Fluência em Esperanto

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Emílio Cid e Luiz Portella Fluência em Esperanto Eldonejo Pentuvio www.pentuvio.com/ep Braziljo ― 2009

Transcript of Fluência em Esperanto

Emílio Cid e Luiz Portella

Fluência em Esperanto

Eldonejo Pentuviowww.pentuvio.com/ep

Braziljo ― 2009

Livro baseado no vídeo de mesmo nome de Emílio Cid produzidoem dezembro de 2006

Redação e parca adição de conteúdo por Luiz Portella

Revisão de Simone Schumacher Vaz Cid

Diagramação de Pentuvio

Ilustrações de Ryan Lerch e outros

Foto da capa de hotburrito2

Emílio Cid

1973 ― Iniciou estudo de esperanto.

1978 ― Começou a lecionar alemão na Associação Cultural Bra-sil―Alemanha. Ensinou alemão e inglês durante 11 anos.

1981 ― Participou do Congresso Mundial de Esperanto em Brasília.Começou a ensinar esperanto no Instituto de Física da Unicamp.

É fluente em esperanto, inglês, francês, espanhol e alemão.

emilio.cid*uol.com.br

tel. +55 (13) 3467-4702

www.uea.org/vikio/Emilio Cid

Conteudo

1 Apresentação 7

2 Fluência 8

3 Pronúncia 9

3.1 As letras E e O . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3.2 E e O no final de uma palavra . . . . . . . . . . . . . . . 10

3.3 A nasalizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

3.4 L não seguida de vogal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

3.5 R no início de palavra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

3.6 D e T seguidos de i . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

3.7 Consoantes mudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

4 Como trabalhar a pronúncia 14

4.1 Regras de pronúncia diluídas . . . . . . . . . . . . . . . 14

4.2 Como repetir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

4.3 Como corrigir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

4.4 Errar não é ruim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

4.5 Orientação para casa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

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Emílio Cid

5 Compreensão auditiva 17

6 Como estudar gramática 19

6.1 O método . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

6.2 A bicicleta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

7 Exercícios de estrutura 22

8 Conversação 25

8.1 Conversação e vocabulário . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

8.2 Ansiedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

9 Integração de alunos 29

10 E depois? 31

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1 Apresentação

Este livro foi escrito em português para queos alunos também possam aproveitar algu-mas sugestões.

Como o esperanto é uma língua relati-vamente fácil, muita gente se propõe aensiná-lo. Boa vontade é fundamental, masum pouco de conhecimento técnico sobre como ensinar traria me-lhores resultados.

Em alguns métodos mais modernos, percebem-se algumas corre-lações com o que Andreo Cseh já falava em 1930.

Nesse livro, vamos mostrar algumas possibilidades de como pode-mos conduzir uma aula. Naturalmente esse não é o único meio deensinar: são sugestões que vocês podem experimentar ou adaptar,pois cada pessoa tem sua própria maneira de ensinar e de aprender.

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2 Fluência

A maioria dos esperantistas não consegue falar fluentemente. Al-guns conhecem bem as regras gramaticais, têm um vocabuláriorazoável, conseguem até escrever uma carta em esperanto. Masgeralmente não conseguem entender o que é falado em um pro-grama de rádio em esperanto e não conseguem manter uma con-versa fluente em esperanto.

Esse é um problema que acontece com estudantes de esperanto,com estudantes de inglês, de espanhol, ou de qualquer outra lín-gua. É um falha grave nos cursos, que acaba por desanimar muitosalunos.

A experiência mais gratificante que existe é poder falar fluente-mente; conversar com esperantistas durante um congresso, ou comum visitante estrangeiro do Pasporta Servo, ou mesmo pelos bate-papos de voz na internet. Isso é vivenciar o verdadeiro esperanto.

A fluência é o objetivo principal desse vídeo, pois quanto mais pes-soas estiverem falando fluentemente o esperanto, conversando emesperanto, usando o esperanto, mais próximos nós estaremos dautilização oficial do esperanto por parte de todos os governos domundo.

O esperanto não é a língua dos anjos, nem a língua do futuro. Oesperanto é a minha língua, nossa língua e nós podemos usá-lahoje, aqui e agora.

