Física Estatística

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Aula 1 - Micro × macro M ´ ODULO 1 - AULA 1 Aula 1 - Micro × macro Meta Apresentar as escalas de tempo, comprimento e energia de diversos pro- cessos f´ ısicos, bem como as diferen¸ cas entrefenˆomenos microe macrosc´opicos. Objetivos Ao final desta aula, vocˆ e dever´a ser capaz de: 1. Reconhecer e aplicar o conceito de m´ edia, relacionando-o a valores de grandezasmacrosc´opicas. 2. Identificar escalas de tempo, comprimento e energia associadas a alguns sistemas f´ ısicos. 3. Identificar grandezas e vari´aveis intensivase extensivas. Pr´ e-requisitos Esta aula requer que vocˆ e esteja familiarizado com os conceitos de Teo- ria Cin´ etica dos Gases apresentados na Aula 7 desta disciplina e com as equa¸ c˜oes de Boyle e Gay-Lussac (ou Charles) apresentadas na Aula 8 de ısica 2A. Introdu¸ c˜ao No final do s´ eculo XIX a Termodinˆamica j´a podia ser considerada como uma teoria bem estabelecida. Atrav´ es dela o comportamento t´ ermico de v´arios sistemas pˆode ser compreendido no n´ ıvel macrosc´opico levando a um grande desenvolvimento tecnol´ogico. A possibilidade de constru¸ c˜aode m´aquinast´ ermicas e motores foi fundamental para o que hoje conhecemos como Revolu¸ c˜aoIndustrial. boxe de curiosidade A Revolu¸ c˜aoIndustrial consistiu em um conjunto de mudan¸ castecnol´ogicas 1 CEDERJ

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Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1

Aula 1 - Micro × macro

Meta

Apresentar as escalas de tempo, comprimento e energia de diversos pro-

cessos fısicos, bem como as diferencas entre fenomenos micro e macroscopicos.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. Reconhecer e aplicar o conceito de media, relacionando-o a valores de

grandezas macroscopicas.

2. Identificar escalas de tempo, comprimento e energia associadas a alguns

sistemas fısicos.

3. Identificar grandezas e variaveis intensivas e extensivas.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce esteja familiarizado com os conceitos de Teo-

ria Cinetica dos Gases apresentados na Aula 7 desta disciplina e com as

equacoes de Boyle e Gay-Lussac (ou Charles) apresentadas na Aula 8 de

Fısica 2A.

Introducao

No final do seculo XIX a Termodinamica ja podia ser considerada

como uma teoria bem estabelecida. Atraves dela o comportamento termico

de varios sistemas pode ser compreendido no nıvel macroscopico levando a

um grande desenvolvimento tecnologico. A possibilidade de construcao de

maquinas termicas e motores foi fundamental para o que hoje conhecemos

como Revolucao Industrial.

boxe de curiosidade

A Revolucao Industrial consistiu em um conjunto de mudancas tecnologicas

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com profundo impacto no processo produtivo em nıvel economico e social.

Iniciada na Inglaterra em meados do seculo XVIII, expandiu-se pelo mundo

a partir do seculo XIX. A Fısica desenvolvida nessa epoca teve um papel

fundamental no desenvolvimento de novas tecnologias. Especificamente, a

Termodinamica permitiu que fossem construıdas maquinas termicas mais

eficientes para uso direto no processo industrial, como os teares, ou para a

expansao dos meios de transporte, como o motor a vapor e o motor a com-

bustao interna.

fim do boxe de curiosidade

Um dos principais ingredientes da formulacao matematica da Termodi-

namica sao as variaveis de estado que, como o nome indica, descrevem o

estado macroscopico do sistema. Alguns exemplos sao: energia (E), en-

tropia (S), volume (V ), pressao (p) e temperatura (T ). O arcabolco da

Termodinamica e um conjunto de leis a serem obedecidas pelas variaveis de

estado. Normalmente parte-se de alguma relacao empırica entre algumas

variaveis de estado e relacoes entre outras variaveis podem ser obtidas com

o uso das leis da Temodinamica. Nessa abordagem sempre lidamos com a

descricao macroscopica.

O que falta na Termodinamica e uma forma de encontrar relacoes en-

tre variaveis de estado a partir de princıpios fundamentais da escala mi-

croscopica. O objetivo da Fısica Estatıstica (FE) e complementar a Ter-

modinamica, obtendo a descricao macroscopica de um sistema fısico for-

mado por um numero muito grande de partıculas, a partir do conhecimento

estatıstico no nıvel microscopico.

Historicamente pode-se considerar a formulacao do Teorema H por

Boltzmann em 1872 como o marco inicial da FE. Nesse teorema Boltzmann

mostra que, enquanto um sistema relaxa para o equilıbrio, e possıvel definir-

se uma funcao, a funcao H, que nunca aumenta com o passar do tempo. A

partir dessa funcao, Boltzmann propos uma definicao de entropia ligada ao

grau de desordem do sistema e compatibilizou o princıpio do aumento da

entropia, existente na Termodinamica, com a visao estatıstica de um sistema

fısico. Em poucas palavras, Boltzmann mostrou que um sistema que evolui

no tempo, com energia constante, encontra seu equilıbrio na configuracao

mais desordenada, que e tambem a mais provavel.

Nessa epoca a Mecanica Quantica ainda nao havia sido formulada, e

todo o desenvolvimento inicial da FE foi feito atraves da descricao classica

do movimento das partıculas. Assim, havia uma serie de resultados que

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Figura 1.1: Um texto de Fısica Estatıstica nao esta completo sem uma foto

de Boltzmann.(Por favor incluir uma foto de Boltzmann)

conflitavam com observacoes experimentais, especialmente com relacao ao

comportamento a baixas temperaturas.

Foi exatamente na tentativa de descrever a radiacao termica por Planck,

em 1901, que surgiu a ideia de que a energia da radiacao eletromagnetica emi-

tida pelos atomos nas paredes de uma cavidade deveria ser quantizada, e nao

contınua. O modelo proposto por Planck e considerado como o inıcio da

Mecanica Quantica. A medida que a descricao quantica passou a ser usada,

a excelente concordancia entre as previsoes da FE e as observacoes experi-

mentais consagrou a teoria.

boxe de curiosidade: A questao fundamental perseguida por Boltzmann

era como sistemas macroscopicos podiam apresentar irreversibilidade se as

leis que regem o mundo microscopico sao reversıveis. A resposta veio ao

estudar as colisoes aleatorias entre moleculas de um gas. Ao longo da for-

mulacao do problema, Boltzmann definiu a funcao H =∫

P (~u) ln P (~u)d~u,

em termos da probabilidade P (~u) de encontrar uma molecula com veloci-

dade entre ~u e ~u + d~u. O processo em questao, a termalizacao do gas de

moleculas, esta embutido na forma funcional de P (~u); essa funcao muda a

medida que o gas atinge o equilıbrio termodinamico atraves de colisoes entre

as moleculas. E possıvel mostrar-se que essa funcao H nunca aumenta. A

partir dela a entropia para N moleculas foi definida como S = −NκH, sendo

κ uma constante, mais tarde denominada constante de Boltzmann. A teoria

de Boltzmann foi muito atacada na epoca, levando o cientista a um profundo

estado de depressao que culminou com seu suicıdio em 1906. fim do boxe

Inicialmente criada para o estudo de sistemas fısicos, a abrangencia

de sua formulacao estendeu a aplicabilidade da FE a outras areas, como

biologia e economia, no final do seculo XX. Em poucas palavras, a FE fornece

um mecanismo sistematico para o calculo das probabilidades de ocorrencia

de configuracoes microscopicas, como veremos na Aula 6. Nesse calculo os

ingredientes principais sao a energia e a temperatura. A FE combina o

princıpio de minimizacao da energia da Mecanica com a maximizacao da

entropia, princıpio proveniente da Termodinamica atraves da Segunda Lei.

O estado de equilıbrio de um determinado sistema e determinado por esses

dois processos de extremizacao sendo a minimizacao de energia dominante a

baixas temperaturas, e a maximizacao da entropia, a altas temperaturas.

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A Teoria Cinetica

A primeira tentativa de descricao microscopica de um sistema macroscopico

foi feita atraves Teoria Cinetica dos Gases. Nessa abordagem o movimento

das moleculas do gas e descrito pelas leis da Mecanica Classica e considera-se

que elas caminham e colidem entre si e com as paredes do reservatorio de

forma aleatoria. Na Aula 7 de Fısica 2A voce viu a determinacao cinetica

da pressao de um gas ideal e a sua relacao com a lei de Boyle. Praticamente

todas as ideias que serao trabalhadas nas proximas aulas estao presentes

no modelo cinetico do gas ideal. Em primeiro lugar temos um sistema que

contem um numero elevadıssimo de partıculas. Neste caso o sistema e um

gas de baixa densidade, contido num recipiente macroscopico de volume V .

box de atencao: Para o melhor entendimento destes conceitos e importante

que voce refaca os Exercıcios 2, 3 e 4 da Aula 7 de Fısica 2A.

fim do boxe

Num volume macroscopico numero de moleculas do gas, N , e da ordem do

numero de Avogadro (Na), ou seja, N ∼ 1023. Qualquer tentativa de enten-

der o comportamento desse sistema atraves do conhecimento da posicao e da

velocidade de cada molecula sera infrutıfera. Mesmo se conseguıssemos ter

acesso a esses dados, a qualquer instante de tempo, eles seriam inuteis para

responder as perguntas que geralmente sao feitas sobre um sistema como esse,

basicamente: quais sao seus valores de pressao, densidade e temperatura.

Atraves de hipoteses simplificadoras sobre o comportamento microscopico

das moleculas, a teoria cinetica possibilita relacionar a pressao p, que e uma

grandeza macroscopica, com as velocidades moleculares ~ui, i = 1, 2, . . . N ,

atraves do valor medio, 〈u2〉, do quadrado da velocidade como:

p ≡1

3ρ〈u2〉 , (1.1)

sendo

〈u2〉 ≡1

N

N∑

i=1

u2

i (1.2)

e ρ a densidade volumetrica. Finalmente, a conexao com a temperatu-

ra (outra grandeza macroscopica) pode ser feita a partir de observacoes

empıricas, tais como a lei de Boyle (pV = constante), ou a lei de Gay-

Lussac ou Charles (V/T = constante). Com esse procedimento comecamos

com uma visao microscopica, dada pelos valores de 6N variaveis (valores de

ux, uy, uz, x, y e z de cada molecula), e chegamos a macroscopica, com 3

variaveis: p, V e T . O processo envolveu o calculo de valores medios para

descrever o conjunto de moleculas.

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Atividade 1

(Objetivo 1)

Os conceitos de media e densidade podem ser usados em qualquer sistema,

nao apenas os formados por atomos e moleculas. Veja a foto abaixo, que

mostra varios graos de arroz espalhados sobre uma folha de papel. Como

voce faria para estimar o numero de graos nessa foto usando o conceito de

densidade?

Resposta comentada

Uma inspecao visual mostra que a densidade de graos e razoavelmente ho-

mogenea, portanto, podemos contar quantos graos estao num pequeno qua-

drado, e depois calcular a area total. Como definir o tamanho do quadrado?

Ele deve ser grande o suficiente para ter um numero razoavel de graos, mas

nao muito grande, porque queremos exatamente evitar ter que contar muitas

graos. Se o quadrado for muito pequeno o numero de graos nele dependera

muito de onde esta colocado, o que levaria a uma dispersao enorme no valor

medio do numero de graos na dada area. Para vermos o efeito dessa escolha

vamos considerar quadrados com 2 cm de lado (linha preta) e com 1 cm de

lado (linha amarela). Vamos posicionar cada quadrado em 5 pontos distintos

e contar quantos graos estao dentro de cada um. Imediatamente notamos a

primeira dificuldade: como lidar com graos que estao parcialmente dentro do

quadrado. Vamos estimar as fracoes de grao nas bordas dos quadrados.

Comecemos com os quadrados menores, em amarelo. Chamando de ni

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o numero de graos no i-esimo quadrado temos:

n1 = 9 n2 = 11 n3 = 9 n4 = 12 n5 = 12

Calculamos o valor medio:

〈n〉 =1

5

5∑

i=1

ni = 10, 6

e o desvio quadratico medio:

σ =

1

5

5∑

i=1

(ni − 〈n〉)2 = 1, 4

Chamando de a a area dos quadrados amarelos, calculamos a densidade su-

perficial media de graos, definida como 〈ρ〉 ≡ 〈n〉/a. Neste caso ficamos

com 〈ρ〉 = 10, 6 graos/ cm2. A area total da foto e 103,8 cm2, portanto, a

estimativa do numero total de graos e 914.

Repetimos o procedimento usando os quadrados maiores, com a = 4

cm2. Neste caso encontramos:

n1 = 33 n2 = 32 n3 = 34 n4 = 36 n5 = 37 .

Outras quantidades calculadas sao: 〈n〉 = 34, 4, σ = 1, 85 e 〈ρ〉 = 8, 6 graos/

cm2. Neste caso o numero total de gaos na foto e estimado em 893.

fim da atividade

Escalas de tempo, comprimento e energia

A conexao entre os mundos micro e macroscopico so e possıvel porque

as escalas de tempo e distancia caracterısticas das duas descricoes sao muito

diferentes. Qualquer medicao ou observacao macroscopica demora um tempo

extremamente longo em comparacao aos tempos tıpicos de variacoes mi-

croscopicas. Podemos fazer algumas estimativas tomando como exemplo um

recipiente macroscopico contendo um mol de helio a temperatura ambiente

e pressao atmosferica. Comecamos por calcular o volume ocupado por 1 mol

de gas. Usamos a equacao de estado do gas ideal, pV = nRT , com os dados

n = 1, nas CNPT, ou seja, T = 300 K, p = 105 Pa (≈ 1 atm). Assim,

obtemos:

V =nRT

p=

1 × 8, 314 J/(mol.K) × 300K

105 Pa= 24, 9 × 10−3m3 = 24, 9 ` (1.3)

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Com este resultado calculamos o volume medio ocupado por cada molecula

ou atomo, no caso dos gases monoatomicos:

v ≡V

Na=

24, 9 × 10−3 m3

6, 03 × 1023 atomos= 4, 13 × 10−26

m3

atomo= 41, 3

nm3

atomo(1.4)

Usamos o nanometro (1nm = 10−9 m) para escrever a resposta por se tratar

de uma unidade de comprimento mais adequada a escala atomica. Nessa

escala o angstron (1A = 10−10 m) tambem e muito usado. Supondo uma

forma cubica, esse valor de v corresponde a um cubo de 3,45 nm de lado.

Um atomo tem dimensoes lineares da ordem de angstron, ou 10−1 nm, assim

vemos que ha muito espaco vazio no gas.

Essa estimativa e a mesma para qualquer gas de atomos ou moleculas

nas mesmas pressao e temperatura, valendo tambem para o ar, por exemplo.

Nao percebemos esses vazios nos gases porque eles se dao numa escala de

comprimento muito menor que a nossa. Nossa percepcao macroscopica e a

de um gas de densidade homogenea igual a densidade media com relacao

as variacoes microscopicas. Embora tenhamos usado o termo microscopico

em oposicao a macroscopico, um sistema com dimensoes da ordem de um

micrometro (1 µm = 10−6 m) e bastante grande. Uma partıcula solida com

volume igual a 1µm3 tem cerca de 1011 atomos. Assim, continuamos a usar

o termo microscopico apenas por tradicao, pois o mais correto e a referir-se

a escala atomica ou nanoscopica.

Atividade 2

(Objetivo 2)

A condutividade dos metais pode ser explicada por um modelo que consid-

era um solido metalico como um recipiente contendo um gas formado pelos

eletrons dos orbitais incompletos mais externos de cada atomo. Estime a

concentracao desse gas de eletrons no lıtio, um metal com um eletron de

conducao por atomo, massa molar m = 6, 94 g e densidade ρ = 535 kg/m3.

Compare com a concentracao de atomos de helio nas condicoes ambientes.

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Resposta comentada

Um mol de lıtio tem Na = 6, 03 × 1023 atomos, portanto, o mesmo numero

de eletrons. Precisamos agora calcular o volume de um mol. Temos

ρ =m

V→ V =

m

ρ=

6, 94 × 10−3 kg/mol

535 kg/m3

= 1, 30 × 10−5 m3/mol .

A concentracao e entao:

φeletrons =Na

V=

6, 03 × 1023 eletrons/mol

1, 30 × 10−5 m3/mol= 4, 64 × 1028 eletrons/m3 . (1.5)

A concentracao do helio nas CNPT pode ser calculada a partir de (1.4):

φHe =1

v=

1

4, 13 × 10−26 m3/atomo= 2, 42 × 1025 atomos/m

3. (1.6)

fim da atividade

Atividade 3

(Objetivos )

Estime a velocidade das moleculas num gas.

Resposta comentada

Vamos usar a expressao (1.1), para isso precisamos estimar a densidade de

um gas. Da equacao de estado do gas ideal temos que a concentracao molar

nas CNPT e

n

V=

p

RT=

105 N/m2

(8, 31 J/K.mol )(300 K)= 0, 402 × 102 mol/m3 .

Para o helio, temos uma massa molar de 4 g, portanto ρHe ≈ 1, 7 × 10−1

kg/m3. No caso do argonio, com massa molar de 40 g, ρAr ≈ 1, 7 kg/m3.

Como estamos fazendo uma estimativa, podemos usar ρ ≈ 1 kg/m3. Esse e

um numero interessante de se guardar. Veja que a agua tem densidade 103

kg/m3. Podemos considerar entao esse um valor tıpico para lıquidos. Assim,

a densidade de um gas e tipicamente mil vezes menor que a de um lıquido.

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Considerando condicoes ambientes, temos

〈u2〉 =3p

ρ=

3 × 105 Pa

1 kg/m3= 30 × 104 (m/s)2 . (1.7)

Embora nao seja igual a velocidade media,√

〈u2〉 em geral difere desse valor

por um fator da ordem da unidade, sendo, portanto, uma otima estimativa

para a velocidade media.

Com essa aproximacao, o valor medio das velocidades moleculares e

〈u〉 ≈√

〈u2〉 = 5, 4 × 102 m/s = 1944 km/h . (1.8)

Assim, vemos que na escala atomica tudo e muito pequeno e rapido, em

comparacao com nossos padroes macroscopicos.

fim da atividade

Agora vamos verificar as escalas de energia envolvidas. A unidade de energia

mais adequada para esse fim e o eletron-volt (eV), a energia de um eletron

num potencial de um volt. A relacao com a unidade de energia no sistema

SI, o Joule, e:

1 eV = 1, 60 × 10−19J ou 1 J = 6, 24 × 1018 eV . (1.9)

Comecaremos calculando a energia cinetica de um objeto macroscopico, uma

bola de tenis. A velocidade da bola num saque e aproximadamente 60 m/s,

e sua massa e cerca de 56 g. Portanto, sua energia cinetica e

Ebola =1

2mu2 =

1

2

(

56 × 10−3 kg)

(60 m/s)2

= 100, 8 J = 6, 30 × 1020 eV .

(1.10)

O atomo de helio no gas tem uma velocidade altıssima, muito maior que a

da bola de tenis, mas sua massa e muito pequena. A massa de um atomo

e essencialmente a do nucleo, que no caso do helio equivale, com uma boa

aproximacao, a massa de dois protons e dois neutrons. Assim, a energia

cinetica de um atomo de helio no gas e:

EHe =1

2mu2 =

1

24 × (1, 67 × 10−27 kg)(5, 4 × 102 m/s)2

= 97, 4 × 10−23 J = 6, 07 × 10−3 eV = 6, 07 meV

Veremos mais adiante (Aula 6) que a energia de agitacao termica, pode ser

estimada pelo produto κT , sendo κ a constante de Boltzmann. Para tempe-

ratura ambiente, ET ≡ κT ≈ 0, 025 eV.

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Boxe de atencao: Revise a relacao entre a energia cinetica media e

temperatura, Eq. (7.17), Aula 7 de Fısica 2A.

fim do boxe de atencao

Comparando com os valores de energia calculados acima, vemos que ET

Ebola e ET EHe. Isso significa que o efeito da temperatura e irrelevante

para o movimento da bola de tenis, mas nao para o comportamento dos

atomos de helio no gas. Ou seja, o movimento do centro de massa da bola

e determinıstico, podendo ser perfeitamente descrito pelas leis da Mecanica

Classica, o mesmo nao ocorrendo com o atomo de helio.

Atividade 4

(Objetivo)

Se todas as moleculas de agua em 1 g de agua fossem distribuıdas uniforme-

mente sobre a superfıcie da Terra, quantas haveria em 1 cm2 dessa superfıcie?

Considere a Terra esferica com raio de 6, 4 × 103 km.

diagramador: deixar xxxx

Resposta comentada

Precisamos calcular o numero N de moleculas ha em um grama e a area A da

superfıcie da Terra. A molecula de agua tem dois hidrogenios e um oxigenio,

portanto tem uma massa molar de 18 g. Um mol tem, portanto, 1/18 de

grama, ou seja,

N =6, 03 × 1023 molecula/mol

18 g/mol= 3, 35 × 1022 moleculas/g

A area da superfıcie da Terra e

A = 4π(6, 4 km)2 = 515 km2

Espalhando as moleculas uniformemente terıamos

N

A=

3, 35 × 1022moleculas

515 km2= 6, 50 × 1019 moleculas/km2

= 6, 50 × 109 moleculas/cm2

fim da atividade

O limite termodinamico

Nas proximas aulas veremos que a boa definicao das grandezas macros-

copicas depende do elevadıssimo numero de partıculas no sistema. Sempre

que formos calcular valores macroscopicos, devemos impor o limite N →

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∞. Esse limite deve ser tomado mantendo todas as densidades, ou valores

especıficos, constantes. Por exemplo, num gas, ao fazer N → ∞, o volume

deve aumentar de tal forma a manter N/V , ou V/N , constante. A esse limite

chamamos de limite termodinamico.

Grandezas e variaveis extensivas e intensivas

Diretamente associadas ao limite termodinamico estao as grandezas in-

tensivas e extensivas. Uma grandeza e intensiva quando seu valor nao se

altera quando V ou N muda de valor, sendo mantidas as densidades ou con-

cetracoes. Por exemplo, considere N moleculas de um gas, a temperatura T ,

confinadas num recipiente isolado de volume V . A pressao do gas pode ser

obtida pela equacao de estado do gas. Suponha que diminuimos o volume

passando para V/2. Se N for variado de forma a manter a mesma concen-

tracao anterior, ou seja se retiramos metade das moleculas, a temperatura e

a pressao do gas ficam inalteradas.

Por outro lado, as grandezas extensivas sao proporcionais a V ou N ,

de tal forma que quando sao divididas por essas variaveis, o resultado e

idependente delas. Por exemplo, volume e energia sao grandezas exten-

sivas, significando que v ≡ V/N num sistema em equilıbrio nao depende

de N . Tambem, ε ≡ E/N nao depende de N . Assim, valores especıficos

ou densidades de grandezas extensivas sao ideais para caracterizar sistemas

macroscopicos. Nem toda grandeza pode ser classificada como intensiva ou

extensiva, mas tanto a termodinamica quanto a fısica estatıstica so considera

grandezas com essas propriedades.

Atividade 5

(Objetivo 3)

De exemplo de uma grandeza nao-extensiva.

diagramador: deixe 5cm

Resposta comentada

Preco e frequentemente uma grandeza nao extensiva. Veja por exemplo o

preco do m3 de agua cobrado pela companhia Aguas de Niteroi. Dependendo

do consumo mensal, o preco do m3 e

de 0 a 15 m3 - 1,28 R$/m3

de 16 a 30 m3 - 3,21 R$/m3

de 31 a 45 m3 - 3,98 R$/m3

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Assim, se um morador consome 20 m3 num mes, ele paga, de acordo com a

tarifa progressiva:

15 m3 a 1,28 R$/m3 → R$ 19,20

5 m3 a 3,21 R$/m3 → R$ 16,05

Total= R$ 35,25 → 1,76 R$/m3

Um outro morador, que consume 40 m3, paga:

15 m3 a 1,28 R$/m3 → R$ 19,20

15 m3 a 3,21 R$/m3 → R$ 48,15

5 m3 a 3,98 R$/m3 → R$ 39,80

Total= R$ 107,15 → 2,68 R$/m3

Ou seja, o valor do preco medio por m3 depende de quanto foi consumido.

fim da atividade

Os textos de Termodinamica em geral usam a letra X para as variaveis

que representam grandezas extensivas. Para toda variavel extensiva ha uma

intensiva, que chamaremos de Y , definida de tal forma que o trabalho real-

izado sobre o sistema seja dado por d′W = −Y dX. Por exemplo, se X = V ,

Y = −p, levando a d′W = pdV .

Atividade 6

(Objetivo 3)

Quais das quantidades abaixo e extensiva? Explique como obteve sua res-

posta.

(a) O preco de N folhas de papel A4.

(b) A energia eletrostatica de uma esfera de raio R, dada por

E =ρ2

5ε0

(

3

)2/3

V 5/3 ,

onde ε0 e a permissividade eletrica do vacuo, V e o volume da esfera e ρ a

densidade de carga.

(c) A energia cinetica total de um gas monoatomico com N moleculas.

diagramador: deixe

Resposta comentada

(a) Esta e uma situacao semelhante a do custo do m3 de agua examinada na

Atividade . Se compramos 10 folhas certamente pagaremos mais por folha

do se comprarmos um pacote com 500. Se comprarmos uma caixa com 10

resmas, o preco por folha sera menor ainda. Assim, nao e uma quantidade

extensiva.

(b) Neste caso e mais conveniente calcular a energia por unidade de volume.

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Temos

ε =E

V=

ρ2

5ε0

(

3

)

2/3

V 2/3 .

Como ε depende do volume, E nao e uma grandeza extensiva.

(c) A energia cinetica do gas e

E =3

2NκT ,

assim, E/N nao depende de N , sendo E extensiva. fim da atividade

Atividade 7

(Objetivo 3)

Muitas vezes desprezamos efeitos de superfıcie, ou consideramos corpos com

propriedades superficiais especıficas que facilitam nossos calculos. Explique

por que podemos fazer isso em sistemas macroscopicos. Resposta comentada

A questao toda e a razao q entre a area e o volume do corpo.

Vamos considerar uma partıcula esferica de raio r. Neste caso

q =4πr2

4

3πr3

=3

r.

A figura a seguir mostra o grafico de q em funcao de r. Veja que para

partıculas muito pequenas nao podemos desprezar os efeitos de superfıcie.

fim da atividade

Conclusao

Podemos classificar fenomenos fısicos em termos de suas escalas de com-

primento, tempo e energia como macro ou microscopicos. Aos macroscopicos,

13CEDERJ

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Matéria Condensada

Aula 1 - Micro × macro

que sao os observados por nos ate mesmo sem o uso de equipamentos de me-

dida, estao associados comprimentos grandes, variacoes lentas e energias al-

tas, muito maiores que a energia termica. A observacao desses fenomenos leva

naturalmente a definicao de variaveis macroscopicas, tais como pressao, tem-

peratura e densidade, que representam medias de grandezas microscopicas

envolvendo um numero gigantesco de partıculas, tipicamente da ordem do

numero de Avogrado. A escala microscopica, ou escala atomica, envolve

grandezas apropriadas para descrever movimentos muito rapidos de atomos

e moleculas que ocorrem com energias comparaveis com a energia termica. A

influencia da energia termica na escala atomica acaba afetando as grandezas

macroscopicas atraves do processo estatıstico de promediacao.

A Termodinamica e o ramo da fısica que trata dos efeitos termicos

no nıvel macroscopico, sem prover um mecanismo de relacionar as variaveis

macroscopicas com as microscopicas.

A Fısica Estatıstica e o ramo da Fısica que estabelece a ligacao entre

as escalas atomica e macroscopica.

Resumo

A principal ideia desta aula e a que podemos entender o comporta-

mento de um sistema usando diferentes nıveis de descricao. A passagem do

nıvel mais detalhado para o menos detalhado se da atraves da definicao de

grandezas medias. Esse e um procedimento comum a diversas areas. Por

exemplo, as pesquisas de opiniao tentam entender como a populacao se com-

porta de uma forma media. O nıvel microscopico neste caso e aquele em que

as opinioes individuais sao coletadas. Na Fısica Estatıstica vamos examinar

o comportamento de atomos e moleculas e atraves de medias entender como

um volume macroscopico se comporta.

Algumas grandezas podem ser utilizadas em qualquer nıvel de de-

scricao. Por exemplo podemos nos referir a velocidade de uma molecula no

gas ou a velocidade de um aviao. Outras sao especıficas de um determinado

nıvel. Por exemplo, a pressao e definida a partir de uma media de variaveis

microscopicas, portanto, sua definicao so tem sentido no nıvel macroscopico.

Todas as variaveis usadas na Termodinamica referem-se a grandezas definidas

no nıvel macroscopico e sao sempre o resultado de algum processo de prome-

diacao. Algumas vezes essa ditincao sera feita, atraves do sımbolo 〈x〉 que

indica o valor medio de x. Outras vezes o proprio contexto indicara se a

CEDERJ 14

Page 15: Física Estatística

Aula 1 - Micro × macroMODULO 1 - AULA 1

grandeza e micro ou macroscopica.

A Termodinamica trabalha sempre a partir de algum conhecimento

empırico no nıvel macroscopico. Esse ponto de partida pode ser, por ex-

emplo, como varia o volume de um gas se a sua temperatura for alterada.

Atraves de um conjunto de leis e de relacoes matematicas, as relacoes entre

outras grandezas pode ser obtida. O que nao existe na Termodinamica e

uma forma sistematica de se passar do conhecimento microscopico para o

macroscopico. A Teoria Cinetica dos Gases foi a primeira tentativa de se

estabelecer essa passagem. A Fısica Estatıstica e a teoria que finalmente foi

capaz de relacionar essas duas descricoes. Com ela partiremos do conheci-

mento da fısica de atomos e moleculas e chegaremos a relacoes macroscopicas

compatıveis com as leis da Termodinamica.

Um ponto importante na formulacao da Termodinamica e, consequen-

temente, da Fısica Estatıstica e a existencia de grandezas intensivas e ex-

tensivas. As grandezas extensivas sao proporcionais ao tamanho do sistema,

que pode ser definido em termos de volume, area, comprimento ou numero

de partıculas. Alguns exemplos de grandezas extensivas sao: energia, vol-

ume, entropia e magnetizacao. As grandezas intensivas, por outro lado, sao

independentes do tamanho do sistema. Exemplos frequentes sao: temper-

atura, pressao e campo magnetico. Nem toda grandeza pode ser classificada

como intensiva ou extensiva, mas a Termodinamica so lida com esses tipos

de grandezas.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula voce vai aprender conceitos fundamentais para o trata-

mento estatıstico de sistemas fısicos, aplicados a um sistema binario.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP.

15CEDERJ

Page 16: Física Estatística

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema

fısico: caso discreto

Meta

Apresentar um sistema fısico do ponto de vista estatıstico, relacionando

a energia total com diferentes configuracoes microscopicas.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. Identificar macro e microestados de sistemas fısicos.

2. Calcular a multiplicidade de macroestados em alguns sistemas fısicos.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce esteja familiarizado com os conceitos basicos

de probabilidade e distribuicao binomial apresentados em Introducao a Prob-

abilidade. Tambem sera necessario que voce reveja o que e paramagnetismo,

assunto tratado na Aula 16 de Fısica 3B.

Introducao

Como vimos na aula anterior, nossas observacoes macroscopicas cor-

respondem a medias de grandezas microscopicas. Continuamos nessa linha

de pensamento, examinando um sistema fısico com uma abordagem proba-

bilıstica.

Nossa concepcao de sistema fısico daqui para frente sera a seguinte:

um conjunto contendo um numero muito grande de partıculas, que tem uma

dinamica microscopica envolvendo variacoes muito rapidas. As observacoes

macroscopicas desse sistema, obtidas atraves de medidas experimentais, de-

tectam um comportamento medio das variacoes microscoscopicas. Queremos

ser capazes de:

• A partir da medida experimental macroscopica, entender o que esta se

passando no nıvel microscopico.

17CEDERJ

Page 17: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto

• A partir do conhecimento detalhado no nıvel microscopico, prever qual

sera o resultado de uma determinada medida experimental.

Em resumo, queremos uma maneira sistematica de conectar as descricoes

micro e macroscopica de um sistema fısico. O ponto de partida para essa

conexao sera a energia. Pressupomos que a energia total do sistema possa

ser calculada para qualquer configuracao microscopica do mesmo. A partir

de postulados e leis fısicas, poderemos calcular a probabilidade de ocorrencia

de cada configuracao microscopica, e assim relacionar os valores medidos com

os detalhes no nıvel atomico.

Para formalizar os conceitos necessarios a ligacao entre as descricoes

micro e macroscopica, usaremos um sistema muito simples, formado por

partıculas binarias independentes e distinguıveis, na forma de um sistema

paramagnetico uniaxial.

Sistema modelo: paramagneto uniaxial

Um dos sistemas mais simples para um estudo estatıstico e o formado

por atomos paramagneticos, cujos momentos magneticos estejam sempre ao

longo de um eixo, com orientacao positiva ou negativa. Esta e uma “ca-

ricatura” que descreve com boa aproximacao o comportamento magnetico

de uma serie de materiais. A observacao macroscopica sera uma medida do

momento magnetico total do sistema, ou de sua energia, por isso vamos en-

tender como essas grandezas estao relacionadas com variaveis microscopicas

do sistema.

Usaremos o termo macroestado para designar um estado observavel

macroscopicamente, por exemplo, pela medida da energia.

Nosso sistema e solido, os atomos nao tem movimento de translacao e,

embora sejam identicos, sao distinguıveis pelas suas posicoes. O momento

magnetico de cada partıcula esta sempre paralelo a um eixo, sendo a ori-

entacao ao longo dele definida pela variavel s, que pode ter os valores +1 ou

−1.

Suponha que o sistema contenha N atomos. Temos aqui um total

de 2N configuracoes distintas, dependendo das escolhas do valor de s para

cada atomo. Essas configuracoes serao chamadas de microestados daqui para

frente.

Se os atomos tem momentos magneticos unitarios, o momento magnetico

total de um dado microestado e dado por

CEDERJ 18

Page 18: Física Estatística

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2

Figura 2.1: Possıveis orientacoes do momento magnetico num sistema para-

magnetico uniaxial, com relacao a orientacao do campo magnetico aplicado,~B.

M =

N∑

i=1

si = (N+ − N−) , (2.1)

sendo N+(N−) o numero de atomos com s = +1(s = −1) no microestado.

A presenca de um campo magnetico externo, ~B, define a direcao do eixo de

alinhamento dos momentos magneticos. De acordo com nossa definicao de s,

temos s = +1 quando o momento for paralelo ao campo, e s = −1 quando

for antiparalelo. A energia de um dado microestado pode ser escrita como

E = −BM = −B(N+ − N−) = −B(2N+ − N) . (2.2)

Na ultima igualdade usamos que N = N+ + N−. A ultima expressao para a

energia mostra que ela fica definida pelo valor de N+ apenas se valores de N e

B sao especificados. A figura (2.2) mostra alguns dos possıveis microestados

para um sistema com N = 7 e N+ = 3. Todos eles levam ao mesmo valor de

energia e sao identicos para uma observacao macroscopica.

Chamamos de multiplicidade ao numero de microestados pertencendo a

um dado macroestado, ou seja ao numero de configuracoes microscopicas que

sao identicas do ponto de vista macroscopico. Esse numero em geral depende

do numero total de partıculas no sistema e do valor de energia escolhido, e

sera representado pela funcao g(E, N). No caso do sistema paramagnetico

uniaxial podemos tambem escrever g(N+, N) ou g(M, N) ja que E, N+ e

M podem ser usados para definir o macroestado. Em alguns poucos casos e

possıvel calcular exatamente o valor de g, este e um deles. Observe que este

sistema e identico ao descrito na Aula 25 de Introducao a Probabilidade, se

associamos o estado s = +1 a cara, e s = −1 a coroa. M nada mais e do que

o excesso de caras numa sequencia de N jogadas da moeda.

Neste caso, para calcular a multiplicidade basta calcular de quantas

maneiras diferentes podemos escolher N+ objetos, entre um total de N . A

19CEDERJ

Page 19: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto

Figura 2.2: Exemplos de possıveis microestados do paramagneto uniaxial.

Neste caso N = 7, N+ = 3, N−

= 4 e M = −1.

resposta e dada pela combinacao CN,N+ou seja

g(N+, N) = CN,N+=

N !

N+!(N − N+)!. (2.3)

Ja que podemos usar apenas N+ e N para identificar um macroestado,

vamos simplificar a notacao, usando n no lugar de N+ daqui para frente.

Sejam p e q as probabilidades de cada momento magnetico ter orientacao

positiva ou negativa, respectivamente, na presenca do campo externo, sendo

p+ q = 1. Voltando ao exemplo da moeda, p e q seriam as probabilidades de

se tirar cara ou coroa em uma jogada de moeda. De acordo com a expressao

(2.2), o menor valor de energia (o mais negativo) corresponde ao macroestado

com todos os momentos magneticos paralelos ao campo externo, ou seja,

todos com s = +1. Queremos considerar tambem a possibilidade de ter

momentos antiparalelos (s = −1) e saber qual a chance de se obter um

macroestado com momentos antiparalelos tambem. Como cada momento

magnetico e independente do outro, a probabilidade de ocorrencia de um

dado microestado com n momentos positivos e pnqN−n. Essa probabilidade e

a mesma para qualquer um dos g(n, N) microestados. Assim, a probabilidade

de um sistema com N momentos magneticos ter n positivos (quaisquer uns)

e

PN (n) =N !

n!(N − n)!pnqN−n = g(n, N)pnqN−n. (2.4)

A expressao (2.4) define o que chamamos distribuicao binomial.

Para muitos problemas descritos pela distribuicao binomial, e mais sig-

nificativo o numero que da a diferenca entre as quantidades de cada tipo,

CEDERJ 20

Page 20: Física Estatística

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2

que definimos como M . Podemos reescrever (2.4) em termos de M como

PN (M) =N !

(

N+M2

)

!(

N−M2

)

!p

N+M

2 qN−M

2 , (2.5)

sendo

N+ ≡ n =N + M

2e N

−≡ N − n =

N − M

2. (2.6)

Atividade 1

(Objetivos 1 e 2) Encontre os macroestados e suas multiplicidades para um

paramagneto uniaxial com N = 4.

Resposta comentada

Temos um total de 2N = 24 = 16 microestados. n varia entre 0 e 4, ou M

entre −4 e 4, levando a 5 macroestados. Podemos usar a equacao (2.3) para

calcular as multiplicidades. A tabela abaixo mostra os 24 = 16 microestados

do sistema, classificando-os de acordo com os rotulos de macroestado n ou

M . J e j sao ındices arbitrarios que identificam os macro e microestados,

respectivamente.

J j a b c d n M g(M, 4)

1 1 + + + + 4 4 1

2 + + + −3 + + − +

2 4 + − + + 3 2 4

5 − + + +

6 + + − −7 + − + −8 + − − +

3 9 − + + − 2 0 6

10 − + − +

11 − − + +

12 − − − +

4 13 − − + − 3 −2 4

14 − + − −15 + − − −

5 16 − − − − 0 −4 1

Fim da atividade

21CEDERJ

Page 21: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto

Calculo do valor esperado

A distribuicao binomial pode ser obtida atraves da expansao do binomio

(p+q)N , bastando verificar a estrutura dos termos que aparecerao ao realizar-

se o produto. Para isso, artificialmente introduzimos um rotulo a p e q, que

identifica a partıcula, e efetuamos o produto. Em seguida apagamos o rotulo

e somamos os termos semelhantes. Por exemplo:

(p + q)2 → (p1 + q1)(p2 + q2) = p1p2 + p1q2 + q1p2 + q1q2

→ pp + pq + qp + qq

= p2q0 + 2p1q1 + p0q2

Ou seja,

(p + q)N =

N∑

n=0

g(n, N)pnqN−n (2.7)

A condicao de normalizacao pode ser escrita como

N∑

n=0

PN (n) = (p + q)N = 1 . (2.8)

Temos tambem que

N∑

n=0

g(n, N) = 2N . (2.9)

O valor esperado, ou valor medio relaciona-se com o valor medido

atraves de uma experiencia. Vamos usar nossa intuicao primeiro para cal-

cular o valor esperado no caso da distribuicao binomial. Para isso vamos

pensar que nossa experiencia e jogar a moeda e anotar se o resultado foi

cara ou coroa. Se sabemos que p e a probabilidade de se obter cara em uma

jogada, e razoavel esperar que depois de N jogadas, o numero de caras sera

pN . Vejamos agora como obter formalmente este resultado.

