Forças intermitentes podem ser convenientes

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109 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006 Controvérsias Forças intermitentes podem ser convenientes no tratamento ortodôntico Por Alberto Consolaro* Interromper a ação de uma força ortodôntica contí- nua e dissipante para novamente aplicá-la nos mesmos dentes, depois de um período de tempo, pode ser neces- sário e/ou inevitável, mas também pode ser optativo. Em casos de traumatismos, quebras de aparelhos fi- xos, descolagem e outros tipos de acidentes é inevitá- vel que por, pelo menos, alguns minutos, horas ou até dias ocorra a interrupção da força contínua, constante ou dissipante. Em casos de problemas periodontais, alterações endodônticas, fraturas coronárias e outras situações, em que para o profissional atuar deve-se re- mover o aparelho ou desativar a força aplicada, a inter- rupção é necessária. Os aparelhos ortodônticos podem ser removíveis e o seu uso, contínuo ou intermitentemente, inter- rompido. Se isto pode melhorar ou dificultar a movi- mentação dentária, quanto à velocidade e redução da freqüência de reabsorções dentárias, ainda é objeto de muita discussão e controvérsia. Nos aparelhos fixos, o uso de elásticos e de mini- implantes propicia a oportunidade de aplicar forças contínuas que podem sofrer períodos de interrupção, sem a remoção dos mesmos. Estas interrupções são freqüentemente denominadas períodos de inativação ou de repouso. Há alguns anos, atrás o uso de aparelhos extrabu- cais era generalizado e os períodos de inativação das forças eram comuns, quando removidos para ativida- des escolares e lazer. A colaboração do paciente era fundamental, mas muitas vezes não era obtida. Na atualidade, na finalização dos casos clínicos, a ancoragem temporária pode ser feita na intercuspida- ção com o uso alternado de elásticos intermaxilares nos dentes antagonistas. Nas primeiras horas da movimentação induzida, em condições clínicas de movimentos de inclinação, o deslocamento dentário pode ser até de 0,9mm, mas isto ocorre pela compressão do ligamento periodontal, pela rotação radicular no alvéolo e pela deflexão ós- sea 4 . Mas algumas dúvidas ainda persistem: * Quanto tempo demora para o osso alveolar ser reabsorvido pelas células ósseas e sua morfologia mu- dar e situar o dente em uma posição nova e estável? * Qual o intervalo de tempo em que uma força contínua dissipante pode ser reaplicada no mesmo dente, com o mínimo dano à raiz, ligamento periodon- tal e osso alveolar? * Estas repetidas aplicações de forças e períodos de interrupção promoveriam reabsorções radiculares? Em syllabus de 1975, Andrews 2 sugeriu um perío- do mínimo de 10h para ativar a reabsorção óssea pe- los clastos na superfície do alvéolo, durante a movi- mentação dentária induzida sob forças constantes. A eliminação do estresse mecânico pela suspensão da força, mesmo após um curto período de tempo, se- ria suficiente para interromper a atividade clástica.

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109Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 5 - out./nov. 2006

Controvérsias

Forças intermitentes podem ser convenientes no tratamento ortodôntico

Por Alberto Consolaro*

Interromper a ação de uma força ortodôntica contí-

nua e dissipante para novamente aplicá-la nos mesmos

dentes, depois de um período de tempo, pode ser neces-

sário e/ou inevitável, mas também pode ser optativo.

Em casos de traumatismos, quebras de aparelhos fi-

xos, descolagem e outros tipos de acidentes é inevitá-

vel que por, pelo menos, alguns minutos, horas ou até

dias ocorra a interrupção da força contínua, constante

ou dissipante. Em casos de problemas periodontais,

alterações endodônticas, fraturas coronárias e outras

situações, em que para o profissional atuar deve-se re-

mover o aparelho ou desativar a força aplicada, a inter-

rupção é necessária.

Os aparelhos ortodônticos podem ser removíveis

e o seu uso, contínuo ou intermitentemente, inter-

rompido. Se isto pode melhorar ou dificultar a movi-

mentação dentária, quanto à velocidade e redução da

freqüência de reabsorções dentárias, ainda é objeto de

muita discussão e controvérsia.

