Física Estatística
-
Upload
jailson384 -
Category
Documents
-
view
73 -
download
12
Transcript of Física Estatística
Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1
Aula 1 - Micro × macro
Meta
Apresentar as escalas de tempo, comprimento e energia de diversos pro-
cessos fısicos, bem como as diferencas entre fenomenos micro e macroscopicos.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. Reconhecer e aplicar o conceito de media, relacionando-o a valores de
grandezas macroscopicas.
2. Identificar escalas de tempo, comprimento e energia associadas a alguns
sistemas fısicos.
3. Identificar grandezas e variaveis intensivas e extensivas.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce esteja familiarizado com os conceitos de Teo-
ria Cinetica dos Gases apresentados na Aula 7 desta disciplina e com as
equacoes de Boyle e Gay-Lussac (ou Charles) apresentadas na Aula 8 de
Fısica 2A.
Introducao
No final do seculo XIX a Termodinamica ja podia ser considerada
como uma teoria bem estabelecida. Atraves dela o comportamento termico
de varios sistemas pode ser compreendido no nıvel macroscopico levando a
um grande desenvolvimento tecnologico. A possibilidade de construcao de
maquinas termicas e motores foi fundamental para o que hoje conhecemos
como Revolucao Industrial.
boxe de curiosidade
A Revolucao Industrial consistiu em um conjunto de mudancas tecnologicas
1CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 1 - Micro × macro
com profundo impacto no processo produtivo em nıvel economico e social.
Iniciada na Inglaterra em meados do seculo XVIII, expandiu-se pelo mundo
a partir do seculo XIX. A Fısica desenvolvida nessa epoca teve um papel
fundamental no desenvolvimento de novas tecnologias. Especificamente, a
Termodinamica permitiu que fossem construıdas maquinas termicas mais
eficientes para uso direto no processo industrial, como os teares, ou para a
expansao dos meios de transporte, como o motor a vapor e o motor a com-
bustao interna.
fim do boxe de curiosidade
Um dos principais ingredientes da formulacao matematica da Termodi-
namica sao as variaveis de estado que, como o nome indica, descrevem o
estado macroscopico do sistema. Alguns exemplos sao: energia (E), en-
tropia (S), volume (V ), pressao (p) e temperatura (T ). O arcabolco da
Termodinamica e um conjunto de leis a serem obedecidas pelas variaveis de
estado. Normalmente parte-se de alguma relacao empırica entre algumas
variaveis de estado e relacoes entre outras variaveis podem ser obtidas com
o uso das leis da Temodinamica. Nessa abordagem sempre lidamos com a
descricao macroscopica.
O que falta na Termodinamica e uma forma de encontrar relacoes en-
tre variaveis de estado a partir de princıpios fundamentais da escala mi-
croscopica. O objetivo da Fısica Estatıstica (FE) e complementar a Ter-
modinamica, obtendo a descricao macroscopica de um sistema fısico for-
mado por um numero muito grande de partıculas, a partir do conhecimento
estatıstico no nıvel microscopico.
Historicamente pode-se considerar a formulacao do Teorema H por
Boltzmann em 1872 como o marco inicial da FE. Nesse teorema Boltzmann
mostra que, enquanto um sistema relaxa para o equilıbrio, e possıvel definir-
se uma funcao, a funcao H, que nunca aumenta com o passar do tempo. A
partir dessa funcao, Boltzmann propos uma definicao de entropia ligada ao
grau de desordem do sistema e compatibilizou o princıpio do aumento da
entropia, existente na Termodinamica, com a visao estatıstica de um sistema
fısico. Em poucas palavras, Boltzmann mostrou que um sistema que evolui
no tempo, com energia constante, encontra seu equilıbrio na configuracao
mais desordenada, que e tambem a mais provavel.
Nessa epoca a Mecanica Quantica ainda nao havia sido formulada, e
todo o desenvolvimento inicial da FE foi feito atraves da descricao classica
do movimento das partıculas. Assim, havia uma serie de resultados que
CEDERJ 2
Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1
Figura 1.1: Um texto de Fısica Estatıstica nao esta completo sem uma foto
de Boltzmann.(Por favor incluir uma foto de Boltzmann)
conflitavam com observacoes experimentais, especialmente com relacao ao
comportamento a baixas temperaturas.
Foi exatamente na tentativa de descrever a radiacao termica por Planck,
em 1901, que surgiu a ideia de que a energia da radiacao eletromagnetica emi-
tida pelos atomos nas paredes de uma cavidade deveria ser quantizada, e nao
contınua. O modelo proposto por Planck e considerado como o inıcio da
Mecanica Quantica. A medida que a descricao quantica passou a ser usada,
a excelente concordancia entre as previsoes da FE e as observacoes experi-
mentais consagrou a teoria.
boxe de curiosidade: A questao fundamental perseguida por Boltzmann
era como sistemas macroscopicos podiam apresentar irreversibilidade se as
leis que regem o mundo microscopico sao reversıveis. A resposta veio ao
estudar as colisoes aleatorias entre moleculas de um gas. Ao longo da for-
mulacao do problema, Boltzmann definiu a funcao H =∫
P (~u) ln P (~u)d~u,
em termos da probabilidade P (~u) de encontrar uma molecula com veloci-
dade entre ~u e ~u + d~u. O processo em questao, a termalizacao do gas de
moleculas, esta embutido na forma funcional de P (~u); essa funcao muda a
medida que o gas atinge o equilıbrio termodinamico atraves de colisoes entre
as moleculas. E possıvel mostrar-se que essa funcao H nunca aumenta. A
partir dela a entropia para N moleculas foi definida como S = −NκH, sendo
κ uma constante, mais tarde denominada constante de Boltzmann. A teoria
de Boltzmann foi muito atacada na epoca, levando o cientista a um profundo
estado de depressao que culminou com seu suicıdio em 1906. fim do boxe
Inicialmente criada para o estudo de sistemas fısicos, a abrangencia
de sua formulacao estendeu a aplicabilidade da FE a outras areas, como
biologia e economia, no final do seculo XX. Em poucas palavras, a FE fornece
um mecanismo sistematico para o calculo das probabilidades de ocorrencia
de configuracoes microscopicas, como veremos na Aula 6. Nesse calculo os
ingredientes principais sao a energia e a temperatura. A FE combina o
princıpio de minimizacao da energia da Mecanica com a maximizacao da
entropia, princıpio proveniente da Termodinamica atraves da Segunda Lei.
O estado de equilıbrio de um determinado sistema e determinado por esses
dois processos de extremizacao sendo a minimizacao de energia dominante a
baixas temperaturas, e a maximizacao da entropia, a altas temperaturas.
3CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 1 - Micro × macro
A Teoria Cinetica
A primeira tentativa de descricao microscopica de um sistema macroscopico
foi feita atraves Teoria Cinetica dos Gases. Nessa abordagem o movimento
das moleculas do gas e descrito pelas leis da Mecanica Classica e considera-se
que elas caminham e colidem entre si e com as paredes do reservatorio de
forma aleatoria. Na Aula 7 de Fısica 2A voce viu a determinacao cinetica
da pressao de um gas ideal e a sua relacao com a lei de Boyle. Praticamente
todas as ideias que serao trabalhadas nas proximas aulas estao presentes
no modelo cinetico do gas ideal. Em primeiro lugar temos um sistema que
contem um numero elevadıssimo de partıculas. Neste caso o sistema e um
gas de baixa densidade, contido num recipiente macroscopico de volume V .
box de atencao: Para o melhor entendimento destes conceitos e importante
que voce refaca os Exercıcios 2, 3 e 4 da Aula 7 de Fısica 2A.
fim do boxe
Num volume macroscopico numero de moleculas do gas, N , e da ordem do
numero de Avogadro (Na), ou seja, N ∼ 1023. Qualquer tentativa de enten-
der o comportamento desse sistema atraves do conhecimento da posicao e da
velocidade de cada molecula sera infrutıfera. Mesmo se conseguıssemos ter
acesso a esses dados, a qualquer instante de tempo, eles seriam inuteis para
responder as perguntas que geralmente sao feitas sobre um sistema como esse,
basicamente: quais sao seus valores de pressao, densidade e temperatura.
Atraves de hipoteses simplificadoras sobre o comportamento microscopico
das moleculas, a teoria cinetica possibilita relacionar a pressao p, que e uma
grandeza macroscopica, com as velocidades moleculares ~ui, i = 1, 2, . . . N ,
atraves do valor medio, 〈u2〉, do quadrado da velocidade como:
p ≡1
3ρ〈u2〉 , (1.1)
sendo
〈u2〉 ≡1
N
N∑
i=1
u2
i (1.2)
e ρ a densidade volumetrica. Finalmente, a conexao com a temperatu-
ra (outra grandeza macroscopica) pode ser feita a partir de observacoes
empıricas, tais como a lei de Boyle (pV = constante), ou a lei de Gay-
Lussac ou Charles (V/T = constante). Com esse procedimento comecamos
com uma visao microscopica, dada pelos valores de 6N variaveis (valores de
ux, uy, uz, x, y e z de cada molecula), e chegamos a macroscopica, com 3
variaveis: p, V e T . O processo envolveu o calculo de valores medios para
descrever o conjunto de moleculas.
CEDERJ 4
Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1
Atividade 1
(Objetivo 1)
Os conceitos de media e densidade podem ser usados em qualquer sistema,
nao apenas os formados por atomos e moleculas. Veja a foto abaixo, que
mostra varios graos de arroz espalhados sobre uma folha de papel. Como
voce faria para estimar o numero de graos nessa foto usando o conceito de
densidade?
Resposta comentada
Uma inspecao visual mostra que a densidade de graos e razoavelmente ho-
mogenea, portanto, podemos contar quantos graos estao num pequeno qua-
drado, e depois calcular a area total. Como definir o tamanho do quadrado?
Ele deve ser grande o suficiente para ter um numero razoavel de graos, mas
nao muito grande, porque queremos exatamente evitar ter que contar muitas
graos. Se o quadrado for muito pequeno o numero de graos nele dependera
muito de onde esta colocado, o que levaria a uma dispersao enorme no valor
medio do numero de graos na dada area. Para vermos o efeito dessa escolha
vamos considerar quadrados com 2 cm de lado (linha preta) e com 1 cm de
lado (linha amarela). Vamos posicionar cada quadrado em 5 pontos distintos
e contar quantos graos estao dentro de cada um. Imediatamente notamos a
primeira dificuldade: como lidar com graos que estao parcialmente dentro do
quadrado. Vamos estimar as fracoes de grao nas bordas dos quadrados.
Comecemos com os quadrados menores, em amarelo. Chamando de ni
5CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 1 - Micro × macro
o numero de graos no i-esimo quadrado temos:
n1 = 9 n2 = 11 n3 = 9 n4 = 12 n5 = 12
Calculamos o valor medio:
〈n〉 =1
5
5∑
i=1
ni = 10, 6
e o desvio quadratico medio:
σ =
√
√
√
√
1
5
5∑
i=1
(ni − 〈n〉)2 = 1, 4
Chamando de a a area dos quadrados amarelos, calculamos a densidade su-
perficial media de graos, definida como 〈ρ〉 ≡ 〈n〉/a. Neste caso ficamos
com 〈ρ〉 = 10, 6 graos/ cm2. A area total da foto e 103,8 cm2, portanto, a
estimativa do numero total de graos e 914.
Repetimos o procedimento usando os quadrados maiores, com a = 4
cm2. Neste caso encontramos:
n1 = 33 n2 = 32 n3 = 34 n4 = 36 n5 = 37 .
Outras quantidades calculadas sao: 〈n〉 = 34, 4, σ = 1, 85 e 〈ρ〉 = 8, 6 graos/
cm2. Neste caso o numero total de gaos na foto e estimado em 893.
fim da atividade
Escalas de tempo, comprimento e energia
A conexao entre os mundos micro e macroscopico so e possıvel porque
as escalas de tempo e distancia caracterısticas das duas descricoes sao muito
diferentes. Qualquer medicao ou observacao macroscopica demora um tempo
extremamente longo em comparacao aos tempos tıpicos de variacoes mi-
croscopicas. Podemos fazer algumas estimativas tomando como exemplo um
recipiente macroscopico contendo um mol de helio a temperatura ambiente
e pressao atmosferica. Comecamos por calcular o volume ocupado por 1 mol
de gas. Usamos a equacao de estado do gas ideal, pV = nRT , com os dados
n = 1, nas CNPT, ou seja, T = 300 K, p = 105 Pa (≈ 1 atm). Assim,
obtemos:
V =nRT
p=
1 × 8, 314 J/(mol.K) × 300K
105 Pa= 24, 9 × 10−3m3 = 24, 9 ` (1.3)
CEDERJ 6
Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1
Com este resultado calculamos o volume medio ocupado por cada molecula
ou atomo, no caso dos gases monoatomicos:
v ≡V
Na=
24, 9 × 10−3 m3
6, 03 × 1023 atomos= 4, 13 × 10−26
m3
atomo= 41, 3
nm3
atomo(1.4)
Usamos o nanometro (1nm = 10−9 m) para escrever a resposta por se tratar
de uma unidade de comprimento mais adequada a escala atomica. Nessa
escala o angstron (1A = 10−10 m) tambem e muito usado. Supondo uma
forma cubica, esse valor de v corresponde a um cubo de 3,45 nm de lado.
Um atomo tem dimensoes lineares da ordem de angstron, ou 10−1 nm, assim
vemos que ha muito espaco vazio no gas.
Essa estimativa e a mesma para qualquer gas de atomos ou moleculas
nas mesmas pressao e temperatura, valendo tambem para o ar, por exemplo.
Nao percebemos esses vazios nos gases porque eles se dao numa escala de
comprimento muito menor que a nossa. Nossa percepcao macroscopica e a
de um gas de densidade homogenea igual a densidade media com relacao
as variacoes microscopicas. Embora tenhamos usado o termo microscopico
em oposicao a macroscopico, um sistema com dimensoes da ordem de um
micrometro (1 µm = 10−6 m) e bastante grande. Uma partıcula solida com
volume igual a 1µm3 tem cerca de 1011 atomos. Assim, continuamos a usar
o termo microscopico apenas por tradicao, pois o mais correto e a referir-se
a escala atomica ou nanoscopica.
Atividade 2
(Objetivo 2)
A condutividade dos metais pode ser explicada por um modelo que consid-
era um solido metalico como um recipiente contendo um gas formado pelos
eletrons dos orbitais incompletos mais externos de cada atomo. Estime a
concentracao desse gas de eletrons no lıtio, um metal com um eletron de
conducao por atomo, massa molar m = 6, 94 g e densidade ρ = 535 kg/m3.
Compare com a concentracao de atomos de helio nas condicoes ambientes.
7CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 1 - Micro × macro
Resposta comentada
Um mol de lıtio tem Na = 6, 03 × 1023 atomos, portanto, o mesmo numero
de eletrons. Precisamos agora calcular o volume de um mol. Temos
ρ =m
V→ V =
m
ρ=
6, 94 × 10−3 kg/mol
535 kg/m3
= 1, 30 × 10−5 m3/mol .
A concentracao e entao:
φeletrons =Na
V=
6, 03 × 1023 eletrons/mol
1, 30 × 10−5 m3/mol= 4, 64 × 1028 eletrons/m3 . (1.5)
A concentracao do helio nas CNPT pode ser calculada a partir de (1.4):
φHe =1
v=
1
4, 13 × 10−26 m3/atomo= 2, 42 × 1025 atomos/m
3. (1.6)
fim da atividade
Atividade 3
(Objetivos )
Estime a velocidade das moleculas num gas.
Resposta comentada
Vamos usar a expressao (1.1), para isso precisamos estimar a densidade de
um gas. Da equacao de estado do gas ideal temos que a concentracao molar
nas CNPT e
n
V=
p
RT=
105 N/m2
(8, 31 J/K.mol )(300 K)= 0, 402 × 102 mol/m3 .
Para o helio, temos uma massa molar de 4 g, portanto ρHe ≈ 1, 7 × 10−1
kg/m3. No caso do argonio, com massa molar de 40 g, ρAr ≈ 1, 7 kg/m3.
Como estamos fazendo uma estimativa, podemos usar ρ ≈ 1 kg/m3. Esse e
um numero interessante de se guardar. Veja que a agua tem densidade 103
kg/m3. Podemos considerar entao esse um valor tıpico para lıquidos. Assim,
a densidade de um gas e tipicamente mil vezes menor que a de um lıquido.
CEDERJ 8
Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1
Considerando condicoes ambientes, temos
〈u2〉 =3p
ρ=
3 × 105 Pa
1 kg/m3= 30 × 104 (m/s)2 . (1.7)
Embora nao seja igual a velocidade media,√
〈u2〉 em geral difere desse valor
por um fator da ordem da unidade, sendo, portanto, uma otima estimativa
para a velocidade media.
Com essa aproximacao, o valor medio das velocidades moleculares e
〈u〉 ≈√
〈u2〉 = 5, 4 × 102 m/s = 1944 km/h . (1.8)
Assim, vemos que na escala atomica tudo e muito pequeno e rapido, em
comparacao com nossos padroes macroscopicos.
fim da atividade
Agora vamos verificar as escalas de energia envolvidas. A unidade de energia
mais adequada para esse fim e o eletron-volt (eV), a energia de um eletron
num potencial de um volt. A relacao com a unidade de energia no sistema
SI, o Joule, e:
1 eV = 1, 60 × 10−19J ou 1 J = 6, 24 × 1018 eV . (1.9)
Comecaremos calculando a energia cinetica de um objeto macroscopico, uma
bola de tenis. A velocidade da bola num saque e aproximadamente 60 m/s,
e sua massa e cerca de 56 g. Portanto, sua energia cinetica e
Ebola =1
2mu2 =
1
2
(
56 × 10−3 kg)
(60 m/s)2
= 100, 8 J = 6, 30 × 1020 eV .
(1.10)
O atomo de helio no gas tem uma velocidade altıssima, muito maior que a
da bola de tenis, mas sua massa e muito pequena. A massa de um atomo
e essencialmente a do nucleo, que no caso do helio equivale, com uma boa
aproximacao, a massa de dois protons e dois neutrons. Assim, a energia
cinetica de um atomo de helio no gas e:
EHe =1
2mu2 =
1
24 × (1, 67 × 10−27 kg)(5, 4 × 102 m/s)2
= 97, 4 × 10−23 J = 6, 07 × 10−3 eV = 6, 07 meV
Veremos mais adiante (Aula 6) que a energia de agitacao termica, pode ser
estimada pelo produto κT , sendo κ a constante de Boltzmann. Para tempe-
ratura ambiente, ET ≡ κT ≈ 0, 025 eV.
9CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 1 - Micro × macro
Boxe de atencao: Revise a relacao entre a energia cinetica media e
temperatura, Eq. (7.17), Aula 7 de Fısica 2A.
fim do boxe de atencao
Comparando com os valores de energia calculados acima, vemos que ET
Ebola e ET EHe. Isso significa que o efeito da temperatura e irrelevante
para o movimento da bola de tenis, mas nao para o comportamento dos
atomos de helio no gas. Ou seja, o movimento do centro de massa da bola
e determinıstico, podendo ser perfeitamente descrito pelas leis da Mecanica
Classica, o mesmo nao ocorrendo com o atomo de helio.
Atividade 4
(Objetivo)
Se todas as moleculas de agua em 1 g de agua fossem distribuıdas uniforme-
mente sobre a superfıcie da Terra, quantas haveria em 1 cm2 dessa superfıcie?
Considere a Terra esferica com raio de 6, 4 × 103 km.
diagramador: deixar xxxx
Resposta comentada
Precisamos calcular o numero N de moleculas ha em um grama e a area A da
superfıcie da Terra. A molecula de agua tem dois hidrogenios e um oxigenio,
portanto tem uma massa molar de 18 g. Um mol tem, portanto, 1/18 de
grama, ou seja,
N =6, 03 × 1023 molecula/mol
18 g/mol= 3, 35 × 1022 moleculas/g
A area da superfıcie da Terra e
A = 4π(6, 4 km)2 = 515 km2
Espalhando as moleculas uniformemente terıamos
N
A=
3, 35 × 1022moleculas
515 km2= 6, 50 × 1019 moleculas/km2
= 6, 50 × 109 moleculas/cm2
fim da atividade
O limite termodinamico
Nas proximas aulas veremos que a boa definicao das grandezas macros-
copicas depende do elevadıssimo numero de partıculas no sistema. Sempre
que formos calcular valores macroscopicos, devemos impor o limite N →
CEDERJ 10
Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1
∞. Esse limite deve ser tomado mantendo todas as densidades, ou valores
especıficos, constantes. Por exemplo, num gas, ao fazer N → ∞, o volume
deve aumentar de tal forma a manter N/V , ou V/N , constante. A esse limite
chamamos de limite termodinamico.
Grandezas e variaveis extensivas e intensivas
Diretamente associadas ao limite termodinamico estao as grandezas in-
tensivas e extensivas. Uma grandeza e intensiva quando seu valor nao se
altera quando V ou N muda de valor, sendo mantidas as densidades ou con-
cetracoes. Por exemplo, considere N moleculas de um gas, a temperatura T ,
confinadas num recipiente isolado de volume V . A pressao do gas pode ser
obtida pela equacao de estado do gas. Suponha que diminuimos o volume
passando para V/2. Se N for variado de forma a manter a mesma concen-
tracao anterior, ou seja se retiramos metade das moleculas, a temperatura e
a pressao do gas ficam inalteradas.
Por outro lado, as grandezas extensivas sao proporcionais a V ou N ,
de tal forma que quando sao divididas por essas variaveis, o resultado e
idependente delas. Por exemplo, volume e energia sao grandezas exten-
sivas, significando que v ≡ V/N num sistema em equilıbrio nao depende
de N . Tambem, ε ≡ E/N nao depende de N . Assim, valores especıficos
ou densidades de grandezas extensivas sao ideais para caracterizar sistemas
macroscopicos. Nem toda grandeza pode ser classificada como intensiva ou
extensiva, mas tanto a termodinamica quanto a fısica estatıstica so considera
grandezas com essas propriedades.
Atividade 5
(Objetivo 3)
De exemplo de uma grandeza nao-extensiva.
diagramador: deixe 5cm
Resposta comentada
Preco e frequentemente uma grandeza nao extensiva. Veja por exemplo o
preco do m3 de agua cobrado pela companhia Aguas de Niteroi. Dependendo
do consumo mensal, o preco do m3 e
de 0 a 15 m3 - 1,28 R$/m3
de 16 a 30 m3 - 3,21 R$/m3
de 31 a 45 m3 - 3,98 R$/m3
11CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 1 - Micro × macro
Assim, se um morador consome 20 m3 num mes, ele paga, de acordo com a
tarifa progressiva:
15 m3 a 1,28 R$/m3 → R$ 19,20
5 m3 a 3,21 R$/m3 → R$ 16,05
Total= R$ 35,25 → 1,76 R$/m3
Um outro morador, que consume 40 m3, paga:
15 m3 a 1,28 R$/m3 → R$ 19,20
15 m3 a 3,21 R$/m3 → R$ 48,15
5 m3 a 3,98 R$/m3 → R$ 39,80
Total= R$ 107,15 → 2,68 R$/m3
Ou seja, o valor do preco medio por m3 depende de quanto foi consumido.
fim da atividade
Os textos de Termodinamica em geral usam a letra X para as variaveis
que representam grandezas extensivas. Para toda variavel extensiva ha uma
intensiva, que chamaremos de Y , definida de tal forma que o trabalho real-
izado sobre o sistema seja dado por d′W = −Y dX. Por exemplo, se X = V ,
Y = −p, levando a d′W = pdV .
Atividade 6
(Objetivo 3)
Quais das quantidades abaixo e extensiva? Explique como obteve sua res-
posta.
(a) O preco de N folhas de papel A4.
(b) A energia eletrostatica de uma esfera de raio R, dada por
E =ρ2
5ε0
(
3
4π
)2/3
V 5/3 ,
onde ε0 e a permissividade eletrica do vacuo, V e o volume da esfera e ρ a
densidade de carga.
(c) A energia cinetica total de um gas monoatomico com N moleculas.
diagramador: deixe
Resposta comentada
(a) Esta e uma situacao semelhante a do custo do m3 de agua examinada na
Atividade . Se compramos 10 folhas certamente pagaremos mais por folha
do se comprarmos um pacote com 500. Se comprarmos uma caixa com 10
resmas, o preco por folha sera menor ainda. Assim, nao e uma quantidade
extensiva.
(b) Neste caso e mais conveniente calcular a energia por unidade de volume.
CEDERJ 12
Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1
Temos
ε =E
V=
ρ2
5ε0
(
3
4π
)
2/3
V 2/3 .
Como ε depende do volume, E nao e uma grandeza extensiva.
(c) A energia cinetica do gas e
E =3
2NκT ,
assim, E/N nao depende de N , sendo E extensiva. fim da atividade
Atividade 7
(Objetivo 3)
Muitas vezes desprezamos efeitos de superfıcie, ou consideramos corpos com
propriedades superficiais especıficas que facilitam nossos calculos. Explique
por que podemos fazer isso em sistemas macroscopicos. Resposta comentada
A questao toda e a razao q entre a area e o volume do corpo.
Vamos considerar uma partıcula esferica de raio r. Neste caso
q =4πr2
4
3πr3
=3
r.
A figura a seguir mostra o grafico de q em funcao de r. Veja que para
partıculas muito pequenas nao podemos desprezar os efeitos de superfıcie.
fim da atividade
Conclusao
Podemos classificar fenomenos fısicos em termos de suas escalas de com-
primento, tempo e energia como macro ou microscopicos. Aos macroscopicos,
13CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 1 - Micro × macro
que sao os observados por nos ate mesmo sem o uso de equipamentos de me-
dida, estao associados comprimentos grandes, variacoes lentas e energias al-
tas, muito maiores que a energia termica. A observacao desses fenomenos leva
naturalmente a definicao de variaveis macroscopicas, tais como pressao, tem-
peratura e densidade, que representam medias de grandezas microscopicas
envolvendo um numero gigantesco de partıculas, tipicamente da ordem do
numero de Avogrado. A escala microscopica, ou escala atomica, envolve
grandezas apropriadas para descrever movimentos muito rapidos de atomos
e moleculas que ocorrem com energias comparaveis com a energia termica. A
influencia da energia termica na escala atomica acaba afetando as grandezas
macroscopicas atraves do processo estatıstico de promediacao.
A Termodinamica e o ramo da fısica que trata dos efeitos termicos
no nıvel macroscopico, sem prover um mecanismo de relacionar as variaveis
macroscopicas com as microscopicas.
A Fısica Estatıstica e o ramo da Fısica que estabelece a ligacao entre
as escalas atomica e macroscopica.
Resumo
A principal ideia desta aula e a que podemos entender o comporta-
mento de um sistema usando diferentes nıveis de descricao. A passagem do
nıvel mais detalhado para o menos detalhado se da atraves da definicao de
grandezas medias. Esse e um procedimento comum a diversas areas. Por
exemplo, as pesquisas de opiniao tentam entender como a populacao se com-
porta de uma forma media. O nıvel microscopico neste caso e aquele em que
as opinioes individuais sao coletadas. Na Fısica Estatıstica vamos examinar
o comportamento de atomos e moleculas e atraves de medias entender como
um volume macroscopico se comporta.
Algumas grandezas podem ser utilizadas em qualquer nıvel de de-
scricao. Por exemplo podemos nos referir a velocidade de uma molecula no
gas ou a velocidade de um aviao. Outras sao especıficas de um determinado
nıvel. Por exemplo, a pressao e definida a partir de uma media de variaveis
microscopicas, portanto, sua definicao so tem sentido no nıvel macroscopico.
Todas as variaveis usadas na Termodinamica referem-se a grandezas definidas
no nıvel macroscopico e sao sempre o resultado de algum processo de prome-
diacao. Algumas vezes essa ditincao sera feita, atraves do sımbolo 〈x〉 que
indica o valor medio de x. Outras vezes o proprio contexto indicara se a
CEDERJ 14
Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1
grandeza e micro ou macroscopica.
A Termodinamica trabalha sempre a partir de algum conhecimento
empırico no nıvel macroscopico. Esse ponto de partida pode ser, por ex-
emplo, como varia o volume de um gas se a sua temperatura for alterada.
Atraves de um conjunto de leis e de relacoes matematicas, as relacoes entre
outras grandezas pode ser obtida. O que nao existe na Termodinamica e
uma forma sistematica de se passar do conhecimento microscopico para o
macroscopico. A Teoria Cinetica dos Gases foi a primeira tentativa de se
estabelecer essa passagem. A Fısica Estatıstica e a teoria que finalmente foi
capaz de relacionar essas duas descricoes. Com ela partiremos do conheci-
mento da fısica de atomos e moleculas e chegaremos a relacoes macroscopicas
compatıveis com as leis da Termodinamica.
Um ponto importante na formulacao da Termodinamica e, consequen-
temente, da Fısica Estatıstica e a existencia de grandezas intensivas e ex-
tensivas. As grandezas extensivas sao proporcionais ao tamanho do sistema,
que pode ser definido em termos de volume, area, comprimento ou numero
de partıculas. Alguns exemplos de grandezas extensivas sao: energia, vol-
ume, entropia e magnetizacao. As grandezas intensivas, por outro lado, sao
independentes do tamanho do sistema. Exemplos frequentes sao: temper-
atura, pressao e campo magnetico. Nem toda grandeza pode ser classificada
como intensiva ou extensiva, mas a Termodinamica so lida com esses tipos
de grandezas.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula voce vai aprender conceitos fundamentais para o trata-
mento estatıstico de sistemas fısicos, aplicados a um sistema binario.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP.
15CEDERJ
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema
fısico: caso discreto
Meta
Apresentar um sistema fısico do ponto de vista estatıstico, relacionando
a energia total com diferentes configuracoes microscopicas.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. Identificar macro e microestados de sistemas fısicos.
2. Calcular a multiplicidade de macroestados em alguns sistemas fısicos.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce esteja familiarizado com os conceitos basicos
de probabilidade e distribuicao binomial apresentados em Introducao a Prob-
abilidade. Tambem sera necessario que voce reveja o que e paramagnetismo,
assunto tratado na Aula 16 de Fısica 3B.
Introducao
Como vimos na aula anterior, nossas observacoes macroscopicas cor-
respondem a medias de grandezas microscopicas. Continuamos nessa linha
de pensamento, examinando um sistema fısico com uma abordagem proba-
bilıstica.
Nossa concepcao de sistema fısico daqui para frente sera a seguinte:
um conjunto contendo um numero muito grande de partıculas, que tem uma
dinamica microscopica envolvendo variacoes muito rapidas. As observacoes
macroscopicas desse sistema, obtidas atraves de medidas experimentais, de-
tectam um comportamento medio das variacoes microscoscopicas. Queremos
ser capazes de:
• A partir da medida experimental macroscopica, entender o que esta se
passando no nıvel microscopico.
17CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto
• A partir do conhecimento detalhado no nıvel microscopico, prever qual
sera o resultado de uma determinada medida experimental.
Em resumo, queremos uma maneira sistematica de conectar as descricoes
micro e macroscopica de um sistema fısico. O ponto de partida para essa
conexao sera a energia. Pressupomos que a energia total do sistema possa
ser calculada para qualquer configuracao microscopica do mesmo. A partir
de postulados e leis fısicas, poderemos calcular a probabilidade de ocorrencia
de cada configuracao microscopica, e assim relacionar os valores medidos com
os detalhes no nıvel atomico.
Para formalizar os conceitos necessarios a ligacao entre as descricoes
micro e macroscopica, usaremos um sistema muito simples, formado por
partıculas binarias independentes e distinguıveis, na forma de um sistema
paramagnetico uniaxial.
Sistema modelo: paramagneto uniaxial
Um dos sistemas mais simples para um estudo estatıstico e o formado
por atomos paramagneticos, cujos momentos magneticos estejam sempre ao
longo de um eixo, com orientacao positiva ou negativa. Esta e uma “ca-
ricatura” que descreve com boa aproximacao o comportamento magnetico
de uma serie de materiais. A observacao macroscopica sera uma medida do
momento magnetico total do sistema, ou de sua energia, por isso vamos en-
tender como essas grandezas estao relacionadas com variaveis microscopicas
do sistema.
Usaremos o termo macroestado para designar um estado observavel
macroscopicamente, por exemplo, pela medida da energia.
Nosso sistema e solido, os atomos nao tem movimento de translacao e,
embora sejam identicos, sao distinguıveis pelas suas posicoes. O momento
magnetico de cada partıcula esta sempre paralelo a um eixo, sendo a ori-
entacao ao longo dele definida pela variavel s, que pode ter os valores +1 ou
−1.
Suponha que o sistema contenha N atomos. Temos aqui um total
de 2N configuracoes distintas, dependendo das escolhas do valor de s para
cada atomo. Essas configuracoes serao chamadas de microestados daqui para
frente.
Se os atomos tem momentos magneticos unitarios, o momento magnetico
total de um dado microestado e dado por
CEDERJ 18
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2
Figura 2.1: Possıveis orientacoes do momento magnetico num sistema para-
magnetico uniaxial, com relacao a orientacao do campo magnetico aplicado,~B.
M =
N∑
i=1
si = (N+ − N−) , (2.1)
sendo N+(N−) o numero de atomos com s = +1(s = −1) no microestado.
A presenca de um campo magnetico externo, ~B, define a direcao do eixo de
alinhamento dos momentos magneticos. De acordo com nossa definicao de s,
temos s = +1 quando o momento for paralelo ao campo, e s = −1 quando
for antiparalelo. A energia de um dado microestado pode ser escrita como
E = −BM = −B(N+ − N−) = −B(2N+ − N) . (2.2)
Na ultima igualdade usamos que N = N+ + N−. A ultima expressao para a
energia mostra que ela fica definida pelo valor de N+ apenas se valores de N e
B sao especificados. A figura (2.2) mostra alguns dos possıveis microestados
para um sistema com N = 7 e N+ = 3. Todos eles levam ao mesmo valor de
energia e sao identicos para uma observacao macroscopica.
Chamamos de multiplicidade ao numero de microestados pertencendo a
um dado macroestado, ou seja ao numero de configuracoes microscopicas que
sao identicas do ponto de vista macroscopico. Esse numero em geral depende
do numero total de partıculas no sistema e do valor de energia escolhido, e
sera representado pela funcao g(E, N). No caso do sistema paramagnetico
uniaxial podemos tambem escrever g(N+, N) ou g(M, N) ja que E, N+ e
M podem ser usados para definir o macroestado. Em alguns poucos casos e
possıvel calcular exatamente o valor de g, este e um deles. Observe que este
sistema e identico ao descrito na Aula 25 de Introducao a Probabilidade, se
associamos o estado s = +1 a cara, e s = −1 a coroa. M nada mais e do que
o excesso de caras numa sequencia de N jogadas da moeda.
Neste caso, para calcular a multiplicidade basta calcular de quantas
maneiras diferentes podemos escolher N+ objetos, entre um total de N . A
19CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto
Figura 2.2: Exemplos de possıveis microestados do paramagneto uniaxial.
Neste caso N = 7, N+ = 3, N−
= 4 e M = −1.
resposta e dada pela combinacao CN,N+ou seja
g(N+, N) = CN,N+=
N !
N+!(N − N+)!. (2.3)
Ja que podemos usar apenas N+ e N para identificar um macroestado,
vamos simplificar a notacao, usando n no lugar de N+ daqui para frente.
Sejam p e q as probabilidades de cada momento magnetico ter orientacao
positiva ou negativa, respectivamente, na presenca do campo externo, sendo
p+ q = 1. Voltando ao exemplo da moeda, p e q seriam as probabilidades de
se tirar cara ou coroa em uma jogada de moeda. De acordo com a expressao
(2.2), o menor valor de energia (o mais negativo) corresponde ao macroestado
com todos os momentos magneticos paralelos ao campo externo, ou seja,
todos com s = +1. Queremos considerar tambem a possibilidade de ter
momentos antiparalelos (s = −1) e saber qual a chance de se obter um
macroestado com momentos antiparalelos tambem. Como cada momento
magnetico e independente do outro, a probabilidade de ocorrencia de um
dado microestado com n momentos positivos e pnqN−n. Essa probabilidade e
a mesma para qualquer um dos g(n, N) microestados. Assim, a probabilidade
de um sistema com N momentos magneticos ter n positivos (quaisquer uns)
e
PN (n) =N !
n!(N − n)!pnqN−n = g(n, N)pnqN−n. (2.4)
A expressao (2.4) define o que chamamos distribuicao binomial.
Para muitos problemas descritos pela distribuicao binomial, e mais sig-
nificativo o numero que da a diferenca entre as quantidades de cada tipo,
CEDERJ 20
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2
que definimos como M . Podemos reescrever (2.4) em termos de M como
PN (M) =N !
(
N+M2
)
!(
N−M2
)
!p
N+M
2 qN−M
2 , (2.5)
sendo
N+ ≡ n =N + M
2e N
−≡ N − n =
N − M
2. (2.6)
Atividade 1
(Objetivos 1 e 2) Encontre os macroestados e suas multiplicidades para um
paramagneto uniaxial com N = 4.
Resposta comentada
Temos um total de 2N = 24 = 16 microestados. n varia entre 0 e 4, ou M
entre −4 e 4, levando a 5 macroestados. Podemos usar a equacao (2.3) para
calcular as multiplicidades. A tabela abaixo mostra os 24 = 16 microestados
do sistema, classificando-os de acordo com os rotulos de macroestado n ou
M . J e j sao ındices arbitrarios que identificam os macro e microestados,
respectivamente.
J j a b c d n M g(M, 4)
1 1 + + + + 4 4 1
2 + + + −3 + + − +
2 4 + − + + 3 2 4
5 − + + +
6 + + − −7 + − + −8 + − − +
3 9 − + + − 2 0 6
10 − + − +
11 − − + +
12 − − − +
4 13 − − + − 3 −2 4
14 − + − −15 + − − −
5 16 − − − − 0 −4 1
Fim da atividade
21CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto
Calculo do valor esperado
A distribuicao binomial pode ser obtida atraves da expansao do binomio
(p+q)N , bastando verificar a estrutura dos termos que aparecerao ao realizar-
se o produto. Para isso, artificialmente introduzimos um rotulo a p e q, que
identifica a partıcula, e efetuamos o produto. Em seguida apagamos o rotulo
e somamos os termos semelhantes. Por exemplo:
(p + q)2 → (p1 + q1)(p2 + q2) = p1p2 + p1q2 + q1p2 + q1q2
→ pp + pq + qp + qq
= p2q0 + 2p1q1 + p0q2
Ou seja,
(p + q)N =
N∑
n=0
g(n, N)pnqN−n (2.7)
A condicao de normalizacao pode ser escrita como
N∑
n=0
PN (n) = (p + q)N = 1 . (2.8)
Temos tambem que
N∑
n=0
g(n, N) = 2N . (2.9)
O valor esperado, ou valor medio relaciona-se com o valor medido
atraves de uma experiencia. Vamos usar nossa intuicao primeiro para cal-
cular o valor esperado no caso da distribuicao binomial. Para isso vamos
pensar que nossa experiencia e jogar a moeda e anotar se o resultado foi
cara ou coroa. Se sabemos que p e a probabilidade de se obter cara em uma
jogada, e razoavel esperar que depois de N jogadas, o numero de caras sera
pN . Vejamos agora como obter formalmente este resultado.
O valor esperado para n na distribuicao binomial pode ser facilmente
calculado usando-se as expressoes (2.8) e (2.4). Por definicao de valor espe-
rado, temos que:
〈n〉 =N
∑
n=0
nPN (n) . (2.10)
CEDERJ 22
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2
Agora note as seguintes igualdades:
d
dp
N∑
n=0
PN (n) =d
dp
N∑
n=0
g(n, N)pnqN−n
=N
∑
n=0
g(n, N)npn−1qN−n
=1
p
N∑
n=0
g(n, N)npnqN−n =1
p
N∑
n=0
nPN (n)
Fazemos entao
〈n〉 =N
∑
n=0
nPN (n) = pd
dp
N∑
n=0
PN (n) = pd
dp(p + q)N = pN (2.11)
onde usamos (p + q)N−1 = 1, ja que p + q = 1.