O valor esperado para n na distribuicao binomial pode ser facilmente

calculado usando-se as expressoes (2.8) e (2.4). Por definicao de valor espe-

rado, temos que:

〈n〉 =N

n=0

nPN (n) . (2.10)

CEDERJ 22

Page 22: Física Estatística

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2

Agora note as seguintes igualdades:

d

dp

N∑

n=0

PN (n) =d

dp

N∑

n=0

g(n, N)pnqN−n

=N

n=0

g(n, N)npn−1qN−n

=1

p

N∑

n=0

g(n, N)npnqN−n =1

p

N∑

n=0

nPN (n)

Fazemos entao

〈n〉 =N

n=0

nPN (n) = pd

dp

N∑

n=0

PN (n) = pd

dp(p + q)N = pN (2.11)

onde usamos (p + q)N−1 = 1, ja que p + q = 1.

Atividade 2

(Objetivos 1 e 2) Um problema relacionado com o do sistema paramagnetico

uniaxial e o do caminho aleatorio em uma dimensao. Nesse problema, uma

partıcula caminha ao longo de uma reta, dando passos para a direita ou es-

querda aleatoriamente. Cada passo e independente do anterior, e todos os

passos tem o mesmo tamanho, `. Seja p a probabilidade da partıcula dar um

passo para a direita.

(a) Se a partıcula da 10 passos, qual a probabilidade de que esteja a uma

distancia d = 8` do ponto de partida? Suponha p = 0, 5

(b) Qual o valor esperado para d, se a partıcula da 10 passos e p = 0, 5? E

se p = 0, 3?

Resposta comentada

A distancia da partıcula ate a origem e dada pela diferenca entre o desloca-

mento total para a direita e o deslocamento para a esquerda. Assim, basta

interpretar N+ e N−

como o numero de passos para a direita e esquerda,

respectivamente. M passa a ser o numero lıquido de passos para a direita.

Se M > 0 a partıcula terminou a direita depois dos N passos, se M < 0,

terminou a esquerda. Como a distancia esta dada em unidades de `, d = 8`

significa que temos M = 8. Como o numero total de passos e N = 10, usando

a definicao de n em termos de M e N , equacao (2.6), temos n = 9.

(a) Usamos a equacao (2.5) com N = 10, n = 9 e p = q = 0, 5:

P10(9) =10!

9!1!

(

1

2

)9 (

1

2

)1

= 10

(

1

2

)10

=10

1024= 9, 8 × 10−3

23CEDERJ

Page 23: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto

(b) O valor esperado para d e 〈d〉 = 〈M〉`. Da relacao entre n e M temos

que M = 2n − N , portanto

〈M〉 = (2〈n〉 −N) = (2Np − N)` = N(2p − 1) ⇒ 〈d〉 = N(2p − 1)` .

Se p = 0, 5, 〈d〉 = 0. Claro, a partıcula da passos para a direita e esquerda

com igual probabilidade, em media termina no ponto inicial.

Se p = 0, 3, 〈d〉 = 10(2 × 0, 3 − 1)` = −4`. Aqui a probalidade de ir para a

direita e menor, em media a partıcula termina a esquerda da origem.

Fim da atividade

Calculo da variancia

Outra grandeza importante para caracterizar o resultado de um exper-

imento e a variancia, σ2. Essa quantidade e calculada considerando-se o

quanto diferentes do valor esperado sao os valores individuais num conjunto

de medidas. Por exemplo vamos considerar de novo a jogada de moeda. Uma

experiencia vai ser jogar N = 10 vezes a moeda. Imagine que realizamos essa

experiencia 6 vezes, e anotamos os valores de n (numero de caras) numa

tabela. O valor esperado de n para a experiencia, supondo uma moeda equi-

librada, e 〈n〉 = 10 × 0, 5 = 5. Assim, temos:

experiencia n n − 〈n〉 (n − 〈n〉)2

1 4 −1 1

2 5 0 0

3 7 +2 4

4 3 −2 4

5 6 +1 1

6 5 0 0

somas/6 5 0 1,67

Um conjunto de medidas hipotetico, com o mesmo valor esperado poderia

ser

CEDERJ 24

Page 24: Física Estatística

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2

experiencia n n − 〈n〉 (n − 〈n〉)2

1 4 −1 1

2 5 0 0

3 6 +1 1

4 4 −1 1

5 6 +1 1

6 5 0 0

somas/6 5 0 0,67

A diferenca entre esses dois conjunto de medidas esta na flutuacao dos valores

de n. Essas flutuacoes sao aleatorias e tem origem em diversos fatores que nao

temos como contabilizar, podendo ser positivas ou negativas. No primeiro

conjunto os valores de n flutuam mais, sao mais diferentes entre si, e isso

pode ser quantificado pelo valor medio de (n−〈n〉)2. Note que o valor medio

de n−〈n〉 nao e adequado para distinguir os dois conjuntos de medida porque

as flutuacoes podem ser positivas ou negativas.

Queremos ser capazes de calcular o valor esperado para a flutuacao

quadratica, assim como fizemos para o numero de caras. Usamos um proce-

dimento analogo ao adotado para o calculo de 〈n〉, desta vez para a variancia,

definida como σ2 = 〈(n − 〈n〉)2〉. Em geral trabalhamos com o desvio

quadratico medio σ.

Primeiro notamos o seguinte:

σ2 = 〈(n − 〈n〉)2〉 = 〈n2 − 2n〈n〉 + 〈n〉2〉= 〈n2〉 − 2〈n〉〈n〉 + 〈n〉2

= 〈n2〉 − 2〈n〉2 + 〈n〉2

= 〈n2〉 − 〈n〉2 (2.12)

Esta forma e mais adequada para calculos analıticos. Comecamos por calcu-

lar 〈n2〉:

〈n2〉 =

N∑

n=0

n2PN (n) =

(

pd

dp

)2 N∑

n=0

PN (n)

=

(

pd

dp

)2

(p + q)N = pN + (pN)2 − p2N .

Finalmente,

σ2 = 〈n2〉 − 〈n〉2 = pN − p2N = pN − p(1 − q)N = Npq . (2.13)

25CEDERJ

Page 25: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto

Assim, para dados valores de p e q, quanto maior o valor de N , maior a dis-

persao entre os valores observados para n. Esse resultado parece paradoxal:

quanto maior o numero de repeticoes, maior a dispersao do valores encon-

trados. A questao e que a grandeza realmente importante e o valor relativo

da dispersao.

Suponha fixo o valor da variancia para uma dada grandeza adimensional

que esta sendo medida, por exemplo o numero de palitos de fosforo numa

caixa. Seja esse valor σ2 = 16, ou σ = 4. Se estivermos tratando de caixas

com 20 palitos em media, essa flutuacao e bastante grande; significa que

podemos encontrar caixas com 24 e 16 palitos. Se a mesma variancia aparecer

em caixas de 200 palitos em media, nao sera tao importante. O desvio relativo

da distribuicao binomial e dado por

σ

N=

√Npq

N= (qp)1/2N−1/2 , (2.14)

ou seja, σ/N diminui com√

N quando N aumenta. Logo, quanto maior

o valor de N , menor sera a flutuacao relativa, menor sera a chance de se

obter um valor muito diferente do esperado como resultado de uma medida.

Dizemos que o valor medio ou esperado fica melhor definido quanto maior

for o valor de N . Veremos mais tarde que este sera o papel do limite ter-

modinamico na Fısica Estatıstica: fazer com que grandezas macroscopicas

provenientes de medias sobre grandezas microscopicas sejam bem definidas.

Usando a expressao (2.5) podemos calcular PN (M) para diferentes valo-

res de N e p. A figura 2.3 mostra o comportamento de PN (M) para N = 20 e

40, para dois casos: simetrico (p = q = 0, 5) e assimetrico (p = 0, 9 e q = 0, 1).

Em ambos os caso, PN (M) tera seu valor maximo quando n = 〈n〉 = Np,

ou M = 2〈n〉 − N = N(2p − 1). No caso simetrico esse ponto aparece para

M = 0, e no assimetrico para M = 0.8N .

Atividade 3

Calcule a dispersao relativa para as distribuicoes mostradas na figura 2.3.

Resposta comentada

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Page 26: Física Estatística

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2

M M

M M

P (M)40

P (M)20

Figura 2.3: PN (M) para diferentes valores de N . Na linha superior N = 40,

e na inferior, N = 20. Na coluna da esquerda p = q = 0, 5, a distribuicao e

simetrica com relacao ao ponto de maximo, que ocorre para M = 〈M〉 = 0.

Na coluna da direita um dos resultados e bem mais provavel, p = 0, 9 e

q = 0, 1, levando a uma distribuicao assimetrica, cujo maximo ocorre para

M = 0, 8N . Note que, para N = 40, embora M esteja definido entre −40 e

40, a distribuicao e bem concentrada em torno de M = 0.

27CEDERJ

Page 27: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto

A dispersao relativa e dada por σ/N =√

pq/N . Temos assim:

N = 40 p = q =1

2→ σ

N=

1

2

1

2

1

40= 0, 08

N = 40 p =9

10q =

1

10→ σ

N=

9

10

1

10

1

40= 0, 05

N = 20 p = q =1

2→ σ

N=

1

2

1

2

1

20= 0, 1

N = 20 p =9

10q =

1

10→ σ

N=

9

10

1

10

1

20= 0, 07

Fim da atividade

Atividade 4

Considere um gas com N moleculas contido num volume V0. Considere um

certo subvolume v, como esquematizado na figura.

(a) Calcule a probabilidade de que exatamente n moleculas estejam em v,

nao interessando quais sejam.

(b) Calcule a dispersao relativa R = σ2/〈n〉2 e explique o comportamento de

R quando v V0 e v ≈ V0.

Resposta comentada

(a) Considerando que as moleculas do gas estejam uniformemente distribuıdas

em V0, a fracao de moleculas em v e dada por v/V0. Supondo que V0 seja

macroscopico (se nao este problema nao tem sentido...), a probabilidade p de

que cada molecula, individualmente, esteja no subvolume v e dada por essa

fracao, ou seja, p = v/V0. A probabilidade de que n moleculas especıficas

estejam em v e pn. Como podemos escolher quaisquer n moleculas, a proba-

bilidade pedida e dada pela distribuicao binomial:

PN (n) =N !

n!(N − n)!

(

v

V0

)n (

V0 − v

V0

)N−n

.

CEDERJ 28

Page 28: Física Estatística

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2

(b) O numero medio 〈n〉 em v e

〈n〉 = Np =Nv

V0

A dispersao relativa R = σ2/〈n〉2 em v, pode ser entao calculada como

R =Npq

(pN)2=

Np(1 − p)

(pN)2=

1 − p

pN=

V0 − v

Nv

Se v V0, R sera um numero muito grande. Isso significa que, se tomamos

um subvolume desse tamanho e realizamos varias medidas do numero de

moleculas dentro dele, os valores encontrados serao bastante diferentes entre

si. Numa situacao extrema, se v . V0/N , que e o volume medio por molecula,

podemos ter ate mesmo 〈n〉 = 0 em alguma medicao. Por outro lado, se

v → V0, R ≈ 0, os valores dessa medida serao muito semelhantes entre si, ou

seja, 〈n〉 sera bem definido.

Fim da atividade

Conclusao

Podemos usar distribuicoes de probabilidades para descrever sistemas

fısicos do ponto de vista estatıstico. As principais grandezas nesse contexto

sao o valor esperado, ou valor medio, e a variancia. O valor esperado, como

indica o nome, e o que se espera obter como resultado de uma experiencia,

quando a mesma for repetida um numero infinito de vezes. Sendo assim,

realizando a experiencia uma vez, ou um numero finito de vezes, certamente

obteremos valores diferentes do esperado. A variancia e a grandeza que nos

permite quantificar essa dispersao de valores obtidos, com relacao ao valor

esperado. Quanto maior o numero de repeticoes da experiencia, menor sera

a dispersao relativa, fazendo com que o valor esperado seja uma grandeza

bem definida para a quantidade que esta sendo medida.

Atividade Final

(Objetivos 1 e 2) Um solido contem N nucleos que nao interagem en-

tre si. Cada nucleo pode estar em qualquer um de tres estados quanticos,

rotulados pelo numero quantico m, que pode ter os valores 0 e ±1. Devido a

interacoes eletricas com campos internos ao solido, nucleos nos estados m = 1

ou m = −1 tem a mesma energia ε > 0, enquanto que a energia do estado

m = 0 e zero. Calcule a multiplicidade g(E, N) do macroestado de energia

29CEDERJ

Page 29: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discreto

E.

Dica: Escreva a energia como E = (N−N0)ε, onde N0 e o numero de nucleos

com m = 0. Agora voce pode usar que (N − N0) = E/ε.

Resposta comentada

Como a energia pode ser escrita em termos de N e N0, sao essas as variaveis

que rotulam o macroestado, nao importando o estado dos nucleos com m 6= 0.

A primeira contribuicao para a multiplicidade vem de como escolher os

nucleos com m = 0. Dados N e N0, ha CN,N0maneiras de fazer essa es-

colha. Para cada uma delas temos a liberdade de escolher quais nucleos com

m 6= 0 terao m = +1 ou −1, sem que a energia seja alterada. Por exemplo,

considere N = 5, N0 = 3. Uma possibilidade de escolha de nucleos com

m = 0 e:

a b c d e

0 0 0

Agora podemos considerar todas as possibilidades para os nucleos b e e.

Temos assim:

a b c d e

0 + 0 0 +

0 + 0 0 -

0 - 0 0 +

0 - 0 0 -

Uma determinada escolha de nucleos com m = 0 gerou 22 = 4 possibilidades.

No caso geral, terıamos 2N−N0 possibilidades. Assim, a multiplicidade total

e

g(N0, N) =N !

(N − N0)!N0!2N−N0

Escrevendo em termos da energia, fica

g(E, N) =N !

(

)

!(

N + Eε

)

!2

E

ε

Resumo

Nesta aula aprendemos as definicoes de macroestado, microestado e

multiplicidade, analisando as configuracoes possıveis de um sistema binario.

Aproveitamos para rever os conceitos de probabilidade, distribuicao, valor

esperado e variancia em sistemas discretos. Calculando essas grandezas para

CEDERJ 30

Page 30: Física Estatística

Aula 2 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso discretoMODULO 1 - AULA 2

o sistema binario, analisando o comportamento da variancia relativa com o

numero N de componentes do sistema. Com isso, verificamos que o limite

N → ∞ leva a distribuicoes muito centradas em torno do valor esperado.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula continuaremos com a descricao estatıstica de sistemas

fısicos, mas considerando sistemas descritos por variaveis reais obedecendo a

uma distribuicao contınua. Em particular veremos como obter a distribuicao

gaussiana a partir do limite N → ∞ da distribuicao binomial.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, capıtulo 1.

31CEDERJ

Page 31: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema

fısico: caso contınuo

Meta

Apresentar as principais propriedades das distribuicoes de variaveis

contınuas.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. Construir um histograma a partir de um conjunto de dados.

2. Calcular probabilidades, valores esperados e a variancias a partir de

distribuicoes contınuas.

3. Obter a distribuicao gaussiana a partir da distribuicao binomial.

4. Identificar as propriedades da distribuicao gaussiana.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce esteja familiarizado com os conceitos basicos

probabilidade e distribuicao binomial apresentados em Introducao a Proba-

bilidade e Estatıstica.

Introducao

Na Aula 2 estudamos a distribuicao binomial PN (M) que da a probabil-

idade de se obter um determinado valor de M em N eventos. O significado

de M depende do contexto, ou seja, da experiencia considerada. Se a ex-

periencia for jogar uma moeda N vezes, M e a diferenca entre o numero de

caras e coroas obtido. Caso estejamos medindo o momento magnetico total

de um sistema com N atomos paramagneticos, M e o momento magnetico

total, referente a diferenca entre o numero de momentos atomicos com alin-

hamento paralelo e antiparalelo ao campo magnetico aplicado. Nos exemplos

analisados numericamente nessa aula os valores de N foram pequenos, e fez

33CEDERJ

Page 32: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

sentido calcular, por exemplo, a probabilidade de encontrar M = 2 num

sistema com N = 4.

Agora imagine que consideramos um solido paramagnetico real, com

cerca de 1023 partıculas. Nao ha como detectar experimentalmente variacoes

de uma unidade em M ; na verdade, ate mesmo variacoes da ordem de 104

serao imperceptıveis. Nesse quadro nao tem sentido basear a descricao es-

tatıstica do sistema em valores discretos para M , sendo mais informativo

conhecer a probabilidade de encontrar M dentro de um certo intervalo dM .

Neste caso a variavel M passa a ser contınua, um numero real.

Outros sistemas que nao sao adequadamente descritos por distribuicoes

discretas sao aqueles em que a variavel observada e naturalmente um numero

real. Um exemplo tıpico e o gas ideal estudado pela Teoria Cinetica. Todo o

formalismo esta baseado no fato de que as moleculas do gas tem velocidades

diferentes, variando de acordo com alguma distribuicao. O valor da veloci-

dade u de uma molecula e representado por um numero real. Ao compara-

rmos dois valores de velocidade temos que necessariamente decidir primeiro

quantas casas decimais serao comparadas, o que em geral vai envolver a

precisao do equipamento disponıvel para medidas. Assim, o intervalo du

fica naturalmente definido. Nesta aula vamos aprender como formalizar os

conceitos estatısticos aprendidos na aula anterior para variaveis discretas,

considerando agora um sistema descrito por variaveis reais.

Histogramas

Antes de passarmos ao formalismo matematico das distribuicoes contınuas,

vale a pena aprender um pouco sobre histogramas. Um histograma e um tipo

especial de grafico, em que a frequencia relativa ou o numero de ocorrencias

de valores medidos e expressa em funcao do valor das medidas. Sua constru-

cao envolve os seguintes passos:

1. Obtencao de uma tabela com N valores medidos da grandeza que se

quer estudar. Vamos chamar essa grandeza de x. Quanto maior o valor

de N , mais significativo sera o resultado.

2. Analise dos dados no que diz respeito aos valores mınimo e maximo de

x.

3. Determinacao do tamanho do intervalo ∆x que sera usado para classi-

ficar os dados.

CEDERJ 34

Page 33: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

4. Dividir a variacao total de x nos dados obtidos em n intervalos de

tamanho ∆x. Em geral tomamos como extremos valores xmin e xmax,

tais que todos os dados sao incluıdos e a escala de leitura para o grafico

e simples.

5. Contamos quantos dados caem em cada intervalo: Ni e o numero de

dados entre xi e xi + ∆x.

6. Opcionalmente podemos dividir a contagem em cada intervalo pelo

numero total de dados, definindo a frequencia relativa Fi = Ni/N .

Faremos isso no exemplo a seguir.

7. Tracamos o grafico de Fi em funcao de xi, que e o valor central de cada

intervalo.

Note que usando a divisao por N explicada no item 4 temos a normalizacao

n∑

i=1

Fi =n

i=1

Ni

N=

1

N

n∑

i=1

Ni = 1 . (3.1)

Vamos ver um exemplo dessa construcao aplicando-a a um conjunto de

medidas do perıodo de um pendulo simples. Suponha que um aluno realizou

o conjunto de N = 100 medidas relacionadas na tabela 3.1 .

τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s) τ (s)

2,7572 2,7779 2,8753 2,2747 2,7934 2,7524 2,5963 2,7656 3,0376 3,3122

2,2496 2,4900 3,2255 2,7082 3,1866 1,9964 2,4286 2,8684 3,3925 2,7289

1,9154 2,3902 3,1911 2,7354 2,6591 2,7175 3,0865 2,5922 2,9031 2,6265

3,0182 3,1634 2,6027 3,1995 1,7365 3,2880 3,2444 2,5051 2,9800 2,5974

2,4493 2,7289 2,4364 2,8538 2,8431 2,9940 2,5028 2,5058 3,7085 3,3272

3,0343 2,6654 2,7709 2,4196 2,6359 2,9121 2,6573 2,8597 2,7957 2,7995

2,6050 2,5288 2,6348 2,7352 2,3866 2,6251 2,3283 3,3204 3,4361 2,7763

3,4252 3,1978 2,2228 2,1029 3,4341 3,5109 2,7653 2,7191 2,3851 2,4484

2,7237 2,7091 2,6622 3,4943 2,7243 2,4018 2,3138 3,1882 2,6864 2,8487

3,2349 2,9837 2,4838 3,0688 2,6266 3,6141 2,5203 2,9692 2,4440 3,1977

Tabela 3.1: Conjunto de dados resultantes de uma experiencia de medicao

do perıodo de um pendulo simples

Examinando a tabela diretamente e difıcil obter alguma informacao

relevante sobre a experiencia. Comecamos calculando o valor medio e o

desvio quadratico medio, obtendo 〈τ 〉 = 2, 79 s e σ = 0, 4 s. Vamos agora

construir o histograma seguindo os passos indicados anteriormente. O menor

35CEDERJ

Page 34: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

valor de perıodo na tabela e τmin = 1, 7365 s, e o maior τmax = 3, 7085 s.

Para simplificar vamos fazer o grafico entre 1,72 s e 3,72 s, com 10 intervalos

de ∆τ = 0, 2 s. Contamos quantas medidas caem em cada intervalo, e

dividimos por 100 cada contagem. Finalmente obtemos o histograma de

frequencias mostrado na figura 3.1.

Figura 3.1: Histograma relativo aos dados da tabela 3.1

Observando o histograma da figura 3.1 notamos a concentracao de va-

lores em torno de τ = 〈τ 〉. Quando os valores do perıodo se afastam do valor

medio, o numero de ocorrencias cai bastante. Este histograma esta bastante

assimetrico. Vamos ver como sua forma se altera se um numero maior de

medidas e considerado.

Numa experiencia equivalente, foram tomadas N = 1000 medidas do

perıodo. Em vez de mostrar a tabela, vamos apresentar logo os valores resul-

tantes da contagem por intervalos. Neste caso os valores mınimo e maximo

foram 1,585 s e 3,993 s, respectivamente. Assim construimos o histograma

com intervalos de 0,25 s, indo de 1,55 a 4,05. A tabela 3.2 mostra o resultado

da classificacao dos dados nesses intervalos. F e a frequencia relativa, ou

seja, o numero de dados no intervalo centrado do valor indicado na primeira

coluna, dividido por N . Por exemplo, havia quatro valores entre 1,550 s e

1,800 s, dando F = 4/1000.

Os valores de F na tabela 3.2 podem ser considerados como uma es-

timativa para a probabilidade de se obter uma medida de perıodo nos in-

CEDERJ 36

Page 35: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

τ (s) F

1,6750 0,004

1,9250 0,025

2,1750 0,075

2,4250 0,175

2,6750 0,225

2,9250 0,240

3,1750 0,148

3,4250 0,077

3,6750 0,024

3,9250 0,007

Tabela 3.2: Valores de frequencia relativa para a construcao de um his-

tograma referente a um conjunto de N = 1000 medidas de perıodo de um

pendulo simples

tervalos considerados, ja que seu valor da a fracao de medidas no intervalo.

Seguindo essa ideia, a probabilidade de se ter uma medida na regiao central

do histograma entre 2,295 s e 3,300 s e 0,175+0,225+0,240=0,64, ou 64%.

A forma geral do histograma tambem depende do valor de ∆τ consi-

derado para a classificacao dos dados. Por exemplo, a figura 3.3 mostra um

histograma construıdo com ∆τ = 0, 20 s sobre o mesmo conjunto de dados

da figura 3.2. Como o intervalo considerado na contagem e menor, o numero

de dados em cada um tambem sera menor, por isso os valores de frequencia

sao todos menores. Com um numero finito de dados, se diminuımos muito

o tamanho do intervalo havera varios sem nenhum dado, varios com um so

dado, etc.

Tivemos essa mesma situacao ao fazermos a contagem de graos na Ativi-

dade 1 da Aula 1 e ao definirmos o tamanho do subvolume do gas na Ativi-

dade 3 da Aula 2. Quando o numero de dados for muito grande, N → ∞,

poderemos definir intervalos infinitesimais que conterao um numero significa-

tivo de dados. Com isso sera possıvel construir um histograma cuja forma

sera independente do tamanho do intervalo. Nesse limite estaremos partindo

para uma descricao contınua.

37CEDERJ

Page 36: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

Figura 3.2: Histograma relativo a um conjunto de dados similar aos da

tabela 3.1, mas com N = 1000 valores, classificados em intervalos ∆τ =

0, 25 s. Em vermelho estao indicados o valor medio, 〈τ 〉 = 2, 79 s, e o desvio

quadratico medio σ = 0, 4 s. Comparando este grafico com o da figura 3.1,

podemos observar que e muito mais simetrico, e apresenta menos flutuacoes,

consequencias do aumento do numero de medidas. A regiao compreendida

entre 〈τ 〉 − σ e 〈τ 〉 + σ concentra a maior parte do dados.

Distribuicoes de variaveis aleatorias contınuas

Queremos agora tratar de variaveis reais contınuas tais que podemos

tomar um intervalo infinitesimal dx e definir dP (x) ≡ f(x)dx como a proba-

bilidade de encontrar o resultado de uma determinada experiencia entre x e

x+dx. Essa probabilidade depende em princıpio de x, e tambem do tamanho

de dx. Quanto maior for o intervalo considerado, maior sera o valor numerico

de f(x)dx para um mesmo x. Neste caso e mais significativa a definicao de

densidade de probabilidade, da seguinte forma

f(x) ≡ dP (x)

dx, (3.2)

ou seja, a funcao f(x) define a distribuicao da variavel aleatoria x, da a den-

sidade de probabilidade da mesma.

boxe explicativo: O termo densidade de probabilidade refere-se ao fato de

que na formulacao contınua dP e uma probabilidade, sendo, portanto, uma

grandeza adimensional, um numero. Assim, f(x)dx tambem e adimensional,

CEDERJ 38

Page 37: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

Figura 3.3: Histograma relativo ao mesmo conjunto de dados da figura 3.2,

mas com ∆τ = 0, 20 s. Note como a forma geral foi alterada, e em especial

os valores de frequencia.

e f(x) tem unidade de x−1. Note que x pode ser qualquer grandeza, massa,

velocidade, carga, etc. f(x) e a probabilidade por unidade de x, daı o termo

densidade.

fim do boxe explicativo

O espaco amostral neste caso sera um volume d-dimensional, dependendo

da dimensionalidade de x. Por exemplo, considere os atomos de um gas

ideal (nao interagente). A posicao ~r e a velocidade ~u sao variaveis aleatorias

contınuas. O espaco amostral para a posicao e o espaco definido pelo recipi-

ente que contem o gas, sendo tridimensional. Para as velocidades, e o espaco

definido por |u| ≥ 0, 0 ≤ φ ≤ 2π, 0 ≤ θ ≤ π, tambem tridimensional.

No caso do histograma, ao calcularmos a probabilidade de obter o

perıodo do pendulo entre determinados valores, somamos as contribuicoes

dos intervalos ∆τ correspondentes. No caso de uma distribuicao contınua, se

queremos tratar de um intervalo nao infinitesimal, por exemplo se queremos

saber qual a probabilidade de ter x entre os valores a e b, temos

P (a ≤ x ≤ b) =

∫ b

a

f(x)dx =

∫ b

a

dP (x) . (3.3)

A densidade de probabilidade, f(x), e uma funcao contınua por partes,

39CEDERJ

Page 38: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

satisfazendo

f(x) ≥ 0 (3.4)

e∫

Ω

dP =

Ω

f(x) dx = 1. (3.5)

Uma caso particular importante e o da distribuicao uniforme. Neste

caso dP (x) = Cdx, onde C e uma constante que pode ser obtida por nor-

malizacao, ou seja

Ω

dP = C

Ω

dx = CΩ = 1 ⇒ C =1

Ω. (3.6)

O valor esperado de x e definido de forma equivalente a (2.10), substi-

tuindo a soma por uma integral:

〈x〉 =

Ω

x dP (x) =

Ω

xf(x)dx . (3.7)

E o valor esperado de uma funcao g(x) e dado por

〈g(x)〉 =

Ω

g(x)f(x)dx . (3.8)

Uma situacao comum e a de conhecermos a distribuicao para uma determi-

nada variavel x e procurarmos a distribuicao para outra y, sendo as duas

variaveis relacionadas por uma funcao y = g(x). Nesses casos e conveniente

identificar as distribuicoes para x e y atraves de subındices, assim fx seria

a distribuicao para x e fy a para y, sendo as duas distribuicoes em geral

diferentes.

Vamos ver um exemplo concreto de como calcular a

densidade de probabilidade de uma variavel aleatoria

contınua. Considere um atomo paramagnetico cujo mo-

mento magnetico ~m pode apontar em qualquer direcao

com igual probabilidade. Vamos escrever ~m em coor-

denadas esfericas atraves de seu modulo m e direcao

definida pelos angulos polar e azimutal θ e φ, respecti-

vamente. Vamos calcular a densidade de probabilidade

fθ(θ) de encontrar ~m com modulo m, com qualquer valor

de φ, mas com θ entre θ e θ + dθ.

q

fx

y

z

O espaco de amostragem neste caso e a area da esfera de raio m. Queremos

calcular a probabilidade dP (θ) de que θ esteja entre θ e θ +dθ. Ela e igual a

CEDERJ 40

Page 39: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

area do anel de raio m e espessura dθ dividida pela area total da esfera, ou

seja

dP (θ) ≡ fθ(θ)dθ =|2π(m sin θ)m dθ|

4πm2=

1

2| sin θdθ| . (3.9)

Tivemos que usar o modulo neste caso porque, por definicao, dP (θ) > 0.

Comparando as expressoes (3.12) e (3.9), temos que a funcao distribuicao

para θ, ou a densidade de probabilidade, e

fθ(θ) = (1/2)| sin θ| . (3.10)

Atividade 1

(Objetivo 2)

Considere o atomo paramagnetico anterior, mas usando coordenadas carte-

sianas. Qual a densidade de probabilidade de que a componente z do mo-

mento magnetico esteja entre mz e mz + dmz?

Resposta comentada

Temos que mz = m cos θ, ou cos θ = mz/m. Logo, temos

1

2sin θ dθ = − 1

2mdmz. (3.11)

Assim, podemos reescrever (3.9) em termos de mz como

dP (mz) = fmz(mz)dmz =

1

2mdmz (3.12)

Comparando as expressoes (3.12) e (3.2) vemos que a densidade de proba-

bilidade para a componente mz e fmz(mz) = 1/2m, ou seja, os valores de

mz sao uniformente distribuıdos no intervalo −m ≤ mz ≤ m, ja que sua

distribuicao nao dependende de mz.

fim da atividade

Atividade 2

(Objetivo 2)

Um sistema e constituıdo por varios osciladores harmonicos unidimensionais,

cujas posicoes sao dadas por x = A cos(ωt + α), onde a constante de fase α

e uma variavel aleatoria uniformemente distribuıda entre 0 e 2π.

(a) Qual a densidade de probabilidade fx(x) de encontrar um desses os-

ciladores entre x e x + dx?

(b) Faca o grafico de fx(x) e interprete fisicamente sua forma.

Resposta comentada

(a) Se a constante de fase e uniformemente distribuıda, entao fα(α) e uma

constante que pode ser obtida por normalizacao. Como α esta definida entre

41CEDERJ

Page 40: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

0 e 2π, temos∫ 2π

0

fα(α)dα = C

∫ 2π

0

dα = C2π = 1 → C =1

2π. (3.13)

Logo, fα(α) = 1/2π. No intervalo entre 0 e 2π ha dois valores de α

que geram o mesmo valor de x, portanto, dP (x) = 2dP (α). Como dx =

A sin(ωt + α)dα, temos que dα = dx/(A2 − x2)1/2, e finalmente, a densidade

de probabilidade desejada e:

dP (x) = fx(x)dx = 2dP [α(x)] = 2fα(α)dα(x)

= 21

dx

(A2 − x2)1/2⇒ fx(x) =

1

π(A2 − x2)1/2.

(b) O grafico ao lado mostra a forma

de fx(x) para A = 2, 0. Os valores

maximos estao em x ± A, ou seja, e

mais provavel que encontremos os os-

ciladores nas regioes proximas aos ex-

tremos, ou pontos de retorno. Esse re-

sultado e facil de entender, nesses pon-

tos a velocidade e menor, portanto o

tempo de permanencia e maior.fim da atividade

Distribuicao Gaussiana

Sempre estaremos interessados em sistemas com valores de N elevados,

por isso e conveniente verificar o comportamento da distribuicao binomial

quando N 1. A medida que aumentamos N , PN (n) tem valores apreciaveis

apenas nas vizinhancas de seu maximo, como pode ser visto na figura 2.3,

por isso vamos examinar essa regiao. Note que mesmo quando p 6= q, a regiao

do maximo e aproximadamente simetrica se os valores de p e q nao forem

muito diferentes.

Vamos trabalhar com o log da distribuicao, porque estaremos con-

siderando um regime em que ha grandes variacoes de probabilidade. Temos

assim, a partir da distribuicao binomial, equacao (2.4),

lnPN (n) = lnN ! − lnn! − ln(N − n)! + n ln p + (N − n) ln q . (3.14)

Usamos a aproximacao de Stirling para o fatorial de um numero muito

grande:

lnN ! = N lnN −N + O(lnN) , N 1. (3.15)

CEDERJ 42

Page 41: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

A obtencao dessa aproximacao pode ser vista com detalhes no livro in-

dicado como referencia no fim da aula. O expressao O(lnN) significa “termo

da ordem de lnN”, o que quer dizer que a expansao indicada difere de lnN !

por um valor cuja ordem de grandeza e O(lnN). Seja n o valor mais provavel

de n, ou seja, aquele para o qual PN (n) e maxima. Podemos escrever esse

valor como n = rN , 0 < r < 1. Se p e q nao forem muito diferentes, perto

do maximo, tanto n quanto N − n serao numeros da ordem de N . Usamos

a aproximacao de Stirling para os fatoriais desses numeros desprezando os

termos O(lnN), ficando com

lnPN = N lnN − N − n ln n + n − (N − n) ln(N − n) + N − n

+ n ln p + (N − n) ln q . (3.16)

Podemos calcular a posicao do maximo para N 1 extremizando lnPN .

ObtemosdlnPN

dn= − ln n + ln(N − n) + ln p − ln q = 0 , (3.17)

levando a

n = pN = 〈n〉 , (3.18)

onde usamos a expressao (2.11) para 〈n〉.Verificamos a concavidade:

d2lnPN

dn2= −1

n− 1

N − n, (3.19)

quando n = n temos

d2lnPN

dn2

n=n

= − 1

Npq= − 1

σ2< 0 , (3.20)

ou seja, o extremo e um maximo.

Agora, expandimos a distribuicao perto do maximo, porque essa e a

regiao que nos interessa descrever. Para isso tomamos n = n + ε, ε n.

Mantendo apenas ate o termo quadratico temos

lnPN (n) ≈ lnPN (n) + εdlnPN

dn

n=n︸ ︷︷ ︸

0

+1

2ε2 d2lnPN

dn2

n=n︸ ︷︷ ︸

− 1

Npq

+ · · · (3.21)

Exponenciando, teremos

PN (n) = C exp

[

−(n − n)2

2Npq

]

= C exp

[

−(n− 〈n〉)2

2σ2

]

, (3.22)

43CEDERJ

Page 42: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

onde a expressao (2.13) foi usada na identificacao de σ.

A constante de normalizacao, C , pode ser encontrada se impomos que

a soma das probabilidades para todos os valores possıveis de n e 1, ou seja,

∫ +∞

−∞dn C exp

[

−(n − 〈n〉)2

2σ2

]

= 1 . (3.23)

Esta integral, e outras similares, vao aparecer muitas vezes nas proximas

aulas, por isso vale a pena ver como pode ser calculada.

Nosso objetivo e calcular a integral

I =

∫ +∞

−∞du e−u2

(3.24)

O ponto de partida e a integral I ′ no plano xy, escrita em coordenadas polares

como

I ′ =

∫ 2π

0

∫ ∞

0

e−r2

rdr = 2π

[

−e−r2

2

]∞

0

= π . (3.25)

Mas I ′ tambem pode ser escrita em coordenadas cartesiana, dando

I ′ =

∫ +∞

−∞dx

∫ +∞

−∞exp

[

−(x2 + y2)]

dy

=

(∫ +∞

−∞e−x2

dx

) (∫ +∞

−∞e−y2

dy

)

= I2 .

Logo,∫ +∞

−∞e−u2

du =√

π . (3.26)

Obtemos, assim, a expressao final normalizada

P (n) =1

σ√

2πexp

[

−(n − 〈n〉)2

2σ2

]

, (3.27)

ou

PN (n) =1√

2πNpqexp

[

−(n − Np)2

2Npq

]

. (3.28)

As expressoes (3.27) e (3.28) definem o que chamamos de distribuicao Gaus-

siana, tambem chamada distribuicao normal.

Atividade 3

(Objetivo 4) (a) Mostre que

∫ +∞

−∞e−ax2

dx =

π

a. (3.29)

CEDERJ 44

Page 43: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

(b) Use esse resultado para calcular a constante de normalizacao C da equacao

(3.23).

(c) Mostre que∫ ∞

0

x2e−ax2

dx =π

4a

π

aa > 0 (3.30)

Dica: observe a igualdade

d

da

∫ ∞

0

e−ax2

dx = −∫ ∞

0

x2e−ax2

dx .

Resposta comentada

(a) Partimos da equacao (3.26), e fazemos uma troca de variaveis:

u =√

ax → du =√

a dx

Com isso temos∫

+∞

−∞e−ax2

dx =1√a

+∞

−∞e−u2

du =

π

a

(b) Basta fazer as identificacoes: y = x − 〈x〉 e a = 2σ2 em (3.23).

(c) O integrando da equacao (3.26) e uma funcao par, portanto podemos

escrever∫ ∞

0

e−ax2

dx =1

2

π

a

Usamos a dica:

d

da

∫ ∞

0

e−ax2

dx =d

da

(

1

2

π

a

)

=1

2

1

2

1

a

π

a

fim da atividade

Atividade 4

(Objetivo 4)

Verifique a validade da aproximacao gaussiana.

Resposta comentada

A forma gaussiana foi obtida ao trucarmos a expansao de logPN ate o termo

quadratico, assim, devemos ver os efeitos da truncagem na expressao (3.21).

Calculamos o primeiro termo que foi desprezado, e que envolve a terceira

derivada:

1

3!ε3 d3lnPN

dn3

n=n

=1

6ε3 q − p

N2p2q2=

1

6(n − n)3 q − p

N2p2q2. (3.31)

Para que a aproximacao Gaussiana seja boa devemos ter

1

2Npq|n − n|2 |q − p|

6N2p2q2|n − n|3 , (3.32)

45CEDERJ

Page 44: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

ou seja,

|n − n| 3Npq

|q − p| , (3.33)

definindo assim a regiao em torno do maximo onde a aproximacao e valida.

Para um dado valor de N , quanto mais proximos forem p e q maior e |p − q| −1

e mais facil sera satisfazer a condicao (3.32). Por outro lado, dados p e

q, quanto maior for N , mais facil sera satisfazer a condicao. Fora do in-

tervalo definido em (3.33), ou seja, para |n − n| ≥ 3Npq/|q − p|, temos

P ∼ exp[−9N2p2q2/(2Npq|q − p|2)] → 0 para N → ∞, portanto a aproxi-

macao e boa para Npq 1.

Propriedades da distribuicao gaussiana

Vamos trabalhar com a forma (3.27). Como partimos da distribuicao

binomial, tınhamos uma variavel adimensional, n e um numero, variando

de uma unidade. Para que possamos generalizar o resultado para qualquer

variavel real, temos que definir x = `n, sendo ` um numero real com di-

mensao. Mantendo a notacao usada para a densidade de probabilidade,

temos:

fG(x) =1

σ√

2πexp

[

−(x − 〈x〉)2

2σ2

]

. (3.34)

Aqui o subındice G identifica que estamos tratando de uma distribuicao

especıfica, a gaussiana. Agora σ tem a mesma unidade de ` e fG(x) tem

unidade de `−1.

Primeiro vamos examinar sua forma geral em funcao dos parametros

〈x〉 e σ. A figura 3.4 mostra graficos de fG(x) para diversos valores de 〈x〉e σ. O valor de 〈x〉 da a posicao do maximo e posiciona a curva como um

todo. σ esta relacionado com sua largura e com a rapidez com que fG varia

quando nos afastamos de seu valor maximo.

O valor de fG(x) no ponto de maximo e dado por fG(〈x〉), e vale

fGmax =1

σ√

2π⇒ fG(x) = fGmax exp

[

−(x− 〈x〉)2

2σ2

]

. (3.35)

Vamos ver como σ esta relacionado com a largura da curva calculando em

que pontos ela cai a fGmax/e ou a 36,8% de fGmax:

fG(x±) = fGmaxe−1 ⇒

[

−(x± − 〈x〉)2

2σ2

]

= −1 ⇒ x± = 〈x〉 ± σ√

2 (3.36)

A figura 3.5 mostra as regioes compreendidas por x ± σ e x ± 2σ. Vemos

que a regiao em torno do maximo, onde estao os maiores valores de fG(x) e

essencialmente definida pelo parametro σ.