Nos aparelhos fixos, o uso de elásticos e de mini-

implantes propicia a oportunidade de aplicar forças

contínuas que podem sofrer períodos de interrupção,

sem a remoção dos mesmos. Estas interrupções são

freqüentemente denominadas períodos de inativação

ou de repouso.

Há alguns anos, atrás o uso de aparelhos extrabu-

cais era generalizado e os períodos de inativação das

forças eram comuns, quando removidos para ativida-

des escolares e lazer. A colaboração do paciente era

fundamental, mas muitas vezes não era obtida.

Na atualidade, na finalização dos casos clínicos, a

ancoragem temporária pode ser feita na intercuspida-

ção com o uso alternado de elásticos intermaxilares

nos dentes antagonistas.

Nas primeiras horas da movimentação induzida,

em condições clínicas de movimentos de inclinação,

o deslocamento dentário pode ser até de 0,9mm, mas

isto ocorre pela compressão do ligamento periodontal,

pela rotação radicular no alvéolo e pela deflexão ós-

sea4. Mas algumas dúvidas ainda persistem:

* Quanto tempo demora para o osso alveolar ser

reabsorvido pelas células ósseas e sua morfologia mu-

dar e situar o dente em uma posição nova e estável?

* Qual o intervalo de tempo em que uma força

contínua dissipante pode ser reaplicada no mesmo

dente, com o mínimo dano à raiz, ligamento periodon-

tal e osso alveolar?

* Estas repetidas aplicações de forças e períodos

de interrupção promoveriam reabsorções radiculares?

Em syllabus de 1975, Andrews2 sugeriu um perío-

do mínimo de 10h para ativar a reabsorção óssea pe-

los clastos na superfície do alvéolo, durante a movi-

mentação dentária induzida sob forças constantes.

A eliminação do estresse mecânico pela suspensão da

força, mesmo após um curto período de tempo, se-

ria suficiente para interromper a atividade clástica.

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Uma nova aplicação de forças requeriria uma retomada

do processo desde o seu início.

A “teoria das 10 horas” formulada por Andrews2

determinou clinicamente a necessidade do uso contí-

nuo de aparelhos ortodônticos removíveis, se o obje-

tivo fosse a movimentação dentária. Por outro lado,

a teoria das 10h dá suporte à ancoragem temporária

na intercuspidação, como o uso alternado de elásticos

intermaxilares nos dentes antagonistas na finalização

de casos clínicos, movimentando apenas os dentes de

interesse, sem efeitos colaterais indesejáveis nos de-

mais dentes que não se quer movimentar.

O tempo de 10h estabelecido por Andrews2 se apro-

xima do observado por Roberts et al.4, que preconizaram

a utilização do aparelho extrabucal entre 10 e 12h para

a manutenção da ancoragem e um mínimo de 12h para

desencadear a resposta biológica capaz de promover

a movimentação dentária satisfatória. Uma condição

favorável de neoformação e reabsorção requer alguns

dias de força contínua dissipante para que os osteo-

blastos e clastos adquiram condições máximas de fun-

ção. Do início da histogênese do osteoblastos, quando

passa da fase de pré-osteoblastos, até sua maturação,

são necessários aproximadamente 72h. Os clastos por

sua vez, em um espaço periodontal sob estresse, alcan-

çam sua função máxima por volta de 48h.

Apesar de amplamente difundida, a “teoria das 10

horas” só foi microscopicamente estudada em 1996,

quando Cuoghi3, em sua tese de doutorado em maca-

cos, quantificou a movimentação dentária nas primeiras

24h e estudou microscopicamente os fenômenos teci-

duais induzidos, para esclarecer a conveniência do uso

clínico de forças contínuas ou intermitentes. Sob força

contínua dissipante analisou-se a movimentação depois

de 5, 10, 15, 20 e 25h. Na situação de força contínua in-

termitente os períodos foram: 10h de força com 5h de

repouso, 10hF/10hR, 10hF/5hR/5hF e 10hF/5hR/10hF.

Os resultados nas primeiras 25 horas revelaram que:

a) a movimentação dentária induzida atingiu seu

pico máximo após 10h de força contínua dissipante;

b) nos períodos de 10, 15, 20 e 25h as movimen-

tações dentárias não apresentaram diferenças signi-

ficantes, pois permaneceram no mesmo patamar das

10h de movimentação;

c) as forças contínuas sem períodos de repouso

proporcionaram maiores movimentações. Após 10h de

força contínua dissipante e repouso de 5h, a quanti-

dade de movimentação foi menor nas reativações em

períodos de 5 e 10h de força.