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3 Pronúncia

Todo curso de esperanto começa explicandoas regras de pronúncia, pois a pronúnciacorreta é a base do conhecimento da fala. Apronúncia do esperanto é fácil e ainda tema vantagem de ser regular.

O professor não precisa explicar todas as regras de pronúncia deuma só vez, mas de preferência, deve explicá-las conforme foremaparecendo nas lições do livro.

Teoricamente, bastaria explicar as regras, e qualquer pessoa pode-ria pronunciar qualquer palavra ou frase em esperanto.

Teoricamente sim. Mas na prática, não é isso o que acontece, poisalém dos erros de pronúncia, existe ainda o sotaque. Vamos falarsobre o sotaque.

Imagine se você encontra um francês que fala esperanto com so-taque forte.

Mi parrôlás esperrântõn hodiaú en la kongrresô.

Terrível, não é? Sendo uma frase fácil, até que podemos entender,mas quando forem usadas outras palavras, será difícil entender. Eum brasileiro?

Mi eŝtaŝ iŝperanĉiŝtú.

Nós brasileiros, que estamos acostumados a esse sotaque na fala doportuguês, não teremos problemas para compreender, mas estran-geiros não vão entender. Isso não pode acontecer no esperanto.Precisamos ter muito cuidado com a pronúncia e evitar o sotaque.

Vamos ver alguns detalhes.

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3.1 As letras E e O

A letra “e” em esperanto não é aberta ou fechada, é ummeio termo.Se você não souber exatamente como é esta pronúncia, pronuncie“e” fechado.

“Bêla”, e não “béla”

“Lêrni”, e não “lérni”

“Jês”, e não “jés”

O mesmo vale para a letra “o”.

“Parôlas”, e não “parólas”

“Eŭrôpo”, e não “Eŭrópo”

3.2 E e O no final de uma palavra

Temos que tomar cuidado quando “e” ou “o” aparecem no final deuma palavra. A letra “e” sempre é pronunciada como “e”, nuncacomo “i”, mesmo no fim de uma palavra. A letra “o” sempre é pro-nunciada como “o”, nunca como “u”, mesmo no fim de uma palavra.

A frase leite quente dá dor de dente em geral é pronunciada lejĉikenĉi dá do ĝi denĉi. Isso nunca deve acontecer com uma palavraem esperanto, que tem a pronúncia regular.

vespere não se pronuncia “vesperi”

bone não se pronuncia “boni”

Em geral o carro é bonito é pronunciado como u carru é bonitu emportuguês.

lernanto não se pronuncia “lernantu”

revido não se pronuncia “revidu”

Em esperanto cada letra deve manter sempre o mesmo som.

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Fluência em Esperanto

A troca de “e” por “i” ou de “o” por “u” é uma questão simples desotaque que muita gente erra, e que causa confusão quando seconversa com estrangeiros. Pronuncie com atenção.

3.3 A nasalizado

Um outro erro muito comum é nasalizar a letra “a” quando ela éseguida de “m” ou “n”. Em geral pronunciamos:

kãnto, banãno, ãmo

quando deveríamos falar de maneira aberta:

kánto, banáno, ámo

como em “macarrão da máma”, onde em “máma” não temos “a”nasalizado.

Este é um tipo de sotaque que denuncia que nós somos brasileiros.

3.4 L não seguida de vogal

É errado pronunciar “l” como “u”, como nas palavras em português:sal, sol ou selva.

mal não se pronuncia mau

el não se pronuncia eu

kiel não se pronuncia kieu

A palavra “al” é totalmente diferente da palavra “aŭ”.

Em esperanto o “l” em qualquer situação tem som de “l”. Pronunciemala sem alça alongando o som do l: mallllla sem alllllça. Note quedobramos a língua para o som do verdadeiro “l”.