CEDERJ 46

Page 45: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

Figura 3.4: Graficos de distribuicoes gaussianas a partir da expressao (3.34)

Atividade 5

(Objetivo 4)

Calcule a largura total da curva gaussiana em pontos tais que ela caia a

metade do valor maximo.

Resposta comentada

Devemos impor a condicao fG(x±) = fGmax/2 que implica em

(x± − 〈x〉)2

2σ2= ln 2 ⇒ x± = 〈x〉 ± σ

√2 ln 2 (3.37)

fim da atividade

Vamos agora considerar valores da probabilidade de se encontrar x em diver-

sas regioes finitas da curva, a partir de seu ponto central. Vamos calcular a

probabilidade de encontrar x entre 〈x〉 −nσ e 〈x〉+ nσ, sendo n um numero

inteiro. Para este calculo a posicao da curva nao importa, entao podemos

tomar, por simplicidade, 〈x〉 = 0. Usamos a expressao (3.3) para este calculo:

P (−nσ ≤ x ≤ +nσ) =1

σ√

+nσ

−nσ

exp

(

− x2

2σ2

)

dx . (3.38)

Fazemos a troca de variavel x/σ√

2 = u, dx = σ√

2 du. Com isso a integral

toma a forma:

P (−nσ ≤ x ≤ +nσ) =1√π

+n/√

2

−n/√

2

e−u2

du . (3.39)

47CEDERJ

Page 46: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

Figura 3.5: Graficos de distribuicoes gaussianas com σ = 2 e 〈x〉 = 0

mostrando as regioes compreendidas por (a) x ± σ e (b) x± 2σ.

Esta integral nao pode ser calculada analiticamente, portantodevemos con-

sultar alguma tabela para isso. Ela aparece relacionada com a funcao erro

que tem a seguinte definicao:

erf(a) =2√π

∫ a

0

e−u2

du . (3.40)

Usando o fato de que o integrando e par, temos

P (−nσ ≤ x ≤ +nσ) = erf

(

n√2

)

. (3.41)

Boxe multimidia Um lugar otimo para consultas matematicas pela internet

e a pagina:

http://mathworld.wolfram.com.

Nela voce pode encontrar tudo que precisa num curso de fısica, inclusive uma

ferramenta on-line para o calculo de integrais indefinidas.

Consultando essa pagina, ou qualquer outra tabela de integrais encon-

tramos:

n P (−nσ ≤ x ≤ +nσ)

1 0,6827

2 0,9545

3 0,9973

CEDERJ 48

Page 47: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

Fim do Boxe multimidia

Este resultado significa que, ao realizar uma experiencia ideal, com um

numero muito grande de repeticoes, descrita pela distribuicao gaussiana,

cerca de 68% dos valores medidos estarao no intervalo 〈x〉 ± σ. Se con-

siderarmos uma faixa de valores de 4σ em torno do valor mais provavel,

teremos aı cerca de 95% dos dados. Em resumo, a chance de se obter um

valor diferente do esperado em mais de 2σ e muitıssimo pequena. Quanto

menor for o valor de σ, mais iguais a 〈x〉 serao os valores medidos. A figura

3.5 ilustra essas faixas numa gaussiana com σ = 2.

Para finalizar devemos dizer que, embora tenhamos examinado uma dis-

tribuicao especıfica, os resultados encontrados aplicam-se qualitativamente a

varias outras distribuicoes. Como a forma gaussiana e facil de tratar matem-

aticamente, ela e em geral usada para descrever varios sistemas com variaveis

aleatorias.

Conclusao

Quando tratamos de sistemas aleatorios com N → ∞ podemos usar

distribuicoes contınuas para descreve-los. Nesse caso a grandeza importante

e a densidade de probabilidade. Em vez de considerarmos a probabilidade

de ocorrencia de um determinado valor da variavel, passamos a usar a pro-

babilidade de a encontrarmos em um determinado intervalo infinitesimal. A

passagem natural da descricao discreta para a contınua e atraves da cons-

trucao de um histograma. Formalmente podemos obter uma distribuicao

contınua a partir de uma discreta tomando o limite N → ∞. Por exemplo,

desta forma pudemos obter a distribuicao gaussiana a partir da binomial.

A distribuicao gaussiana, alem de ser matematicamente facil de lidar,

tem uma propriedade importante: quando nos afastamos de seu valor maximo

ela cai com uma rapidez que depende do valor de σ. Isso significa que ela des-

creve sistemas para os quais a probabilidade de se encontrar valores muito

maiores ou menores que a media e muito pequena. Em outras palavras,

sao sistemas que podem ser caracaterizados pelo valor medio ou esperado

de alguma grandeza, como o numero de palitos de fosforo numa caixa ou a

magnetizacao de um solido.

A Fısica Estatıstica tradicional trata apenas de sistemas com essas car-

acterısticas, mas existem muitos outros que sao descritos por outras formas

49CEDERJ

Page 48: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

de distribuicao. Por exemplo considere a distribuicao que descreve a renda

das pessoas. Imagine que escolhemos N pessoas ao acaso e anotamos o valor

de sua renda mensal para construir um histograma. Calculamos a renda

media 〈r〉 somando todos os valores e dividindo por N . Ao examinarmos o

histograma, certamente encontrarıamos muito mais pessoas com renda menor

que 〈r〉 do que com renda maior que 〈r〉. Assim, neste caso, a medida que nos

afastamos da media, para valores menores, a probabilidade de encontra-los

aumenta, o contrario ocorrendo se nos afastamos para valores maiores.

Outra distribuicao com essas caracterısticas e a da intensidade dos ter-

remotos. Quanto maior o terremoto, menor a sua probabilidade de ocorrencia.

Num histograma de terremotos certamente terıamos a contagem aumentando

ao considerarmos terremotos de menor intensidade.

Embora esses seja sistemas extremamente interessantes e relevantes,

a Fısica Estatıstica de Boltzmann se aplica apenas a sistemas regidos por

distribuicoes como a gaussiana.

Atividade Final

O histograma da figura 3.3 tem uma forma que sugere uma distribuicao

gaussiana. Encontre a expressao da gaussiana que poderia ser usada para

descrever esse conjunto de dados. A tabela usada para a construcao do

histograma e:

τ (s) f τ (s) f

1,6 0,002 2,8 0,201

1,8 0,007 3,0 0,175

2,0 0,028 3,2 0,112

2,2 0,067 3,4 0,073

2,4 0,132 3,6 0,025

2,6 0,168 3,8 0,008

Resposta comentada

Vamos usar a expressao (3.27) com τ no lugar de x. Os valores de 〈τ 〉e σ para o conjunto de dados que gerou o histograma sao 2,79 s e 0,4 s,

respectivamente. Antes de tracar a curva temos que pensar como foi feita

a normalizacao no caso do histograma. Cada barra vertical tem uma altura

que depende do valor de ∆τ escolhido, porque e proporcional ao numero

de medidas no intervalo. Portanto, a grandeza f do eixo vertical nao e

a densidade de probabilidade, mas a probabilidade de encontrar o perıodo

CEDERJ 50

Page 49: Física Estatística

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuoMODULO 1 - AULA 3

entre τ e τ + ∆τ . Assim, a expressao correta para ajustar e fG(τ )∆τ . A

figura a seguir mostra essa curva sobreposta ao histograma.

Resumo

Nesta aula vimos como estender as nocoes de probablilidade e dis-

tribuicao a sistemas descritos por variaveis contınuas. Essa passagem se

da naturalmente atraves da construcao de histogramas, uma ferramenta es-

tatıstica muito uitl para a analise de sistemas com um numero grande de

elementos.

A descricao estatıstica dos sistemas contınuos se da atraves da densi-

dade de probalidade que e uma funcao que permite o calculo de medias em

geral. Dentre as densidades mais usadas destacamos a funcao uniforme, que

da a mesma densidade de probabilidade para qualquer intervalo da variavel

aleatoria em questao, e a gaussiana que tem a densidade concentrada em

torno do valor medio. Vimos tambem que e possıvel obter distribuicao gaus-

siana a partir da distribuicao binomial no limite N → ∞.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula vamos aprender como descrever o equilıbrio termico

entre dois sistemas, do ponto de vista probabilıstico. Continuaremos usando

o sistema paramagnetico uniaxial para esse estudo.

51CEDERJ

Page 50: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 3 - Descricao estatıstica de um sistema fısico: caso contınuo

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, capıtulo 1.

CEDERJ 52

Page 51: Física Estatística

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio

termico

Meta

Estabelecer a ligacao entre as descricoes micro e macroscopica atraves

da definicao estatıstica de entropia.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. Entender o equilıbrio termico de um ponto de vista probabilıstico;

2. Associar a entropia macroscopica com a multiplicidade de um macroes-

tados;

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce tenha familiaridade com varios conceitos de

Termodinamica expostos em Fısica 2A, especialmente: equilıbrio termico e

troca de calor (Aula 5) e entropia (Aula 12).

Introducao

Nas Aulas 2 e 3 vimos como lidar com distribuicoes e como identificar

micro e macroestados de sistemas descritos por variaveis aleatorias. Nesta

aula veremos como a troca de energia entre sistemas pode ser interpretada

do ponto de vista estatıstico.

Ja temos todos os elementos necessarios para estabelecer a conexao

entre as descricoes micro e macroscopica. As informacoes disponıveis sao: do

ponto de vista microscopico, a expressao para a energia e a multiplicidade do

macroestado; na descricao macroscopica, as variaveis de estado, tais como

volume, pressao, entropia e temperatura, e as leis da termodinamica.

53CEDERJ

Page 52: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico

Veremos, a seguir, que a conexao vira atraves do estabelecimento da

relacao entre entropia e multiplicidade e do limite termodinamico. Nesta aula

veremos como o limite N → ∞ garante a estabilidade na escala macroscopica.

Usaremos para isso nosso sistema modelo, o paramagneto uniaxial, mas as

conclusoes sao aplicaveis a qualquer outro sistema.

O equilıbrio termico

O sistema (S) que queremos examinar tem uma estrutura interna con-

sistindo de duas partes identificaveis, que serao denominadas sistema 1 (S1)

e sistema 2 (S2), contendo N1 e N2 partıculas, e energias E1 e E2, respec-

tivamente. Inicialmente S1 e S2 estao em equilıbrio individualmente, sepa-

rados por uma parede impermeavel (nao permite passagem de partıculas) e

adiabatica (nao permite passagem de calor). Quando o isolamento termico

entre eles e removido as partes S1 e S2 passam a poder trocar energia. Es-

peramos o tempo necessario para que se reequilibrem, e verificamos que no

estado final eles passam a ter energias E ′1 e E ′

2 como esquematizado na Figura

4.1. Do ponto de vista da Termodinamica esta situacao e bem familiar.

Certamente voce ja resolveu o problema de calcular a temperatura final de

equilıbrio, T ′, de dois objetos a temperaturas T1 e T2 que estao dentro de

um calorımetro, podendo trocar calor apenas entre si. A energia total do

sistema e constante por causa do isolamento termico do calorımetro, e a tem-

peratura de equilıbrio e determinada supondo-se que os corpos trocam calor

dependendo de suas temperaturas iniciais, suas massas e de que material

sao feitos. Tambem impomos que no equilıbrio os corpos estarao na mesma

temperatura. A observacao experimental concorda com essa uniformidade de

temperatura, mas se impomos apenas a conservacao de energia, muitas out-

ras configuracoes finais seriam possıveis, ate mesmo aquela em que o corpo

mais frio cede uma quantidade de calor Q, tornando-se mais frio, sendo esse

calor absorvido pelo corpo mais quente, que fica ainda mais quente. Por que

isso nao ocorre? Essa e a pergunta que queremos responder, examinando a

probabilidade de ocorrencia de cada estado final que satisfaz a conservacao

de energia. Vamos formular o problema em termos da energia. Queremos

saber como determinar os valores finais de energia de cada corpo, para to-

dos os estados finais que satisfazem a conservacao de energia, dentro de uma

descricao microscopica probabilısca.

Como o sistema S esta isolado, necessariamente devemos ter conservacao

de energia, ou seja, E = E1 + E2 = E ′1 + E ′

2. Note que sao aceitaveis quais-

CEDERJ 54

Page 53: Física Estatística

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4

S1 S2

E1 E 2

(b)(a)

E2 E1

S2

S1

E1d

E2d

parede isolanteparede condutora

Figura 4.1: (a) Dois sistemas em equilıbrio individualmente, isolados um do

outro e do meio externo. Cada um encontra-se num determinado macroes-

tado, com sua respectiva multiplicidade. (b) O isolamento termico entre

os sistemas e removido, eles trocam calor ate atingirem um novo estado de

equilıbrio. Nesse estado final cada sistema estara num outro macroestado,

eventualmente, com outra multiplicidade.

quer valores de E ′1 e E ′

2 que satisfacam a conservacao de energia. Estamos,

entao, incluindo a possibilidade da parte com menor energia ter sua energia

reduzida e a de maior energia aumentada da mesma quantidade. Do ponto

de vista termodinamico, isso e equivalente a por dois objetos a temperat-

uras diferentes em contato termico, e o mais quente esquentar, enquanto que

o mais frio esfria mais ainda! Sabemos que na pratica essa situacao nao

ocorre. Veremos a seguir que ela nao e observada simplesmente porque e

extremamente improvavel.

Vamos ver como descrever a troca de energia do ponto de vista es-

tatıstico. A conservacao de energia nos permite escrever o estado final em

termos da energia total e da energia final de um dos sistemas. Escolhemos

escrever em termos de S1. A energia final de S2 e dada por E − E ′1. Sendo

g(E, N) a multiplicidade do sistema composto representado na figura 4.1(b),

podemos escrever

g(E, N) =∑

E′

1

g1(E′1, N1)g2(E − E ′

1, N2) , (4.1)

onde g1(E′1, N1) e g2(E−E ′

1, N2) sao as multiplicidades dos sistemas S1 e S2,

respectivamente. E importante entender o que significa o lado direito de (4.1).

Como ainda podemos identificar os dois sistemas, estamos considerando todas

as possibilidades de energia para os sistemas individuais, compatıveis com

a conservacao da energia total. Para cada valor de E ′1, ha apenas um de

E ′2 possıvel, assim, podemos usar apenas E ′

1 como variavel. Para um dado

55CEDERJ

Page 54: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico

valor de E ′1, S1 pode ser encontrado em qualquer um de seus g1(E

′1, N1)

microestados, e para cada um desses microestados, S2 pode estar em qualquer

um de seus g2(E − E ′1, N2) microestados.

Vamos analisar um exemplo concreto considerando sistemas formados

por momentos magneticos uniaxiais. Como vimos na Aula 2, o macroes-

tado desse sistema pode ser rotulado pelo valor de energia ou pelo valor de

M , variavel que da a diferenca entre o numero de momentos paralelos e an-

tiparalelos ao campo, porque a energia do sistema na presenca de um campo

magnetico B e dada por E = −MB. Assim, o vınculo de conservacao de

energia pode ser escrito como M = M1 + M2 = M ′1 + M ′

2, onde Mi e M ′i

correspondem aos valores inicial e final, respectivamente, para o i-esimo sis-

tema. Suponha que inicialmente tenhamos

sistema Ni Mi

S1 10 4

S2 8 6

Tabela 4.3: Valores iniciais hipoteticos para dois sistemas em contato

termico.

Para o sistema combinado, S, N = N1 + N2 = 18 e M = M1 + M2 = 10.

Podemos usar a expressao (2.5) para calcular g(10, 18) diretamente:

g(M, N) =N !

(N+M

2

)!(

N−M2

)!⇒ g(18, 10) =

18!

14!4!= 3060 .

Vamos agora identificar como estao S1 e S2 em cada um desses 3060 mi-

croestados. Pela definicao de M (equacao (2.1)), temos que, dado um certo

valor de N , M pode assumir os valores ±N , ±(N − 2), . . . , 0. Assim,

os valores possıveis para M1 e M2 sao M1 = ±10, ±8, ±6, ±4, ±2, 0,

M2 = ±8, ±6, ±4, ±2, 0. Lembrando a restricao M1 + M2 = 10, os valores

compatıveis com M = 10 para o estado final sao

Atividade 1

(Objetivos 1 e 2)

Porque nao podemos ter M ′1 = −8,−6,−4,−2?

Resposta comentada:

A conservacao de energia requer que M ′1+M ′

2 = 10, assim M ′1 = −8 ⇒ M ′

2 =

18. Mas o valor maximo para M ′2 e 8, correspondendo a todos os momentos

alinhados paralelamente ao campo externo. A mesma analise pode ser feita

para os outros valores de M ′1 propostos.

CEDERJ 56

Page 55: Física Estatística

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4

configuracao M ′1 M − M ′

1 g(M − M ′1, 18)

1 8 2 560

2 6 4 1260

3 4 6 960

4 2 8 210

5 10 0 70

Tabela 4.4: Possıveis configuracoes de cada parte do sistema combinado.

Podemos agora escrever a multiplicidade g(M, N) do sistema composto na

forma (4.1), como

g(10, 18)︸ ︷︷ ︸

3060

= g1(8, 10)g2(2, 8)︸ ︷︷ ︸

560

+ g1(6, 10)g2(4, 8)︸ ︷︷ ︸

1260

+ g1(4, 10)g2(6, 8)︸ ︷︷ ︸

960

+ g1(2, 10)g2(8, 8)︸ ︷︷ ︸

210

+ g1(10, 10)g2(0, 8)︸ ︷︷ ︸

70

Observe que a configuracao final correspondente a M ′1 = 6 e M ′

2 = 4 e a

de maior multiplicidade. Se associamos uma bolinha a cada microestado,

identificando-as com as configuracoes definidas na tabela acima, teremos 560

bolinhas com o numero 1, 1260 com o 2 etc. Assim, se juntamos todas as

bolinhas e realizamos um sorteio, a retirada de uma bolinha com o numero

2 ocorrera com maior probabilidade, ja que essa configuracao e a de maior

multiplicidade. Neste exemplo especıfico, as outras configuracoes certamente

tambem teriam uma chance razoavel de aparecer, especialmente a 3; isso se

da porque N1 e N2 sao numeros pequenos, resultando em variancias grandes.

Como vimos nas Aulas 2 e 3, quanto maior for o valor de N , mais concentrada

no valor maximo sera a distribuicao, levando a probabilidades reduzidıssimas

de se encontrar resultados diferentes do valor esperado. Assim, se tivessemos

valores muito grandes para N1 e N2, haveria uma determinada configuracao

final com multiplicidade muito maior que as outras, de tal forma que, ao

realizarmos o sorteio das bolinhas, para todos os efeitos, estarıamos sempre

sorteando bolinhas com o numero referente a essa configuracao. Esse sorteio

corresponde a uma observacao macroscopica, a uma medicao, e o fato de

estarmos observando sempre a mesma configuracao final nos levaria a concluir

que essa e a configuracao de equilıbrio.

Atividade 2

(Objetivos 1 e 2)

Identifique duas configuracoes possıveis com:

57CEDERJ

Page 56: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico

(a) M ′1 = 6 e M ′

2 = 4

(b) M ′1 = 10 e M ′

2 = 0

Resposta comentada

A primeira coisa e calcular quantos momentos magneticos serao positivos

(ou negativos) em cada sistema, usando a expressao N+ = (N + M)/2.

Depois escolhemos algum microestado que tenha esse numero de momentos

magneticos positivos.

(a) M ′1 = 6 e M ′

2 = 4 ⇒ N ′1+ = 8 N ′

2+ = 6. Duas possibilidades sao:

S1 S2

+ − − + + + + + + + + + + − + − + +

S1 S2

− + + − + + + + + + + + − + + + + −

(b) M ′1 = 10 e M ′

2 = 0 ⇒ N ′1+ = 10 N ′

2+ = 4. Duas possibilidades sao:

S1 S2

+ + + + + + + + + + + + − − + − − +

S1 S2

+ + + + + + + + + + − − + + + − + −

Note que neste caso so ha uma configuracao possıvel para S1.

Fim da atividade

Vamos analisar todos os estados finais em termos de seus valores de

Mi/Ni e pela troca de energia ocorrida, escrita em termos de M como

dMi = M ′i − Mi. A Tabela 4.5 resume essa analise. A numeracao de 1

a 5 na primeira coluna refere-se as configuracoes da tabela 4.4. Na segunda

coluna temos o valor inicial M1 por partıcula e na terceira coluna, o valor

final para cada configuracao. As colunas 5 e 6 mostram as mesmas quanti-

dades para o sistema 2. A energia por partıcula e proporcional a Mi/Ni. A

divisao pelo numero de partıculas nos permite comparar melhor a diferenca

entre as configuracoes, ja que um sistema e maior que o outro. A condicao

inicial tinha S1 com um valor menor de M/N , do ponto de vista macroscopico

esperamos que ocorra uma troca de energia entre S1 e S2 de maneira a uni-

formizar o valor de M/N em todo o sistema combinado. As configuracoes

CEDERJ 58

Page 57: Física Estatística

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4

na tabela mostram que apenas o vınculo de conservacao de energia permite

outras formas de troca de energia. Na configuracao 1 o valor de M ′1/N1 e

excessivamente alto, ou seja, a troca de energia tornou os sistemas ainda mais

diferentes, embora tenha ocorrido no sentido certo. A configuracao 2 e a que

corresponde a maior uniformidade, e a que tem os valores de M ′1/N1 e M ′

2/N2

mais proximos. Como ja vimos, esta tambem e a de maior multiplicidade.

Na configuracao 3 nao ha troca de energia, e nas 4 e 5 as trocas fazem com

que M1/N1 diminua mais ainda.

S1 S2

M1/N1 M ′1/N1 dM1 M2/N2 M ′

2/N2 dM2

1 0,80 4 0,25 −4

2 0,60 2 0,50 −2

3 0,40 0,40 0 0,75 0,75 0

4 0,20 −2 1,00 2

5 1,00 −6 0 6

Tabela 4.5: Valores referentes ao equilıbrio termico de dois sistemas es-

pecıficos. A numeracao 1-5 das linhas refere-se as configuracoes da tabela

4.4

Acabamos de examinar um sistema descrito pela distribuicao binaria

mas num caso geral, nem sempre o calculo das multiplicidades e possıvel.

Por isso precisamos ser capazes de encontrar a configuracao de equilıbrio

para um sistema qualquer. Concluımos que a configuracao final de maior

multiplicidade corresponde ao equilıbrio; Assim, num sistema qualquer, o

equilıbrio pode ser encontrado pela determinacao do maior termo do so-

matorio (4.1). Essa determinacao pode ser feita genericamente se maxi-

mizamos g1(E′1, N1)g2(E − E ′

1, N2) por variacoes em E ′1 e E ′

2 = E − E ′1, ou

seja, se impomos a condicao

d (g1g2) = g2∂g1

∂E1dE1 + g1

∂g2

∂E2dE2 = 0 .

A energia total se conserva, entao dE = dE1 + dE2 = 0 ou dE1 = −dE2.

Com isso, temos que

d (g1g2) =

(

g2∂g1

∂E1− g1

∂g2

∂E2

)

dE1 = 0 . (4.2)

Seja E o valor de E1 que satizfaz a condicao (4.2), temos:

1

g1

∂g1

∂E1

∣∣∣∣E

=1

g2

∂g2

∂E2

∣∣∣∣E−E

ou∂ln g1

∂E1

∣∣∣∣E

=∂ln g2

∂E2

∣∣∣∣E−E

. (4.3)

59CEDERJ

Page 58: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico

A conexao entre a descricao estatıstica, microscopica, e a termodinamica,

abordagem macroscopica, foi proposta por Boltzmann, atraves da definicao

estatıstica de entropia,

S ≡ κ ln g , (4.4)

onde κ e a constante de Boltzmann. Com essa definicao, a condicao de

equilıbrio (4.3) pode ser escrita como

∂S1

∂E1

∣∣∣∣E

=∂S2

∂E2

∣∣∣∣E−E

(4.5)

Sabemos que, no equilıbrio termico, as temperaturas de todas as partes de um

sistema devem ser iguais. Aqui devemos ter T1 = T2 no equilıbrio. Definimos

assim1

T1≡ ∂S1

∂E1

∣∣∣∣E

e1

T2≡ ∂S2

∂E2

∣∣∣∣E−E

. (4.6)

Neste momento, temos que parar e pensar sobre o que acabamos de fazer.

Uma definicao estatıstica de entropia foi proposta, e por isso identificamos

como κ ln g1(E, N1), a entropia do sistema 1, e o equivalente para o sistema

2. Note que a identificacao da temperatura foi feita apenas com relacao ao

termo maximo, aquele calculado com E1 = E e E2 = E − E. Isso levou a

valores iguais para a temperatura dos sistemas apenas nessa configuracao.

Limite N → ∞

Vamos ver o que ocorre se N1 e N2 forem muito grandes. Para tal

usaremos o limite gaussiano da distribuicao binomial, como explicado na

Aula 3. Temos:

g(M, N) =N !

(N+M

2

)!(

N−M2

)!

−→N→∞

2N

√2πN

exp

(

−M2

2N

)

= g0 exp

(

−M2

2N

)

,

(4.7)

onde g0 = g(0, N) e o valor maximo de g(M, N). Note que aqui fizemos

o limite apenas da multiplicidade, sem incluir pN+M

2 qN−M

2 , por isso temos o

fator 2N na constante de normalizacao (veja a equacao (2.9) ). Agora M e

uma variavel real e contınua, assim a soma em (4.1) deve ser substituıda por

uma integral, na forma

g(M, N) =

∫ +∞

−∞g1(M

′1)g2(M −M ′

1) dM ′1

=

∫ +∞

−∞(g1g2)0 exp

[

−M ′21

2N1

]

exp

[

−(M − M ′1)

2

2N2

]

dM ′1 (4.8)

CEDERJ 60

Page 59: Física Estatística

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4

Seguindo o procedimento anterior, procuramos o valor de M ′1 que maximiza

o integrando em (4.8)

∂(g1g2)

∂M ′1

= 0 ⇒ − M

N1

+(M − M)

N2

= 0 ⇒ M =N1

NM , (4.9)

sendo M o valor de M ′1 que maximiza o integrando. Temos, entao, que a

configuracao de troca de energia mais provavel e aquela que leva a

M ′1 = M =

N1

NM =

N1

N1 + N2(M ′

1 + M ′2) ⇒

M ′1

N1=

M ′2

N2,

que e exatamente a condicao de uniformidade que ja tınhamos antecipado.

Substituindo esse valor de M ′1 no integrando, temos

(g1g2)max = g1(0, N1)g2(0, N2) exp

(

−M2

2N

)

. (4.10)

(g1g2)max e o valor maximo do integrando, corresponde a configuracao final

de maior multiplicidade, aquela a que associamos o estado de equilıbrio.

O efeito das flutuacoes

Ja sabemos como e a configuracao mais provavel, agora vamos estimar o

efeito de flutuacoes considerando que S1 esteja com um valor de M ′1 levemente

diferente de M , ou seja, M ′1 = M + δ, δ M . O integrando calculado nesse

ponto e

g1g2 = (g1g2)0 exp

(

−M2

2N

)

︸ ︷︷ ︸

(g1g2)max

· exp

(

− δ2N

2N1N2

)

︸ ︷︷ ︸

fator de reducao f

, (4.11)

que pode ser escrito como o valor maximo do integrando, multiplicado por

um numero menor que 1, que chamaremos de fator de reducao. Esta mesma

analise foi feita na Aula 3 quando estudamos as propriedades da gaussiana,

calculando o valor da distribuicao em pontos a certas distancias do ponto de

maximo.

Vamos considerar valores numericos para que possamos apreciar melhor

o efeito de uma flutuacao que tira levemente o sistema de seu ponto de

equilıbrio:

N1 = N2 = 1022 δ = 1012

O valor de δ pode parecer enorme, mas o que importa e o valor relativo.

Note que δ/N1 = 10−10. Isso significa que estamos falando de um valor de

61CEDERJ

Page 60: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termico

g g1 2

M’1M+d^

^M-d^

M

u+d-d 0

Figura 4.2: Integrando da equacao (4.12). A probabilidade de se encontrar

uma flutuacao maior que δ pode ser estimada pelo calculo das areas hachu-

radas.

M ′1 que difere de M la pelo decimo algarismo significativo. Para esses valores

temos f = exp(−100) ≈ 10−44. Vamos calcular a probabilidade de encontrar

o sistema com M − δ < M ′1 < M + δ (veja a figura 4.2). Usando a simetria

da distribuicao gaussiana, podemos escrever

P(

M − δ < M ′1 < M + δ

)

=

∫ ∞M+δ

g1g2 dM ′1

∫ ∞0

g1g2 dM ′1

=(g1g2)max

∫ ∞δ

exp(

− u2

N1

)

du

(g1g2)max

∫ ∞0

exp(

− u2

N1

)

du.

=

∫ ∞δ/

√N1

exp(−x2)dx∫ ∞0

exp(−x2)dx(4.12)

Usamos aqui a expressao (4.11) e realizamos as trocas de variavel u = M ′1−

M e depois x = u/√

N1. Para os valores numericos considerados δ =

10√

N1 levando a P(

M − δ > M ′1 > M + δ

)

≈ 10−44. Para termos uma

chance razoavel de observar uma flutuacao como essa, deverıamos realizar

pelo menos 1044 medidas. Supondo um tempo tıpico de medicao por espec-

troscopia, 10−12 s, precisarıamos de 1032 s ou 1024 anos. A idade do universo e

estimada em 1010 anos, logo podemos descartar a possibilidade de ocorrencia

de variacoes relativas menores que 10−10.

Conclusao

Nesta aula pudemos ver mais uma vez o efeito do limite termodinamico,

que pode ser resumido como: quando N → ∞, a configuracao mais provavel

CEDERJ 62

Page 61: Física Estatística

Aula 4 - Descricao estatıstica do equilıbrio termicoMODULO 1 - AULA 4

e a unica possıvel de ser observada macroscopicamente, e as flutuacoes com

relacao a ela sao desprezıveis. Com isso pudemos interpretar estatisticamente

a troca de energia e o equilıbrio termico de sistemas que podem trocar energia

entre si, mas estao isolados do meio externo. Fizemos uma analise em termos

de um sistema combinado, formado por dois subsistemas, mas podemos es-

tende-la considerando qualquer quantidade de subsistemas. Assim, temos o

seguinte quadro: inicialmente um certo numero de sistemas, cada um isolado

do meio externo, em equilıbrio termico. Estes sistemas sao colocados em

contato termico entre si, mantendo-se ainda isolados do meio externo, for-

mando agora um sistema combinado. O isolamento termico global faz com

que a energia total seja conservada, todas as trocas de energia devem ocorrer

satisfazendo a esta condicao. Varias trocas de energia sao possıveis, mas uma

delas e a que ocorre com maior probabilidade sendo que quando tomamos o

limite N → ∞, essa troca e tao mais provavel, que para todos os efeitos e

a unica possıvel de ser observada macroscopicamente. Definindo a entropia

estatıstica em funcao da multiplicidade do macroestado pudemos formular o

equilıbrio termico do sistema combinado em termos da temperatura, ou seja,

a configuracao de troca de energia mais provavel para o sistema combinado

e aquela que leva a uniformidade da temperatura em todas as partes que o

compoem.

Resumo

Nesta aula aprendemos a definicao estatıstica de temperatura e a usa-

mos para encontrar as condicoes de equilıbrio de sistemas que podem trocar

energia entre si, mas estao isolados do meio externo.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula vamos aprender a visao de Boltzmann para o equilıbrio

termico, e derivar a equacao de estado para o comportamento termico de

alguns sistemas fısicos.

63CEDERJ

Page 62: Física Estatística

Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5

Aula 5 - A hipotese fundamental de

Boltzmann

Meta

Apresentar como e feita a conexao entre as descricoes estatıstica e ter-

modinamica num sistema fechado, ou seja, que nao pode trocar calor ou

partıculas com o meio externo.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. Calcular a entropia de sistemas fısicos a partir do conhecimento mi-

croscopico dos mesmos;

2. A partir de uma expressao para a entropia, econtrar as propriedades

termodinamicas de um sistema.

Pre-requisitos

Continuaremos estudando o sistema paramagnetico apresentado na Aula

2. Usaremos tambem a aproximacao de Stirling (Aula 3) e a definicao de

variaveis intensivas e extensivas (Aula 1).

Introducao

Na Aula 4 vimos que a troca de energia entre dois sistemas que estao

isolados do resto do universo pode ocorrer de varias maneiras, levando ao

mesmo macroestado para o sistema combinado. O vınculo imposto, de con-

servacao da energia total, nao impede que sejam consideradas trocas de ener-

gia que levem o subsistema mais frio a ficar ainda mais frio, e o mais quente

ainda mais quente, ou que ocorram configuracoes que nao sao observadas

macroscopicamente. Entretanto, existe uma determinada opcao de troca de

energia entre os sistemas que tem maior probabilidade de ocorrer, e esta au-

menta muito rapidamente a medida que o tamanho dos sistemas aumenta, de

tal maneira que, no limite N → ∞, a configuracao de troca de energia mais

provavel e a unica que pode ser observada macroscopicamente. Se formos es-

colher por sorteio como sera a troca de energia, a chance de ocorrer qualquer

65CEDERJ

Page 63: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann

troca que nao seja a mais provavel e desprezıvel. Boltzmann partiu dessa

observacao para formular as bases do que conhecemos como Mecanica Es-

tatıstica atualmente. Sua formulacao baseou-se na Mecanica Classica, ja que

era a teoria vigente na epoca, mas pode ser estendida para sistemas atomicos,

descritos pela Mecanica Quantica. Nesta aula veremos a formulacao dessa

hipotese e como ela pode ser usada na solucao de problemas, estabelecendo

a conexao entre a descricao estatıstica e a termodinamica.

A hipotese fundamental de Boltzmann

Vamos recordar o exemplo que examinamos na Aula 4, dos dois sis-

temas, S1 e S2, formados por momentos magneticos uniaxiais postos em

contato termico um com o outro. O sistema S1 tinha N1 = 10 momentos

magneticos e energia inicial E1 = −4B (supondo a existencia de um campo

magnetico B aplicado), e S2, N2 = 8 e E2 = −6B. A energia do sistema com-

binado formado pelos dois e E = −10B e e mantida constante por isolamento

termico com o meio externo. A partir do momento em que S1 e S2 podem

trocar energia entre si, suas energias finais podem assumir uma serie de va-

lores, sempre somando E = −10B. O macroestado do sistema combinado,

definido pela energia E = E1 + E2, e por N = N1 + N2 tem multiplicidade

g(E, N). Estes g(E, N) microestados podem ser classificados pelos novos val-

ores de E1 e E2 ou, de forma equivalente, pela troca de energia entre S1 e S2.

No exemplo especıfico considerado, havia g = 3060 microestados possıveis

para o sistema combinado, sendo que existiam 5 possibilidades de troca de

energia, cada uma correspondendo a uma serie de configuracoes de escolha

dos momentos positivos e negativos em cada subsistema, como resumido nas

tabelas 4.4 e 4.5. Imaginamos um sorteio com bolinhas rotuladas com um

numero de 1 a 5, com relacao as possıveis trocas de energia. Terıamos 560

bolinhas com o numero 1, 1260 com o numero 2, 960 com o numero 3, 210

com o numero 4, e 70 com o numero 5. Vamos seguir pensando nesse sorteio

da seguinte forma: temos uma maquina que sorteia uma bolinha a cada ∆t

segundos, mostra a bolinha sorteada num visor, e a retorna a urna. Essa

maquina fica la fazendo os sorteios por um longo tempo. Se ficarmos obser-

vando o visor, a maior parte do tempo ele mostrara a bolinha de numero 2.

A bolinha de numero 3 apareceria bastante tambem, mas se os valores de N1

e N2 fossem muito grandes, haveria uma bolinha que apareceria muito mais

que as outras. Praticamente a qualquer momento que observassemos o visor,

verıamos essa bolinha. Essa maquina fazendo o sorteio e uma imagem da

CEDERJ 66

Page 64: Física Estatística

Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5

maneira como Boltzmann interpretou estatisticamente o equilıbrio termico.

Vamos ver como formula-la de forma mais geral.

Partimos de um sistema qualquer com N partıculas em equilıbrio ter-

mico, isolado do meio externo, no macroestado de energia E. Esse macroes-

tado tem multiplicidade g(E, N). Chamamos de estados acessıveis a qual-

quer um destes g(E, N) microestados compatıveis com os dois vınculos im-

postos, que sao o numero de partıculas e a energia que devem permanecer

constantes. Boltzmann imaginou que sempre haveria uma interacao resid-

ual entre as partıculas do sistema, responsavel por fazer com que este fique

constantemente passando de um microestado a outro. No sistema modelo

que estamos estudando, terıamos momentos magneticos aleatoriamente al-

ternando entre s = +1 e s = −1. Nesta visao o equilıbrio termico corre-

sponde a ter o sistema visitando todos os seus estados acessıveis. A hipotese

fundamental de Boltzmann diz que, no equilıbrio, o tempo dedicado a cada

microestado acessıvel e identico, e assim pode-se dizer que todos os microes-

tados acessıveis sao igualmente provaveis, ou que as probabilidades para os

microestados obedecem a uma distribuicao uniforme definida como

PE(j) =1

g(E, N), (5.1)

onde j e o ındice de um microestado do macroestado de energia E e mul-

tiplicidades g(E, N). No exemplo especıfico examinado na Aula 4 terıamos

PE = 1/3060.

Esta hipotese tem uma consequencia importante no que diz respeito

a medidas experimentais. Normalmente um processo de medicao envolve a

tomada de valores em momentos distintos, de uma unica amostra, seguida de

um processo de promediacao, onde o valor medio e a variancia sao calcula-

dos. Esse procedimento esta ilustrado na figura 5.1(a). Nesse caso, estamos

tomando uma media temporal, ja que os valores usados referem-se a instantes

diferentes. Os valores medios necessarios a formulacao termodinamica sao

provenientes de uma media estatıstica, obtida por medidas feitas em sistemas

equivalentes. Na Figura 5.1(b) podemos ver como ela pode ser formalmente

obtida. A hipotese de Boltzmann garante que as duas medias sao iguais no

equilıbrio, se o tempo de observacao referente a media temporal for grande

o suficiente.

67CEDERJ

Page 65: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann

intervalo de medida

X1

X2

Xg

Figura 5.1: (a) Um sistema fechado e observado por um determinado inter-

valo de tempo ∆t. Varias medidas de X sao feitas durante esse intervalo, e a

media aritmetica delas e o que chamamos de media temporal. Em geral, este

e o procedimento adotado nos processos de medicao. (b) O procedimento

descrito aqui e apenas formal e ilustra o tipo de media que e definida pela es-

tatıstica. O sistema esta num macroestado de multiplicidade g. Sao feitas g

copias do sistema, cada uma em um dos microestados acessıveis. A grandeza

X e medida em cada copia. A media aritmetica e tomada, e o valor final e o

que chamamos de media estatıstica. A hipotese de Boltzmann garante que

as duas medias sao equivalentes se ∆t for grande o suficiente e se o sistema

estiver em equilıbrio.

Conexao com a termodinamica

Queremos estudar o comportamento termodinamico de um sistema

fechado com energia E constante, composto por N partıculas. O termo

fechado significa que nao e pemitida a troca de energia ou partıculas com o

resto do universo. O ponto de partida e a definicao estatıstica de entropia,

Eq. (4.4), S(E, N) ≡ κ ln g(E, N). Ate este ponto, o valor de N pode ser

qualquer um. Para que a entropia definida estatisticamente seja equivalente a

CEDERJ 68

Page 66: Física Estatística

Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5

entropia termodinamica, devemos tomar o limite termodinamico de S. Como

explicado na Aula 4, com esse limite, a configuracao de maior multiplicidade

sera a contribuicao dominante, e a chance de encontrar o sistema numa con-

figuracao diferente dessa e desprezıvel. Tomado o limite termodinamico,

usamos a definicao de temperatura, Eq. (4.6), para derivar a equacao de

estado E(T, N) para o sistema. Vamos entender como realizar esse calculo

mais uma vez estudando o sistema paramagnetico uniaxial.

Aplicacao: sistema paramagnetico uniaxial

Como aplicacao, vamos encontrar a relacao E(T, N) para o sistema

paramagnetico uniaxial descrito na Aula 2.