As conclusões foram:

1. Para uma movimentação dentária efetiva, as

forças devem ser contínuas. Os períodos de repouso

devem ser mínimos e a interrupção da força não favo-

rece a movimentação dentária;

2. Nas primeiras 20h, microscopicamente sem

alterações ósseas, a movimentação ocorreu pela com-

pressão do ligamento e pela deflexão óssea e não pela

ação de células clásticas e conseqüente reabsorção ós-

sea alveolar;

3. A deflexão óssea nos lados de pressão e tensão

está intimamente relacionada com a pressão radicular

e o estiramento das fibras periodontais.

A falta de movimentação dentária induzida, com

base na reabsorção óssea nas primeiras 20 horas, revela

que a interrupção das forças pode ser conveniente cli-

nicamente na ancoragem temporária, como na inter-

cuspidação, com uso alternado de elásticos intermaxi-

lares nos dentes antagonistas, facilitando a finalização

de casos clínicos. Os dentes utilizados na ancoragem

durante a intercuspidação voltam a sua posição origi-

nal, pois o seu movimento baseou-se exclusivamente

na compressão periodontal e na deflexão óssea. A mo-

bilização celular e tecidual para iniciar esta movimen-

tação requer um período muito maior que 10 horas.

Outro enfoque sobre as forças contínuas ou inter-

mitentes está na observação que o emprego de forças

descontínuas promoveu menor freqüência de reabsor-

ções radiculares em pré-molares humanos movimen-

tados por 9 semanas1. Em um dos lados, a força aplica-

da com elásticos foi contínua por 24h/dia, no outro a

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força era aplicada a cada 12h.

No trabalho em macacos de Cuoghi3 pode-se ver

que as superfícies radiculares em nenhum momento

das primeiras 20 horas de movimentação apresentaram

reabsorções dentárias, mesmo quando microscopica-

mente analisadas. Os cementoblastos que apresenta-

vam-se eliminados pela pressão, após 5 e 10 horas de

repouso, estavam substituídos e reposicionados com

morfologia muito parecida a de um dente sob condi-

ções de normalidade, sem movimento dentário.

Força Contínua Dissipante

Período de Repouso

Período de Reativação

mm

0hF 5hF 10hF 15hF 20hF 25hF

0,9

0,8

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

0

0,37

0,810,79

0,62

0,47

0,46

0,31

0,02

TEMPO

Figura 1 - A movimentação dentária induzida por forças contínuas nos dentes de macacos depois de 10, 15 e 20 horas mantinha o mesmo patamar sem diferença estatisticamente significante entre este períodos. Depois de 5 horas de repouso, mesmo 10 horas depois da reativação da força, o nível de movimentação dentária não chegava próximo ao obtido pela aplicação de força contínua. Depois de 10 horas de força contínua e repouso de 10 horas, os dentes voltaram à posição original (de Cuoghi, 1996).

Prof. Dr. Alberto Consolaro* Professor Titular em Patologia Bucal pela Faculdade de Odontologia de Bauru - FOB-USP - e-mail: [email protected]

REFERÊNCIAS 1. ACAR, A.; CANYUREK, U.; KOCAAGA, M.; ERVERDI, N. Continuous vs. disconti-

nuous force application and root resorption. Angle Orthod, Appleton, v. 69,

p.159-163, 1999. Discussion, 1634.

2. ANDREWS, L. F. FORCES (tenhours theory) in the straigthwire appliance: sylla-

bus of philosophy and techniques. San Diego: [s.n.], 1975.

3. CUOGHI, O. A. Avaliação dos primeiros momentos da movimentação dentária in-

duzida: estudo microscópico em macacos Cebus apella. 1996. Tese (Doutorado)–

Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, Bauru, 1996.

4. ROBERTS W. E.; GARETTO, L. P.; KATONA, T. R. Principles of orthodontic biome-

chanics: metabolic and mechanical control mechanisms. In: CARLSON, D. S.;

GOLDSTEIN, S. A. Bone biodynamics in orthodontic and orthopedic treatment.

Ann Arbor: Center for Human Growth and Development. University of Michi-

gan, 1992. (Craniofacial Growth Series, v.27).