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3.5 R no início de palavra

Um erro que costuma passar despercebido é o da pronúncia do “r”quando esta é a primeira letra de uma palavra. A pronúncia de “rr”em carro é próxima do “h” em esperanto, enquanto que “r” em caroé o “r” em esperanto. (O carro custa R$ 100.000,00, o carro é caro)

O som do “rr” em português é sempre usado para o “r” nas palavrasrato, raro, rápido. Em esperanto o “r” mantém seu som mesmo noinício de uma palavra. Pronuncie e note a diferença:

hela (de cor clara); rela (relativo ao trilho de trem)

havi (ter); ravi (extasiar)

heĝo (cerca viva); reĝo (rei)

3.6 D e T seguidos de i

Outro ponto importante para nós é a pronúncia do “d” e do “t” antesda letra “i”, que em português são pronunciados como “ĝ” e “ĉ”.Preste atenção na pronúncia das seguintes palavras em português,nos “d”s e “t”s:

dia (ĝia), pódio (póĝio)

prática (práĉika), pátio (páĉio)

Em esperanto, “d” é sempre “d”, nunca vira “ĝ”, e “t” nunca vira “ĉ”.Há uma grande diferença no significado das palavras a seguir, bemcomo há diferença na pronúncia:

ĝiri (transferir dinheiro), diri (dizer)

ĝia (dele, dela para objetos), dia (divino)

ĉiu (todo, todos), tiu (este, esta)

Como exercício, pronuncie “gatinho bonitinho di tardi” sem usar “ĝ”ou “ĉ”.

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3.7 Consoantes mudas

Na pronúncia da palavra sed que termina com “d” mudo, não de-vemos colocar i ao final. Não devemos pronunciar “sedi”.

Em palavras como spirito, spegulo, sfero e skandalo não devemoscolocar um “i” onde não há. Assim devemos evitar a pronúncia“ispirito”. Comece apenas com o som do “s”, sibilar. (esperantoe outras palavras iniciadas em “es” não devem ser pronunciadascomo “speranto”, sem “e”!)

O mesmo problema pode ser encontrado nas palavras kvar, kvin elingvo, que nunca devem ser pronunciadas como “kivar”, “kivin” ou“lingivo”. Não coloque um i que não existe. São sons mais difíceisde se pronunciar em esperanto.

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4 Como trabalhar a pronúncia

Eis várias sugestões de como trabalhar apronúncia.

4.1 Regras de pronúncia diluídas

O professor não deve explicar todas as regras de pronúncia de umasó vez, mas de preferência, explicá-las conforme forem aparecendonas lições.

4.2 Como repetir

O professor lê parte de uma frase e pede que os alunos repitam.Os alunos devem repetir todos juntos e sincronizados, pois se fala-rem de maneira desencontrada, o professor não tem como perceberquem está errando. Caso necessário, ele lê e em seguida conta “1,2, 3” para todos começarem a repetir juntos, como um maestro.

O professor deve incentivar todos os alunos a repetir alto e claro,sem engolir palavras ou fingir que falam. Falar de maneira erradaou certa, mas com segurança. Se o aluno falar corretamente,porém com voz baixa ou insegurança, peça para repetir.

O aluno deve repetir todas as vezes que o professor pedir, pois nãose trata de um teste, é para fixar melhor e dar mais segurança. De-pois de bem praticado em grupo, o professor escolhe alguns alunospara repetir o texto em separado.

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Às vezes o aluno acha que já sabe, então ele começa a ler mais ra-pidamente. Não permita isso. Tentando falar de modo mais rápidoele começa a engolir alguns sons ou algumas letras, cometendo al-guns erros. Inicialmente o aluno deve falar detalhadamente, bemdevagar, sem exageros.

Durante a leitura, o professor deve exigir a boa pronúncia sempre,nunca permitir relaxamento. Pode acontecer de o aluno relaxar napronúncia, mas ele ouve o professor e os outros alunos e sabe,mesmo que inconscientemente, que sua pronúncia é inadequada.Por isso ele pode perder sua segurança e evitar falar, perdendo achance de conquistar a fluência.

Inicialmente a entonação não é o mais importante, e sim a pronún-cia correta de cada letra, de cada som, evitando sempre o sotaque.Com o passar do tempo a velocidade e a espontaneidade vêm na-turalmente.

4.3 Como corrigir

O aluno no início comete muitos erros, e não é produtivo apontartodos os erros cada vez que ele erra, pois o aluno não teria comolidar com tanta informação. O equilibrista do circo começa equili-brando apenas um prato, depois dois, três e assim por diante.

Melhor seria o professor anotar em uma ficha apenas os errosmaisgraves de cada aluno e concentrar atenção nestes erros. Assim queo aluno superar esses erros mais graves, o professor pode começara corrigir os outros erros menos graves. Os alunos podem escreverno livro algumas dicas de pronúncia, como por exemplo, um acentocircunflexo nas letras “e” e “o” para se lembrarem de não pronunciá-las de maneira aberta.

