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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 4 Número 11 Novembro 2013 222 FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS PARA O USO DA LOUSA DIGITAL INTERATIVA Azenaide Abreu Soares Vieira (IFMS) 1 [email protected] Regiane da Silva Macedo Lima (SED/MS) 2 [email protected] RESUMO: Apresenta-se neste artigo uma experiência de formação de professores para uso de Lousas Digitais Interativas (LDI), assim como, discutem-se as expectativas de formadores em Tecnologia Educacional e de professores de Línguas quanto à integração da nova mídia digital ao ensino. O contexto de investigação é uma escola da rede estadual de ensino localizada no interior do Estado de Mato Grosso do Sul. Essa escola foi totalmente informatizada pelo Projeto Um Computador por Aluno (PROUCA) em meados de 2011. Os participantes da pesquisa são dois professores formadores em Tecnologia Educacional (TE) e dois professores de Línguas, sendo um de Inglês e outro de Português. Os instrumentos de coleta de dados são questionários abertos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e interpretativa. O texto embasa-se nos conceitos da normalização de inovações tecnológicas integradas ao contexto educacional e na Teoria da Complexidade, que postula sobre a incompletude do pensamento humano, constituído por organizações complexas. A pesquisa revela que formadores em Tecnologia Educacional e professores de Línguas (Portuguesa e Inglesa) têm a expectativa de que a LDI possa ser um recurso propício para tornar a aula mais dinâmica, Além disso, os profissionais esperam que a nova ferramenta auxilie em atividades de demonstração, exemplificação e ilustração do conteúdo curricular ensinado. PALAVRAS-CHAVE: Formação Docente. Lousa Digital Interativa. Programa UCA. Ensino de Línguas. ABSTRACT: This paper presents an experience of training teachers to use Interactive Digital Whiteboards (IWBs), as well as to discuss the expectations of technology trainers and language teachers as the integration of the new digital media for language teaching. The research context is a public school located in Mato Grosso do Sul. This school has been fully computerized by One Computer per Student Project (PROUCA) in 2011. The participants of the research are two former teachers in Educational Technology and two language teachers, one English and the other Portuguese teacher. The instruments of data collection are open questionnaires. This is a qualitative, descriptive and interpretative research. The text underlies the concepts of standardization of technological innovations integrated into the educational context and the complexity theory. The research reveals that language teachers and Educational Technology Trainers have the expectation that the IWB can be a feature conducive to make the class more dynamic. Furthermore, the professionals expect the new tool assists in demonstration activities, exemplification and illustration curriculum content taught. KEYWORDS: Teacher Training. Interactive Digital Whiteboard. UCA Program. Teaching Language. 1 Professora EBTT do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS câmpus Coxim); Pós-doutoranda em Estudos Linguísticos pela UFMG. 2 Professora Gerenciadora em Tecnologia Educacional pela Secretaria Estadual de Educação (SED/MS).

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS PARA O USO DA

LOUSA DIGITAL INTERATIVA

Azenaide Abreu Soares Vieira (IFMS) 1

[email protected]

Regiane da Silva Macedo Lima (SED/MS) 2

[email protected]

RESUMO: Apresenta-se neste artigo uma experiência de formação de professores para uso de Lousas

Digitais Interativas (LDI), assim como, discutem-se as expectativas de formadores em Tecnologia

Educacional e de professores de Línguas quanto à integração da nova mídia digital ao ensino. O contexto

de investigação é uma escola da rede estadual de ensino localizada no interior do Estado de Mato Grosso

do Sul. Essa escola foi totalmente informatizada pelo Projeto Um Computador por Aluno (PROUCA) em

meados de 2011. Os participantes da pesquisa são dois professores formadores em Tecnologia

Educacional (TE) e dois professores de Línguas, sendo um de Inglês e outro de Português. Os

instrumentos de coleta de dados são questionários abertos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa,

descritiva e interpretativa. O texto embasa-se nos conceitos da normalização de inovações tecnológicas

integradas ao contexto educacional e na Teoria da Complexidade, que postula sobre a incompletude do

pensamento humano, constituído por organizações complexas. A pesquisa revela que formadores em

Tecnologia Educacional e professores de Línguas (Portuguesa e Inglesa) têm a expectativa de que a LDI

possa ser um recurso propício para tornar a aula mais dinâmica, Além disso, os profissionais esperam que

a nova ferramenta auxilie em atividades de demonstração, exemplificação e ilustração do conteúdo

curricular ensinado.