Usamos as definicoes da Aula 2 para escrever a energia como E = −MB,

onde M = N+ −N−. Note que essa definicao de energia implica que B tenha

dimensao de energia, ja que M e adimensional. O mais correto seria escrever

E = −Mm0B′, sendo m0 o momento magnetico de cada partıcula, e B ′ o

campo magnetico aplicado. O valor de m0 depende basicamente do material,

e sua variacao com a temperatura pode ser desprezada nesta aplicacao. Em

resumo, absorvemos o valor de m0 na variavel B, ou seja, B = m0B′. Assim,

M = −E/B, e a multiplicidade dada pela Eq. (2.5) pode ser escrita como

g(E, N) =N !

[

1

2

(

N − EB

)]

![

1

2

(

N + EB

)]

!(5.2)

Como faremos N → ∞ em seguida, devemos explicitar todas as dependencias

em N , presentes nas variaveis extensivas. Neste caso temos apenas uma

variavel extensiva, a energia. A escrevemos como E = Nε, sendo ε indepen-

dente de N . Obtemos

g(ε, N) =N !

[

N2

(

1 − εB

)]

![

N2

(

1 + εB

)]

!(5.3)

Usando a definicao de entropia obtemos

S

κ= lnN ! − ln

[

N

2

(

1 −ε

B

)

]

! − ln

[

N

2

(

1 +ε

B

)

]

! (5.4)

Agora tomamos o limite termodinamico e usamos a aproximacao de Stirling

69CEDERJ

Page 67: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann

definida na equacao (3.15),

S

κ= N lnN − N (5.5)

[

N

2

(

1 −ε

B

)

]

ln

[

N

2

(

1 −ε

B

)

]

+

[

N

2

(

1 −ε

B

)

]

[

N

2

(

1 +ε

B

)

]

ln

[

N

2

(

1 +ε

B

)

]

+

[

N

2

(

1 +ε

B

)

]

= N ln 2 −N

2

(

1 −ε

B

)

ln(

1 −ε

B

)

−N

2

(

1 +ε

B

)

ln(

1 +ε

B

)

.

Assim, temos que

s(ε) = limN→∞

κ ln g

N(5.6)

= κ ln 2 −1

2

(

1 −ε

B

)

ln(

1 −ε

B

)

−1

2

(

1 +ε

B

)

ln(

1 +ε

B

)

.

So agora, depois de tomado o limite termodinamico, temos a entropia ter-

modinamica dada por S = Ns.

Usamos a definicao de temperatura para encontrar a equacao de estado

T (ε, N) como

1

T=

∂S

∂E=

∂s

∂ε=

κ

2Bln

(

1 −ε

B

)

−κ

2Bln

(

1 +ε

B

)

. (5.7)

Podemos inverter a expressao acima para obter ε(T, B) como

exp

(

2B

κT

)

=1 − ε/B

1 + ε/B⇒

ε

B=

exp(−B/κT ) − exp(B/κT )

exp(−B/κT ) + exp(B/κT ),

dando

ε(B, T ) = −B tghB

κTou E = −NB tgh

B

κT. (5.8)

Como a energia do sistema e da forma E = −MB, identificamos imediata-

mente

M(B, T ) = N tghB

κT. (5.9)

A expressao (5.9) e uma equacao de estado que da o comportamento magnetico

do sistema no nıvel macroscopico. O comportamento de M em funcao de

B/κT pode ser visto na figura 5.2(a). Dois regimes sao destacados: tempe-

raturas baixas (κT B) e altas (κT B). Note que so tem sentido definir

se uma temperatura e alta ou baixa se a comparamos com algum valor carac-

terıstico do sistema, neste caso e B/κ ou m0B′/κ. Vamos fazer este tipo de

analise em todos os sistemas que estudarmos. Para B κT , temos um com-

portamento praticamente linear. Isso pode ser visto facilmente se usamos a

CEDERJ 70

Page 68: Física Estatística

Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5

M/N M/N

Figura 5.2: Comportamento do momento magnetico M em funcao do campo

aplicado e da temperatura. (a) Quando κT B, M → ±N , ou seja, o

sistema se torna saturado para campos altos e temperaturas baixas. (b)

Mantendo T fixa, temos as isotermas, mostrando a saturacao para campos

altos (positivos e negativos) e um regime linear para campos baixos. Quanto

maior a temperatura, maior o campo necessario para saturacao.

expansao tgh x ≈ x−x3/3 para x 1 na equacao (5.9). Nesta aproximacao

temosM

N≈

B

κT−

1

3

(

B

κT

)3

. (5.10)

Neste caso |M | N indicando que varios momentos magneticos estarao,

orientados ao contrario do campo aplicado. Essas sao configuracoes de ener-

gia alta, portanto nao favoraveis em termos de minimizacao de energia. Por

outro lado tem multiplicidade elevada (entropia alta), ja que os valores de

N+ e N− nao sao muito diferentes. O contrario ocorre no regime de tempe-

raturas baixas, B κT . Neste caso |M | → N , e o sistema fica praticamente

saturado, com pouquıssima variacao de magnetizacao quando o campo e au-

mentado. Nesse regime ha grande predominancia de alinhamento paralelo

ao campo, portanto tanto a multiplicidade (entropia) quanto a energia sao

baixas.

Na regiao B κT e interessante quantificar a resposta do sistema a

variacoes do campo aplicado, com T constante atraves da susceptibilidade

magnetica isotermica, χT , que sera revista em Fısica da Materia Conden-

sada. Sua definicao e χT ≡(

∂M∂B

)

T. O subındice T indica que a variacao foi

isotermica. Podemos calcular χ como

χT =

(

∂M

∂B

)

T

=N

κT

[

cosh

(

B

κT

)]−2

. (5.11)

Normalmente estamos interessados no valor de χ para B = 0. Neste caso

71CEDERJ

Page 69: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann

obtemos

χ0 =N

κT. (5.12)

Este resultado e conhecido como lei de Curie.

Conclusao

A base de toda a mecanica estatıstica e a hipotese fundamental de

Boltzmann, segundo a qual, num sistema que esta isolado do resto do uni-

verso, mantendo energia e numero de partıculas constante, todos os g(E, N)

microestados sao igualmente provaveis. Numa visao temporal, na qual o sis-

tema esta constantemente visitando todos os microestados compatıveis com

os valores de E e N impostos, essa hipotese significa que o sistema passa a

mesma quantidade de tempo em cada um dos microestados. Os microestados

compatıveis com E e N sao chamados estados acessıveis.

Quando tomado o limite termodinamico, a definicao estatıstica da en-

tropia pode ser usada para determinar a temperatura do sistema. Como

estamos fixando os valores de E e N , este metodo nos da T (E, N). Em

princıpio podemos inverter essa funcao e obter E(T, N), mas a ideia funda-

mental aqui e a de que o valor de temperatura e uma consequencia da escolha

inicial para E e N .

Atividade Final

(Objetivos 1 e 2)

Nas Aulas 10 e 11 estudaremos sistemas formados por osciladores quanticos

com mais detalhe. Por agora vamos simplesmente praticar a aplicacao da

hipotese de Boltzmann partindo diretamente da multiplicidade. Os nıveis

de energia de um oscilador harmonico unidimensional sao dados, a menos

de um termo constante, por ε = n~ω, onde n = 0, 1, 2 etc. Num sistema

com N osciladores desse tipo, a multiplicidade do macroestado de energia

E = M~ω, onde M =∑

i ni, e dada por

g(M, N) =(M + N − 1)!

(N − 1)!M !.

(a) Calcule a entropia S(E, N).

(b) Mostre que a energia do sistema, numa dada temperatura T , e dada por

E =N~ω

exp(

~ωκT

)

− 1

CEDERJ 72

Page 70: Física Estatística

Aula 5 - A hipotese fundamental de BoltzmannMODULO 1 - AULA 5

Resposta comentada

(a) Partimos da definicao estatıstica de entropia: S = κ ln g. Para obter uma

expressao em funcao de E, e nao de M , usamos que M = E/~ω. Com isso

temos:S

κ= ln

(

E

~ω+ N − 1

)

! − ln (N − 1)! − ln

(

E

)

!

Aplicamos o limite termodinamico N → ∞, tambem implicando que E → ∞,

ja que E = Nε. Usamos a aproximacao de Stirling para os fatoriais de

numeros muito grandes. Nessa aproximacao temos:

S

κ=

(

E

~ω+ N − 1

)

ln

(

E

~ω+ N − 1

)

(

E

~ω+ N − 1

)

−(N − 1) ln(N − 1) + (N − 1) −

(

E

)

ln

(

E

)

+

(

E

)

Agora explicitamos a dependencia em N de todos os termos:

S

κ= N

(

ε

~ω+ 1 −

1

N

)

ln

[

N

(

ε

~ω+ 1 −

1

N

)]

− N

(

ε

~ω+ 1 −

1

N

)

−N

(

1 −1

N

)

ln

[

N

(

1 −1

N

)]

+ N

(

1 −1

N

)

(

)

ln

(

)

+

(

)

Temos que limN→∞(1/N) = 0. Usando isso, rearrumando e cancelando ter-

mos, chegamos a:

S

Nκ=

s

κ=

( ε

~ω+ 1

)

ln( ε

~ω+ 1

)

−ε

~ωln

ε

(b) Para calcular a energia partimos da definicao de temperatura: 1

T= ∂S

∂E=

∂s∂ε

:

1

κT=

1

~ωln

( ε

~ω+ 1

)

+( ε

~ω+ 1

) 1

1(

ε~ω

+ 1) −

1

~ωln

ε

~ω−

ε

Rearrumando e cancelando termos chegamos a:

κT= ln

(

ε/~ω + 1

ε/~ω

)

Esta expressao pode ser invertida para dar ε(T ):

ε =E

N=

exp(

~ωκT

)

− 1

73CEDERJ

Page 71: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 5 - A hipotese fundamental de Boltzmann

Resumo

Nesta aula voce aprendeu de que maneira Boltzmann fez a conexao

entre a Fısica Estatıstica e a Termodinamica em sistemas fechados. O ponto

de partida e considerar que um sistema fechado em equilıbrio termodinamico

visita todos os seus microestados com igual probabilidade. A conexao propri-

amente dita e estabelecida ao definirmos a entropia a partir da multiplicidade

do macroestado mais provavel. Usando a definicao estatıstica de entropia

podemos derivar todas as relac es termodinamicas do sistema. Aplicamos

essa ideia ao sistema paramagnetico uniaxial.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula estenderemos a formulacao de Boltzmann a sistemas

com T fixo, que estao em contato termico com um reservatorio.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, 1997, capıtulo 4.

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Page 72: Física Estatística

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6

Aula 6 - Sistemas com T constante: a

distribuicao de Boltzmann

Meta

Descrever estatiscamente o equilıbrio termico com um reservatorio a

temperatura constante e estabeler a conexao com a Termodinamica atraves

da definicao da funcao de particao.

Objetivos

Ao fim desta Aula voce devera ser capaz de:

1. calcular a probabilidade de ocorrencia de um determinado micro ou

macroestado, quando a temperatura e mantida constante;

2. calcular a funcao de particao;

3. utilizar a funcao de particao para obter informacoes sobre a termodinamica

do sistema e

4. demonstrar o princıpio da equiparticao da energia.

Pre-requisitos

Para o melhor entendimento desta aula voce deve rever algumas aulas

de Fısica 2A revisando os conceitos de energia interna (Aula 8), calor es-

pecıfico (Aula 9) e Primeira Lei da Termodinamica (Aula 10).

Introducao

O equilıbrio termico tratado ate agora considerava que a energia to-

tal ficava constante. Como no caso da troca de calor entre corpos dentro

de um calorımetro, neste caso nao temos controle sobre a temperatura final

de equilıbrio, ela e uma consequencia da escolha feita para os materiais que

compoem os corpos envolvidos, suas massas e temperaturas iniciais. Atraves

75CEDERJ

Page 73: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann

da descricao microscopica, vimos que a temperatura de equilıbrio, ou a ener-

gia final de cada corpo, pode ser determinada pelo calculo da multiplicidade

da configuracao de troca de energia mais provavel. Vimos tambem que, no

limite termodinamico, a configuracao mais provavel domina completamente,

sendo desprezıvel a probabilidade de encontrar o sistema em qualquer outra

configuracao. Dizemos, neste caso, que observamos o equilıbrio num sistema

em que a energia foi controlada e a temperatura foi deixada livre para flutuar.

Verificamos que essas flutuacoes tornam-se muito pequenas a medida que o

tamanho do sistema aumenta, fazendo com que a temperatura de equilıbrio

seja bem definida. Do ponto de vista experimental o controle da temperatura

e mais conveniente em inumeras situacoes. Mesmo em nossa vida do dia a

dia temos facil acesso a temperatura de uma forma geral, seja a temperatura

do ambiente ou a de alguem com suspeita de febre. O comportamento de

sistemas em funcao da temperatura e algo que sempre se deseja conhecer,

por isso existem equipamentos projetados para o controle da temperatura

de um sistema, permitindo um estudo de suas propriedades em funcao da

temperatura. Assim, vamos buscar uma descricao estatıstica sob esse ponto

de vista.

Repetimos o procedimento da Aula 4, ou seja, consideramos um sis-

tema combinado, com duas partes identificaveis, isolado do meio externo.

A diferenca agora e que uma das partes e muito maior que a outra, e sera

chamada reservatorio. A figura 6.1 mostra uma representacao dessa con-

figuracao. A parte menor recebera o nome de sistema simplesmente, e e nela

que estamos interessados. A energia total, E0, e mantida constante, e depois

que o equilıbrio termico foi atingido, temos que a energia do sistema e ε e a

do reservatorio, E0 − ε. As perguntas agora sao: Como determinar a ener-

gia do sistema depois que o equilıbrio termico for atingido? Ja que estamos

controlando a temperatura, em que condicoes a energia sera uma grandeza

bem definida, ou seja, em que circunstancias as flutuacoes de energia serao

desprezıveis?

A distribuicao de Boltzmann

Assim como no caso do equilıbrio termico descrito na Aula 4, devemos

admitir todos os possıveis valores para a energia do sistema. Um deles sera

mais provavel e, no limite termodinamico, esperamos que corresponda ao

estado de equilıbrio. Comecamos calculando a probabilidade Pj de que o

sistema esteja num determinado microestado dentro de todos os possıveis,

CEDERJ 76

Page 74: Física Estatística

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6

R S

E -0

e

e

Figura 6.1: Um sistema S em contato com um reservatorio termico R. A

fronteira de S permite que haja troca de energia com o reservatorio, e o

sistema combinado S + R esta isolado do meio externo, sendo a energia

total, E0, constante.

considerando todos os macroestados. Se o sistema esta num microestado

j de energia ε, o reservatorio estara no macroestado de energia E0 − ε e

multiplicidade gR(E0−ε). Note que o microestado j pode ocorrer estando Rem qualquer um de seus microestados de energia E0−ε. Seguindo a hipotese

fundamental de Boltzmann, de que no equilıbrio o sistema passeia por todos

os seu estados acessıveis, passando o mesmo tempo em cada um deles, temos

que o tempo em que ele estara no microestado j sera proporcional a gR, ou

seja, a probabilidade Pj sera proporcional a gR. Se j e um microestado do

macroestado de energia ε, temos entao

Pj(ε) = c gR(E0 − ε) , (6.1)

onde c e uma constante de proporcionalidade, a ser determinada por normal-

izacao. Como estamos interessados no limite termodinamico, estaremos li-

dando com valores de Pj que variam muito rapidamente dependendo do valor

de ε escolhido. Por isso e mais conveniente trabalhar com lnPj = ln c+ln gR.

Continuamos, usando o fato do reservatorio ser muito maior que o sistema,

significando que E0 ε, e de podemos expandir lnPj em serie, na forma

lnPj(ε) = ln c + ln gR(E0 − ε)

= ln c + ln gR(E0) − ε∂lngR∂E

∣∣∣∣E=E0

+ O(ε2) . (6.2)

Vamos considerar apenas ate o termo linear da expansao em serie. Podemos

identificar SR = κ ln gR como a entropia do reservatorio. Neste caso, usando

a definicao (4.6) de temperatura, temos que

lnPj(ε) = lnC − ε

κTR

ou Pj(ε) = C exp

(

− ε

κTR

)

, (6.3)

77CEDERJ

Page 75: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann

sendo TR a temperatura do reservatorio, e C uma constante. Em princıpio

c 6= C porque ao truncarmos a serie, a normalizacao de Pj pode mudar.

Como no equilıbrio as temperaturas do sistema e do reservatorio serao iguais,

podemos abolir o ındice R adotado para a temperatura. A constante de

proporcionalidade deve ser determinada por normalizacao, somando-se as

probabilidades referentes a todos os microestados possıveis para S,

j

Pj(εj) = C∑

j

exp(

− ε

κT

)

= 1 ⇒ C =1

j exp(− ε

κT

) . (6.4)

Definimos entao

Z ≡∑

j

exp(

− εj

κT

)

(6.5)

o que leva a definicao de probabilidade para um dado microestado como

Pj(ε) ≡exp

(− εj

κT

)

Z. (6.6)

A funcao Z e chamada funcao de particao. As probabilidades definidas em

(6.6) compoem o que chamamos de distribuicao de Boltzmann. Chamamos

de fator de Boltzmann a exp(− εj

κT

). A soma em (6.5) e sobre todos os mi-

croestados dos sistema, portanto teremos varios termos iguais (os g(ε) termos

que pertencem ao mesmo macroestado). Podemos agrupa-los e escrever Z

em termos de uma soma sobre os macroestados como

Z ≡∑

ε

g(ε) exp(

− ε

κT

)

. (6.7)

Com isso, a probabilidade de um determinado macroestado e

P (ε) ≡ g(ε) exp(− ε

κT

)

Z(6.8)

A Figura 6.2 mostra o comportamento do fator de Boltzmann em funcao

da energia e da temperatura, separadamente. No primeiro caso vemos que,

quanto mais baixa a temperatura, menor e a probabilidade de ocupacao de

microestados de energia elevada. Se agora fixamos a energia do microes-

tado, vemos que microestados de energia elevada tem uma chance razoavel

de ocupacao apenas se aumentamos a temperatura.

Atividade 1

(Objetivo 1)

A diferenca de energia entre estados eletronicos e medida em eV, entre esta-

dos nucleares, em MeV= 106 eV, e entre estados subnucleares, em GeV= 109

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Page 76: Física Estatística

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6

Figura 6.2: Comportamento do fator de Boltzmann em funcao da (a) energia,

em meV e (b) temperatura em K.

eV. A que temperaturas as excitacoes eletronicas, nucleares e subnucleares

serao relevantes?

Resposta comentada

Se temos dois microestados com energias ε e ε + ∆, a distribuicao de Boltz-

mann nos diz que a probabilidade relativa de ocupacao deles e dada por

P (ε + ∆ε)

P (ε)=

exp[−β(ε + ∆ε)]

exp(−βε)= exp(−β∆ε) . (6.9)

Assim, para um dado valor de ∆ε, quanto maior for a temperatura (menor

β), maior a probabilidade da partıcula ocupar o microestado com energia

ε + ∆ε. De uma forma geral, dizemos que quando κT > ∆ε a ocupacao do

microestado de energia ε + ∆ε torna-se relevante. Vamos, entao, calcular

a temperatura T = ∆ε/κ acima da qual as excitacoes com energia ∆ε tem

chance razoavel de ocorrer, para os processos dados.

estados eletronicos: ∆ε = 1eV → Te ≈ 1,6×10−19J1,4×10−23 J/K

≈ 104 K

estados nucleares: ∆ε = 106 eV → TN ≈ 1010 K

estados subnucleares (quarks): ∆ε = 106 eV → TQ ≈ 1013 K

Fim da atividade

79CEDERJ

Page 77: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann

A expressao (6.8) e especialmente util quando a energia e uma variavel

contınua. Esse e o caso de sistemas classicos, e de alguns sistemas quanticos,

no limite termodinamico. Se ε e uma variavel contınua, a soma e substituıda

por uma integral na forma

Z =

exp(

− ε

κT

)

D(ε)dε , (6.10)

onde D(ε) e o que chamamos densidade de estados, e D(ε)dε e a multiplici-

dade referente ao intervalo de energia ε → ε + dε.

Podemos usar (6.6) ou (6.8) para calcular os valores medios de grandezas.

Por exemplo, seja uma grandeza definida pela funcao f(ε), seu valor medio

e dado por

〈f〉 ≡∑

j f(εj) exp(− εj

κT

)

Z, (6.11)

ou

〈f〉 ≡∑

ε f(ε)g(ε) exp(− ε

κT

)

Z. (6.12)

O efeito das flutuacoes

O efeito das flutuacoes de energia pode ser estudado pelo calculo da

variancia da distribuicao de Boltzmann. Usando a definicao (6.11) de valor

medio temos

σ2E ≡ 〈E2〉 − 〈E〉2 =

j E2j exp

(

−Ej

κT

)

Z−

j Ej exp(

−Ej

κT

)

Z

2

. (6.13)

A combinacao 1/κT aparece tantas vezes nos calculos de fısica estatıstica,

que torna-se conveniente defini-la como uma variavel. Usualmente usamos a

letra β para isso. Com essa definicao, a funcao de particao fica escrita como

Z =∑

j exp(−βE). Agora, note a seguinte igualdade:

∂Z

∂β= −

j

E exp(−βE) . (6.14)

Com ela podemos reescrever 〈E〉 e 〈E2〉 como

〈E〉 = − 1

Z

∂Z

∂β= Eint e 〈E2〉 =

1

Z

∂2Z

∂β2. (6.15)

Assim,

σ2E =

1

Z

∂2Z

∂β2−(

1

Z

∂Z

∂β

)2

=∂

∂β

(1

Z

∂Z

∂β

)

= −∂〈E〉∂β

= κT 2∂〈E〉∂T

. (6.16)

CEDERJ 80

Page 78: Física Estatística

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6

〈E〉 e o valor de energia observado macroscopicamente, chamado de energia

interna na Termodinamica, ou Eint, se usamos a notacao da disciplina Fısica

2A. Se medimos varias vezes a energia interna de um sistema macroscopico

em equilıbrio, mantido a uma temperatura constante, obtemos sempre o

mesmo valor. No entanto, ao associarmos a energia interna ao valor medio

da energia de um sistema, estamos admitindo que ele possa ter varios valores

de energia, tendo cada um a probabilidade P (E) de ocorrer, de acordo com

a expressao (6.8). Para que o valor observado de energia seja bem definido, e

necessario que σE/N seja um valor muito pequeno. Normalmente a energia

e escrita em funcao das variaveis extensivas, como por exemplo o volume.

Chamando de X a variavel extensiva que foi mantida constante, temos que

a derivada da energia interna com relacao a temperatura e CX (capacidade

termica a X constante). Definindo o calor especıfico cX como CX/N , temos

que

σ2E = κT 2NcX , (6.17)

ou seja, a flutuacao relativa dos valores de energia e

σE

N=

√κT 2cX√

N, (6.18)

o que significa que, sendo cX finito, σE/N → 0 quando N → ∞, quer dizer,

a energia se torna bem definida no limite termodinamico, embora tenha sido

permitido que assumisse qualquer valor.

Atividade 2

(Objetivos 1 e 2)

Um ziper tem N elos, cada um pode estar no estado fechado com energia

0, e aberto com energia ε. O ziper so pode ser aberto a partir do extremo

esquerdo, e o i-esimo elo so pode estar aberto se os elos a sua esquerda estao

abertos.

(a) Mostre que a funcao de particao deste sistema pode ser somada para dar:

Z =1 − exp[−β(N + 1)ε]

1 − exp(−βε)(6.19)

Dica: Mostre que∑N

n=0 xn = 1−xN+1

1−xpara x < 1.

(b) No limite ε κT , calcule o numero medio de elos abertos a temperatura

T .

Resposta comentada

(a) Os possıveis valores de energia sao: E = 0, ε, 2ε . . . Nε, ou seja, E =

nε, n = 0, 1 . . . N . Como o zıper so pode ser aberto a partir do extremo

81CEDERJ

Page 79: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann

esquerdo e o i-esimo elo so pode estar aberto se os elos a sua esquerda tambem

estiverem, a multiplicidade do macroestado de energia E e g(E, N) = 1.

Escrevemos a funcao de particao:

Z =N∑

n=0

exp(

− nε

κT

)

=N∑

n=0

[

exp(

− ε

κT

)]n

.

Para realizar a soma, vamos seguir a dica. Comecamos por mostrar que∑

n=0 xn = 1/(1 − x) para x < 1. Note que

∞∑

n=0

xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . (6.20)

e

x

∞∑

n=0

xn = x + x2 + x3 + . . . (6.21)

Subtraindo (6.21) de (6.20) temos

(1−x)∞∑

n=0

xn = 1 + x + x2 +x3 + . . .− x−x2 − x3 . . . = 1 ⇒∞∑

n=0

xn =1

1 − x

(6.22)

Queremos uma expressao para a soma ate N . Podemos obte-la se observamos

que

N∑

n=0

xn =

∞∑

n=0

xn −∞∑

n=N+1

xn =

∞∑

n=0

xn − xN+1

∞∑

n=0

xn

=(1 − xN+1

)∞∑

n=0

xn =1 − xN+1

1 − x(6.23)

Assim, identificando x ≡ exp(− ε

κT

)temos

Z =1 − exp

[

− (N+1)εκT

]

1 − exp(− ε

κT

) (6.24)

(b) Usamos a definicao de media para um sistema a temperatura constante:

〈n〉 =

∑∞

n=0 n exp(− nε

κT

)

Z(6.25)

Quando ε κT temos que x ≡ exp(− ε

κT

)e um numero muito pequeno, tal

que x x2 x3 e assim por diante. Nesta aproximacao temos

∞∑

n=0

nxn = 0 + x + 2x2 + 3x3 + . . . ≈ x (6.26)

CEDERJ 82

Page 80: Física Estatística

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6

e

Z =1 − xN+1

1 − x≈ 1

1 − x≈ (1 + x) , (6.27)

onde usamos a aproximacao (1 + x)m ≈ 1 + mx valida para x 1. Logo

〈n〉 ≈ x

1 + x=

exp(− ε

κT

)

1 + exp(− ε

κT

)

Conexao com a Termodinamica

Assim como na discussao do equilıbrio termico feita na Aula 5, o fato

de termos a variavel livre assumindo valores termodinamicos bem definidos

quando N → ∞, esta relacionado com a existencia de um termo predomi-

nante em (6.7). A multiplicidade e sempre uma funcao crescente da energia,

e o fator de Boltzmann decresce com o aumento da energia, o produto de

funcoes com esses comportamentos acaba gerando uma funcao que apresenta

um pico. Assim, quando escrevemos Z na forma (6.7) temos a certeza de que

existe um termo maximo, ou dominante. Este comportamento sera acentu-

ado quando fizermos N → ∞. Vamos considerar que, nesse limite, a soma

em Z possa ser substituıda pelo maior termo apenas. Se usamos a definicao

de entropia em funcao da multiplicidade, podemos escrever g(E) = exp(S/κ)

e

Z =∑

E

exp [−β(E − TS)] . (6.28)

Para um dado valor de temperatura, o maior termo do somatorio (termo

dominante) corresponde ao que tem o menor valor de E−TS. Considerando

que quando N → ∞ este e o unico termo importante, temos

limN→∞

Z = exp [−β min(E − TS)] . (6.29)

Definimos a funcao F tal que

F ≡ limN→∞

−κT lnZ = min(E − TS) . (6.30)

Com essa definicao a funcao de particao, no limite termodinamico, pode ser

escrita como

Z = exp(−βF ) . (6.31)

Aqui podemos fazer as seguintes identificacoes, validas apenas no limite

termodinamico: E → 〈E〉 = Eint. Esse procedimento e possıvel pelo fato de

σE/N → 0 no limite termodinamico, como acabamos de ver. Com essa

substituicao concluımos que, no limite termodinamico, a configuracao de

83CEDERJ

Page 81: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann

troca de energia mais provavel, que corresponde ao termo dominante da

funcao de particao, e aquela que minimiza a quantidade F = Eint−TS. Note

que a medida que T e fixa, F e diminuıdo se Eint diminui, ou se S aumenta.

A grosso modo, quando T for baixa, o termo TS e pouco importante, e o

criterio de diminuicao de energia sera predominante. Um caso extremo e

o em que T = 0, onde apenas a minimizacao da energia define o equilıbrio.

Esta e exatamente a situacao dos sistemas regidos pela Mecanica (classica ou

quantica). Por outro lado, se a temperatura e alta o suficiente, a maximizacao

da entropia sera o principal criterio. De uma forma geral, o comportamento

termico dos sistemas e regido pela competicao entre minizacao de energia e

maximizacao de entropia.

A funcao F (X, T, N) define o que chamamos energia livre de Helm-

holtz. A estrutura da Termodinamica esta baseada na definicao de energias

livres, ou potenciais termodinamicos, adequados a situacoes que refletem a

realidade experimental. Existem outras energias livres definidas para os casos

em que outras variaveis de estado sao mantidas sob controle. O estudo dessa

interessantıssima estrutura matematica esta fora do escopo desta disciplina.

Se voce tem interesse, sugiro que consulte a leitura complementar indicada

no final desta aula.

Interpretacao estatıstica da Primeira Lei da Termodinamica

Vamos considerar um sistema hipotetico, bem simples. Temos N = 10

partıculas que podem ocupar 4 nıveis de energia nao degenerados, com ener-

gias ε1 . . . ε4, como indicado na figura 6.3. Se T = 0, nao havendo restricao

para a ocupacao dos nıveis, o criterio de minimizacao de energia leva ao es-

tado fundamental onde E = Nε1. Para T 6= 0 a probabilidade de ocupacao

dos nıveis superiores aumenta. Observando a expressoes (6.6) e (6.8) e a

figura 6.2 vemos que o aumento da temperatura faz com que a probabilidade

de ocupacao dos nıveis de energia mais elevada aumente. Numa dada tem-

peratura, podemos escrever a energia total do sistema como E =∑4

i=1 ηiεi.

As variaveis ηi definem o que chamamos de ocupacoes, elas dao o numero de

partıculas em cada nıvel de energia. No caso da figura 6.3(b) temos η1 = 5,

η2 = 3, η3 = 0, η4 = 2. Podemos obter valores diferentes de E se variamos as

ocupacoes ηi, ou se variamos os valores dos εi. O primeiro caso esta ilustrado

nas figuras 6.3(b) e (c). Em geral teremos os nıveis de energia dependendo de

uma variavel extensiva X, como o volume. Se X e variado, mantendo fixas

as ocupacoes, os valores dos εi mudam e a energia total do sistema varia

CEDERJ 84

Page 82: Física Estatística

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6

e1

e2

e3

e4

e1

e2

e3

e4

e1

e2

e3

e4

T = 0 T > 01

T > T2 1

(a) (b)

(c)

(d) T3

e1

e2

e3

e4

Figura 6.3: Representacao grafica da ocupacao de nıveis de energia. (a)T =

0, prevalece o criterio energetico, todas as partıculas tem a menor energia

possıvel. (b) Numa temperatura T1 > 0 nıveis de energia mais elevada pas-

sam a ser ocupados. (c) O sistema recebeu calor, com relacao a configuracao

(b). A energia aumenta porque algumas partıculas foram promovidas a nıveis

mais elevados. (d) Com relacao a (b), esta configuracao teve a energia au-

mentada pelo aumento de ocupacao de nıveis mais elevados e pelo aumento

no valor das energias dos nıveis. Com relacao a (c), o aumento de energia se

deveu apenas ao aumento dos valores de εi, ja que as ocupacoes permanece-

ram constantes.

(veja a figura 6.3(d)). Essas duas contribuicoes podem ser identificadas se

calculamos a variacao total de energia. Temos

E =4∑

i=1

ηiεi ⇒ dE =4∑

i=1

(εidηi + ηidεi) (6.32)

No primeiro termo de dE a variacao das ocupacoes leva a um aumento na

multiplicidade do macroestado ou, do ponto de vista termodinamico, um

aumento de entropia, causado por troca de calor. O segundo termo resultou

da variacao de X, ou seja, corresponde a realizacao de trabalho. Assim

no limite termodinamico, temos dE = d′Q + d′W , que nada mais e que a

Primeira Lei da Termodinamica.

85CEDERJ

Page 83: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann

O princıpio da equiparticao de energia

Um dos resultados mais interessantes da distribuicao de Boltzmann e

sem duvida o princıpio da equiparticao de energia. Embora seja valido ape-

nas nos regimes de temperatura alta, sua simplicidade reflete exatamente o

espırito que permeia a fısica de um modo geral, de isolar apenas o que e

fundamental em um sistema. Como visto na Aula 8 de Fısica 2A, no lim-

ite termodinamico, em sistemas regidos pela Mecanica Classica, cada termo

quadratico de energia contribui com κT/2 para a energia interna do sistema.

Agora podemos calcular esse resultado.

Suponha um sistema com N partıculas, cuja energia seja dada por

E =

N∑

i=1

j=1

ai,jα2i,j . (6.33)

Definimos ` como o numero de termos independentes, ou numero de graus

de liberdade. Os ai,j sao coeficientes, e αi,j sao variaveis que definem o mi-

croestado do sistema. Por exemplo, num gas com N moleculas de massa m,

a energia cinetica total e

E =N∑

i=1

(1

2mv2

i,x +1

2mv2

i,y +1

2mv2

i,z

)

(6.34)

sendo a velocidade da i-esima molecula dada por ~vi = vi,x x + vi,y y + vi,z z.

Neste caso identificamos ` = 3 (temos 3 termos de energia cinetica, referentes

ao movimento ao longo dos 3 eixos), α1 = vx, α2 = vy, α3 = vz e a = m/2

para todas as partıculas e graus de liberdade.

Sendo um sistema classico, as variaveis αi,j sao contınuas, portanto, a

funcao de particao e dada por

ZN =

dα1,1

dα1,2 . . .

dαN,` exp

[

−βN∑

i=1

(∑

j=1

ai,jα2i,j

)]

(6.35)

ZN pode ser escrita como

ZN =N∏

i=1

dαi,1 . . . dαi,` exp

(

−β∑

j=1

ai,jα2i,j

)

︸ ︷︷ ︸

≡Z1

= (Z1)N . (6.36)

Na equacao acima escrevemos a funcao de particao de N partıculas (ZN )

em termos da funcao de particao para uma partıcula (Z1). Isso foi possıvel

CEDERJ 86

Page 84: Física Estatística

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6

porque a energia total pode ser escrita como a soma das energias de cada

partıcula individual. Assim, ficamos reduzidos ao calculo de Z1. Podemos

simplificar ainda mais o problema se notamos que

Z1 =∏

j=1

∫ +∞

−∞

dαj exp(−βajα

2j

)=∏

j=1

√π

βaj

=

βaj

)`/2

. (6.37)

Assim, obtemos

ZN =

βaj

)N`/2

, (6.38)

onde usamos a equacao (). Usando a equacao (6.15) podemos calcular a

energia interna

Eint = − 1

Z

∂Z

∂β=

N`

2β= N`

κT

2. (6.39)

Atividade 3

(Objetivo 4)

Examine as expressoes para as contribuicoes de rotacao e vibracao da molecula

diatomica, na Aula 8 de Fısica 2A, compare-as com a expressao (6.33) iden-

tificando o valor de `, coeficientes ai,j e variaveis αi,j .

Resposta comentada

A energia interna referente apenas a rotacao da molecula diatomica e

Erot =N∑

i=1

1

2Ixiω

2x +

1

2Iyiω

2y

=

N∑

i=1

2∑

j=1

1

2Ijiω

2j j = x, y ,

onde Ixi e Iyi sao os momentos de inercia com relacao a dois eixos perpen-

diculares ao eixo molecular, e ωx e ωy sao as velocidades angulares referentes

a rotacao em torno desses eixos. Imediatamente identificamos: ` = 2 e

αij = Ii,j/2, levando a Erot = NκT .

Quanto a vibracao temos duas contribuicoes: uma da energia elastica

e outra de energia cinetica de vibracao. Sendo x0 a separacao de equilıbrio

entre os dois atomos na molecula, e vR a velocidade relativa entre eles ao

longo do eixo interatomico, temos

Evib =N∑

i=1

1

2mω2(x − x0)

2 +1

2mv2

R .

Temos assim dois graus de liberdade (` = 2) e os coeficientes relacionados a

eles sao α1 = 12ω2 e α2 = 1

2m. Finalmente, Evib = NκT .

87CEDERJ

Page 85: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann

Conclusao

Tendo a temperatura regulada por um reservatorio termico, um sis-

tema macroscopico encontra seu equilıbrio na configuracao que minimiza

F = Eint − TS. Essa configuracao representa a competicao entre duas

tendencias: maximizar a entropia e minimizar a energia, a primeira sendo

mais importante no regime de temperatura alta e a segundo no de temper-

atura baixa.

O conhecimento do comportamento termico de um sistema com a tem-

peratura controlada pode ser feito a partir da funcao de particao, que e uma

soma sobre todos os possıveis microestados do sistema. Nesse procedimento

admitimos que os sistema esteja em qualquer microestado, atribuindo a ele

uma probabilidade que depende da temperatura e da energia do microes-

tado. E fundamental que fique claro que, so depois de aplicado o limite

termodinamico, poderemos realizar a conexao com a termodinamica, ja que,

apenas nesse caso, o estado final de energia fica bem definido.

Um ponto muito importante, e que nem sempre fica claro, e que pode-

mos escolher fixar a energia ou a temperatura. O comportamento obser-

vado macroscopicamente nao depende de que abordagem estatıstica usamos.

Podemos escolher a que for mais conveniente em cada problema que fomos

resolver. O que garante a equivalencia entre as diferentes abordagens e o

limite termodinamico.

Resumo

Nesta aula voce aprendeu a trabalhar com sistemas mantidos a uma

temperatura fixa a partir da probabilidade de ocorrencia de micro e macroes-

tados, conhecida como distribuicao de Boltzmann. O ponto de partida e a

expressao da energia total das N partıculas, em geral, vinda da Mecanica

Quantica. A normalizacao dessa distribuicao leva a definicao de uma grandeza

de extrema importaancia na Fısica Estat´stica, a funcao de particao Z (vejas

as equacoes (6.6) e (6.8). , A partir de derivadas de Z toda a Termodinamica

do sistema pode ser derivada, se tomamos o limite termodinamico.

Nesta abordagem admitimos que o sistema visite todos os seus mi-

croestados que agora pertencem a diferentes macroestados. No limite ter-

modinamico, o macroestado mais provavel tambem e aquele que minimiza a

energia livre de Helmholtz, definida como F = E − TS. A minimizacao de

F envolve tanto a minimizacao da energia como a maximizacao da entropia,

CEDERJ 88

Page 86: Física Estatística

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de BoltzmannMODULO 1 - AULA 6

podendo um efeito ser dominante em relacao ao outro, dependendo da tem-

peratura. Como aplicacao da distribuicao de Boltzmann calculamos o valor

medio da energia num sistema generico, com graus de liberdade quadraticos

e verificamos o princıpio da equiparticao de energia. A partir da definicao

estatıstica da entropia pudemos calcular a probabilidade de que um de ter-

minado microestado ocorra, dado um certo valor de temperatura. Da nor-

malizacao dessa probabilidade vem a definicao da grandeza central da Fısica

Estatıstica: a funcao particao. Nela esta toda a informacao estatıstica do

sistema e e o ponto de partida para todas as relacoes termodinamicas do

sistema.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula voce vai estudar a termodinamica do sistema param-

agnetico uniaxial, do pontro de vista da distribuicao de Boltzmann.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, 1997, capıtulo 5.

Atividade Final (Objetivos 1-3)

Considere um sistema que pode ser encontrado em dois estados, um

com energia 0 e outro com energia ε. A energia total de N partıculas pode

ser escrita em termos das ocupacoes ηi como

E =N∑

i=1

ηiε ,

onde ηi = 0, 1.

(a). Como podem ser identificados os macro e microestados das N partıculas?

(b). Calcule a funcao de particao do sistema.

(c). Calcule a energia interna a partir da funcao de particao.

(d). Escreva a expressao para a energia livre de Helmoltz total.

(e). A partir da energia livre, calcule a entropia do sistema.

89CEDERJ

Page 87: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuicao de Boltzmann

Resposta comentada

(a). Um macroestado de N partıculas corresponde a um dado valor de E.

Para cada E temos varias possibilidades de escolha para os valores de

η. Cada conjuntoη1, η2, . . . ηN define um microestado.

(b). Somar sobre os microestados significa somar sobre todas as possibili-

dades de escolha para os valores dos ηi. Formalmente temos

ZN =∑

η1

η2

. . .∑

ηN

exp

(

−βN∑

i=1

ηiε

)

=∑

η1

η2

. . .∑

ηN

exp (−βη1ε) exp (−βη2ε) . . . exp (−βηNε)

=∑

η1

exp (−βη1ε)∑

η2

exp (−βη2ε) . . .∑

ηN

exp (−βηNε)

=

[∑

η

exp (−βηε)

]N

= [1 + exp(−βε)]N

(c). Podemos usar a expressao (6.15) para calcular a energia interna

Eint = − 1

Z

∂Z

∂β= − 1

ZN [1 + exp(−βε)]N−1 (−ε) exp(−βε)

=Nε exp(−βε)

[1 + exp(−βε)].