Atividade 2
(Objetivos 1 e 2) Um problema relacionado com o do sistema paramagnetico
uniaxial e o do caminho aleatorio em uma dimensao. Nesse problema, uma
partıcula caminha ao longo de uma reta, dando passos para a direita ou es-
querda aleatoriamente. Cada passo e independente do anterior, e todos os
passos tem o mesmo tamanho, `. Seja p a probabilidade da partıcula dar um
passo para a direita.
(a) Se a partıcula da 10 passos, qual a probabilidade de que esteja a uma
distancia d = 8` do ponto de partida? Suponha p = 0, 5
(b) Qual o valor esperado para d, se a partıcula da 10 passos e p = 0, 5? E
se p = 0, 3?
Resposta comentada
A distancia da partıcula ate a origem e dada pela diferenca entre o desloca-
mento total para a direita e o deslocamento para a esquerda. Assim, basta
interpretar N+ e N−
como o numero de passos para a direita e esquerda,
respectivamente. M passa a ser o numero lıquido de passos para a direita.
Se M > 0 a partıcula terminou a direita depois dos N passos, se M < 0,
terminou a esquerda. Como a distancia esta dada em unidades de `, d = 8`
significa que temos M = 8. Como o numero total de passos e N = 10, usando
a definicao de n em termos de M e N , equacao (2.6), temos n = 9.
(a) Usamos a equacao (2.5) com N = 10, n = 9 e p = q = 0, 5:
P10(9) =10!
9!1!
(
1
2
)9 (
1
2
)1
= 10
(
1
2
)10
=10
1024= 9, 8 × 10−3
23CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto
(b) O valor esperado para d e 〈d〉 = 〈M〉`. Da relacao entre n e M temos
que M = 2n − N , portanto
〈M〉 = (2〈n〉 −N) = (2Np − N)` = N(2p − 1) ⇒ 〈d〉 = N(2p − 1)` .
Se p = 0, 5, 〈d〉 = 0. Claro, a partıcula da passos para a direita e esquerda
com igual probabilidade, em media termina no ponto inicial.
Se p = 0, 3, 〈d〉 = 10(2 × 0, 3 − 1)` = −4`. Aqui a probalidade de ir para a
direita e menor, em media a partıcula termina a esquerda da origem.
Fim da atividade
Calculo da variancia
Outra grandeza importante para caracterizar o resultado de um exper-
imento e a variancia, σ2. Essa quantidade e calculada considerando-se o
quanto diferentes do valor esperado sao os valores individuais num conjunto
de medidas. Por exemplo vamos considerar de novo a jogada de moeda. Uma
experiencia vai ser jogar N = 10 vezes a moeda. Imagine que realizamos essa
experiencia 6 vezes, e anotamos os valores de n (numero de caras) numa
tabela. O valor esperado de n para a experiencia, supondo uma moeda equi-
librada, e 〈n〉 = 10 × 0, 5 = 5. Assim, temos:
experiencia n n − 〈n〉 (n − 〈n〉)2
1 4 −1 1
2 5 0 0
3 7 +2 4
4 3 −2 4
5 6 +1 1
6 5 0 0
somas/6 5 0 1,67
Um conjunto de medidas hipotetico, com o mesmo valor esperado poderia
ser
CEDERJ 24
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2
experiencia n n − 〈n〉 (n − 〈n〉)2
1 4 −1 1
2 5 0 0
3 6 +1 1
4 4 −1 1
5 6 +1 1
6 5 0 0
somas/6 5 0 0,67
A diferenca entre esses dois conjunto de medidas esta na flutuacao dos valores
de n. Essas flutuacoes sao aleatorias e tem origem em diversos fatores que nao
temos como contabilizar, podendo ser positivas ou negativas. No primeiro
conjunto os valores de n flutuam mais, sao mais diferentes entre si, e isso
pode ser quantificado pelo valor medio de (n−〈n〉)2. Note que o valor medio
de n−〈n〉 nao e adequado para distinguir os dois conjuntos de medida porque
as flutuacoes podem ser positivas ou negativas.
Queremos ser capazes de calcular o valor esperado para a flutuacao
quadratica, assim como fizemos para o numero de caras. Usamos um proce-
dimento analogo ao adotado para o calculo de 〈n〉, desta vez para a variancia,
definida como σ2 = 〈(n − 〈n〉)2〉. Em geral trabalhamos com o desvio
quadratico medio σ.
Primeiro notamos o seguinte:
σ2 = 〈(n − 〈n〉)2〉 = 〈n2 − 2n〈n〉 + 〈n〉2〉= 〈n2〉 − 2〈n〉〈n〉 + 〈n〉2
= 〈n2〉 − 2〈n〉2 + 〈n〉2
= 〈n2〉 − 〈n〉2 (2.12)
Esta forma e mais adequada para calculos analıticos. Comecamos por calcu-
lar 〈n2〉:
〈n2〉 =
N∑
n=0
n2PN (n) =
(
pd
dp
)2 N∑
n=0
PN (n)
=
(
pd
dp
)2
(p + q)N = pN + (pN)2 − p2N .
Finalmente,
σ2 = 〈n2〉 − 〈n〉2 = pN − p2N = pN − p(1 − q)N = Npq . (2.13)
25CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto
Assim, para dados valores de p e q, quanto maior o valor de N , maior a dis-
persao entre os valores observados para n. Esse resultado parece paradoxal:
quanto maior o numero de repeticoes, maior a dispersao do valores encon-
trados. A questao e que a grandeza realmente importante e o valor relativo
da dispersao.
Suponha fixo o valor da variancia para uma dada grandeza adimensional
que esta sendo medida, por exemplo o numero de palitos de fosforo numa
caixa. Seja esse valor σ2 = 16, ou σ = 4. Se estivermos tratando de caixas
com 20 palitos em media, essa flutuacao e bastante grande; significa que
podemos encontrar caixas com 24 e 16 palitos. Se a mesma variancia aparecer
em caixas de 200 palitos em media, nao sera tao importante. O desvio relativo
da distribuicao binomial e dado por
σ
N=
√Npq
N= (qp)1/2N−1/2 , (2.14)
ou seja, σ/N diminui com√
N quando N aumenta. Logo, quanto maior
o valor de N , menor sera a flutuacao relativa, menor sera a chance de se
obter um valor muito diferente do esperado como resultado de uma medida.
Dizemos que o valor medio ou esperado fica melhor definido quanto maior
for o valor de N . Veremos mais tarde que este sera o papel do limite ter-
modinamico na Fısica Estatıstica: fazer com que grandezas macroscopicas
provenientes de medias sobre grandezas microscopicas sejam bem definidas.
Usando a expressao (2.5) podemos calcular PN (M) para diferentes valo-
res de N e p. A figura 2.3 mostra o comportamento de PN (M) para N = 20 e
40, para dois casos: simetrico (p = q = 0, 5) e assimetrico (p = 0, 9 e q = 0, 1).
Em ambos os caso, PN (M) tera seu valor maximo quando n = 〈n〉 = Np,
ou M = 2〈n〉 − N = N(2p − 1). No caso simetrico esse ponto aparece para
M = 0, e no assimetrico para M = 0.8N .
Atividade 3
Calcule a dispersao relativa para as distribuicoes mostradas na figura 2.3.
Resposta comentada
CEDERJ 26
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2
M M
M M
P (M)40
P (M)20
Figura 2.3: PN (M) para diferentes valores de N . Na linha superior N = 40,
e na inferior, N = 20. Na coluna da esquerda p = q = 0, 5, a distribuicao e
simetrica com relacao ao ponto de maximo, que ocorre para M = 〈M〉 = 0.
Na coluna da direita um dos resultados e bem mais provavel, p = 0, 9 e
q = 0, 1, levando a uma distribuicao assimetrica, cujo maximo ocorre para
M = 0, 8N . Note que, para N = 40, embora M esteja definido entre −40 e
40, a distribuicao e bem concentrada em torno de M = 0.
27CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto
A dispersao relativa e dada por σ/N =√
pq/N . Temos assim:
N = 40 p = q =1
2→ σ
N=
√
1
2
1
2
1
40= 0, 08
N = 40 p =9
10q =
1
10→ σ
N=
√
9
10
1
10
1
40= 0, 05
N = 20 p = q =1
2→ σ
N=
√
1
2
1
2
1
20= 0, 1
N = 20 p =9
10q =
1
10→ σ
N=
√
9
10
1
10
1
20= 0, 07
Fim da atividade
Atividade 4
Considere um gas com N moleculas contido num volume V0. Considere um
certo subvolume v, como esquematizado na figura.
(a) Calcule a probabilidade de que exatamente n moleculas estejam em v,
nao interessando quais sejam.
(b) Calcule a dispersao relativa R = σ2/〈n〉2 e explique o comportamento de
R quando v V0 e v ≈ V0.
Resposta comentada
(a) Considerando que as moleculas do gas estejam uniformemente distribuıdas
em V0, a fracao de moleculas em v e dada por v/V0. Supondo que V0 seja
macroscopico (se nao este problema nao tem sentido...), a probabilidade p de
que cada molecula, individualmente, esteja no subvolume v e dada por essa
fracao, ou seja, p = v/V0. A probabilidade de que n moleculas especıficas
estejam em v e pn. Como podemos escolher quaisquer n moleculas, a proba-
bilidade pedida e dada pela distribuicao binomial:
PN (n) =N !
n!(N − n)!
(
v
V0
)n (
V0 − v
V0
)N−n
.
CEDERJ 28
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2
(b) O numero medio 〈n〉 em v e
〈n〉 = Np =Nv
V0
A dispersao relativa R = σ2/〈n〉2 em v, pode ser entao calculada como
R =Npq
(pN)2=
Np(1 − p)
(pN)2=
1 − p
pN=
V0 − v
Nv
Se v V0, R sera um numero muito grande. Isso significa que, se tomamos
um subvolume desse tamanho e realizamos varias medidas do numero de
moleculas dentro dele, os valores encontrados serao bastante diferentes entre
si. Numa situacao extrema, se v . V0/N , que e o volume medio por molecula,
podemos ter ate mesmo 〈n〉 = 0 em alguma medicao. Por outro lado, se
v → V0, R ≈ 0, os valores dessa medida serao muito semelhantes entre si, ou
seja, 〈n〉 sera bem definido.
Fim da atividade
Conclusao
Podemos usar distribuicoes de probabilidades para descrever sistemas
fısicos do ponto de vista estatıstico. As principais grandezas nesse contexto
sao o valor esperado, ou valor medio, e a variancia. O valor esperado, como
indica o nome, e o que se espera obter como resultado de uma experiencia,
quando a mesma for repetida um numero infinito de vezes. Sendo assim,
realizando a experiencia uma vez, ou um numero finito de vezes, certamente
obteremos valores diferentes do esperado. A variancia e a grandeza que nos
permite quantificar essa dispersao de valores obtidos, com relacao ao valor
esperado. Quanto maior o numero de repeticoes da experiencia, menor sera
a dispersao relativa, fazendo com que o valor esperado seja uma grandeza
bem definida para a quantidade que esta sendo medida.
Atividade Final
(Objetivos 1 e 2) Um solido contem N nucleos que nao interagem en-
tre si. Cada nucleo pode estar em qualquer um de tres estados quanticos,
rotulados pelo numero quantico m, que pode ter os valores 0 e ±1. Devido a
interacoes eletricas com campos internos ao solido, nucleos nos estados m = 1
ou m = −1 tem a mesma energia ε > 0, enquanto que a energia do estado
m = 0 e zero. Calcule a multiplicidade g(E, N) do macroestado de energia
29CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto
E.
Dica: Escreva a energia como E = (N−N0)ε, onde N0 e o numero de nucleos
com m = 0. Agora voce pode usar que (N − N0) = E/ε.
Resposta comentada
Como a energia pode ser escrita em termos de N e N0, sao essas as variaveis
que rotulam o macroestado, nao importando o estado dos nucleos com m 6= 0.
A primeira contribuicao para a multiplicidade vem de como escolher os
nucleos com m = 0. Dados N e N0, ha CN,N0maneiras de fazer essa es-
colha. Para cada uma delas temos a liberdade de escolher quais nucleos com
m 6= 0 terao m = +1 ou −1, sem que a energia seja alterada. Por exemplo,
considere N = 5, N0 = 3. Uma possibilidade de escolha de nucleos com
m = 0 e:
a b c d e
0 0 0
Agora podemos considerar todas as possibilidades para os nucleos b e e.
Temos assim:
a b c d e
0 + 0 0 +
0 + 0 0 -
0 - 0 0 +
0 - 0 0 -
Uma determinada escolha de nucleos com m = 0 gerou 22 = 4 possibilidades.
No caso geral, terıamos 2N−N0 possibilidades. Assim, a multiplicidade total
e
g(N0, N) =N !
(N − N0)!N0!2N−N0
Escrevendo em termos da energia, fica
g(E, N) =N !
(
Eε
)
!(
N + Eε
)
!2
E
ε
Resumo
Nesta aula aprendemos as definicoes de macroestado, microestado e
multiplicidade, analisando as configuracoes possıveis de um sistema binario.
Aproveitamos para rever os conceitos de probabilidade, distribuicao, valor
esperado e variancia em sistemas discretos. Calculando essas grandezas para
CEDERJ 30
Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2
o sistema binario, analisando o comportamento da variancia relativa com o
numero N de componentes do sistema. Com isso, verificamos que o limite
N → ∞ leva a distribuicoes muito centradas em torno do valor esperado.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula continuaremos com a descricao estatıstica de sistemas
fısicos, mas considerando sistemas descritos por variaveis reais obedecendo a
uma distribuicao contınua. Em particular veremos como obter a distribuicao
gaussiana a partir do limite N → ∞ da distribuicao binomial.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, capıtulo 1.
31CEDERJ
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema
fısico: caso contınuo
Meta
Apresentar as principais propriedades das distribuicoes de variaveis
contınuas.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. Construir um histograma a partir de um conjunto de dados.
2. Calcular probabilidades, valores esperados e a variancias a partir de
distribuicoes contınuas.
3. Obter a distribuicao gaussiana a partir da distribuicao binomial.
4. Identificar as propriedades da distribuicao gaussiana.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce esteja familiarizado com os conceitos basicos
probabilidade e distribuicao binomial apresentados em Introducao a Proba-
bilidade e Estatıstica.
Introducao
Na Aula 2 estudamos a distribuicao binomial PN (M) que da a probabil-
idade de se obter um determinado valor de M em N eventos. O significado
de M depende do contexto, ou seja, da experiencia considerada. Se a ex-
periencia for jogar uma moeda N vezes, M e a diferenca entre o numero de
caras e coroas obtido. Caso estejamos medindo o momento magnetico total
de um sistema com N atomos paramagneticos, M e o momento magnetico
total, referente a diferenca entre o numero de momentos atomicos com alin-
hamento paralelo e antiparalelo ao campo magnetico aplicado. Nos exemplos
analisados numericamente nessa aula os valores de N foram pequenos, e fez
33CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
sentido calcular, por exemplo, a probabilidade de encontrar M = 2 num
sistema com N = 4.
Agora imagine que consideramos um solido paramagnetico real, com
cerca de 1023 partıculas. Nao ha como detectar experimentalmente variacoes
de uma unidade em M ; na verdade, ate mesmo variacoes da ordem de 104
serao imperceptıveis. Nesse quadro nao tem sentido basear a descricao es-
tatıstica do sistema em valores discretos para M , sendo mais informativo
conhecer a probabilidade de encontrar M dentro de um certo intervalo dM .
Neste caso a variavel M passa a ser contınua, um numero real.
Outros sistemas que nao sao adequadamente descritos por distribuicoes
discretas sao aqueles em que a variavel observada e naturalmente um numero
real. Um exemplo tıpico e o gas ideal estudado pela Teoria Cinetica. Todo o
formalismo esta baseado no fato de que as moleculas do gas tem velocidades
diferentes, variando de acordo com alguma distribuicao. O valor da veloci-
dade u de uma molecula e representado por um numero real. Ao compara-
rmos dois valores de velocidade temos que necessariamente decidir primeiro
quantas casas decimais serao comparadas, o que em geral vai envolver a
precisao do equipamento disponıvel para medidas. Assim, o intervalo du
fica naturalmente definido. Nesta aula vamos aprender como formalizar os
conceitos estatısticos aprendidos na aula anterior para variaveis discretas,
considerando agora um sistema descrito por variaveis reais.
Histogramas
Antes de passarmos ao formalismo matematico das distribuicoes contınuas,
vale a pena aprender um pouco sobre histogramas. Um histograma e um tipo
especial de grafico, em que a frequencia relativa ou o numero de ocorrencias
de valores medidos e expressa em funcao do valor das medidas. Sua constru-
cao envolve os seguintes passos:
1. Obtencao de uma tabela com N valores medidos da grandeza que se
quer estudar. Vamos chamar essa grandeza de x. Quanto maior o valor
de N , mais significativo sera o resultado.
2. Analise dos dados no que diz respeito aos valores mınimo e maximo de
x.
3. Determinacao do tamanho do intervalo ∆x que sera usado para classi-
ficar os dados.
CEDERJ 34
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
4. Dividir a variacao total de x nos dados obtidos em n intervalos de
tamanho ∆x. Em geral tomamos como extremos valores xmin e xmax,
tais que todos os dados sao incluıdos e a escala de leitura para o grafico
e simples.
5. Contamos quantos dados caem em cada intervalo: Ni e o numero de
dados entre xi e xi + ∆x.
6. Opcionalmente podemos dividir a contagem em cada intervalo pelo
numero total de dados, definindo a frequencia relativa Fi = Ni/N .
Faremos isso no exemplo a seguir.
7. Tracamos o grafico de Fi em funcao de xi, que e o valor central de cada
intervalo.
Note que usando a divisao por N explicada no item 4 temos a normalizacao
n∑
i=1
Fi =n
∑
i=1
Ni
N=
1
N
n∑
i=1
Ni = 1 . (3.1)
Vamos ver um exemplo dessa construcao aplicando-a a um conjunto de
medidas do perıodo de um pendulo simples. Suponha que um aluno realizou
o conjunto de N = 100 medidas relacionadas na tabela 3.1 .
τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s)
2,7572 2,7779 2,8753 2,2747 2,7934 2,7524 2,5963 2,7656 3,0376 3,3122
2,2496 2,4900 3,2255 2,7082 3,1866 1,9964 2,4286 2,8684 3,3925 2,7289
1,9154 2,3902 3,1911 2,7354 2,6591 2,7175 3,0865 2,5922 2,9031 2,6265
3,0182 3,1634 2,6027 3,1995 1,7365 3,2880 3,2444 2,5051 2,9800 2,5974
2,4493 2,7289 2,4364 2,8538 2,8431 2,9940 2,5028 2,5058 3,7085 3,3272
3,0343 2,6654 2,7709 2,4196 2,6359 2,9121 2,6573 2,8597 2,7957 2,7995
2,6050 2,5288 2,6348 2,7352 2,3866 2,6251 2,3283 3,3204 3,4361 2,7763
3,4252 3,1978 2,2228 2,1029 3,4341 3,5109 2,7653 2,7191 2,3851 2,4484
2,7237 2,7091 2,6622 3,4943 2,7243 2,4018 2,3138 3,1882 2,6864 2,8487
3,2349 2,9837 2,4838 3,0688 2,6266 3,6141 2,5203 2,9692 2,4440 3,1977
Tabela 3.1: Conjunto de dados resultantes de uma experiencia de medicao
do perıodo de um pendulo simples
Examinando a tabela diretamente e difıcil obter alguma informacao
relevante sobre a experiencia. Comecamos calculando o valor medio e o
desvio quadratico medio, obtendo 〈τ 〉 = 2, 79 s e σ = 0, 4 s. Vamos agora
construir o histograma seguindo os passos indicados anteriormente. O menor
35CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
valor de perıodo na tabela e τmin = 1, 7365 s, e o maior τmax = 3, 7085 s.
Para simplificar vamos fazer o grafico entre 1,72 s e 3,72 s, com 10 intervalos
de ∆τ = 0, 2 s. Contamos quantas medidas caem em cada intervalo, e
dividimos por 100 cada contagem. Finalmente obtemos o histograma de
frequencias mostrado na figura 3.1.
Figura 3.1: Histograma relativo aos dados da tabela 3.1
Observando o histograma da figura 3.1 notamos a concentracao de va-
lores em torno de τ = 〈τ 〉. Quando os valores do perıodo se afastam do valor
medio, o numero de ocorrencias cai bastante. Este histograma esta bastante
assimetrico. Vamos ver como sua forma se altera se um numero maior de
medidas e considerado.
Numa experiencia equivalente, foram tomadas N = 1000 medidas do
perıodo. Em vez de mostrar a tabela, vamos apresentar logo os valores resul-
tantes da contagem por intervalos. Neste caso os valores mınimo e maximo
foram 1,585 s e 3,993 s, respectivamente. Assim construimos o histograma
com intervalos de 0,25 s, indo de 1,55 a 4,05. A tabela 3.2 mostra o resultado
da classificacao dos dados nesses intervalos. F e a frequencia relativa, ou
seja, o numero de dados no intervalo centrado do valor indicado na primeira
coluna, dividido por N . Por exemplo, havia quatro valores entre 1,550 s e
1,800 s, dando F = 4/1000.
Os valores de F na tabela 3.2 podem ser considerados como uma es-
timativa para a probabilidade de se obter uma medida de perıodo nos in-
CEDERJ 36
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
τ (s) F
1,6750 0,004
1,9250 0,025
2,1750 0,075
2,4250 0,175
2,6750 0,225
2,9250 0,240
3,1750 0,148
3,4250 0,077
3,6750 0,024
3,9250 0,007
Tabela 3.2: Valores de frequencia relativa para a construcao de um his-
tograma referente a um conjunto de N = 1000 medidas de perıodo de um
pendulo simples
tervalos considerados, ja que seu valor da a fracao de medidas no intervalo.
Seguindo essa ideia, a probabilidade de se ter uma medida na regiao central
do histograma entre 2,295 s e 3,300 s e 0,175+0,225+0,240=0,64, ou 64%.
A forma geral do histograma tambem depende do valor de ∆τ consi-
derado para a classificacao dos dados. Por exemplo, a figura 3.3 mostra um
histograma construıdo com ∆τ = 0, 20 s sobre o mesmo conjunto de dados
da figura 3.2. Como o intervalo considerado na contagem e menor, o numero
de dados em cada um tambem sera menor, por isso os valores de frequencia
sao todos menores. Com um numero finito de dados, se diminuımos muito
o tamanho do intervalo havera varios sem nenhum dado, varios com um so
dado, etc.
Tivemos essa mesma situacao ao fazermos a contagem de graos na Ativi-
dade 1 da Aula 1 e ao definirmos o tamanho do subvolume do gas na Ativi-
dade 3 da Aula 2. Quando o numero de dados for muito grande, N → ∞,
poderemos definir intervalos infinitesimais que conterao um numero significa-
tivo de dados. Com isso sera possıvel construir um histograma cuja forma
sera independente do tamanho do intervalo. Nesse limite estaremos partindo
para uma descricao contınua.
37CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
Figura 3.2: Histograma relativo a um conjunto de dados similar aos da
tabela 3.1, mas com N = 1000 valores, classificados em intervalos ∆τ =
0, 25 s. Em vermelho estao indicados o valor medio, 〈τ 〉 = 2, 79 s, e o desvio
quadratico medio σ = 0, 4 s. Comparando este grafico com o da figura 3.1,
podemos observar que e muito mais simetrico, e apresenta menos flutuacoes,
consequencias do aumento do numero de medidas. A regiao compreendida
entre 〈τ 〉 − σ e 〈τ 〉 + σ concentra a maior parte do dados.
Distribuicoes de variaveis aleatorias contınuas
Queremos agora tratar de variaveis reais contınuas tais que podemos
tomar um intervalo infinitesimal dx e definir dP (x) ≡ f(x)dx como a proba-
bilidade de encontrar o resultado de uma determinada experiencia entre x e
x+dx. Essa probabilidade depende em princıpio de x, e tambem do tamanho
de dx. Quanto maior for o intervalo considerado, maior sera o valor numerico
de f(x)dx para um mesmo x. Neste caso e mais significativa a definicao de
densidade de probabilidade, da seguinte forma
f(x) ≡ dP (x)
dx, (3.2)
ou seja, a funcao f(x) define a distribuicao da variavel aleatoria x, da a den-
sidade de probabilidade da mesma.
boxe explicativo: O termo densidade de probabilidade refere-se ao fato de
que na formulacao contınua dP e uma probabilidade, sendo, portanto, uma
grandeza adimensional, um numero. Assim, f(x)dx tambem e adimensional,
CEDERJ 38
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
Figura 3.3: Histograma relativo ao mesmo conjunto de dados da figura 3.2,
mas com ∆τ = 0, 20 s. Note como a forma geral foi alterada, e em especial
os valores de frequencia.
e f(x) tem unidade de x−1. Note que x pode ser qualquer grandeza, massa,
velocidade, carga, etc. f(x) e a probabilidade por unidade de x, daı o termo
densidade.
fim do boxe explicativo
O espaco amostral neste caso sera um volume d-dimensional, dependendo
da dimensionalidade de x. Por exemplo, considere os atomos de um gas
ideal (nao interagente). A posicao ~r e a velocidade ~u sao variaveis aleatorias
contınuas. O espaco amostral para a posicao e o espaco definido pelo recipi-
ente que contem o gas, sendo tridimensional. Para as velocidades, e o espaco
definido por |u| ≥ 0, 0 ≤ φ ≤ 2π, 0 ≤ θ ≤ π, tambem tridimensional.
No caso do histograma, ao calcularmos a probabilidade de obter o
perıodo do pendulo entre determinados valores, somamos as contribuicoes
dos intervalos ∆τ correspondentes. No caso de uma distribuicao contınua, se
queremos tratar de um intervalo nao infinitesimal, por exemplo se queremos
saber qual a probabilidade de ter x entre os valores a e b, temos
P (a ≤ x ≤ b) =
∫ b
a
f(x)dx =
∫ b
a
dP (x) . (3.3)
A densidade de probabilidade, f(x), e uma funcao contınua por partes,
39CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
satisfazendo
f(x) ≥ 0 (3.4)
e∫
Ω
dP =
∫
Ω
f(x) dx = 1. (3.5)
Uma caso particular importante e o da distribuicao uniforme. Neste
caso dP (x) = Cdx, onde C e uma constante que pode ser obtida por nor-
malizacao, ou seja
∫
Ω
dP = C
∫
Ω
dx = CΩ = 1 ⇒ C =1
Ω. (3.6)
O valor esperado de x e definido de forma equivalente a (2.10), substi-
tuindo a soma por uma integral:
〈x〉 =
∫
Ω
x dP (x) =
∫
Ω
xf(x)dx . (3.7)
E o valor esperado de uma funcao g(x) e dado por
〈g(x)〉 =
∫
Ω
g(x)f(x)dx . (3.8)
Uma situacao comum e a de conhecermos a distribuicao para uma determi-
nada variavel x e procurarmos a distribuicao para outra y, sendo as duas
variaveis relacionadas por uma funcao y = g(x). Nesses casos e conveniente
identificar as distribuicoes para x e y atraves de subındices, assim fx seria
a distribuicao para x e fy a para y, sendo as duas distribuicoes em geral
diferentes.
Vamos ver um exemplo concreto de como calcular a
densidade de probabilidade de uma variavel aleatoria
contınua. Considere um atomo paramagnetico cujo mo-
mento magnetico ~m pode apontar em qualquer direcao
com igual probabilidade. Vamos escrever ~m em coor-
denadas esfericas atraves de seu modulo m e direcao
definida pelos angulos polar e azimutal θ e φ, respecti-
vamente. Vamos calcular a densidade de probabilidade
fθ(θ) de encontrar ~m com modulo m, com qualquer valor
de φ, mas com θ entre θ e θ + dθ.
q
fx
y
z
O espaco de amostragem neste caso e a area da esfera de raio m. Queremos
calcular a probabilidade dP (θ) de que θ esteja entre θ e θ +dθ. Ela e igual a
CEDERJ 40
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
area do anel de raio m e espessura dθ dividida pela area total da esfera, ou
seja
dP (θ) ≡ fθ(θ)dθ =|2π(m sin θ)m dθ|
4πm2=
1
2| sin θdθ| . (3.9)
Tivemos que usar o modulo neste caso porque, por definicao, dP (θ) > 0.
Comparando as expressoes (3.12) e (3.9), temos que a funcao distribuicao
para θ, ou a densidade de probabilidade, e
fθ(θ) = (1/2)| sin θ| . (3.10)
Atividade 1
(Objetivo 2)
Considere o atomo paramagnetico anterior, mas usando coordenadas carte-
sianas. Qual a densidade de probabilidade de que a componente z do mo-
mento magnetico esteja entre mz e mz + dmz?
Resposta comentada
Temos que mz = m cos θ, ou cos θ = mz/m. Logo, temos
1
2sin θ dθ = − 1
2mdmz. (3.11)
Assim, podemos reescrever (3.9) em termos de mz como
dP (mz) = fmz(mz)dmz =
1
2mdmz (3.12)
Comparando as expressoes (3.12) e (3.2) vemos que a densidade de proba-
bilidade para a componente mz e fmz(mz) = 1/2m, ou seja, os valores de
mz sao uniformente distribuıdos no intervalo −m ≤ mz ≤ m, ja que sua
distribuicao nao dependende de mz.
fim da atividade
Atividade 2
(Objetivo 2)
Um sistema e constituıdo por varios osciladores harmonicos unidimensionais,
cujas posicoes sao dadas por x = A cos(ωt + α), onde a constante de fase α
e uma variavel aleatoria uniformemente distribuıda entre 0 e 2π.
(a) Qual a densidade de probabilidade fx(x) de encontrar um desses os-
ciladores entre x e x + dx?
(b) Faca o grafico de fx(x) e interprete fisicamente sua forma.
Resposta comentada
(a) Se a constante de fase e uniformemente distribuıda, entao fα(α) e uma
constante que pode ser obtida por normalizacao. Como α esta definida entre
41CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
0 e 2π, temos∫ 2π
0
fα(α)dα = C
∫ 2π
0
dα = C2π = 1 → C =1
2π. (3.13)
Logo, fα(α) = 1/2π. No intervalo entre 0 e 2π ha dois valores de α
que geram o mesmo valor de x, portanto, dP (x) = 2dP (α). Como dx =
A sin(ωt + α)dα, temos que dα = dx/(A2 − x2)1/2, e finalmente, a densidade
de probabilidade desejada e:
dP (x) = fx(x)dx = 2dP [α(x)] = 2fα(α)dα(x)
= 21
2π
dx
(A2 − x2)1/2⇒ fx(x) =
1
π(A2 − x2)1/2.
(b) O grafico ao lado mostra a forma
de fx(x) para A = 2, 0. Os valores
maximos estao em x ± A, ou seja, e
mais provavel que encontremos os os-
ciladores nas regioes proximas aos ex-
tremos, ou pontos de retorno. Esse re-
sultado e facil de entender, nesses pon-
tos a velocidade e menor, portanto o
tempo de permanencia e maior.fim da atividade
Distribuicao Gaussiana
Sempre estaremos interessados em sistemas com valores de N elevados,
por isso e conveniente verificar o comportamento da distribuicao binomial
quando N 1. A medida que aumentamos N , PN (n) tem valores apreciaveis
apenas nas vizinhancas de seu maximo, como pode ser visto na figura 2.3,
por isso vamos examinar essa regiao. Note que mesmo quando p 6= q, a regiao
do maximo e aproximadamente simetrica se os valores de p e q nao forem
muito diferentes.
Vamos trabalhar com o log da distribuicao, porque estaremos con-
siderando um regime em que ha grandes variacoes de probabilidade. Temos
assim, a partir da distribuicao binomial, equacao (2.4),
lnPN (n) = lnN ! − lnn! − ln(N − n)! + n ln p + (N − n) ln q . (3.14)
Usamos a aproximacao de Stirling para o fatorial de um numero muito
grande:
lnN ! = N lnN −N + O(lnN) , N 1. (3.15)
CEDERJ 42
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
A obtencao dessa aproximacao pode ser vista com detalhes no livro in-
dicado como referencia no fim da aula. O expressao O(lnN) significa “termo
da ordem de lnN”, o que quer dizer que a expansao indicada difere de lnN !
por um valor cuja ordem de grandeza e O(lnN). Seja n o valor mais provavel
de n, ou seja, aquele para o qual PN (n) e maxima. Podemos escrever esse
valor como n = rN , 0 < r < 1. Se p e q nao forem muito diferentes, perto
do maximo, tanto n quanto N − n serao numeros da ordem de N . Usamos
a aproximacao de Stirling para os fatoriais desses numeros desprezando os
termos O(lnN), ficando com
lnPN = N lnN − N − n ln n + n − (N − n) ln(N − n) + N − n
+ n ln p + (N − n) ln q . (3.16)
Podemos calcular a posicao do maximo para N 1 extremizando lnPN .
ObtemosdlnPN
dn= − ln n + ln(N − n) + ln p − ln q = 0 , (3.17)
levando a
n = pN = 〈n〉 , (3.18)
onde usamos a expressao (2.11) para 〈n〉.Verificamos a concavidade:
d2lnPN
dn2= −1
n− 1
N − n, (3.19)
quando n = n temos
d2lnPN
dn2
∣
∣
∣
∣
n=n
= − 1
Npq= − 1
σ2< 0 , (3.20)
ou seja, o extremo e um maximo.
Agora, expandimos a distribuicao perto do maximo, porque essa e a
regiao que nos interessa descrever. Para isso tomamos n = n + ε, ε n.
Mantendo apenas ate o termo quadratico temos
lnPN (n) ≈ lnPN (n) + εdlnPN
dn
∣
∣
∣
∣
n=n︸ ︷︷ ︸
0
+1
2ε2 d2lnPN
dn2
∣
∣
∣
∣
n=n︸ ︷︷ ︸
− 1
Npq
+ · · · (3.21)
Exponenciando, teremos
PN (n) = C exp
[
−(n − n)2
2Npq
]
= C exp
[
−(n− 〈n〉)2
2σ2
]
, (3.22)
43CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
onde a expressao (2.13) foi usada na identificacao de σ.
A constante de normalizacao, C , pode ser encontrada se impomos que
a soma das probabilidades para todos os valores possıveis de n e 1, ou seja,
∫ +∞
−∞dn C exp
[
−(n − 〈n〉)2
2σ2
]
= 1 . (3.23)
Esta integral, e outras similares, vao aparecer muitas vezes nas proximas
aulas, por isso vale a pena ver como pode ser calculada.
Nosso objetivo e calcular a integral
I =
∫ +∞
−∞du e−u2
(3.24)
O ponto de partida e a integral I ′ no plano xy, escrita em coordenadas polares
como
I ′ =
∫ 2π
0
dφ
∫ ∞
0
e−r2
rdr = 2π
[
−e−r2
2
]∞
0
= π . (3.25)
Mas I ′ tambem pode ser escrita em coordenadas cartesiana, dando
I ′ =
∫ +∞
−∞dx
∫ +∞
−∞exp
[
−(x2 + y2)]
dy
=
(∫ +∞
−∞e−x2
dx
) (∫ +∞
−∞e−y2
dy
)
= I2 .
Logo,∫ +∞
−∞e−u2
du =√
π . (3.26)
Obtemos, assim, a expressao final normalizada
P (n) =1
σ√
2πexp
[
−(n − 〈n〉)2
2σ2
]
, (3.27)
ou
PN (n) =1√
2πNpqexp
[
−(n − Np)2
2Npq
]
. (3.28)
As expressoes (3.27) e (3.28) definem o que chamamos de distribuicao Gaus-
siana, tambem chamada distribuicao normal.
Atividade 3
(Objetivo 4) (a) Mostre que
∫ +∞
−∞e−ax2
dx =
√
π
a. (3.29)
CEDERJ 44
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
(b) Use esse resultado para calcular a constante de normalizacao C da equacao
(3.23).
(c) Mostre que∫ ∞
0
x2e−ax2
dx =π
4a
√
π
aa > 0 (3.30)
Dica: observe a igualdade
d
da
∫ ∞
0
e−ax2
dx = −∫ ∞
0
x2e−ax2
dx .
Resposta comentada
(a) Partimos da equacao (3.26), e fazemos uma troca de variaveis:
u =√
ax → du =√
a dx
Com isso temos∫
+∞
−∞e−ax2
dx =1√a
∫
+∞
−∞e−u2
du =
√
π
a
(b) Basta fazer as identificacoes: y = x − 〈x〉 e a = 2σ2 em (3.23).
(c) O integrando da equacao (3.26) e uma funcao par, portanto podemos
escrever∫ ∞
0
e−ax2
dx =1
2
√
π
a
Usamos a dica:
d
da
∫ ∞
0
e−ax2
dx =d
da
(
1
2
√
π
a
)
=1
2
1
2
1
a
√
π
a
fim da atividade
Atividade 4
(Objetivo 4)
Verifique a validade da aproximacao gaussiana.
Resposta comentada
A forma gaussiana foi obtida ao trucarmos a expansao de logPN ate o termo
quadratico, assim, devemos ver os efeitos da truncagem na expressao (3.21).
Calculamos o primeiro termo que foi desprezado, e que envolve a terceira
derivada:
1
3!ε3 d3lnPN
dn3
∣
∣
∣
∣
n=n
=1
6ε3 q − p
N2p2q2=
1
6(n − n)3 q − p
N2p2q2. (3.31)
Para que a aproximacao Gaussiana seja boa devemos ter
1
2Npq|n − n|2 |q − p|
6N2p2q2|n − n|3 , (3.32)
45CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
ou seja,
|n − n| 3Npq
|q − p| , (3.33)
definindo assim a regiao em torno do maximo onde a aproximacao e valida.
Para um dado valor de N , quanto mais proximos forem p e q maior e |p − q| −1
e mais facil sera satisfazer a condicao (3.32). Por outro lado, dados p e
q, quanto maior for N , mais facil sera satisfazer a condicao. Fora do in-
tervalo definido em (3.33), ou seja, para |n − n| ≥ 3Npq/|q − p|, temos
P ∼ exp[−9N2p2q2/(2Npq|q − p|2)] → 0 para N → ∞, portanto a aproxi-
macao e boa para Npq 1.
Propriedades da distribuicao gaussiana
Vamos trabalhar com a forma (3.27). Como partimos da distribuicao
binomial, tınhamos uma variavel adimensional, n e um numero, variando
de uma unidade. Para que possamos generalizar o resultado para qualquer
variavel real, temos que definir x = `n, sendo ` um numero real com di-
mensao. Mantendo a notacao usada para a densidade de probabilidade,
temos:
fG(x) =1
σ√
2πexp
[
−(x − 〈x〉)2
2σ2
]
. (3.34)
Aqui o subındice G identifica que estamos tratando de uma distribuicao
especıfica, a gaussiana. Agora σ tem a mesma unidade de ` e fG(x) tem
unidade de `−1.
Primeiro vamos examinar sua forma geral em funcao dos parametros
〈x〉 e σ. A figura 3.4 mostra graficos de fG(x) para diversos valores de 〈x〉e σ. O valor de 〈x〉 da a posicao do maximo e posiciona a curva como um
todo. σ esta relacionado com sua largura e com a rapidez com que fG varia
quando nos afastamos de seu valor maximo.
O valor de fG(x) no ponto de maximo e dado por fG(〈x〉), e vale
fGmax =1
σ√
2π⇒ fG(x) = fGmax exp
[
−(x− 〈x〉)2
2σ2
]
. (3.35)
Vamos ver como σ esta relacionado com a largura da curva calculando em
que pontos ela cai a fGmax/e ou a 36,8% de fGmax:
fG(x±) = fGmaxe−1 ⇒
[
−(x± − 〈x〉)2
2σ2
]
= −1 ⇒ x± = 〈x〉 ± σ√
2 (3.36)
A figura 3.5 mostra as regioes compreendidas por x ± σ e x ± 2σ. Vemos
que a regiao em torno do maximo, onde estao os maiores valores de fG(x) e
essencialmente definida pelo parametro σ.