PALAVRAS-CHAVE: Formação Docente. Lousa Digital Interativa. Programa UCA. Ensino de Línguas.

ABSTRACT: This paper presents an experience of training teachers to use Interactive Digital

Whiteboards (IWBs), as well as to discuss the expectations of technology trainers and language teachers

as the integration of the new digital media for language teaching. The research context is a public school

located in Mato Grosso do Sul. This school has been fully computerized by One Computer per Student

Project (PROUCA) in 2011. The participants of the research are two former teachers in Educational

Technology and two language teachers, one English and the other Portuguese teacher. The instruments of

data collection are open questionnaires. This is a qualitative, descriptive and interpretative research. The

text underlies the concepts of standardization of technological innovations integrated into the educational

context and the complexity theory. The research reveals that language teachers and Educational

Technology Trainers have the expectation that the IWB can be a feature conducive to make the class

more dynamic. Furthermore, the professionals expect the new tool assists in demonstration activities,

exemplification and illustration curriculum content taught.

KEYWORDS: Teacher Training. Interactive Digital Whiteboard. UCA Program. Teaching Language.

1 Professora EBTT do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS câmpus Coxim); Pós-doutoranda

em Estudos Linguísticos pela UFMG. 2 Professora Gerenciadora em Tecnologia Educacional pela Secretaria Estadual de Educação (SED/MS).

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1 INTRODUÇÃO

Ao elucidar a integração da LDI e a formação docente no contexto do PROUCA,

partimos da premissa de que uma nova tecnologia não pode ser vista pelos futuros

usuários como algo amedrontador ou milagroso. Quando disseminada, a nova

tecnologia deve ser tratada sim, como um instrumento novo, todavia, deve ser

compreendida como mais um recurso para colaborar e/ou facilitar o desenvolvimento de

atividades, algo natural, fruto do desenvolvimento humano. Sendo assim, quando um

novo recurso tecnológico é integrado à educação, esse deve ser recebido como uma

nova ferramenta que contribuirá para o processo educacional, e pode servir como

facilitadora do trabalho docente, assim como, de atividades discentes.

Como anunciado pela imprensa nacional em janeiro de 2012, o Ministério da

Educação e Cultura (MEC) efetuou a licitação para a compra de novos recursos

tecnológicos como tablets e lousa eletrônica a serem utilizados em sala de aula por

professores e alunos da educação básica do país. Mediante essa iniciativa, em 2013 os

novos equipamentos chegam a inúmeras escolas públicas do país.

Tendo em vista a integração da Lousa Digital Interativa (LDI) nas escolas

públicas do Estado de Mato Grosso do Sul no final do primeiro semestre de 2013,

instiga-nos investigar a formação tecnológica oferecida aos docentes de uma escola da

rede estadual de ensino contemplada em 2011 com o PROUCA. Consideramos

relevante o registro de ações de formação para manuseio e uso da nova ferramenta

educacional, uma vez que entendemos serem imprescindíveis reflexões quanto às

expectativas dos docentes em relação ao novo recurso.

Como mencionado, é preciso evitar o medo e expectativas exageradas quanto à

contribuição da nova tecnologia para as atividades educativas. Assim, acompanhar e

registrar trabalhos formativos quanto ao uso e manuseio da Lousa Digital Interativa

contribui para o desenvolvimento das pesquisas sobre Tecnologias na Educação e

Educação com Tecnologias.