(d). A energia livre de Helmholtz e dada por F = −κT lnZN . Assim,

F = −NκT ln [1 + exp(−βε)]

(e). Sabemos que F = Eint − TS, ou S = (Eint − F )/T . Assim, basta

substituir as expressoes para Eint e F .

CEDERJ 90

Page 88: Física Estatística

Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constanteMODULO 1 - AULA 7

Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a

T constante

Meta

Obter a equacao de estado de um sistema paramagnetico uniaxial a

partir de sua funcao de particao.

Objetivos

Ao final desta aula, voce deve ser capaz de:

1. calcular a funcao de particao para o paramagneto uniaxial atraves da

soma sobre micro ou macroestados;

2. encontrar as relacoes termodinamicas para um paramagneto uniaxial a

partir da funcao de particao;

3. entender como o calor especıfico esta relacionado com o espectro e a

ocupacao dos nıveis de energia do sistema.

Pre-requisitos

Reveja a estatıstica dos sistemas binario estudada na Aula 2 e a origem

experimental da equacao de estado do gas ideal explicada na Aula 6 de Fısica

2A.

Introducao

Neste momento e fundamental que voce tenha estudado a fundo todas

as aulas anteriores. Vamos ver uma serie de aplicacoes da estatıstica de

Boltzmann a sistemas fısicos na forma de modelos soluveis propostos por

diversos pesquisadores ao longo do seculo XX. Nesta aula, especificamente,

vamos obter a equacao de estado para o mesmo sistema estudado na Aula 5,

considerando agora que o solido paramagnetico esteja em equilıbrio com um

reservatorio a temperatura T . Nosso ponto de partida sera calcular a funcao

91CEDERJ

Page 89: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constante

de particao para o sistema, primeiro usando a soma sobre microestados e

depois, sobre macroestados.

Soma sobre microestados

A energia do sistema e dada por

E = −B

N∑

i=1

σi , (7.1)

onde B e o campo magnetico externo e σi e uma variavel que pode ter

valores +1 e −1 se o momento magnetico da i-esima partıcula esta paralelo

ou antiparalelo ao campo externo, respectivamente (ver figura 2.1). Um

microestado qualquer das N partıculas e definido pelos valores de σ de cada

uma. As partıculas nao interagem entre si, isso significa que cada uma pode

ter σ±1 independentemente levando a um total de 2N microestados. A soma

sobre esses microestados e uma soma sobre os N valores de σ, na forma

ZN =∑

σ1=±1

σ2=±1

. . .∑

σN=±1

exp

(

βB∑

i

σi

)

=∑

σ1=±1

σ2=±1

. . .∑

σN=±1

i

exp (βBσi)

=

[

σ1

exp (βBσ1)

][

σ2

exp (βBσ2)

]

. . .

[

σN

exp (βBσN)

]

=

[

σ

exp (βBσ)

]N

= ZN1

. (7.2)

ZN e a funcao de particao para as N partıculas e pode ser escrita em funcao

de Z1 que e a funcao de particao para uma unica partıcula. Esse tipo de

fatoracao simplifica enormemente o calculo da funcao de particao. Seguindo

em frente, temos

Z1 =∑

σ

exp (βBσ) = exp(+βB) + exp(−βB) = 2 cosh(βB) . (7.3)

Assim,

ZN = [2 cosh(βB)]N (7.4)

O momento magnetico medio por partıcula pode ser calculado de varias

maneiras. Comecamos pelo calculo direto usando Z1. Usando a definicao de

CEDERJ 92

Page 90: Física Estatística

Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constanteMODULO 1 - AULA 7

media termica, equacao (6.25, temos:

〈σ〉 =1

Z1

σ

σ exp (βBσ)

=1

Z1

[(+1) exp (βB) + (−1) exp (−βB)]

=2senh(βB)

2 cosh(βB)= tgh(βB) . (7.5)

O momento magnetico total medio e entao 〈M〉 ≡ N〈σ〉 = Ntgh(βB), con-

cordando com o calculo feito considerando o sistema com energia constante

(equacao (5.9)). Aqui cabe uma explicacao sobre o uso do sımbolo 〈〉. As

grandezas macroscopicas tais como magnetizacao, volume, pressao etc, sao

sempre medias, para manter uma notacao simplificada o sımbolo de media

nao e usada no conext da Termodinamica. Na Aula 5, a partir da equacao

(5.7), estamos lidando com Termodinamica. Aqui, estamos calculando a

magnetizacao diretamente da funcao de particao, ou seja, calculando sendo

media termica. De fato, essa media so pode ser identificada com o valor

macroscopico depois de tomado o lomite termodinamico. Neste caso es-

pecıfico esse limite nao altera a expressao da magnetizacao.

Observando a expressao (7.5) vemos que 〈σ〉 pode ser calculado atraves

da derivada de Z1 com relacao a B, ou seja

∂Z1

∂B=∑

σ

βσ exp (βBσ) ⇒ 〈σ〉 =1

β

1

Z1

∂Z1

∂B=

1

β

∂lnZ1

∂B. (7.6)

Podemos usar a expressao do momento magnetico medio para calcular a

energia media, ou energia interna, ja que 〈E〉 = −〈M〉B. Para entender mel-

hor seu comportamento em funcao da temperatura, definimos o parametro

θ = B/κ com unidades de temperatura, que passa a ser um padrao de com-

paracao para a temperatura do sistema. A figura 7.1 mostra o grafico da

energia em funcao da temperatura. Em T = 0 o estado de equilıbrio corre-

sponde a ter todos os momentos magneticos alinhados com o campo, esta e

a situacao de menor energia. A medida que a temperatura aumenta, alguns

momentos magneticos passam a ter uma probabilidade diferente de zero de

estar antiparalelo ao campo. Quando a temperatura for muito alta (T θ)

a energia tende a seu valor maximo, que e zero. Isso corresponde a metade

dos momentos com alinhamento paralelo ao campo e metade antiparalelo.

Essa tambem e a configuracao de maxima entropia.

93CEDERJ

Page 91: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constante

Figura 7.1: Energia para um paramagneto uniaxial, em funcao da temper-

atura. θ = B/κ e uma escala de temperatura natural para o sistema.

Soma sobre macroestados

Nesta abordagem, escrevemos a energia como

E = −B(N+ −N−) = −B [N+ − (N −N+)] , (7.7)

onde N+(N−) e o numero de momentos magneticos com alinhamento para-

lelo(antiparalelo) ao campo externo. A multiplicidade do macroestado e

g(N, N+) =N !

N+!(N − N+)!.

Temos entao

ZN =N∑

N+=0

N !

N+!(N − N+)!exp [βBN+] exp [−βB(N − N+)] (7.8)

=N∑

N+=0

N !

N+!(N − N+)![exp (βB)]N+ [exp (−βB)](N−N+)

Para realizar a soma usamos a expressao do binomio

(x + y)N =

N∑

n=0

N !

n!(N − n)!xnyN−n .

Identificando x = exp (+βB) e y = exp (−βB), temos

ZN = [exp (+βB) + exp (−βB)]N (7.9)

CEDERJ 94

Page 92: Física Estatística

Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constanteMODULO 1 - AULA 7

Conclusao

A simplicidade do sistema formado por paramagnetos uniaxiais serviu

para nos mostrar que a termodinamica de um determinado sistema pode ser

derivada de varias maneiras. Na Aula 5 consideramos que o sistema tinha

energia constante e agora, que a temperatura era constante. As relacoes

para energia, magnetizacao, ou qualquer outra grandeza macroscopica inde-

pendem de como realizamos nossos calculos.

A principal conclusao que devemos tirar depois destes calculos e que as

relacoes termodinamicas nao dependem de como tratamos o sistema, ou seja,

se consideramos a energia ou a temperatura constantes. No primeiro caso

fixamos o valor de energia deixando a temperatura livre. No segundo, fixamos

a temperatura e deixamos a energia livre. O limite termodinamico faz com

que as grandezas livres tenham distribuicoes muito bem definidas em torno

do valor mais provavel, que e o observado macroscopicamente. Do ponto

de vista analıtico, muitas vezes e mais facil considerar que a temperatura

foi mantida sob controle, por isso o metodo da distribuicao de Boltzmann e

usado com muita frequencia.

Atividade Final

(Objetivos 2 e 3)

(a) Mostre que o calor especıfico para o sistema paramagnetico uniaxial e

dado por

c = κ

(

B

κT

)2 [

cosh

(

B

κT

)]

−2

(7.10)

(b) Esboce o grafico do calor especıfico em funcao da temperatura para os

mesmos valores θ = B/κ usados na figura 7.1. Explique fisicamente o com-

portamento do calor esepcıfico para temperaturas T θ e T θ.

Resposta comentada

(a) O calor especıfico mede a capacidade do sistema aumentar a sua energia

(ou entropia) com o aumento de temperatura, o que pode ser feito atraves

de diversos processos. A convencao e que, quando nada e dito, estamos nos

referindo ao calor especıfico definido como

c =dEint

dT= T

∂S

∂T(7.11)

95CEDERJ

Page 93: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constante

A energia energia interna para o sistema pode ser escrita como Eint =

−N〈σ〉B, portanto temos que

c =1

N

∂Eint

∂T= −B

∂〈σ〉∂T

Usando a expressao para 〈σ〉 ja calculada, obtemos a expressao desejada.

(b) A figura 7.2 mostra o comportamento do calor especıfico para os valores

de θ especificados. Examinando a figura 7.1 notamos que a energia tende a

Figura 7.2: (a) Calor especıfico para um paramagneto uniaxial, em funcao da

temperatura. θ = B/κ e uma escala de temperatura natural para o sistema.

um valor limite quando T → ∞, logo o calor especıfico deve ir a zero quando

T aumenta muito, ja que e sua derivada. Esse comportamento e chamado e

anomalia Schottky. O termo anomalia refere-se ao comportamento distinto

do observado nos gases, sistemas para os quais a energia pode aumentar

sem limites. Todos os sistemas com um numero finito de nıveis de energia

apresenta esse maximo na curva de calor especıfico.

Resumo

Nesta aula pudemos aplicar diretamente a distribuicao de Boltzmann

para encontrar o comportamento termico macroscopico de um sistema para-

magnetico uniaxial. O calculo da funcao de particao foi simples por que foi

possıvel calcular a funcao de particao para uma partıcula apenas. A par-

tir dela calculamos as grandezas macroscopicas, tais como magnetizacao e

energia por partıcula.

CEDERJ 96

Page 94: Física Estatística

Aula 7 - Aplicacao: Paramagneto uniaxial a T constanteMODULO 1 - AULA 7

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula veremos mais uma aplicacao. O sistema a ser estudado

e o gas ideal classico.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, capıtulo 5.

97CEDERJ

Page 95: Física Estatística

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico

no regime classico

Meta

Apresentar as principais propriedades termicas de um gas de partıculas

livres no regime classico.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. perceber em que situacoes podemos aproximar a soma na funcao de

particao para uma integral;

2. verificar como a indistinguibilidade das partıculas afeta a contagem de

microestados e a extensividade de algumas grandezas termodinamicas;

3. calcular a densidade de estados para o gas ideal;

4. calcular a funcao de particao, a entropia e a energia livre de Helmholtz

para o gas ideal no regime classico;

5. estabelecer a equacao de estado para o gas a partir da funcao de

particao.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce esteja familiarizado com a funcao de onda

e espectro de energia de uma partıcula numa caixa tridimensional, assunto

coberto pelas Aulas 17 e 18 de Introducao a Mecanica Quantica. Alem disso

voce deve rever a origem experimental da equacao de estado do gas ideal e a

definicao de calor especıfico nas Aulas 6 e 10 de Fısica 2A, respectivamente.

Usaremos, tambem, os resultados para integrais gaussianas expostos na Aula

3.

Introducao

Na Fısica 2A voce estudou o gas ideal do ponto de vista da Ter-

modinamica, descrevendo-o atraves das variaveis macroscopicas pressao, vo-

99CEDERJ

Page 96: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico

lume e temperatura. A funcao que relaciona essas variaveis (equacao de

estado) e obtida, nessa abordagem macroscopica, a partir de observacoes ex-

perimentais. Nesta aula queremos chegar a essa equacao de estado a partir

da descricao microscopica, usando a distribuicao de Boltzmann.

O termo classico usado aqui refere-se ao regime de altas temperaturas,

ou baixa densidade, no qual a superposicao entre as funcoes de onda das

partıculas e desprezıvel e para o qual vale o princıpio da equiparticao. Os

primeiros calculos estatısticos do gas ideal foram realizados antes da Mecanica

Quantica; usaram, portanto, a expressao classica para a energia cinetica de

cada partıcula. Esse calculo tem serios problemas dimensionais a comecar

pela funcao de particao que nao e adimensional como deveria. Esses prob-

lemas so puderam ser corrigidos quando a energia do sistema passou a ser

dada pela Mecanica Quantica. Nesta aula iremos direto ao modelo quantico.

Um calculo bastante detalhado usando a energia classica pode ser visto no

livro Introducao a Fısica Estatıstica indicado como leitura complementar.

Partıcula livre numa caixa tridimensional

Nosso modelo para o gas ideal consiste de um conjunto de N partıculas

pontuais e nao interagentes, limitadas a um volume V = LxLyLz. Do ponto

de vista da Mecanica Quantica, o calculo da energia ε de uma partıcula e

feito a partir da equacao de Schrodinger estacionaria:

− ~2

2m∇2ψ(~r) + U(~r)ψ(~r) = εψ(~r) . (8.1)

O primeiro termo, envolvendo as segundas derivadas da funcao de onda ψ(~r),

da a energia cinetica da partıcula. U(~r) e o potencial a que ela esta sujeita.

O problema que queremos resolver corresponde ao seguinte potencial

U(x, y, z) = ∞ |x| ≥ Lx

2, |y| ≥ Ly

2, |z| ≥ Lz

2

= 0 |x| < Lx

2, |y| < Ly

2, |z| < Lz

2

que define a caixa de paredes instransponıveis que contem as partıculas do

gas. Este problema pode ser resolvido por separacao de variaveis porque o

movimento em cada direcao e completamente independente. A funcao de

onda tem a forma ψ(x, y, z) = ψx(x)ψy(y)ψz(z), sendo a funcao de onda

relativa a cada direcao uma onda plana, que pode ser escrita como uma

combinacao linear de senos e cossenos.

CEDERJ 100

Page 97: Física Estatística

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8

A energia da partıcula livre e dada por

ε =(~k)2

2m. (8.2)

Se a partıcula esta numa regiao sem limitacoes, ~k e irrestrito, e os valores

de energia tem um espectro contınuo. O fato de a partıcula estar confinada

a uma caixa, faz com que apenas certos valores de energia sejam possıveis.

Esta e exatamenta a mesma situacao que encontramos quando analisamos as

ondas estacionarias em uma corda de comprimento finito.

Devido a separacao de variaveis, basta resolver o problema unidimen-

sional, que e o mesmo para x, y ou z, neste caso. Escolhemos resolver para

x, por exemplo. A forma de U requer que a funcao de onda se anule em

x = ±Lx/2. Escrevendo ψx(x) = A cos kxx + B sen kxx. Essa condicao de

contorno so pode ser satisfeita em qualquer instante de tempo se B = 0 e

kxLx/2 = nxπ/2, ou kx = nxπ/Lx, sendo nx um numero inteiro positivo nao

nulo. O mesmo calculo pode ser feito para as outras componentes. Final-

mente obtemos que a energia da partıcula deve ter a forma

ε =~

2

2m

( πn

V 1/3

)2

, (8.3)

onde n2 = n2

x + n2

y + n2

z, e nx, ny, nz = 1, 2 . . .. Sem perder a generalidade,

podemos escolher Lx = Ly = Lz = L, neste caso V = L3 e

ε =~

2

2m

(πn

L

)2

. (8.4)

Calculo da multiplicidade

De acordo com a expressao para a energia, equacao (8.4), o valor de n

pode ser usado para rotular o macroestado de uma unica partıcula. A mul-

tiplicidade desse macroestado vem da possibilidade de se obter um mesmo

n para diferentes escolhas de nx, ny e nz. Por exemplo, n =√

27 pode ser

obtido de 4 maneiras diferentes, com (nx, ny, nz) = (5,1,1), (1,5,1), (1,1,5)

e (3,3,3). Diferentemente da distribuicao binomial, nao podemos encontrar

uma expressao algebrica que nos de a multiplicidade relativa a cada n. En-

tretanto, estaremos sempre trabalhando com sistemas macroscopicos, o que

significa que L tem dimensoes macroscopicas e que o espacamento entre os

nıveis de energia e muito pequeno; tao pequeno, que podemos assumir uma

variacao contınua.

101CEDERJ

Page 98: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico

Atividade 1

(Objetivo 1)

Estime a separacao entre nıveis de energia consecutivos do gas helio, contido

num volume de 1 cm3. Escreva o resultado em eV e em Kelvins.

Resposta comentada

Partimos da expressao para os nıveis de energia:

ε =~

2

2m

(πn

L

)2

.

Vamos calcular o espacamento entre os dois primeiros nıveis. O estado fun-

damental tem nx = ny = nz = 1, ou seja, n2 = 3. O proximo nıvel tera

n2 = 1 + 1 + 22 = 6. Assim o espacamento entre esses dois nıveis e

∆ε =3

2

~2

m

L

)2

.

A massa de um atomo de helio e m ≈ 6, 6−27 kg. Vamos tomar um valor

macroscopico para L, 1 cm por exemplo. Obtemos

∆ε = 2, 48 × 10−37 J = 1, 5 × 10−18 eV .

Para obter a separacao em termos de temperatura estabelecemos a igualdade

∆ε = κT . O valor de T resultante e a separacao em Kelvins. Neste caso

resultado e T = 1, 8 × 10−14 K

fim da atividade

Isso significa que nx, ny e nz podem ser consideradas variaveis reais e que

a multiplicidade deve ser calculada considerando que a energia da partıcula

esta no intervalo entre ε e ε+ dε, ou que n esta entre n e n+ dn. A relacao

entre n e nx, ny e nz e a mesma do raio de uma esfera centrada na origem

dos eixos (nx, ny, nz). Assim, temos que o numero de estados com n menor

ou igual a n e 1/8 do volume da esfera de raio n (veja a figura 8.1), ou

N (n) =1

8

4πn3

3. (8.5)

A fracao 1/8 aparece porque queremos apenas nx, ny e nz > 0. Agora,

o numero de estados com n entre n e n + dn e dado pelo volume de 1/8 da

casca esferica de raio n e espessura dn, ou seja,

dN (n) =1

84πn2dn . (8.6)

As expressoes acima podem ser escritas em termos de ε se usamos (8.4).

Identificando V = L3, obtemos

N (ε) =V

6π2

(

2m

~2

)3/2

ε3/2 , (8.7)

CEDERJ 102

Page 99: Física Estatística

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8

dn

n

(a) (b)

Figura 8.1: Ilustracao da contagem de estados num gas em (a) tres e (b)

duas dimensoes. : figura (a) para ser feita pelo desenhista

e

dN (ε) =N (ε)

ε=

V

4π2

(

2m

~2

)3/2

ε1/2dε . (8.8)

Definimos agora a densidade de estados D(ε) como

D(ε) ≡ dNdε

=3N (ε)

2ε=

V

4π2

(

2m

~2

)3/2

ε1/2 . (8.9)

D(ε)dε e a multiplicidade do estado com energia entre ε e ε+dε. Assim, num

gas tridimensional, a multiplicidade aumenta com o aumento da energia.

Boxe de atencao

O termo densidade de estados e o adotado na fısica da materia condensada,

mas traz alguma ambiguidade no contexto da fısica estatıstica porque nao

fica claro se estamos tratando de micro ou macroestados. Por isso costuma-se

usar o termo densidade de orbitais em textos de fısica estatıstica. Por orbital

entende-se uma solucao da equacao de Schodinger para uma partıcula, nao

tendo relacao com a ideia de orbita. Assim, cada funcao de onda resultante

de se resolver o problema de uma partıcula livre numa caixa corresponde a

um orbital.

fim do boxe de atencao

Atividade 2

(Objetivo 3)

Uma realizacao bidimensional do gas ideal pode ser obtida se examinamos

os atomos de gas que sao adsorvidos por uma superfıcie. Adsorcao (que nao

deve ser confundida com absorcao) e o processo que ocorre quando moleculas

de um gas ou lıquido se acumulam na superfıcie de um solido, formando um

103CEDERJ

Page 100: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico

filme muito fino. No processo de absorcao, as moleculas se difudem dentro

do solido. O filme adsorvido pode ser considerado um gas bidimensional ja

que as moleculas estao confinadas a uma superfıcie. Qual a densidade de

estados nesse caso?

Resposta comentada

A expressao (8.4) para a energia continua valida, so que agora n2 = n2

x + n2

y,

supondo que o gas esteja confinado a uma superfıcie paralela ao pla xy.

A figura 8.1(b)d mostra como a contagem da multiplicidade deve ser feita

num sistema bidimensional. Cada ponto corresponde a dados valores de nx

e ny. No limite contınuo, o numero de pontos numa dada regiao pode ser

aproximado pela area da mesma. Temos assim:

N (n) =1

4πn2 e dN (n) =

1

2πndn . (8.10)

O fator 1/4 aparece porque queremos apenas valores positivos para nx e ny.

Escrevendo em termos da energia, temos:

dN (ε) =V 2/3m

2π~2dε logo D(ε) =

V 2/3m

2π~2. (8.11)

Diferentemente do gas em tres dimensoes, no gas bidimensional a multiplici-

dade nao depende da energia.

fim da atividade

A contagem de estados num sistema de partıculas in-

distinguıveis

Na Aula 7 calculamos a funcao de particao para o paramagneto uniaxial

de duas maneiras. Na primeira usamos a soma sobre os microestados, que

acabou por relacionar ZN , a funcao de particao para as N partıculas, com

Z1, a relativa a uma partıcula, como

ZN = (Z1)N . (8.12)

A relacao (8.12) simplifica enormemente o calculo da funcao de particao,

porque em Z1 temos apenas que levar em conta a multiplicidade relativa

a forma da energia, e nao a relativa a divisao da energia total entre as

partıculas. Vejamos porque essa expressao implica na distinguibilidade das

partıculas. Considere o caso N = 3 para um sistema de dois estados (como

o do paramagneto uniaxial), com energias εx e εy. Definindo x ≡ exp(−βεx)

CEDERJ 104

Page 101: Física Estatística

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8

e y ≡ exp(−βεy) e usando os rotulos a, b e c para designar as partıculas,

temos

Z3 = (Za)(Zb)(Zc) = (xa + ya)(xb + yb)(xc + yc)

= xaxbxc + xaxbyc + xaybxc + xaybyc

+ yaxbxc + yaxbyc + yaybxc + yaybyc . (8.13)

Os termos correspondem a ter cada partıcula em um dos nıveis de energia.

Por exemplo, yaxbxc corresponde a partıcula a com energia εy, e as b e c

com energia εx. Assim, estamos assumindo que e possıvel distinguir qual

e a partıcula a, ou a b ou a c, o que pode ocorrer se as partıculas tiverem

posicoes fixas, como numa rede cristalina, que e em geral o caso dos materiais

com esse tipo de magnetismo. Vemos tambem que os estados xaxbyc xaxbyc e

xaybxc tem a mesma energia, igual a 2εx +εy, e por isso pertencem ao mesmo

macroestado. O mesmo acontece com os termos yaxbxc, yaxbyc e yaybxc, que

tem energia 2εy + εx. A expressao (7.9) mostra como calcular ZN agrupando

os termos por macroestados. Neste caso especıfico, terıamos

Z3 = x3+3x2y+3xy2+y3 = (Z1)3 para partıculas distinguıveis . (8.14)

Mas, e se as partıculas forem indistinguıveis? Esse e o caso dos atomos livres

num volume, como num gas. Nesse caso xaxbyc e xaybxc nao sao microestados

do mesmo macroestato, eles sao o mesmo microestado, e g(E) = 1. A funcao

de particao para as tres partıculas seria

Z3 = x3+x2y+xy2+y3 6= (Z1)3 para partıculas indistinguıveis . (8.15)

Considere agora um sistema com N partıculas e M nıveis de energia.

Neste caso a energia total e escrita como

E = η1ε1 + η2ε2 . . . ηMεM , (8.16)

onde os ηi sao as ocupacoes dos estados de energia εi, devendo obedecer ao

vınculo∑

i ηi = N . Se as partıculas forem distinguıveis, a multiplicidade do

macroestado com energia E e dada por

g(η1, η2, . . . ηM ) =N !

η1!η2! . . . ηM !, (8.17)

mas se forem indistinguıveis, g(η1, η2, . . . ηM) = 1. Assim, se usarmos a forma

(8.12) para calcular ZN num sistema de partıculas indistinguıveis, estaremos

com muitos termos sendo contados a mais. A proposta de Boltzmann para

105CEDERJ

Page 102: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico

corrigir essa contagem excessiva foi dividir o produto (Z1)N pelo numero de

permutacoes possıveis com N partıculas, ou seja,

ZN =1

N !(Z1)

N, (8.18)

para partıculas indistinguıveis. Esta correcao so e exata nos termos em que

cada partıcula esta num nıvel de energia, ou seja, se os ηi forem todos iguais

a 1 em (8.17), ja que g = N ! nesse caso. Todos os outros termos serao

divididos por um valor maior que g. Em outras palavras, os termos referentes

a configuracoes em que mais de uma partıcula tem a mesma energia serao

penalizados e contribuirao menos para o calculo de ZN . As configuracoes

com uma partıcula em cada nıvel, por outro lado, serao favorecidas. Veremos

mais a frente que o uso dessa correcao leva necessariamente ao gas no regime

classico.

O gas monoatomico

Usaremos a expressao (8.18) para calcular a funcao de particao para

um gas ideal monoatomico, admitindo a indistinguibilidade das partıculas.

Para calcular Z1 precisamos dos possıveis valores de energia para uma

partıcula de massa m confinada num volume V = L3. Eles sao, de acordo

com a (8.4),

ε =(~k)2

2m, k =

L, n2 = n2

x + n2

y + n2

z (8.19)

Um microestado do sistema completo e rotulado pelos valores de (nx, ny, nz)

para cada partıcula. Se examinamos apenas uma partıcula, o microestado

sera rotulado pelos valores de (nx, ny, nz) dessa partıcula. Somando sobre os

microestados de uma partıcula, temos

Z1 =∞∑

nx=1

∞∑

ny=1

∞∑

nz=1

exp[

−βα(

n2

x + n2

y + n2

z

)]

(8.20)

=∞∑

nx=1

∞∑

ny=1

∞∑

nz=1

exp(

−βαn2

x

)

exp(

−βαn2

y

)

exp(

−βαn2

z

)

=

[

∞∑

nx=1

exp(

−βαn2

x

)

]

∞∑

ny=1

exp(

−βαn2

y

)

[

∞∑

nz=1

exp(

−βαn2

z

)

]

=

[

∞∑

nx=1

exp(

−βαn2

x

)

]3

,

CEDERJ 106

Page 103: Física Estatística

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8

onde α = ~2π2/2mV 2/3. Como V e um volume macroscopico, a separacao

entre os valores de energia e muito pequena, e a soma em nx pode ser aprox-

imada por uma integral. Assim,

Z1 =

[∫

0

exp(

−βαn2

x

)

dnx

]3

. (8.21)

Usando a expressao () para a integral gaussiana, temos

Z1 =

(

1

2

π

αβ

)3

=

(

κTm

~22π

)3/2

V = φqV . (8.22)

O resultado (8.22) define uma grandeza importante, a concentracao quantica:

φq =

(

κTm

~22π

)3/2

. (8.23)

Veremos adiante o seu significado.

Podemos tambem calcular Z1 fazendo a soma sobre os macroestados,

que neste caso pode ser a soma sobre os valores de ε ou n. Ja utilizando a

aproximacao de espectro de energia contınuo, temos

Z1 =∑

ε

g(ε) exp(−βε) →∫

0

exp(−βε)D(ε)dε (8.24)

=1

84π

0

exp(

−βαn2)

n2dn

=π3/2

8(αβ)−3/2

=

(

κTm

~22π

)

3/2

V = φqV .

Concentracao quantica

Uma partıcula quantica tem seu momento linear definido como p = h/λ,

sendo λ o comprimento de onda. Num sistema classico, uma partıcula de

massa m e velocidade v tem seu momento linear definido como p = mv.

Num gas tıpico, com apenas um tipo de molecula, todas as partıculas tem o

mesmo valor de massa mas cada uma tem um valor de velocidade, sendo estes

distribuıdos de acordo com uma distribuicao dependente da temperatura. O

momento linear medio, neste caso, e 〈p〉 = m〈v〉. O princıpio da equiparticao

nos da o valor medio de v2, ja que

〈ε〉 =1

2m〈v2〉 =

3

2κT ⇒ 〈v2〉 =

3κT

m.

107CEDERJ

Page 104: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico

Vamos considerar que σ2

v = 〈v2〉 − 〈v〉2 ≈ 0, ou seja, 〈v〉2 ≈ 〈v2〉 ≈κT/m. Igualando as definicoes quantica e classica temos

h

λT≈ m

(

κT

m

)1/2

⇒ λT ≈(

h2

mκT

)1/2

. (8.25)

λT e o que chamamos comprimento de onda termico. Podemos associar a

cada partıcula quantica um volume definido por λ3

T , com isso, a concentracao

quantica fica definida como

φq ∼1

λ3

T

=

(

mκT

h2

)3/2

. (8.26)

Dizemos que um gas esta no regime classico quando sua concentracao

φ = N/V e muito menor que φq. Na Aula 1 calculamos as concentracoes do

helio nas CNPT e dos eletrons de conducao no lıtio na temperatura ambiente.

Podemos compara-las com as concentracoes quanticas para essas partıculas

na mesma temperatura. Obtemos para o helio

φHe

φqHe

= 3 × 10−6 1 . (8.27)

Concluımos, entao, que a aproximacao classica e boa para o helio a temper-

atura ambiente. Para os eletrons encontramos uma concentracao φeletrons ≈104φHe, mas como a massa de um atomo de helio e 104 maior que a de um

eletron, e φq ∝ m3/2, temos que

φeletrons

φqeletrons

= 0, 66 × 102 . (8.28)

Assim, no caso dos eletrons, trata-los como um gas classico nao e uma boa

aproximacao. Na Aula 13 voce vai aprender como lidar com esse sistema.

Vera tambem que a aproximacao classica nao e adequada para o helio abaixo

de 4 K.

Atividade 3

(Objetivo 4)

Calcule a energia interna e o calor especıfico a V constante do gas ideal

classico a partir de sua funcao de particao. Verifique se os resultados estao

de acordo com o princıpio da equiparticao da energia.

Resposta comentada

Comecamos pela energia interna. Vamos usar a expressao para a energia

media dada pela equacao (6.15):

〈E〉 = − 1

Z

∂Z

∂β= Eint . (8.29)

CEDERJ 108

Page 105: Física Estatística

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8

Usando a funcao de particao (8.22) ) em (8.18) temos

ZN =1

N !(Z1)

N =1

N !

(

m

β~22π

)3

N/2 (8.30)

Assim,

Eint =3

2NκT .

Para calcular o calor especıfico usamos a definicao (9.11) apresentada na Aula

9 de Fısica 2A. Temos

cV =1

N

∂Eint

∂T=⇒ cV =

3N

2. (8.31)

Os resultados para Eint e cV sao identicos aos previstos pelo princıpio da

equiparticao.

fim da atividade

Energia livre de Helmholtz

O calculo das grandezas termodinamicas exige que o limite N → ∞seja tomado. Assim, calculamos a energia livre por partıcula como

f = limN→∞

1

N(−κT lnZN ) (8.32)

= −κT limN→∞

1

Nln

[

1

N !(Z1)

N

]

= κT [lnN − 1 − lnφqV ]

= κT

[

ln

(

φ

φq

)

− 1

]

Neste calculo usamos a aproximacao de Stirling para N !. Para o sistema

todo,

F = NκT

[

ln

(

φ

φq

)

− 1

]

. (8.33)

Como vimos na Aula 5, a energia livre de Helmholtz combina os princıpios

de minimizacao de energia e maximizacao de entropia e e definida como

F = Eint − TS. Vamos calcular a variacao de energia livre, dF :

dF = dEint − d(TS) = TdS − pdV − SdT − TdS = −pdV − SdT , (8.34)

onde usamos que a troca infinitesimal de calor foi reversıvel, podendo ser

escrita como d′Q = TdS. Se escrevemos F como uma funcao de V e T ,

temos que

dF =

(

∂F

∂V

)

T

dV +

(

∂F

∂T

)

V

dT . (8.35)

109CEDERJ

Page 106: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico

Comparando as expressoes (8.34) e (8.35) podemos imediatamente identificar

p = −(

∂F

∂V

)

T

, (8.36)

levando a conhecida relacao p = NκT/V .

Atividade 4

(Objetivo 4)

Encontre uma expressao para a entropia S(N, V, T ) do gas ideal classico a

partir da forma diferencial da energia livre de Helmholtz, equacao (8.35).

Resposta comentada

Comparando as expressoes (8.35) e (8.34) podemos identificar:

S = −(

∂F

∂T

)

= Nκ

[

ln

(

φq

φ

)

+5

2

]

(8.37)

Esta expressao para a entropia recebe o nome de formula de Sackur-Tetrode

e concorda com resultados experimentais. Note que, mesmo para o regime

classico, S guarda sua origem quantica atraves da presenca de ~ na concen-

tracao quantica, ressaltando a impossibilidade de se obter o mesmo resultado

a partir de um modelo puramente classico.

fim da atividade

Atividade 5

(Objetivos 2 e 4)

A energia livre de Helmholtz deve ser uma quantidade extensiva. Mostre que,

se a divisao por N ! nao for feita, isso nao ocorre para o gas ideal classico.

Resposta comentada

Se calculamos ZN como ZN1

e calculamos F a partir da expressao (8.33)

obtemos:

Ferrada = −NκT (lnφq + lnV ) (8.38)

Verificamos a extensividade:

ferrada = limN→∞

1

NFerrada

= − limN→∞

κT

NlnZN

1

= − limN→∞

1

N

[

NκT

(

3

2ln

m

2π~2+

3

2lnκT + lnV

)]

= κT

(

3

2ln

m

2π~2+

3

2lnκT + lnN + ln v

)

, (8.39)

onde usamos a substituicao V = Nv. Assim, vemos que a expressao (8.39)

depende de N , consequentemente Ferrada nao e uma grandeza extensiva.

fim da atividade

CEDERJ 110

Page 107: Física Estatística

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8

Conclusao

As principais conclusoes desta aula sao relativas a indistinguibilidade

das partıculas e ao uso da Mecanica Quantica para o calculo das propriedades

termodinamicas do gas ideal. Com relacao ao primeiro ponto, pudemos

ver que sem a divisao por N !, introduzida para corrigir a multipla con-

tagem no caso de partıculas indistinguıveis, permite que a extensividade seja

preservada quando necessario e tambem reduz a probabilidade de multipla

ocupacao de nıveis de energia. A validade do modelo resultante dessa correcao

de contagem restringe-se a gases com baixa concentracao, num regime desig-

nado como classico. Mesmo nesse regime a utilizacao da expressao quantica

para as energias permite o calculo correto das grandezas termodinamicas do

sistema. A concordancia entre resultados experimentais e expressao calcu-

lada para a entropia mostra claramente que, mesmo no regime classico, temos

que usar a expressao quantica para a energia.

Atividade Final

(Objetivos 1 a 5)

Para o gas ideal bidimensional, calcule:

(a) Z1 e ZN

(b) a energia interna

(c) a energia livre de Helmholtz

(d) a entropia

Resposta comentada

(a) Supondo que o gas esteja confinado numa regiao quadrada de area A = L2

no plano xy, temos:

Z1 =∞∑

nx=1

∞∑

ny=1

exp[

−βα(

n2

x + n2

y

)]

(8.40)

=∞∑

nx=1

∞∑

ny=1

exp(

−βαn2

x

)

exp(

−βαn2

y

)

=

[

∞∑

nx=1

exp(

−βαn2

x

)

]

∞∑

ny=1

exp(

−βαn2

y

)

=

[

∞∑

nx=1

exp(

−βαn2

x

)

]2

.

111CEDERJ

Page 108: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classico

Usando a definicao α ≡ ~2π2/2mL2 temos que

Z1 =

(

κTm

2π~2

)

A . (8.41)

Podemos definir a concetracao quantica em duas dimensoes como φ2dq =

κTm/2π~2. Assim, a funcao de particao fica com a mesma forma da calculada

para o gas tridimensional, ou seja,

Z1 = φ2dq A . (8.42)

A funcao de particao para N partıculas tambem e dada por ZN = ZN1/N !.

(b)A energia interna pode ser calculada diretamente da funcao de particao:

〈E〉 = − 1

ZN

∂ZN

∂β= Eint . (8.43)

Calculando a derivada obtemos Eint = NκT .

(c) A energia livre de Helmholtz pode ser calculada a partir da expressao

F = limN→∞ (−κT lnZN ). Obtemos:

F = limN→∞

[

−κT ln

(

ZN1

N !

)]

= κT (N lnN −N −N lnZ1)

= NκT(

lnN − lnA− 1 − lnφ2dq

)

= NκT

[

ln

(

φ2d

φ2dq

)

− 1

]

(8.44)

A concentracao do gas adsorvido foi definida como φ2d = N/A. (d) Usamos

a definicao de energia livre de Helmholtz:

F = Eint − TS ⇒ S =Eint − F

T(8.45)

Usando as expressoes ja calculadas para F e Eint obtemos

S = Nκ

[

ln

(

φ2dq

φ2d

)

+ 2

]

(8.46)

Resumo

Nesta aula revisamos a equacao de Schrodinger estacionaria para uma

partıcula livre em uma caixa tridimensional. A partir dos nıveis de energia

dessas partıculas calculamos a funcao de particao de uma partıcula e usamos

a correcao de Boltzmann para calcular a funcao de particao para N partıculas

CEDERJ 112

Page 109: Física Estatística

Aula 8 - Aplicacao: Gas ideal monoatomico no regime classicoMODULO 1 - AULA 8

indistinguıveis. Essa correcao gerou um modelo de gas no qual a probabili-

dade de multipla ocupacao de nıveis de energia e desprezıvel e cuja validade

esta restrita a gases em regime de baixa concentracao, ou regime classico.

Para melhor definir esse regime usamos a comparacao com uma grandeza de-

nominada concentracao quantica. A partir da funcao de particao calculamos

a energia interna, a energia livre de Helmholtz, a entropia e obtivemos a

equacao de estado para o gas ideal classico. O calculo da funcao de particao

foi feito considerando-se um espectro contınuo de energia, uma aproximacao

valida quando tratamos de volumes macroscopicos. Nessa aproximacao foi

necessario definir a densidade de estados, ou densidade de orbitais, que da o

numero de microestados por intervalo de temperatura.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula vamos estudar o gas ideal de moleculas diatomicas

incluindo a energia de rotacao.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, capıtulos 4 e 6.

113CEDERJ

Page 110: Física Estatística

Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - RotacaoMODULO 1 - AULA 9

Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas

diatomicas - Rotacao

Meta

Mostrar as propriedades termicas de um gas diatomico de no regime

classico

Objetivos

Ao final desta aula, voce deve ser capaz de:

1. calcular a funcao de particao relativa a rotacao de moleculas diatomicas;

2. descrever o comportamento do calor especıfico em termos dos graus de

liberdade termicamente ativos.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce reveja a Aula 19 de Introducao a Mecanica

Quantica, sobre o operador momento angular.

Introducao

Na Aula 8 estudamos um gas cujas moleculas tinham apenas movimento

de translacao do centro de massa (CM). Alem da energia cinetica associada

a esse movimento, uma molecula pode ter energia associada a graus de liber-

dade internos, tais como rotacao, vibracao e excitacao eletronica. As tres

contribuicoes correspondem a valores de energia bem diferentes, e podem ser

consideradas de forma independente na maioria dos casos. Nesta aula vamos

estudar o movimento de rotacao de uma molecula diatomica. Uma caricatura

do sistema que queremos analisar pode ser vista na figura 9.1.

