Se uma célula estiver numa solução de 300 mOsm de NaCl (não penetrante) e 100 mOsm de ureia (penetrante) com um total de 400 mOsm a solução é hiperosmótica. No entanto ela é isotónica, pois a ureia irá se difundir até haver igual osmolaridade no interior e exterior da célula, não havendo no processo modificações no volume da célula.

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Exercícios 1- Classifique as seguintes afirmações de V ou F, justificando brevemente:

a) Na ausência de gravidade um fluido está necessariamente à pressão zero. b) No topo de uma montanha a pressão atmosférica é, regra geral, mais elevada que no

sopé. c) Com um macaco hidráulico é possível levantar um carro usando uma força mais

pequena que o seu peso. Então, neste caso não há conservação de energia. d) A lei de Bernoulli diz-nos que constante. Então as dimensões

de P e =++ 25.0 VghP ρρ

ghρ são iguais. e) A aproximação de incompressibilidade é uma boa aproximação para líquidos mas não

para gases. f) A lei de hidrostática ghPP ρ+= 0 é válida para fluidos compressíveis. g) A lei de Poiseuille pode ser usada para o estudo da circulação sanguínea. h) A lei de conservação de massa só é válida para fluidos não viscosos. i) A lei de Bernoulli só é válida para fluidos não viscosos. j) O princípio de Arquimedes só é válido para fluidos não viscosos. k) Certos insectos permanecem à superfície da água suportados pelo impulso da água

(princípio de Arquimedes). l) Um corpo totalmente imerso num líquido está sobre a acção da gravidade, força de

impulsão, mas não da tensão superficial. m) Um corpo em movimento num líquido viscoso sofre uma força oposta ao movimento. n) O que trava um pára-quedista é a força de impulsão do ar no pára-quedas.

2- Ordene, em ordem crescente de densidade, os seguintes elementos: água liquida, gelo, ar,

hélio, chumbo e madeira de criptoméria. 3- Diga quais dos fluidos à temperatura ambiente pode, em boa aproximação, ser

considerado como incompressível: sangue, água, ar, mercúrio e metano. 4- A janela de um escritório mede 3,4m por 2m.

a) À pressão de 1 atm no interior e exterior do escritório, qual a força exercida pelo ar no lado de dentro da janela ? Por razão a janela não quebra?

b) Numa tempestade, a pressão do ar no exterior desce para 0.99 atm. Qual a força resultante que empurra a janela para fora?

Resolução: a) F=PA, convertendo a pressão a unidades do S.I. P=10 , a área é

então , esta força é igual à força de peso de um corpo de massa 68 toneladas!!

Pa5

28.624.3 mA =×= NF 5108.6 ×=

O vidro não quebra pois como a pressão é idêntica do lado de dentro e fora do escritório, a

força resultante é nula.

b) Resolva.

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5- Na figura estão representados três recipientes com fundos de igual área, cheios até à mesma altura e com o mesmo líquido. Os recipientes não têm igual volume de líquido.

a) Compare a pressão do líquido no fundo do recipiente nos diferentes casos. b) Compare a força total exercida pelo líquido no fundo do recipiente nos diferentes

casos. c) Qual dos recipientes com líquido possuí maior massa? (Despreze a massa do

recipiente.)

6- Considere a densidade do sangue . 33 mkg1006.1 −×=ρa) Calcule a diferença de pressão sanguínea existente entre o cérebro e os pés de uma

pessoa de 1,95 m de altura6. b) E uma pessoa de 1,5 m de altura? c) Por que razão a pressão arterial é sempre medida no braço? Resolução: a) A pressão num fluido aumenta da forma ghPP ρ+= 0 . Seja a pressão sanguínea no

cérebro e P a pressão nos pés. 0P

A diferença de pressão ∆ PaghPPP 430 1003.295.18.91006.1 ×=×××==−= ρ

b),c) Resolva.

7- Os pulmões humanos podem operar contra uma pressão diferencial máxima de 0.05 atm (diferença de pressão entre o interior e o exterior). Qual a profundidade máxima no mar a que um mergulhador pode ir se estiver a respirar por um tubo até à superfície? (Exercício 7, Cap. 17, livro de Resnick)

Sugestão: Responda primeiro à pergunta: O que faz com que ar entre nos pulmões? 8- As saídas de esgoto de uma casa construída num declive estão a 8.16m abaixo do nível da

rua. Sabendo que a rede de esgotos está 2m abaixo do nível da rua, determine a pressão diferencial mínima que deve ser criada pela bomba de esgoto para transferir dejectos cuja densidade média é . (Exercício 10, Cap. 17, livro do Resnick). 33 kg/m10926 ×

9- Três crianças, cada uma com 40 kg de massa, constroem uma jangada amarrando toros de

madeira de 0.3m de diâmetro e 2m de comprimento. Quantos toros são necessários para manter as crianças à tona? (densidade da madeira ρ ). 30.75gcm−=

Resolução: Em unidades S.I. a densidade é 3323 mkg750)10(1075.0 −−−− =××=ρ

15.0 ,m 2 == rh m

Determinemos o volume de cada toro: V 32 m 14.0)( ==×= hrhA π

6 Considere o sangue em repouso ou mais correctamente capilares dos pés e cérebro com velocidade igual.

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O peso das crianças mais o da madeira tem ser balançado pela força de impulsão. O número mínimo de toros será no caso em que a impulsão é máxima e os toros estão totalmente imersos. Então

Peso=Impulsão

4.3)(

3)3( =

−=⇒=+

madágua

cáguacmad V

MngVngMnV

ρρρρ , n- número de toros.