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Embasamos o estudo nos pressupostos de Bax (2003; 2006; 2010; 2011) ao

discorrer sobre a integração de ferramentas tecnológicas na Educação e para a

Educação. Segundo Bax (2006, p. 5), “uma tecnologia é útil quando ela ocupa seu

próprio espaço, sem provocar medo ou lugar de destaque, mas vista como

normalizada3”. Bax (2010) acrescenta que há aqueles que acreditam que a LDI não terá

um impacto significativo no processo educativo, tendo em vista ser uma ferramenta que

reforça o ensino tradicional. Seu uso consiste na exposição de lições pelo professor, que

manuseia a LDI com o objetivo de melhor ilustrar a apresentação de conteúdos

curriculares. Na verdade, ressalta Bax (2010), a LDI consiste em manter a dinâmica

educativa em que o professor tem um papel ativo e o estudante um papel passivo.

Como se vê, adotar uma perspectiva tecnológica inovadora na e para a Educação

é algo complexo. Não basta compreender o paradigma atual de ensino e aprendizagem,

é preciso, entre outras coisas, investigar a potencialidade inovadora do instrumento

tecnológico. Assim, a fim de apreender a complexidade da aquisição de uma inovação

tecnológica como ferramenta pedagógica vale visitarmos os pressupostos da Teoria da

Complexidade.

2 TEORIA DA COMPLEXIDADE: O DESAFIO DA AQUISIÇÃO E USO DE

UMA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA.

Partimos da metáfora do “efeito borboleta”, cunhado por Edward Lorentz, para

compreendermos que quando integrada ao contexto educacional uma inovação

tecnológica pode alterar condições iniciais de organização da prática pedagógica, o que

pode gerar transformações no fazer didático. Entendemos que o indivíduo adquire

habilidades e competências mediante interação com o contexto social no qual está

inserido, sem ignorar suas bases culturais e sociais. Tendo em vista que experiências

culturais e sociais de outrora dialogam com novas experiências vividas pelo individuo,

3 A technology is useful when it has found its proper place, neither omnipotent nor terrifying, but

normalized.

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constantemente, a constituição do real gera fenômenos (ações) complexos, dificilmente

apreendidos com facilidade.

Morin (2011) compreende que complexo é todo o fenômeno social, uma vez que

o conhecimento construído e disseminado pela sociedade é incompleto. O autor

reconhece que o mundo é movido por “incompletude e incerteza” (p. 7), constituindo-se

em uma rede complexa de sistemas.

Segundo Morin (2011, p. 13):

[...] a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de

constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o

paradoxo do uno e do múltiplo. [...] a complexidade é efetivamente o tecido

de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que

constituem nosso mundo fenomênico.

Sob a perspectiva da teoria da complexidade, compreendemos que ao procurar

apreender uma inovação tecnológica em contexto diferenciado de uso, devemos ter

ciência de que o conhecimento envolto ao objeto é multidimensional. Isso significa que

ao procurarmos apreender um fenômeno, devemos analisá-lo em diferentes anglos e

que, mesmo assim, poderemos não conseguir interpretá-lo por completo, pois, “o

conhecimento completo é impossível” (MORIN, 2011, p. 6).

Isso nos norteia para buscar apreender o cenário de desenvolvimento do Projeto

Um Computador por Aluno (PROUCA) como um contexto escolar movido por

incertezas capazes de desencadear um processo multifacetado e não linear de auto-

organização, regida por acontecimentos, ações, interações, entre outros fatores, como

nos esclarece Morin (2011). As incertezas, conforme explica o paradigma da

Complexidade, constituem teias que se adaptam, formando o que o autor denomina de

Sistema Complexo, o que torna possível a compreensão do todo e das partes de um

objeto em observação.

A sala de aula informatizada mediante o desenvolvimento do PROUCA e a

integração da LDI é considerada, nessa pesquisa, como envolta por sistemas complexos

e abertos, uma vez que sofre influências de diferentes fontes, como de coordenadores

pedagógicos, gestores e gerenciadores de recursos midiáticos em âmbito local, políticas

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públicas de formação federal e estadual e iniciativas de instituições particulares. O que

na prática cotidiana escolar se configura como um processo contínuo de trocas de

conhecimentos e interação entre os agentes, o que pode causar estranhamento e/ou

normalização de novos recursos pedagógicos.