Pode acontecer de haver um aluno que já saiba bem a pronúnciae comece a corrigir os outros. O professor não deve permitir isso,mas pode pedir eventualmente que ele faça a leitura inicial. É umamaneira de ir acostumando alunos mais adiantados a ensinar tam-bém.

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4.4 Errar não é ruim

O orgulho, ou a vergonha, de falar de modo errado na frente dosoutros faz com que com o aluno evite falar. É preciso explicar quetodos são aprendizes, e que é errando que se aprende. Os alunosdevem fazer de conta que são crianças que estão aprendendo.

Por exemplo, em francês é preciso fazer biquinho para falar unefleur. Mas há aluno que tem vergonha e se recusa a fazer biquinho.Este aluno está falando errado e na França seria motivo de piada.Os franceses iriam apontar e dizer, “olha como ele fala engraçado”.

Em esperanto não é preciso fazer biquinho, mas tem alguns sonsque são diferentes, e o aluno tem que ter a boa vontade de pronun-ciar do jeito certo e não do jeito que ele quer. Isto é fundamentalpara se ter segurança e fluência em esperanto.

Orgulho, vergonha de falar, insegurança, baixa autoestima e outrosfatores psicológicos fazem diferença para se obter fluência ao finaldo curso básico. Mesmo no erro, o aluno deve falar alto e comsegurança.

4.5 Orientação para casa

O aluno deve estudar em casa ouvindo o CD do curso, se houverum. O aluno deve ouvir e repetir em voz alta. O aluno pode atéfalar baixo, mas deve falar, mexer a boca e emitir som. Ao estudarapenas mentalmente, sem falar, o aluno deixa de usar a boca e dese acostumar com os sons.

Uma boa maneira de realmente aprender a pronúncia é com o usodo Laboratório de Pronúncia:http://vocale.org/mondo/minicurso/m1/p1-13.htm

O locutor lê uma frase, deixa um tempo para o aluno repetir, gra-vando, e depois repete a voz do locutor e a do aluno. Gravar aprópria voz é a melhor maneira de corrigir a pronúncia.

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5 Compreensão auditiva

É fundamental que o aluno desenvolva a ca-pacidade de entender o esperanto falado,apenas ouvindo, sem precisar ler. O pro-fessor pode ler trechos do livro, e pedir queos alunos traduzam, porém estando com oslivros fechados.

O mesmo deve ser feito com o CD do livro, se houver, para treinar acompreensão auditiva com outras vozes além da voz do professor.Alunos têm a tendência de conseguir entender a voz do professor,mas de não entender outros falantes. Por isso é importante usaroutras fontes sonoras, com outras vozes e outros sotaques.

Para isso pode-se usar CDs de músicas, inicialmente acompanhandopela letra no encarte, de preferência cantando junto. Depois ten-tando cantar sem a leitura do encarte.

No portal Music Express existem diversas músicas em MP3.http://www.musicexpress.com.br/Genero.asp?genero=36

Ouvir rádio em esperanto é uma excelente maneira de praticar. Su-gerimos:― Radio Verda www.radioverda.com e― Parolu Mondo www.parolumondo.com.

Alunos geralmente não escutam rádios porque não conseguem en-tender. Mas também não conseguem entender porque não escutamrádio.

Para romper esse círculo vicioso, é importante que o aluno insistaem ouvir rádio mesmo que não entenda. Não é preciso se esfor-çar para tentar entender, apenas escute. Deixe as palavras irementrando sem compromisso. Com o passar do tempo, o aluno co-meçará a entender muita coisa.

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Existem também muitos vídeos em esperanto. Recomendamos ouso em aula do vídeo-curso Pasporto al la Tuta mondo.http://www.youtube.com/watch?v=JqmBL3vWrXw

Existem muitos vídeos que podem ser comprados para usar em aulae outros gratuitos na internet. Por exemplo:

http://farbskatol.net/

http://vocale.org/mondo/videoj/

http://vimeo.com/album/31709

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6 Como estudar gramática

Quando estudamos geografia, matemática, história, ou outra ma-téria, estudamos de maneira racional, analítica, objetiva e consci-ente. É importante notar que a aula é o tempo inteiro na línguaportuguesa.