CEDERJ 46
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
Figura 3.4: Graficos de distribuicoes gaussianas a partir da expressao (3.34)
Atividade 5
(Objetivo 4)
Calcule a largura total da curva gaussiana em pontos tais que ela caia a
metade do valor maximo.
Resposta comentada
Devemos impor a condicao fG(x±) = fGmax/2 que implica em
(x± − 〈x〉)2
2σ2= ln 2 ⇒ x± = 〈x〉 ± σ
√2 ln 2 (3.37)
fim da atividade
Vamos agora considerar valores da probabilidade de se encontrar x em diver-
sas regioes finitas da curva, a partir de seu ponto central. Vamos calcular a
probabilidade de encontrar x entre 〈x〉 −nσ e 〈x〉+ nσ, sendo n um numero
inteiro. Para este calculo a posicao da curva nao importa, entao podemos
tomar, por simplicidade, 〈x〉 = 0. Usamos a expressao (3.3) para este calculo:
P (−nσ ≤ x ≤ +nσ) =1
σ√
2π
∫
+nσ
−nσ
exp
(
− x2
2σ2
)
dx . (3.38)
Fazemos a troca de variavel x/σ√
2 = u, dx = σ√
2 du. Com isso a integral
toma a forma:
P (−nσ ≤ x ≤ +nσ) =1√π
∫
+n/√
2
−n/√
2
e−u2
du . (3.39)
47CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
Figura 3.5: Graficos de distribuicoes gaussianas com σ = 2 e 〈x〉 = 0
mostrando as regioes compreendidas por (a) x ± σ e (b) x± 2σ.
Esta integral nao pode ser calculada analiticamente, portantodevemos con-
sultar alguma tabela para isso. Ela aparece relacionada com a funcao erro
que tem a seguinte definicao:
erf(a) =2√π
∫ a
0
e−u2
du . (3.40)
Usando o fato de que o integrando e par, temos
P (−nσ ≤ x ≤ +nσ) = erf
(
n√2
)
. (3.41)
Boxe multimidia Um lugar otimo para consultas matematicas pela internet
e a pagina:
http://mathworld.wolfram.com.
Nela voce pode encontrar tudo que precisa num curso de fısica, inclusive uma
ferramenta on-line para o calculo de integrais indefinidas.
Consultando essa pagina, ou qualquer outra tabela de integrais encon-
tramos:
n P (−nσ ≤ x ≤ +nσ)
1 0,6827
2 0,9545
3 0,9973
CEDERJ 48
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
Fim do Boxe multimidia
Este resultado significa que, ao realizar uma experiencia ideal, com um
numero muito grande de repeticoes, descrita pela distribuicao gaussiana,
cerca de 68% dos valores medidos estarao no intervalo 〈x〉 ± σ. Se con-
siderarmos uma faixa de valores de 4σ em torno do valor mais provavel,
teremos aı cerca de 95% dos dados. Em resumo, a chance de se obter um
valor diferente do esperado em mais de 2σ e muitıssimo pequena. Quanto
menor for o valor de σ, mais iguais a 〈x〉 serao os valores medidos. A figura
3.5 ilustra essas faixas numa gaussiana com σ = 2.
Para finalizar devemos dizer que, embora tenhamos examinado uma dis-
tribuicao especıfica, os resultados encontrados aplicam-se qualitativamente a
varias outras distribuicoes. Como a forma gaussiana e facil de tratar matem-
aticamente, ela e em geral usada para descrever varios sistemas com variaveis
aleatorias.
Conclusao
Quando tratamos de sistemas aleatorios com N → ∞ podemos usar
distribuicoes contınuas para descreve-los. Nesse caso a grandeza importante
e a densidade de probabilidade. Em vez de considerarmos a probabilidade
de ocorrencia de um determinado valor da variavel, passamos a usar a pro-
babilidade de a encontrarmos em um determinado intervalo infinitesimal. A
passagem natural da descricao discreta para a contınua e atraves da cons-
trucao de um histograma. Formalmente podemos obter uma distribuicao
contınua a partir de uma discreta tomando o limite N → ∞. Por exemplo,
desta forma pudemos obter a distribuicao gaussiana a partir da binomial.
A distribuicao gaussiana, alem de ser matematicamente facil de lidar,
tem uma propriedade importante: quando nos afastamos de seu valor maximo
ela cai com uma rapidez que depende do valor de σ. Isso significa que ela des-
creve sistemas para os quais a probabilidade de se encontrar valores muito
maiores ou menores que a media e muito pequena. Em outras palavras,
sao sistemas que podem ser caracaterizados pelo valor medio ou esperado
de alguma grandeza, como o numero de palitos de fosforo numa caixa ou a
magnetizacao de um solido.
A Fısica Estatıstica tradicional trata apenas de sistemas com essas car-
acterısticas, mas existem muitos outros que sao descritos por outras formas
49CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
de distribuicao. Por exemplo considere a distribuicao que descreve a renda
das pessoas. Imagine que escolhemos N pessoas ao acaso e anotamos o valor
de sua renda mensal para construir um histograma. Calculamos a renda
media 〈r〉 somando todos os valores e dividindo por N . Ao examinarmos o
histograma, certamente encontrarıamos muito mais pessoas com renda menor
que 〈r〉 do que com renda maior que 〈r〉. Assim, neste caso, a medida que nos
afastamos da media, para valores menores, a probabilidade de encontra-los
aumenta, o contrario ocorrendo se nos afastamos para valores maiores.
Outra distribuicao com essas caracterısticas e a da intensidade dos ter-
remotos. Quanto maior o terremoto, menor a sua probabilidade de ocorrencia.
Num histograma de terremotos certamente terıamos a contagem aumentando
ao considerarmos terremotos de menor intensidade.
Embora esses seja sistemas extremamente interessantes e relevantes,
a Fısica Estatıstica de Boltzmann se aplica apenas a sistemas regidos por
distribuicoes como a gaussiana.
Atividade Final
O histograma da figura 3.3 tem uma forma que sugere uma distribuicao
gaussiana. Encontre a expressao da gaussiana que poderia ser usada para
descrever esse conjunto de dados. A tabela usada para a construcao do
histograma e:
τ (s) f τ (s) f
1,6 0,002 2,8 0,201
1,8 0,007 3,0 0,175
2,0 0,028 3,2 0,112
2,2 0,067 3,4 0,073
2,4 0,132 3,6 0,025
2,6 0,168 3,8 0,008
Resposta comentada
Vamos usar a expressao (3.27) com τ no lugar de x. Os valores de 〈τ 〉e σ para o conjunto de dados que gerou o histograma sao 2,79 s e 0,4 s,
respectivamente. Antes de tracar a curva temos que pensar como foi feita
a normalizacao no caso do histograma. Cada barra vertical tem uma altura
que depende do valor de ∆τ escolhido, porque e proporcional ao numero
de medidas no intervalo. Portanto, a grandeza f do eixo vertical nao e
a densidade de probabilidade, mas a probabilidade de encontrar o perıodo
CEDERJ 50
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3
entre τ e τ + ∆τ . Assim, a expressao correta para ajustar e fG(τ )∆τ . A
figura a seguir mostra essa curva sobreposta ao histograma.
Resumo
Nesta aula vimos como estender as nocoes de probablilidade e dis-
tribuicao a sistemas descritos por variaveis contınuas. Essa passagem se
da naturalmente atraves da construcao de histogramas, uma ferramenta es-
tatıstica muito uitl para a analise de sistemas com um numero grande de
elementos.
A descricao estatıstica dos sistemas contınuos se da atraves da densi-
dade de probalidade que e uma funcao que permite o calculo de medias em
geral. Dentre as densidades mais usadas destacamos a funcao uniforme, que
da a mesma densidade de probabilidade para qualquer intervalo da variavel
aleatoria em questao, e a gaussiana que tem a densidade concentrada em
torno do valor medio. Vimos tambem que e possıvel obter distribuicao gaus-
siana a partir da distribuicao binomial no limite N → ∞.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula vamos aprender como descrever o equilıbrio termico
entre dois sistemas, do ponto de vista probabilıstico. Continuaremos usando
o sistema paramagnetico uniaxial para esse estudo.
51CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, capıtulo 1.
CEDERJ 52
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio
termico
Meta
Estabelecer a ligacao entre as descricoes micro e macroscopica atraves
da definicao estatıstica de entropia.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. Entender o equilıbrio termico de um ponto de vista probabilıstico;
2. Associar a entropia macroscopica com a multiplicidade de um macroes-
tados;
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce tenha familiaridade com varios conceitos de
Termodinamica expostos em Fısica 2A, especialmente: equilıbrio termico e
troca de calor (Aula 5) e entropia (Aula 12).
Introducao
Nas Aulas 2 e 3 vimos como lidar com distribuicoes e como identificar
micro e macroestados de sistemas descritos por variaveis aleatorias. Nesta
aula veremos como a troca de energia entre sistemas pode ser interpretada
do ponto de vista estatıstico.
Ja temos todos os elementos necessarios para estabelecer a conexao
entre as descricoes micro e macroscopica. As informacoes disponıveis sao: do
ponto de vista microscopico, a expressao para a energia e a multiplicidade do
macroestado; na descricao macroscopica, as variaveis de estado, tais como
volume, pressao, entropia e temperatura, e as leis da termodinamica.
53CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico
Veremos, a seguir, que a conexao vira atraves do estabelecimento da
relacao entre entropia e multiplicidade e do limite termodinamico. Nesta aula
veremos como o limite N → ∞ garante a estabilidade na escala macroscopica.
Usaremos para isso nosso sistema modelo, o paramagneto uniaxial, mas as
conclusoes sao aplicaveis a qualquer outro sistema.
O equilıbrio termico
O sistema (S) que queremos examinar tem uma estrutura interna con-
sistindo de duas partes identificaveis, que serao denominadas sistema 1 (S1)
e sistema 2 (S2), contendo N1 e N2 partıculas, e energias E1 e E2, respec-
tivamente. Inicialmente S1 e S2 estao em equilıbrio individualmente, sepa-
rados por uma parede impermeavel (nao permite passagem de partıculas) e
adiabatica (nao permite passagem de calor). Quando o isolamento termico
entre eles e removido as partes S1 e S2 passam a poder trocar energia. Es-
peramos o tempo necessario para que se reequilibrem, e verificamos que no
estado final eles passam a ter energias E ′1 e E ′
2 como esquematizado na Figura
4.1. Do ponto de vista da Termodinamica esta situacao e bem familiar.
Certamente voce ja resolveu o problema de calcular a temperatura final de
equilıbrio, T ′, de dois objetos a temperaturas T1 e T2 que estao dentro de
um calorımetro, podendo trocar calor apenas entre si. A energia total do
sistema e constante por causa do isolamento termico do calorımetro, e a tem-
peratura de equilıbrio e determinada supondo-se que os corpos trocam calor
dependendo de suas temperaturas iniciais, suas massas e de que material
sao feitos. Tambem impomos que no equilıbrio os corpos estarao na mesma
temperatura. A observacao experimental concorda com essa uniformidade de
temperatura, mas se impomos apenas a conservacao de energia, muitas out-
ras configuracoes finais seriam possıveis, ate mesmo aquela em que o corpo
mais frio cede uma quantidade de calor Q, tornando-se mais frio, sendo esse
calor absorvido pelo corpo mais quente, que fica ainda mais quente. Por que
isso nao ocorre? Essa e a pergunta que queremos responder, examinando a
probabilidade de ocorrencia de cada estado final que satisfaz a conservacao
de energia. Vamos formular o problema em termos da energia. Queremos
saber como determinar os valores finais de energia de cada corpo, para to-
dos os estados finais que satisfazem a conservacao de energia, dentro de uma
descricao microscopica probabilısca.
Como o sistema S esta isolado, necessariamente devemos ter conservacao
de energia, ou seja, E = E1 + E2 = E ′1 + E ′
2. Note que sao aceitaveis quais-
CEDERJ 54
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4
S1 S2
E1 E 2
(b)(a)
E2 E1
S2
S1
E1d
E2d
parede isolanteparede condutora
Figura 4.1: (a) Dois sistemas em equilıbrio individualmente, isolados um do
outro e do meio externo. Cada um encontra-se num determinado macroes-
tado, com sua respectiva multiplicidade. (b) O isolamento termico entre
os sistemas e removido, eles trocam calor ate atingirem um novo estado de
equilıbrio. Nesse estado final cada sistema estara num outro macroestado,
eventualmente, com outra multiplicidade.
quer valores de E ′1 e E ′
2 que satisfacam a conservacao de energia. Estamos,
entao, incluindo a possibilidade da parte com menor energia ter sua energia
reduzida e a de maior energia aumentada da mesma quantidade. Do ponto
de vista termodinamico, isso e equivalente a por dois objetos a temperat-
uras diferentes em contato termico, e o mais quente esquentar, enquanto que
o mais frio esfria mais ainda! Sabemos que na pratica essa situacao nao
ocorre. Veremos a seguir que ela nao e observada simplesmente porque e
extremamente improvavel.
Vamos ver como descrever a troca de energia do ponto de vista es-
tatıstico. A conservacao de energia nos permite escrever o estado final em
termos da energia total e da energia final de um dos sistemas. Escolhemos
escrever em termos de S1. A energia final de S2 e dada por E − E ′1. Sendo
g(E, N) a multiplicidade do sistema composto representado na figura 4.1(b),
podemos escrever
g(E, N) =∑
E′
1
g1(E′1, N1)g2(E − E ′
1, N2) , (4.1)
onde g1(E′1, N1) e g2(E−E ′
1, N2) sao as multiplicidades dos sistemas S1 e S2,
respectivamente. E importante entender o que significa o lado direito de (4.1).
Como ainda podemos identificar os dois sistemas, estamos considerando todas
as possibilidades de energia para os sistemas individuais, compatıveis com
a conservacao da energia total. Para cada valor de E ′1, ha apenas um de
E ′2 possıvel, assim, podemos usar apenas E ′
1 como variavel. Para um dado
55CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico
valor de E ′1, S1 pode ser encontrado em qualquer um de seus g1(E
′1, N1)
microestados, e para cada um desses microestados, S2 pode estar em qualquer
um de seus g2(E − E ′1, N2) microestados.
Vamos analisar um exemplo concreto considerando sistemas formados
por momentos magneticos uniaxiais. Como vimos na Aula 2, o macroes-
tado desse sistema pode ser rotulado pelo valor de energia ou pelo valor de
M , variavel que da a diferenca entre o numero de momentos paralelos e an-
tiparalelos ao campo, porque a energia do sistema na presenca de um campo
magnetico B e dada por E = −MB. Assim, o vınculo de conservacao de
energia pode ser escrito como M = M1 + M2 = M ′1 + M ′
2, onde Mi e M ′i
correspondem aos valores inicial e final, respectivamente, para o i-esimo sis-
tema. Suponha que inicialmente tenhamos
sistema Ni Mi
S1 10 4
S2 8 6
Tabela 4.3: Valores iniciais hipoteticos para dois sistemas em contato
termico.
Para o sistema combinado, S, N = N1 + N2 = 18 e M = M1 + M2 = 10.
Podemos usar a expressao (2.5) para calcular g(10, 18) diretamente:
g(M, N) =N !
(N+M
2
)!(
N−M2
)!⇒ g(18, 10) =
18!
14!4!= 3060 .
Vamos agora identificar como estao S1 e S2 em cada um desses 3060 mi-
croestados. Pela definicao de M (equacao (2.1)), temos que, dado um certo
valor de N , M pode assumir os valores ±N , ±(N − 2), . . . , 0. Assim,
os valores possıveis para M1 e M2 sao M1 = ±10, ±8, ±6, ±4, ±2, 0,
M2 = ±8, ±6, ±4, ±2, 0. Lembrando a restricao M1 + M2 = 10, os valores
compatıveis com M = 10 para o estado final sao
Atividade 1
(Objetivos 1 e 2)
Porque nao podemos ter M ′1 = −8,−6,−4,−2?
Resposta comentada:
A conservacao de energia requer que M ′1+M ′
2 = 10, assim M ′1 = −8 ⇒ M ′
2 =
18. Mas o valor maximo para M ′2 e 8, correspondendo a todos os momentos
alinhados paralelamente ao campo externo. A mesma analise pode ser feita
para os outros valores de M ′1 propostos.
CEDERJ 56
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4
configuracao M ′1 M − M ′
1 g(M − M ′1, 18)
1 8 2 560
2 6 4 1260
3 4 6 960
4 2 8 210
5 10 0 70
Tabela 4.4: Possıveis configuracoes de cada parte do sistema combinado.
Podemos agora escrever a multiplicidade g(M, N) do sistema composto na
forma (4.1), como
g(10, 18)︸ ︷︷ ︸
3060
= g1(8, 10)g2(2, 8)︸ ︷︷ ︸
560
+ g1(6, 10)g2(4, 8)︸ ︷︷ ︸
1260
+ g1(4, 10)g2(6, 8)︸ ︷︷ ︸
960
+ g1(2, 10)g2(8, 8)︸ ︷︷ ︸
210
+ g1(10, 10)g2(0, 8)︸ ︷︷ ︸
70
Observe que a configuracao final correspondente a M ′1 = 6 e M ′
2 = 4 e a
de maior multiplicidade. Se associamos uma bolinha a cada microestado,
identificando-as com as configuracoes definidas na tabela acima, teremos 560
bolinhas com o numero 1, 1260 com o 2 etc. Assim, se juntamos todas as
bolinhas e realizamos um sorteio, a retirada de uma bolinha com o numero
2 ocorrera com maior probabilidade, ja que essa configuracao e a de maior
multiplicidade. Neste exemplo especıfico, as outras configuracoes certamente
tambem teriam uma chance razoavel de aparecer, especialmente a 3; isso se
da porque N1 e N2 sao numeros pequenos, resultando em variancias grandes.
Como vimos nas Aulas 2 e 3, quanto maior for o valor de N , mais concentrada
no valor maximo sera a distribuicao, levando a probabilidades reduzidıssimas
de se encontrar resultados diferentes do valor esperado. Assim, se tivessemos
valores muito grandes para N1 e N2, haveria uma determinada configuracao
final com multiplicidade muito maior que as outras, de tal forma que, ao
realizarmos o sorteio das bolinhas, para todos os efeitos, estarıamos sempre
sorteando bolinhas com o numero referente a essa configuracao. Esse sorteio
corresponde a uma observacao macroscopica, a uma medicao, e o fato de
estarmos observando sempre a mesma configuracao final nos levaria a concluir
que essa e a configuracao de equilıbrio.
Atividade 2
(Objetivos 1 e 2)
Identifique duas configuracoes possıveis com:
57CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico
(a) M ′1 = 6 e M ′
2 = 4
(b) M ′1 = 10 e M ′
2 = 0
Resposta comentada
A primeira coisa e calcular quantos momentos magneticos serao positivos
(ou negativos) em cada sistema, usando a expressao N+ = (N + M)/2.
Depois escolhemos algum microestado que tenha esse numero de momentos
magneticos positivos.
(a) M ′1 = 6 e M ′
2 = 4 ⇒ N ′1+ = 8 N ′
2+ = 6. Duas possibilidades sao:
S1 S2
+ − − + + + + + + + + + + − + − + +
S1 S2
− + + − + + + + + + + + − + + + + −
(b) M ′1 = 10 e M ′
2 = 0 ⇒ N ′1+ = 10 N ′
2+ = 4. Duas possibilidades sao:
S1 S2
+ + + + + + + + + + + + − − + − − +
S1 S2
+ + + + + + + + + + − − + + + − + −
Note que neste caso so ha uma configuracao possıvel para S1.
Fim da atividade
Vamos analisar todos os estados finais em termos de seus valores de
Mi/Ni e pela troca de energia ocorrida, escrita em termos de M como
dMi = M ′i − Mi. A Tabela 4.5 resume essa analise. A numeracao de 1
a 5 na primeira coluna refere-se as configuracoes da tabela 4.4. Na segunda
coluna temos o valor inicial M1 por partıcula e na terceira coluna, o valor
final para cada configuracao. As colunas 5 e 6 mostram as mesmas quanti-
dades para o sistema 2. A energia por partıcula e proporcional a Mi/Ni. A
divisao pelo numero de partıculas nos permite comparar melhor a diferenca
entre as configuracoes, ja que um sistema e maior que o outro. A condicao
inicial tinha S1 com um valor menor de M/N , do ponto de vista macroscopico
esperamos que ocorra uma troca de energia entre S1 e S2 de maneira a uni-
formizar o valor de M/N em todo o sistema combinado. As configuracoes
CEDERJ 58
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4
na tabela mostram que apenas o vınculo de conservacao de energia permite
outras formas de troca de energia. Na configuracao 1 o valor de M ′1/N1 e
excessivamente alto, ou seja, a troca de energia tornou os sistemas ainda mais
diferentes, embora tenha ocorrido no sentido certo. A configuracao 2 e a que
corresponde a maior uniformidade, e a que tem os valores de M ′1/N1 e M ′
2/N2
mais proximos. Como ja vimos, esta tambem e a de maior multiplicidade.
Na configuracao 3 nao ha troca de energia, e nas 4 e 5 as trocas fazem com
que M1/N1 diminua mais ainda.
S1 S2
M1/N1 M ′1/N1 dM1 M2/N2 M ′
2/N2 dM2
1 0,80 4 0,25 −4
2 0,60 2 0,50 −2
3 0,40 0,40 0 0,75 0,75 0
4 0,20 −2 1,00 2
5 1,00 −6 0 6
Tabela 4.5: Valores referentes ao equilıbrio termico de dois sistemas es-
pecıficos. A numeracao 1-5 das linhas refere-se as configuracoes da tabela
4.4
Acabamos de examinar um sistema descrito pela distribuicao binaria
mas num caso geral, nem sempre o calculo das multiplicidades e possıvel.
Por isso precisamos ser capazes de encontrar a configuracao de equilıbrio
para um sistema qualquer. Concluımos que a configuracao final de maior
multiplicidade corresponde ao equilıbrio; Assim, num sistema qualquer, o
equilıbrio pode ser encontrado pela determinacao do maior termo do so-
matorio (4.1). Essa determinacao pode ser feita genericamente se maxi-
mizamos g1(E′1, N1)g2(E − E ′
1, N2) por variacoes em E ′1 e E ′
2 = E − E ′1, ou
seja, se impomos a condicao
d (g1g2) = g2∂g1
∂E1dE1 + g1
∂g2
∂E2dE2 = 0 .
A energia total se conserva, entao dE = dE1 + dE2 = 0 ou dE1 = −dE2.
Com isso, temos que
d (g1g2) =
(
g2∂g1
∂E1− g1
∂g2
∂E2
)
dE1 = 0 . (4.2)
Seja E o valor de E1 que satizfaz a condicao (4.2), temos:
1
g1
∂g1
∂E1
∣∣∣∣E
=1
g2
∂g2
∂E2
∣∣∣∣E−E
ou∂ln g1
∂E1
∣∣∣∣E
=∂ln g2
∂E2
∣∣∣∣E−E
. (4.3)
59CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico
A conexao entre a descricao estatıstica, microscopica, e a termodinamica,
abordagem macroscopica, foi proposta por Boltzmann, atraves da definicao
estatıstica de entropia,
S ≡ κ ln g , (4.4)
onde κ e a constante de Boltzmann. Com essa definicao, a condicao de
equilıbrio (4.3) pode ser escrita como
∂S1
∂E1
∣∣∣∣E
=∂S2
∂E2
∣∣∣∣E−E
(4.5)
Sabemos que, no equilıbrio termico, as temperaturas de todas as partes de um
sistema devem ser iguais. Aqui devemos ter T1 = T2 no equilıbrio. Definimos
assim1
T1≡ ∂S1
∂E1
∣∣∣∣E
e1
T2≡ ∂S2
∂E2
∣∣∣∣E−E
. (4.6)
Neste momento, temos que parar e pensar sobre o que acabamos de fazer.
Uma definicao estatıstica de entropia foi proposta, e por isso identificamos
como κ ln g1(E, N1), a entropia do sistema 1, e o equivalente para o sistema
2. Note que a identificacao da temperatura foi feita apenas com relacao ao
termo maximo, aquele calculado com E1 = E e E2 = E − E. Isso levou a
valores iguais para a temperatura dos sistemas apenas nessa configuracao.
Limite N → ∞
Vamos ver o que ocorre se N1 e N2 forem muito grandes. Para tal
usaremos o limite gaussiano da distribuicao binomial, como explicado na
Aula 3. Temos:
g(M, N) =N !
(N+M
2
)!(
N−M2
)!
−→N→∞
2N
√2πN
exp
(
−M2
2N
)
= g0 exp
(
−M2
2N
)
,
(4.7)
onde g0 = g(0, N) e o valor maximo de g(M, N). Note que aqui fizemos
o limite apenas da multiplicidade, sem incluir pN+M
2 qN−M
2 , por isso temos o
fator 2N na constante de normalizacao (veja a equacao (2.9) ). Agora M e
uma variavel real e contınua, assim a soma em (4.1) deve ser substituıda por
uma integral, na forma
g(M, N) =
∫ +∞
−∞g1(M
′1)g2(M −M ′
1) dM ′1
=
∫ +∞
−∞(g1g2)0 exp
[
−M ′21
2N1
]
exp
[
−(M − M ′1)
2
2N2
]
dM ′1 (4.8)
CEDERJ 60
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4
Seguindo o procedimento anterior, procuramos o valor de M ′1 que maximiza
o integrando em (4.8)
∂(g1g2)
∂M ′1
= 0 ⇒ − M
N1
+(M − M)
N2
= 0 ⇒ M =N1
NM , (4.9)
sendo M o valor de M ′1 que maximiza o integrando. Temos, entao, que a
configuracao de troca de energia mais provavel e aquela que leva a
M ′1 = M =
N1
NM =
N1
N1 + N2(M ′
1 + M ′2) ⇒
M ′1
N1=
M ′2
N2,
que e exatamente a condicao de uniformidade que ja tınhamos antecipado.
Substituindo esse valor de M ′1 no integrando, temos
(g1g2)max = g1(0, N1)g2(0, N2) exp
(
−M2
2N
)
. (4.10)
(g1g2)max e o valor maximo do integrando, corresponde a configuracao final
de maior multiplicidade, aquela a que associamos o estado de equilıbrio.
O efeito das flutuacoes
Ja sabemos como e a configuracao mais provavel, agora vamos estimar o
efeito de flutuacoes considerando que S1 esteja com um valor de M ′1 levemente
diferente de M , ou seja, M ′1 = M + δ, δ M . O integrando calculado nesse
ponto e
g1g2 = (g1g2)0 exp
(
−M2
2N
)
︸ ︷︷ ︸
(g1g2)max
· exp
(
− δ2N
2N1N2
)
︸ ︷︷ ︸
fator de reducao f
, (4.11)
que pode ser escrito como o valor maximo do integrando, multiplicado por
um numero menor que 1, que chamaremos de fator de reducao. Esta mesma
analise foi feita na Aula 3 quando estudamos as propriedades da gaussiana,
calculando o valor da distribuicao em pontos a certas distancias do ponto de
maximo.
Vamos considerar valores numericos para que possamos apreciar melhor
o efeito de uma flutuacao que tira levemente o sistema de seu ponto de
equilıbrio:
N1 = N2 = 1022 δ = 1012
O valor de δ pode parecer enorme, mas o que importa e o valor relativo.
Note que δ/N1 = 10−10. Isso significa que estamos falando de um valor de
61CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico
g g1 2
M’1M+d^
^M-d^
M
u+d-d 0
Figura 4.2: Integrando da equacao (4.12). A probabilidade de se encontrar
uma flutuacao maior que δ pode ser estimada pelo calculo das areas hachu-
radas.
M ′1 que difere de M la pelo decimo algarismo significativo. Para esses valores
temos f = exp(−100) ≈ 10−44. Vamos calcular a probabilidade de encontrar
o sistema com M − δ < M ′1 < M + δ (veja a figura 4.2). Usando a simetria
da distribuicao gaussiana, podemos escrever
P(
M − δ < M ′1 < M + δ
)
=
∫ ∞M+δ
g1g2 dM ′1
∫ ∞0
g1g2 dM ′1
=(g1g2)max
∫ ∞δ
exp(
− u2
N1
)
du
(g1g2)max
∫ ∞0
exp(
− u2
N1
)
du.
=
∫ ∞δ/
√N1
exp(−x2)dx∫ ∞0
exp(−x2)dx(4.12)
Usamos aqui a expressao (4.11) e realizamos as trocas de variavel u = M ′1−
M e depois x = u/√
N1. Para os valores numericos considerados δ =
10√
N1 levando a P(
M − δ > M ′1 > M + δ
)
≈ 10−44. Para termos uma
chance razoavel de observar uma flutuacao como essa, deverıamos realizar
pelo menos 1044 medidas. Supondo um tempo tıpico de medicao por espec-
troscopia, 10−12 s, precisarıamos de 1032 s ou 1024 anos. A idade do universo e
estimada em 1010 anos, logo podemos descartar a possibilidade de ocorrencia
de variacoes relativas menores que 10−10.
Conclusao
Nesta aula pudemos ver mais uma vez o efeito do limite termodinamico,
que pode ser resumido como: quando N → ∞, a configuracao mais provavel
CEDERJ 62
Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4
e a unica possıvel de ser observada macroscopicamente, e as flutuacoes com
relacao a ela sao desprezıveis. Com isso pudemos interpretar estatisticamente
a troca de energia e o equilıbrio termico de sistemas que podem trocar energia
entre si, mas estao isolados do meio externo. Fizemos uma analise em termos
de um sistema combinado, formado por dois subsistemas, mas podemos es-
tende-la considerando qualquer quantidade de subsistemas. Assim, temos o
seguinte quadro: inicialmente um certo numero de sistemas, cada um isolado
do meio externo, em equilıbrio termico. Estes sistemas sao colocados em
contato termico entre si, mantendo-se ainda isolados do meio externo, for-
mando agora um sistema combinado. O isolamento termico global faz com
que a energia total seja conservada, todas as trocas de energia devem ocorrer
satisfazendo a esta condicao. Varias trocas de energia sao possıveis, mas uma
delas e a que ocorre com maior probabilidade sendo que quando tomamos o
limite N → ∞, essa troca e tao mais provavel, que para todos os efeitos e
a unica possıvel de ser observada macroscopicamente. Definindo a entropia
estatıstica em funcao da multiplicidade do macroestado pudemos formular o
equilıbrio termico do sistema combinado em termos da temperatura, ou seja,
a configuracao de troca de energia mais provavel para o sistema combinado
e aquela que leva a uniformidade da temperatura em todas as partes que o
compoem.
Resumo
Nesta aula aprendemos a definicao estatıstica de temperatura e a usa-
mos para encontrar as condicoes de equilıbrio de sistemas que podem trocar
energia entre si, mas estao isolados do meio externo.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula vamos aprender a visao de Boltzmann para o equilıbrio
termico, e derivar a equacao de estado para o comportamento termico de
alguns sistemas fısicos.
63CEDERJ
Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5
Aula 5 - A hipotese fundamental de
Boltzmann
Meta
Apresentar como e feita a conexao entre as descricoes estatıstica e ter-
modinamica num sistema fechado, ou seja, que nao pode trocar calor ou
partıculas com o meio externo.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. Calcular a entropia de sistemas fısicos a partir do conhecimento mi-
croscopico dos mesmos;
2. A partir de uma expressao para a entropia, econtrar as propriedades
termodinamicas de um sistema.
Pre-requisitos
Continuaremos estudando o sistema paramagnetico apresentado na Aula
2. Usaremos tambem a aproximacao de Stirling (Aula 3) e a definicao de
variaveis intensivas e extensivas (Aula 1).
Introducao
Na Aula 4 vimos que a troca de energia entre dois sistemas que estao
isolados do resto do universo pode ocorrer de varias maneiras, levando ao
mesmo macroestado para o sistema combinado. O vınculo imposto, de con-
servacao da energia total, nao impede que sejam consideradas trocas de ener-
gia que levem o subsistema mais frio a ficar ainda mais frio, e o mais quente
ainda mais quente, ou que ocorram configuracoes que nao sao observadas
macroscopicamente. Entretanto, existe uma determinada opcao de troca de
energia entre os sistemas que tem maior probabilidade de ocorrer, e esta au-
menta muito rapidamente a medida que o tamanho dos sistemas aumenta, de
tal maneira que, no limite N → ∞, a configuracao de troca de energia mais
provavel e a unica que pode ser observada macroscopicamente. Se formos es-
colher por sorteio como sera a troca de energia, a chance de ocorrer qualquer
65CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann
troca que nao seja a mais provavel e desprezıvel. Boltzmann partiu dessa
observacao para formular as bases do que conhecemos como Mecanica Es-
tatıstica atualmente. Sua formulacao baseou-se na Mecanica Classica, ja que
era a teoria vigente na epoca, mas pode ser estendida para sistemas atomicos,
descritos pela Mecanica Quantica. Nesta aula veremos a formulacao dessa
hipotese e como ela pode ser usada na solucao de problemas, estabelecendo
a conexao entre a descricao estatıstica e a termodinamica.
A hipotese fundamental de Boltzmann
Vamos recordar o exemplo que examinamos na Aula 4, dos dois sis-
temas, S1 e S2, formados por momentos magneticos uniaxiais postos em
contato termico um com o outro. O sistema S1 tinha N1 = 10 momentos
magneticos e energia inicial E1 = −4B (supondo a existencia de um campo
magnetico B aplicado), e S2, N2 = 8 e E2 = −6B. A energia do sistema com-
binado formado pelos dois e E = −10B e e mantida constante por isolamento
termico com o meio externo. A partir do momento em que S1 e S2 podem
trocar energia entre si, suas energias finais podem assumir uma serie de va-
lores, sempre somando E = −10B. O macroestado do sistema combinado,
definido pela energia E = E1 + E2, e por N = N1 + N2 tem multiplicidade
g(E, N). Estes g(E, N) microestados podem ser classificados pelos novos val-
ores de E1 e E2 ou, de forma equivalente, pela troca de energia entre S1 e S2.
No exemplo especıfico considerado, havia g = 3060 microestados possıveis
para o sistema combinado, sendo que existiam 5 possibilidades de troca de
energia, cada uma correspondendo a uma serie de configuracoes de escolha
dos momentos positivos e negativos em cada subsistema, como resumido nas
tabelas 4.4 e 4.5. Imaginamos um sorteio com bolinhas rotuladas com um
numero de 1 a 5, com relacao as possıveis trocas de energia. Terıamos 560
bolinhas com o numero 1, 1260 com o numero 2, 960 com o numero 3, 210
com o numero 4, e 70 com o numero 5. Vamos seguir pensando nesse sorteio
da seguinte forma: temos uma maquina que sorteia uma bolinha a cada ∆t
segundos, mostra a bolinha sorteada num visor, e a retorna a urna. Essa
maquina fica la fazendo os sorteios por um longo tempo. Se ficarmos obser-
vando o visor, a maior parte do tempo ele mostrara a bolinha de numero 2.
A bolinha de numero 3 apareceria bastante tambem, mas se os valores de N1
e N2 fossem muito grandes, haveria uma bolinha que apareceria muito mais
que as outras. Praticamente a qualquer momento que observassemos o visor,
verıamos essa bolinha. Essa maquina fazendo o sorteio e uma imagem da
CEDERJ 66
Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5
maneira como Boltzmann interpretou estatisticamente o equilıbrio termico.
Vamos ver como formula-la de forma mais geral.
Partimos de um sistema qualquer com N partıculas em equilıbrio ter-
mico, isolado do meio externo, no macroestado de energia E. Esse macroes-
tado tem multiplicidade g(E, N). Chamamos de estados acessıveis a qual-
quer um destes g(E, N) microestados compatıveis com os dois vınculos im-
postos, que sao o numero de partıculas e a energia que devem permanecer
constantes. Boltzmann imaginou que sempre haveria uma interacao resid-
ual entre as partıculas do sistema, responsavel por fazer com que este fique
constantemente passando de um microestado a outro. No sistema modelo
que estamos estudando, terıamos momentos magneticos aleatoriamente al-
ternando entre s = +1 e s = −1. Nesta visao o equilıbrio termico corre-
sponde a ter o sistema visitando todos os seus estados acessıveis. A hipotese
fundamental de Boltzmann diz que, no equilıbrio, o tempo dedicado a cada
microestado acessıvel e identico, e assim pode-se dizer que todos os microes-
tados acessıveis sao igualmente provaveis, ou que as probabilidades para os
microestados obedecem a uma distribuicao uniforme definida como
PE(j) =1
g(E, N), (5.1)
onde j e o ındice de um microestado do macroestado de energia E e mul-
tiplicidades g(E, N). No exemplo especıfico examinado na Aula 4 terıamos
PE = 1/3060.
Esta hipotese tem uma consequencia importante no que diz respeito
a medidas experimentais. Normalmente um processo de medicao envolve a
tomada de valores em momentos distintos, de uma unica amostra, seguida de
um processo de promediacao, onde o valor medio e a variancia sao calcula-
dos. Esse procedimento esta ilustrado na figura 5.1(a). Nesse caso, estamos
tomando uma media temporal, ja que os valores usados referem-se a instantes
diferentes. Os valores medios necessarios a formulacao termodinamica sao
provenientes de uma media estatıstica, obtida por medidas feitas em sistemas
equivalentes. Na Figura 5.1(b) podemos ver como ela pode ser formalmente
obtida. A hipotese de Boltzmann garante que as duas medias sao iguais no
equilıbrio, se o tempo de observacao referente a media temporal for grande
o suficiente.
67CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann
intervalo de medida
X1
X2
Xg
Figura 5.1: (a) Um sistema fechado e observado por um determinado inter-
valo de tempo ∆t. Varias medidas de X sao feitas durante esse intervalo, e a
media aritmetica delas e o que chamamos de media temporal. Em geral, este
e o procedimento adotado nos processos de medicao. (b) O procedimento
descrito aqui e apenas formal e ilustra o tipo de media que e definida pela es-
tatıstica. O sistema esta num macroestado de multiplicidade g. Sao feitas g
copias do sistema, cada uma em um dos microestados acessıveis. A grandeza
X e medida em cada copia. A media aritmetica e tomada, e o valor final e o
que chamamos de media estatıstica. A hipotese de Boltzmann garante que
as duas medias sao equivalentes se ∆t for grande o suficiente e se o sistema
estiver em equilıbrio.
Conexao com a termodinamica
Queremos estudar o comportamento termodinamico de um sistema
fechado com energia E constante, composto por N partıculas. O termo
fechado significa que nao e pemitida a troca de energia ou partıculas com o
resto do universo. O ponto de partida e a definicao estatıstica de entropia,
Eq. (4.4), S(E, N) ≡ κ ln g(E, N). Ate este ponto, o valor de N pode ser
qualquer um. Para que a entropia definida estatisticamente seja equivalente a
CEDERJ 68
Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5
entropia termodinamica, devemos tomar o limite termodinamico de S. Como
explicado na Aula 4, com esse limite, a configuracao de maior multiplicidade
sera a contribuicao dominante, e a chance de encontrar o sistema numa con-
figuracao diferente dessa e desprezıvel. Tomado o limite termodinamico,
usamos a definicao de temperatura, Eq. (4.6), para derivar a equacao de
estado E(T, N) para o sistema. Vamos entender como realizar esse calculo
mais uma vez estudando o sistema paramagnetico uniaxial.
Aplicacao: sistema paramagnetico uniaxial
Como aplicacao, vamos encontrar a relacao E(T, N) para o sistema
paramagnetico uniaxial descrito na Aula 2.
Usamos as definicoes da Aula 2 para escrever a energia como E = −MB,
onde M = N+ −N−. Note que essa definicao de energia implica que B tenha
dimensao de energia, ja que M e adimensional. O mais correto seria escrever
E = −Mm0B′, sendo m0 o momento magnetico de cada partıcula, e B ′ o
campo magnetico aplicado. O valor de m0 depende basicamente do material,
e sua variacao com a temperatura pode ser desprezada nesta aplicacao. Em
resumo, absorvemos o valor de m0 na variavel B, ou seja, B = m0B′. Assim,
M = −E/B, e a multiplicidade dada pela Eq. (2.5) pode ser escrita como
g(E, N) =N !