3 A NORMALIZAÇÃO DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO

Em referência à teoria Vygotskyana, consideramos que a combinação entre os

instrumentos físicos – neste caso, a Lousa Digital Interativa – e os instrumentos

simbólicos – forma de pensar, agir, falar – desencadeia o desenvolvimento humano. Em

razão disso, compreendemos que a organização da proposta de formação

webtecnológica apresentada pelos Professores Formadores responsáveis pela orientação

quanto ao uso técnico e pedagógico da Lousa Digital é fundamental para o

desenvolvimento do professor e pode desencadear novos conceitos - interpessoal e

intrapessoal - no docente e/ou transformar os conceitos já constituídos (VYGOTSKY,

1998).

Referindo-se a integração de novas tecnologias em contexto educacional, Bax

(2003) sugere que o futuro do ensino mediado por tecnologias é para o estágio da

normalização, a partir da abordagem integrada. O autor salienta que chegará um

momento em que o computador será totalmente integrado à prática docente. Assim, essa

tecnologia não será mais o centro da atenção nas atividades de ensino, mas um recurso

muito importante para as atividades escolares. Bax (2003) acrescenta ainda que o

computador será integrado naturalmente (sem ser percebido) em todas as aulas pelos

professores, assim como atualmente ocorre com a lousa e o livro didático.

Em consonância com a discussão fomentada por Bax (2003), Ioannou-Georgiou

(2006) afirma que o estágio da normalização é inquestionavelmente almejado. Lembra,

entretanto, que tal estágio pode levar um longo tempo para tornar-se realidade em

alguns países, tendo em vista que há muitas escolas que se encontram no primeiro

estágio de integração do computador como recurso educacional.

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Ao revisitar sua teoria da normalização, Bax (2011) lembra que, se o foco

central do processo educativo é a aprendizagem, devemos tomar cuidado para não

colocar a tecnologia no “pedestal” e, em segundo plano, a construção do conhecimento

pelo aprendiz. A fim de exemplificar o problema causado por essa inversão de

prioridade, Bax (2011) apresenta a experiência de integração da lousa interativa que

resultou em fracasso no processo de ensino e aprendizagem, além de desperdício de

tempo e de recursos financeiros em alguns países.

Aprofundando a discussão acerca da fase de normalização, Bax (2011, p. 10)

apresenta cinco elementos da integração de tecnologia, relacionados com os

pressupostos da teoria neo-vygotskiana, que caminham para o que considera

“normalização” e contribuem para o desenvolvimento da aprendizagem. O primeiro

elemento é a acessibilidade que a tecnologia permite, de suma importância na

aprendizagem. O segundo é a participação e interação com outros, uma vez que a

aprendizagem e o desenvolvimento são um processo social e não individualizado.

Certamente, defende o autor, a tecnologia por si só não promoverá o acesso e a

interação; é imprescindível, para isso, intervenção docente no planejamento do

processo. Como terceiro elemento, é apontada a intervenção especializada

proporcionada pelo professor, que permite a constituição de andaimes entre o que o

aprendiz consegue fazer sozinho e aquilo para que precisa de um par mais competente

que apoie sua aprendizagem. O quarto elemento apresentado pelo autor consiste no

modelo de especialista, que inclui a habilidade do professor em adotar diferentes

abordagens conforme a realidade contextual, a fim de garantir a aprendizagem. Por

último, temos o elemento da mudança e contradição, que possibilita ao professor e ao

aluno a revisão de seus pontos de vista de forma crítica.

Bax (2011, p. 12-13 ) defende que, ao se pensar no estágio de normalização da

tecnologia no fazer pedagógico:

Primeiro, é preciso rever o contexto local e decidir se a inovação proposta é

necessária e viável. O segundo passo é organizar um plano de aprendizagem

para definir as maneiras que a inovação proposta pode acorrer conforme os

cinco elementos da prática educativa: acesso, participação, interação,

intervenção de especialista e mediação de outros. Além disso, é importante o

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estabelecimento de um programa de pesquisa que compreenda o contexto,

cujo objetivo seria de elucidar os principais elementos que impedem ou

promovem a normalização da tecnologia integrada.