O aluno pretende aprender esperanto do mesmo jeito que se apren-de história ou geografia. Existe uma clara separação entre o uso dalíngua materna, que se dá de forma automática, e as análises queo aluno faz. Quando o aluno tem a intenção de ir a algum lugar,ele não analisa muito a operação; suas pernas automaticamente olevam até o local desejado. Da mesma forma, quando o aluno tem aintenção de comunicar uma idéia, ele a exprime automaticamenteusando a língua materna. E podemos comprovar facilmente quemuita gente fala antes de pensar.

Os alunos, a princípio, vão preferir uma aula com explicações gra-maticais em português, pois assim não necessitam se esforçar paraadentrar no terreno desconhecido de pensar diretamente em espe-ranto.

Como o aluno está acostumado a usar o português ao estudaroutras matérias, ele geralmente cobra explicações em português.Para o professor é mais fácil ensinar também usando o português,dando tradução do vocabulário, dando explicações gramaticais, tu-do em português. Então, tanto o aluno, quanto o professor, têm atendência de usar mais o português durante a aula. Isso é um errograve. O resultado desse método émuito conhecimento teóricoe nenhuma fluência.

6.1 O método

No caso específico do ensino de línguas, esse procedimento citadoanteriormente não serve, pois o objetivo é não usar a língua ma-

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terna. O aluno reluta em abandonar o seu pensamento analítico,baseado na segurança da língua materna. Na verdade, ele sentemesmo medo de abandonar sua língua materna.

O correto é ensinar diretamente na língua que se está estu-dando, evitando ao máximo o uso do português.

O ideal é que a aula seja toda em esperanto. Se necessário,fale em esperanto e traduza em seguida. Procure usar sempre asmesmas frases para facilitar, com o tempo os alunos se acostumamcom esses comandos do professor e você não precisa mais traduzir,passando a usar um método totalmente direto, sem traduções.

O aluno não deve escrever a tradução de palavras no livro. Senecessário, escreva em um caderno separado. Se ele não se lem-brar da tradução de uma palavra, ele terá que forçar a memória, outer o esforço de procurar em outro lugar. Já se a tradução estiverao lado, não existe esforço, e por isso não há memorização.

No livro Manlibro pri Instruado de Esperanto, edi-tado por E@I e ILEI de vários autores, temos diver-sas informações sobre o ensino de esperanto, bemcomo sobre os métodos já criados especificamentepara o esperanto. O livro pode ser lido gratuita-mente no endereço www.edukado.net

6.2 A bicicleta

Durante um tempo, ensinei alemão como reforço para alunos doCurso de letras da PUC. O objetivo da aula era reforçar a gramáticae o vocabulário, pois era o que cairia nas provas. Fiquei impressi-onado pois os alunos já sabiam grande parte da gramática alemã,tinham um vocabulário bem rico, e conheciam literatura germânica.Mas tinham uma pronúncia péssima e não falavam alemão. Conhe-ciam uma lista enorme de palavras, sabiam as regras gramaticaisde cor, mas não falavam alemão.

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Esse é um problema clássico no ensino de línguas, e não é culpado aluno. Ou o método está errado, ou o professor não sabe usaro método.

Imagine que toda semana uma pessoa compre uma peça de bici-cleta e guarde essa peça na garagem. Toda semana ela guardauma nova peça de bicicleta na garagem. Depois de um ano essapessoa espera abrir a garagem, encontrar uma bicicleta pronta parapassear. Mas na realidade a bicicleta não vai estar lá, tudo que vaiestar na garagem será um amontoado de peças, sendo que algumaspeças até se perderam no meio da bagunça.

Da mesma forma, não é de grande utilidade decorar regras e pa-lavras isoladas e armazenar esses “pedaços de língua” em algumlugar da memória. Assim como as peças da bicicleta não vão semontar sozinhas, esses elementos de língua não vão se transformarmagicamente em estruturas e frases prontas para serem utilizadas.

Ter um bom vocabulário e conhecer as re-gras gramaticais é apenas o início, mas épreciso juntar tudo isso em estruturas lin-guísticas.

O uso de um método direto é fortementerecomendado.

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7 Exercícios de estrutura

Exercícios de estrutura tentam simular a maneira como aprendemosa nossa língua materna, quando éramos crianças. Uma criança diz:

― Mamãe, eu quero mamadeira.

sem saber o que é sujeito, nem objeto direto, sem fazer análisesintática.