Calculo da funcao de particao

Como sempre, comecamos pelo calculo da funcao de particao, o que

requer expressoes para energia e multiplicidade. Nosso modelo considera que

cada molecula pode ter movimento de translacao do CM e rotacao. Supondo

115CEDERJ

Page 111: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - Rotacao

que esses movimentos sejam completamente independentes, a energia cinetica

total de uma molecula pode ser escrita como

ε = εtrans + εrot, (9.1)

onde εtrans e a energia de translacao do CM, e εrot, a de rotacao. Esta forma

de escrever a energia, como uma soma de termos independentes, leva a uma

simplificacao importante para o calculo da funcao de particao total. Da

Aula 8 sabemos que que a funcao de particao para o sistema todo pode ser

escrita em termos da funcao de particao para uma partıcula, Z1. Se usamos a

expressao (9.1) para a energia, podemos usar a expressao (6.5) para calcular

a funcao de particao. Temos

Z1 =∑

i

exp

(

−εtrans + εrot

κT

)

,

A soma sobre i inclui todos os microestados, considerando translacao e

rotacao. A independencia dos movimentos permite que a soma seja fatorada

na forma

Z1 =

it

exp(

−εtrans

κT

)

ir

exp(

−εrot

κT

)

.

Agora, it indica soma sobre os microestados de translacao e ir sobre os

de rotacao. Finalmente,

Z1 = Z trans

1Z rot

1. (9.2)

A equacao (9.2) indica que podemos calcular cada funcao de particao sepa-

radamente. A de translacao ja foi calculada na Aula 8, vamos entao calcular

a contribuicao de rotacao.

A energia cinetica de rotacao

A energia cinetica de rotacao e dada essencialmente pelos autovalores

do operador momento angular ao quadrado. A origem e a forma classica de

se escrever a energia de rotacao

εrot =L2

2I, (9.3)

onde L e o momento angular e I o momento de inercia. Considerando

L2 como um operador, obtem-se os autovalores de energia (Aula 19 de In-

troducao a Mecanica Quantica), que sao

εrot =~

2

2IJ(J + 1), J = 0, 1, 2 . . . (9.4)

CEDERJ 116

Page 112: Física Estatística

Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - RotacaoMODULO 1 - AULA 9

v

CM y

z

x

y

(a) (b) (c)

Figura 9.1: Caricatura de uma molecula diatomica.(a) Para baixas temper-

aturas apenas os modos translacionais sao importantes. A energia cinetica

de translacao do centro de massa (CM) e a unica contribuicao a energia.

(b) Modos rotacionais aparecem em temperaturas intermediarias. Embora

exista rotacao em torno dos tres eixos, o momento de inercia relativo ao

eixo interatomico (y na figura), e desprezıvel, e as contribuicoes a energia de

rotacao vem da rotacao em torno de x e z. (c) O aumento de temperatura faz

com que modos de vibracao ao longo do eixo interatomico sejam excitados.

onde I ≈ µd2, sendo µ a massa reduzida e d a distancia entre os atomos.

Podemos usar J como rotulo do macroestado de cada molecula, ja que seu

valor especifica de forma unica a energia de rotacao. A multiplicidade neste

caso vem da degenerescencia dos nıveis de energia: para cada valor de J

podemos ter g(J) = 2J + 1 valores de projecao de momento angular, ou

valores de mJ .

Calculamos a funcao de particao atraves da soma sobre macroestados.

Obtemos

Zrot =

∞∑

J=0

(2J + 1) exp

[

−~

2

2IκTJ(J + 1)

]

. (9.5)

Definimos a temperatura caracterıstica θR ≡ ~2/2Iκ, uma grandeza com

dimensao de temperatura que serve como padrao para definir os regimes de

temperatura alta e baixa. O calculo exato de Zrot para qualquer valor de T

nao e possıvel, entretanto, os limites de temperatura alta e baixa podem ser

calculados com facilidade.

Temperatura alta, T θR

Neste caso o espacamento entre os nıveis rotacionais e pequeno, e a

soma sobre valores de J pode ser aproximada por uma integral. Analisamos

a funcao a ser integrada, definida como f(J) = (2J + 1) exp[

− θR

TJ(J + 1)

]

,

examinando sua forma na figura (9.2).

Pela forma do integrando, vemos que uma boa aproximacao e

117CEDERJ

Page 113: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - Rotacao

Figura 9.2: Comportamento do integrando de (9.5) para T θR. A linha

representa a funcao f(J) = (2J + 1) exp[

− θR

TJ(J + 1)

]

, com J sendo uma

variavel contınua. As colunas correspondem aos termos individuais do so-

matorio.

Zrot =

∫ ∞

−1/2

(2J + 1) exp

[

−θR

TJ(J + 1)

]

dJ. (9.6)

Reescrevemos a integral em termos da variavel adimensional x ≡ θR

TJ(J+

1), dx = θR

T(2J + 1)dJ , como

Zrot =T

θR

∫ ∞

x0

e−xdx =T

θRe−x0, (9.7)

onde x0 = − θR

4T. Como x0 1, usamos e−x0 ≈ 1 − x0 obtendo finalmente

Zrot ≈T

θR

+1

4para T θR . (9.8)

A energia interna de rotacao pode ser calculada a partir de Zrot como

〈εrot〉 = −∂lnZrot

∂β= κT 2

∂lnZrot

∂T= κT

1

1 + θR

4T

(9.9)

≈ κ

(

T −θR

4

)

para T θR.

O calor especıfico de rotacao no regime de temperaturas altas e

crot =∂〈εrot〉

∂T= κ para T θR. (9.10)

CEDERJ 118

Page 114: Física Estatística

Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - RotacaoMODULO 1 - AULA 9

Temperatura baixa, T θR

Neste limite podemos argumentar que os termos na soma (9.5) caem

muito rapidamente, permitindo que ela seja truncada sem muitas perdas.

Mantendo apenas os dois primeiros termos (J = 0 e J = 1) temos

Zrot ≈ 1 + 3 exp

(

−2θR

T

)

para T θR. (9.11)

A energia interna e o calor especıfico sao dados por

〈εrot〉 = κT 2∂lnZrot

∂T

= 6κθRexp (−2θR/T )

1 + 3 exp (−2θR/T )

≈ 6κθR exp (−2θR/T ) para T θR. (9.12)

crot =∂〈εrot〉

∂T= 12κ

(

θR

T

)2

exp (−2θR/T ) para T θR. (9.13)

Discussao

Primeiro vamos juntar as informacoes obtidas nos dois limites de tem-

peratura. A figura 9.3 mostra a juncao das expressoes (9.12) e (9.10) feita

atraves de um ajuste numerico.

Alem das Leis Zero, Primeira e Segunda, ha a Terceira, que diz respeito

ao comportamento dos sistemas quando T = 0. Esta lei tem varios enunci-

ados mas, em resumo, diz que a entropia deve se anular quando T = 0, por

valores constantes. Ou seja S e dS → 0 quando T → 0. Como C = TdS/dT ,

uma consequencia imediata e que C → 0 quando T → 0. O princıpio da

equiparticao preve valores indepentendentes da temperatura para o calor

especıfico, portanto viola a Terceira Lei. A curva do calor especıfico, corre-

spondendo a da derivada da curva exibida na figura 9.3, pode ser vista na

figura 9.4. Note que crot → 0 quando T → 0, em acordo com a Terceira Lei.

A tabela 9.6 mostra alguns valores de θR assim como o comprimento

de onda relativo a energia κθR, λ = hc/θRκ. Os valores de λ correspondem a

radiacao na faixa de microondas (comprimento de onda de 1 mm a 30 cm).

A temperatura ambiente pode ser considerada alta para a rotacao na

maioria dos gases. Veremos adiante que o mesmo nao pode ser dito sobre

a vibracao da molecula, que so ocorre em temperaturas bem mais altas.

119CEDERJ

Page 115: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - Rotacao

Figura 9.3: Energia interna de rotacao de uma molecula diatomica. A ex-

pressao (9.12) foi usada na regiao T < 0.8θR. A expressao linear (9.10) foi

usada para T > 0.9θR e a regiao intermediaria dos dois regimes foi obtida

pelo ajuste numerico de uma spline cubica.

Molecula θR(K) λ(cm)

H2 85.3 0.017

Cl2 0.3 4.77

K2 0.08 17.9

I2 0.054 26.6

O2 2.07 0.69

Tabela 9.6: Valores de temperatura e comprimento de onda caracterısticos

do movimento de rotacao de algumas moleculas diatomicas.

Assim, nas condicoes ambientes, a energia interna por molecula da maioria

dos gases pode ser escrita como em (9.1), e num gas diatomico (no limite de

alta temperatura) temos

〈ε〉 =3

2κT + κT =

5

2κT , (9.14)

concordando com o resultado obtido pelo princıpio da equiparticao na Aula

8 de Fısica 2A.

CEDERJ 120

Page 116: Física Estatística

Aula 9 - Aplicacao: Gas de moleculas diatomicas - RotacaoMODULO 1 - AULA 9

Figura 9.4: Calor especıfico de rotacao de uma molecula diatomica. A ex-

pressao (9.13) foi usada na regiao T < 0.6θR. A expressao linear (9.10) foi

usada para T > 1.7θR e a regiao intermediaria dos dois regimes foi obtida

pelo ajuste numerico de uma spline cubica.

Resumo

Nesta aula calculamos a contribuicao da rotacao a energia interna de

um gas no regime classico. Pudemos ver que a temperatura ambiente e alta

o suficiente para que esta forma de energia seja relevante nessa temperatura.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula vamos comecar a estudar sistemas baseados em os-

ciladores harmonicos quanticos.

Atividades Finais

Problema 1

Calcule a energia livre de Helmholtz e a entropia para um gas com N

moleculas diatomicas, a temperatura ambiente.

121CEDERJ

Page 117: Física Estatística

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica

Meta

Descrever o espectro de radiacao termica.

Objetivos

Ao final desta aula voce devera ser capaz de:

1. calcular a funcao de particao para N osciladores quanticos em equilıbrio

termico em qualquer dimensao;

2. relacionar o espectro de emissao de radiacao termica com a temperatura

de um corpo;

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce esteja familiarizado com o espectro de en-

ergia do oscilador quantico, sistema estudado na Aula 18 de Introducao a

Mecanica Quantica e com as propriedades das ondas eletromagneticas no

vacuo, assunto das Aulas 2, 3 e 4 de Fısica 4A.

Introducao

Todo corpo que esteja a uma temperatura diferente de zero emite ra-

diacao eletromagnetica em diversas frequencias. A intensidade da radicao

emitida depende muito da frequencia que esta sendo examinada e da tem-

peratura do corpo e e praticamente independente de qualquer outro detalhe

do sistema. Foi exatamente a tentativa de explicar esse comportamento que

levou Planck a formular, em 1900, a hipotese de que os nıveis de energia

disponıveis para a radicao seriam discretos e nao contınuos, como se acre-

ditava na epoca. Essa hipotese, feita sem qualquer justificativa fısica, e

classificada como “ato de desepero´´ por Planck, permitiu nao so a obtencao

de curvas teoricas em completo acordo com as experimentais, como e consi-

derada o marco inicial da Mecanica Quantica. Em seguida Einstein aplicou

a mesma ideia para explicar com sucesso as principais caracterısticas das

curvas de calor especıfico dos solidos. Nesta aula vamos ver aspectos gerais

dos sistema de osciladores, e a aplicacao ao espectro da radiacao termica.

123CEDERJ

Page 118: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica

Sistemas de Osciladores

Suponha que tenhamos um conjunto de N partıculas quanticas sujeitas

a um potencial do tipo harmonico, em equilıbrio termico com um reservatorio

na temperatura T . Se as partıculas sao independentes, podemos obter o

comportamento do sistema completo a partir da funcao de particao de um

unico oscilador, assim comecamos por aı.

A equacao de Schrodinger estacionaria para um oscilador tridimensional

e

−~

2

2m∇2ψ(~r) +

(1

2kxx

2 +1

2kyy

2 +1

2kzz

2

)

ψ(~r) = εψ(~r) ,

Vamos considerar o caso em que as constantes elasticas sao todas iguais a

k. Como visto na Aula 18 de Introducao a Mecanica Quantica, os nıveis de

energia devidos a esse potencial tem a forma

ε =

(

n+3

2

)

~ω n = nx + ny + nz , nx, ny, nz = 0, 1, 2 . . . (10.1)

onde ω e a frequencia natural do oscilador.

Se T = 0 o estado fundamental, com n = 0 e o estado de equilıbrio.

Quando T > 0, a probabilidade de ocupacao de nıveis acima do fundamental

e nao nula, sendo dada pelo fator de Boltzmann. O macroestado de um unico

oscilador pode ser identificado pelo valor de n, e os microestados pelos valores

de (nx, ny, nz). A funcao de particao para um oscilador tridimensional e

Z1 = exp

(

−β3~ω

2

) ∞∑

nx=0

∞∑

ny=0

∞∑

nz=0

exp [−β~ω (nx + ny + nz)]

=

exp

(

−β~ω

2

) ∞∑

nx=0

exp (−β~ωnx)

︸ ︷︷ ︸

≡Zω

3

A soma dentro dos colchetes, Zω, e a funcao de particao de um oscilador uni-

dimensional, a menos de um fator multiplicativo constante. Sua soma pode

ser realizada facilmente pela serie geometrica (equacao ??). Identificamos

a = exp (−β~ω) < 1, e usamos que

∞∑

n=0

an =1

1 − a, a < 1 (10.2)

para obter

Zω =∞∑

nx=0

exp (−β~ωnx) =1

1 − exp (−β~ω). (10.3)

CEDERJ 124

Page 119: Física Estatística

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10

Usaremos este resultado para descrever as propriedades da radiacao termica.

Radiacao termica

Muitas vezes o termo radiacao de corpo negro e usado para designar

a radiacao termica. Um corpo negro e um objeto cuja superfıcie absorve

completamente a radiacao incidente sobre ela, sem que qualquer parte seja

refletida. Se o corpo esta em equilıbrio termico com o meio externo, a ra-

diacao absorvida e re-emitida com um espectro que depende apenas da tem-

peratura. O termo negro refere-se apenas a radiacao na faixa da luz visıvel,

mas a definicao abrange todo o espectro eletromagnetico ja que um objeto

que absorve toda a radiacao incidente sobre ele sera negro.

Na pratica, o comportamento de corpo negro e observado apenas em

regioes especıficas de frequencia, por exemplo, se pintamos de negro a su-

perfıcie de um corpo, ela absorvera praticamente toda a radiacao com com-

primento de onda na regiao do visıvel, mas pode refletir raios-X, por exemplo.

A melhor aproximacao para um corpo negro e um pequeno orifıcio na parede

de uma cavidade, como indicado na figura 10.1. Quando o equilıbrio termico

for atingido, as paredes da cavidade emitirao radiacao que sera constante-

mente absorvida e re-emitida. A radiacao incidente sobre o orifıcio, vinda

de fora da cavidade, e completamente absorvida pelo orifıcio, portanto ele e

um corpo negro. Por outro lado, uma pequena fracao da radiacao dentro da

cavidade, sai pelo orifıcio depois de inumeras absorcoes e re-emissoes e pode

ser examinada. Como o orifıcio e um corpo negro, a radiacao que sai dele

e radiacao de corpo negro. Como essa radiacao e uma amostra da que esta

contida na cavidade, concluımos que a radiacao dentro da cavidade tem as

propriedade de radiacao de corpo negro.

Vamos descrever a radiacao dentro da cavidade como um conjunto de

fotons, com todas as frequencias possıveis. O numero de fotons com cada

frequencia determina quanta energia ha em cada uma. Como veremos a

seguir, numa cavidade macroscopica, os valores possıveis de frequencia for-

mam um espectro contınuo, assim, devemos considerar intervalos de frequencia

dω, e nao seus valores individuais. Podemos medir a energia proveniente da

radiacao em cada intervalo, construımos um histograma cujo nome e espec-

tro de frequencias. Escrevendo a energia por unidade de volume, no intervalo

ω → ω+dω, como e(ω)dω, definimos a densidade espectral e(ω). No caso da

radiacao termica a curva de e(ω) em funcao de ω tem o aspecto indicado na

figura 10.2.

125CEDERJ

Page 120: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica

T

Figura 10.1: Idealizacao de um corpo negro. Uma cavidade contem radiacao

em equilıbrio termico com suas paredes. Se fazemos um pequeno orifıcio, a

radiacao incidente sobre ele e capturada e fica presa na cavidade, sendo ab-

sorvida e re-emitida. Eventualmente uma fracao da radiacao interna escapa

pelo orifıcio.

Figura 10.2: Tıpica curva de densidade espectral para a radiacao termica

de um corpo. A frequencia relativa ao pico da curva, assim com a area

sob ela dependem da temperatura, ambas aumentando com o aumento da

temperatura.

A meta de Planck, e de outros cientistas da epoca, era obter uma

expressao para e(ω, T ) que concordasse com os dados experimentais. Modelos

classicos so eram capazes de descrever as regioes extremas de baixa e alta

frequencias. Nao vamos entrar em maiores detalhes de como o estudo deste

sistema evoluiu, ja vamos apresenta-lo na sua formulacao mais moderna.

CEDERJ 126

Page 121: Física Estatística

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10

Vamos considerar a radiacao dentro de uma cavidade cubica, de volume

V = L3. Primeiro vamos separar uma dada frequencia ω. A intensidade

dela depende de quantos fotons existem com essa frequencia, assim, vamos

calcular o numero medio de fotons com determinada frequencia, numa dada

temperatura T . A energia de η fotons e ε = η~ω, assim, a funcao de particao

e a propria Zω. O valor medio de η numa dada temperatura e, por definicao,

〈η〉 =1

∞∑

η=0

η exp (−βη~ω) . (10.4)

Definindo α ≡ β~ω, fica facil notar que

〈η〉 = −dlnZω

dα. (10.5)

Usando a expressao (10.3), obtemos a distribuicao de Planck

〈η(ω)〉 =1

exp (β~ω)− 1. (10.6)

Com este resultado podemos imediatamente calcular a energia media dos

fotons com frequencia ω, que e dada por 〈ε〉 = 〈η〉~ω.

Agora vamos ver quais frequencias podem existir na cavidade. O com-

primento de onda da radiacao de frequencia ω e λ = 2πc/ω, sendo c a ve-

locidade da luz no vacuo. Por simplicidade supomos uma cavidade cubica

com volume V = L3. Uma cavidade macroscopica implica em L λ, para

todos os comprimentos de onda presentes. Isso implica que podemos des-

prezar efeitos ocorrendo proximo as paredes, e descrever a radiacao interna

a cavidade como simples ondas planas. Como visto na Aula 3 de Fısica

4A, as ondas eletromagneticas planas podem ser representadas matematica-

mente pelos campos eletrico (~E) ou magnetico ( ~B), ja que estes apresentam

entre si a relacao ~B = (~k × ~E)/c, onde ~k e o vetor de onda, com modulo

k = 2π/λ na direcao de propagacao da onda. Escolhemos representar a onda

pelo campo eletrico, dado por ~E = ~E0ei(~k ·~r+ωt). Ja que o tipo de parede e

irrelevante no limite termodinamico, escolhemos um material condutor para

a cavidade, e supomos que esta esteja alinhada com os eixos xyz. Nesse caso,

a componente do campo eletrico paralelo a cada parede deve se anular, ja que

qualquer campo ao longo de um condutor movimenta cargas eletricas ate que

estas criem um campo que exatamente cancele o externo. Assim, podemos

127CEDERJ

Page 122: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica

escrever o campo eletrico das ondas estacionarias na cavidade como

Ex = Ex0 sen (ωt) cos(nxπx

L

)

sen(nyπy

L

)

sen(nzπz

L

)

Ey = Ey0 sen (ωt) sen(nxπx

L

)

cos(nyπy

L

)

sen(nzπz

L

)

Ez = Ez0 sen (ωt) sen(nxπx

L

)

sen(nyπy

L

)

cos(nzπz

L

)

, (10.7)

onde nx, ny, nz sao numeros inteiros positivos, nao nulos. Neste caso defini-

mos n2 ≡ n2x + n2

y + n2z, e escrevemos as frequencias como

ωn =nπc

L(10.8)

Finalmente, lembramos que a cada frequencia estao sempre associadas duas

polarizacoes. Agora podemos calcular a energia total da radiacao na cavidade

somando as contribuicoes de todas as frequencias. Temos

E =∑

n

gn〈εn〉 =∑

n

gn〈η〉~ωn =∑

n

gn~ωn

exp (β~ωn) − 1, (10.9)

onde gn e a multiplicidade relativa aos valores de n. Assim como no gas

ideal, valores macroscopicos de L levam a valores consecutivos de frequencia

extremamente proximos, permitindo que aproximemos a soma em (10.9) por

uma integral. A multiplidade pode ser calculada pelo metodo de construcao

da casca de raio n e espessura dn, como feito na Aula 8. Temos

gn → 2 ×1

84πn2dn . (10.10)

O fator 2 leva em conta as duas polarizacoes e o 1/8 considera apenas os

valores positivos de nx, ny e nz. Fazendo a aproximacao para o contınuo, e

definindo a variavel adimensional q ≡ β~nπ/L, podemos escrever a energia

como

E =L3

π2(~c)3(κT )4

∫∞

0

dqq3

eq − 1. (10.11)

A definicao da variavel q fez com que a integral se tornasse adimensional, uma

constante multiplicativa finita. O valor dessa integral pode ser encontrado

em qualquer tabela, ele e π4/15. Finalmente, escrevemos

E

V=

κ4π2

15~3c3T 4 (10.12)

Agora a expressao para e(ω) pode ser facilmente obtida, basta que a

integral em (10.11) seja escrita em termos das frequencias, ou seja

E

V=

dω e(ω) =~

π2c3

dωω3

exp(β~ω)− 1, (10.13)

CEDERJ 128

Page 123: Física Estatística

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10

permitindo identificar

e(ω) =~

π2c3ω3

exp(β~ω)− 1. (10.14)

Densidade de fluxo de radiacao: Lei de Stefan-Boltzmann

Observa-se experimentalmente que a energia total irradiada por um

corpo negro aumenta nao linearmente com a temperatura. Vamos usar o

modelo de Planck para calcular a quantidade: energia por unidade de tempo,

por unidade de area, que emitida pela superfıcie do corpo negro.

Para esse calculo, usamos a ideia da cavidade. Vamos considerar en-

ergia da radiacao que sai do orifıcio da cavidade, na direcao definida pelos

angulos θ e φ, durante o intervalo de tempo dt, cruzando a area dA (veja a

figura 10.3). Essa quantidade corresponde a energia dos fotons propagando-

se na direcao (θ, φ), dentro do cilindro inclinado, com base de area dA e

comprimento cdt. A radiacao na cavidade e isotropica. Isso significa que

as direcoes de propagacao sao uniformemente distribuıdas. Qualquer volume

dentro da cavidade tera uma fracao dΩ/4π de fotons propagando com direcao

dentro do angulo solido dΩ = dφ sen θdθ. O fotons que chegarao a area dA

durante o intervalo dt sao aqueles que estao no cilindro. A energia deles pode

ser encontrada multiplicando-se a densidade de energia pelo volume do cilin-

dro. Finalmente, somamos sobre todas as direcoes, lembrando que queremos

apenas valores de θ definindo radiacao que sai da cavidade. Assim, temos

JE =1

dAdt

∫2π

0

∫ π/2

0

(dAcdt cos θ )

(E

V

)

sen θdθ =cE

4V= σBT

4 ,

(10.15)

sendo σB a constante de Stefan-Boltzmann definida como

σB =π2κ4

60~3c2= 5, 670 × 10−8 . (10.16)

A expressao (10.15) e denominada lei de Stefan-Boltzmann.

Emissao e absorcao: Lei de Kirchhoff

A capacidade de uma superfıcie emitir radiacao e proporcional a ca-

pacidade dela absorver radiacao. Este e o enunciado da lei de Kirchhoff

(1959). Definindo como a a absorvancia, ou fluxo de radiacao absorvida, e e

a emitancia, ou fluxo de radiacao emitida, observamos que

129CEDERJ

Page 124: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica

q

fx

y

z

c dt

c dt cos q

dA

Figura 10.3: Radiacao que deixa a cavidade na direcao (θ, φ) cruzando a area

dA, num intervalo de tempo dt.

• Um corpo negro tem, por definicao, a = e.

• Uma superfıcie perfeitamente refletora tem a = 0, logo tambem tem

e = 0.

• De uma forma geral e = αa, 0 ≤ α ≤ 1, e espera-se que α, a e e

dependam da frequencia.

Estimativa da temperatura da superfıcie de um corpo

Podemos aproximar a maioria dos corpos nao refletores, em equilıbrio

termico, por um corpo negro. Isso significa admitir que o espectro de emissao

de radiacao tera aproximadamente a forma (10.14). Assim, uma forma de

estimar a temperatura de uma superfıcie emissora de radiacao termica, e

medir a frequencia para a qual ocorre a maxima emissao. Se calculamos o

maximo de e(ω) a partir da expressao (10.14), obtemos que este deve ocorrer

para

ωmax ≈2, 82κT

~(10.17)

Atividade 1

(Objetivos )

Corpos a temperatura ambiente emitem preferencialmente radiacao de que

tipo?

Resposta comentada

CEDERJ 130

Page 125: Física Estatística

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10

Podemos usar diretamente a equacao (10.17), com o valor T = 300 K. Temos:

ωmax = 2, 82(1, 38 × 10−23 J/K)(300 K)

1, 05 × 10−34 Js= 1, 11 × 1014 rad/s

Dividindo por 2π temos uma frequencia ≈ 2× 1013 Hz. Observando a figura

2.1 da Aula 2 de Fısica 4A, identificamos essa radiacao como infra-vermelho.

Conclusao: a luz visıvel proveniente de corpos a temperatura ambiente e

essencialmente luz refletida, por isso nao os podemos ver no escuro. Para tal

sao necessarios detetores de infra-vermelho.

Fim da Atividade

E importante lembrar que alem da radiacao com a frequencia ωmax, um corpo

negro emite radiacao em muitas outras frequencias. Por exemplo, um pedaco

de madeira incandescente numa fogueira tem uma temperatura tipicamente

de 1500 K, o que corresponde a uma frequencia de ≈ 1014 Hz, ainda no infra-

vermelho, mas sendo um valor bem proximo da regiao da luz visıvel, ha uma

consideravel emissao nessa regiao, por isso o vemos em tons avermelhados.

A correta medicao de temperatura de um corpo negro deve levar em conta

a potencia irradiada em todas as frequencias, e descontar qualquer fluxo de

energia incidente.

Atividade 2

(Objetivos )

O fluxo de energia radiante vinda do Sol, na superfıcie da Terra, medida

numa superfıcie normal a direcao de incidencia dos raios solares e JT =

0, 136 W/cm2. Estime a temperatura da superfıcie do Sol. Considere que

a distancia entre a Terra e o Sol seja d = 1, 5 × 1011 m, e o raio do Sol

RS = 7 × 108 m.

Resposta comentada

Primeiro calculamos a potencia de irradiacao do Sol, na orbita da Terra,

multiplicando JT pela area da esfera de raio d.

131CEDERJ

Page 126: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao Termica

dRS

Temos P = 4πd2JT . Assim, na superfıcie do Sol,

JS =P

4πR2S

= JT

(d

RS

)2

.

Agora usamos a a lei de Stefan-Bolztmann para obter a temperatura:

JS = σBT4 → T =

[

JT

σB

(d

Rs

)2]4

= 5761 K

fim da atividade

Radiacao de fundo do universo

Em 1965 foi observado que o universo era repleto de radiacao eltro-

magnetica com espectro na forma (10.14). O ajuste dessa expressao aos

dados experimentais revelou um espectro na regiao de micro-ondas, consi-

tente com uma temperatura de 2,8 K. A existencia dessa radiacao e uma das

principais evidencias que fundamenta a teoria do Big-Bang. Nessa teoria,

o universo inicial era feito de fotons, eletrons e protons, numa temperatura

de cerca de 4000 K. Os fotons constantemente interagiam com eletrons e

protons, atraves de diversos mecanismos. A medida que o universo se ex-

pandiu adiabaticamente, sua temperatura caiu e a combinacao de eletrons e

protons na forma de atomso de hidrogenio tornou-se favoravel por volta dos

3000 K. Nesse ponto a radiacao eletromagnetica se desacoplou da materia,

e os fotons passaram a viajar livremente pelo universo, formando a radiacao

termica de fundo. O universo continuou sua expansao, o que provocou o

resfriamento da radiacao de fundo ate o valor atual, de 2,8 K, e esse processo

de resfriamento continua.

Resumo

Nesta aula aprendemos como calcular a funcao de particao de osciladores

quanticos em equilıbrio termico. Aplicamos esse resultado a radiacao eletro-

magnetica de uma cavidade em equilıbrio termico, calculando o espectro de

CEDERJ 132

Page 127: Física Estatística

Aula 10 - Aplicacao: Radiacao TermicaMODULO 1 - AULA 10

emissao de radiacao. Observamos que a forma do espectro depende forte-

mente da temperatura, sendo pos ıvel calcular a temperatura de um objeto

radiante pelo registro do comprimento de onda do pico de emissao de ra-

diacao.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula usaremos o resultado geral dos sistema de osciladores

para explicar o comportamento do calor especıfico de solidos.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, secao 10.2.

133CEDERJ

Page 128: Física Estatística

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de

solidos

Meta

Estudar as propriedades termodinamicas de sistemas formados por os-

ciladores quanticos.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. entender a aproximacao harmonica para o movimento de atomos num

solido;

2. calcular o calor especıfico de solidos pelos modelos de Einstein e Debye;

3. obter o resultado classico para o calor especıfico de solidos como um

limite de alta temperatura dos modelos de Einstein e Debye.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce esteja familiarizado com os conceitos de os-

ciladores acoplados e modos normais, vistos na Aula 4 de Mecanica.

Introducao

A interacao entre atomos num solido se da atraves de um potencial

como o mostrado na figura 11.1(a). Nesse grafico ρ e uma variavel adimen-

sional proporcional a distancia entre dois atomos. A funcao u(ρ) e repulsiva

para valores pequenos de ρ (regiao u > 0), e atrativa para valores inter-

mediarios, indo a zero quando os atomos estao infinitamente separados. Na

segunda parte desta disciplina voce vera mais sobre este tipo de interacao, o

importante agora e que u(ρ) tem um mınimo.

A forma assimetrica dessa interacao torna difıcil o tratamento analıtico

do problema, por isso muitas vezes procura-se aproximar u(ρ) por uma

parabola, na regiao proxima ao mınimo. Nesta aproximacao podemos usar

o hamiltoniano do oscilador harmonico para descrever o sistema, caindo no

mesmo caso da Aula 10. Usaremos esse modelo para descrever a interacao

135CEDERJ

Page 129: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidos

entre atomos numa rede cristalina. Primeiro vamos considerar que os os-

ciladores sao independentes, no modelo de Einstein, depois consideraremos

que sao acoplados, no modelo de Debye.

Atividade 1

(Objetivo 1)

O potencial de Lennard-Jones e muito usado para descrever a interacao entre

atomos neutros. Sua forma e

U(r) = 4ε

[

r

)12

−(σ

r

)6]

, (11.1)

sendo ε e σ parametros ajustaveis que caracterizam um material especıfico.

Definindo as variaveis adimensionais ρ ≡ r/σ e u ≡ U/4ε, ele pode ser

reescrito como

u =

(

1

ρ12−

1

ρ6

)

. (11.2)

Exatamente esta funcao foi usada na figura 11.1. Encontre a aproximacao

harmonica para este potencial.

Resposta comentada

A aproximacao harmonica consiste em expandir o potencial ate o termo

quadratico, em torno do ponto de mınimo. Se (ρ0, u0) sao as coordenadas do

mınimo, temos

u(ρ) ≈ u0 + (ρ − ρ0)du

ρ0

+1

2(ρ − ρ0)

2d2u

dρ2

ρ0

Para o potencial em questao, temos que u0 = −0, 25 e ρ0 = 21/6 ≈ 1, 12. O

termo linear por definicao e nulo, logo ficamos com

u(ρ) ≈ −0, 25 + 7, 15(ρ − 1, 12)2 .

Esta curva esta mostrada na figura 11.1(b).

Fim da Atividade

Modelo de Einstein

Se usamos a aproximacao harmonica num sistema de osciladores classicos

desacoplados, teremos que a energia de cada oscilador e

Eint =1

2mv2 +

1

2kr2 , (11.3)

onde m e v sao a massa e a velocidade de cada oscilador, respectivamente, r

o afastamento com relacao ao ponto de equilıbrio e k, a constante elastica,

CEDERJ 136

Page 130: Física Estatística

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11

Figura 11.1: Esta figura mostra a curva para o potencial de Lennard-Jones

na forma adimensional dada pela equacao (11.2, em funcao da distancia entre

partıculas. Em (b) aparece tambem a curva para a aproximacao harmonica.

dada pela concavidade do potencial, calculada no ponto de mınimo. Aqui

estamos supondo um sistema isotropico, ou seja, com a mesma constante

elastica em todas as direcoes.

Num sistema tridimensional, o princıpio da equiparticao levaria a uma

energia interna

Eint = N

(

3 ×1

2κT + 3 ×

1

2κT

)

= 3NκT . (11.4)

O calor especıfico desse solido classico e

cV =1

N

∂Eint

∂T= 3κ . (11.5)

Em geral o calor especıfico molar e mais utilizado no contexto ter-

modinamico. Se Nm e o numero de moles, temos que Nκ = NmR. Assim, o

calor especıfico molar de um solido, de acordo com o princıpio da equiparticao

e

cV = 3R ≈ 24, 9 J/mol ·K. (11.6)

O resultado (11.6) leva o nome de lei de Dulong-Petit, e tem uma serie de

problemas. A concordancia com resultados experimentais para temperaturas

elevadas (da temperatura ambiente para cima) e razoavel para a maioria dos

materiais, mas falha para alguns como o carbono. De uma forma geral, o

calor especıfico dos solidos diminui com a temperatura (veja a figura 11.2 )

137CEDERJ

Page 131: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidos

Figura 11.2: Esta figura mostra o resultado experimental do calor especıfico

molar para tres materiais, chumbo, alumınio e carbono, assim como o re-

sultado previsto pelo princıpio da equiparticao, em funcao da temperatura.

Para a temperatura ambiente, o valor medido para o chumbo e bem proximo

do valor classico. Para o alumınio ja vemos uma discrepancia maior, e o valor

medido para o carbono difere muito do previsto classicamente. A medida que

consideramos temperaturas mais baixas, a discrepancia aumenta.(Figura ex-

traıda da Aula 9 de Fısica 2A)

e, quando T → 0, devemos ter c → 0 tambem, pela Terceira Lei da Ter-

modinamica.

Einstein foi o primeiro a propor uma solucao para essas questoes, ao

aplicar o conceito de quantizacao da energia a teoria dos solidos e mostrar

que assim seria possıvel explicar porque o calor especıfico molar de um solido

depende da temperatura, no trabalho “Teoria de Planck da radiacao e a

teoria do calor especıfico”, publicado em 1907.

No modelo de Einstein temos N osciladores de frequencia ω, com en-

ergias dadas pela forma quantizada, equacao (10.1). Neste caso, a funcao de

particao de cada oscilador e a propria Z1 (equacao (10.2)). A energia media

por oscilador, ou energia interna por oscilador pode ser calculada usando a

expressao (6.15). Obtemos

〈ε〉 =1

NEint =

3~ω

2+

3~ω

exp (β~ω) − 1. (11.7)

O calor especıfico por partıcula pode ser calculado pela derivada da energia

media com relacao a temperatura. Obtemos

c = 3κ

(

θE

T

)2 exp(

θE

T

)

[

exp(

θE

T

)

− 1]2

, (11.8)

CEDERJ 138

Page 132: Física Estatística

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11

onde θE ≡ ~ω/κ e uma grandeza com dimensao de temperatura, que car-

acteriza o solido atraves do valor de ω (nao e a temperatura do solido),

denominada temperatura de Einstein. Os regimes de temperatura alta e

baixa sao definidos com relacao a θE .

Em princıpio deveria ser possıvel ajustar a expressao (11.8) a dados

experimentais com a escolha de um valor conveniente para θE . Na pratica

verifica-se que o ajuste nao e possıvel com um unico valor de θE . Numa

tentativa de melhorar o modelo de Einstein outros foram propostos, com

mais de um valor de frequencia, ate que surge o modelo de Debye, que leva

em conta todas as frequencias dos modos normais.

Modelo de Debye

A grande diferenca entre os modelos de Debye e Einstein e que o

primeiro considera que os osciladores estao acoplados, o movimento de um

afetando o dos outros. Como voce viu na Aula 4 de Mecanica, as equacoes

de movimento de N osciladores identicos acoplados podem ser escritas como

N equacoes independentes, para osciladores com determinadas frequencias,

as frequencias dos modos normais. Isso significa que o movimento coletivo

de um conjunto de N osiciladores acoplados pode ser escrito como uma com-

binacao linear desses modos. Essa e a ideia deste modelo: quando T > 0

os atomos da rede cristalina tem um movimento complicado de oscilacao em

torno das suas posicoes de equilıbrio, que pode ser escrito como a super-

posicao de movimentos mais simples, os modos normais. Assim, abstraımos

dos atomos e passamos a pensar apenas na superposicao de modos, queremos

saber qual a quantidade media de cada modo na vibracao coletiva da rede,

observada para um dado valor de temperatura. Neste contexto os modos

normais sao tratados como partıculas, e ganham o nome de f onons.

Ficamos com uma situacao muito parecida com a da cavidade cheia de

radiacao termica vista na Aula 10, so que agora temos um volume V (o vol-

ume do solido) preenchido por um gas de fonons, que sao quanta de oscilacoes

elasticas, e nao eletromagneticas, sendo o numero total de deles independente

da temperatura, ao contrario do caso dos fotons. Outra diferenca e o numero

de polarizacoes. Aqui temos oscilacoes elasticas, por isso 3 polarizacoes sao

possıveis: duas longitudinais e uma transversal. Por simplicidade consid-

eramos volume cubico, V = L3, e supomos que a velocidade de propagacao

para qualquer polarizacao e a mesma. Assim, as frequencias continuam sendo

dadas pela expressao (10.8), ωn = nπcL

, com c sendo a velocidade do som.

139CEDERJ

Page 133: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidos

Com essas observacoes, e ja supondo um valor de L macroscopico, podemos

escrever a soma sobre os modos de qualquer quantidade como

n

f(n) = 3 ×

f(n)D(n)dn =3

8

f(n)4πn2dn . (11.9)

Num solido tridimensional com N atomos ha 3N modos normais (sao 3N

equacoes de movimento). Isso define o maior valor de frequencia, ou maior

valor de n, que chamaremos de nD:

3

8

∫ nD

0

4πn2dn = 3N ⇒ nD =

(

6N

π

)1/3

(11.10)

A energia total dos fonons pode ser calculada exatamente como foi feito

com os fotons, apenas limitando a integral no valor nD. Temos

Eint =3π

2

∫ nD

0

dn n2~ωn

exp(β~ωn) − 1. (11.11)

Novamente definimos a variavel adimensional q ≡ β~nπ/L, qD ≡ β~nDπ/L,

e escrevemos a energia como

Eint =3L3

2π2(~c)3(κT )4

∫ qD

0

dqq3

eq − 1. (11.12)

Os regimes de temperatura alta e baixa agora sao relativos a temperatura

de Debye definida como

θD =~nDπ

κL⇒ θD =

(

~c

κ

) (

6π2N

V

)1/3

(11.13)

Por causa do limite superior, a integral em (11.12) nao pode ser calcu-

lada exatamente, mas podemos verificar seu comportamento para temperat-

uras altas e baixas. Antes de seguir com essas aproximacoes, vamos ver quais

sao os valores de θD para alguns materiais. A tabela 11.7 mostra diversos

valores de θD obtidos por ajuste da expressao dada pelo modelo de Debye a

dados experimentais, a temperatura ambiente. Para que um material tenha

um calor especıfico proximo ao previsto pela Lei de Dulong-Petit a temper-

atura ambiente, ele deve ter uma temperatura de Debye menor que 300 K, e

quanto menor for esse valor, melhor sera a previsao do modelo classico. As-

sim, claramente o modelo classico se aplica perfeitamente ao potassio, mas

nao ao carbono, nessa temperatura. A figura 11.3 mostra medidas experi-

mentais para o claor especıfico de alguns materiais, em funcao de T/θD. Os

valores de θD sao obtidos previamente pelo ajuste da curva prevista pelo

modelo de Debye. Com a temperatura escrita nessa escala, as curvas apra

todos os solidos colapsam numa unica curva universal.

CEDERJ 140

Page 134: Física Estatística

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11

material θD(K)

potassio 91

chumbo 105

sodio 158

calcio 230

zinco 327

alumınio 428

ferro 470

silıcio 645

carbono 2230

Tabela 11.7: Valores da temperatura de Debye para diversos materiais.