[
1
2
(
N − EB
)]
![
1
2
(
N + EB
)]
!(5.2)
Como faremos N → ∞ em seguida, devemos explicitar todas as dependencias
em N , presentes nas variaveis extensivas. Neste caso temos apenas uma
variavel extensiva, a energia. A escrevemos como E = Nε, sendo ε indepen-
dente de N . Obtemos
g(ε, N) =N !
[
N2
(
1 − εB
)]
![
N2
(
1 + εB
)]
!(5.3)
Usando a definicao de entropia obtemos
S
κ= lnN ! − ln
[
N
2
(
1 −ε
B
)
]
! − ln
[
N
2
(
1 +ε
B
)
]
! (5.4)
Agora tomamos o limite termodinamico e usamos a aproximacao de Stirling
69CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann
definida na equacao (3.15),
S
κ= N lnN − N (5.5)
−
[
N
2
(
1 −ε
B
)
]
ln
[
N
2
(
1 −ε
B
)
]
+
[
N
2
(
1 −ε
B
)
]
−
[
N
2
(
1 +ε
B
)
]
ln
[
N
2
(
1 +ε
B
)
]
+
[
N
2
(
1 +ε
B
)
]
= N ln 2 −N
2
(
1 −ε
B
)
ln(
1 −ε
B
)
−N
2
(
1 +ε
B
)
ln(
1 +ε
B
)
.
Assim, temos que
s(ε) = limN→∞
κ ln g
N(5.6)
= κ ln 2 −1
2
(
1 −ε
B
)
ln(
1 −ε
B
)
−1
2
(
1 +ε
B
)
ln(
1 +ε
B
)
.
So agora, depois de tomado o limite termodinamico, temos a entropia ter-
modinamica dada por S = Ns.
Usamos a definicao de temperatura para encontrar a equacao de estado
T (ε, N) como
1
T=
∂S
∂E=
∂s
∂ε=
κ
2Bln
(
1 −ε
B
)
−κ
2Bln
(
1 +ε
B
)
. (5.7)
Podemos inverter a expressao acima para obter ε(T, B) como
exp
(
2B
κT
)
=1 − ε/B
1 + ε/B⇒
ε
B=
exp(−B/κT ) − exp(B/κT )
exp(−B/κT ) + exp(B/κT ),
dando
ε(B, T ) = −B tghB
κTou E = −NB tgh
B
κT. (5.8)
Como a energia do sistema e da forma E = −MB, identificamos imediata-
mente
M(B, T ) = N tghB
κT. (5.9)
A expressao (5.9) e uma equacao de estado que da o comportamento magnetico
do sistema no nıvel macroscopico. O comportamento de M em funcao de
B/κT pode ser visto na figura 5.2(a). Dois regimes sao destacados: tempe-
raturas baixas (κT B) e altas (κT B). Note que so tem sentido definir
se uma temperatura e alta ou baixa se a comparamos com algum valor carac-
terıstico do sistema, neste caso e B/κ ou m0B′/κ. Vamos fazer este tipo de
analise em todos os sistemas que estudarmos. Para B κT , temos um com-
portamento praticamente linear. Isso pode ser visto facilmente se usamos a
CEDERJ 70
Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5
M/N M/N
Figura 5.2: Comportamento do momento magnetico M em funcao do campo
aplicado e da temperatura. (a) Quando κT B, M → ±N , ou seja, o
sistema se torna saturado para campos altos e temperaturas baixas. (b)
Mantendo T fixa, temos as isotermas, mostrando a saturacao para campos
altos (positivos e negativos) e um regime linear para campos baixos. Quanto
maior a temperatura, maior o campo necessario para saturacao.
expansao tgh x ≈ x−x3/3 para x 1 na equacao (5.9). Nesta aproximacao
temosM
N≈
B
κT−
1
3
(
B
κT
)3
. (5.10)
Neste caso |M | N indicando que varios momentos magneticos estarao,
orientados ao contrario do campo aplicado. Essas sao configuracoes de ener-
gia alta, portanto nao favoraveis em termos de minimizacao de energia. Por
outro lado tem multiplicidade elevada (entropia alta), ja que os valores de
N+ e N− nao sao muito diferentes. O contrario ocorre no regime de tempe-
raturas baixas, B κT . Neste caso |M | → N , e o sistema fica praticamente
saturado, com pouquıssima variacao de magnetizacao quando o campo e au-
mentado. Nesse regime ha grande predominancia de alinhamento paralelo
ao campo, portanto tanto a multiplicidade (entropia) quanto a energia sao
baixas.
Na regiao B κT e interessante quantificar a resposta do sistema a
variacoes do campo aplicado, com T constante atraves da susceptibilidade
magnetica isotermica, χT , que sera revista em Fısica da Materia Conden-
sada. Sua definicao e χT ≡(
∂M∂B
)
T. O subındice T indica que a variacao foi
isotermica. Podemos calcular χ como
χT =
(
∂M
∂B
)
T
=N
κT
[
cosh
(
B
κT
)]−2
. (5.11)
Normalmente estamos interessados no valor de χ para B = 0. Neste caso
71CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann
obtemos
χ0 =N
κT. (5.12)
Este resultado e conhecido como lei de Curie.
Conclusao
A base de toda a mecanica estatıstica e a hipotese fundamental de
Boltzmann, segundo a qual, num sistema que esta isolado do resto do uni-
verso, mantendo energia e numero de partıculas constante, todos os g(E, N)
microestados sao igualmente provaveis. Numa visao temporal, na qual o sis-
tema esta constantemente visitando todos os microestados compatıveis com
os valores de E e N impostos, essa hipotese significa que o sistema passa a
mesma quantidade de tempo em cada um dos microestados. Os microestados
compatıveis com E e N sao chamados estados acessıveis.
Quando tomado o limite termodinamico, a definicao estatıstica da en-
tropia pode ser usada para determinar a temperatura do sistema. Como
estamos fixando os valores de E e N , este metodo nos da T (E, N). Em
princıpio podemos inverter essa funcao e obter E(T, N), mas a ideia funda-
mental aqui e a de que o valor de temperatura e uma consequencia da escolha
inicial para E e N .
Atividade Final
(Objetivos 1 e 2)
Nas Aulas 10 e 11 estudaremos sistemas formados por osciladores quanticos
com mais detalhe. Por agora vamos simplesmente praticar a aplicacao da
hipotese de Boltzmann partindo diretamente da multiplicidade. Os nıveis
de energia de um oscilador harmonico unidimensional sao dados, a menos
de um termo constante, por ε = n~ω, onde n = 0, 1, 2 etc. Num sistema
com N osciladores desse tipo, a multiplicidade do macroestado de energia
E = M~ω, onde M =∑
i ni, e dada por
g(M, N) =(M + N − 1)!
(N − 1)!M !.
(a) Calcule a entropia S(E, N).
(b) Mostre que a energia do sistema, numa dada temperatura T , e dada por
E =N~ω
exp(
~ωκT
)
− 1
CEDERJ 72
Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5
Resposta comentada
(a) Partimos da definicao estatıstica de entropia: S = κ ln g. Para obter uma
expressao em funcao de E, e nao de M , usamos que M = E/~ω. Com isso
temos:S
κ= ln
(
E
~ω+ N − 1
)
! − ln (N − 1)! − ln
(
E
~ω
)
!
Aplicamos o limite termodinamico N → ∞, tambem implicando que E → ∞,
ja que E = Nε. Usamos a aproximacao de Stirling para os fatoriais de
numeros muito grandes. Nessa aproximacao temos:
S
κ=
(
E
~ω+ N − 1
)
ln
(
E
~ω+ N − 1
)
−
(
E
~ω+ N − 1
)
−(N − 1) ln(N − 1) + (N − 1) −
(
E
~ω
)
ln
(
E
~ω
)
+
(
E
~ω
)
Agora explicitamos a dependencia em N de todos os termos:
S
κ= N
(
ε
~ω+ 1 −
1
N
)
ln
[
N
(
ε
~ω+ 1 −
1
N
)]
− N
(
ε
~ω+ 1 −
1
N
)
−N
(
1 −1
N
)
ln
[
N
(
1 −1
N
)]
+ N
(
1 −1
N
)
−
(
Nε
~ω
)
ln
(
Nε
~ω
)
+
(
Nε
~ω
)
Temos que limN→∞(1/N) = 0. Usando isso, rearrumando e cancelando ter-
mos, chegamos a:
S
Nκ=
s
κ=
( ε
~ω+ 1
)
ln( ε
~ω+ 1
)
−ε
~ωln
ε
~ω
(b) Para calcular a energia partimos da definicao de temperatura: 1
T= ∂S
∂E=
∂s∂ε
:
1
κT=
1
~ωln
( ε
~ω+ 1
)
+( ε
~ω+ 1
) 1
~ω
1(
ε~ω
+ 1) −
1
~ωln
ε
~ω−
ε
~ω
1ε
~ω
Rearrumando e cancelando termos chegamos a:
~ω
κT= ln
(
ε/~ω + 1
ε/~ω
)
Esta expressao pode ser invertida para dar ε(T ):
ε =E
N=
~ω
exp(
~ωκT
)
− 1
73CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann
Resumo
Nesta aula voce aprendeu de que maneira Boltzmann fez a conexao
entre a Fısica Estatıstica e a Termodinamica em sistemas fechados. O ponto
de partida e considerar que um sistema fechado em equilıbrio termodinamico
visita todos os seus microestados com igual probabilidade. A conexao propri-
amente dita e estabelecida ao definirmos a entropia a partir da multiplicidade
do macroestado mais provavel. Usando a definicao estatıstica de entropia
podemos derivar todas as relac es termodinamicas do sistema. Aplicamos
essa ideia ao sistema paramagnetico uniaxial.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula estenderemos a formulacao de Boltzmann a sistemas
com T fixo, que estao em contato termico com um reservatorio.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, 1997, capıtulo 4.
CEDERJ 74
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6
Aula 6 - Sistemas com T constante: a
distribuicao de Boltzmann
Meta
Descrever estatiscamente o equilıbrio termico com um reservatorio a
temperatura constante e estabeler a conexao com a Termodinamica atraves
da definicao da funcao de particao.
Objetivos
Ao fim desta Aula voce devera ser capaz de:
1. calcular a probabilidade de ocorrencia de um determinado micro ou
macroestado, quando a temperatura e mantida constante;
2. calcular a funcao de particao;
3. utilizar a funcao de particao para obter informacoes sobre a termodinamica
do sistema e
4. demonstrar o princıpio da equiparticao da energia.
Pre-requisitos
Para o melhor entendimento desta aula voce deve rever algumas aulas
de Fısica 2A revisando os conceitos de energia interna (Aula 8), calor es-
pecıfico (Aula 9) e Primeira Lei da Termodinamica (Aula 10).
Introducao
O equilıbrio termico tratado ate agora considerava que a energia to-
tal ficava constante. Como no caso da troca de calor entre corpos dentro
de um calorımetro, neste caso nao temos controle sobre a temperatura final
de equilıbrio, ela e uma consequencia da escolha feita para os materiais que
compoem os corpos envolvidos, suas massas e temperaturas iniciais. Atraves
75CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann
da descricao microscopica, vimos que a temperatura de equilıbrio, ou a ener-
gia final de cada corpo, pode ser determinada pelo calculo da multiplicidade
da configuracao de troca de energia mais provavel. Vimos tambem que, no
limite termodinamico, a configuracao mais provavel domina completamente,
sendo desprezıvel a probabilidade de encontrar o sistema em qualquer outra
configuracao. Dizemos, neste caso, que observamos o equilıbrio num sistema
em que a energia foi controlada e a temperatura foi deixada livre para flutuar.
Verificamos que essas flutuacoes tornam-se muito pequenas a medida que o
tamanho do sistema aumenta, fazendo com que a temperatura de equilıbrio
seja bem definida. Do ponto de vista experimental o controle da temperatura
e mais conveniente em inumeras situacoes. Mesmo em nossa vida do dia a
dia temos facil acesso a temperatura de uma forma geral, seja a temperatura
do ambiente ou a de alguem com suspeita de febre. O comportamento de
sistemas em funcao da temperatura e algo que sempre se deseja conhecer,
por isso existem equipamentos projetados para o controle da temperatura
de um sistema, permitindo um estudo de suas propriedades em funcao da
temperatura. Assim, vamos buscar uma descricao estatıstica sob esse ponto
de vista.
Repetimos o procedimento da Aula 4, ou seja, consideramos um sis-
tema combinado, com duas partes identificaveis, isolado do meio externo.
A diferenca agora e que uma das partes e muito maior que a outra, e sera
chamada reservatorio. A figura 6.1 mostra uma representacao dessa con-
figuracao. A parte menor recebera o nome de sistema simplesmente, e e nela
que estamos interessados. A energia total, E0, e mantida constante, e depois
que o equilıbrio termico foi atingido, temos que a energia do sistema e ε e a
do reservatorio, E0 − ε. As perguntas agora sao: Como determinar a ener-
gia do sistema depois que o equilıbrio termico for atingido? Ja que estamos
controlando a temperatura, em que condicoes a energia sera uma grandeza
bem definida, ou seja, em que circunstancias as flutuacoes de energia serao
desprezıveis?
A distribuicao de Boltzmann
Assim como no caso do equilıbrio termico descrito na Aula 4, devemos
admitir todos os possıveis valores para a energia do sistema. Um deles sera
mais provavel e, no limite termodinamico, esperamos que corresponda ao
estado de equilıbrio. Comecamos calculando a probabilidade Pj de que o
sistema esteja num determinado microestado dentro de todos os possıveis,
CEDERJ 76
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6
R S
E -0
e
e
Figura 6.1: Um sistema S em contato com um reservatorio termico R. A
fronteira de S permite que haja troca de energia com o reservatorio, e o
sistema combinado S + R esta isolado do meio externo, sendo a energia
total, E0, constante.
considerando todos os macroestados. Se o sistema esta num microestado
j de energia ε, o reservatorio estara no macroestado de energia E0 − ε e
multiplicidade gR(E0−ε). Note que o microestado j pode ocorrer estando Rem qualquer um de seus microestados de energia E0−ε. Seguindo a hipotese
fundamental de Boltzmann, de que no equilıbrio o sistema passeia por todos
os seu estados acessıveis, passando o mesmo tempo em cada um deles, temos
que o tempo em que ele estara no microestado j sera proporcional a gR, ou
seja, a probabilidade Pj sera proporcional a gR. Se j e um microestado do
macroestado de energia ε, temos entao
Pj(ε) = c gR(E0 − ε) , (6.1)
onde c e uma constante de proporcionalidade, a ser determinada por normal-
izacao. Como estamos interessados no limite termodinamico, estaremos li-
dando com valores de Pj que variam muito rapidamente dependendo do valor
de ε escolhido. Por isso e mais conveniente trabalhar com lnPj = ln c+ln gR.
Continuamos, usando o fato do reservatorio ser muito maior que o sistema,
significando que E0 ε, e de podemos expandir lnPj em serie, na forma
lnPj(ε) = ln c + ln gR(E0 − ε)
= ln c + ln gR(E0) − ε∂lngR∂E
∣∣∣∣E=E0
+ O(ε2) . (6.2)
Vamos considerar apenas ate o termo linear da expansao em serie. Podemos
identificar SR = κ ln gR como a entropia do reservatorio. Neste caso, usando
a definicao (4.6) de temperatura, temos que
lnPj(ε) = lnC − ε
κTR
ou Pj(ε) = C exp
(
− ε
κTR
)
, (6.3)
77CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann
sendo TR a temperatura do reservatorio, e C uma constante. Em princıpio
c 6= C porque ao truncarmos a serie, a normalizacao de Pj pode mudar.
Como no equilıbrio as temperaturas do sistema e do reservatorio serao iguais,
podemos abolir o ındice R adotado para a temperatura. A constante de
proporcionalidade deve ser determinada por normalizacao, somando-se as
probabilidades referentes a todos os microestados possıveis para S,
∑
j
Pj(εj) = C∑
j
exp(
− ε
κT
)
= 1 ⇒ C =1
∑
j exp(− ε
κT
) . (6.4)
Definimos entao
Z ≡∑
j
exp(
− εj
κT
)
(6.5)
o que leva a definicao de probabilidade para um dado microestado como
Pj(ε) ≡exp
(− εj
κT
)
Z. (6.6)
A funcao Z e chamada funcao de particao. As probabilidades definidas em
(6.6) compoem o que chamamos de distribuicao de Boltzmann. Chamamos
de fator de Boltzmann a exp(− εj
κT
). A soma em (6.5) e sobre todos os mi-
croestados dos sistema, portanto teremos varios termos iguais (os g(ε) termos
que pertencem ao mesmo macroestado). Podemos agrupa-los e escrever Z
em termos de uma soma sobre os macroestados como
Z ≡∑
ε
g(ε) exp(
− ε
κT
)
. (6.7)
Com isso, a probabilidade de um determinado macroestado e
P (ε) ≡ g(ε) exp(− ε
κT
)
Z(6.8)
A Figura 6.2 mostra o comportamento do fator de Boltzmann em funcao
da energia e da temperatura, separadamente. No primeiro caso vemos que,
quanto mais baixa a temperatura, menor e a probabilidade de ocupacao de
microestados de energia elevada. Se agora fixamos a energia do microes-
tado, vemos que microestados de energia elevada tem uma chance razoavel
de ocupacao apenas se aumentamos a temperatura.
Atividade 1
(Objetivo 1)
A diferenca de energia entre estados eletronicos e medida em eV, entre esta-
dos nucleares, em MeV= 106 eV, e entre estados subnucleares, em GeV= 109
CEDERJ 78
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6
Figura 6.2: Comportamento do fator de Boltzmann em funcao da (a) energia,
em meV e (b) temperatura em K.
eV. A que temperaturas as excitacoes eletronicas, nucleares e subnucleares
serao relevantes?
Resposta comentada
Se temos dois microestados com energias ε e ε + ∆, a distribuicao de Boltz-
mann nos diz que a probabilidade relativa de ocupacao deles e dada por
P (ε + ∆ε)
P (ε)=
exp[−β(ε + ∆ε)]
exp(−βε)= exp(−β∆ε) . (6.9)
Assim, para um dado valor de ∆ε, quanto maior for a temperatura (menor
β), maior a probabilidade da partıcula ocupar o microestado com energia
ε + ∆ε. De uma forma geral, dizemos que quando κT > ∆ε a ocupacao do
microestado de energia ε + ∆ε torna-se relevante. Vamos, entao, calcular
a temperatura T = ∆ε/κ acima da qual as excitacoes com energia ∆ε tem
chance razoavel de ocorrer, para os processos dados.
estados eletronicos: ∆ε = 1eV → Te ≈ 1,6×10−19J1,4×10−23 J/K
≈ 104 K
estados nucleares: ∆ε = 106 eV → TN ≈ 1010 K
estados subnucleares (quarks): ∆ε = 106 eV → TQ ≈ 1013 K
Fim da atividade
79CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann
A expressao (6.8) e especialmente util quando a energia e uma variavel
contınua. Esse e o caso de sistemas classicos, e de alguns sistemas quanticos,
no limite termodinamico. Se ε e uma variavel contınua, a soma e substituıda
por uma integral na forma
Z =
∫
exp(
− ε
κT
)
D(ε)dε , (6.10)
onde D(ε) e o que chamamos densidade de estados, e D(ε)dε e a multiplici-
dade referente ao intervalo de energia ε → ε + dε.
Podemos usar (6.6) ou (6.8) para calcular os valores medios de grandezas.
Por exemplo, seja uma grandeza definida pela funcao f(ε), seu valor medio
e dado por
〈f〉 ≡∑
j f(εj) exp(− εj
κT
)
Z, (6.11)
ou
〈f〉 ≡∑
ε f(ε)g(ε) exp(− ε
κT
)
Z. (6.12)
O efeito das flutuacoes
O efeito das flutuacoes de energia pode ser estudado pelo calculo da
variancia da distribuicao de Boltzmann. Usando a definicao (6.11) de valor
medio temos
σ2E ≡ 〈E2〉 − 〈E〉2 =
∑
j E2j exp
(
−Ej
κT
)
Z−
∑
j Ej exp(
−Ej
κT
)
Z
2
. (6.13)
A combinacao 1/κT aparece tantas vezes nos calculos de fısica estatıstica,
que torna-se conveniente defini-la como uma variavel. Usualmente usamos a
letra β para isso. Com essa definicao, a funcao de particao fica escrita como
Z =∑
j exp(−βE). Agora, note a seguinte igualdade:
∂Z
∂β= −
∑
j
E exp(−βE) . (6.14)
Com ela podemos reescrever 〈E〉 e 〈E2〉 como
〈E〉 = − 1
Z
∂Z
∂β= Eint e 〈E2〉 =
1
Z
∂2Z
∂β2. (6.15)
Assim,
σ2E =
1
Z
∂2Z
∂β2−(
1
Z
∂Z
∂β
)2
=∂
∂β
(1
Z
∂Z
∂β
)
= −∂〈E〉∂β
= κT 2∂〈E〉∂T
. (6.16)
CEDERJ 80
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6
〈E〉 e o valor de energia observado macroscopicamente, chamado de energia
interna na Termodinamica, ou Eint, se usamos a notacao da disciplina Fısica
2A. Se medimos varias vezes a energia interna de um sistema macroscopico
em equilıbrio, mantido a uma temperatura constante, obtemos sempre o
mesmo valor. No entanto, ao associarmos a energia interna ao valor medio
da energia de um sistema, estamos admitindo que ele possa ter varios valores
de energia, tendo cada um a probabilidade P (E) de ocorrer, de acordo com
a expressao (6.8). Para que o valor observado de energia seja bem definido, e
necessario que σE/N seja um valor muito pequeno. Normalmente a energia
e escrita em funcao das variaveis extensivas, como por exemplo o volume.
Chamando de X a variavel extensiva que foi mantida constante, temos que
a derivada da energia interna com relacao a temperatura e CX (capacidade
termica a X constante). Definindo o calor especıfico cX como CX/N , temos
que
σ2E = κT 2NcX , (6.17)
ou seja, a flutuacao relativa dos valores de energia e
σE
N=
√κT 2cX√
N, (6.18)
o que significa que, sendo cX finito, σE/N → 0 quando N → ∞, quer dizer,
a energia se torna bem definida no limite termodinamico, embora tenha sido
permitido que assumisse qualquer valor.
Atividade 2
(Objetivos 1 e 2)
Um ziper tem N elos, cada um pode estar no estado fechado com energia
0, e aberto com energia ε. O ziper so pode ser aberto a partir do extremo
esquerdo, e o i-esimo elo so pode estar aberto se os elos a sua esquerda estao
abertos.
(a) Mostre que a funcao de particao deste sistema pode ser somada para dar:
Z =1 − exp[−β(N + 1)ε]
1 − exp(−βε)(6.19)
Dica: Mostre que∑N
n=0 xn = 1−xN+1
1−xpara x < 1.
(b) No limite ε κT , calcule o numero medio de elos abertos a temperatura
T .
Resposta comentada
(a) Os possıveis valores de energia sao: E = 0, ε, 2ε . . . Nε, ou seja, E =
nε, n = 0, 1 . . . N . Como o zıper so pode ser aberto a partir do extremo
81CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann
esquerdo e o i-esimo elo so pode estar aberto se os elos a sua esquerda tambem
estiverem, a multiplicidade do macroestado de energia E e g(E, N) = 1.
Escrevemos a funcao de particao:
Z =N∑
n=0
exp(
− nε
κT
)
=N∑
n=0
[
exp(
− ε
κT
)]n
.
Para realizar a soma, vamos seguir a dica. Comecamos por mostrar que∑
∞
n=0 xn = 1/(1 − x) para x < 1. Note que
∞∑
n=0
xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . (6.20)
e
x
∞∑
n=0
xn = x + x2 + x3 + . . . (6.21)
Subtraindo (6.21) de (6.20) temos
(1−x)∞∑
n=0
xn = 1 + x + x2 +x3 + . . .− x−x2 − x3 . . . = 1 ⇒∞∑
n=0
xn =1
1 − x
(6.22)
Queremos uma expressao para a soma ate N . Podemos obte-la se observamos
que
N∑
n=0
xn =
∞∑
n=0
xn −∞∑
n=N+1
xn =
∞∑
n=0
xn − xN+1
∞∑
n=0
xn
=(1 − xN+1
)∞∑
n=0
xn =1 − xN+1
1 − x(6.23)
Assim, identificando x ≡ exp(− ε
κT
)temos
Z =1 − exp
[
− (N+1)εκT
]
1 − exp(− ε
κT
) (6.24)
(b) Usamos a definicao de media para um sistema a temperatura constante:
〈n〉 =
∑∞
n=0 n exp(− nε
κT
)
Z(6.25)
Quando ε κT temos que x ≡ exp(− ε
κT
)e um numero muito pequeno, tal
que x x2 x3 e assim por diante. Nesta aproximacao temos
∞∑
n=0
nxn = 0 + x + 2x2 + 3x3 + . . . ≈ x (6.26)
CEDERJ 82
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6
e
Z =1 − xN+1
1 − x≈ 1
1 − x≈ (1 + x) , (6.27)
onde usamos a aproximacao (1 + x)m ≈ 1 + mx valida para x 1. Logo
〈n〉 ≈ x
1 + x=
exp(− ε
κT
)
1 + exp(− ε
κT
)
Conexao com a Termodinamica
Assim como na discussao do equilıbrio termico feita na Aula 5, o fato
de termos a variavel livre assumindo valores termodinamicos bem definidos
quando N → ∞, esta relacionado com a existencia de um termo predomi-
nante em (6.7). A multiplicidade e sempre uma funcao crescente da energia,
e o fator de Boltzmann decresce com o aumento da energia, o produto de
funcoes com esses comportamentos acaba gerando uma funcao que apresenta
um pico. Assim, quando escrevemos Z na forma (6.7) temos a certeza de que
existe um termo maximo, ou dominante. Este comportamento sera acentu-
ado quando fizermos N → ∞. Vamos considerar que, nesse limite, a soma
em Z possa ser substituıda pelo maior termo apenas. Se usamos a definicao
de entropia em funcao da multiplicidade, podemos escrever g(E) = exp(S/κ)
e
Z =∑
E
exp [−β(E − TS)] . (6.28)
Para um dado valor de temperatura, o maior termo do somatorio (termo
dominante) corresponde ao que tem o menor valor de E−TS. Considerando
que quando N → ∞ este e o unico termo importante, temos
limN→∞
Z = exp [−β min(E − TS)] . (6.29)
Definimos a funcao F tal que
F ≡ limN→∞
−κT lnZ = min(E − TS) . (6.30)
Com essa definicao a funcao de particao, no limite termodinamico, pode ser
escrita como
Z = exp(−βF ) . (6.31)
Aqui podemos fazer as seguintes identificacoes, validas apenas no limite
termodinamico: E → 〈E〉 = Eint. Esse procedimento e possıvel pelo fato de
σE/N → 0 no limite termodinamico, como acabamos de ver. Com essa
substituicao concluımos que, no limite termodinamico, a configuracao de
83CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann
troca de energia mais provavel, que corresponde ao termo dominante da
funcao de particao, e aquela que minimiza a quantidade F = Eint−TS. Note
que a medida que T e fixa, F e diminuıdo se Eint diminui, ou se S aumenta.
A grosso modo, quando T for baixa, o termo TS e pouco importante, e o
criterio de diminuicao de energia sera predominante. Um caso extremo e
o em que T = 0, onde apenas a minimizacao da energia define o equilıbrio.
Esta e exatamente a situacao dos sistemas regidos pela Mecanica (classica ou
quantica). Por outro lado, se a temperatura e alta o suficiente, a maximizacao
da entropia sera o principal criterio. De uma forma geral, o comportamento
termico dos sistemas e regido pela competicao entre minizacao de energia e
maximizacao de entropia.
A funcao F (X, T, N) define o que chamamos energia livre de Helm-
holtz. A estrutura da Termodinamica esta baseada na definicao de energias
livres, ou potenciais termodinamicos, adequados a situacoes que refletem a
realidade experimental. Existem outras energias livres definidas para os casos
em que outras variaveis de estado sao mantidas sob controle. O estudo dessa
interessantıssima estrutura matematica esta fora do escopo desta disciplina.
Se voce tem interesse, sugiro que consulte a leitura complementar indicada
no final desta aula.
Interpretacao estatıstica da Primeira Lei da Termodinamica
Vamos considerar um sistema hipotetico, bem simples. Temos N = 10
partıculas que podem ocupar 4 nıveis de energia nao degenerados, com ener-
gias ε1 . . . ε4, como indicado na figura 6.3. Se T = 0, nao havendo restricao
para a ocupacao dos nıveis, o criterio de minimizacao de energia leva ao es-
tado fundamental onde E = Nε1. Para T 6= 0 a probabilidade de ocupacao
dos nıveis superiores aumenta. Observando a expressoes (6.6) e (6.8) e a
figura 6.2 vemos que o aumento da temperatura faz com que a probabilidade
de ocupacao dos nıveis de energia mais elevada aumente. Numa dada tem-
peratura, podemos escrever a energia total do sistema como E =∑4
i=1 ηiεi.
As variaveis ηi definem o que chamamos de ocupacoes, elas dao o numero de
partıculas em cada nıvel de energia. No caso da figura 6.3(b) temos η1 = 5,
η2 = 3, η3 = 0, η4 = 2. Podemos obter valores diferentes de E se variamos as
ocupacoes ηi, ou se variamos os valores dos εi. O primeiro caso esta ilustrado
nas figuras 6.3(b) e (c). Em geral teremos os nıveis de energia dependendo de
uma variavel extensiva X, como o volume. Se X e variado, mantendo fixas
as ocupacoes, os valores dos εi mudam e a energia total do sistema varia
CEDERJ 84
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6
e1
e2
e3
e4
e1
e2
e3
e4
e1
e2
e3
e4
T = 0 T > 01
T > T2 1
(a) (b)
(c)
(d) T3
e1
e2
e3
e4
Figura 6.3: Representacao grafica da ocupacao de nıveis de energia. (a)T =
0, prevalece o criterio energetico, todas as partıculas tem a menor energia
possıvel. (b) Numa temperatura T1 > 0 nıveis de energia mais elevada pas-
sam a ser ocupados. (c) O sistema recebeu calor, com relacao a configuracao
(b). A energia aumenta porque algumas partıculas foram promovidas a nıveis
mais elevados. (d) Com relacao a (b), esta configuracao teve a energia au-
mentada pelo aumento de ocupacao de nıveis mais elevados e pelo aumento
no valor das energias dos nıveis. Com relacao a (c), o aumento de energia se
deveu apenas ao aumento dos valores de εi, ja que as ocupacoes permanece-
ram constantes.
(veja a figura 6.3(d)). Essas duas contribuicoes podem ser identificadas se
calculamos a variacao total de energia. Temos
E =4∑
i=1
ηiεi ⇒ dE =4∑
i=1
(εidηi + ηidεi) (6.32)
No primeiro termo de dE a variacao das ocupacoes leva a um aumento na
multiplicidade do macroestado ou, do ponto de vista termodinamico, um
aumento de entropia, causado por troca de calor. O segundo termo resultou
da variacao de X, ou seja, corresponde a realizacao de trabalho. Assim
no limite termodinamico, temos dE = d′Q + d′W , que nada mais e que a
Primeira Lei da Termodinamica.
85CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann
O princıpio da equiparticao de energia
Um dos resultados mais interessantes da distribuicao de Boltzmann e
sem duvida o princıpio da equiparticao de energia. Embora seja valido ape-
nas nos regimes de temperatura alta, sua simplicidade reflete exatamente o
espırito que permeia a fısica de um modo geral, de isolar apenas o que e
fundamental em um sistema. Como visto na Aula 8 de Fısica 2A, no lim-
ite termodinamico, em sistemas regidos pela Mecanica Classica, cada termo
quadratico de energia contribui com κT/2 para a energia interna do sistema.
Agora podemos calcular esse resultado.
Suponha um sistema com N partıculas, cuja energia seja dada por
E =
N∑
i=1
∑
j=1
ai,jα2i,j . (6.33)
Definimos ` como o numero de termos independentes, ou numero de graus
de liberdade. Os ai,j sao coeficientes, e αi,j sao variaveis que definem o mi-
croestado do sistema. Por exemplo, num gas com N moleculas de massa m,
a energia cinetica total e
E =N∑
i=1
(1
2mv2
i,x +1
2mv2
i,y +1
2mv2
i,z
)
(6.34)
sendo a velocidade da i-esima molecula dada por ~vi = vi,x x + vi,y y + vi,z z.
Neste caso identificamos ` = 3 (temos 3 termos de energia cinetica, referentes
ao movimento ao longo dos 3 eixos), α1 = vx, α2 = vy, α3 = vz e a = m/2
para todas as partıculas e graus de liberdade.
Sendo um sistema classico, as variaveis αi,j sao contınuas, portanto, a
funcao de particao e dada por
ZN =
∫
dα1,1
∫
dα1,2 . . .
∫
dαN,` exp
[
−βN∑
i=1
(∑
j=1
ai,jα2i,j
)]
(6.35)
ZN pode ser escrita como
ZN =N∏
i=1
∫
dαi,1 . . . dαi,` exp
(
−β∑
j=1
ai,jα2i,j
)
︸ ︷︷ ︸
≡Z1
= (Z1)N . (6.36)
Na equacao acima escrevemos a funcao de particao de N partıculas (ZN )
em termos da funcao de particao para uma partıcula (Z1). Isso foi possıvel
CEDERJ 86
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6
porque a energia total pode ser escrita como a soma das energias de cada
partıcula individual. Assim, ficamos reduzidos ao calculo de Z1. Podemos
simplificar ainda mais o problema se notamos que
Z1 =∏
j=1
∫ +∞
−∞
dαj exp(−βajα
2j
)=∏
j=1
√π
βaj
=
(π
βaj
)`/2
. (6.37)
Assim, obtemos
ZN =
(π
βaj
)N`/2
, (6.38)
onde usamos a equacao (). Usando a equacao (6.15) podemos calcular a
energia interna
Eint = − 1
Z
∂Z
∂β=
N`
2β= N`
κT
2. (6.39)
Atividade 3
(Objetivo 4)
Examine as expressoes para as contribuicoes de rotacao e vibracao da molecula
diatomica, na Aula 8 de Fısica 2A, compare-as com a expressao (6.33) iden-
tificando o valor de `, coeficientes ai,j e variaveis αi,j .
Resposta comentada
A energia interna referente apenas a rotacao da molecula diatomica e
Erot =N∑
i=1
1
2Ixiω
2x +
1
2Iyiω
2y
=
N∑
i=1
2∑
j=1
1
2Ijiω
2j j = x, y ,
onde Ixi e Iyi sao os momentos de inercia com relacao a dois eixos perpen-
diculares ao eixo molecular, e ωx e ωy sao as velocidades angulares referentes
a rotacao em torno desses eixos. Imediatamente identificamos: ` = 2 e
αij = Ii,j/2, levando a Erot = NκT .
Quanto a vibracao temos duas contribuicoes: uma da energia elastica
e outra de energia cinetica de vibracao. Sendo x0 a separacao de equilıbrio
entre os dois atomos na molecula, e vR a velocidade relativa entre eles ao
longo do eixo interatomico, temos
Evib =N∑
i=1
1
2mω2(x − x0)
2 +1
2mv2
R .
Temos assim dois graus de liberdade (` = 2) e os coeficientes relacionados a
eles sao α1 = 12ω2 e α2 = 1
2m. Finalmente, Evib = NκT .
87CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann
Conclusao
Tendo a temperatura regulada por um reservatorio termico, um sis-
tema macroscopico encontra seu equilıbrio na configuracao que minimiza
F = Eint − TS. Essa configuracao representa a competicao entre duas
tendencias: maximizar a entropia e minimizar a energia, a primeira sendo
mais importante no regime de temperatura alta e a segundo no de temper-
atura baixa.
O conhecimento do comportamento termico de um sistema com a tem-
peratura controlada pode ser feito a partir da funcao de particao, que e uma
soma sobre todos os possıveis microestados do sistema. Nesse procedimento
admitimos que os sistema esteja em qualquer microestado, atribuindo a ele
uma probabilidade que depende da temperatura e da energia do microes-
tado. E fundamental que fique claro que, so depois de aplicado o limite
termodinamico, poderemos realizar a conexao com a termodinamica, ja que,
apenas nesse caso, o estado final de energia fica bem definido.
Um ponto muito importante, e que nem sempre fica claro, e que pode-
mos escolher fixar a energia ou a temperatura. O comportamento obser-
vado macroscopicamente nao depende de que abordagem estatıstica usamos.
Podemos escolher a que for mais conveniente em cada problema que fomos
resolver. O que garante a equivalencia entre as diferentes abordagens e o
limite termodinamico.
Resumo
Nesta aula voce aprendeu a trabalhar com sistemas mantidos a uma
temperatura fixa a partir da probabilidade de ocorrencia de micro e macroes-
tados, conhecida como distribuicao de Boltzmann. O ponto de partida e a
expressao da energia total das N partıculas, em geral, vinda da Mecanica
Quantica. A normalizacao dessa distribuicao leva a definicao de uma grandeza
de extrema importaancia na Fısica Estat´stica, a funcao de particao Z (vejas
as equacoes (6.6) e (6.8). , A partir de derivadas de Z toda a Termodinamica
do sistema pode ser derivada, se tomamos o limite termodinamico.
Nesta abordagem admitimos que o sistema visite todos os seus mi-
croestados que agora pertencem a diferentes macroestados. No limite ter-
modinamico, o macroestado mais provavel tambem e aquele que minimiza a
energia livre de Helmholtz, definida como F = E − TS. A minimizacao de
F envolve tanto a minimizacao da energia como a maximizacao da entropia,
CEDERJ 88
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6
podendo um efeito ser dominante em relacao ao outro, dependendo da tem-
peratura. Como aplicacao da distribuicao de Boltzmann calculamos o valor
medio da energia num sistema generico, com graus de liberdade quadraticos
e verificamos o princıpio da equiparticao de energia. A partir da definicao
estatıstica da entropia pudemos calcular a probabilidade de que um de ter-
minado microestado ocorra, dado um certo valor de temperatura. Da nor-
malizacao dessa probabilidade vem a definicao da grandeza central da Fısica
Estatıstica: a funcao particao. Nela esta toda a informacao estatıstica do
sistema e e o ponto de partida para todas as relacoes termodinamicas do
sistema.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula voce vai estudar a termodinamica do sistema param-
agnetico uniaxial, do pontro de vista da distribuicao de Boltzmann.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, 1997, capıtulo 5.
Atividade Final (Objetivos 1-3)
Considere um sistema que pode ser encontrado em dois estados, um
com energia 0 e outro com energia ε. A energia total de N partıculas pode
ser escrita em termos das ocupacoes ηi como
E =N∑
i=1
ηiε ,
onde ηi = 0, 1.
(a). Como podem ser identificados os macro e microestados das N partıculas?
(b). Calcule a funcao de particao do sistema.
(c). Calcule a energia interna a partir da funcao de particao.
(d). Escreva a expressao para a energia livre de Helmoltz total.
(e). A partir da energia livre, calcule a entropia do sistema.
89CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann
Resposta comentada
(a). Um macroestado de N partıculas corresponde a um dado valor de E.
Para cada E temos varias possibilidades de escolha para os valores de
η. Cada conjuntoη1, η2, . . . ηN define um microestado.