Criança não estuda gramática, nem decora lista de palavras. Elarepete, fala o que ouve e usa tudo o que sabe. Uma criança de4 anos tem um vocabulário muito limitado, mas consegue se ex-pressar muito bem. Um aluno com 4 anos de estudo tradicionalde idioma, possui um vocabulário bem mais sofisticado, porém nãoconsegue se comunicar.

Vamos ao exercício. O professor deve preparar antecipadamenteperguntas que contenham o vocabulário e a gramática a seremexercitados. Isso pode ser feito escolhendo um método adequado,ou criando tudo do zero, caso o professor queira criar um métodopróprio ou fazer experimentações. (Em alguns métodos os alunosnão usam livro.)

Mande os alunos fecharem os livros. Aluno sem livro geralmenteentra em pânico, mas isso é necessário para exercitar a estruturade conversa olho no olho.

O professor começa com uma frase afirmativa:

― Mi nomiĝas Emilio.

e faz uma pergunta:

― Kiel vi nomiĝas?

O aluno deve sempre dar uma resposta completa (Mi nomiĝasMaria) e não responder simplesmente “José” ou “Maria”. Da mesmaforma para outras perguntas as respostas não devem ser simples-mente “jes” ou “ne”.

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O professor repete a mesma pergunta para outros alunos, sempreajudando os alunos a responderem, pois isso não é um teste.

Evite testar os alunos, fazendo perguntas com estruturas muito va-riadas. Se você está treinando com eles uma estrutura, você devese ater a essa estrutura e ir mudando aos poucos. Quando é teste,o aluno fica tenso e não se desenvolve. Quando é um exercício fá-cil, de repetição com pequenas variações, o aluno fica relaxado, àvontade e isso é fundamental para a conversação.

Se a classe for grande, os alunos devem responder em conjunto. Oideal é ter turmas com poucos alunos, algo em torno de seis alunos.

Depois o professor faz pequenas alterações na pergunta, mantendoa mesma estrutura.

― Mi nomiĝas Emilio.

― Kiel {mi / vi / li / ŝi / ni / ili} nomiĝas?

Aponta para um aluno e pergunta à classe ou a outro aluno:

― Kiel li nomiĝas?

aponta para uma aluna e pergunta à classe ou a outro aluno:

― Kiel ŝi nomiĝas?

É importante que as perguntas sofram apenas pequenas varia-ções, mantendo e exercitando a mesma estrutura. Desta formao exercício se torna muito fácil, e qualquer aluno consegue repe-tir com fluência e naturalidade. Se um aluno não conseguir repe-tir corretamente, o professor deve ajudar, repetindo a afirmação,repetindo a pergunta e até mesmo “soprando” a resposta, pois oobjetivo não é testar o aluno e sim exercitá-lo.

Em toda aula deve-se praticar esse tipo de exercício durante 30minutos, na parte final da aula.

― Mi nomiĝas Emilio. Ĉu {mi / vi / li / ŝi / ni / ili} nomiĝas {Johano/ Maria}?

― Mi ne kantas. Ĉu {mi / vi / li / ŝi / ni / ili} kantas?

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― Mi fartas bone. Kiel {mi / vi / li / ŝi / ni / ili} fartas?

― Mi kantas bone. Kiel {mi / vi / li / ŝi / ni / ili} kantas?

― Mi estas en Brazilo. Ĉu {mi / vi / li / ŝi / ni / ili} estas en {Ameriko/ Afriko}?

― Mi deziras iri al Azio. Ĉu {mi / vi / li / ŝi / ni / ili} deziras iri al{Eŭropo / Azio}?

Em geral cidades e países em esperanto são facilmente reconheci-dos pelos alunos: Parizo, Irako, San-Paŭlo, Rusio, Ĉinio.

― Mi estas homo, mi estas viro.

― Ĉu {Oscar Schmidt / Daniele Hypolito} estas {alta / malalta}{homo / viro / virino}?

É bom pedir confirmação para afirmações falsas:

― Ĉu Daniele estas alta?

Geralmente os alunos percebem o erro dapergunta e assim reforçam o aprendizadoda regra gramatical da formação do contrá-rio. Em outros momentos o aluno deduziráregras gramaticais através desses exercí-cios.