Como o número de toros tem que ser um inteiro, n=4.

10- Um peixe mantêm-se a uma certa profundidade na água do mar ajustando a quantidade de ar contida em ossos porosos ou em sacos de ar, para fazer com que a sua densidade média seja igual à da água. Suponha que, estando os seus sacos de ar vazios, a densidade de um peixe é de 1 . Inflando os sacos de ar, qual deverá ser o aumento percentual do volume do peixe para reduzir a sua densidade média, tornando-a igual à da água? (Exercício 38, Cap. 17, livro do Resnick, ).

3g/cm08.

-3mar água cm g 03.1=ρ

11- A água ascende a 9.5cm no espaço entre duas placas paralelas submergidas parcialmente em água (tensão superficial da água N/m 072.0=γ ). a) Como se denomina este fenómeno? b) Determine a distância entre as placas. c) O que aconteceria no caso do mercúrio? Porquê? 12- Uma aranha de 2g está apoiada sobre a superfície da água. Supondo que cada pata suporta um oitavo do peso da aranha, qual é o raio da depressão provocado por cada pata? (Considere , o45=θ N/m 072.0=γ ). 13- Considere o caso em que a diferença entre as pressões externa e interna do alvéolo pulmonar é de 133.25 Pa e a tensão superficial do líquido pulmonar de 3 . Determine o raio do alvéolo.

N/m 103. 3−×

14- A artéria aorta tem um diâmetro de aproximadamente 2cm. O coração bombeia cerca de 5 litros por minuto.

a) Qual é a velocidade média do sangue na artéria aorta? b) Sabendo que o diâmetro médio dum capilar é 8 µm e que a velocidade média do

sangue num capilar é 0.33 mm/s, qual é o número de capilares no corpo humano? 15- No mês de Fevereiro houve uma tempestade na ilha da Terceira com ventos que atingiam os 100km/h. Sabendo que a densidade do ar é 1 , determine: 3kg/m2.

a) A diferença de pressão entre o interior e exterior da casa, que tende a arrancar o telhado.

b) Qual a intensidade da força sobre uma telha de 80 de área? 2cm(Adaptado do exercício 12, Cap. 18, do livro do Resnick)

16- Considere um tanque com grandes dimensões contendo um líquido que escoa por um pequeno orifício a uma distância h, abaixo do nível do líquido. O tanque é aberto na parte superior.

39

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1 4

h

32

a) Aplicando a equação de Bernoulli, à linha de corrente que liga os pontos 1,2 e 3, mostre que a velocidade com que o líquido sai do orifício é gh2=V .

b) Se a saída do orifício apontar para cima, qual será a altura máxima atingida pelo jacto de líquido?

c) De que modo a viscosidade ou turbulência afectariam esta análise? (Exercício 15, Cap. 18, Livro do Resnick) Resolução: a) No ponto 1, a pressão é idêntica à pressão atmosférica e a velocidade é, numa boa

aproximação, nula (pois o tanque é de grandes dimensões). No ponto 2, a velocidade continua sendo nula, mas agora o fluido está a uma profundidade h, logo a pressão aumenta para ghPghPP atm ρρ +=+= 12 No ponto 3, a pressão é de novo igual à pressão atmosférica (pois a líquido está em contacto com o ar) e aplicando a lei de Bernoulli

22

atm 21 PVP =+ ρ , pois os pontos 2 e 3 encontram-se à mesma profundidade.

Resolvendo em ordem à velocidade ghPP

2)(2 atm2 =

−=

ρV .

Notar que a velocidade não depende da densidade do líquido e aumenta com a profundidade e com a aceleração da gravidade.

b) A altura máxima será atingida quando a velocidade do jacto for nula num ponto que designamos por 4.

Aplicando a lei de Bernoulli à linha de corrente que liga os pontos 3 e 4

442

3 21 ghPVP ρρ +=+ , altura do ponto 4 (estando o ponto 3 a altura nula) −4h

A pressão nos pontos 3 e 4 é idêntica e igual à pressão atmosférica. Então 24 2

1 Vg

h = e

substituindo pela expressão acima encontrada para V obtém-se . hh =4

Ou seja, o jacto volta à altura inicial, o que exprime conservação de energia. c) No caso de um fluido viscoso, ou na presença de turbulência, há perda de energia logo o

jacto não alcançaria a altura h mas uma altura menor. 17- Um tanque de água possui um orifício no seu fundo. É necessário deitar 0.36 litros de

água por segundo para manter o nível de água constante e igual a 10cm. Qual é a área do orifício?