Figura 11.3: Valores experimentais do calor especıfico de diversos materiais,

e o calculado pelo modelo de Debye, em funcao de T/θD. (Figura extraıda

da Aula 9 de Fısica 2A)

Temperaturas baixas: T θD, ou qD 1

A figura 11.4 mostra o comportamento do integrando em (11.12). Note

que quando q > 10 o valor do integrando e muito pequeno, assim, podemos

considerar qD → ∞ sem correr o risco de estar aumentando muito o valor da

integral. Neste limite, o valor da integral e π4/15, como no caso da radiacao

termica. Nesta aproximacao,

E =3

5NκTπ4

(

T

θD

)3

. (11.14)

141CEDERJ

Page 135: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidos

Figura 11.4: Comportamento do integrando f(q) = q3/(eq − 1).

e

CV =12π4N

15

(

T

θD

)3

(11.15)

O resultado (11.15) recebe o nome de Lei T 3 de Debye.

Temperaturas altas: T θD, ou qD 1

Neste caso, para todo q ≤ qD, eq − 1 ≈ q + q2/2+ q3/6+ . . . = q(1+ r),

onde definimos r ≡ q/2 + q2/6 + . . ., portanto r 1. Com isso

q3

eq − 1=

q3

q(1 + r)=

q2

1 + r≈ q2(1 − r + r2 − r3 + . . .)

Vamos manter termos ate q2. Nesta aproximacao temos:

r = q/2 + q2/6 r2 = q2/4 r3 = 0. (11.16)

Finalmente,

q3

eq − 1= q2

(

1 −q

2−

q2

6+

q2

4

)

= q2

(

1 −q

2+

q2

12

)

Usando este resultado na expressao (11.12) temos

E = 3Nκ

(

T −3

8θD+

θ2D

20T

)

. (11.17)

O calor especıfico fica entao

cV = 3κ

(

1 −θ2

D

20T 2

)

. (11.18)

Podemos ver imediatamente que o resultado classico pode ser obtido fazendo-

se T → ∞.

CEDERJ 142

Page 136: Física Estatística

Aula 11 - Aplicacao: Calor especıfico de solidosMODULO 1 - AULA 11

Resumo

Nesta aula aprendemos a calcular o calor especıfico de solidos pelos

modelos classico, de Einstein e de Debye. Verificamos que o limite T → ∞

dos modelos quanticos corresponde a previsao do modelo classico. Apren-

demos tambem que a a temperatura de Debye define o padrao de referencia

para o comportamento termico de um solido.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula aprenderemos o conceito potencial quımico, essencial

para estudarmos os gases quanticos nas aulas finais.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, capıtulos 4, 5 e 11.

143CEDERJ

Page 137: Física Estatística

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio

difusivo

Meta

Entender o equilıbrio termico e difusivo.

Objetivos

No final desta aula, voce deve ser capaz de

1. Estabelecer a condicao de equilıbrio difusivo em termos do potencial

quımico.

2. Calcular a soma de Gibbs para sistemas com ocupacao variavel.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce tenha familiaridade com varios conceitos de

Termodinamica expostos em Fısica 2A, especialmente: equilıbrio termico e

troca de calor (Aula 5) e entropia (Aula 12). Alem disso, reveja a secao sobre

energia livre de Helmholtz na Aula 8 desta disciplina.

Introducao

Ate agora consideramos sistemas em que o numero total de partıculas

era mantido constante, com isso, as contribuicoes para variacao de energia

interna incluiam troca de calor e variacao de volume, ou da variavel ex-

tensiva pertinente ao problema. Vamos agora adicionar a possibilidade de

variar a energia interna pela variacao de N . Nossa abordagem sera atraves

Termodinamica, ou seja, descrevendo um sistema diretamente do ponto de

vista macroscopico.

Ate agora usamos os seguintes pares de variaveis termodinamicas: tem-

peratura (intensiva) - entropia (extensiva), pressao (intensiva) - volume (ex-

tensiva) e momento magnetico total (extensiva) - campo magnetico (inten-

siva). Se observamos esses pares vemos que diversas formas de equilıbrio

sao obtidas com o fluxo de variavel extensiva, provocado por variacoes da

145CEDERJ

Page 138: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivo

variavel extensiva. Vejamos um exemplo bem comum: dois sistemas a tem-

peraturas diferentes trocam entropia (afinal dS = d′Q/T ) ate que as temper-

aturas se igualem. Outro exemplo bem corriqueiro: dois sistemas a pressoes

diferentes separados por uma parede movel variam seus volumes ate que as

pressoes se igualem. Aqui vamos ver o par potencial quımico (intensiva) -

numero de partıculas (extensiva). Seguindo a mesma ideia dos pares TS

e pV , dois sistemas com potenciais quımicos diferentes, separados por uma

parede que permita apenas a passagem de partıculas (parede rıgida, fixa e

isolante termica) trocam partıculas ate que os potenciais quımicos se igualem.

Usaremos a letra µ para designar o potencial quımico. Com isso, a primeira

lei da Termodinamica fica escrita como

dEint = TdS − pdV + µdN . (12.1)

Veremos na proximas aulas que considerar a possibilidade de variar N

tornara possıvel o estudo do gas ideal no regime quantico, por agora vamos

simplesmente entender sua associacao com a troca de partıculas.

Sistemas em equilıbrio termico e difusivo

Considere que dois sistemas que estao em contato com um reservatorio

termico sao interligados de forma a poderem trocar partıculas, como es-

quematizado na figura 12.1. Suponha que os potenciais quımicos das duas

partes sejam inicialmente diferentes, por exemplo suponha que µ2 > µ1.

Havera troca de partıculas entre os sistemas, na forma de uma corrente de

partıculas pelo tubo que liga os dois sistemas, ate que o equilıbrio difusivo

seja estabelecido. A condicao que define o equilıbrio difusivo e µ1 = µ2. A

troca de partıculas entre os sistemas e daquele com o maior valor de µ para

o que tem o menor valor de µ.

Seguindo um procedimento analogo ao da Aula 8, especficamente equacao

(8.34), escrevemos a energia livre de Helmoltz em funcao de V , T e N , temos

dF =

(

∂F

∂V

)

T,N

dV +

(

∂F

∂T

)

V,N

+

(

∂F

∂N

)

V,T

dN . (12.2)

Mas F = Eint − TS, e

dF = dEint − d(TS)

= TdS − pdV + µdN − SdT − TdS

= −pdV − SdT + µdN , (12.3)

CEDERJ 146

Page 139: Física Estatística

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12

s1s2

m1 m2

T

T

T

Figura 12.1: Os sistemas S1 e S2 estao em contato termico com um reser-

vatorio a temperatura T , e podem trocar partıculas entre si atraves de uma

passagem entre os dois. Na figura supomos que µ2 > µ1, por isso indicamos

uma passagem de partıculas de S2 para S1, ate que o equilıbrio se estabeleca

com µ1 = µ2.

Comparando as expressoes (12.3) e (12.2) podemos imediatamente identificar

µ =

(

∂F

∂N

)

T,V

, (12.4)

Se varias especies quımicas estao presentes, a cada uma e associado um

potencial quımico. A condicao de equilıbrio difusivo nesse caso e estabelecida

para cada especie.

Atividade 1

Calcule o potencial quımico do gas ideal classico.

Resposta comentada

Com a relacao (12.4) podemos calcular o potencial quımico do gas ideal

classico a partir da expressao ja encontrada para F , equacao (8.33), lem-

brando que φ = N/V . Temos

F (T, V, N) = NκT

[

ln

(

N

V φq

)

− 1

]

,

logo

µ(T, V, N) = κT ln

(

φ

φq

)

. (12.5)

Como ja se podia esperar, quanto maior a concentracao, maior o valor de µ.

Se interligamos dois recipientes com um determinado gas a temperatura T , o

147CEDERJ

Page 140: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivo

que tiver maior concentracao ira ceder partıculas para o menos concentrado.

Fim da atividade

Podemos tambem escrever o potencial quımico a partir da entropia. Para

isso, reescrevemos a equacao (12.1) como

dS =1

TdEint +

p

TdV −

µ

TdN . (12.6)

Supondo que S seja funcao de E, V e N , temos

dS =

(

∂S

∂E

)

N,V

dE +

(

∂S

∂V

)

N,E

dV +

(

∂S

∂N

)

E,V

dN (12.7)

Comparando as expressoes (12.6) e (12.7) vemos que

µ

T= −

(

∂S

∂N

)

E,V

. (12.8)

Potencial quımico interno e total

A passagem de partıculas entre dois sistemas com diferentes valores

de potencial quımico pode ser afetada por diferencas de energia potencial

externas. Por isso e conveniente definir um potencial quımico interno e um

externo, ou seja

µt = µint + µext .

fazendo com que a condicao de equilıbrio seja generalizada como µ1t = µ2t.

Atividade 2

Um modelo muito simplificado para a conducao de seiva das raızes as folhas

de uma arvore, considera que as raızes estao em contato com ar saturado de

vapor de agua a concentracao φ0, e as folhas em contato com ar saturado a

uma concentracao αφ0, onde α < 1. Considere que o vapor possa ser descrito

pela expressao (12.5), e que a temperatura seja uniforme e igual a T . Calcule

a altura h da arvore, em funcao de α e T .

Resposta comentada

O potencial quımico do vapor de agua em contato com as folhas e menor,

ja que aparece em menor concentracao, assim a tendencia da agua e subir

das raızes ate as folhas. O campo gravitacional atual no sentido contrario,

fazendo com que a agua prefira descer. Devemos levar em conta a energia

potencial gravitacional no problema, je que sua existencia afeta a passagem

de partıculas. Assim, numa dada altura z,

µt(z) = κT ln

(

φ

φq

)

︸ ︷︷ ︸

µint

+mgz︸︷︷︸

µext

.

CEDERJ 148

Page 141: Física Estatística

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12

No equilıbrio temos µt(h) = µt(0), essa condicao so pode ser satisfeita se

considerarmos que a concentracao varia com z. Temos que φ(h) = αφ0 e

φ(0) = φ0 logo a condicao de equilıbrio fica

κT ln

(

αφ0

φq

)

+ mgh = κT ln

(

φ0

φq

)

+ mg0 .

Resolvendo para h temos

h = −κT

mglnα .

Fim da Atividade

Estatıstica de sistemas em equilıbrio difusivo

Vamos voltar para a descricao microscopica estendendo a discussao feita

na Aula 6, agora para um sistema com T e µ determinados por acoplamento

termico e difusivo com um reservatorio. Agora queremos calcular proba-

s

R

N -N0 N

T

T

m

mE0-e

e

Figura 12.2: Um sistema S em contato com um reservatorio R. A fronteira

de S permite que haja troca de energia e de partıculas com o reservatorio,

e o sistema combinado S + R esta isolado do meio externo, sendo a energia

total, E0, e o numero total de partıculas, N0, constantes.

bilidade Pj de que o sistema esteja num determinado microestado dentro de

todos os possıveis, considerando todos os macroestados, com todos os valores

de N pertinentes ao sistema. Essa probabilidade sera proporcional a multi-

plicidade do reservatorio no macroestado compatıvel com o microestado j.

Se j e um microestado do macroestado de energia ε, com N partıculas, temos

entao

Pj(ε) = c gR(E0 − ε, N0 − N) , (12.9)

onde c e uma constante e gR e a multiplicidade do macroestado de energia

E0 − ε, com N0 − N partıculas, do reservatorio. Seguimos o mesmo pro-

cedimento da Aula 5, considerando que o reservatorio e muito maior que o

149CEDERJ

Page 142: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivo

sistema, o que significa que E0 ε e N0 N , e que podemos expandir lnPj

em serie, na forma

lnPj(ε) = ln c + ln gR(E0) − ε∂ln gR∂E

E0, N0

− N∂lngR∂N

E0, N0

+ O(ε2, N2) .

(12.10)

Fazendo a identificacao SR = κ ln gR, usando as definicoes (4.6) para a tem-

peratura, e (12.8) para µ/T , temos

lnPj(ε) = lnC −ε

κTR

+NµR

κTR

ou

Pj(ε) = C exp

(

−ε

κTR

)

exp

(

NµR

κTR

)

,

sendo TR e µR a temperatura e o potencial quımico do reservatorio, re-

spectivamente, e C uma constante. Como no equilıbrio as temperaturas do

sistema e do reservatorio serao iguais, o mesmo ocorrendo com os potenciais

quımicos, podemos abolir o ındice R. A constante de proporcionalidade deve

ser determinada por normalizacao, somando-se as probabilidades referentes

a todos os microestados possıveis para S, o que inclui agora uma soma todos

os possıveis valores de N . Temos

j

Pj(εj, Nj) = C∑

j

exp(

−εj

κT

)

exp

(

Njµ

κT

)

= 1 . (12.11)

Logo,

C =1

j exp(

− εκT

)

exp(

Njµ

κT

) . (12.12)

Definimos entao

Z ≡∑

j

exp(

−εj

κT

)

exp

(

Njµ

κT

)

(12.13)

o que leva a definicao de probabilidade para um dado microestado como

Pj(εj, Nj) ≡exp

(

−εj

κT

)

exp(

Njµ

κT

)

Z. (12.14)

A funcao Z e chamada f uncao de granparticao ou soma de Gibbs.

Uma notacao util e definir a atividade λ ≡ exp(

Njµ

κT

)

. Com essa

definicao a soma de Gibbs fica

Z ≡∑

j

λNj exp(

−εj

κT

)

(12.15)

CEDERJ 150

Page 143: Física Estatística

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12

Aplicacao: Isotermas de Langmuir

Uma das aplicacoes tradicionais deste tipo de estatıstica e o estudo da

adsorcao. Uma forma de estudar esse fenomeno e considerar um lıquido ou

um solido em contato com um gas a pressao p, e temperatura T . Uma parte

das moleculas do gas penetra no lıquido e e capturada por de algumas suas

moleculas. No caso do solido, a superfıcie dele pode capturar moleculas do

gas. No equilıbrio, para dados valores de p e T temos uma certa fracao f das

moleculas do lıquido, ou da superfıcie do solido, ligadas a moleculas do gas.

Dizemos que essas moleculas do gas foram adsorvidas. A curva f(p), para

uma dada temperatura e chamada isoterma de Langmuir.

Um processo muito estudado nesse contexto e a adsorcao de oxigenio

pelo sangue, feito por uma parte inorganica do grupo heme. Este grupo con-

siste de um atomo de ferro ligado a quatro atomos de nitrogenio, e esses por

sua vez ligados a um anel organico (figura 12.3(a)). Essa estrutura em fomra

de cupula aparece em algumas proteınas e funciona como uma armadilha

para oxigenio. Um exemplo e a mioglobina, proteına responsavel pela cor

vermelha da carne crua tem um grupo heme.

Esse Fe central pode estar ligado ou nao a uma molecula O2. Se

tomamos uma quantidade macroscopica de mioglobina, uma certa fracao

f de moleculas estara como grupo heme ocupado por O2, sendo o valor de f

dependente da temperatura e da pressao de O2. Nosso referencial de energia

N

N

C C

C

Fe

N

N

C C

C

Fe

O2

(a) (b)

Figura 12.3: (a) Parte da molecula de mioglobina, mostrando o grupo heme

em forma de cupula. (b) Aqui o grupo heme esta indicado em vermelho.

Quando desocupado ele se apresenta mais fechado, a adorcao do oxigenio

tem o efeito de abrir o grupo heme.

151CEDERJ

Page 144: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivo

sera o seguinte:

ε : MbO2 → grupo heme ocupado com um O2 → N = 1, E = ε

0 : O2+Mb em repouso → grupo heme desocupado → N = 0, E = 0

Calculamos Z a partir de (12.15):

Z = λ0e0 + λ1eβε = 1 + λeβε

Nosso sistema consiste de grupos heme oxigenados, em equilıbrio com

outros nao oxigenados, em contato com um reservatorio de moleculas de

oxigenio livres, tudo a temperatura T . A condicao de equilıbrio para O2

livre no lıquido e o ligado ao grupo heme e

µ(O2) = µ(MbO2) ou λ(O2) = λ(MbO2) (12.16)

De acordo com (12.14) A fracao de grupos heme oxigenados corresponde a

f =λeβε

Z=

λeβε

1 + λeβε

Vamos usar o modelo do gas ideal classico para descrever essas moleculas.

Usando a expressao (12.5) temos

µ = κT ln

(

φ

φq

)

⇒ λ =φ

φq

(12.17)

Podemos escrever f em termos da pressao de O2 usando que, para um

gas ideal, φ = p/κT . Obtemos

f =p

p0 + p, (12.18)

onde p0 ≡ φqκT expβε.

Atividade 3

Considere um sistema que pode estar desocupado com energia zero ou ocu-

pado por uma partıcula com energia zero ou energia ε. Calcule a ocupacao

e a energia medias na temperatura T .

Resposta comentada

Para organizar nossos calculos vamos montar uma tabela com os possıveis

microestados.

CEDERJ 152

Page 145: Física Estatística

Aula 12 - Potencial quımico e equilıbrio difusivoMODULO 1 - AULA 12

j Nj εj termo na soma de Gibbs

1 0 0 1

2 1 0 λ

3 1 ε λ exp(−βε)

Assim,

Z = 1 + λ + λ exp(−βε) .

A ocupacao media pode ser calculada como

〈N〉 =λ + λ exp(−βε)

Z

Para a energia media temos

〈E〉 =ελ exp(−βε)

Z

Fim da Atividade

Resumo

Nesta aula aprendemos o conceito de potencial quımico interno e total e

vimos como estebelecer o equilıbrio difusivo. Do ponto de vista da estatıstica

aprendemos sobre a soma de Gibbs, uma quantidade analoga a funcao de

particao, e leva em conta todos os possıveis valores de N para o sistema.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula vamos aplicar o que aprendemos agora para descrever

o gas ideal em qualquer regime, nao so o classico.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, secoes 3.2 e 7.2.

153CEDERJ

Page 146: Física Estatística

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico

Meta

Tratar a estatıstica do gas ideal sem restricoes para concentracao e

temperatura.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. Entender as diferencax entre fermions e bosons.

2. Calcular a soma de Gibbs e as ocupacoes medias para gases de fermions

e bosons.

3. Obter o gas ideal classico como o limite de alta temperatura dos gases

quanticos.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce revise a Aula 8 desta disciplina, e a Aula 19

de Introducao a Mecanica Quantica

Introducao

Na Aula 8 aprendemos a calcular a funcao de particao para o gas ideal

no regime classico, ou de baixa concentracao. Esse regime apareceu natural-

mente como um efeito da correcao de contagem, a divisao por N !, que levou

em conta a indistinguibilidade dos atomos. Sem essa aproximacao nao seria

possıvel calcular a funcao de particao, mas a sua introducao inviabiliza o es-

tudo dos gases em baixas temperaturas ou altas concetracoes, justo quando

efeitos quanticos sao relevantes e visıveis. Nesta aula usaremos os conceitos

de potencial quımico e soma de Gibbs para descrever a estıstica do gas ideal

em qualquer regime.

A soma de Gibbs para o gas ideal

As expressoes (12.13) e (12.15) mostram a soma de Gibbs sendo in-

dexada por um ındice corrido para os microestados, considerando todas as

155CEDERJ

Page 147: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico

possibilidades de energia e numero de partıculas. A menos que haja poucos

microestados, essa forma de calcular Z nao e muito pratica. Em vez disso

podemos organizar a soma em termos de dois ındices, um para os valores de

energia, outro para N , ou para as ocupacoes. Vamos ver como.

Variando E primeiro, depois N

Reescrevemos Z como

Z =∑

N

λN∑

E

g(E) exp[−βE(N)] =∑

N

λNZN (13.1)

O que fizemos foi primeiro considerar todas as possibilidades de energia para

um certo valor de N e depois levamos em conta todos os valores de N perti-

nentes. Neste caso e necessario que o calculo da funcao de particao para um

dado N seja possıvel.

Escrevendo a energia total em termos das ocupacoes

Aqui escrevemos a energia total como E =∑

j ηjεj, onde as ηj sao as

ocupacoes, ou seja, os ηj nos dizem quantas partıculas ha com energia εj .

Os valores de ηj sao variados de forma independente, sem qualquer vınculo.

Definindo N ≡∑j ηj, cada termo gerado pode ser classificado de acordo com

seu valor de N . Temos assim:

Z =∑

η1

η2

. . . λP

j ηj exp

(

−β∑

j

ηjεj

)

=∏

j

ηj

ληj exp (−βηjεj)

=∏

j

ηj

[λ exp (−βεj)]ηj

︸ ︷︷ ︸

Zj

(13.2)

Neste caso tomamos um orbital j, com energia εj e o consideramos ocupado

com ηj = 0, 1, 2 etc partıculas. E como se tivessemos varios sistemas,

cada um com um nıvel de energia εj. Cada sistema pode estar ocupado

com ηj partıculas, e energia ηjεj, ou desocupado com energia zero, de forma

independente.

No caso do gas ideal nosso problema e com o calculo de ZN , por isso

vamos preferir o segundo metodo. Nosso problema sera calcular

Zj =∑

ηj

[λ exp (−βεj)]ηj . (13.3)

CEDERJ 156

Page 148: Física Estatística

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13

Neste caso nos deparamos com uma nova questao: Quais sao os valores

de ηj possıveis? A resposta e: Depende do tipo de partıcula que estamos

considerando, ou seja, se sao bosons ou fermions.

Spin, bosons e fermions

Na Aula 19 de Introducao a Mecanica Quantica voce aprendeu que

o momento angular de uma partıcula e dado por L =√

`(` + 1~, sendo

` um numero que pode ser inteiro ou semi-inteiro. Para cada valor de `

existem (2` + 1) valores de projecao de momento angular, correspondendo

a m` = −`,−` + 1, . . . , ` − 1, `. A origem do momento angular pode ser

do movimento orbital ou do spin, sendo este uma propriedade intrınseca

a partıcula. Quando se trata de momento angular de spin normalmente

usamos as letra s e S no lugar de ` e L, respectivamente. Devido ao spin

toda partıcula tem momento magnetico proporcional a S, e por isso interage

com campos magneticos externos. Foi exatamente a deflexao de um feixe de

eletrons por um campo magnetico experimento de Stern-Gerlach, 1922) uma

das principais evidencias da existencia desse momento magnetico intrınseco.

Observa-se experimentalmente que as partıculas podem ser classificadas

de acordo com seu momento angular de spin como bosons, caso tenham spin

inteiro, ou fermions se o spin for semi-inteiro. Essa classificacao aplica-se

a partıculas compostas tambem. Sao fermions: eletrons (e), protons (p) e

neutrons (n)(s = 1/2), atomos de He3 (2p+1n+2e) e todos os atomos com

numero ımpar de constituintes. Alguns exemplos de bosons sao: fotons e

fonons (s = 1), atomos de He4 (2p+2n+2e) e atomos com numero par de

constituintes.

E uma lei da Natureza que a funcao de onda descrevendo um sistema

de partıculas identicas deve ser simetrica ou antissimetrica pela troca de

partıculas. A descoberta dessa lei em 1925 se deve a Pauli, e o levou a

estabelecer o Princıpio da Exclusao, formulado como:

• Sistemas constituıdos por partıculas identicas de spin semi-inteiro sao

descritos por funcoes de onda antissimetricas. Essas partıculas (fermions)

obedecem a estatıstica de Fermi-Dirac.

• Sistemas constituıdos por partıculas identicas de spin inteiro sao de-

scritos por funcoes de onda simetricas. Essas partıculas (bosons) obe-

decem a estatıstica de Bose-Einstein.

157CEDERJ

Page 149: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico

Vamos ver que implicacoes ela tem na estatıstica de partıculas identicas.

Suponha o caso de duas partıculas identicas e independentes, obedecendo ao

hamiltoniano

H = H1 + H2 onde Hi =p2

i

2m+ U(~ri) .

Seja ψni(~ri) uma auto-funcao de Hi, ou seja, Hiψni(~ri) = εniψni. Neste

caso n1 e n2 representam um conjunto de numeros quanticos definindo o

estado da partıcula, ou seja, se a partıcula 1 esta no estado n1, sua funcao

de onda e ψn1(~r1). O produto ψn1ψn2 tem auto-valor E = εn1 + εn2, como

pode ser visto abaixo:

(H1 + H2)ψn1ψn2 = H1ψn1ψn2 + ψn1H2ψn2

= εn1ψn1ψn2 + εn2ψn1ψn2

= (εn1 + εn2)ψn1ψn2

De acordo com a lei descoberta por Pauli a funcao de onda correta para o

sistema deve ter sua simetria definida. Neste caso a funcao de onda das duas

partıculas deve ser construıda a partir das combinacoes lineares simetrica e

antissimetrica, normalizada, como:

ΨS(~r1, ~r2) =1√2

[ψn1(~r1)ψn2(~r2) + ψn1(~r2)ψn2(~r1)]

e

ΨA(~r1, ~r2) =1√2

[ψn1(~r1)ψn2(~r2) − ψn1(~r2)ψn2(~r1)] ,

respectivamente. Note que se n1 = n2, ΨA = 0, ou seja, no caso antis-

simetrico nao podemos ter as duas partıculas no mesmo estado, ou seja, com

todos os numeros quanticos iguais Isso vai ser crucial para definir as regras

de ocupacao de sistemas formados por fermions identicos.

Suponha 3 orbitais, representados pelas letras A, B e C . Nas tabelas

abaixo, voce pode ver como esses orbitais podem ser ocupados por bosons ou

fermions. Os ındices numericos identificam as partıculas

Bosons:

CEDERJ 158

Page 150: Física Estatística

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13

A B C funcao de onda

1,2 - - ψA(~r1)ψA(~r2)

- 1,2 - ψB(~r1)ψB(~r2)

- - 1,2 ψC(~r1)ψC(~r2)

1 2 - 1√

2[ψA(~r1)ψB(~r2) + ψB(~r1)ψA(~r2)]

- 1 2 1√

2[ψB(~r1)ψC(~r2) + ψC(~r1)ψB(~r2)]

1 - 2 1√

2[ψA(~r1)ψC(~r2) + ψC(~r1)ψA(~r2)]

Fermions:

A B C funcao de onda

1 2 - 1√

2[ψA(~r1)ψB(~r2) − ψB(~r1)ψA(~r2)]

- 1 2 1√

2[ψB(~r1)ψC(~r2) − ψC(~r1)ψB(~r2)]

1 - 2 1√

2[ψA(~r1)ψC(~r2) − ψC(~r1)ψA(~r2)]

Calculo da soma de Gibbs e da ocupacao media para

bosons e fermions

O orbital a ser considerado no calculo de Zj corresponde a uma dada

escolha de nx, ny, nz para a funcao de onda da partıcula numa caixa, e uma

dada projecao de spin.

Bosons

Neste caso ηj pode assumir qualquer valor. Usamos o resultado (10.2)

para calcular Zj.

Zj =∞∑

ηj=0

[λ exp (−βεj)]ηj =

1

1 − λ exp (−βεj). (13.4)

A ocupacao media de um dado orbital e

〈ηj〉 =1

Z

∞∑

ηj=0

ηj [λ exp (−βεj)]ηj (13.5)

Definimos x ≡ λ exp (−βεj) para escrever 〈ηj〉 como

〈ηj〉 =1

Z

∞∑

ηj=0

ηjxηj = (1 − x)

∞∑

ηj=0

ηjxηj .

159CEDERJ

Page 151: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico

Note qued

dx

∞∑

ηj=0

xηj =

∞∑

ηj=0

ηjxηj−1 =

1

x

∞∑

ηj=0

ηjxηj .

Logo∞∑

ηj=0

ηjxηj = x

d

dx

(1

1 − x

)

=x

(1 − x)2.

Substuindo esse resultado na expressao para 〈ηj〉 temos:

fBE = 〈ηj〉 =1

λ−1 exp(βεj) − 1=

1

exp[β(εj − µ)] − 1. (13.6)

A expressao (13.6) recebe o nome de distribuicao de Bose-Einstein.

Examinando a equacao (13.6) vemos que quando tivermosλ−1 exp(βεj) =

1, ou εj = µ, fBE → ∞. Tambem, para que a soma de Gibbs convirja, de-

vemos ter x ≡ exp[β(µ − εj)] < 1 , ou seja, µ < εj. Como isso tem que

acontecer para qualquer valor de εj, concluımos que µ deve ser menor qu o

mais baixo valor de εj, que chamaremos de ε0. Quando ele se tornar igual,

teremos fBE(ε0) → ∞, ou seja a ocupacao desse orbital sera muito maior que

a dos outros, mesmo numa temperatura nao nula. Na Aula 14 estudaremos

com mais detalhes esse comportamento.

Fermions

De acordo com o princıpio da exclusao, nao podemos ter dois ou mais

fermions no mesmo orbital, logo, So ha dois termos neste caso: ηj = 0 ou

ηj = 1. Temos assim

Zj = 1 + λ exp(−βεj)

Para a ocupacao

〈ηj〉 =1

Z

∞∑

ηj=0

ηj [λ exp (−βεj)]ηj =

λ exp (−βεj)

1 + λ exp(−βεj)

ou

fFD = 〈ηj〉 =1

λ−1 exp(βεj) + 1=

1

exp[β(εj − µ)] + 1(13.7)

A exporessao (13.7)recebe o nome de distribuicao de Fermi-Dirac.

Vamos analisar o comportamento de (13.7). Observamos:

• T = 0, ε > µ : neste caso exp[β(ε− µ)] → ∞, logo fFD → 0.

• T = 0, ε < µ : agora exp[β(ε− µ)] → 0, logo fFD → 1.

CEDERJ 160

Page 152: Física Estatística

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13

Figura 13.1: Dsitribuicao de Fermi-Dirac paa T > 0 (curva em preto). As

areas em azul mostram a diferenca entre as distribuicoes para T = 0 e T > 0.

• T > 0, ε = µ : fFD = 0, 5.

Assim, para T = 0 temos uma funcao degrau, com descontinuidade em ε = µ.

O valor do potencial quımico em T = 0 recebe o nome de energia de Fermi.

Usaremos a notacao εF para designa-lo. Temos entao que para T = 0,

fFD(ε) = 1 para ε < εF , indicando que todos esses orbitais estao preenchi-

dos. Se ε > εF , fFD(ε) = 0, indicando que esses orbitais estao vazios.

Para temperaturas diferentes de zero, fFD toma uma forma arredondada,

nas vizinhancas de εF . A figura 13.1 mostra a forma da distribuicao de

Fermi-Dirac para temperaturas nao nulas (linha), e para T = 0. As areas em

azul mostram a diferenca entre as distribuicoes para T = 0 e T > 0.

Limite classico

Na Aula 8, quando calculamos a funcao de particao para o gas ideal

classico, nao fizemos distincao entre bosons e fermions. E importante enten-

der porque isso nao foi preciso. A questao toda e a divisao por N ! no calculo

de ZN a partir de Z1. Como vimos, essa divisao foi introduzida para corrigir

a contagem de estados ja que as partıculas eram indistinguıveis. Entretanto,

essa correcao acabou por penalizar os estados em que mais de uma partıcula

161CEDERJ

Page 153: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico

Figura 13.2: Comparacaoentre as distribuicoes de Bose-Einstein, Fermi-Dirac

e classica. Como pode ser observado, o regime classico e o limite das duas

distribuicoes quanticas quando ε− µ κT .

estavam no mesmo orbital, ja que a probabilidade desses estado ficou muito

reduzida. Como consequencia, o gas resultante tem muitos orbitais vazios,

e outros com apenas uma partıcula, tornando-se irrelevante a distincao em

termos do valor do spin.

E possıvel obter o resultado classico a partir do quantico, se tomamos

o limite correto. Como vimos na Aula 7, no regime classico, φ φq. Como

λ = φ/φq para o gas classico, temos que λ−1 1. Assim podemos fazer

λ−1 exp(βεj)±1 ≈ λ−1 exp(βεj). Finalmente, a ocupacao de um microestado

de energia εj no regime classico e

fclassico = λ exp(−βεj) . (13.8)

Note que fclassico 1. A figura 13.2 mostra uma comparacao entre as dis-

tribuicoes quanticas e a classica, mostrando claramente a ultima como o

limite das duas primeiras quando a temperatura for muito alta.

Atividade 1

Um sistema hipotetico tem apenas dois orbitais, um com energia zero e outro

com energia ε. Os orbitais nao sao degenerados e podem ser ocupados de

forma independente.

CEDERJ 162

Page 154: Física Estatística

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13

(a) Calcule a soma de Gibbs para ocupacao por bosons e por fermions.

(b) Calcule o numero medio de partıculas no sistema para ocupacao por

fermions e por bosons.

(c) No caso de fermions, qual a probabilidade do sistema estar ocupado por

duas partıculas? E por uma?

(d) Generalize o resultado do ıtem (a), considerando agora 4 orbitais, com

energias zero, ε1, ε2 e ε3.

(e) Refaca o ıtem (a) considerando que o orbital com energia ε e triplamente

degenerado.

Resposta comentada

(a)Como o enunciado diz que os orbitais sao independentes, temos Z = Z0Zε.

Para fermions cada orbital pode receber no maximo uma partıcula:

Z =

[

λ0 exp

(

− 0

κT

)

+ λ1 exp

(

− 0

κT

)] [

λ0 exp

(

− 0

κT

)

+ λ1 exp(

− ε

κT

)]

= [1 + λ][

1 + λ exp(

− ε

κT

)]

Se voce tem duvidas, com 2 orbitais e possıvel montar a tabela das con-

figuracoes:

0 ε E N

0 0 0 0

1 0 0 1

0 1 ε 1

1 1 ε 2

Usamos a tabela para escrever a soma de Gibbs. Pela ordem das linhas da

tabela temos:

Z = 1 + λ + λ exp(

− ε

κT

)

+ λ2 exp(

− ε

κT

)

,

que e equivalente a expressao anterior.

Para bosons um orbital pode ser ocupado sem restricoes.Para um orbital

qualquer temos

Zε =

∞∑

N=0

λN exp

(

−NεκT

)

=

∞∑

N=0

[

λ exp(

− ε

κT

)]N

=1

1 − λ exp(− ε

κT

)

Assim,

Z =

[1

1 − λ

][

1

1 − λ exp(− ε

κT

)

]

163CEDERJ

Page 155: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico

(b) Basta usar

〈N〉 = λdlnZdλ

(b) Examinando a tabela das configuracoes, vemos que para que o sistema

tenha duas partıculas, devemos ter uma em cada orbital, correspondendo a

ultima linha. Ou seja

P (2) =λ2 exp

(− ε

κT

)

ZPodemos ter N = 1 de duas maneiras. Temos entao

P (1) =λ+ λ exp

(− ε

κT

)

Z(c) Basta fazer o produto com os 4 orbitais. O mesmo que acima, fazendo

ε1 = ε2 = ε3 = ε.

Atividade 2

Como podemos introduzir os graus de liberdade internos na soma de Gibbs

para o gas classico? Resposta comentada

Considere um gas de moleculas poliatomicas. Como vimos na Aula 8, cada

molecula tem a possibilidade de movimentos de rotacao e vibracao alem da

translacao do centro de massa. Os dois primeiros movimentos referem-se a

graus de liberdade internos a molecula. A energia total de uma molecula

pode ser escrita como

ε = εj + εint ,

onde εj corresponde a energia cinetica de translacao do centro de massa,

e εint as energias de rotacao e vibracao. Como vimos acima, a ocupacao

media no regime classico e muito menor que um, assim, ao calcular a soma

de Gibbs, Zj , so precisamos nos preocupar com os termos ηj = 0 e ηj = 1.

Vamos considerar que para um dado microestado de translacao, todas as

possibilidades de estados internos possam ocorrer. Assim,

Zj = 1 + λ∑

int

exp[−β(εj + εint)] , (13.9)

sendo a soma sobre os ındices pertinentes aos movimentos internos da molecula.

Definindo a funcao de particao para esses graus de liberdade como

Zint =∑

int

exp(−βεint)

podemos reescrever (13.9) como

Zj = 1 + λZint exp(−βεj) .

CEDERJ 164

Page 156: Física Estatística

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quanticoMODULO 1 - AULA 13

A probabilidade de que um dado estado translacional j seja ocupado,

independente dos movimentos internos da molecula e dada por

f(εj) =λZint exp(−βεj)

1 + λZint exp(−βεj)≈ λZint exp(−βεj) .

Comparando este resultado com (13.8) vemos que a introducao dos graus

de liberdade internos tem o papel de alterar o valor de λ, ou µ. Definimos

λ∗ ≡ λZint, ou λ = λ∗/Zint = φ/φqZint. Assim podemos usar os resultados

previamente obtidos para o gas monoatomico com λ∗ no lugar de λ.

Conclusao

A estatıstica do gas de partıculas indistinguıveis pode ser estudada

se usamos o formalismo da soma de Gibbs, trabalhando com as ocupacoes

dos diversos orbitais. Para que todas as regioes de concentracao e temper-

atura possam ser consideradas, torna-se necessaria a distincao entre bosons

e fermions, inerente ao tipo de spin da partıcula. Desta forma encontramos

dois tipos de gases quanticos, de bosons e de fermions, com propriedades

bem distintas. Os dois gases tem comportamento identico quando T → ∞,

tendendo ao comportmento classico nessa regiao de temperaturas.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, capıtulo 8.

R. Eisberg e R. Resnick, Fısica Quantica, Editora Campus, capıtulo 8.

Atividade Final

No inıcio desta Aula dissemos que fotons e fonons sao bosons. Com-

pare as distribuicoes obtidas para esses sistemas nas Aulas 10 e 11, com a

distribuicao de Bose-Einstein.

Resposta comentada

Fotons numa cavidade, e fonons dentro de um solido obdedecem a dis-

tribuicao de Planck, equacao (10.6), dada por

〈η(ω)〉 =1

exp (β~ω)− 1.

165CEDERJ

Page 157: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 13 - Aplicacao: O gas ideal quantico

Aqui, 〈η(ω)〉 e o numero medio de fonons ou fotons com frequencia ω. Com-

parando esta expressao com a distribuicao de Bose-Einstein, vemos que a

as duas distribuicoes sao identicas se µ = 0. Iso significa que o potencial

quımico de fotons e fonons e nulo. Para entender esse resultado, lembramos

que o potencial quımico e a grandeza que controla o numero de partıculas

do sistema, permitindo que N seja variado independentemente de T . Por

exemplo, num gas de atomos numa dada temperatura e volume, podemos

escolher qualquer valor de N . Nos gases de fotons e fonons isso nao pode ser

feito. Ao escolhermos T e V , o numero de partıculas fica determinado, isso

implica em µ = 0 para esses sistemas.

Resumo

Nesta aula aprendemos como usar a soma de Gibbs para calcular as

ocupacoes medias de gases quanticos. Vimos que a estatıstica de fermions e

bosons e bem diferente devido ao princıpio de exclusao de Pauli. Verificamos,

tambem, que o limite de temperatura alta para ambos gases e dado pelo

regime classico.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula vamos ver a distribuicao de Fermi-Dirac com mais

detalhes, aplicando-a para modelar o comportamento termico dos eletrons

de conducao em um solido.

CEDERJ 166

Page 158: Física Estatística

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions

Metas da aula

Apresentar as principais propriedades do gas ideal de eletrons.

Objetivos

No final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. Calcular diversas propriedades do gas de eletrons a T = 0

2. Entender o papel da dimensionalidade no comportammento do poten-

cial quımico.

3. Encontrar qualitativamente o comportamento do calor especıfico eletronico

em funcao da temperatura.

Pre-requisitos

Esta aula requer que voce revise as Aulas 8 e 11 desta disciplina.

Introducao

Na aula anterior vimos como obter as ocupacoes para fermions e bosons,

e algumas de suas propriedades, nesta aula vamos focar nos fermions. Ha

varios sistemas de fermions interessantes, aqui vamos nos fixar no gas de

eletrons em metais. Um metal consiste basicamente de ıons positivos, forma-

dos pelos nucleos e orbitais mais internos dos atomos e eletrons praticamente

livres formando o que chamamos de gas de eletrons livres. Cassifica-los como

livres e uma aproximacao, ja que eles sofrem atracao dos ıons positivos. Na

segunda parte desta disciplina voce vera os efeitos dessa interacao. Por agora

temos um gas sem interacao, um gas ideal de eletrons.

Devido a reduzida massa do eletron, a concentracao quantica deste gas

na temperatura ambiente e bem menor que a de um gas de atomos. Nas

167CEDERJ

Page 159: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions

CNPT, um gas ideal de atomos tem concentracao

φat =1

V=

p

κT≈

105 Pa

1, 38 × 10−23 J/K · 310 K= 2, 3 × 1025m−3

A concentracao quantica para atomos e da ordem de 1031m−3, portanto muito

maior que φat. Observando a expressao para φq, vemos que

φq(at)

φq(el)=

m(at)

m(el)≈ 104

,

tornando a validade do modelo classico bastante discutıvel no caso do gas de

eletrons. Por isso usaremos a distribuicao de Fermi-Dirac para descreve-lo.