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8 Conversação

Na parte final de toda aula, depois de treinar a pronúncia, dar bre-ves explicações gramaticais, introduzir novas palavras e fazer osexercícios de estrutura, podemos passar para a conversação.

Como você aprendeu a andar de bicicleta? Imagine alguém quetenha 6 meses de aulas teóricas sobre bicicleta, aprendendo a fun-ção de cada peça, regras de trânsito, leis da física que explicam oequilíbrio da bicicleta. Tudo isso sem pegar na bicicleta. Será quedepois de toda essa teoria a pessoa conseguirá pegar a bicicleta esair andando?

Certamente não, pois o único jeito de aprendera andar de bicicleta é andando de bicicleta e atélevando alguns tombos.

Da mesma forma, a única maneira de apren-der a falar, é falando. O professor deve ini-ciar a conversação fazendo algumas perguntassimples, porém sem a necessidade de repetiras mesmas estruturas e pedindo que os alunostambém façam perguntas entre si.

Nessa hora da conversação livre, o aluno deve estar livre para co-meter alguns erros e o professor não deve corrigir erros de pro-núncia, nem de gramática. O professor somente deve intervir se oaluno disser algo incompreensível. O professor ao invés de corri-gir pode repetir o que um aluno falou, mas de forma correta, porexemplo quando um acusativo for esquecido.

― Mi parolas Esperanto.

― Tre bone. Vi parolas Esperanton.

O professor deve participar da conversa, fazendo perguntas, oucontando casos, para evitar que se faça o silêncio. Mas o professordeve ter o cuidado de falar usando apenas palavras conhecidas efalar bem devagar, exatamente da maneira que os alunos falam.

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Emílio Cid

Se o professor falar de maneira totalmente fluente, o aluno podeficar desanimado, por acreditar que jamais atingirá esse nível.

8.1 Conversação e vocabulário

Alunos geralmente acreditam que não conseguem falar fluente-mente porque têm vocabulário pequeno. Mas isso não é verdade,eles quase sempre têm vocabulário suficiente, somente não conse-guem utilizá-lo rapidamente por falta de treino.

Imaginem que em nosso cérebro existam gavetas. Toda palavranova ou regra gramatical que aprendemos, nós guardamos em umadeterminada gaveta. Às vezes precisamos de uma palavra que nósnão lembramos. Temos a certeza de que já a aprendemos, mas nãolembramos em qual gaveta nós a guardamos.

Com o passar do tempo, algumas gavetas podem ficar enferrujadase emperradas devido ao pouco uso e isso torna a lembrança aindamais difícil. Então quando você finalmente se lembrar da tal pa-lavra, o pessoal já está conversando sobre outro assunto. Quantomais palavras você decorar, mais demorada será a procura em ga-vetas.

Um exemplo desta situação é o jogo da memória. Se você jogar ojogo da memória com 30 peças vai ser difícil e lento, mas se jogarcom apenas 6 peças será bem mais fácil. No princípio é melhor terum vocabulário menor para ter um acesso mais fluente à memó-ria. Primeiramente precisamos conseguir ter rapidez de acesso aovocabulário já conhecido e depois ir aumentando gradativamente ovocabulário, mas sempre com exercícios para não perder a fluência.

No início, quanto mais palavras você tentar decorar, menos fluên-cia você terá. Eu sugiro sempre para os iniciantes, saber apenas obásico do básico, mas saber bem sabido, na ponta da língua. Ad-quira primeiramente a fluência, mesmo com vocabulário limitado,e somente depois vá ampliar seu vocabulário.

Geralmente o aluno pergunta algumas palavras que gostaria de sa-

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ber, mas dificilmente o mesmo aluno consegue responder pergun-tas da primeira lição. Basta perguntar ao aluno como se fala “onde”ou “quando”, para ele se enrolar. Tem aluno que pergunta como fa-lar “progresso” mas não sabe responder se eu pergunto como sediz “ele” ou “ela” em esperanto! Fica pensando, fazendo contas nacabeça, análise sintática antes de responder, ou de alguém soprar“li”, “ŝi”. A repetição dos exercícios de estrutura pode se tornarchata, mas é fundamental para o aluno adquirir fluência.