Concordamos com o autor: “a normalização depende muito mais dos atributos

do que da tecnologia em si, e isso envolve vários elementos sociais e culturais operando

juntos de forma complexa”. (BAX, 2011, p. 13). Sendo assim, é pertinente

apreendermos a realidade do professor de língua inglesa inserido em contexto de sala de

aula informatizada com o PROUCA e os elementos positivos (ou negativos) para a

normalização do laptop e da Lousa Digital Interativa como recurso integrado ao ensino

de língua inglesa e portuguesa.

4 METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

Adotamos como abordagem metodológica os pressupostos da pesquisa

qualitativa, descritiva e explicativa (LÜDKE, 2013). A partir dos estudos de Bogdan e

Biklen (1982), Lüdke (2013, p. 12-14) apresenta as características principais necessárias

para que a pesquisa seja considerada qualitativa. Primeiramente, o pesquisador deve ter

“o ambiente natural como sua fonte direta de dados”. Ele é considerado na pesquisa

qualitativa como “o principal instrumento” de investigação. Os dados coletados ao

longo da pesquisa devem ser “descritivos” e o processo ganha maior importância do que

o produto da investigação. Além disso, os participantes da pesquisa e seus valores são

muito importantes para o pesquisador, que apreende seu objeto de investigação a partir

de análise “indutiva”.

Norteados pelos conceitos da pesquisa qualitativa, uma vez estabelecido o objeto

de estudo, inserimo-nos no contexto de investigação, uma escola da rede estadual de

ensino contemplada com laptops educacionais em 2011 e que recebeu em Julho de 2013

a Lousa Digital Interativa para uso pedagógico, ou seja, uma escola totalmente

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informatizada. A coleta de informações que contemplassem nossos objetivos de

investigação4 aconteceu em diferentes momentos, por meio de questionários abertos.

Para Denscombe (2007), o questionário aberto possibilita a obtenção de

informações relevantes à pesquisa a partir de questões diretas, especialmente se o

pesquisador tem uma relação aberta com os participantes, que permita respostas

completas e autênticas. Foram respondidos quatro questionários, sendo dois pelos

professores responsáveis pela formação tecnológica e dois pelos professores de Língua

Portuguesa e Inglesa da escola UCA. Assim, a coleta de dados aconteceu antes da

formação e logo após a realização do curso de formação para uso da LDI em atividades

didáticas.

Convém esclarecer que os professores formadores participantes da pesquisa

foram dois. Um lotado no Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) da cidade e outro

responsável pelo gerenciamento dos recursos midiáticos na escola UCA. Contamos

também com a participação de dois professores de Línguas, sendo um de Língua

Portuguesa e outro de Língua Inglesa. Para facilitar a compreensão, durante a descrição

dos dados utilizaremos as seguintes abreviações: PM (Professor Multiplicador do NTE);

PG (Professor Gerenciador de Recursos Midiáticos na escola; PLP (Professor de Língua

Portuguesa na escola UCA; PLI (Professor de Língua Inglesa na escola UCA).

Segue descrição das ações de formação webtecnológica conforme perspectiva

de formadores em Tecnologia Educacional e professores de Línguas.

5 LDI: FORMAÇÃO PARA MANUSEIO E USO

A LDI foi integrada ao contexto das escolas da rede estadual de ensino de Mato

Grosso do Sul em Junho de 2013. A secretaria Estadual de Educação (SED/MS)

procedeu com o encaminhamento da ferramenta tecnológica para os Núcleos de

Tecnologias Educacionais e escolas estaduais em todo estado.

4 Descrever as ações de formação e aprender as expectativas de formadores e de professores de Línguas

quanto à integração da LDI ao ensino de Línguas

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Ao receber a LDI, os professores multiplicadores do NTE exploraram a nova

ferramenta a fim de compreenderem seu funcionamento. Conforme revela um dos

professores multiplicadores do NTE “não tivemos formação. Exploramos sozinhos”

(PM, 07/2013). Como explicitado pelo professor multiplicador, não houve orientação

técnica e/ou pedagógica quanto ao uso da LDI por parte dos dirigentes estaduais. Por

outro, os professores gerenciadores de recursos midiáticos na escola UCA receberam

“formação técnica quanto aos procedimentos de instalação e manuseio da Lousa

Interativa” (PG, 07/2013).