(b). Somar sobre os microestados significa somar sobre todas as possibili-
dades de escolha para os valores dos ηi. Formalmente temos
ZN =∑
η1
∑
η2
. . .∑
ηN
exp
(
−βN∑
i=1
ηiε
)
=∑
η1
∑
η2
. . .∑
ηN
exp (−βη1ε) exp (−βη2ε) . . . exp (−βηNε)
=∑
η1
exp (−βη1ε)∑
η2
exp (−βη2ε) . . .∑
ηN
exp (−βηNε)
=
[∑
η
exp (−βηε)
]N
= [1 + exp(−βε)]N
(c). Podemos usar a expressao (6.15) para calcular a energia interna
Eint = − 1
Z
∂Z
∂β= − 1
ZN [1 + exp(−βε)]N−1 (−ε) exp(−βε)
=Nε exp(−βε)
[1 + exp(−βε)].
(d). A energia livre de Helmholtz e dada por F = −κT lnZN . Assim,
F = −NκT ln [1 + exp(−βε)]
(e). Sabemos que F = Eint − TS, ou S = (Eint − F )/T . Assim, basta
substituir as expressoes para Eint e F .
CEDERJ 90
Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constanteMODULO 1 - AULA 7
Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a
T constante
Meta
Obter a equacao de estado de um sistema paramagnetico uniaxial a
partir de sua funcao de particao.
Objetivos
Ao final desta aula, voce deve ser capaz de:
1. calcular a funcao de particao para o paramagneto uniaxial atraves da
soma sobre micro ou macroestados;
2. encontrar as relacoes termodinamicas para um paramagneto uniaxial a
partir da funcao de particao;
3. entender como o calor especıfico esta relacionado com o espectro e a
ocupacao dos nıveis de energia do sistema.
Pre-requisitos
Reveja a estatıstica dos sistemas binario estudada na Aula 2 e a origem
experimental da equacao de estado do gas ideal explicada na Aula 6 de Fısica
2A.
Introducao
Neste momento e fundamental que voce tenha estudado a fundo todas
as aulas anteriores. Vamos ver uma serie de aplicacoes da estatıstica de
Boltzmann a sistemas fısicos na forma de modelos soluveis propostos por
diversos pesquisadores ao longo do seculo XX. Nesta aula, especificamente,
vamos obter a equacao de estado para o mesmo sistema estudado na Aula 5,
considerando agora que o solido paramagnetico esteja em equilıbrio com um
reservatorio a temperatura T . Nosso ponto de partida sera calcular a funcao
91CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constante
de particao para o sistema, primeiro usando a soma sobre microestados e
depois, sobre macroestados.
Soma sobre microestados
A energia do sistema e dada por
E = −B
N∑
i=1
σi , (7.1)
onde B e o campo magnetico externo e σi e uma variavel que pode ter
valores +1 e −1 se o momento magnetico da i-esima partıcula esta paralelo
ou antiparalelo ao campo externo, respectivamente (ver figura 2.1). Um
microestado qualquer das N partıculas e definido pelos valores de σ de cada
uma. As partıculas nao interagem entre si, isso significa que cada uma pode
ter σ±1 independentemente levando a um total de 2N microestados. A soma
sobre esses microestados e uma soma sobre os N valores de σ, na forma
ZN =∑
σ1=±1
∑
σ2=±1
. . .∑
σN=±1
exp
(
βB∑
i
σi
)
=∑
σ1=±1
∑
σ2=±1
. . .∑
σN=±1
∏
i
exp (βBσi)
=
[
∑
σ1
exp (βBσ1)
][
∑
σ2
exp (βBσ2)
]
. . .
[
∑
σN
exp (βBσN)
]
=
[
∑
σ
exp (βBσ)
]N
= ZN1
. (7.2)
ZN e a funcao de particao para as N partıculas e pode ser escrita em funcao
de Z1 que e a funcao de particao para uma unica partıcula. Esse tipo de
fatoracao simplifica enormemente o calculo da funcao de particao. Seguindo
em frente, temos
Z1 =∑
σ
exp (βBσ) = exp(+βB) + exp(−βB) = 2 cosh(βB) . (7.3)
Assim,
ZN = [2 cosh(βB)]N (7.4)
O momento magnetico medio por partıcula pode ser calculado de varias
maneiras. Comecamos pelo calculo direto usando Z1. Usando a definicao de
CEDERJ 92
Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constanteMODULO 1 - AULA 7
media termica, equacao (6.25, temos:
〈σ〉 =1
Z1
∑
σ
σ exp (βBσ)
=1
Z1
[(+1) exp (βB) + (−1) exp (−βB)]
=2senh(βB)
2 cosh(βB)= tgh(βB) . (7.5)
O momento magnetico total medio e entao 〈M〉 ≡ N〈σ〉 = Ntgh(βB), con-
cordando com o calculo feito considerando o sistema com energia constante
(equacao (5.9)). Aqui cabe uma explicacao sobre o uso do sımbolo 〈〉. As
grandezas macroscopicas tais como magnetizacao, volume, pressao etc, sao
sempre medias, para manter uma notacao simplificada o sımbolo de media
nao e usada no conext da Termodinamica. Na Aula 5, a partir da equacao
(5.7), estamos lidando com Termodinamica. Aqui, estamos calculando a
magnetizacao diretamente da funcao de particao, ou seja, calculando sendo
media termica. De fato, essa media so pode ser identificada com o valor
macroscopico depois de tomado o lomite termodinamico. Neste caso es-
pecıfico esse limite nao altera a expressao da magnetizacao.
Observando a expressao (7.5) vemos que 〈σ〉 pode ser calculado atraves
da derivada de Z1 com relacao a B, ou seja
∂Z1
∂B=∑
σ
βσ exp (βBσ) ⇒ 〈σ〉 =1
β
1
Z1
∂Z1
∂B=
1
β
∂lnZ1
∂B. (7.6)
Podemos usar a expressao do momento magnetico medio para calcular a
energia media, ou energia interna, ja que 〈E〉 = −〈M〉B. Para entender mel-
hor seu comportamento em funcao da temperatura, definimos o parametro
θ = B/κ com unidades de temperatura, que passa a ser um padrao de com-
paracao para a temperatura do sistema. A figura 7.1 mostra o grafico da
energia em funcao da temperatura. Em T = 0 o estado de equilıbrio corre-
sponde a ter todos os momentos magneticos alinhados com o campo, esta e
a situacao de menor energia. A medida que a temperatura aumenta, alguns
momentos magneticos passam a ter uma probabilidade diferente de zero de
estar antiparalelo ao campo. Quando a temperatura for muito alta (T θ)
a energia tende a seu valor maximo, que e zero. Isso corresponde a metade
dos momentos com alinhamento paralelo ao campo e metade antiparalelo.
Essa tambem e a configuracao de maxima entropia.
93CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constante
Figura 7.1: Energia para um paramagneto uniaxial, em funcao da temper-
atura. θ = B/κ e uma escala de temperatura natural para o sistema.
Soma sobre macroestados
Nesta abordagem, escrevemos a energia como
E = −B(N+ −N−) = −B [N+ − (N −N+)] , (7.7)
onde N+(N−) e o numero de momentos magneticos com alinhamento para-
lelo(antiparalelo) ao campo externo. A multiplicidade do macroestado e
g(N, N+) =N !
N+!(N − N+)!.
Temos entao
ZN =N∑
N+=0
N !
N+!(N − N+)!exp [βBN+] exp [−βB(N − N+)] (7.8)
=N∑
N+=0
N !
N+!(N − N+)![exp (βB)]N+ [exp (−βB)](N−N+)
Para realizar a soma usamos a expressao do binomio
(x + y)N =
N∑
n=0
N !
n!(N − n)!xnyN−n .
Identificando x = exp (+βB) e y = exp (−βB), temos
ZN = [exp (+βB) + exp (−βB)]N (7.9)
CEDERJ 94
Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constanteMODULO 1 - AULA 7
Conclusao
A simplicidade do sistema formado por paramagnetos uniaxiais serviu
para nos mostrar que a termodinamica de um determinado sistema pode ser
derivada de varias maneiras. Na Aula 5 consideramos que o sistema tinha
energia constante e agora, que a temperatura era constante. As relacoes
para energia, magnetizacao, ou qualquer outra grandeza macroscopica inde-
pendem de como realizamos nossos calculos.
A principal conclusao que devemos tirar depois destes calculos e que as
relacoes termodinamicas nao dependem de como tratamos o sistema, ou seja,
se consideramos a energia ou a temperatura constantes. No primeiro caso
fixamos o valor de energia deixando a temperatura livre. No segundo, fixamos
a temperatura e deixamos a energia livre. O limite termodinamico faz com
que as grandezas livres tenham distribuicoes muito bem definidas em torno
do valor mais provavel, que e o observado macroscopicamente. Do ponto
de vista analıtico, muitas vezes e mais facil considerar que a temperatura
foi mantida sob controle, por isso o metodo da distribuicao de Boltzmann e
usado com muita frequencia.
Atividade Final
(Objetivos 2 e 3)
(a) Mostre que o calor especıfico para o sistema paramagnetico uniaxial e
dado por
c = κ
(
B
κT
)2 [
cosh
(
B
κT
)]
−2
(7.10)
(b) Esboce o grafico do calor especıfico em funcao da temperatura para os
mesmos valores θ = B/κ usados na figura 7.1. Explique fisicamente o com-
portamento do calor esepcıfico para temperaturas T θ e T θ.
Resposta comentada
(a) O calor especıfico mede a capacidade do sistema aumentar a sua energia
(ou entropia) com o aumento de temperatura, o que pode ser feito atraves
de diversos processos. A convencao e que, quando nada e dito, estamos nos
referindo ao calor especıfico definido como
c =dEint
dT= T
∂S
∂T(7.11)
95CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constante
A energia energia interna para o sistema pode ser escrita como Eint =
−N〈σ〉B, portanto temos que
c =1
N
∂Eint
∂T= −B
∂〈σ〉∂T
Usando a expressao para 〈σ〉 ja calculada, obtemos a expressao desejada.
(b) A figura 7.2 mostra o comportamento do calor especıfico para os valores
de θ especificados. Examinando a figura 7.1 notamos que a energia tende a
Figura 7.2: (a) Calor especıfico para um paramagneto uniaxial, em funcao da
temperatura. θ = B/κ e uma escala de temperatura natural para o sistema.
um valor limite quando T → ∞, logo o calor especıfico deve ir a zero quando
T aumenta muito, ja que e sua derivada. Esse comportamento e chamado e
anomalia Schottky. O termo anomalia refere-se ao comportamento distinto
do observado nos gases, sistemas para os quais a energia pode aumentar
sem limites. Todos os sistemas com um numero finito de nıveis de energia
apresenta esse maximo na curva de calor especıfico.
Resumo
Nesta aula pudemos aplicar diretamente a distribuicao de Boltzmann
para encontrar o comportamento termico macroscopico de um sistema para-
magnetico uniaxial. O calculo da funcao de particao foi simples por que foi
possıvel calcular a funcao de particao para uma partıcula apenas. A par-
tir dela calculamos as grandezas macroscopicas, tais como magnetizacao e
energia por partıcula.
CEDERJ 96
Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constanteMODULO 1 - AULA 7
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula veremos mais uma aplicacao. O sistema a ser estudado
e o gas ideal classico.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, capıtulo 5.
97CEDERJ
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico
no regime classico
Meta
Apresentar as principais propriedades termicas de um gas de partıculas
livres no regime classico.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. perceber em que situacoes podemos aproximar a soma na funcao de
particao para uma integral;
2. verificar como a indistinguibilidade das partıculas afeta a contagem de
microestados e a extensividade de algumas grandezas termodinamicas;
3. calcular a densidade de estados para o gas ideal;
4. calcular a funcao de particao, a entropia e a energia livre de Helmholtz
para o gas ideal no regime classico;
5. estabelecer a equacao de estado para o gas a partir da funcao de
particao.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce esteja familiarizado com a funcao de onda
e espectro de energia de uma partıcula numa caixa tridimensional, assunto
coberto pelas Aulas 17 e 18 de Introducao a Mecanica Quantica. Alem disso
voce deve rever a origem experimental da equacao de estado do gas ideal e a
definicao de calor especıfico nas Aulas 6 e 10 de Fısica 2A, respectivamente.
Usaremos, tambem, os resultados para integrais gaussianas expostos na Aula
3.
Introducao
Na Fısica 2A voce estudou o gas ideal do ponto de vista da Ter-
modinamica, descrevendo-o atraves das variaveis macroscopicas pressao, vo-
99CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico
lume e temperatura. A funcao que relaciona essas variaveis (equacao de
estado) e obtida, nessa abordagem macroscopica, a partir de observacoes ex-
perimentais. Nesta aula queremos chegar a essa equacao de estado a partir
da descricao microscopica, usando a distribuicao de Boltzmann.
O termo classico usado aqui refere-se ao regime de altas temperaturas,
ou baixa densidade, no qual a superposicao entre as funcoes de onda das
partıculas e desprezıvel e para o qual vale o princıpio da equiparticao. Os
primeiros calculos estatısticos do gas ideal foram realizados antes da Mecanica
Quantica; usaram, portanto, a expressao classica para a energia cinetica de
cada partıcula. Esse calculo tem serios problemas dimensionais a comecar
pela funcao de particao que nao e adimensional como deveria. Esses prob-
lemas so puderam ser corrigidos quando a energia do sistema passou a ser
dada pela Mecanica Quantica. Nesta aula iremos direto ao modelo quantico.
Um calculo bastante detalhado usando a energia classica pode ser visto no
livro Introducao a Fısica Estatıstica indicado como leitura complementar.
Partıcula livre numa caixa tridimensional
Nosso modelo para o gas ideal consiste de um conjunto de N partıculas
pontuais e nao interagentes, limitadas a um volume V = LxLyLz. Do ponto
de vista da Mecanica Quantica, o calculo da energia ε de uma partıcula e
feito a partir da equacao de Schrodinger estacionaria:
− ~2
2m∇2ψ(~r) + U(~r)ψ(~r) = εψ(~r) . (8.1)
O primeiro termo, envolvendo as segundas derivadas da funcao de onda ψ(~r),
da a energia cinetica da partıcula. U(~r) e o potencial a que ela esta sujeita.
O problema que queremos resolver corresponde ao seguinte potencial
U(x, y, z) = ∞ |x| ≥ Lx
2, |y| ≥ Ly
2, |z| ≥ Lz
2
= 0 |x| < Lx
2, |y| < Ly
2, |z| < Lz
2
que define a caixa de paredes instransponıveis que contem as partıculas do
gas. Este problema pode ser resolvido por separacao de variaveis porque o
movimento em cada direcao e completamente independente. A funcao de
onda tem a forma ψ(x, y, z) = ψx(x)ψy(y)ψz(z), sendo a funcao de onda
relativa a cada direcao uma onda plana, que pode ser escrita como uma
combinacao linear de senos e cossenos.
CEDERJ 100
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8
A energia da partıcula livre e dada por
ε =(~k)2
2m. (8.2)
Se a partıcula esta numa regiao sem limitacoes, ~k e irrestrito, e os valores
de energia tem um espectro contınuo. O fato de a partıcula estar confinada
a uma caixa, faz com que apenas certos valores de energia sejam possıveis.
Esta e exatamenta a mesma situacao que encontramos quando analisamos as
ondas estacionarias em uma corda de comprimento finito.
Devido a separacao de variaveis, basta resolver o problema unidimen-
sional, que e o mesmo para x, y ou z, neste caso. Escolhemos resolver para
x, por exemplo. A forma de U requer que a funcao de onda se anule em
x = ±Lx/2. Escrevendo ψx(x) = A cos kxx + B sen kxx. Essa condicao de
contorno so pode ser satisfeita em qualquer instante de tempo se B = 0 e
kxLx/2 = nxπ/2, ou kx = nxπ/Lx, sendo nx um numero inteiro positivo nao
nulo. O mesmo calculo pode ser feito para as outras componentes. Final-
mente obtemos que a energia da partıcula deve ter a forma
ε =~
2
2m
( πn
V 1/3
)2
, (8.3)
onde n2 = n2
x + n2
y + n2
z, e nx, ny, nz = 1, 2 . . .. Sem perder a generalidade,
podemos escolher Lx = Ly = Lz = L, neste caso V = L3 e
ε =~
2
2m
(πn
L
)2
. (8.4)
Calculo da multiplicidade
De acordo com a expressao para a energia, equacao (8.4), o valor de n
pode ser usado para rotular o macroestado de uma unica partıcula. A mul-
tiplicidade desse macroestado vem da possibilidade de se obter um mesmo
n para diferentes escolhas de nx, ny e nz. Por exemplo, n =√
27 pode ser
obtido de 4 maneiras diferentes, com (nx, ny, nz) = (5,1,1), (1,5,1), (1,1,5)
e (3,3,3). Diferentemente da distribuicao binomial, nao podemos encontrar
uma expressao algebrica que nos de a multiplicidade relativa a cada n. En-
tretanto, estaremos sempre trabalhando com sistemas macroscopicos, o que
significa que L tem dimensoes macroscopicas e que o espacamento entre os
nıveis de energia e muito pequeno; tao pequeno, que podemos assumir uma
variacao contınua.
101CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico
Atividade 1
(Objetivo 1)
Estime a separacao entre nıveis de energia consecutivos do gas helio, contido
num volume de 1 cm3. Escreva o resultado em eV e em Kelvins.
Resposta comentada
Partimos da expressao para os nıveis de energia:
ε =~
2
2m
(πn
L
)2
.
Vamos calcular o espacamento entre os dois primeiros nıveis. O estado fun-
damental tem nx = ny = nz = 1, ou seja, n2 = 3. O proximo nıvel tera
n2 = 1 + 1 + 22 = 6. Assim o espacamento entre esses dois nıveis e
∆ε =3
2
~2
m
(π
L
)2
.
A massa de um atomo de helio e m ≈ 6, 6−27 kg. Vamos tomar um valor
macroscopico para L, 1 cm por exemplo. Obtemos
∆ε = 2, 48 × 10−37 J = 1, 5 × 10−18 eV .
Para obter a separacao em termos de temperatura estabelecemos a igualdade
∆ε = κT . O valor de T resultante e a separacao em Kelvins. Neste caso
resultado e T = 1, 8 × 10−14 K
fim da atividade
Isso significa que nx, ny e nz podem ser consideradas variaveis reais e que
a multiplicidade deve ser calculada considerando que a energia da partıcula
esta no intervalo entre ε e ε+ dε, ou que n esta entre n e n+ dn. A relacao
entre n e nx, ny e nz e a mesma do raio de uma esfera centrada na origem
dos eixos (nx, ny, nz). Assim, temos que o numero de estados com n menor
ou igual a n e 1/8 do volume da esfera de raio n (veja a figura 8.1), ou
N (n) =1
8
4πn3
3. (8.5)
A fracao 1/8 aparece porque queremos apenas nx, ny e nz > 0. Agora,
o numero de estados com n entre n e n + dn e dado pelo volume de 1/8 da
casca esferica de raio n e espessura dn, ou seja,
dN (n) =1
84πn2dn . (8.6)
As expressoes acima podem ser escritas em termos de ε se usamos (8.4).
Identificando V = L3, obtemos
N (ε) =V
6π2
(
2m
~2
)3/2
ε3/2 , (8.7)
CEDERJ 102
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8
dn
n
(a) (b)
Figura 8.1: Ilustracao da contagem de estados num gas em (a) tres e (b)
duas dimensoes. : figura (a) para ser feita pelo desenhista
e
dN (ε) =N (ε)
ε=
V
4π2
(
2m
~2
)3/2
ε1/2dε . (8.8)
Definimos agora a densidade de estados D(ε) como
D(ε) ≡ dNdε
=3N (ε)
2ε=
V
4π2
(
2m
~2
)3/2
ε1/2 . (8.9)
D(ε)dε e a multiplicidade do estado com energia entre ε e ε+dε. Assim, num
gas tridimensional, a multiplicidade aumenta com o aumento da energia.
Boxe de atencao
O termo densidade de estados e o adotado na fısica da materia condensada,
mas traz alguma ambiguidade no contexto da fısica estatıstica porque nao
fica claro se estamos tratando de micro ou macroestados. Por isso costuma-se
usar o termo densidade de orbitais em textos de fısica estatıstica. Por orbital
entende-se uma solucao da equacao de Schodinger para uma partıcula, nao
tendo relacao com a ideia de orbita. Assim, cada funcao de onda resultante
de se resolver o problema de uma partıcula livre numa caixa corresponde a
um orbital.
fim do boxe de atencao
Atividade 2
(Objetivo 3)
Uma realizacao bidimensional do gas ideal pode ser obtida se examinamos
os atomos de gas que sao adsorvidos por uma superfıcie. Adsorcao (que nao
deve ser confundida com absorcao) e o processo que ocorre quando moleculas
de um gas ou lıquido se acumulam na superfıcie de um solido, formando um
103CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico
filme muito fino. No processo de absorcao, as moleculas se difudem dentro
do solido. O filme adsorvido pode ser considerado um gas bidimensional ja
que as moleculas estao confinadas a uma superfıcie. Qual a densidade de
estados nesse caso?
Resposta comentada
A expressao (8.4) para a energia continua valida, so que agora n2 = n2
x + n2
y,
supondo que o gas esteja confinado a uma superfıcie paralela ao pla xy.
A figura 8.1(b)d mostra como a contagem da multiplicidade deve ser feita
num sistema bidimensional. Cada ponto corresponde a dados valores de nx
e ny. No limite contınuo, o numero de pontos numa dada regiao pode ser
aproximado pela area da mesma. Temos assim:
N (n) =1
4πn2 e dN (n) =
1
2πndn . (8.10)
O fator 1/4 aparece porque queremos apenas valores positivos para nx e ny.
Escrevendo em termos da energia, temos:
dN (ε) =V 2/3m
2π~2dε logo D(ε) =
V 2/3m
2π~2. (8.11)
Diferentemente do gas em tres dimensoes, no gas bidimensional a multiplici-
dade nao depende da energia.
fim da atividade
A contagem de estados num sistema de partıculas in-
distinguıveis
Na Aula 7 calculamos a funcao de particao para o paramagneto uniaxial
de duas maneiras. Na primeira usamos a soma sobre os microestados, que
acabou por relacionar ZN , a funcao de particao para as N partıculas, com
Z1, a relativa a uma partıcula, como
ZN = (Z1)N . (8.12)
A relacao (8.12) simplifica enormemente o calculo da funcao de particao,
porque em Z1 temos apenas que levar em conta a multiplicidade relativa
a forma da energia, e nao a relativa a divisao da energia total entre as
partıculas. Vejamos porque essa expressao implica na distinguibilidade das
partıculas. Considere o caso N = 3 para um sistema de dois estados (como
o do paramagneto uniaxial), com energias εx e εy. Definindo x ≡ exp(−βεx)
CEDERJ 104
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8
e y ≡ exp(−βεy) e usando os rotulos a, b e c para designar as partıculas,
temos
Z3 = (Za)(Zb)(Zc) = (xa + ya)(xb + yb)(xc + yc)
= xaxbxc + xaxbyc + xaybxc + xaybyc
+ yaxbxc + yaxbyc + yaybxc + yaybyc . (8.13)
Os termos correspondem a ter cada partıcula em um dos nıveis de energia.
Por exemplo, yaxbxc corresponde a partıcula a com energia εy, e as b e c
com energia εx. Assim, estamos assumindo que e possıvel distinguir qual
e a partıcula a, ou a b ou a c, o que pode ocorrer se as partıculas tiverem
posicoes fixas, como numa rede cristalina, que e em geral o caso dos materiais
com esse tipo de magnetismo. Vemos tambem que os estados xaxbyc xaxbyc e
xaybxc tem a mesma energia, igual a 2εx +εy, e por isso pertencem ao mesmo
macroestado. O mesmo acontece com os termos yaxbxc, yaxbyc e yaybxc, que
tem energia 2εy + εx. A expressao (7.9) mostra como calcular ZN agrupando
os termos por macroestados. Neste caso especıfico, terıamos
Z3 = x3+3x2y+3xy2+y3 = (Z1)3 para partıculas distinguıveis . (8.14)
Mas, e se as partıculas forem indistinguıveis? Esse e o caso dos atomos livres
num volume, como num gas. Nesse caso xaxbyc e xaybxc nao sao microestados
do mesmo macroestato, eles sao o mesmo microestado, e g(E) = 1. A funcao
de particao para as tres partıculas seria
Z3 = x3+x2y+xy2+y3 6= (Z1)3 para partıculas indistinguıveis . (8.15)
Considere agora um sistema com N partıculas e M nıveis de energia.
Neste caso a energia total e escrita como
E = η1ε1 + η2ε2 . . . ηMεM , (8.16)
onde os ηi sao as ocupacoes dos estados de energia εi, devendo obedecer ao
vınculo∑
i ηi = N . Se as partıculas forem distinguıveis, a multiplicidade do
macroestado com energia E e dada por
g(η1, η2, . . . ηM ) =N !
η1!η2! . . . ηM !, (8.17)
mas se forem indistinguıveis, g(η1, η2, . . . ηM) = 1. Assim, se usarmos a forma
(8.12) para calcular ZN num sistema de partıculas indistinguıveis, estaremos
com muitos termos sendo contados a mais. A proposta de Boltzmann para
105CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico
corrigir essa contagem excessiva foi dividir o produto (Z1)N pelo numero de
permutacoes possıveis com N partıculas, ou seja,
ZN =1
N !(Z1)
N, (8.18)
para partıculas indistinguıveis. Esta correcao so e exata nos termos em que
cada partıcula esta num nıvel de energia, ou seja, se os ηi forem todos iguais
a 1 em (8.17), ja que g = N ! nesse caso. Todos os outros termos serao
divididos por um valor maior que g. Em outras palavras, os termos referentes
a configuracoes em que mais de uma partıcula tem a mesma energia serao
penalizados e contribuirao menos para o calculo de ZN . As configuracoes
com uma partıcula em cada nıvel, por outro lado, serao favorecidas. Veremos
mais a frente que o uso dessa correcao leva necessariamente ao gas no regime
classico.
O gas monoatomico
Usaremos a expressao (8.18) para calcular a funcao de particao para
um gas ideal monoatomico, admitindo a indistinguibilidade das partıculas.
Para calcular Z1 precisamos dos possıveis valores de energia para uma
partıcula de massa m confinada num volume V = L3. Eles sao, de acordo
com a (8.4),
ε =(~k)2
2m, k =
nπ
L, n2 = n2
x + n2
y + n2
z (8.19)
Um microestado do sistema completo e rotulado pelos valores de (nx, ny, nz)
para cada partıcula. Se examinamos apenas uma partıcula, o microestado
sera rotulado pelos valores de (nx, ny, nz) dessa partıcula. Somando sobre os
microestados de uma partıcula, temos
Z1 =∞∑
nx=1
∞∑
ny=1
∞∑
nz=1
exp[
−βα(
n2
x + n2
y + n2
z
)]
(8.20)
=∞∑
nx=1
∞∑
ny=1
∞∑
nz=1
exp(
−βαn2
x
)
exp(
−βαn2
y
)
exp(
−βαn2
z
)
=
[
∞∑
nx=1
exp(
−βαn2
x
)
]
∞∑
ny=1
exp(
−βαn2
y
)
[
∞∑
nz=1
exp(
−βαn2
z
)
]
=
[
∞∑
nx=1
exp(
−βαn2
x
)
]3
,
CEDERJ 106
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8
onde α = ~2π2/2mV 2/3. Como V e um volume macroscopico, a separacao
entre os valores de energia e muito pequena, e a soma em nx pode ser aprox-
imada por uma integral. Assim,
Z1 =
[∫
∞
0
exp(
−βαn2
x
)
dnx
]3
. (8.21)
Usando a expressao () para a integral gaussiana, temos
Z1 =
(
1
2
√
π
αβ
)3
=
(
κTm
~22π
)3/2
V = φqV . (8.22)
O resultado (8.22) define uma grandeza importante, a concentracao quantica:
φq =
(
κTm
~22π
)3/2
. (8.23)
Veremos adiante o seu significado.
Podemos tambem calcular Z1 fazendo a soma sobre os macroestados,
que neste caso pode ser a soma sobre os valores de ε ou n. Ja utilizando a
aproximacao de espectro de energia contınuo, temos
Z1 =∑
ε
g(ε) exp(−βε) →∫
∞
0
exp(−βε)D(ε)dε (8.24)
=1
84π
∫
∞
0
exp(
−βαn2)
n2dn
=π3/2
8(αβ)−3/2
=
(
κTm
~22π
)
3/2
V = φqV .
Concentracao quantica
Uma partıcula quantica tem seu momento linear definido como p = h/λ,
sendo λ o comprimento de onda. Num sistema classico, uma partıcula de
massa m e velocidade v tem seu momento linear definido como p = mv.
Num gas tıpico, com apenas um tipo de molecula, todas as partıculas tem o
mesmo valor de massa mas cada uma tem um valor de velocidade, sendo estes
distribuıdos de acordo com uma distribuicao dependente da temperatura. O
momento linear medio, neste caso, e 〈p〉 = m〈v〉. O princıpio da equiparticao
nos da o valor medio de v2, ja que
〈ε〉 =1
2m〈v2〉 =
3
2κT ⇒ 〈v2〉 =
3κT
m.
107CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico
Vamos considerar que σ2
v = 〈v2〉 − 〈v〉2 ≈ 0, ou seja, 〈v〉2 ≈ 〈v2〉 ≈κT/m. Igualando as definicoes quantica e classica temos
h
λT≈ m
(
κT
m
)1/2
⇒ λT ≈(
h2
mκT
)1/2
. (8.25)
λT e o que chamamos comprimento de onda termico. Podemos associar a
cada partıcula quantica um volume definido por λ3
T , com isso, a concentracao
quantica fica definida como
φq ∼1
λ3
T
=
(
mκT
h2
)3/2
. (8.26)
Dizemos que um gas esta no regime classico quando sua concentracao
φ = N/V e muito menor que φq. Na Aula 1 calculamos as concentracoes do
helio nas CNPT e dos eletrons de conducao no lıtio na temperatura ambiente.
Podemos compara-las com as concentracoes quanticas para essas partıculas
na mesma temperatura. Obtemos para o helio
φHe
φqHe
= 3 × 10−6 1 . (8.27)
Concluımos, entao, que a aproximacao classica e boa para o helio a temper-
atura ambiente. Para os eletrons encontramos uma concentracao φeletrons ≈104φHe, mas como a massa de um atomo de helio e 104 maior que a de um
eletron, e φq ∝ m3/2, temos que
φeletrons
φqeletrons
= 0, 66 × 102 . (8.28)
Assim, no caso dos eletrons, trata-los como um gas classico nao e uma boa
aproximacao. Na Aula 13 voce vai aprender como lidar com esse sistema.
Vera tambem que a aproximacao classica nao e adequada para o helio abaixo
de 4 K.
Atividade 3
(Objetivo 4)
Calcule a energia interna e o calor especıfico a V constante do gas ideal
classico a partir de sua funcao de particao. Verifique se os resultados estao
de acordo com o princıpio da equiparticao da energia.
Resposta comentada
Comecamos pela energia interna. Vamos usar a expressao para a energia
media dada pela equacao (6.15):
〈E〉 = − 1
Z
∂Z
∂β= Eint . (8.29)
CEDERJ 108
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8
Usando a funcao de particao (8.22) ) em (8.18) temos
ZN =1
N !(Z1)
N =1
N !
(
m
β~22π
)3
N/2 (8.30)
Assim,
Eint =3
2NκT .
Para calcular o calor especıfico usamos a definicao (9.11) apresentada na Aula
9 de Fısica 2A. Temos
cV =1
N
∂Eint
∂T=⇒ cV =
3N
2. (8.31)
Os resultados para Eint e cV sao identicos aos previstos pelo princıpio da
equiparticao.
fim da atividade
Energia livre de Helmholtz
O calculo das grandezas termodinamicas exige que o limite N → ∞seja tomado. Assim, calculamos a energia livre por partıcula como
f = limN→∞
1
N(−κT lnZN ) (8.32)
= −κT limN→∞
1
Nln
[
1
N !(Z1)
N
]
= κT [lnN − 1 − lnφqV ]
= κT
[
ln
(
φ
φq
)
− 1
]
Neste calculo usamos a aproximacao de Stirling para N !. Para o sistema
todo,
F = NκT
[
ln
(
φ
φq
)
− 1
]
. (8.33)
Como vimos na Aula 5, a energia livre de Helmholtz combina os princıpios
de minimizacao de energia e maximizacao de entropia e e definida como
F = Eint − TS. Vamos calcular a variacao de energia livre, dF :
dF = dEint − d(TS) = TdS − pdV − SdT − TdS = −pdV − SdT , (8.34)
onde usamos que a troca infinitesimal de calor foi reversıvel, podendo ser
escrita como d′Q = TdS. Se escrevemos F como uma funcao de V e T ,
temos que
dF =
(
∂F
∂V
)
T
dV +
(
∂F
∂T
)
V
dT . (8.35)
109CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico
Comparando as expressoes (8.34) e (8.35) podemos imediatamente identificar
p = −(
∂F
∂V
)
T
, (8.36)
levando a conhecida relacao p = NκT/V .
Atividade 4
(Objetivo 4)
Encontre uma expressao para a entropia S(N, V, T ) do gas ideal classico a
partir da forma diferencial da energia livre de Helmholtz, equacao (8.35).
Resposta comentada
Comparando as expressoes (8.35) e (8.34) podemos identificar:
S = −(
∂F
∂T
)
= Nκ
[
ln
(
φq
φ
)
+5
2
]
(8.37)
Esta expressao para a entropia recebe o nome de formula de Sackur-Tetrode
e concorda com resultados experimentais. Note que, mesmo para o regime
classico, S guarda sua origem quantica atraves da presenca de ~ na concen-
tracao quantica, ressaltando a impossibilidade de se obter o mesmo resultado
a partir de um modelo puramente classico.
fim da atividade
Atividade 5
(Objetivos 2 e 4)
A energia livre de Helmholtz deve ser uma quantidade extensiva. Mostre que,
se a divisao por N ! nao for feita, isso nao ocorre para o gas ideal classico.
Resposta comentada
Se calculamos ZN como ZN1
e calculamos F a partir da expressao (8.33)
obtemos:
Ferrada = −NκT (lnφq + lnV ) (8.38)
Verificamos a extensividade:
ferrada = limN→∞
1
NFerrada
= − limN→∞
κT
NlnZN
1
= − limN→∞
1
N
[
NκT
(
3
2ln
m
2π~2+
3
2lnκT + lnV
)]
= κT
(
3
2ln
m
2π~2+
3
2lnκT + lnN + ln v
)
, (8.39)
onde usamos a substituicao V = Nv. Assim, vemos que a expressao (8.39)
depende de N , consequentemente Ferrada nao e uma grandeza extensiva.
fim da atividade
CEDERJ 110
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8
Conclusao
As principais conclusoes desta aula sao relativas a indistinguibilidade
das partıculas e ao uso da Mecanica Quantica para o calculo das propriedades
termodinamicas do gas ideal. Com relacao ao primeiro ponto, pudemos
ver que sem a divisao por N !, introduzida para corrigir a multipla con-
tagem no caso de partıculas indistinguıveis, permite que a extensividade seja
preservada quando necessario e tambem reduz a probabilidade de multipla
ocupacao de nıveis de energia. A validade do modelo resultante dessa correcao
de contagem restringe-se a gases com baixa concentracao, num regime desig-
nado como classico. Mesmo nesse regime a utilizacao da expressao quantica
para as energias permite o calculo correto das grandezas termodinamicas do
sistema. A concordancia entre resultados experimentais e expressao calcu-
lada para a entropia mostra claramente que, mesmo no regime classico, temos
que usar a expressao quantica para a energia.
Atividade Final
(Objetivos 1 a 5)
Para o gas ideal bidimensional, calcule:
(a) Z1 e ZN
(b) a energia interna
(c) a energia livre de Helmholtz
(d) a entropia
Resposta comentada
(a) Supondo que o gas esteja confinado numa regiao quadrada de area A = L2
no plano xy, temos:
Z1 =∞∑
nx=1
∞∑
ny=1
exp[
−βα(
n2
x + n2
y
)]
(8.40)
=∞∑
nx=1
∞∑
ny=1
exp(
−βαn2
x
)
exp(
−βαn2
y
)
=
[
∞∑
nx=1
exp(
−βαn2
x
)
]
∞∑
ny=1
exp(
−βαn2
y
)
=
[
∞∑
nx=1
exp(
−βαn2
x
)
]2
.
111CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico
Usando a definicao α ≡ ~2π2/2mL2 temos que
Z1 =
(
κTm
2π~2
)
A . (8.41)
Podemos definir a concetracao quantica em duas dimensoes como φ2dq =
κTm/2π~2. Assim, a funcao de particao fica com a mesma forma da calculada
para o gas tridimensional, ou seja,
Z1 = φ2dq A . (8.42)
A funcao de particao para N partıculas tambem e dada por ZN = ZN1/N !.
(b)A energia interna pode ser calculada diretamente da funcao de particao:
〈E〉 = − 1
ZN
∂ZN
∂β= Eint . (8.43)
Calculando a derivada obtemos Eint = NκT .
(c) A energia livre de Helmholtz pode ser calculada a partir da expressao
F = limN→∞ (−κT lnZN ). Obtemos:
F = limN→∞
[
−κT ln
(
ZN1
N !
)]
= κT (N lnN −N −N lnZ1)
= NκT(
lnN − lnA− 1 − lnφ2dq
)
= NκT
[
ln
(
φ2d
φ2dq
)
− 1
]
(8.44)
A concentracao do gas adsorvido foi definida como φ2d = N/A. (d) Usamos
a definicao de energia livre de Helmholtz:
F = Eint − TS ⇒ S =Eint − F
T(8.45)
Usando as expressoes ja calculadas para F e Eint obtemos
S = Nκ
[
ln
(
φ2dq
φ2d
)
+ 2
]
(8.46)
Resumo
Nesta aula revisamos a equacao de Schrodinger estacionaria para uma
partıcula livre em uma caixa tridimensional. A partir dos nıveis de energia
dessas partıculas calculamos a funcao de particao de uma partıcula e usamos
a correcao de Boltzmann para calcular a funcao de particao para N partıculas
CEDERJ 112
Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8
indistinguıveis. Essa correcao gerou um modelo de gas no qual a probabili-
dade de multipla ocupacao de nıveis de energia e desprezıvel e cuja validade
esta restrita a gases em regime de baixa concentracao, ou regime classico.
Para melhor definir esse regime usamos a comparacao com uma grandeza de-
nominada concentracao quantica. A partir da funcao de particao calculamos
a energia interna, a energia livre de Helmholtz, a entropia e obtivemos a
equacao de estado para o gas ideal classico. O calculo da funcao de particao
foi feito considerando-se um espectro contınuo de energia, uma aproximacao
valida quando tratamos de volumes macroscopicos. Nessa aproximacao foi
necessario definir a densidade de estados, ou densidade de orbitais, que da o
numero de microestados por intervalo de temperatura.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula vamos estudar o gas ideal de moleculas diatomicas
incluindo a energia de rotacao.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, capıtulos 4 e 6.
113CEDERJ
Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - RotacaoMODULO 1 - AULA 9
Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas
diatomicas - Rotacao
Meta
Mostrar as propriedades termicas de um gas diatomico de no regime
classico
Objetivos
Ao final desta aula, voce deve ser capaz de:
1. calcular a funcao de particao relativa a rotacao de moleculas diatomicas;
2. descrever o comportamento do calor especıfico em termos dos graus de
liberdade termicamente ativos.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce reveja a Aula 19 de Introducao a Mecanica
Quantica, sobre o operador momento angular.
Introducao
Na Aula 8 estudamos um gas cujas moleculas tinham apenas movimento
de translacao do centro de massa (CM). Alem da energia cinetica associada
a esse movimento, uma molecula pode ter energia associada a graus de liber-
dade internos, tais como rotacao, vibracao e excitacao eletronica. As tres
contribuicoes correspondem a valores de energia bem diferentes, e podem ser
consideradas de forma independente na maioria dos casos. Nesta aula vamos
estudar o movimento de rotacao de uma molecula diatomica. Uma caricatura
do sistema que queremos analisar pode ser vista na figura 9.1.