A fluência tem que existir desde a primeira lição. Não espere paraconquistá-la depois. É um engano achar que com mais palavrasvocê terá mais facilidade em conversar. Você pode até saber muitaspalavras, pode usá-las para escrever, mas não conseguirá acessá-las rapidamente para conversar.

Porém com vocabulário limitado não se pode esperar uma conver-sação muito rica e variada. Mas no início, o tema da conversa não éde grande importância, o importante é falar. Se não conseguimosfalar ou responder sobre um determinado assunto, podemos mudarde assunto, ou até mentir. Se por exemplo queremos falar de umacoisa que detestamos, porém não sabendo como falar “eu detesto”,minta e fale “eu adoro”. Vale mudar de assunto, vale mentir, sónão vale falar em português.

8.2 Ansiedade

Durante uma conversa mais empolgada, um aluno pode ficar muitoansioso por não conseguir expressar sua ideia e pede para o pro-fessor para falar rapidamente em português. O professor não devepermitir essa fala rapidinha em português, pois em 1 minuto essealuno falaria em português o que não conseguiria falar em meiahora em esperanto.

Na verdade essa ansiedade é positiva, como se oaluno fosse uma panela de pressão, e essa pres-são pode prover a energia necessária para destra-var estruturas linguísticas emperradas na memóriado aluno.

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Emílio Cid

A tradução é um grande empecilho na hora da conversação. Não sedeve traduzir, nem pedir palavras ao professor durante a conver-sação. O aluno deve tentar se expressar apenas com as palavrasque conhece.

O grande objetivo da conversação é fazer com que o aluno aprendaa contornar obstáculos, que ele aprenda a expressar suas ideiasusando apenas aquilo que já sabe. Se não sabe como dizer “tu-barão”, diga “peixe grande que come pessoas”, se não sabe dizer“peixe” diga “animal que vive na água”, se não sabe dizer “animal”,diga “coisa”.

Não importa se a conversa ficar parecida com “fala de índio” que diz:“aquela coisa que serve para coisar a outra coisa”. O importante éfalar, destravar a fala, desinibir. Depois disso fica fácil aumentar ovocabulário.

Quanto mais o aluno praticar os exercícios de estrutura e a conver-sação, mais ele estará percorrendo uma trilha, que aos poucos vaise alargando, e a comunicação vai ficando cada vez mais rápida eeficiente.

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9 Integração de alunos

O professor deve se esforçar sempre parapromover a integração entre diferentes tur-mas de alunos, organizando encontros pe-riódicos destas turmas em um dia especial.

Nesses encontros, seria interessante quealguns alunos mais adiantados preparas-sem uma pequena apresentação, declama-ção ou leitura, quem sabe até uma pequenaencenação teatral. Bingo e outros jogos sãointeressantes.

Se houver condição, pode-se marcar um evento em local com aces-so à internet, para participar de um bate-papo com esperantistasde outros países.

Eis alguns endereços:

http://www.babilejo.org/

http://babilejo.cjb.net/ (paltalk)

http://vocale.org/mondo/skajpo/ (skype)

Isso reforça em todos a ideia de que existe mais gente estudandoesperanto, em todo canto do mundo, o que entusiasma os alunos.

Seria interessante que em toda aula o professor reservasse 5 minu-tos para repassar informações gerais sobre o esperanto e tambémnotícias do mundo esperantista. Procure informações nas páginas:

Liga Brasileira de Esperantohttp://www.esperanto.org.br/

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Emílio Cid

Juventude Esperantistahttp://bejo.esperanto.org.br/

Liga Internacional de Professores Esperantistashttp://www.ileibr.org

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10 E depois?

Durante as aulas, o professor pode pedir eventualmente aos alu-nos mais aplicados que façam uma leitura ou expliquem algo degramática.

Com isso, sem perceber eles vão se transformando em auxiliares oumonitores. Após o término do curso básico e intermediário, essesalunos podem se tornar professores em novos cursos.

É importante que o professor mais antigo incentive a criação de no-vas turmas, com novos professores. Se os novos professores aindaestiverem inseguros, o professor antigo deve ajudar indo às aulas,porém sem falar nada. Qualquer comentário ou crítica ao métododeve ser feito depois da aula, para não prejudicar a autoridade donovo professor diante de seus alunos.

É importante que haja novos professores, para que novas turmaspossam surgir em horários e locais diferentes.

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