18- Considere o seguinte aparelho através do qual fluí água:

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Seja A1=4.75A2 e A, A2 as áreas do tubo de secção circular nos pontos 1 e 2 respectivamente. A pressão no ponto 1 é 2.12 atm.

a) Determine os valores de V tal que a pressão no ponto 2 se anule. (O fenómeno que ocorre no ponto 2 é conhecido por cavitação, a água vaporiza em pequenas bolhas. É o que se passa num perfume ou detergente com vaporizador.)

, e 21 V

b) Calcule o caudal correspondente se o diâmetro no ponto 1 for 5.2cm.

(Exercício 32, Cap. 18, livro do Resnick)

19- Determine a diferença de pressão necessária para um caudal Q=5 L/minuto de sangue de viscosidade percorrer 40cm duma artéria de raio constante r=0.5cm. Qual a diferença de pressão necessária se a artéria estiver parcialmente bloqueada e o raio for apenas de r=0.1cm? Quais as consequências do bloqueamento para o coração do animal? ( , η= )

33 kgm1006.1 −×=ρ113 smkg104 −−−×

20- Calcule a maior velocidade com que o sangue pode fluir por uma artéria de 3.8mm de diâmetro, de modo a que o escoamento permaneça laminar. ( ,η= 4 ). (No caso do escoamento de um fluido numa tubagem cilíndrica, este número é 2000.)

33 kgm1006.1 −×=ρ 113 smkg10 −−−×

21- Um cilindro contém um líquido de viscosidade desconhecida e densidade . Uma esfera de diâmetro 2mm e densidade 8.92× é

deixada cair no líquido e rapidamente atinge a velocidade terminal. A bola demora 3.52s para se deslocar 20cm.

33 Kgm1020.1 −×=ρ 33 kgm10 −

a) Determine a viscosidade do líquido, admitindo que o escoamento é laminar. b) Determine o número de Reynolds para este escoamento. Sabendo que para R>100 o

escoamento deixa de ser laminar, verifique a validade do pressuposto da alínea anterior. Resolução:

a) Sabendo que a bola rapidamente atingiu a velocidade terminal, então os 20cm

foram percorridos a velocidade constante dada por m/s 057.052.32.0 ===

tdV .

A velocidade constante a resultante das forças no corpo é nula (1ª Lei de Newton). As forças são: O peso do corpo, a força de impulsão do fluido no corpo e a força de viscosidade

Força de viscosidade Impulsão Peso Peso = Impulsão + força viscosidade

VrgVolgVol liqbola ...6.... ηπρρ += 2N.s/m 3.0..6

).(.=

−=⇒

VrgVol liqbola

πρρ

η

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Page 15: fisica dos fluidos

b) 5.03.0

057.0)102()102.1( 33

=××××==−

ηρ DV

R liqe , o pressuposto da alínea

anterior é válido. 22- Uma pequena bola de cobre de densidade 8.92× e diâmetro 1mm é deixada cair num recipiente com glicerina ( , η=1.49 ) Determine a velocidade terminal da bola, admitindo que o escoamento é laminar.

33 mkg10 −

33 kgm −106.1 ×=ρ 2N.s/m

23- No laboratório usamos uma membrana artificial de 0.1mm de espessura para separar dois reservatórios com uma solução de glucose. Na solução I à esquerda da membrana há 10g de glucose em 1L de solução, e na solução II à direita há 5g de glucose em 1L de solução. A área total da membrana é 1.5 cm e os poros da membrana, permeáveis à glucose, ocupam 20% da área total. O peso molecular da glucose é 180.

2

Se o coeficiente de difusão é , qual o número de moles de glucose que atravessam a membrana por segundo?

125 cm103.0 −−×= sD

24- Considere uma membrana permeável à água mas não à glucose. Colocam-se 5g de glucose num tubo vertical (raio R=0.5cm) que se encontra tapado no seu extremo inferior pela membrana. A parte exterior da membrana está em contacto com um recipiente de água de grande volume. Qual a altura da solução no tubo na situação de equilíbrio? (Considere T=20º e densidade da solução 1 ) 3/ cmg 25- É possível uma solução hiperosmótica ser isotónica? Se sim, em que condições? 26– Numa tina com dois compartimentos separados por uma membrana permeável aos solutos e solventes, deitou-se um litro de solução em cada um dos compartimentos. O do compartimento I com 0,1 OSM e o compartimento II com 0.7 OSM. a. Em equilíbrio qual a osmolaridade das soluções? b. Compare os volumes das soluções nos dois compartimentos na situação de equilíbrio. c. Qual a osmolaridade das soluções em equilíbrio no caso de a solução inicial no compartimento II tiver um volume de 2 litros? d. Repita a alínea anterior para o caso em que a membrana é impermeável à passagem do soluto.

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