Calculo da funcao de particao
Como sempre, comecamos pelo calculo da funcao de particao, o que
requer expressoes para energia e multiplicidade. Nosso modelo considera que
cada molecula pode ter movimento de translacao do CM e rotacao. Supondo
115CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - Rotacao
que esses movimentos sejam completamente independentes, a energia cinetica
total de uma molecula pode ser escrita como
ε = εtrans + εrot, (9.1)
onde εtrans e a energia de translacao do CM, e εrot, a de rotacao. Esta forma
de escrever a energia, como uma soma de termos independentes, leva a uma
simplificacao importante para o calculo da funcao de particao total. Da
Aula 8 sabemos que que a funcao de particao para o sistema todo pode ser
escrita em termos da funcao de particao para uma partıcula, Z1. Se usamos a
expressao (9.1) para a energia, podemos usar a expressao (6.5) para calcular
a funcao de particao. Temos
Z1 =∑
i
exp
(
−εtrans + εrot
κT
)
,
A soma sobre i inclui todos os microestados, considerando translacao e
rotacao. A independencia dos movimentos permite que a soma seja fatorada
na forma
Z1 =
∑
it
exp(
−εtrans
κT
)
∑
ir
exp(
−εrot
κT
)
.
Agora, it indica soma sobre os microestados de translacao e ir sobre os
de rotacao. Finalmente,
Z1 = Z trans
1Z rot
1. (9.2)
A equacao (9.2) indica que podemos calcular cada funcao de particao sepa-
radamente. A de translacao ja foi calculada na Aula 8, vamos entao calcular
a contribuicao de rotacao.
A energia cinetica de rotacao
A energia cinetica de rotacao e dada essencialmente pelos autovalores
do operador momento angular ao quadrado. A origem e a forma classica de
se escrever a energia de rotacao
εrot =L2
2I, (9.3)
onde L e o momento angular e I o momento de inercia. Considerando
L2 como um operador, obtem-se os autovalores de energia (Aula 19 de In-
troducao a Mecanica Quantica), que sao
εrot =~
2
2IJ(J + 1), J = 0, 1, 2 . . . (9.4)
CEDERJ 116
Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - RotacaoMODULO 1 - AULA 9
v
CM y
z
x
y
(a) (b) (c)
Figura 9.1: Caricatura de uma molecula diatomica.(a) Para baixas temper-
aturas apenas os modos translacionais sao importantes. A energia cinetica
de translacao do centro de massa (CM) e a unica contribuicao a energia.
(b) Modos rotacionais aparecem em temperaturas intermediarias. Embora
exista rotacao em torno dos tres eixos, o momento de inercia relativo ao
eixo interatomico (y na figura), e desprezıvel, e as contribuicoes a energia de
rotacao vem da rotacao em torno de x e z. (c) O aumento de temperatura faz
com que modos de vibracao ao longo do eixo interatomico sejam excitados.
onde I ≈ µd2, sendo µ a massa reduzida e d a distancia entre os atomos.
Podemos usar J como rotulo do macroestado de cada molecula, ja que seu
valor especifica de forma unica a energia de rotacao. A multiplicidade neste
caso vem da degenerescencia dos nıveis de energia: para cada valor de J
podemos ter g(J) = 2J + 1 valores de projecao de momento angular, ou
valores de mJ .
Calculamos a funcao de particao atraves da soma sobre macroestados.
Obtemos
Zrot =
∞∑
J=0
(2J + 1) exp
[
−~
2
2IκTJ(J + 1)
]
. (9.5)
Definimos a temperatura caracterıstica θR ≡ ~2/2Iκ, uma grandeza com
dimensao de temperatura que serve como padrao para definir os regimes de
temperatura alta e baixa. O calculo exato de Zrot para qualquer valor de T
nao e possıvel, entretanto, os limites de temperatura alta e baixa podem ser
calculados com facilidade.
Temperatura alta, T θR
Neste caso o espacamento entre os nıveis rotacionais e pequeno, e a
soma sobre valores de J pode ser aproximada por uma integral. Analisamos
a funcao a ser integrada, definida como f(J) = (2J + 1) exp[
− θR
TJ(J + 1)
]
,
examinando sua forma na figura (9.2).
Pela forma do integrando, vemos que uma boa aproximacao e
117CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - Rotacao
Figura 9.2: Comportamento do integrando de (9.5) para T θR. A linha
representa a funcao f(J) = (2J + 1) exp[
− θR
TJ(J + 1)
]
, com J sendo uma
variavel contınua. As colunas correspondem aos termos individuais do so-
matorio.
Zrot =
∫ ∞
−1/2
(2J + 1) exp
[
−θR
TJ(J + 1)
]
dJ. (9.6)
Reescrevemos a integral em termos da variavel adimensional x ≡ θR
TJ(J+
1), dx = θR
T(2J + 1)dJ , como
Zrot =T
θR
∫ ∞
x0
e−xdx =T
θRe−x0, (9.7)
onde x0 = − θR
4T. Como x0 1, usamos e−x0 ≈ 1 − x0 obtendo finalmente
Zrot ≈T
θR
+1
4para T θR . (9.8)
A energia interna de rotacao pode ser calculada a partir de Zrot como
〈εrot〉 = −∂lnZrot
∂β= κT 2
∂lnZrot
∂T= κT
1
1 + θR
4T
(9.9)
≈ κ
(
T −θR
4
)
para T θR.
O calor especıfico de rotacao no regime de temperaturas altas e
crot =∂〈εrot〉
∂T= κ para T θR. (9.10)
CEDERJ 118
Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - RotacaoMODULO 1 - AULA 9
Temperatura baixa, T θR
Neste limite podemos argumentar que os termos na soma (9.5) caem
muito rapidamente, permitindo que ela seja truncada sem muitas perdas.
Mantendo apenas os dois primeiros termos (J = 0 e J = 1) temos
Zrot ≈ 1 + 3 exp
(
−2θR
T
)
para T θR. (9.11)
A energia interna e o calor especıfico sao dados por
〈εrot〉 = κT 2∂lnZrot
∂T
= 6κθRexp (−2θR/T )
1 + 3 exp (−2θR/T )
≈ 6κθR exp (−2θR/T ) para T θR. (9.12)
crot =∂〈εrot〉
∂T= 12κ
(
θR
T
)2
exp (−2θR/T ) para T θR. (9.13)
Discussao
Primeiro vamos juntar as informacoes obtidas nos dois limites de tem-
peratura. A figura 9.3 mostra a juncao das expressoes (9.12) e (9.10) feita
atraves de um ajuste numerico.
Alem das Leis Zero, Primeira e Segunda, ha a Terceira, que diz respeito
ao comportamento dos sistemas quando T = 0. Esta lei tem varios enunci-
ados mas, em resumo, diz que a entropia deve se anular quando T = 0, por
valores constantes. Ou seja S e dS → 0 quando T → 0. Como C = TdS/dT ,
uma consequencia imediata e que C → 0 quando T → 0. O princıpio da
equiparticao preve valores indepentendentes da temperatura para o calor
especıfico, portanto viola a Terceira Lei. A curva do calor especıfico, corre-
spondendo a da derivada da curva exibida na figura 9.3, pode ser vista na
figura 9.4. Note que crot → 0 quando T → 0, em acordo com a Terceira Lei.
A tabela 9.6 mostra alguns valores de θR assim como o comprimento
de onda relativo a energia κθR, λ = hc/θRκ. Os valores de λ correspondem a
radiacao na faixa de microondas (comprimento de onda de 1 mm a 30 cm).
A temperatura ambiente pode ser considerada alta para a rotacao na
maioria dos gases. Veremos adiante que o mesmo nao pode ser dito sobre
a vibracao da molecula, que so ocorre em temperaturas bem mais altas.
119CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - Rotacao
Figura 9.3: Energia interna de rotacao de uma molecula diatomica. A ex-
pressao (9.12) foi usada na regiao T < 0.8θR. A expressao linear (9.10) foi
usada para T > 0.9θR e a regiao intermediaria dos dois regimes foi obtida
pelo ajuste numerico de uma spline cubica.
Molecula θR(K) λ(cm)
H2 85.3 0.017
Cl2 0.3 4.77
K2 0.08 17.9
I2 0.054 26.6
O2 2.07 0.69
Tabela 9.6: Valores de temperatura e comprimento de onda caracterısticos
do movimento de rotacao de algumas moleculas diatomicas.
Assim, nas condicoes ambientes, a energia interna por molecula da maioria
dos gases pode ser escrita como em (9.1), e num gas diatomico (no limite de
alta temperatura) temos
〈ε〉 =3
2κT + κT =
5
2κT , (9.14)
concordando com o resultado obtido pelo princıpio da equiparticao na Aula
8 de Fısica 2A.
CEDERJ 120
Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - RotacaoMODULO 1 - AULA 9
Figura 9.4: Calor especıfico de rotacao de uma molecula diatomica. A ex-
pressao (9.13) foi usada na regiao T < 0.6θR. A expressao linear (9.10) foi
usada para T > 1.7θR e a regiao intermediaria dos dois regimes foi obtida
pelo ajuste numerico de uma spline cubica.
Resumo
Nesta aula calculamos a contribuicao da rotacao a energia interna de
um gas no regime classico. Pudemos ver que a temperatura ambiente e alta
o suficiente para que esta forma de energia seja relevante nessa temperatura.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula vamos comecar a estudar sistemas baseados em os-
ciladores harmonicos quanticos.
Atividades Finais
Problema 1
Calcule a energia livre de Helmholtz e a entropia para um gas com N
moleculas diatomicas, a temperatura ambiente.
121CEDERJ
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica
Meta
Descrever o espectro de radiacao termica.
Objetivos
Ao final desta aula voce devera ser capaz de:
1. calcular a funcao de particao para N osciladores quanticos em equilıbrio
termico em qualquer dimensao;
2. relacionar o espectro de emissao de radiacao termica com a temperatura
de um corpo;
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce esteja familiarizado com o espectro de en-
ergia do oscilador quantico, sistema estudado na Aula 18 de Introducao a
Mecanica Quantica e com as propriedades das ondas eletromagneticas no
vacuo, assunto das Aulas 2, 3 e 4 de Fısica 4A.
Introducao
Todo corpo que esteja a uma temperatura diferente de zero emite ra-
diacao eletromagnetica em diversas frequencias. A intensidade da radicao
emitida depende muito da frequencia que esta sendo examinada e da tem-
peratura do corpo e e praticamente independente de qualquer outro detalhe
do sistema. Foi exatamente a tentativa de explicar esse comportamento que
levou Planck a formular, em 1900, a hipotese de que os nıveis de energia
disponıveis para a radicao seriam discretos e nao contınuos, como se acre-
ditava na epoca. Essa hipotese, feita sem qualquer justificativa fısica, e
classificada como “ato de desepero´´ por Planck, permitiu nao so a obtencao
de curvas teoricas em completo acordo com as experimentais, como e consi-
derada o marco inicial da Mecanica Quantica. Em seguida Einstein aplicou
a mesma ideia para explicar com sucesso as principais caracterısticas das
curvas de calor especıfico dos solidos. Nesta aula vamos ver aspectos gerais
dos sistema de osciladores, e a aplicacao ao espectro da radiacao termica.
123CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica
Sistemas de Osciladores
Suponha que tenhamos um conjunto de N partıculas quanticas sujeitas
a um potencial do tipo harmonico, em equilıbrio termico com um reservatorio
na temperatura T . Se as partıculas sao independentes, podemos obter o
comportamento do sistema completo a partir da funcao de particao de um
unico oscilador, assim comecamos por aı.
A equacao de Schrodinger estacionaria para um oscilador tridimensional
e
−~
2
2m∇2ψ(~r) +
(1
2kxx
2 +1
2kyy
2 +1
2kzz
2
)
ψ(~r) = εψ(~r) ,
Vamos considerar o caso em que as constantes elasticas sao todas iguais a
k. Como visto na Aula 18 de Introducao a Mecanica Quantica, os nıveis de
energia devidos a esse potencial tem a forma
ε =
(
n+3
2
)
~ω n = nx + ny + nz , nx, ny, nz = 0, 1, 2 . . . (10.1)
onde ω e a frequencia natural do oscilador.
Se T = 0 o estado fundamental, com n = 0 e o estado de equilıbrio.
Quando T > 0, a probabilidade de ocupacao de nıveis acima do fundamental
e nao nula, sendo dada pelo fator de Boltzmann. O macroestado de um unico
oscilador pode ser identificado pelo valor de n, e os microestados pelos valores
de (nx, ny, nz). A funcao de particao para um oscilador tridimensional e
Z1 = exp
(
−β3~ω
2
) ∞∑
nx=0
∞∑
ny=0
∞∑
nz=0
exp [−β~ω (nx + ny + nz)]
=
exp
(
−β~ω
2
) ∞∑
nx=0
exp (−β~ωnx)
︸ ︷︷ ︸
≡Zω
3
A soma dentro dos colchetes, Zω, e a funcao de particao de um oscilador uni-
dimensional, a menos de um fator multiplicativo constante. Sua soma pode
ser realizada facilmente pela serie geometrica (equacao ??). Identificamos
a = exp (−β~ω) < 1, e usamos que
∞∑
n=0
an =1
1 − a, a < 1 (10.2)
para obter
Zω =∞∑
nx=0
exp (−β~ωnx) =1
1 − exp (−β~ω). (10.3)
CEDERJ 124
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10
Usaremos este resultado para descrever as propriedades da radiacao termica.
Radiacao termica
Muitas vezes o termo radiacao de corpo negro e usado para designar
a radiacao termica. Um corpo negro e um objeto cuja superfıcie absorve
completamente a radiacao incidente sobre ela, sem que qualquer parte seja
refletida. Se o corpo esta em equilıbrio termico com o meio externo, a ra-
diacao absorvida e re-emitida com um espectro que depende apenas da tem-
peratura. O termo negro refere-se apenas a radiacao na faixa da luz visıvel,
mas a definicao abrange todo o espectro eletromagnetico ja que um objeto
que absorve toda a radiacao incidente sobre ele sera negro.
Na pratica, o comportamento de corpo negro e observado apenas em
regioes especıficas de frequencia, por exemplo, se pintamos de negro a su-
perfıcie de um corpo, ela absorvera praticamente toda a radiacao com com-
primento de onda na regiao do visıvel, mas pode refletir raios-X, por exemplo.
A melhor aproximacao para um corpo negro e um pequeno orifıcio na parede
de uma cavidade, como indicado na figura 10.1. Quando o equilıbrio termico
for atingido, as paredes da cavidade emitirao radiacao que sera constante-
mente absorvida e re-emitida. A radiacao incidente sobre o orifıcio, vinda
de fora da cavidade, e completamente absorvida pelo orifıcio, portanto ele e
um corpo negro. Por outro lado, uma pequena fracao da radiacao dentro da
cavidade, sai pelo orifıcio depois de inumeras absorcoes e re-emissoes e pode
ser examinada. Como o orifıcio e um corpo negro, a radiacao que sai dele
e radiacao de corpo negro. Como essa radiacao e uma amostra da que esta
contida na cavidade, concluımos que a radiacao dentro da cavidade tem as
propriedade de radiacao de corpo negro.
Vamos descrever a radiacao dentro da cavidade como um conjunto de
fotons, com todas as frequencias possıveis. O numero de fotons com cada
frequencia determina quanta energia ha em cada uma. Como veremos a
seguir, numa cavidade macroscopica, os valores possıveis de frequencia for-
mam um espectro contınuo, assim, devemos considerar intervalos de frequencia
dω, e nao seus valores individuais. Podemos medir a energia proveniente da
radiacao em cada intervalo, construımos um histograma cujo nome e espec-
tro de frequencias. Escrevendo a energia por unidade de volume, no intervalo
ω → ω+dω, como e(ω)dω, definimos a densidade espectral e(ω). No caso da
radiacao termica a curva de e(ω) em funcao de ω tem o aspecto indicado na
figura 10.2.
125CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica
T
Figura 10.1: Idealizacao de um corpo negro. Uma cavidade contem radiacao
em equilıbrio termico com suas paredes. Se fazemos um pequeno orifıcio, a
radiacao incidente sobre ele e capturada e fica presa na cavidade, sendo ab-
sorvida e re-emitida. Eventualmente uma fracao da radiacao interna escapa
pelo orifıcio.
Figura 10.2: Tıpica curva de densidade espectral para a radiacao termica
de um corpo. A frequencia relativa ao pico da curva, assim com a area
sob ela dependem da temperatura, ambas aumentando com o aumento da
temperatura.
A meta de Planck, e de outros cientistas da epoca, era obter uma
expressao para e(ω, T ) que concordasse com os dados experimentais. Modelos
classicos so eram capazes de descrever as regioes extremas de baixa e alta
frequencias. Nao vamos entrar em maiores detalhes de como o estudo deste
sistema evoluiu, ja vamos apresenta-lo na sua formulacao mais moderna.
CEDERJ 126
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10
Vamos considerar a radiacao dentro de uma cavidade cubica, de volume
V = L3. Primeiro vamos separar uma dada frequencia ω. A intensidade
dela depende de quantos fotons existem com essa frequencia, assim, vamos
calcular o numero medio de fotons com determinada frequencia, numa dada
temperatura T . A energia de η fotons e ε = η~ω, assim, a funcao de particao
e a propria Zω. O valor medio de η numa dada temperatura e, por definicao,
〈η〉 =1
Zω
∞∑
η=0
η exp (−βη~ω) . (10.4)
Definindo α ≡ β~ω, fica facil notar que
〈η〉 = −dlnZω
dα. (10.5)
Usando a expressao (10.3), obtemos a distribuicao de Planck
〈η(ω)〉 =1
exp (β~ω)− 1. (10.6)
Com este resultado podemos imediatamente calcular a energia media dos
fotons com frequencia ω, que e dada por 〈ε〉 = 〈η〉~ω.
Agora vamos ver quais frequencias podem existir na cavidade. O com-
primento de onda da radiacao de frequencia ω e λ = 2πc/ω, sendo c a ve-
locidade da luz no vacuo. Por simplicidade supomos uma cavidade cubica
com volume V = L3. Uma cavidade macroscopica implica em L λ, para
todos os comprimentos de onda presentes. Isso implica que podemos des-
prezar efeitos ocorrendo proximo as paredes, e descrever a radiacao interna
a cavidade como simples ondas planas. Como visto na Aula 3 de Fısica
4A, as ondas eletromagneticas planas podem ser representadas matematica-
mente pelos campos eletrico (~E) ou magnetico ( ~B), ja que estes apresentam
entre si a relacao ~B = (~k × ~E)/c, onde ~k e o vetor de onda, com modulo
k = 2π/λ na direcao de propagacao da onda. Escolhemos representar a onda
pelo campo eletrico, dado por ~E = ~E0ei(~k ·~r+ωt). Ja que o tipo de parede e
irrelevante no limite termodinamico, escolhemos um material condutor para
a cavidade, e supomos que esta esteja alinhada com os eixos xyz. Nesse caso,
a componente do campo eletrico paralelo a cada parede deve se anular, ja que
qualquer campo ao longo de um condutor movimenta cargas eletricas ate que
estas criem um campo que exatamente cancele o externo. Assim, podemos
127CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica
escrever o campo eletrico das ondas estacionarias na cavidade como
Ex = Ex0 sen (ωt) cos(nxπx
L
)
sen(nyπy
L
)
sen(nzπz
L
)
Ey = Ey0 sen (ωt) sen(nxπx
L
)
cos(nyπy
L
)
sen(nzπz
L
)
Ez = Ez0 sen (ωt) sen(nxπx
L
)
sen(nyπy
L
)
cos(nzπz
L
)
, (10.7)
onde nx, ny, nz sao numeros inteiros positivos, nao nulos. Neste caso defini-
mos n2 ≡ n2x + n2
y + n2z, e escrevemos as frequencias como
ωn =nπc
L(10.8)
Finalmente, lembramos que a cada frequencia estao sempre associadas duas
polarizacoes. Agora podemos calcular a energia total da radiacao na cavidade
somando as contribuicoes de todas as frequencias. Temos
E =∑
n
gn〈εn〉 =∑
n
gn〈η〉~ωn =∑
n
gn~ωn
exp (β~ωn) − 1, (10.9)
onde gn e a multiplicidade relativa aos valores de n. Assim como no gas
ideal, valores macroscopicos de L levam a valores consecutivos de frequencia
extremamente proximos, permitindo que aproximemos a soma em (10.9) por
uma integral. A multiplidade pode ser calculada pelo metodo de construcao
da casca de raio n e espessura dn, como feito na Aula 8. Temos
gn → 2 ×1
84πn2dn . (10.10)
O fator 2 leva em conta as duas polarizacoes e o 1/8 considera apenas os
valores positivos de nx, ny e nz. Fazendo a aproximacao para o contınuo, e
definindo a variavel adimensional q ≡ β~nπ/L, podemos escrever a energia
como
E =L3
π2(~c)3(κT )4
∫∞
0
dqq3
eq − 1. (10.11)
A definicao da variavel q fez com que a integral se tornasse adimensional, uma
constante multiplicativa finita. O valor dessa integral pode ser encontrado
em qualquer tabela, ele e π4/15. Finalmente, escrevemos
E
V=
κ4π2
15~3c3T 4 (10.12)
Agora a expressao para e(ω) pode ser facilmente obtida, basta que a
integral em (10.11) seja escrita em termos das frequencias, ou seja
E
V=
∫
dω e(ω) =~
π2c3
∫
dωω3
exp(β~ω)− 1, (10.13)
CEDERJ 128
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10
permitindo identificar
e(ω) =~
π2c3ω3
exp(β~ω)− 1. (10.14)
Densidade de fluxo de radiacao: Lei de Stefan-Boltzmann
Observa-se experimentalmente que a energia total irradiada por um
corpo negro aumenta nao linearmente com a temperatura. Vamos usar o
modelo de Planck para calcular a quantidade: energia por unidade de tempo,
por unidade de area, que emitida pela superfıcie do corpo negro.
Para esse calculo, usamos a ideia da cavidade. Vamos considerar en-
ergia da radiacao que sai do orifıcio da cavidade, na direcao definida pelos
angulos θ e φ, durante o intervalo de tempo dt, cruzando a area dA (veja a
figura 10.3). Essa quantidade corresponde a energia dos fotons propagando-
se na direcao (θ, φ), dentro do cilindro inclinado, com base de area dA e
comprimento cdt. A radiacao na cavidade e isotropica. Isso significa que
as direcoes de propagacao sao uniformemente distribuıdas. Qualquer volume
dentro da cavidade tera uma fracao dΩ/4π de fotons propagando com direcao
dentro do angulo solido dΩ = dφ sen θdθ. O fotons que chegarao a area dA
durante o intervalo dt sao aqueles que estao no cilindro. A energia deles pode
ser encontrada multiplicando-se a densidade de energia pelo volume do cilin-
dro. Finalmente, somamos sobre todas as direcoes, lembrando que queremos
apenas valores de θ definindo radiacao que sai da cavidade. Assim, temos
JE =1
dAdt
∫2π
0
dφ
∫ π/2
0
(dAcdt cos θ )
(E
V
)
sen θdθ =cE
4V= σBT
4 ,
(10.15)
sendo σB a constante de Stefan-Boltzmann definida como
σB =π2κ4
60~3c2= 5, 670 × 10−8 . (10.16)
A expressao (10.15) e denominada lei de Stefan-Boltzmann.
Emissao e absorcao: Lei de Kirchhoff
A capacidade de uma superfıcie emitir radiacao e proporcional a ca-
pacidade dela absorver radiacao. Este e o enunciado da lei de Kirchhoff
(1959). Definindo como a a absorvancia, ou fluxo de radiacao absorvida, e e
a emitancia, ou fluxo de radiacao emitida, observamos que
129CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica
q
fx
y
z
c dt
c dt cos q
dA
Figura 10.3: Radiacao que deixa a cavidade na direcao (θ, φ) cruzando a area
dA, num intervalo de tempo dt.
• Um corpo negro tem, por definicao, a = e.
• Uma superfıcie perfeitamente refletora tem a = 0, logo tambem tem
e = 0.
• De uma forma geral e = αa, 0 ≤ α ≤ 1, e espera-se que α, a e e
dependam da frequencia.
Estimativa da temperatura da superfıcie de um corpo
Podemos aproximar a maioria dos corpos nao refletores, em equilıbrio
termico, por um corpo negro. Isso significa admitir que o espectro de emissao
de radiacao tera aproximadamente a forma (10.14). Assim, uma forma de
estimar a temperatura de uma superfıcie emissora de radiacao termica, e
medir a frequencia para a qual ocorre a maxima emissao. Se calculamos o
maximo de e(ω) a partir da expressao (10.14), obtemos que este deve ocorrer
para
ωmax ≈2, 82κT
~(10.17)
Atividade 1
(Objetivos )
Corpos a temperatura ambiente emitem preferencialmente radiacao de que
tipo?
Resposta comentada
CEDERJ 130
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10
Podemos usar diretamente a equacao (10.17), com o valor T = 300 K. Temos:
ωmax = 2, 82(1, 38 × 10−23 J/K)(300 K)
1, 05 × 10−34 Js= 1, 11 × 1014 rad/s
Dividindo por 2π temos uma frequencia ≈ 2× 1013 Hz. Observando a figura
2.1 da Aula 2 de Fısica 4A, identificamos essa radiacao como infra-vermelho.
Conclusao: a luz visıvel proveniente de corpos a temperatura ambiente e
essencialmente luz refletida, por isso nao os podemos ver no escuro. Para tal
sao necessarios detetores de infra-vermelho.
Fim da Atividade
E importante lembrar que alem da radiacao com a frequencia ωmax, um corpo
negro emite radiacao em muitas outras frequencias. Por exemplo, um pedaco
de madeira incandescente numa fogueira tem uma temperatura tipicamente
de 1500 K, o que corresponde a uma frequencia de ≈ 1014 Hz, ainda no infra-
vermelho, mas sendo um valor bem proximo da regiao da luz visıvel, ha uma
consideravel emissao nessa regiao, por isso o vemos em tons avermelhados.
A correta medicao de temperatura de um corpo negro deve levar em conta
a potencia irradiada em todas as frequencias, e descontar qualquer fluxo de
energia incidente.
Atividade 2
(Objetivos )
O fluxo de energia radiante vinda do Sol, na superfıcie da Terra, medida
numa superfıcie normal a direcao de incidencia dos raios solares e JT =
0, 136 W/cm2. Estime a temperatura da superfıcie do Sol. Considere que
a distancia entre a Terra e o Sol seja d = 1, 5 × 1011 m, e o raio do Sol
RS = 7 × 108 m.
Resposta comentada
Primeiro calculamos a potencia de irradiacao do Sol, na orbita da Terra,
multiplicando JT pela area da esfera de raio d.
131CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica
dRS
Temos P = 4πd2JT . Assim, na superfıcie do Sol,
JS =P
4πR2S
= JT
(d
RS
)2
.
Agora usamos a a lei de Stefan-Bolztmann para obter a temperatura:
JS = σBT4 → T =
[
JT
σB
(d
Rs
)2]4
= 5761 K
fim da atividade
Radiacao de fundo do universo
Em 1965 foi observado que o universo era repleto de radiacao eltro-
magnetica com espectro na forma (10.14). O ajuste dessa expressao aos
dados experimentais revelou um espectro na regiao de micro-ondas, consi-
tente com uma temperatura de 2,8 K. A existencia dessa radiacao e uma das
principais evidencias que fundamenta a teoria do Big-Bang. Nessa teoria,
o universo inicial era feito de fotons, eletrons e protons, numa temperatura
de cerca de 4000 K. Os fotons constantemente interagiam com eletrons e
protons, atraves de diversos mecanismos. A medida que o universo se ex-
pandiu adiabaticamente, sua temperatura caiu e a combinacao de eletrons e
protons na forma de atomso de hidrogenio tornou-se favoravel por volta dos
3000 K. Nesse ponto a radiacao eletromagnetica se desacoplou da materia,
e os fotons passaram a viajar livremente pelo universo, formando a radiacao
termica de fundo. O universo continuou sua expansao, o que provocou o
resfriamento da radiacao de fundo ate o valor atual, de 2,8 K, e esse processo
de resfriamento continua.
Resumo
Nesta aula aprendemos como calcular a funcao de particao de osciladores
quanticos em equilıbrio termico. Aplicamos esse resultado a radiacao eletro-
magnetica de uma cavidade em equilıbrio termico, calculando o espectro de
CEDERJ 132
Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10
emissao de radiacao. Observamos que a forma do espectro depende forte-
mente da temperatura, sendo pos ıvel calcular a temperatura de um objeto
radiante pelo registro do comprimento de onda do pico de emissao de ra-
diacao.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula usaremos o resultado geral dos sistema de osciladores
para explicar o comportamento do calor especıfico de solidos.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, secao 10.2.
133CEDERJ
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de
solidos
Meta
Estudar as propriedades termodinamicas de sistemas formados por os-
ciladores quanticos.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. entender a aproximacao harmonica para o movimento de atomos num
solido;
2. calcular o calor especıfico de solidos pelos modelos de Einstein e Debye;
3. obter o resultado classico para o calor especıfico de solidos como um
limite de alta temperatura dos modelos de Einstein e Debye.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce esteja familiarizado com os conceitos de os-
ciladores acoplados e modos normais, vistos na Aula 4 de Mecanica.
Introducao
A interacao entre atomos num solido se da atraves de um potencial
como o mostrado na figura 11.1(a). Nesse grafico ρ e uma variavel adimen-
sional proporcional a distancia entre dois atomos. A funcao u(ρ) e repulsiva
para valores pequenos de ρ (regiao u > 0), e atrativa para valores inter-
mediarios, indo a zero quando os atomos estao infinitamente separados. Na
segunda parte desta disciplina voce vera mais sobre este tipo de interacao, o
importante agora e que u(ρ) tem um mınimo.
A forma assimetrica dessa interacao torna difıcil o tratamento analıtico
do problema, por isso muitas vezes procura-se aproximar u(ρ) por uma
parabola, na regiao proxima ao mınimo. Nesta aproximacao podemos usar
o hamiltoniano do oscilador harmonico para descrever o sistema, caindo no
mesmo caso da Aula 10. Usaremos esse modelo para descrever a interacao
135CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidos
entre atomos numa rede cristalina. Primeiro vamos considerar que os os-
ciladores sao independentes, no modelo de Einstein, depois consideraremos
que sao acoplados, no modelo de Debye.
Atividade 1
(Objetivo 1)
O potencial de Lennard-Jones e muito usado para descrever a interacao entre
atomos neutros. Sua forma e
U(r) = 4ε
[
(σ
r
)12
−(σ
r
)6]
, (11.1)
sendo ε e σ parametros ajustaveis que caracterizam um material especıfico.
Definindo as variaveis adimensionais ρ ≡ r/σ e u ≡ U/4ε, ele pode ser
reescrito como
u =
(
1
ρ12−
1
ρ6
)
. (11.2)
Exatamente esta funcao foi usada na figura 11.1. Encontre a aproximacao
harmonica para este potencial.
Resposta comentada
A aproximacao harmonica consiste em expandir o potencial ate o termo
quadratico, em torno do ponto de mınimo. Se (ρ0, u0) sao as coordenadas do
mınimo, temos
u(ρ) ≈ u0 + (ρ − ρ0)du
dρ
∣
∣
∣
∣
ρ0
+1
2(ρ − ρ0)
2d2u
dρ2
∣
∣
∣
∣
ρ0
Para o potencial em questao, temos que u0 = −0, 25 e ρ0 = 21/6 ≈ 1, 12. O
termo linear por definicao e nulo, logo ficamos com
u(ρ) ≈ −0, 25 + 7, 15(ρ − 1, 12)2 .
Esta curva esta mostrada na figura 11.1(b).
Fim da Atividade
Modelo de Einstein
Se usamos a aproximacao harmonica num sistema de osciladores classicos
desacoplados, teremos que a energia de cada oscilador e
Eint =1
2mv2 +
1
2kr2 , (11.3)
onde m e v sao a massa e a velocidade de cada oscilador, respectivamente, r
o afastamento com relacao ao ponto de equilıbrio e k, a constante elastica,
CEDERJ 136
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11
Figura 11.1: Esta figura mostra a curva para o potencial de Lennard-Jones
na forma adimensional dada pela equacao (11.2, em funcao da distancia entre
partıculas. Em (b) aparece tambem a curva para a aproximacao harmonica.
dada pela concavidade do potencial, calculada no ponto de mınimo. Aqui
estamos supondo um sistema isotropico, ou seja, com a mesma constante
elastica em todas as direcoes.
Num sistema tridimensional, o princıpio da equiparticao levaria a uma
energia interna
Eint = N
(
3 ×1
2κT + 3 ×
1
2κT
)
= 3NκT . (11.4)
O calor especıfico desse solido classico e
cV =1
N
∂Eint
∂T= 3κ . (11.5)
Em geral o calor especıfico molar e mais utilizado no contexto ter-
modinamico. Se Nm e o numero de moles, temos que Nκ = NmR. Assim, o
calor especıfico molar de um solido, de acordo com o princıpio da equiparticao
e
cV = 3R ≈ 24, 9 J/mol ·K. (11.6)
O resultado (11.6) leva o nome de lei de Dulong-Petit, e tem uma serie de
problemas. A concordancia com resultados experimentais para temperaturas
elevadas (da temperatura ambiente para cima) e razoavel para a maioria dos
materiais, mas falha para alguns como o carbono. De uma forma geral, o
calor especıfico dos solidos diminui com a temperatura (veja a figura 11.2 )
137CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidos
Figura 11.2: Esta figura mostra o resultado experimental do calor especıfico
molar para tres materiais, chumbo, alumınio e carbono, assim como o re-
sultado previsto pelo princıpio da equiparticao, em funcao da temperatura.
Para a temperatura ambiente, o valor medido para o chumbo e bem proximo
do valor classico. Para o alumınio ja vemos uma discrepancia maior, e o valor
medido para o carbono difere muito do previsto classicamente. A medida que
consideramos temperaturas mais baixas, a discrepancia aumenta.(Figura ex-
traıda da Aula 9 de Fısica 2A)
e, quando T → 0, devemos ter c → 0 tambem, pela Terceira Lei da Ter-
modinamica.
Einstein foi o primeiro a propor uma solucao para essas questoes, ao
aplicar o conceito de quantizacao da energia a teoria dos solidos e mostrar
que assim seria possıvel explicar porque o calor especıfico molar de um solido
depende da temperatura, no trabalho “Teoria de Planck da radiacao e a
teoria do calor especıfico”, publicado em 1907.
No modelo de Einstein temos N osciladores de frequencia ω, com en-
ergias dadas pela forma quantizada, equacao (10.1). Neste caso, a funcao de
particao de cada oscilador e a propria Z1 (equacao (10.2)). A energia media
por oscilador, ou energia interna por oscilador pode ser calculada usando a
expressao (6.15). Obtemos
〈ε〉 =1
NEint =
3~ω
2+
3~ω
exp (β~ω) − 1. (11.7)
O calor especıfico por partıcula pode ser calculado pela derivada da energia
media com relacao a temperatura. Obtemos
c = 3κ
(
θE
T
)2 exp(
θE
T
)
[
exp(
θE
T
)
− 1]2
, (11.8)
CEDERJ 138
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11
onde θE ≡ ~ω/κ e uma grandeza com dimensao de temperatura, que car-
acteriza o solido atraves do valor de ω (nao e a temperatura do solido),
denominada temperatura de Einstein. Os regimes de temperatura alta e
baixa sao definidos com relacao a θE .
Em princıpio deveria ser possıvel ajustar a expressao (11.8) a dados
experimentais com a escolha de um valor conveniente para θE . Na pratica
verifica-se que o ajuste nao e possıvel com um unico valor de θE . Numa
tentativa de melhorar o modelo de Einstein outros foram propostos, com
mais de um valor de frequencia, ate que surge o modelo de Debye, que leva
em conta todas as frequencias dos modos normais.
Modelo de Debye
A grande diferenca entre os modelos de Debye e Einstein e que o
primeiro considera que os osciladores estao acoplados, o movimento de um
afetando o dos outros. Como voce viu na Aula 4 de Mecanica, as equacoes
de movimento de N osciladores identicos acoplados podem ser escritas como
N equacoes independentes, para osciladores com determinadas frequencias,
as frequencias dos modos normais. Isso significa que o movimento coletivo
de um conjunto de N osiciladores acoplados pode ser escrito como uma com-
binacao linear desses modos. Essa e a ideia deste modelo: quando T > 0
os atomos da rede cristalina tem um movimento complicado de oscilacao em
torno das suas posicoes de equilıbrio, que pode ser escrito como a super-
posicao de movimentos mais simples, os modos normais. Assim, abstraımos
dos atomos e passamos a pensar apenas na superposicao de modos, queremos
saber qual a quantidade media de cada modo na vibracao coletiva da rede,
observada para um dado valor de temperatura. Neste contexto os modos
normais sao tratados como partıculas, e ganham o nome de f onons.
Ficamos com uma situacao muito parecida com a da cavidade cheia de
radiacao termica vista na Aula 10, so que agora temos um volume V (o vol-
ume do solido) preenchido por um gas de fonons, que sao quanta de oscilacoes
elasticas, e nao eletromagneticas, sendo o numero total de deles independente
da temperatura, ao contrario do caso dos fotons. Outra diferenca e o numero
de polarizacoes. Aqui temos oscilacoes elasticas, por isso 3 polarizacoes sao
possıveis: duas longitudinais e uma transversal. Por simplicidade consid-
eramos volume cubico, V = L3, e supomos que a velocidade de propagacao
para qualquer polarizacao e a mesma. Assim, as frequencias continuam sendo
dadas pela expressao (10.8), ωn = nπcL
, com c sendo a velocidade do som.
139CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidos
Com essas observacoes, e ja supondo um valor de L macroscopico, podemos
escrever a soma sobre os modos de qualquer quantidade como
∑
n
f(n) = 3 ×
∫
f(n)D(n)dn =3
8
∫
f(n)4πn2dn . (11.9)
Num solido tridimensional com N atomos ha 3N modos normais (sao 3N
equacoes de movimento). Isso define o maior valor de frequencia, ou maior
valor de n, que chamaremos de nD:
3
8
∫ nD
0
4πn2dn = 3N ⇒ nD =
(
6N
π
)1/3
(11.10)
A energia total dos fonons pode ser calculada exatamente como foi feito
com os fotons, apenas limitando a integral no valor nD. Temos
Eint =3π
2
∫ nD
0
dn n2~ωn
exp(β~ωn) − 1. (11.11)
Novamente definimos a variavel adimensional q ≡ β~nπ/L, qD ≡ β~nDπ/L,
e escrevemos a energia como
Eint =3L3
2π2(~c)3(κT )4
∫ qD
0
dqq3
eq − 1. (11.12)
Os regimes de temperatura alta e baixa agora sao relativos a temperatura
de Debye definida como
θD =~nDπ
κL⇒ θD =
(
~c
κ
) (
6π2N
V
)1/3
(11.13)
Por causa do limite superior, a integral em (11.12) nao pode ser calcu-
lada exatamente, mas podemos verificar seu comportamento para temperat-
uras altas e baixas. Antes de seguir com essas aproximacoes, vamos ver quais
sao os valores de θD para alguns materiais. A tabela 11.7 mostra diversos
valores de θD obtidos por ajuste da expressao dada pelo modelo de Debye a
dados experimentais, a temperatura ambiente. Para que um material tenha
um calor especıfico proximo ao previsto pela Lei de Dulong-Petit a temper-
atura ambiente, ele deve ter uma temperatura de Debye menor que 300 K, e
quanto menor for esse valor, melhor sera a previsao do modelo classico. As-
sim, claramente o modelo classico se aplica perfeitamente ao potassio, mas
nao ao carbono, nessa temperatura. A figura 11.3 mostra medidas experi-
mentais para o claor especıfico de alguns materiais, em funcao de T/θD. Os
valores de θD sao obtidos previamente pelo ajuste da curva prevista pelo
modelo de Debye. Com a temperatura escrita nessa escala, as curvas apra
todos os solidos colapsam numa unica curva universal.
CEDERJ 140
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11
material θD(K)
potassio 91
chumbo 105
sodio 158
calcio 230
zinco 327
alumınio 428
ferro 470
silıcio 645
carbono 2230
Tabela 11.7: Valores da temperatura de Debye para diversos materiais.