Propriedades da distribuicao de Fermi-Dirac

Comecamos lembrando que um orbital e uma solucao da equacao de

Schrodinger para uma partıcula, no nosso caso significa uma dada escolha

de (nx, ny, nz) para a parte de energia cinetica e um valor da projecao de

spin. Como estamos tratando de eletrons que tem spin s = 1/2, as projecoes

possıveis sao ms = ±1/2.

Na aula passada vimos que num gas de fermions a ocupacao media do

orbital de energia ε e dada pela distribuicao de Fermi-Dirac, que tem a forma

fFD(ε) =1

λ−1 exp(βε) + 1=

1

exp[β(ε− µ)] + 1. (14.1)

Como a ocupacao deve ser um numero entre 0 e 1, fFD(ε) pode ser

encarada como a probabilidade de que um orbital com energia ε esteja ocu-

pado. Examinando a figura 13.1 vemos que para T = 0, todos os orbitais

com ε ≤ µ tem f = 1, portanto estao preenchidos, e os com ε > µ tem f = 0,

estando desocupados. Este e o estado de mais baixa energia para o sistema,

seu estado fundamental. A energia do ultimo orbital ocupado, em T = 0, e

denominada energia de Fermi, εF .

A medida que a temperatura aumenta, a energia total deve aumentar

devido a passagem de eletrons para orbitais de maior energia. Os eletrons

que tem ε . εF sao afetados primeiro ja que logo acima deles ha orbitais

vazios, prontos para serem ocupados. Promover um eletron com ε εF

requer muita energia, ja que os orbitais vazios tem ε > εF . Assim, para

uma temperatura nao nula, mas baixa, a distribuicao de Fermi-Dirac so e

apreciavelmente diferente da com T = 0 nas vizinhancas da energia de Fermi.

A largura da regiao afetada e da ordem de κT . Para qualquer temperatura,

CEDERJ 168

Page 160: Física Estatística

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14

quando ε = µ(T ), f = 0, 5. Esse valor de energia e denominado nıvel de

Fermi.

box de atencao: Nao confunda energia de Fermi (εF ) com nıvel de Fermi.

O primeiro e uma propriedade do gas em T = 0 apenas. O nıvel de Fermi

define qual o orbital com 50% de chance de ser ocupado, sendo uma grandeza

dependente da temperatura.

Atividade 1

Mostre que a distribuicao de Fermi-Dirac e simetrica com relacao ao nıvel de

Fermi.

Resposta comentada

Calculamos a distribuicao num ponto de energia ε = µ + δ. Temos

f(µ + δ) =1

exp(βδ) + 1= 1 −

1

exp(−βδ) + 1= 1 − f(µ − δ)

Note que:

• f(µ+δ) = probabilidade do orbital com energia ε = µ+δ estar ocupado.

• f(µ−δ) = probabilidade do orbital com energia ε = µ−δ estar ocupado.

• 1 − f(µ − δ) = probabilidade do orbital com energia ε = µ − δ estar

vazio.

Logo, a simetria e entre os buracos e os eletrons excitados.

Atividade 2

Estime a largura da regiao afetada pelo aumento de temperatura na dis-

tribuicao de Fermi-Dirac.

Resposta comentada

Vamos considerar uma aproximacao linear para a distribuicao, como indi-

cado na figura abaixo. A reta em vermelho e a tangente no ponto ε = µ.

Vamos calcular a equacao dessa reta, e aproximar para 2δ a largura da regiao

arrendondada.

df

dε= −

1

κTexp

(ε − µ

κT

)1

[exp

(ε−µκT

)+ 1

]2

Assim, f′(µ) = −1/4κT . Seguindo a notacao da figura, podemos calcular

o valor de δ. Obtemos δ = κT . Assim, a largura da regiao afetada pela

temperatura e 2κT .

169CEDERJ

Page 161: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions

0,5

m+d

m-d

m

Figura 14.1: Distribuicao de Fermi-Dirac para T > 0. A regiao afetada pela

temperatura foi aproximada por uma reta

eF

Figura 14.2: Preenchimento dos nıveis de energia num sistema unidimen-

sional, a T = 0.

O gas de Fermi a T = 0

O estado fundamental do gas de Fermi para N partıculas pode ser

obtido se preenchemos todos os orbitais, a partir de baixo, ate que o ultimo

fermion seja colocado. A figura 14.2 ilustra esse processo num gas unidimen-

sional com12 eletrons. Neste caso os nıveis sao nao-degenerados, e podem

acomodar dois eletrons, um com ms = +1/2, outro com ms = −1/2 em cada

um.

Num sistema de maior dimensao teremos que levar em conta a degenerescencia.

Por exemplo, no gas tridimensional, n2 = 6 tem 3 orbitais, com (nx, ny, nz)

iguais a (2, 1, 1), (1, 2, 1) e (1, 1, 2), e pode acomodar 6 eletrons. Determinar

a energia de Fermi num sistema bi ou tridimensional fica complicado, porque

nao temos uma expressao que nos diga a degenerescencia de cada nıvel. As-

CEDERJ 170

Page 162: Física Estatística

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14

sim, vamos novamente usar a aproximacao de que o volume e macroscopico,

e portanto a separacao entre os nıveis e muito pequena. Com isso passamos

a usar a densidade de estados (ou densidade de orbitais) para fazer essa

contagem.

Lembrando,

dN (ε) = D(ε)dε

e o numero de orbitais com energia entre ε e ε + dε. Essa expressao define

a densidade de estados D(ε). Para um gas tridimensional a energia de um

orbital e

ε =

(~

2

2m

) (π

L

)2 (n

2

x + n2

y + n2

z

),

logo temos

D(ε) =V

4π2

(2m

~2

)3/2

ε1/2

. (14.2)

Agora podemos calcular a energia de Fermi. Devemos impor que a soma da

ocupacao media sobre todos os orbitais seja N . Nessa abordagem contınua

temos

N = 2

∫ εF

0

D(ε)dε = 2V

4π2

(2m

~2

)3/2 ∫ εF

0

ε1/2dε (14.3)

O fator 2 vem das duas projecoes de spin. Finalmente, para o gas tridimen-

sional de eletrons temos

εF =~

2

2m

(3π2

N

V

)2/3

≡ κθF (14.4)

A definicao da temperatura de Fermi, θF , permite estabelecer uma referencia

de temperatura. Por exemplo, se um sistema tem θF muito maior que a tem-

peratura ambiente, significa que ele deve ser descrito pelo modelo quantico

nessa temperatura. A tabela 14.8 mostra alguns valores de θF .

Pode-se imediatamente concluir que para esses metais a temperatura

ambiente e uma temperatura bastante baixa, estando a distribuicao de Fermi

pouco modificada com relacao a referente a T = 0. O mesmo ocorre com

todos os metais.

Atividade 3

Qual a energia interna do gas de eletrons a T = 0?

Resposta comentada

Esse calculo e semelhante ao da energia de Fermi. Devemos somar a energia

de todos os orbitais ocupados. Temos

E0 = 2

∫ εF

0

εD(ε)dε = 2V

4π2

(2m

~2

)3/2 ∫ εF

0

ε3/2dε

171CEDERJ

Page 163: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions

metal εF (eV) θF (104K)

Li 4,7 5,5

Na 3,1 3,7

K 2,1 2,4

Rb 1,8 2,1

Cs 1,5 1,8

Cu 7,0 8,2

Ag 5,5 6,4

Au 5,5 6,4

Tabela 14.8: Valores da temperatura de Fermi para alguns metais.

Efetuando a integral e ordenando as constantes, temos

E0 =3

5NεF .

Dependencia do potencial quımico com a temperatura

A expressao (14.3) e especıfica para T = 0. Numa temperatura qual-

quer devemos escrever

N = 2

∫∞

0

f(ε)D(ε)dε = 2V

4π2

(2m

~2

)3/2 ∫∞

0

f(ε)ε1/2dε . (14.5)

Em princıpio o podemos obter µ(T ) calculando a integral e invertendo a

funcao. Infelizmente essa integral nao e nada simples de resolver, ela requer

uma solucao em serie, valida para temperaturas baixas. Foge do escopo desta

disciplina entrar nos detalhes desse calculo, devido a Sommerfeld. Ele pode

ser visto na referencia citada no fim da aula.

Os dois primeiros termos da expansao de Sommerfeld levam a

µ(T ) ≈ εF

[

1 −π

2

12

(T

θF

)2]

. (14.6)

O fato que µ diminui com a temperatura podia ser previsto com uma

analise qualitativa. A figura 14.3 mostra o integrando de (14.5) para T = 0 e

T > 0, supondo que o potencial quımico nao dependa da temperatura. Para

T = 0 f(ε) = 1 ate ε = εF e zero depois disso. O valor de N calculado para

T > 0 sera maior, porque a area em cinza, correspondendo a orbitais que

ficaram vazios, e maior que a azul relativa aos orbitais que foram ocupados.

CEDERJ 172

Page 164: Física Estatística

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14

Figura 14.3: Comportamento do integrando em (14.5) para T = 0 e T > 0,

supondo que o potencial quımico nao dependa da temperatura.

A unica maneira de termos as duas areas iguais e ter um potencial quımico

que diminui com a temperatura. Essa dependencia levaria toda a curva em

T > 0 para tras.

Atividade 4

De que forma a dimensao afeta o comportamento de µ(T )?

Resposta comentada

A dimensionalidade do sistema afeta a forma de D(ε). Em d = 3 D(ε) ∼ ε1/2,

sendo uma funcao crescente de ε. Por isso a area azul ficou maior, f(ε) esta

sendo multiplicada por um numero maior quanto maior for a energia.

Num sistema bidimensional D(ε) nao depende de ε (veja o Exemplo

7.7), logo esse efeito nao aparece, e µ deve ser independente da temperatura.

Em d = 1 temos D(ε) ∼ ε−1/2 (Verifique!), logo o comportamento e o

inverso do caso tridimensional, ou seja, µ deve aumentar com a temperatura.

Calor especıfico do gas de Fermi

A energia interna do sistema pode ser calculada de forma analoga a

(14.5), ou seja,

E = 2

∫∞

0

εf(ε)D(ε)dε = 2V

4π2

(2m

~2

)3/2 ∫∞

0

f(ε)ε3/2dε . (14.7)

173CEDERJ

Page 165: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions

Assim como no calculo de µ deve-se proceder com a expansao do integrando

e integracao de cada termo. O calculo realizado por Sommerfeld leva a

E ≈3

5NεF

[

1 +5π2

12

(T

θF

)2]

, (14.8)

o que implica em

cel =π

2

T

θF.

O ındice ajuda a lembrar que essa e a contribuicao dos eletrons de conducao.

No solido como um todo quando entregamos uma certa quantidade de calo,

parte ira para os fonons, ou seja, para excitar vibracoes nos ıons que estao

presos na rede cristalina. Como vimos na Aula 10, o calor especıfico vi-

bracional e proporcional a T3 para temperaturas baixas. Juntando os dois

termos temos para o solido metalico a baixas temperaturas

c = γT + AT3 (14.9)

A expressao (14.9) tem razoavel concordancia com dados experimentais, con-

siderando sua simplicidade. A tabela mostra uma comparacao entre valores

experimentais para γ, tirados por ajusta da equacao (14.9) a dados experi-

mentais, e o valor previsto pelo modelo de eletrons livres que acabamos de

ver.

metal γexpmJ/mol.K2γFDmJ/mol.K2

Li 1,63 0,75

Na 1,38 1,14

K 2,08 1,69

Rb 2,41 1,97

Cs 3,20 2,36

Cu 0,695 0,50

Ag 0,646 0,65

Au 0,729 0,654

Atividade 5

O que a teoria classica preve para o calor especıfico de metais? Compare

com o resultado previsto pelo modelo de Fermi-Dirac.

Resposta comentada

CEDERJ 174

Page 166: Física Estatística

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermionsMODULO 1 - AULA 14

Devemos considerar tambem que ha duas contribuicoespara o claor especıfico,

do gas eletronico e das vibracoes da rede. Assim, escrevemos

c = cel + cvib .

Na Aula 11 vimos que previsao classica para a parte de vibracao e cvib = 3κ.

Quanto ao gas, a teoria classica nao distingue o tipo de partıcula, entao temos

o mesmo valor de todos os gases monotatomicos, ou seja cel = 3κ/2. Assim,

c =9

2κ ≈ 37 J/mol.K

Para comparacao usamos o resulado para a prata. Pela tabela γ = 0, 65

mJ/mol.K2, logo, a temperatura ambiente

cFD ≈ (0, 65 mJ/mol.K2)320 K = 0, 208 J/mol.K

Vemos assim que o resultado previsto pelo modelo de Fermi-Dirac e muito

menor que o classico.

Atividade 6

Use seu conhecimento sobre a forma da distribuicao de Fermi-Dirac para

encontrar uma expressao qualitativa para o calor especıfico eletronico.

Resposta comentada

Vamos supor que estamos num regime de baixa temperatura, que e o aplicavel

aos eletrons de conducao a temperatura ambiente. A regiao de f(ε) afetada

por um aumento de temperatura e da ordem de κT . Se acomodamos N

atomos ate ε = εF , devemos ter N′ ≈ κTN/εF eletrons na regiao afetada. A

energia desses eletrons e ≈ N′κT , logo

E′ =

N

εF(κT )2

,

levando a c ∼ T .

Conclusao

Podemos descrever os eletrons de conducao em um metal como um gas

nao interagente, mas no qual o carater fermionico das partıculas tem que ser

levado em conta.

Resumo

Nesta aula aprendemos algumas propriedades do gas de eltrons num

solido.

175CEDERJ

Page 167: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 14 - Aplicacao: Gas de fermions

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula vamos aprender sobre o gas de bosons e a condensacao

de Bose-Einstein.

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP, capıtulo 9.

Atividades Finais

Atividade 7

(a) Calcule a pressao de um gas de Fermi no estado fundamental.

(b) Calcule a entropia para o gas de eletrons quando T θF

Resposta comentada

(a) Da primeira lei temos que

dE = TdS − pdV + µdN

Escrevendo E(S, V, N) temos que

dE =

(∂E

∂S

)

dS +

(∂E

∂V

)

dV +

(∂E

∂N

)

dN ,

logo podemos identificar

p = −

(∂E

∂V

)

Usamos a expressao ja calculada para E0 para obter

p =2

5

N

VεF =

(3π2)2/3

5

~2

m

(N

V

)5/3

(b) Para o calculo da entropia usamos o resultado para o calor especıfico, ja

que

C =d′

Q

dT= T

dS

dT.

Para T θF encontramos

Cel = Nπ

2

T

θF.

logo

S = Nπ

2

T

θF+ A ,

onde A e uma constante independente da temperatura. Pela terceira lei

devemos ter S → 0 quando T → 0, logo A = 0.

CEDERJ 176

Page 168: Física Estatística

Aula 15 - Gas de bosonsMODULO 1 - AULA 15

Aula 15 - Gas de bosons

Meta

Apresentar as principais propriedades do gas ideal de bosons.

Objetivos

Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:

1. Calcular a temperatura de Einstein.

2. Calcular a dependencia da ocupacao do orbital fundamental com a

temperatura.

Pre-requisitos

Para melhor entendimento desta aula voce deve revisar a Aula 13.

Introducao

O gas de bosons tem propriedades bem diferentes das do gas de eletrons.

A mais importante e a possilidade de concentrar uma quantidade macroscopica

de partıculas no orbital fundamental, numa temperatura bastante acima do

zero absoluto, um efeito que leva o nome de condensacao de Bose-Einstein.

Bose foi um fısico indiano que por volta de 1920 estudava a entao nova ideia

de que a luz era formada por quanta, os fotons. Ele chegou ao que con-

hecemos hoje como distribuicao de Bose-Einstein, mas sendo um cientista

desconhecido na epoca, teve dificuldades em ter seus resultados aceitos pela

comunidade cientıfica. Einstein, que ja era um cientista renomado, entendeu

a importancia de seus resultados e os estendeu a atomos. O efeito previsto

pela estatıstica de Bose-Einstein foi usado de forma indireta para explicar a

supercondutividade (J. Bardeen, L. Cooper e R. Schrieffer, Nobel de fısica

em 1972 pela teoria BCS) e a superfluidez (L. Landau, Nobel de fısica em

1962), mas foi observado diretamente apenas em 1995 por E. Cornell e C.

177CEDERJ

Page 169: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 15 - Gas de bosons

Figura 15.1: (a) O potencial quımico deve estar abaixo do orbital funda-

mental para que a soma de Gibbs seja convergente. (b) A medida que a

temperatura abaixa o potencial quımico se aproxima do orbital fundamen-

tal, fazendo com que a ocupacao deste seja macroscopica.

Wieman em atomos de rubıdio. Esses dois cientistas, junto com W. Ket-

terle receberam o Nobel de Fısica em 2000 por esse feito. A condensacao de

Bose-Einstein e um desses exemplos em que a teoria antecede a experiencia.

Nesta aula veremos um gas de atomos bosonicos, sendo um exemplo tıpico

os atomos He4, que apresenta uma fase superfluıda a baixas temperaturas.

Propriedades do potencial quımico de bosons

Como vimos na Aula 12, nao ha restricao para a ocupacao de um orbital

por bosons. Assim, a soma de Gibbs para esse sistema fica

Z =∞∑

N

exp [β(ε− µ)]N .

Para que essa soma seja convergente devemos ter exp [β(µ − ε)] < 1, o que

significa que sempre devemos ter µ < ε. Isso deve valer para qualquer orbital,

entao µ deve ser menor que a energia do orbital fundamental, como ilustrado

na figura ??. E de se esperar que o potencial quımico dependa da temperatura

e da concentracao do gas. Mesmo sem saber sua forma funcional, temos que

maior valor possıvel para µ sera a energia do orbital fundamental. Vamos

recordar a distribuicao de Bose-Einstein:

fBE(ε) =1

λ−1 exp(βε) + 1=

1

exp[β(ε− µ)] − 1. (15.1)

Aqui, fBE(ε) da o numero medio de bosons no orbital de energia ε. Vamos

supor que µ < ε0 escrevendo ε0 = µ + δ2. O quadrado garante que estamos

somando uma quantidade positiva a µ, levando sempre a condicao µ < ε0.

CEDERJ 178

Page 170: Física Estatística

Aula 15 - Gas de bosonsMODULO 1 - AULA 15

Temos

exp[β(ε− µ)] = exp

[ε − µ

κT

]

= exp

[δ2

κT

]

.

Se T = 0, exp[

δ2

κT

]

→ ∞, e f(ε0) → 0, o mesmo ocorrendo para todos os

outros orbitais. Assim para um valor finito de δ, as ocupacoes de todos os

orbitais seriam muito baixas. Esse sistema nao tem nada de interessante! Por

outro lado, se δ2 → 0, δ2/κT sera finito em T → 0, e a ocupacao do orbital

fundamental sera muito grande, e a dos outros orbitais muito pequena. Esse

e o comportamento que nos interessa, e que foi previsto por Einstein (veja

a figura ??. Dizemos que nesse caso, ha uma condensacao de atomos no

orbital fundamental. Esse fenomeno tem o nome de condensacao de Bose-

Einstein. Para uma dada concentracao, chamamos de TE a temperatura para

qual ocorre a condensacao de Bose-Einstein, ou seja, para a qual um numero

macroscopico de atomos esta populando o orbital fundamental.

Usando uma notacao comum neste problema, vamos usar o orbital fun-

damental como referencia, ou seja, vamos subtrair o valor de sua energia de

todos os outros. Assim, daqui para frente a energia do orbital fundamental

sera zero, e o potencial quımico sera sempre negativo, sendo zero seu maior

valor.

Estimativa de TE

Comecamos calculando o numero total de partıculas. Usamos a mesma

expressao do sistema de fermions, equacao (14.5). Aqui vamos supor que o

spin do atomo seja s, assim, para cada orbital temos γ = (2s + 1) possıveis

projecoes de spin.

N = γ

∫ ∞

0

f(ε)D(ε)dε = γV

4π2

(2m

~2

)3/2

︸ ︷︷ ︸

≡C

∫ ∞

0

f(ε)ε1/2dε . (15.2)

Quando T = TE temos µ = 0, logo

N = γ C

∫ ∞

0

ε1/2

exp(

εκTE

)

− 1dε

Definimos a variavel adimensional x ≡ ε/κTE , com ela reescrevemos a inte-

gral como

N = γ C(κTE)3/2

∫x1/2

ex − 1dx

179CEDERJ

Page 171: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 15 - Gas de bosons

O valor da integral adimensional e 1, 306π1/2. Com isso temos o resultado

final

TE =~

2

2mκ

(4π2

γ1, 306π1/2

)2/3 (N

V

)2/3

(15.3)

Note que para que TE nao seja baixa demais, a massa do atomo em questao

deve ser a menor possıvel. O He4 e um bom candidato, tendo uma massa

molar de 4g. O helio lıquido tem uma concentracao molar de 27,6 cm3/mol,

levando a TE ≈ 3 K.

Atividade 1

Calcule a diferenca de energia entre os dois primeiros nıveis do He4, em

termos de temperatura. Compare com o valor estimado para TE . Considere

o gas confinado a um cubo de lado L = 1 cm 3

Resposta comentada

Os dois primeiros nıveis tem numeros quanticos (1,1,1) e (1,1,2). Temos

ε0 =~

2

2m

L

)2

3 e ε1 =~

2

2m

L

)2

6

Assim,

∆ε = ε1 − ε0 =3

2

~2

2m

L

)2

Podemos escrever ∆ε em termos de temperatura, basta dividir por κ. Colo-

cando os dados para o helio, chegamos a T ≈ 1, 8× 10−14 K, um valor muito

menor que TE . Pela estatıstica do gas classico, sendo essa a separacao dos

dois primeiros nıveis, em T = 3 K ja deverıamos ter uma populacao bastante

grande no primeiro estado excitado.

Comportamento para T > TE

Queremos saber como o numero de atomos no condensado depende da

temperatura. Para isso consideramos duas contribuicoes: N0 correspondendo

aos atomos no orbital fundamental, e Ne para todos os outros orbitais, sao

os atomos excitados. Sempre devemos ter N = N0(T ) + Ne(T ).

Para o orbital fundamental, ε = 0 e

N0(T ) = f(0) =1

exp(− µ

κT

)− 1

=1

λ−1 − 1.

Para os atomos excitados temos

Ne(T ) = γ

∫ ∞

0

D(ε)1

λ−1 exp(

εκT

)− 1

dε = γC(κT )3/2

∫ ∞

0

x1/2

λ−1ex − 1dx ,

CEDERJ 180

Page 172: Física Estatística

Aula 15 - Gas de bosonsMODULO 1 - AULA 15

Figura 15.2: Populacao relativa do orbital fundamental em funcao da tem-

peratura.

sendo x a variavel adimensional definida anteriormente. Podemos realizar a

integral desde ε = 0 para os atomos excitados porque o integrando e nulo

quando ε = 0.

Vamos considerar a situacao em que N0 1. Neste caso λ ≈ 1 (ou

µ ≈ 0) e podemos usar a aproximacao

Ne(T ) ≈ γC(κT )3/2

∫ ∞

0

x1/2

ex − 1dx = γ

1, 306V

4

(2mκT

π~2

)3/2

= N

(T

TE

)3/2

.

Como N0 = N −Ne, podemos escrever

N0

N= 1 −

(T

TE

)3/2

. (15.4)

A figura ?? mostra o comportamento de N0/N em funcao da temperatura.

Manifestacoes da condensacao de Bose-Eintein

Supercondutividade

Em metais os eletrons de conducao sofrem dois tipos de interacao elet-

rostatica: a repulsao com relacao a outros eletrons de conducao e a atracao

pelos ıons positivos da rede. Em situacoes muito especiais observa-se uma

181CEDERJ

Page 173: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 15 - Gas de bosons

atracao efetiva entre os eletrons de conducao, intermediada pelos ıons pos-

itivos. Numa descricao simplista, a passagem de um eletron por um ıon

positivo faz com que este se desloque levemente, e atraia outro eletron da

vizinhanca. Esses eletrons formam um par correlacionado, que recebe o nome

de par de Cooper por terem sido descobertos por L. Cooper em 1956. Como

o movimento dos ıons positivos cria fonons, dizemos que os dois eletrons do

par interagem via fonons. Os eletrons individualmente sao fermions, mas o

par e um boson. A condensacao desse bosons foi o mecanismo proposto por

Bardeen, Cooper e Schriffer para o fenomeno da supercondutividade, daıo

nome de teoria BCS. O movimento coletivo desses bosons formam uma cor-

rente com caracterısticas completamente diferentes da corrente usual, em que

os eletrons estao descorrelacionados.

Superfluidez

Atomos de He4 sao bosons, portanto passıveis de sofrer condensacao

de Bose-Einstein. Suas propriedades de superfluıdo foram descobertas por

P. Kapitsa, J. F. Allen e D.Misener em 1937. A superfluidez aparece numa

temperatura de 2,17 K, muito proxima da prevista pela condensacao de Bose-

Einstein para o helio. Landau explicou o comportamento pouco usual desse

superfluıdo descrevendo-o como um condensado.

Resumo

Nesta aula vimos que um gas de bosons tem um comportamento muito

distinto de um gas de fermions. A proximidade do potencial quımico com

relacao ao orbital fundamental faz com que a ocupacao do mesmo seja macroscopica

para certas temperaturas. Os bosons que populam esse orbital formam o que

chamamos de condensado de Bose-Einstein. Os fenomenos da supercondu-

tividade e superfluidez tem como explicacao a existencia dessa condensado.

Informacoes sobre a proxima aula

Na proxima aula voce podera rever toda a materia traves de alguns

problemas resolvidos.

CEDERJ 182

Page 174: Física Estatística

Aula 15 - Gas de bosonsMODULO 1 - AULA 15

Leitura complementar

S. R. A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica, primeira edicao Sao

Paulo, EDUSP.

183CEDERJ

Page 175: Física Estatística
Page 176: Física Estatística

Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16

Aula 16 - Problemas de revisao

Metas da aula

Fixar os conceitos aprendidos nas aulas anteriores atraves de aplicacoes.

Objetivos

No final desta aula, voce deve ser capaz de:

• Calcular as funcoes de particao e granparticao de diversos sistemas

• Calcular medias termicas e relaciona-las com grandezas termodinamicas.

• Entender os comportamentos de temperatura alta e baixa de diversos

sistemas.

Pre-requisitos

Aulas anteriores.

Atividade 1

Um solido e formado por partıculas com momento magnetico m0 e spin 3/2.

Isso significa que, na presenca de um campo magnetico B a energia de uma

partıcula pode ser escrita como ε = −m0Bσ, com σ podendo ter os valores

±3/2, ±1/2.

(a) Calcule a funcao de particao para N partıculas.

(b) Usando argumentos termodinamicos e estatısticos, esboce os graficos de

1. energia em funcao da temperatura,

2. momento magnetico medio em funcao do campo, para dois valores difer-

entes de temperatura,

3. calor especıfico em funcao da temperatura e

4. entropia em funcao da energia.

Em cada ıtem explique detalhadamente como obteve os comportamentos

assintoticos. Resposta comentada

(a) A energia do sistema completo, com N partıculas, pode ser escrita como

E =N∑

i=1

εi = −m0B

N∑

i=1

σi .

185CEDERJ

Page 177: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 16 - Problemas de revisao

O enunciado diz que as partıculas fazem parte de um solido, entao nao pre-

cisamos considerar a correcao de Gibbs ja que as partıculas nao podem trocar

de lugar, sendo distinguıveis pela posicao. Temos entao

ZN =∑

σ1

σ2

. . .

σN

exp

(

βm0B

i

σi

)

(16.1)

=∑

σ1

σ2

. . .

σN

i

exp (βm0Bσi)

=

[∑

σ1

exp (βm0Bσ1]

]N

=

[

exp

(

−βm0B3

2

)

+ exp

(

−βm0B1

2

)

+ exp

(βm0B1

2

)

+ exp

(βm0B3

2

)]N

=

[

2 cosh

(βm0B

2

)

+ 2cosh

(3βm0B

2

)]N

(b) Para todos os ıtens as seguintes ideias sao importantes:

• O numero de nıveis de energia e finito.

• Sao 4 nıveis, em ordem crescente de energia: −3m0B/2, −m0B/2,

m0B/2, e 3m0B/2.

• Em termos da energia total do sistema, 3 valores sao importantes:

E = −3Nm0B/2 quando todos os atomos tiverem seus momentos

magneticos alinhados com o campo, com maxima projecao, correspon-

dendo a S = 0; E = 0 quando todos os nıveis estiverem igualmente

populados, cada um com N/4 partıculas. Esta e a configuracao de

maior entropia; E = 3Nm0B/2 quando todos os atomos tiverem seus

momentos magneticos alinhados ao contrario do campo, com maxima

projecao, que tambem corresponde a S = 0.

• A energia e limitada, ou seja, tem um valor maximo (= 0) quando

T → ∞. Isso significa que dE/dT → 0 quando T → ∞.

• ∂S∂E

= 1T

> 0.

• ∂E∂T

= CX > 0.

• Da terceira lei: ∂S∂T

= 0 e S = 0 em T = 0.

1. energia em funcao da temperatura: O que minimiza a energia

e estar alinhado com o campo, com o maior σ. Assim, em T = 0,

CEDERJ 186

Page 178: Física Estatística

Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16

quando nao ha influencia de entropia, todos os atomos tem σ = 3/2, e

E = −3NBm0/2. Temos tambem que a derivada nesse ponto deve ser

nula, porque dE/dT e a capacidade termica, que e nula em T = 0, (veja

o ıtem (d)). Quando T → ∞, a entropia predomina na determinacao

do estado de equilıbrio. Assim como na distribuicao binomial, aqui a

configuracao de maior multiplicidade e aquela em que os nıveis estao

igualmente populados, dando E = 0.

2. momento magnetico medio em funcao do campo, para dois val-

ores diferentes de temperatura: O sinal de B indica em que sentido esta

sendo aplicado, para uma dada direcao. De qualquer forma, quando

|B| → ∞ todas as partıculas devem estar alinhadas com o campo.

Quanto mais baixa for a temperatura, menor o valor de campo capaz

de saturar a magnetizacao, isso leva a que ∂M/∂B quando B = 0 deve

ser maior para a menor temperatura.

3. calor especıfico em funcao da temperatura: e a curva da derivada

da curva (b). Deve ser nulo em T = 0 (terceira lei), e deve → 0 para

temperaturas altas, ja que a energia e limitada, logo tem que passar

por um maximo (anomalia Schottky).

4. entropia em funcao da energia: basta associar S com os valores de

energia do ıtem (b).

Atividade 2

As teorias que descrevem a radiacao de fundo do universo como radiacao

termica reminicente do big bang, pressupoem que a expansao do universo se

deu de forma isentropica e neste caso, o numero de fotons em cada frequencia

teria se mantido constante, enquanto que a frequencia de cada modo teria

se alterado pelo aumento do volume (explique!). Queremos mostrar que a

entropia do gas de fotons pode ser escrita apenas em funcao das ocupacoes

medias 〈η〉 de cada modo. Para isto, mostre que

(a) S = lnZ + κTZ

∂Z∂T

(b) Z = 〈η + 1〉.

(c) 〈η+1〉〈η〉 = exp

(~wκT

)

(d) S/κ = 〈η + 1〉 ln〈η + 1〉 − 〈η〉 ln〈η〉

Resposta comentada

Seguindo o mesmo procedimentopara a obtencao da relacao (??), encon-

tramos

S = −

(∂F

∂T

)

V

187CEDERJ

Page 179: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 16 - Problemas de revisao

CEDERJ 188

Page 180: Física Estatística

Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16

Como F = −κT lnZ, temos

S = κT lnZ + κT1

Z

∂Z

∂T

onde Z = [1 − exp (β~ω)]−1.

Usamos a distribuicao de Planck para escrever Z em termos de 〈η〉. Sabmeos

que

〈η〉 =1

exp (β~ω)− 1.

Podemos entao escrever

〈η + 1〉 = 〈η〉 + 1 = Z

tambem,〈η + 1〉

〈η〉= exp (β~ω)

ou~ω

κT= ln

(〈η + 1〉

〈η〉

)

Assim, podemos escrever

∂Z

∂T=

1

T〈η + 1〉〈η〉 ln

(〈η + 1〉

〈η〉

)

Finalmente,S

κ= 〈η + 1〉 ln〈η + 1〉 − 〈η〉 ln〈η〉

Atividade 3

Mostre que o potencial quımico do gas ideal classico, sem graus de liberdade

internos, e dado por

µ(V, T, N) = κT ln

(N

V φq

)

,

onde φq e a concentracao quantica, T a temperatura e V o volume.

Resposta comentada

O potencial quımico pode ser calculado de varias maneiras.

pela energia livre de Helmholtz: F = −κT lnZN , e ZN = (Z1)N/N !. A aprox-

imacao de Stirling (lnN ! ≈ N lnN − N) pode ser usada, e finalmente a

definicao µ = ∂F∂N

.

pelo limite classico das ocupacoes quanticas:

As ocupacoes sao dadas por

f(ε) =1

exp(

ε−µκT

)± 1

189CEDERJ

Page 181: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 16 - Problemas de revisao

No limite classico nao importa se as partıculas sao bosons ou fermions, ou

seja, exp(

ε−µκT

) 1, e f(ε) = exp

(µ−εκT

). O numero total de partıculas pode

ser calculado somando f(ε) para todos os orbitais:

N =∑

i

exp

(

−εi − µ

κT

)

= exp(

µ

κT

)∑

i

exp(

−εi

κT

)

= exp(

µ

κT

)

Z1.

Usando a expressao de Z1 dada, e invertendo encontra-se a expressao para

µ.

Atividade 4

Suponha um gas de fotons a uma temperatura T , em equilıbrio termico

com uma cavidade d-dimensional de volume V = Ld. Se omitimos a energia

contante do ponto zero, podemos escrever a energia de um foton de frequencia

ω como ε = ~ω.

(a) Calcule o numero medio de fotons com frequencia ω na cavidade.

(b) As frequencias possıveis dentro da cavidade podem ser escritas como

ωn = nπcL

, onde n2 =

n21 + n

22 + . . . + n

2d. Mostre que a energia total da

cavidade e

E = AV (κT )d+1,

onde A e uma constante.

(c) Mostre o que o numero total de fotons e

N = A′V (κT )

d,

onde A′ e uma constante.

(d) Calcule a entropia do gas.

Resposta comentada

(a) s fotons de frequencia ω tem energia s~ω, assim

Z =∞∑

s=0

exp

(

−s~ω

τ

)

=1

1 − exp(−~ω

τ

)

O numero medio de fotons com uma dada e frequencia

〈s〉 =

∑∞s=0 s exp

(− s~ω

τ

)

Z= −

dlnZ

dy,

onde y = ~ω/τ . Assim,

〈s〉 =1

exp(

~ωτ

)− 1

(b) E = 2∫∞

0~ωn〈sn〉g(n)dn, onde g(n)dn e o numero de microestados de

frequencia entre n e n + dn. O fator 2 leva em consideracao as duas polar-

izacoes possıveis. Num espaco d-dimensional, o numero de microestados e

CEDERJ 190

Page 182: Física Estatística

Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16

dado pelo volume da casca esferica de raio n e espessura dn, dividido por 2d,

porque n deve ser sempre positivo. Ou seja,

g(n)dn = 2−dCdn

d−1dn,

onde Cd e uma constante que depende da dimensao (ex: C1 = 1, C2 = 2π,

C3 = 4π). Assim,

E = 21−dCd

∫ ∞

0

~nπc

L

1

exp(

~ωτ

)− 1

nd−1

dn,

ou

E = 21−dCdτ

(τL

~πc

)d ∫ ∞

0

xd

ex − 1dx

ou seja, E = AV τd+1, onde A = 21−d(~πc)−d

CdI , e I e o valor da integral em

x. (c) O numero total de fotons pode ser obtido somando-se as ocupacoes de

todos os microestados,

N =

∫ ∞

0

〈sn〉g(n)dn

Seguindo o mesmo procedimento acima temos N = A′V τ

d, onde A′ =

21−dCdI

′(~πc)−d, sendo I′ =

∫∞0

xd−1

ex−1dx. (d) Para um processo a V con-

stante, dU = TdS, assim, dS = AV κd−1

Td−2, logo

S(T ) = AVκ

d−1

d − 1T

d−1,

onde usamos que S = 0 quando T = 0.

Atividade 5

Um cilindro de raio R roda em torno de seu eixo com velocidade angular ω

e contem um gas ideal classico de atomos de massa M , a temperatura T .

Calcule a concentracao de equilıbrio do gas.

Resposta comentada

No referencial rodando com o gas atua sobre cada molecula a uma distancia

r do centro uma forca centrıfuga mω2r. A energia potencial associada a

essa forca e U = −mω2r2/2. Assim, numa distancia r do centro o potencial

quımico total e

µt = κT ln

φq

)

−mω

2r2

2.

No equilıbrio devemos ter µt(0) = µt(r), levando a

φ(r) = φ(0) exp

(mω

2r2

2κT

)

191CEDERJ

Page 183: Física Estatística

Física Estatística e

Matéria Condensada

Aula 16 - Problemas de revisao

Atividade 6

Um gas de bosons com massa m e spin 1 esta confinado a uma area A = L2,

a temperatura T .

(a) Mostre que o potencial quımico do gas e dado por

µ = κT

ln

[

1 − exp

(

−2φπ~

2

3mκT

)]

,

onde φ e a concentracao.

(b) Explique em que condicoes de temperatura e concentracao esse gas ap-

resenta condensacao.

Resposta comentada

(a) A densidade de orbitais em d = 2 e

D(ε) = (2s + 1)mA

2~2π=

3mA

2~2π

Note que ao contrario do caso tridimensional, D(0) 6= 0. O numero total de

partıculas no sistema pode ser calculado somando a ocupacao de todos os

orbitais:

N =

∫ ∞

0

f(ε)D(ε)dε

=3mA

2~2π

∫ ∞

0

exp(

ε−µκT

)− 1

=3mA

2~2π

∫ ∞

0

exp(

µ−εκT

)dε

1 − exp(

µ−εκT

)

=3mAκT

2~2πln

[

1 − exp

(µ − ε

κT

)]∣∣∣∣

0

= −3mAκT

2~2πln[

1 − exp(

µ

κT

)]

Resolvendo para µ, e definindo a concentracao bidimensional φ ≡ N/A obte-

mos a resposta desejada.

(b) Para que ocorra condensacao devemos ter µ = 0. Pela expressao dada,

vemos que isso so e possıvel se φ → ∞ para T 6= 0, ou se T = 0 com

concetracao finita.

Atividade 7

A energia de uma partıcula relativıstica e dada por ε = c

m2 + p2, onde m

e a massa da partıcula, p seu momento linear e c a velocidade da luz. No

regime relativıstico extremo podemos desprezar a contribuicao da massa de

repouso, escrevendo ε ≈ pc. Considere um gas de N eletrons nesse regime,

contido num volume V = L3, de forma a que o momento linear assuma os

CEDERJ 192

Page 184: Física Estatística

Aula 16 - Problemas de revisaoMODULO 1 - AULA 16

valores quantizados p = nπ~

L, onde n

2 = n2x + n

2y + n

2z.

Calcule

(a) a energia de Fermi, εF do gas,

(b) e a energia interna, E, do gas em T = 0.

(c) Mostre que em T = 0 a pressao do gas e

p =1

3

E

V.

Resposta comentada

(a) A energia de Fermi e a energia do ultimo orbital ocupado quando T = 0.

Para calcula-la, impomos que todos os eletrons devem ocupar os orbitais de

mais baixa energia, ou seja

N =

∫ ∞

0

f(ε)D(ε)dε =

∫ εF

0

D(ε)dε,

ja que em T = 0 f(ε) = 1 para ε < εF e f(ε) = 0 para ε > εF . O numero de

orbitais entre n e n + dn e

2 ×1

84πn

2dn.

Para obter a densidade de orbitais usamos que ε = π~cnL

, e dε = π~cL

dn. Com

isso,

D(ε)dε = π

(L

π~c

)3

ε2dε.

Finalmente,

N =V

3π2(~c)3ε3F → εF =

(3N

V π

)1/3

~πc

(b) A energia interna em T = 0 pode ser calculada atraves da expressao:

E = 2

∫ εF

0

εD(ε)dε =V

4π2(~c)3ε4F =

3N

4εF

(c) Sabemos que P = −(

∂F∂V

)

TN. Como F = E − TS, em T = 0 E = F ,

assim,

P = −

(∂E

∂V

)

TN

=3N

4

∂εF

∂V=

NεF

4V=

1

3

E

V

193CEDERJ