Figura 11.3: Valores experimentais do calor especıfico de diversos materiais,
e o calculado pelo modelo de Debye, em funcao de T/θD. (Figura extraıda
da Aula 9 de Fısica 2A)
Temperaturas baixas: T θD, ou qD 1
A figura 11.4 mostra o comportamento do integrando em (11.12). Note
que quando q > 10 o valor do integrando e muito pequeno, assim, podemos
considerar qD → ∞ sem correr o risco de estar aumentando muito o valor da
integral. Neste limite, o valor da integral e π4/15, como no caso da radiacao
termica. Nesta aproximacao,
E =3
5NκTπ4
(
T
θD
)3
. (11.14)
141CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidos
Figura 11.4: Comportamento do integrando f(q) = q3/(eq − 1).
e
CV =12π4N
15
(
T
θD
)3
(11.15)
O resultado (11.15) recebe o nome de Lei T 3 de Debye.
Temperaturas altas: T θD, ou qD 1
Neste caso, para todo q ≤ qD, eq − 1 ≈ q + q2/2+ q3/6+ . . . = q(1+ r),
onde definimos r ≡ q/2 + q2/6 + . . ., portanto r 1. Com isso
q3
eq − 1=
q3
q(1 + r)=
q2
1 + r≈ q2(1 − r + r2 − r3 + . . .)
Vamos manter termos ate q2. Nesta aproximacao temos:
r = q/2 + q2/6 r2 = q2/4 r3 = 0. (11.16)
Finalmente,
q3
eq − 1= q2
(
1 −q
2−
q2
6+
q2
4
)
= q2
(
1 −q
2+
q2
12
)
Usando este resultado na expressao (11.12) temos
E = 3Nκ
(
T −3
8θD+
θ2D
20T
)
. (11.17)
O calor especıfico fica entao
cV = 3κ
(
1 −θ2
D
20T 2
)
. (11.18)
Podemos ver imediatamente que o resultado classico pode ser obtido fazendo-
se T → ∞.
CEDERJ 142
Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11
Resumo
Nesta aula aprendemos a calcular o calor especıfico de solidos pelos
modelos classico, de Einstein e de Debye. Verificamos que o limite T → ∞
dos modelos quanticos corresponde a previsao do modelo classico. Apren-
demos tambem que a a temperatura de Debye define o padrao de referencia
para o comportamento termico de um solido.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula aprenderemos o conceito potencial quımico, essencial
para estudarmos os gases quanticos nas aulas finais.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, capıtulos 4, 5 e 11.
143CEDERJ
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio
difusivo
Meta
Entender o equilıbrio termico e difusivo.
Objetivos
No final desta aula, voce deve ser capaz de
1. Estabelecer a condicao de equilıbrio difusivo em termos do potencial
quımico.
2. Calcular a soma de Gibbs para sistemas com ocupacao variavel.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce tenha familiaridade com varios conceitos de
Termodinamica expostos em Fısica 2A, especialmente: equilıbrio termico e
troca de calor (Aula 5) e entropia (Aula 12). Alem disso, reveja a secao sobre
energia livre de Helmholtz na Aula 8 desta disciplina.
Introducao
Ate agora consideramos sistemas em que o numero total de partıculas
era mantido constante, com isso, as contribuicoes para variacao de energia
interna incluiam troca de calor e variacao de volume, ou da variavel ex-
tensiva pertinente ao problema. Vamos agora adicionar a possibilidade de
variar a energia interna pela variacao de N . Nossa abordagem sera atraves
Termodinamica, ou seja, descrevendo um sistema diretamente do ponto de
vista macroscopico.
Ate agora usamos os seguintes pares de variaveis termodinamicas: tem-
peratura (intensiva) - entropia (extensiva), pressao (intensiva) - volume (ex-
tensiva) e momento magnetico total (extensiva) - campo magnetico (inten-
siva). Se observamos esses pares vemos que diversas formas de equilıbrio
sao obtidas com o fluxo de variavel extensiva, provocado por variacoes da
145CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivo
variavel extensiva. Vejamos um exemplo bem comum: dois sistemas a tem-
peraturas diferentes trocam entropia (afinal dS = d′Q/T ) ate que as temper-
aturas se igualem. Outro exemplo bem corriqueiro: dois sistemas a pressoes
diferentes separados por uma parede movel variam seus volumes ate que as
pressoes se igualem. Aqui vamos ver o par potencial quımico (intensiva) -
numero de partıculas (extensiva). Seguindo a mesma ideia dos pares TS
e pV , dois sistemas com potenciais quımicos diferentes, separados por uma
parede que permita apenas a passagem de partıculas (parede rıgida, fixa e
isolante termica) trocam partıculas ate que os potenciais quımicos se igualem.
Usaremos a letra µ para designar o potencial quımico. Com isso, a primeira
lei da Termodinamica fica escrita como
dEint = TdS − pdV + µdN . (12.1)
Veremos na proximas aulas que considerar a possibilidade de variar N
tornara possıvel o estudo do gas ideal no regime quantico, por agora vamos
simplesmente entender sua associacao com a troca de partıculas.
Sistemas em equilıbrio termico e difusivo
Considere que dois sistemas que estao em contato com um reservatorio
termico sao interligados de forma a poderem trocar partıculas, como es-
quematizado na figura 12.1. Suponha que os potenciais quımicos das duas
partes sejam inicialmente diferentes, por exemplo suponha que µ2 > µ1.
Havera troca de partıculas entre os sistemas, na forma de uma corrente de
partıculas pelo tubo que liga os dois sistemas, ate que o equilıbrio difusivo
seja estabelecido. A condicao que define o equilıbrio difusivo e µ1 = µ2. A
troca de partıculas entre os sistemas e daquele com o maior valor de µ para
o que tem o menor valor de µ.
Seguindo um procedimento analogo ao da Aula 8, especficamente equacao
(8.34), escrevemos a energia livre de Helmoltz em funcao de V , T e N , temos
dF =
(
∂F
∂V
)
T,N
dV +
(
∂F
∂T
)
V,N
+
(
∂F
∂N
)
V,T
dN . (12.2)
Mas F = Eint − TS, e
dF = dEint − d(TS)
= TdS − pdV + µdN − SdT − TdS
= −pdV − SdT + µdN , (12.3)
CEDERJ 146
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12
s1s2
m1 m2
T
T
T
Figura 12.1: Os sistemas S1 e S2 estao em contato termico com um reser-
vatorio a temperatura T , e podem trocar partıculas entre si atraves de uma
passagem entre os dois. Na figura supomos que µ2 > µ1, por isso indicamos
uma passagem de partıculas de S2 para S1, ate que o equilıbrio se estabeleca
com µ1 = µ2.
Comparando as expressoes (12.3) e (12.2) podemos imediatamente identificar
µ =
(
∂F
∂N
)
T,V
, (12.4)
Se varias especies quımicas estao presentes, a cada uma e associado um
potencial quımico. A condicao de equilıbrio difusivo nesse caso e estabelecida
para cada especie.
Atividade 1
Calcule o potencial quımico do gas ideal classico.
Resposta comentada
Com a relacao (12.4) podemos calcular o potencial quımico do gas ideal
classico a partir da expressao ja encontrada para F , equacao (8.33), lem-
brando que φ = N/V . Temos
F (T, V, N) = NκT
[
ln
(
N
V φq
)
− 1
]
,
logo
µ(T, V, N) = κT ln
(
φ
φq
)
. (12.5)
Como ja se podia esperar, quanto maior a concentracao, maior o valor de µ.
Se interligamos dois recipientes com um determinado gas a temperatura T , o
147CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivo
que tiver maior concentracao ira ceder partıculas para o menos concentrado.
Fim da atividade
Podemos tambem escrever o potencial quımico a partir da entropia. Para
isso, reescrevemos a equacao (12.1) como
dS =1
TdEint +
p
TdV −
µ
TdN . (12.6)
Supondo que S seja funcao de E, V e N , temos
dS =
(
∂S
∂E
)
N,V
dE +
(
∂S
∂V
)
N,E
dV +
(
∂S
∂N
)
E,V
dN (12.7)
Comparando as expressoes (12.6) e (12.7) vemos que
µ
T= −
(
∂S
∂N
)
E,V
. (12.8)
Potencial quımico interno e total
A passagem de partıculas entre dois sistemas com diferentes valores
de potencial quımico pode ser afetada por diferencas de energia potencial
externas. Por isso e conveniente definir um potencial quımico interno e um
externo, ou seja
µt = µint + µext .
fazendo com que a condicao de equilıbrio seja generalizada como µ1t = µ2t.
Atividade 2
Um modelo muito simplificado para a conducao de seiva das raızes as folhas
de uma arvore, considera que as raızes estao em contato com ar saturado de
vapor de agua a concentracao φ0, e as folhas em contato com ar saturado a
uma concentracao αφ0, onde α < 1. Considere que o vapor possa ser descrito
pela expressao (12.5), e que a temperatura seja uniforme e igual a T . Calcule
a altura h da arvore, em funcao de α e T .
Resposta comentada
O potencial quımico do vapor de agua em contato com as folhas e menor,
ja que aparece em menor concentracao, assim a tendencia da agua e subir
das raızes ate as folhas. O campo gravitacional atual no sentido contrario,
fazendo com que a agua prefira descer. Devemos levar em conta a energia
potencial gravitacional no problema, je que sua existencia afeta a passagem
de partıculas. Assim, numa dada altura z,
µt(z) = κT ln
(
φ
φq
)
︸ ︷︷ ︸
µint
+mgz︸︷︷︸
µext
.
CEDERJ 148
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12
No equilıbrio temos µt(h) = µt(0), essa condicao so pode ser satisfeita se
considerarmos que a concentracao varia com z. Temos que φ(h) = αφ0 e
φ(0) = φ0 logo a condicao de equilıbrio fica
κT ln
(
αφ0
φq
)
+ mgh = κT ln
(
φ0
φq
)
+ mg0 .
Resolvendo para h temos
h = −κT
mglnα .
Fim da Atividade
Estatıstica de sistemas em equilıbrio difusivo
Vamos voltar para a descricao microscopica estendendo a discussao feita
na Aula 6, agora para um sistema com T e µ determinados por acoplamento
termico e difusivo com um reservatorio. Agora queremos calcular proba-
s
R
N -N0 N
T
T
m
mE0-e
e
Figura 12.2: Um sistema S em contato com um reservatorio R. A fronteira
de S permite que haja troca de energia e de partıculas com o reservatorio,
e o sistema combinado S + R esta isolado do meio externo, sendo a energia
total, E0, e o numero total de partıculas, N0, constantes.
bilidade Pj de que o sistema esteja num determinado microestado dentro de
todos os possıveis, considerando todos os macroestados, com todos os valores
de N pertinentes ao sistema. Essa probabilidade sera proporcional a multi-
plicidade do reservatorio no macroestado compatıvel com o microestado j.
Se j e um microestado do macroestado de energia ε, com N partıculas, temos
entao
Pj(ε) = c gR(E0 − ε, N0 − N) , (12.9)
onde c e uma constante e gR e a multiplicidade do macroestado de energia
E0 − ε, com N0 − N partıculas, do reservatorio. Seguimos o mesmo pro-
cedimento da Aula 5, considerando que o reservatorio e muito maior que o
149CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivo
sistema, o que significa que E0 ε e N0 N , e que podemos expandir lnPj
em serie, na forma
lnPj(ε) = ln c + ln gR(E0) − ε∂ln gR∂E
∣
∣
∣
∣
E0, N0
− N∂lngR∂N
∣
∣
∣
∣
E0, N0
+ O(ε2, N2) .
(12.10)
Fazendo a identificacao SR = κ ln gR, usando as definicoes (4.6) para a tem-
peratura, e (12.8) para µ/T , temos
lnPj(ε) = lnC −ε
κTR
+NµR
κTR
ou
Pj(ε) = C exp
(
−ε
κTR
)
exp
(
NµR
κTR
)
,
sendo TR e µR a temperatura e o potencial quımico do reservatorio, re-
spectivamente, e C uma constante. Como no equilıbrio as temperaturas do
sistema e do reservatorio serao iguais, o mesmo ocorrendo com os potenciais
quımicos, podemos abolir o ındice R. A constante de proporcionalidade deve
ser determinada por normalizacao, somando-se as probabilidades referentes
a todos os microestados possıveis para S, o que inclui agora uma soma todos
os possıveis valores de N . Temos
∑
j
Pj(εj, Nj) = C∑
j
exp(
−εj
κT
)
exp
(
Njµ
κT
)
= 1 . (12.11)
Logo,
C =1
∑
j exp(
− εκT
)
exp(
Njµ
κT
) . (12.12)
Definimos entao
Z ≡∑
j
exp(
−εj
κT
)
exp
(
Njµ
κT
)
(12.13)
o que leva a definicao de probabilidade para um dado microestado como
Pj(εj, Nj) ≡exp
(
−εj
κT
)
exp(
Njµ
κT
)
Z. (12.14)
A funcao Z e chamada f uncao de granparticao ou soma de Gibbs.
Uma notacao util e definir a atividade λ ≡ exp(
Njµ
κT
)
. Com essa
definicao a soma de Gibbs fica
Z ≡∑
j
λNj exp(
−εj
κT
)
(12.15)
CEDERJ 150
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12
Aplicacao: Isotermas de Langmuir
Uma das aplicacoes tradicionais deste tipo de estatıstica e o estudo da
adsorcao. Uma forma de estudar esse fenomeno e considerar um lıquido ou
um solido em contato com um gas a pressao p, e temperatura T . Uma parte
das moleculas do gas penetra no lıquido e e capturada por de algumas suas
moleculas. No caso do solido, a superfıcie dele pode capturar moleculas do
gas. No equilıbrio, para dados valores de p e T temos uma certa fracao f das
moleculas do lıquido, ou da superfıcie do solido, ligadas a moleculas do gas.
Dizemos que essas moleculas do gas foram adsorvidas. A curva f(p), para
uma dada temperatura e chamada isoterma de Langmuir.
Um processo muito estudado nesse contexto e a adsorcao de oxigenio
pelo sangue, feito por uma parte inorganica do grupo heme. Este grupo con-
siste de um atomo de ferro ligado a quatro atomos de nitrogenio, e esses por
sua vez ligados a um anel organico (figura 12.3(a)). Essa estrutura em fomra
de cupula aparece em algumas proteınas e funciona como uma armadilha
para oxigenio. Um exemplo e a mioglobina, proteına responsavel pela cor
vermelha da carne crua tem um grupo heme.
Esse Fe central pode estar ligado ou nao a uma molecula O2. Se
tomamos uma quantidade macroscopica de mioglobina, uma certa fracao
f de moleculas estara como grupo heme ocupado por O2, sendo o valor de f
dependente da temperatura e da pressao de O2. Nosso referencial de energia
N
N
C C
C
Fe
N
N
C C
C
Fe
O2
(a) (b)
Figura 12.3: (a) Parte da molecula de mioglobina, mostrando o grupo heme
em forma de cupula. (b) Aqui o grupo heme esta indicado em vermelho.
Quando desocupado ele se apresenta mais fechado, a adorcao do oxigenio
tem o efeito de abrir o grupo heme.
151CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivo
sera o seguinte:
ε : MbO2 → grupo heme ocupado com um O2 → N = 1, E = ε
0 : O2+Mb em repouso → grupo heme desocupado → N = 0, E = 0
Calculamos Z a partir de (12.15):
Z = λ0e0 + λ1eβε = 1 + λeβε
Nosso sistema consiste de grupos heme oxigenados, em equilıbrio com
outros nao oxigenados, em contato com um reservatorio de moleculas de
oxigenio livres, tudo a temperatura T . A condicao de equilıbrio para O2
livre no lıquido e o ligado ao grupo heme e
µ(O2) = µ(MbO2) ou λ(O2) = λ(MbO2) (12.16)
De acordo com (12.14) A fracao de grupos heme oxigenados corresponde a
f =λeβε
Z=
λeβε
1 + λeβε
Vamos usar o modelo do gas ideal classico para descrever essas moleculas.
Usando a expressao (12.5) temos
µ = κT ln
(
φ
φq
)
⇒ λ =φ
φq
(12.17)
Podemos escrever f em termos da pressao de O2 usando que, para um
gas ideal, φ = p/κT . Obtemos
f =p
p0 + p, (12.18)
onde p0 ≡ φqκT expβε.
Atividade 3
Considere um sistema que pode estar desocupado com energia zero ou ocu-
pado por uma partıcula com energia zero ou energia ε. Calcule a ocupacao
e a energia medias na temperatura T .
Resposta comentada
Para organizar nossos calculos vamos montar uma tabela com os possıveis
microestados.
CEDERJ 152
Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12
j Nj εj termo na soma de Gibbs
1 0 0 1
2 1 0 λ
3 1 ε λ exp(−βε)
Assim,
Z = 1 + λ + λ exp(−βε) .
A ocupacao media pode ser calculada como
〈N〉 =λ + λ exp(−βε)
Z
Para a energia media temos
〈E〉 =ελ exp(−βε)
Z
Fim da Atividade
Resumo
Nesta aula aprendemos o conceito de potencial quımico interno e total e
vimos como estebelecer o equilıbrio difusivo. Do ponto de vista da estatıstica
aprendemos sobre a soma de Gibbs, uma quantidade analoga a funcao de
particao, e leva em conta todos os possıveis valores de N para o sistema.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula vamos aplicar o que aprendemos agora para descrever
o gas ideal em qualquer regime, nao so o classico.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, secoes 3.2 e 7.2.
153CEDERJ
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico
Meta
Tratar a estatıstica do gas ideal sem restricoes para concentracao e
temperatura.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. Entender as diferencax entre fermions e bosons.
2. Calcular a soma de Gibbs e as ocupacoes medias para gases de fermions
e bosons.
3. Obter o gas ideal classico como o limite de alta temperatura dos gases
quanticos.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce revise a Aula 8 desta disciplina, e a Aula 19
de Introducao a Mecanica Quantica
Introducao
Na Aula 8 aprendemos a calcular a funcao de particao para o gas ideal
no regime classico, ou de baixa concentracao. Esse regime apareceu natural-
mente como um efeito da correcao de contagem, a divisao por N !, que levou
em conta a indistinguibilidade dos atomos. Sem essa aproximacao nao seria
possıvel calcular a funcao de particao, mas a sua introducao inviabiliza o es-
tudo dos gases em baixas temperaturas ou altas concetracoes, justo quando
efeitos quanticos sao relevantes e visıveis. Nesta aula usaremos os conceitos
de potencial quımico e soma de Gibbs para descrever a estıstica do gas ideal
em qualquer regime.
A soma de Gibbs para o gas ideal
As expressoes (12.13) e (12.15) mostram a soma de Gibbs sendo in-
dexada por um ındice corrido para os microestados, considerando todas as
155CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico
possibilidades de energia e numero de partıculas. A menos que haja poucos
microestados, essa forma de calcular Z nao e muito pratica. Em vez disso
podemos organizar a soma em termos de dois ındices, um para os valores de
energia, outro para N , ou para as ocupacoes. Vamos ver como.
Variando E primeiro, depois N
Reescrevemos Z como
Z =∑
N
λN∑
E
g(E) exp[−βE(N)] =∑
N
λNZN (13.1)
O que fizemos foi primeiro considerar todas as possibilidades de energia para
um certo valor de N e depois levamos em conta todos os valores de N perti-
nentes. Neste caso e necessario que o calculo da funcao de particao para um
dado N seja possıvel.
Escrevendo a energia total em termos das ocupacoes
Aqui escrevemos a energia total como E =∑
j ηjεj, onde as ηj sao as
ocupacoes, ou seja, os ηj nos dizem quantas partıculas ha com energia εj .
Os valores de ηj sao variados de forma independente, sem qualquer vınculo.
Definindo N ≡∑j ηj, cada termo gerado pode ser classificado de acordo com
seu valor de N . Temos assim:
Z =∑
η1
∑
η2
. . . λP
j ηj exp
(
−β∑
j
ηjεj
)
=∏
j
∑
ηj
ληj exp (−βηjεj)
=∏
j
∑
ηj
[λ exp (−βεj)]ηj
︸ ︷︷ ︸
Zj
(13.2)
Neste caso tomamos um orbital j, com energia εj e o consideramos ocupado
com ηj = 0, 1, 2 etc partıculas. E como se tivessemos varios sistemas,
cada um com um nıvel de energia εj. Cada sistema pode estar ocupado
com ηj partıculas, e energia ηjεj, ou desocupado com energia zero, de forma
independente.
No caso do gas ideal nosso problema e com o calculo de ZN , por isso
vamos preferir o segundo metodo. Nosso problema sera calcular
Zj =∑
ηj
[λ exp (−βεj)]ηj . (13.3)
CEDERJ 156
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13
Neste caso nos deparamos com uma nova questao: Quais sao os valores
de ηj possıveis? A resposta e: Depende do tipo de partıcula que estamos
considerando, ou seja, se sao bosons ou fermions.
Spin, bosons e fermions
Na Aula 19 de Introducao a Mecanica Quantica voce aprendeu que
o momento angular de uma partıcula e dado por L =√
`(` + 1~, sendo
` um numero que pode ser inteiro ou semi-inteiro. Para cada valor de `
existem (2` + 1) valores de projecao de momento angular, correspondendo
a m` = −`,−` + 1, . . . , ` − 1, `. A origem do momento angular pode ser
do movimento orbital ou do spin, sendo este uma propriedade intrınseca
a partıcula. Quando se trata de momento angular de spin normalmente
usamos as letra s e S no lugar de ` e L, respectivamente. Devido ao spin
toda partıcula tem momento magnetico proporcional a S, e por isso interage
com campos magneticos externos. Foi exatamente a deflexao de um feixe de
eletrons por um campo magnetico experimento de Stern-Gerlach, 1922) uma
das principais evidencias da existencia desse momento magnetico intrınseco.
Observa-se experimentalmente que as partıculas podem ser classificadas
de acordo com seu momento angular de spin como bosons, caso tenham spin
inteiro, ou fermions se o spin for semi-inteiro. Essa classificacao aplica-se
a partıculas compostas tambem. Sao fermions: eletrons (e), protons (p) e
neutrons (n)(s = 1/2), atomos de He3 (2p+1n+2e) e todos os atomos com
numero ımpar de constituintes. Alguns exemplos de bosons sao: fotons e
fonons (s = 1), atomos de He4 (2p+2n+2e) e atomos com numero par de
constituintes.
E uma lei da Natureza que a funcao de onda descrevendo um sistema
de partıculas identicas deve ser simetrica ou antissimetrica pela troca de
partıculas. A descoberta dessa lei em 1925 se deve a Pauli, e o levou a
estabelecer o Princıpio da Exclusao, formulado como:
• Sistemas constituıdos por partıculas identicas de spin semi-inteiro sao
descritos por funcoes de onda antissimetricas. Essas partıculas (fermions)
obedecem a estatıstica de Fermi-Dirac.
• Sistemas constituıdos por partıculas identicas de spin inteiro sao de-
scritos por funcoes de onda simetricas. Essas partıculas (bosons) obe-
decem a estatıstica de Bose-Einstein.
157CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico
Vamos ver que implicacoes ela tem na estatıstica de partıculas identicas.
Suponha o caso de duas partıculas identicas e independentes, obedecendo ao
hamiltoniano
H = H1 + H2 onde Hi =p2
i
2m+ U(~ri) .
Seja ψni(~ri) uma auto-funcao de Hi, ou seja, Hiψni(~ri) = εniψni. Neste
caso n1 e n2 representam um conjunto de numeros quanticos definindo o
estado da partıcula, ou seja, se a partıcula 1 esta no estado n1, sua funcao
de onda e ψn1(~r1). O produto ψn1ψn2 tem auto-valor E = εn1 + εn2, como
pode ser visto abaixo:
(H1 + H2)ψn1ψn2 = H1ψn1ψn2 + ψn1H2ψn2
= εn1ψn1ψn2 + εn2ψn1ψn2
= (εn1 + εn2)ψn1ψn2
De acordo com a lei descoberta por Pauli a funcao de onda correta para o
sistema deve ter sua simetria definida. Neste caso a funcao de onda das duas
partıculas deve ser construıda a partir das combinacoes lineares simetrica e
antissimetrica, normalizada, como:
ΨS(~r1, ~r2) =1√2
[ψn1(~r1)ψn2(~r2) + ψn1(~r2)ψn2(~r1)]
e
ΨA(~r1, ~r2) =1√2
[ψn1(~r1)ψn2(~r2) − ψn1(~r2)ψn2(~r1)] ,
respectivamente. Note que se n1 = n2, ΨA = 0, ou seja, no caso antis-
simetrico nao podemos ter as duas partıculas no mesmo estado, ou seja, com
todos os numeros quanticos iguais Isso vai ser crucial para definir as regras
de ocupacao de sistemas formados por fermions identicos.
Suponha 3 orbitais, representados pelas letras A, B e C . Nas tabelas
abaixo, voce pode ver como esses orbitais podem ser ocupados por bosons ou
fermions. Os ındices numericos identificam as partıculas
Bosons:
CEDERJ 158
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13
A B C funcao de onda
1,2 - - ψA(~r1)ψA(~r2)
- 1,2 - ψB(~r1)ψB(~r2)
- - 1,2 ψC(~r1)ψC(~r2)
1 2 - 1√
2[ψA(~r1)ψB(~r2) + ψB(~r1)ψA(~r2)]
- 1 2 1√
2[ψB(~r1)ψC(~r2) + ψC(~r1)ψB(~r2)]
1 - 2 1√
2[ψA(~r1)ψC(~r2) + ψC(~r1)ψA(~r2)]
Fermions:
A B C funcao de onda
1 2 - 1√
2[ψA(~r1)ψB(~r2) − ψB(~r1)ψA(~r2)]
- 1 2 1√
2[ψB(~r1)ψC(~r2) − ψC(~r1)ψB(~r2)]
1 - 2 1√
2[ψA(~r1)ψC(~r2) − ψC(~r1)ψA(~r2)]
Calculo da soma de Gibbs e da ocupacao media para
bosons e fermions
O orbital a ser considerado no calculo de Zj corresponde a uma dada
escolha de nx, ny, nz para a funcao de onda da partıcula numa caixa, e uma
dada projecao de spin.
Bosons
Neste caso ηj pode assumir qualquer valor. Usamos o resultado (10.2)
para calcular Zj.
Zj =∞∑
ηj=0
[λ exp (−βεj)]ηj =
1
1 − λ exp (−βεj). (13.4)
A ocupacao media de um dado orbital e
〈ηj〉 =1
Z
∞∑
ηj=0
ηj [λ exp (−βεj)]ηj (13.5)
Definimos x ≡ λ exp (−βεj) para escrever 〈ηj〉 como
〈ηj〉 =1
Z
∞∑
ηj=0
ηjxηj = (1 − x)
∞∑
ηj=0
ηjxηj .
159CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico
Note qued
dx
∞∑
ηj=0
xηj =
∞∑
ηj=0
ηjxηj−1 =
1
x
∞∑
ηj=0
ηjxηj .
Logo∞∑
ηj=0
ηjxηj = x
d
dx
(1
1 − x
)
=x
(1 − x)2.
Substuindo esse resultado na expressao para 〈ηj〉 temos:
fBE = 〈ηj〉 =1
λ−1 exp(βεj) − 1=
1
exp[β(εj − µ)] − 1. (13.6)
A expressao (13.6) recebe o nome de distribuicao de Bose-Einstein.
Examinando a equacao (13.6) vemos que quando tivermosλ−1 exp(βεj) =
1, ou εj = µ, fBE → ∞. Tambem, para que a soma de Gibbs convirja, de-
vemos ter x ≡ exp[β(µ − εj)] < 1 , ou seja, µ < εj. Como isso tem que
acontecer para qualquer valor de εj, concluımos que µ deve ser menor qu o
mais baixo valor de εj, que chamaremos de ε0. Quando ele se tornar igual,
teremos fBE(ε0) → ∞, ou seja a ocupacao desse orbital sera muito maior que
a dos outros, mesmo numa temperatura nao nula. Na Aula 14 estudaremos
com mais detalhes esse comportamento.
Fermions
De acordo com o princıpio da exclusao, nao podemos ter dois ou mais
fermions no mesmo orbital, logo, So ha dois termos neste caso: ηj = 0 ou
ηj = 1. Temos assim
Zj = 1 + λ exp(−βεj)
Para a ocupacao
〈ηj〉 =1
Z
∞∑
ηj=0
ηj [λ exp (−βεj)]ηj =
λ exp (−βεj)
1 + λ exp(−βεj)
ou
fFD = 〈ηj〉 =1
λ−1 exp(βεj) + 1=
1
exp[β(εj − µ)] + 1(13.7)
A exporessao (13.7)recebe o nome de distribuicao de Fermi-Dirac.
Vamos analisar o comportamento de (13.7). Observamos:
• T = 0, ε > µ : neste caso exp[β(ε− µ)] → ∞, logo fFD → 0.
• T = 0, ε < µ : agora exp[β(ε− µ)] → 0, logo fFD → 1.
CEDERJ 160
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13
Figura 13.1: Dsitribuicao de Fermi-Dirac paa T > 0 (curva em preto). As
areas em azul mostram a diferenca entre as distribuicoes para T = 0 e T > 0.
• T > 0, ε = µ : fFD = 0, 5.
Assim, para T = 0 temos uma funcao degrau, com descontinuidade em ε = µ.
O valor do potencial quımico em T = 0 recebe o nome de energia de Fermi.
Usaremos a notacao εF para designa-lo. Temos entao que para T = 0,
fFD(ε) = 1 para ε < εF , indicando que todos esses orbitais estao preenchi-
dos. Se ε > εF , fFD(ε) = 0, indicando que esses orbitais estao vazios.
Para temperaturas diferentes de zero, fFD toma uma forma arredondada,
nas vizinhancas de εF . A figura 13.1 mostra a forma da distribuicao de
Fermi-Dirac para temperaturas nao nulas (linha), e para T = 0. As areas em
azul mostram a diferenca entre as distribuicoes para T = 0 e T > 0.
Limite classico
Na Aula 8, quando calculamos a funcao de particao para o gas ideal
classico, nao fizemos distincao entre bosons e fermions. E importante enten-
der porque isso nao foi preciso. A questao toda e a divisao por N ! no calculo
de ZN a partir de Z1. Como vimos, essa divisao foi introduzida para corrigir
a contagem de estados ja que as partıculas eram indistinguıveis. Entretanto,
essa correcao acabou por penalizar os estados em que mais de uma partıcula
161CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico
Figura 13.2: Comparacaoentre as distribuicoes de Bose-Einstein, Fermi-Dirac
e classica. Como pode ser observado, o regime classico e o limite das duas
distribuicoes quanticas quando ε− µ κT .
estavam no mesmo orbital, ja que a probabilidade desses estado ficou muito
reduzida. Como consequencia, o gas resultante tem muitos orbitais vazios,
e outros com apenas uma partıcula, tornando-se irrelevante a distincao em
termos do valor do spin.
E possıvel obter o resultado classico a partir do quantico, se tomamos
o limite correto. Como vimos na Aula 7, no regime classico, φ φq. Como
λ = φ/φq para o gas classico, temos que λ−1 1. Assim podemos fazer
λ−1 exp(βεj)±1 ≈ λ−1 exp(βεj). Finalmente, a ocupacao de um microestado
de energia εj no regime classico e
fclassico = λ exp(−βεj) . (13.8)
Note que fclassico 1. A figura 13.2 mostra uma comparacao entre as dis-
tribuicoes quanticas e a classica, mostrando claramente a ultima como o
limite das duas primeiras quando a temperatura for muito alta.
Atividade 1
Um sistema hipotetico tem apenas dois orbitais, um com energia zero e outro
com energia ε. Os orbitais nao sao degenerados e podem ser ocupados de
forma independente.
CEDERJ 162
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13
(a) Calcule a soma de Gibbs para ocupacao por bosons e por fermions.
(b) Calcule o numero medio de partıculas no sistema para ocupacao por
fermions e por bosons.
(c) No caso de fermions, qual a probabilidade do sistema estar ocupado por
duas partıculas? E por uma?
(d) Generalize o resultado do ıtem (a), considerando agora 4 orbitais, com
energias zero, ε1, ε2 e ε3.
(e) Refaca o ıtem (a) considerando que o orbital com energia ε e triplamente
degenerado.
Resposta comentada
(a)Como o enunciado diz que os orbitais sao independentes, temos Z = Z0Zε.
Para fermions cada orbital pode receber no maximo uma partıcula:
Z =
[
λ0 exp
(
− 0
κT
)
+ λ1 exp
(
− 0
κT
)] [
λ0 exp
(
− 0
κT
)
+ λ1 exp(
− ε
κT
)]
= [1 + λ][
1 + λ exp(
− ε
κT
)]
Se voce tem duvidas, com 2 orbitais e possıvel montar a tabela das con-
figuracoes:
0 ε E N
0 0 0 0
1 0 0 1
0 1 ε 1
1 1 ε 2
Usamos a tabela para escrever a soma de Gibbs. Pela ordem das linhas da
tabela temos:
Z = 1 + λ + λ exp(
− ε
κT
)
+ λ2 exp(
− ε
κT
)
,
que e equivalente a expressao anterior.
Para bosons um orbital pode ser ocupado sem restricoes.Para um orbital
qualquer temos
Zε =
∞∑
N=0
λN exp
(
−NεκT
)
=
∞∑
N=0
[
λ exp(
− ε
κT
)]N
=1
1 − λ exp(− ε
κT
)
Assim,
Z =
[1
1 − λ
][
1
1 − λ exp(− ε
κT
)
]
163CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico
(b) Basta usar
〈N〉 = λdlnZdλ
(b) Examinando a tabela das configuracoes, vemos que para que o sistema
tenha duas partıculas, devemos ter uma em cada orbital, correspondendo a
ultima linha. Ou seja
P (2) =λ2 exp
(− ε
κT
)
ZPodemos ter N = 1 de duas maneiras. Temos entao
P (1) =λ+ λ exp
(− ε
κT
)
Z(c) Basta fazer o produto com os 4 orbitais. O mesmo que acima, fazendo
ε1 = ε2 = ε3 = ε.
Atividade 2
Como podemos introduzir os graus de liberdade internos na soma de Gibbs
para o gas classico? Resposta comentada
Considere um gas de moleculas poliatomicas. Como vimos na Aula 8, cada
molecula tem a possibilidade de movimentos de rotacao e vibracao alem da
translacao do centro de massa. Os dois primeiros movimentos referem-se a
graus de liberdade internos a molecula. A energia total de uma molecula
pode ser escrita como
ε = εj + εint ,
onde εj corresponde a energia cinetica de translacao do centro de massa,
e εint as energias de rotacao e vibracao. Como vimos acima, a ocupacao
media no regime classico e muito menor que um, assim, ao calcular a soma
de Gibbs, Zj , so precisamos nos preocupar com os termos ηj = 0 e ηj = 1.
Vamos considerar que para um dado microestado de translacao, todas as
possibilidades de estados internos possam ocorrer. Assim,
Zj = 1 + λ∑
int
exp[−β(εj + εint)] , (13.9)
sendo a soma sobre os ındices pertinentes aos movimentos internos da molecula.
Definindo a funcao de particao para esses graus de liberdade como
Zint =∑
int
exp(−βεint)
podemos reescrever (13.9) como
Zj = 1 + λZint exp(−βεj) .
CEDERJ 164
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13
A probabilidade de que um dado estado translacional j seja ocupado,
independente dos movimentos internos da molecula e dada por
f(εj) =λZint exp(−βεj)
1 + λZint exp(−βεj)≈ λZint exp(−βεj) .
Comparando este resultado com (13.8) vemos que a introducao dos graus
de liberdade internos tem o papel de alterar o valor de λ, ou µ. Definimos
λ∗ ≡ λZint, ou λ = λ∗/Zint = φ/φqZint. Assim podemos usar os resultados
previamente obtidos para o gas monoatomico com λ∗ no lugar de λ.
Conclusao
A estatıstica do gas de partıculas indistinguıveis pode ser estudada
se usamos o formalismo da soma de Gibbs, trabalhando com as ocupacoes
dos diversos orbitais. Para que todas as regioes de concentracao e temper-
atura possam ser consideradas, torna-se necessaria a distincao entre bosons
e fermions, inerente ao tipo de spin da partıcula. Desta forma encontramos
dois tipos de gases quanticos, de bosons e de fermions, com propriedades
bem distintas. Os dois gases tem comportamento identico quando T → ∞,
tendendo ao comportmento classico nessa regiao de temperaturas.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, capıtulo 8.
R. Eisberg e R. Resnick, Fısica Quantica, Editora Campus, capıtulo 8.
Atividade Final
No inıcio desta Aula dissemos que fotons e fonons sao bosons. Com-
pare as distribuicoes obtidas para esses sistemas nas Aulas 10 e 11, com a
distribuicao de Bose-Einstein.
Resposta comentada
Fotons numa cavidade, e fonons dentro de um solido obdedecem a dis-
tribuicao de Planck, equacao (10.6), dada por
〈η(ω)〉 =1
exp (β~ω)− 1.
165CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico
Aqui, 〈η(ω)〉 e o numero medio de fonons ou fotons com frequencia ω. Com-
parando esta expressao com a distribuicao de Bose-Einstein, vemos que a
as duas distribuicoes sao identicas se µ = 0. Iso significa que o potencial
quımico de fotons e fonons e nulo. Para entender esse resultado, lembramos
que o potencial quımico e a grandeza que controla o numero de partıculas
do sistema, permitindo que N seja variado independentemente de T . Por
exemplo, num gas de atomos numa dada temperatura e volume, podemos
escolher qualquer valor de N . Nos gases de fotons e fonons isso nao pode ser
feito. Ao escolhermos T e V , o numero de partıculas fica determinado, isso
implica em µ = 0 para esses sistemas.
Resumo
Nesta aula aprendemos como usar a soma de Gibbs para calcular as
ocupacoes medias de gases quanticos. Vimos que a estatıstica de fermions e
bosons e bem diferente devido ao princıpio de exclusao de Pauli. Verificamos,
tambem, que o limite de temperatura alta para ambos gases e dado pelo
regime classico.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula vamos ver a distribuicao de Fermi-Dirac com mais
detalhes, aplicando-a para modelar o comportamento termico dos eletrons
de conducao em um solido.
CEDERJ 166
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions
Metas da aula
Apresentar as principais propriedades do gas ideal de eletrons.
Objetivos
No final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. Calcular diversas propriedades do gas de eletrons a T = 0
2. Entender o papel da dimensionalidade no comportammento do poten-
cial quımico.
3. Encontrar qualitativamente o comportamento do calor especıfico eletronico
em funcao da temperatura.
Pre-requisitos
Esta aula requer que voce revise as Aulas 8 e 11 desta disciplina.
Introducao
Na aula anterior vimos como obter as ocupacoes para fermions e bosons,
e algumas de suas propriedades, nesta aula vamos focar nos fermions. Ha
varios sistemas de fermions interessantes, aqui vamos nos fixar no gas de
eletrons em metais. Um metal consiste basicamente de ıons positivos, forma-
dos pelos nucleos e orbitais mais internos dos atomos e eletrons praticamente
livres formando o que chamamos de gas de eletrons livres. Cassifica-los como
livres e uma aproximacao, ja que eles sofrem atracao dos ıons positivos. Na
segunda parte desta disciplina voce vera os efeitos dessa interacao. Por agora
temos um gas sem interacao, um gas ideal de eletrons.
Devido a reduzida massa do eletron, a concentracao quantica deste gas
na temperatura ambiente e bem menor que a de um gas de atomos. Nas
167CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions
CNPT, um gas ideal de atomos tem concentracao
φat =1
V=
p
κT≈
105 Pa
1, 38 × 10−23 J/K · 310 K= 2, 3 × 1025m−3
A concentracao quantica para atomos e da ordem de 1031m−3, portanto muito
maior que φat. Observando a expressao para φq, vemos que
φq(at)
φq(el)=
m(at)
m(el)≈ 104
,
tornando a validade do modelo classico bastante discutıvel no caso do gas de
eletrons. Por isso usaremos a distribuicao de Fermi-Dirac para descreve-lo.
Propriedades da distribuicao de Fermi-Dirac
Comecamos lembrando que um orbital e uma solucao da equacao de
Schrodinger para uma partıcula, no nosso caso significa uma dada escolha
de (nx, ny, nz) para a parte de energia cinetica e um valor da projecao de
spin. Como estamos tratando de eletrons que tem spin s = 1/2, as projecoes
possıveis sao ms = ±1/2.
Na aula passada vimos que num gas de fermions a ocupacao media do
orbital de energia ε e dada pela distribuicao de Fermi-Dirac, que tem a forma
fFD(ε) =1
λ−1 exp(βε) + 1=
1
exp[β(ε− µ)] + 1. (14.1)
Como a ocupacao deve ser um numero entre 0 e 1, fFD(ε) pode ser
encarada como a probabilidade de que um orbital com energia ε esteja ocu-
pado. Examinando a figura 13.1 vemos que para T = 0, todos os orbitais
com ε ≤ µ tem f = 1, portanto estao preenchidos, e os com ε > µ tem f = 0,
estando desocupados. Este e o estado de mais baixa energia para o sistema,
seu estado fundamental. A energia do ultimo orbital ocupado, em T = 0, e
denominada energia de Fermi, εF .
A medida que a temperatura aumenta, a energia total deve aumentar
devido a passagem de eletrons para orbitais de maior energia. Os eletrons
que tem ε . εF sao afetados primeiro ja que logo acima deles ha orbitais
vazios, prontos para serem ocupados. Promover um eletron com ε εF
requer muita energia, ja que os orbitais vazios tem ε > εF . Assim, para
uma temperatura nao nula, mas baixa, a distribuicao de Fermi-Dirac so e
apreciavelmente diferente da com T = 0 nas vizinhancas da energia de Fermi.
A largura da regiao afetada e da ordem de κT . Para qualquer temperatura,
CEDERJ 168
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14
quando ε = µ(T ), f = 0, 5. Esse valor de energia e denominado nıvel de
Fermi.
box de atencao: Nao confunda energia de Fermi (εF ) com nıvel de Fermi.
O primeiro e uma propriedade do gas em T = 0 apenas. O nıvel de Fermi
define qual o orbital com 50% de chance de ser ocupado, sendo uma grandeza
dependente da temperatura.
Atividade 1
Mostre que a distribuicao de Fermi-Dirac e simetrica com relacao ao nıvel de
Fermi.
Resposta comentada
Calculamos a distribuicao num ponto de energia ε = µ + δ. Temos
f(µ + δ) =1
exp(βδ) + 1= 1 −
1
exp(−βδ) + 1= 1 − f(µ − δ)
Note que:
• f(µ+δ) = probabilidade do orbital com energia ε = µ+δ estar ocupado.
• f(µ−δ) = probabilidade do orbital com energia ε = µ−δ estar ocupado.
• 1 − f(µ − δ) = probabilidade do orbital com energia ε = µ − δ estar
vazio.
Logo, a simetria e entre os buracos e os eletrons excitados.
Atividade 2
Estime a largura da regiao afetada pelo aumento de temperatura na dis-
tribuicao de Fermi-Dirac.
Resposta comentada
Vamos considerar uma aproximacao linear para a distribuicao, como indi-
cado na figura abaixo. A reta em vermelho e a tangente no ponto ε = µ.
Vamos calcular a equacao dessa reta, e aproximar para 2δ a largura da regiao
arrendondada.
df
dε= −
1
κTexp
(ε − µ
κT
)1
[exp
(ε−µκT
)+ 1
]2
Assim, f′(µ) = −1/4κT . Seguindo a notacao da figura, podemos calcular
o valor de δ. Obtemos δ = κT . Assim, a largura da regiao afetada pela
temperatura e 2κT .
169CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions
0,5
m+d
m-d
m
Figura 14.1: Distribuicao de Fermi-Dirac para T > 0. A regiao afetada pela
temperatura foi aproximada por uma reta
eF
Figura 14.2: Preenchimento dos nıveis de energia num sistema unidimen-
sional, a T = 0.
O gas de Fermi a T = 0
O estado fundamental do gas de Fermi para N partıculas pode ser
obtido se preenchemos todos os orbitais, a partir de baixo, ate que o ultimo
fermion seja colocado. A figura 14.2 ilustra esse processo num gas unidimen-
sional com12 eletrons. Neste caso os nıveis sao nao-degenerados, e podem
acomodar dois eletrons, um com ms = +1/2, outro com ms = −1/2 em cada
um.
Num sistema de maior dimensao teremos que levar em conta a degenerescencia.
Por exemplo, no gas tridimensional, n2 = 6 tem 3 orbitais, com (nx, ny, nz)
iguais a (2, 1, 1), (1, 2, 1) e (1, 1, 2), e pode acomodar 6 eletrons. Determinar
a energia de Fermi num sistema bi ou tridimensional fica complicado, porque
nao temos uma expressao que nos diga a degenerescencia de cada nıvel. As-
CEDERJ 170
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14
sim, vamos novamente usar a aproximacao de que o volume e macroscopico,
e portanto a separacao entre os nıveis e muito pequena. Com isso passamos
a usar a densidade de estados (ou densidade de orbitais) para fazer essa
contagem.
Lembrando,
dN (ε) = D(ε)dε
e o numero de orbitais com energia entre ε e ε + dε. Essa expressao define
a densidade de estados D(ε). Para um gas tridimensional a energia de um
orbital e
ε =
(~
2
2m
) (π
L
)2 (n
2
x + n2
y + n2
z
),
logo temos
D(ε) =V
4π2
(2m
~2
)3/2
ε1/2
. (14.2)
Agora podemos calcular a energia de Fermi. Devemos impor que a soma da
ocupacao media sobre todos os orbitais seja N . Nessa abordagem contınua
temos
N = 2
∫ εF
0
D(ε)dε = 2V
4π2
(2m
~2
)3/2 ∫ εF
0
ε1/2dε (14.3)
O fator 2 vem das duas projecoes de spin. Finalmente, para o gas tridimen-
sional de eletrons temos
εF =~
2
2m
(3π2
N
V
)2/3
≡ κθF (14.4)
A definicao da temperatura de Fermi, θF , permite estabelecer uma referencia
de temperatura. Por exemplo, se um sistema tem θF muito maior que a tem-
peratura ambiente, significa que ele deve ser descrito pelo modelo quantico
nessa temperatura. A tabela 14.8 mostra alguns valores de θF .
Pode-se imediatamente concluir que para esses metais a temperatura
ambiente e uma temperatura bastante baixa, estando a distribuicao de Fermi
pouco modificada com relacao a referente a T = 0. O mesmo ocorre com
todos os metais.
Atividade 3
Qual a energia interna do gas de eletrons a T = 0?
Resposta comentada
Esse calculo e semelhante ao da energia de Fermi. Devemos somar a energia
de todos os orbitais ocupados. Temos
E0 = 2
∫ εF
0
εD(ε)dε = 2V
4π2
(2m
~2
)3/2 ∫ εF
0
ε3/2dε
171CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions
metal εF (eV) θF (104K)
Li 4,7 5,5
Na 3,1 3,7
K 2,1 2,4
Rb 1,8 2,1
Cs 1,5 1,8
Cu 7,0 8,2
Ag 5,5 6,4
Au 5,5 6,4
Tabela 14.8: Valores da temperatura de Fermi para alguns metais.
Efetuando a integral e ordenando as constantes, temos
E0 =3
5NεF .
Dependencia do potencial quımico com a temperatura
A expressao (14.3) e especıfica para T = 0. Numa temperatura qual-
quer devemos escrever
N = 2
∫∞
0
f(ε)D(ε)dε = 2V
4π2
(2m
~2
)3/2 ∫∞
0
f(ε)ε1/2dε . (14.5)
Em princıpio o podemos obter µ(T ) calculando a integral e invertendo a
funcao. Infelizmente essa integral nao e nada simples de resolver, ela requer
uma solucao em serie, valida para temperaturas baixas. Foge do escopo desta
disciplina entrar nos detalhes desse calculo, devido a Sommerfeld. Ele pode
ser visto na referencia citada no fim da aula.
Os dois primeiros termos da expansao de Sommerfeld levam a
µ(T ) ≈ εF
[
1 −π
2
12
(T
θF
)2]
. (14.6)
O fato que µ diminui com a temperatura podia ser previsto com uma
analise qualitativa. A figura 14.3 mostra o integrando de (14.5) para T = 0 e
T > 0, supondo que o potencial quımico nao dependa da temperatura. Para
T = 0 f(ε) = 1 ate ε = εF e zero depois disso. O valor de N calculado para
T > 0 sera maior, porque a area em cinza, correspondendo a orbitais que
ficaram vazios, e maior que a azul relativa aos orbitais que foram ocupados.
CEDERJ 172
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14
Figura 14.3: Comportamento do integrando em (14.5) para T = 0 e T > 0,
supondo que o potencial quımico nao dependa da temperatura.
A unica maneira de termos as duas areas iguais e ter um potencial quımico
que diminui com a temperatura. Essa dependencia levaria toda a curva em
T > 0 para tras.
Atividade 4
De que forma a dimensao afeta o comportamento de µ(T )?
Resposta comentada
A dimensionalidade do sistema afeta a forma de D(ε). Em d = 3 D(ε) ∼ ε1/2,
sendo uma funcao crescente de ε. Por isso a area azul ficou maior, f(ε) esta
sendo multiplicada por um numero maior quanto maior for a energia.
Num sistema bidimensional D(ε) nao depende de ε (veja o Exemplo
7.7), logo esse efeito nao aparece, e µ deve ser independente da temperatura.
Em d = 1 temos D(ε) ∼ ε−1/2 (Verifique!), logo o comportamento e o
inverso do caso tridimensional, ou seja, µ deve aumentar com a temperatura.
Calor especıfico do gas de Fermi
A energia interna do sistema pode ser calculada de forma analoga a
(14.5), ou seja,
E = 2
∫∞
0
εf(ε)D(ε)dε = 2V
4π2
(2m
~2
)3/2 ∫∞
0
f(ε)ε3/2dε . (14.7)
173CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions
Assim como no calculo de µ deve-se proceder com a expansao do integrando
e integracao de cada termo. O calculo realizado por Sommerfeld leva a
E ≈3
5NεF
[
1 +5π2
12
(T
θF
)2]
, (14.8)
o que implica em
cel =π
2
2κ
T
θF.
O ındice ajuda a lembrar que essa e a contribuicao dos eletrons de conducao.
No solido como um todo quando entregamos uma certa quantidade de calo,
parte ira para os fonons, ou seja, para excitar vibracoes nos ıons que estao
presos na rede cristalina. Como vimos na Aula 10, o calor especıfico vi-
bracional e proporcional a T3 para temperaturas baixas. Juntando os dois
termos temos para o solido metalico a baixas temperaturas
c = γT + AT3 (14.9)
A expressao (14.9) tem razoavel concordancia com dados experimentais, con-
siderando sua simplicidade. A tabela mostra uma comparacao entre valores
experimentais para γ, tirados por ajusta da equacao (14.9) a dados experi-
mentais, e o valor previsto pelo modelo de eletrons livres que acabamos de
ver.
metal γexpmJ/mol.K2γFDmJ/mol.K2
Li 1,63 0,75
Na 1,38 1,14
K 2,08 1,69
Rb 2,41 1,97
Cs 3,20 2,36
Cu 0,695 0,50
Ag 0,646 0,65
Au 0,729 0,654
Atividade 5
O que a teoria classica preve para o calor especıfico de metais? Compare
com o resultado previsto pelo modelo de Fermi-Dirac.
Resposta comentada
CEDERJ 174
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14
Devemos considerar tambem que ha duas contribuicoespara o claor especıfico,
do gas eletronico e das vibracoes da rede. Assim, escrevemos
c = cel + cvib .
Na Aula 11 vimos que previsao classica para a parte de vibracao e cvib = 3κ.
Quanto ao gas, a teoria classica nao distingue o tipo de partıcula, entao temos
o mesmo valor de todos os gases monotatomicos, ou seja cel = 3κ/2. Assim,
c =9
2κ ≈ 37 J/mol.K
Para comparacao usamos o resulado para a prata. Pela tabela γ = 0, 65
mJ/mol.K2, logo, a temperatura ambiente
cFD ≈ (0, 65 mJ/mol.K2)320 K = 0, 208 J/mol.K
Vemos assim que o resultado previsto pelo modelo de Fermi-Dirac e muito
menor que o classico.
Atividade 6
Use seu conhecimento sobre a forma da distribuicao de Fermi-Dirac para
encontrar uma expressao qualitativa para o calor especıfico eletronico.
Resposta comentada
Vamos supor que estamos num regime de baixa temperatura, que e o aplicavel
aos eletrons de conducao a temperatura ambiente. A regiao de f(ε) afetada
por um aumento de temperatura e da ordem de κT . Se acomodamos N
atomos ate ε = εF , devemos ter N′ ≈ κTN/εF eletrons na regiao afetada. A
energia desses eletrons e ≈ N′κT , logo
E′ =
N
εF(κT )2
,
levando a c ∼ T .
Conclusao
Podemos descrever os eletrons de conducao em um metal como um gas
nao interagente, mas no qual o carater fermionico das partıculas tem que ser
levado em conta.
Resumo
Nesta aula aprendemos algumas propriedades do gas de eltrons num
solido.
175CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula vamos aprender sobre o gas de bosons e a condensacao
de Bose-Einstein.
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP, capıtulo 9.
Atividades Finais
Atividade 7
(a) Calcule a pressao de um gas de Fermi no estado fundamental.
(b) Calcule a entropia para o gas de eletrons quando T θF
Resposta comentada
(a) Da primeira lei temos que
dE = TdS − pdV + µdN
Escrevendo E(S, V, N) temos que
dE =
(∂E
∂S
)
dS +
(∂E
∂V
)
dV +
(∂E
∂N
)
dN ,
logo podemos identificar
p = −
(∂E
∂V
)
Usamos a expressao ja calculada para E0 para obter
p =2
5
N
VεF =
(3π2)2/3
5
~2
m
(N
V
)5/3
(b) Para o calculo da entropia usamos o resultado para o calor especıfico, ja
que
C =d′
Q
dT= T
dS
dT.
Para T θF encontramos
Cel = Nπ
2
2κ
T
θF.
logo
S = Nπ
2
2κ
T
θF+ A ,
onde A e uma constante independente da temperatura. Pela terceira lei
devemos ter S → 0 quando T → 0, logo A = 0.
CEDERJ 176
Aula 15 - Gas de bosonsMODULO 1 - AULA 15
Aula 15 - Gas de bosons
Meta
Apresentar as principais propriedades do gas ideal de bosons.
Objetivos
Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
1. Calcular a temperatura de Einstein.
2. Calcular a dependencia da ocupacao do orbital fundamental com a
temperatura.
Pre-requisitos
Para melhor entendimento desta aula voce deve revisar a Aula 13.
Introducao
O gas de bosons tem propriedades bem diferentes das do gas de eletrons.
A mais importante e a possilidade de concentrar uma quantidade macroscopica
de partıculas no orbital fundamental, numa temperatura bastante acima do
zero absoluto, um efeito que leva o nome de condensacao de Bose-Einstein.
Bose foi um fısico indiano que por volta de 1920 estudava a entao nova ideia
de que a luz era formada por quanta, os fotons. Ele chegou ao que con-
hecemos hoje como distribuicao de Bose-Einstein, mas sendo um cientista
desconhecido na epoca, teve dificuldades em ter seus resultados aceitos pela
comunidade cientıfica. Einstein, que ja era um cientista renomado, entendeu
a importancia de seus resultados e os estendeu a atomos. O efeito previsto
pela estatıstica de Bose-Einstein foi usado de forma indireta para explicar a
supercondutividade (J. Bardeen, L. Cooper e R. Schrieffer, Nobel de fısica
em 1972 pela teoria BCS) e a superfluidez (L. Landau, Nobel de fısica em
1962), mas foi observado diretamente apenas em 1995 por E. Cornell e C.
177CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 15 - Gas de bosons
Figura 15.1: (a) O potencial quımico deve estar abaixo do orbital funda-
mental para que a soma de Gibbs seja convergente. (b) A medida que a
temperatura abaixa o potencial quımico se aproxima do orbital fundamen-
tal, fazendo com que a ocupacao deste seja macroscopica.
Wieman em atomos de rubıdio. Esses dois cientistas, junto com W. Ket-
terle receberam o Nobel de Fısica em 2000 por esse feito. A condensacao de
Bose-Einstein e um desses exemplos em que a teoria antecede a experiencia.
Nesta aula veremos um gas de atomos bosonicos, sendo um exemplo tıpico
os atomos He4, que apresenta uma fase superfluıda a baixas temperaturas.
Propriedades do potencial quımico de bosons
Como vimos na Aula 12, nao ha restricao para a ocupacao de um orbital
por bosons. Assim, a soma de Gibbs para esse sistema fica
Z =∞∑
N
exp [β(ε− µ)]N .
Para que essa soma seja convergente devemos ter exp [β(µ − ε)] < 1, o que
significa que sempre devemos ter µ < ε. Isso deve valer para qualquer orbital,
entao µ deve ser menor que a energia do orbital fundamental, como ilustrado
na figura ??. E de se esperar que o potencial quımico dependa da temperatura
e da concentracao do gas. Mesmo sem saber sua forma funcional, temos que
maior valor possıvel para µ sera a energia do orbital fundamental. Vamos
recordar a distribuicao de Bose-Einstein:
fBE(ε) =1
λ−1 exp(βε) + 1=
1
exp[β(ε− µ)] − 1. (15.1)
Aqui, fBE(ε) da o numero medio de bosons no orbital de energia ε. Vamos
supor que µ < ε0 escrevendo ε0 = µ + δ2. O quadrado garante que estamos
somando uma quantidade positiva a µ, levando sempre a condicao µ < ε0.
CEDERJ 178
Aula 15 - Gas de bosonsMODULO 1 - AULA 15
Temos
exp[β(ε− µ)] = exp
[ε − µ
κT
]
= exp
[δ2
κT
]
.
Se T = 0, exp[
δ2
κT
]
→ ∞, e f(ε0) → 0, o mesmo ocorrendo para todos os
outros orbitais. Assim para um valor finito de δ, as ocupacoes de todos os
orbitais seriam muito baixas. Esse sistema nao tem nada de interessante! Por
outro lado, se δ2 → 0, δ2/κT sera finito em T → 0, e a ocupacao do orbital
fundamental sera muito grande, e a dos outros orbitais muito pequena. Esse
e o comportamento que nos interessa, e que foi previsto por Einstein (veja
a figura ??. Dizemos que nesse caso, ha uma condensacao de atomos no
orbital fundamental. Esse fenomeno tem o nome de condensacao de Bose-
Einstein. Para uma dada concentracao, chamamos de TE a temperatura para
qual ocorre a condensacao de Bose-Einstein, ou seja, para a qual um numero
macroscopico de atomos esta populando o orbital fundamental.
Usando uma notacao comum neste problema, vamos usar o orbital fun-
damental como referencia, ou seja, vamos subtrair o valor de sua energia de
todos os outros. Assim, daqui para frente a energia do orbital fundamental
sera zero, e o potencial quımico sera sempre negativo, sendo zero seu maior
valor.
Estimativa de TE
Comecamos calculando o numero total de partıculas. Usamos a mesma
expressao do sistema de fermions, equacao (14.5). Aqui vamos supor que o
spin do atomo seja s, assim, para cada orbital temos γ = (2s + 1) possıveis
projecoes de spin.
N = γ
∫ ∞
0
f(ε)D(ε)dε = γV
4π2
(2m
~2
)3/2
︸ ︷︷ ︸
≡C
∫ ∞
0
f(ε)ε1/2dε . (15.2)
Quando T = TE temos µ = 0, logo
N = γ C
∫ ∞
0
ε1/2
exp(
εκTE
)
− 1dε
Definimos a variavel adimensional x ≡ ε/κTE , com ela reescrevemos a inte-
gral como
N = γ C(κTE)3/2
∫x1/2
ex − 1dx
179CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 15 - Gas de bosons
O valor da integral adimensional e 1, 306π1/2. Com isso temos o resultado
final
TE =~
2
2mκ
(4π2
γ1, 306π1/2
)2/3 (N
V
)2/3
(15.3)
Note que para que TE nao seja baixa demais, a massa do atomo em questao
deve ser a menor possıvel. O He4 e um bom candidato, tendo uma massa
molar de 4g. O helio lıquido tem uma concentracao molar de 27,6 cm3/mol,
levando a TE ≈ 3 K.
Atividade 1
Calcule a diferenca de energia entre os dois primeiros nıveis do He4, em
termos de temperatura. Compare com o valor estimado para TE . Considere
o gas confinado a um cubo de lado L = 1 cm 3
Resposta comentada
Os dois primeiros nıveis tem numeros quanticos (1,1,1) e (1,1,2). Temos
ε0 =~
2
2m
(π
L
)2
3 e ε1 =~
2
2m
(π
L
)2
6
Assim,
∆ε = ε1 − ε0 =3
2
~2
2m
(π
L
)2
Podemos escrever ∆ε em termos de temperatura, basta dividir por κ. Colo-
cando os dados para o helio, chegamos a T ≈ 1, 8× 10−14 K, um valor muito
menor que TE . Pela estatıstica do gas classico, sendo essa a separacao dos
dois primeiros nıveis, em T = 3 K ja deverıamos ter uma populacao bastante
grande no primeiro estado excitado.
Comportamento para T > TE
Queremos saber como o numero de atomos no condensado depende da
temperatura. Para isso consideramos duas contribuicoes: N0 correspondendo
aos atomos no orbital fundamental, e Ne para todos os outros orbitais, sao
os atomos excitados. Sempre devemos ter N = N0(T ) + Ne(T ).
Para o orbital fundamental, ε = 0 e
N0(T ) = f(0) =1
exp(− µ
κT
)− 1
=1
λ−1 − 1.
Para os atomos excitados temos
Ne(T ) = γ
∫ ∞
0
D(ε)1
λ−1 exp(
εκT
)− 1
dε = γC(κT )3/2
∫ ∞
0
x1/2
λ−1ex − 1dx ,
CEDERJ 180
Aula 15 - Gas de bosonsMODULO 1 - AULA 15
Figura 15.2: Populacao relativa do orbital fundamental em funcao da tem-
peratura.
sendo x a variavel adimensional definida anteriormente. Podemos realizar a
integral desde ε = 0 para os atomos excitados porque o integrando e nulo
quando ε = 0.
Vamos considerar a situacao em que N0 1. Neste caso λ ≈ 1 (ou
µ ≈ 0) e podemos usar a aproximacao
Ne(T ) ≈ γC(κT )3/2
∫ ∞
0
x1/2
ex − 1dx = γ
1, 306V
4
(2mκT
π~2
)3/2
= N
(T
TE
)3/2
.
Como N0 = N −Ne, podemos escrever
N0
N= 1 −
(T
TE
)3/2
. (15.4)
A figura ?? mostra o comportamento de N0/N em funcao da temperatura.
Manifestacoes da condensacao de Bose-Eintein
Supercondutividade
Em metais os eletrons de conducao sofrem dois tipos de interacao elet-
rostatica: a repulsao com relacao a outros eletrons de conducao e a atracao
pelos ıons positivos da rede. Em situacoes muito especiais observa-se uma
181CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 15 - Gas de bosons
atracao efetiva entre os eletrons de conducao, intermediada pelos ıons pos-
itivos. Numa descricao simplista, a passagem de um eletron por um ıon
positivo faz com que este se desloque levemente, e atraia outro eletron da
vizinhanca. Esses eletrons formam um par correlacionado, que recebe o nome
de par de Cooper por terem sido descobertos por L. Cooper em 1956. Como
o movimento dos ıons positivos cria fonons, dizemos que os dois eletrons do
par interagem via fonons. Os eletrons individualmente sao fermions, mas o
par e um boson. A condensacao desse bosons foi o mecanismo proposto por
Bardeen, Cooper e Schriffer para o fenomeno da supercondutividade, daıo
nome de teoria BCS. O movimento coletivo desses bosons formam uma cor-
rente com caracterısticas completamente diferentes da corrente usual, em que
os eletrons estao descorrelacionados.
Superfluidez
Atomos de He4 sao bosons, portanto passıveis de sofrer condensacao
de Bose-Einstein. Suas propriedades de superfluıdo foram descobertas por
P. Kapitsa, J. F. Allen e D.Misener em 1937. A superfluidez aparece numa
temperatura de 2,17 K, muito proxima da prevista pela condensacao de Bose-
Einstein para o helio. Landau explicou o comportamento pouco usual desse
superfluıdo descrevendo-o como um condensado.
Resumo
Nesta aula vimos que um gas de bosons tem um comportamento muito
distinto de um gas de fermions. A proximidade do potencial quımico com
relacao ao orbital fundamental faz com que a ocupacao do mesmo seja macroscopica
para certas temperaturas. Os bosons que populam esse orbital formam o que
chamamos de condensado de Bose-Einstein. Os fenomenos da supercondu-
tividade e superfluidez tem como explicacao a existencia dessa condensado.
Informacoes sobre a proxima aula
Na proxima aula voce podera rever toda a materia traves de alguns
problemas resolvidos.
CEDERJ 182
Aula 15 - Gas de bosonsMODULO 1 - AULA 15
Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao
Paulo, EDUSP.
183CEDERJ
Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16
Aula 16 - Problemas de revisao
Metas da aula
Fixar os conceitos aprendidos nas aulas anteriores atraves de aplicacoes.
Objetivos
No final desta aula, voce deve ser capaz de:
• Calcular as funcoes de particao e granparticao de diversos sistemas
• Calcular medias termicas e relaciona-las com grandezas termodinamicas.
• Entender os comportamentos de temperatura alta e baixa de diversos
sistemas.
Pre-requisitos
Aulas anteriores.
Atividade 1
Um solido e formado por partıculas com momento magnetico m0 e spin 3/2.
Isso significa que, na presenca de um campo magnetico B a energia de uma
partıcula pode ser escrita como ε = −m0Bσ, com σ podendo ter os valores
±3/2, ±1/2.
(a) Calcule a funcao de particao para N partıculas.
(b) Usando argumentos termodinamicos e estatısticos, esboce os graficos de
1. energia em funcao da temperatura,
2. momento magnetico medio em funcao do campo, para dois valores difer-
entes de temperatura,
3. calor especıfico em funcao da temperatura e
4. entropia em funcao da energia.
Em cada ıtem explique detalhadamente como obteve os comportamentos
assintoticos. Resposta comentada
(a) A energia do sistema completo, com N partıculas, pode ser escrita como
E =N∑
i=1
εi = −m0B
N∑
i=1
σi .
185CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 16 - Problemas de revisao
O enunciado diz que as partıculas fazem parte de um solido, entao nao pre-
cisamos considerar a correcao de Gibbs ja que as partıculas nao podem trocar
de lugar, sendo distinguıveis pela posicao. Temos entao
ZN =∑
σ1
∑
σ2
. . .
∑
σN
exp
(
βm0B
∑
i
σi
)
(16.1)
=∑
σ1
∑
σ2
. . .
∑
σN
∏
i
exp (βm0Bσi)
=
[∑
σ1
exp (βm0Bσ1]
]N
=
[
exp
(
−βm0B3
2
)
+ exp
(
−βm0B1
2
)
+ exp
(βm0B1
2
)
+ exp
(βm0B3
2
)]N
=
[
2 cosh
(βm0B
2
)
+ 2cosh
(3βm0B
2
)]N
(b) Para todos os ıtens as seguintes ideias sao importantes:
• O numero de nıveis de energia e finito.
• Sao 4 nıveis, em ordem crescente de energia: −3m0B/2, −m0B/2,
m0B/2, e 3m0B/2.
• Em termos da energia total do sistema, 3 valores sao importantes:
E = −3Nm0B/2 quando todos os atomos tiverem seus momentos
magneticos alinhados com o campo, com maxima projecao, correspon-
dendo a S = 0; E = 0 quando todos os nıveis estiverem igualmente
populados, cada um com N/4 partıculas. Esta e a configuracao de
maior entropia; E = 3Nm0B/2 quando todos os atomos tiverem seus
momentos magneticos alinhados ao contrario do campo, com maxima
projecao, que tambem corresponde a S = 0.
• A energia e limitada, ou seja, tem um valor maximo (= 0) quando
T → ∞. Isso significa que dE/dT → 0 quando T → ∞.
• ∂S∂E
= 1T
> 0.
• ∂E∂T
= CX > 0.
• Da terceira lei: ∂S∂T
= 0 e S = 0 em T = 0.
1. energia em funcao da temperatura: O que minimiza a energia
e estar alinhado com o campo, com o maior σ. Assim, em T = 0,
CEDERJ 186
Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16
quando nao ha influencia de entropia, todos os atomos tem σ = 3/2, e
E = −3NBm0/2. Temos tambem que a derivada nesse ponto deve ser
nula, porque dE/dT e a capacidade termica, que e nula em T = 0, (veja
o ıtem (d)). Quando T → ∞, a entropia predomina na determinacao
do estado de equilıbrio. Assim como na distribuicao binomial, aqui a
configuracao de maior multiplicidade e aquela em que os nıveis estao
igualmente populados, dando E = 0.
2. momento magnetico medio em funcao do campo, para dois val-
ores diferentes de temperatura: O sinal de B indica em que sentido esta
sendo aplicado, para uma dada direcao. De qualquer forma, quando
|B| → ∞ todas as partıculas devem estar alinhadas com o campo.
Quanto mais baixa for a temperatura, menor o valor de campo capaz
de saturar a magnetizacao, isso leva a que ∂M/∂B quando B = 0 deve
ser maior para a menor temperatura.
3. calor especıfico em funcao da temperatura: e a curva da derivada
da curva (b). Deve ser nulo em T = 0 (terceira lei), e deve → 0 para
temperaturas altas, ja que a energia e limitada, logo tem que passar
por um maximo (anomalia Schottky).
4. entropia em funcao da energia: basta associar S com os valores de
energia do ıtem (b).
Atividade 2
As teorias que descrevem a radiacao de fundo do universo como radiacao
termica reminicente do big bang, pressupoem que a expansao do universo se
deu de forma isentropica e neste caso, o numero de fotons em cada frequencia
teria se mantido constante, enquanto que a frequencia de cada modo teria
se alterado pelo aumento do volume (explique!). Queremos mostrar que a
entropia do gas de fotons pode ser escrita apenas em funcao das ocupacoes
medias 〈η〉 de cada modo. Para isto, mostre que
(a) S = lnZ + κTZ
∂Z∂T
(b) Z = 〈η + 1〉.
(c) 〈η+1〉〈η〉 = exp
(~wκT
)
(d) S/κ = 〈η + 1〉 ln〈η + 1〉 − 〈η〉 ln〈η〉
Resposta comentada
Seguindo o mesmo procedimentopara a obtencao da relacao (??), encon-
tramos
S = −
(∂F
∂T
)
V
187CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 16 - Problemas de revisao
CEDERJ 188
Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16
Como F = −κT lnZ, temos
S = κT lnZ + κT1
Z
∂Z
∂T
onde Z = [1 − exp (β~ω)]−1.
Usamos a distribuicao de Planck para escrever Z em termos de 〈η〉. Sabmeos
que
〈η〉 =1
exp (β~ω)− 1.
Podemos entao escrever
〈η + 1〉 = 〈η〉 + 1 = Z
tambem,〈η + 1〉
〈η〉= exp (β~ω)
ou~ω
κT= ln
(〈η + 1〉
〈η〉
)
Assim, podemos escrever
∂Z
∂T=
1
T〈η + 1〉〈η〉 ln
(〈η + 1〉
〈η〉
)
Finalmente,S
κ= 〈η + 1〉 ln〈η + 1〉 − 〈η〉 ln〈η〉
Atividade 3
Mostre que o potencial quımico do gas ideal classico, sem graus de liberdade
internos, e dado por
µ(V, T, N) = κT ln
(N
V φq
)
,
onde φq e a concentracao quantica, T a temperatura e V o volume.
Resposta comentada
O potencial quımico pode ser calculado de varias maneiras.
pela energia livre de Helmholtz: F = −κT lnZN , e ZN = (Z1)N/N !. A aprox-
imacao de Stirling (lnN ! ≈ N lnN − N) pode ser usada, e finalmente a
definicao µ = ∂F∂N
.
pelo limite classico das ocupacoes quanticas:
As ocupacoes sao dadas por
f(ε) =1
exp(
ε−µκT
)± 1
189CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 16 - Problemas de revisao
No limite classico nao importa se as partıculas sao bosons ou fermions, ou
seja, exp(
ε−µκT
) 1, e f(ε) = exp
(µ−εκT
). O numero total de partıculas pode
ser calculado somando f(ε) para todos os orbitais:
N =∑
i
exp
(
−εi − µ
κT
)
= exp(
µ
κT
)∑
i
exp(
−εi
κT
)
= exp(
µ
κT
)
Z1.
Usando a expressao de Z1 dada, e invertendo encontra-se a expressao para
µ.
Atividade 4
Suponha um gas de fotons a uma temperatura T , em equilıbrio termico
com uma cavidade d-dimensional de volume V = Ld. Se omitimos a energia
contante do ponto zero, podemos escrever a energia de um foton de frequencia
ω como ε = ~ω.
(a) Calcule o numero medio de fotons com frequencia ω na cavidade.
(b) As frequencias possıveis dentro da cavidade podem ser escritas como
ωn = nπcL
, onde n2 =
√
n21 + n
22 + . . . + n
2d. Mostre que a energia total da
cavidade e
E = AV (κT )d+1,
onde A e uma constante.
(c) Mostre o que o numero total de fotons e
N = A′V (κT )
d,
onde A′ e uma constante.
(d) Calcule a entropia do gas.
Resposta comentada
(a) s fotons de frequencia ω tem energia s~ω, assim
Z =∞∑
s=0
exp
(
−s~ω
τ
)
=1
1 − exp(−~ω
τ
)
O numero medio de fotons com uma dada e frequencia
〈s〉 =
∑∞s=0 s exp
(− s~ω
τ
)
Z= −
dlnZ
dy,
onde y = ~ω/τ . Assim,
〈s〉 =1
exp(
~ωτ
)− 1
(b) E = 2∫∞
0~ωn〈sn〉g(n)dn, onde g(n)dn e o numero de microestados de
frequencia entre n e n + dn. O fator 2 leva em consideracao as duas polar-
izacoes possıveis. Num espaco d-dimensional, o numero de microestados e
CEDERJ 190
Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16
dado pelo volume da casca esferica de raio n e espessura dn, dividido por 2d,
porque n deve ser sempre positivo. Ou seja,
g(n)dn = 2−dCdn
d−1dn,
onde Cd e uma constante que depende da dimensao (ex: C1 = 1, C2 = 2π,
C3 = 4π). Assim,
E = 21−dCd
∫ ∞
0
~nπc
L
1
exp(
~ωτ
)− 1
nd−1
dn,
ou
E = 21−dCdτ
(τL
~πc
)d ∫ ∞
0
xd
ex − 1dx
ou seja, E = AV τd+1, onde A = 21−d(~πc)−d
CdI , e I e o valor da integral em
x. (c) O numero total de fotons pode ser obtido somando-se as ocupacoes de
todos os microestados,
N =
∫ ∞
0
〈sn〉g(n)dn
Seguindo o mesmo procedimento acima temos N = A′V τ
d, onde A′ =
21−dCdI
′(~πc)−d, sendo I′ =
∫∞0
xd−1
ex−1dx. (d) Para um processo a V con-
stante, dU = TdS, assim, dS = AV κd−1
Td−2, logo
S(T ) = AVκ
d−1
d − 1T
d−1,
onde usamos que S = 0 quando T = 0.
Atividade 5
Um cilindro de raio R roda em torno de seu eixo com velocidade angular ω
e contem um gas ideal classico de atomos de massa M , a temperatura T .
Calcule a concentracao de equilıbrio do gas.
Resposta comentada
No referencial rodando com o gas atua sobre cada molecula a uma distancia
r do centro uma forca centrıfuga mω2r. A energia potencial associada a
essa forca e U = −mω2r2/2. Assim, numa distancia r do centro o potencial
quımico total e
µt = κT ln
(φ
φq
)
−mω
2r2
2.
No equilıbrio devemos ter µt(0) = µt(r), levando a
φ(r) = φ(0) exp
(mω
2r2
2κT
)
191CEDERJ
Física Estatística e
Matéria Condensada
Aula 16 - Problemas de revisao
Atividade 6
Um gas de bosons com massa m e spin 1 esta confinado a uma area A = L2,
a temperatura T .
(a) Mostre que o potencial quımico do gas e dado por
µ = κT
ln
[
1 − exp
(
−2φπ~
2
3mκT
)]
,
onde φ e a concentracao.
(b) Explique em que condicoes de temperatura e concentracao esse gas ap-
resenta condensacao.
Resposta comentada
(a) A densidade de orbitais em d = 2 e
D(ε) = (2s + 1)mA
2~2π=
3mA
2~2π
Note que ao contrario do caso tridimensional, D(0) 6= 0. O numero total de
partıculas no sistema pode ser calculado somando a ocupacao de todos os
orbitais:
N =
∫ ∞
0
f(ε)D(ε)dε
=3mA
2~2π
∫ ∞
0
dε
exp(
ε−µκT
)− 1
=3mA
2~2π
∫ ∞
0
exp(
µ−εκT
)dε
1 − exp(
µ−εκT
)
=3mAκT
2~2πln
[
1 − exp
(µ − ε
κT
)]∣∣∣∣
∞
0
= −3mAκT
2~2πln[
1 − exp(
µ
κT
)]
Resolvendo para µ, e definindo a concentracao bidimensional φ ≡ N/A obte-
mos a resposta desejada.
(b) Para que ocorra condensacao devemos ter µ = 0. Pela expressao dada,
vemos que isso so e possıvel se φ → ∞ para T 6= 0, ou se T = 0 com
concetracao finita.
Atividade 7
A energia de uma partıcula relativıstica e dada por ε = c
√
m2 + p2, onde m
e a massa da partıcula, p seu momento linear e c a velocidade da luz. No
regime relativıstico extremo podemos desprezar a contribuicao da massa de
repouso, escrevendo ε ≈ pc. Considere um gas de N eletrons nesse regime,
contido num volume V = L3, de forma a que o momento linear assuma os
CEDERJ 192
Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16
valores quantizados p = nπ~
L, onde n
2 = n2x + n
2y + n
2z.
Calcule
(a) a energia de Fermi, εF do gas,
(b) e a energia interna, E, do gas em T = 0.
(c) Mostre que em T = 0 a pressao do gas e
p =1
3
E
V.
Resposta comentada
(a) A energia de Fermi e a energia do ultimo orbital ocupado quando T = 0.
Para calcula-la, impomos que todos os eletrons devem ocupar os orbitais de
mais baixa energia, ou seja
N =
∫ ∞
0
f(ε)D(ε)dε =
∫ εF
0
D(ε)dε,
ja que em T = 0 f(ε) = 1 para ε < εF e f(ε) = 0 para ε > εF . O numero de
orbitais entre n e n + dn e
2 ×1
84πn
2dn.
Para obter a densidade de orbitais usamos que ε = π~cnL
, e dε = π~cL
dn. Com
isso,
D(ε)dε = π
(L
π~c
)3
ε2dε.
Finalmente,
N =V
3π2(~c)3ε3F → εF =
(3N
V π
)1/3
~πc
(b) A energia interna em T = 0 pode ser calculada atraves da expressao:
E = 2
∫ εF
0
εD(ε)dε =V
4π2(~c)3ε4F =
3N
4εF
(c) Sabemos que P = −(
∂F∂V
)
TN. Como F = E − TS, em T = 0 E = F ,
assim,
P = −
(∂E
∂V
)
TN
=3N
4
∂εF
∂V=
NεF
4V=
1
3
E
V
193CEDERJ