A orientação pedagógica de uso do novo equipamento não ocorreu aos

professores formadores, o que nos leva a acreditar que os professores de língua inglesa e

portuguesa foram orientados para o manuseio e exploração de conteúdos curriculares

instalados na LDI, conforme revela um dos participantes: “tivemos formação que

possibilita a complementação do trabalho em sala de aula” (PLP, 08/2013)

Ao refletirmos sobre os cinco elementos necessários para que a nova tecnologia

seja normalizada em ações pedagógica (BAX, 2011), é possível considerar que a falta

de diretrizes para a integração da LDI na escola pode comprometer o desenvolvimento

da aprendizagem docente para o uso efetivo e eficaz da ferramenta como recurso

pedagógico.

Com base nos pressupostos de Bax (2011), consideramos que a intervenção

docente no planejamento de atividades pedagógicas mediadas pela LDI é fundamental.

Todavia, esse processo fica comprometido sem a intervenção de especialistas e a

transformação do fazer pedagógico a partir de integração de recursos midiáticos pode

não acontecer. Isso pode fazer com que os professores integre a LDI como já integram

outros recursos, como o datashow, o quadro de giz e a lousa branca, acontecendo mera

substituição de uma ferramenta por outra normalizada na prática. Sendo assim, a

inovação tecnológica não é capaz de desestruturar o paradigma de ensino e

aprendizagem do professor.

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6 LDI: EXPECTATIVAS DOS FORMADORES

Quanto à expectativa dos formadores em relação à integração da LDI na escola

UCA, tanto o professor Multiplicador (PM) quanto o professor gerenciador de recursos

midiáticos na escola UCA (PG) vêem a LDI como recurso capaz de tornar a aula mais

dinâmica. Nesse sentido, o Professor Multiplicador expõe o seguinte ponto de vista:

“penso que os professores que se propuserem a utilizá-la dinamizarão suas aulas e

facilitarão seu trabalho” (PM, 07/2013). Além de dinamizar a aula, o formador

compreende que a LDI pode facilitar o trabalho pedagógico.

Assim como o quadro de giz e a lousa branca, a LDI pode ser usada como

recurso de demonstração, para exemplificação de tópicos abordados na aula. Ao

encontro desse pressuposto, o professor gerenciador de recursos midiáticos explica que

o professor pode usar a LDI com “atividades de demonstração semelhantes a tutoriais.

O professor mostra na lousa digital, orientando assim os alunos no laptop.” (PG,

08/2013). Da mesma forma o professor multiplicador afirma que “a maioria dos

aplicativos embutidos nela auxiliarão o professor na explicação e exemplificação dos

conteúdos (PG, 07/2013).

Em suma, é possível perceber três expectativas dos formadores quanto ao uso

efetivo da LDI, sendo, a exploração de seu potencial de dinamizar a aula, tornando-a

mais significativa, sua facilidade de demonstração do conteúdo abordado e a praticidade

que o professor tem para exemplificar e ilustrar o conteúdo apreendido.

7 LDI: EXPECTATIVAS DOS DOCENTES

As expectativas de que a LDI possa contribuir para que as aulas se tornem mais

dinâmicas, que seja instrumento de demonstração do conteúdo curricular e que possa

auxiliar na exemplificação de conceitos abordados pelo professor durante a aula estão

presentes também na visão dos professores de Línguas. O Professor de Língua Inglesa

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acredita que a LDI “proporcionará uma aula mais dinâmica com os alunos” (PLI,

08/2013).

O professor de Língua Portuguesa pensa na possibilidade de desenvolvimento da

seguinte atividade: “irei explicando o passo a passo na lousa (LDI) e os alunos

acompanharão e realizarão as atividades propostas no laptop”. (PLP, 08/2013).

Os professores de línguas têm a expectativa de conhecer e aprender a usar a LDI

para que consigam enriquecer a aula. Em conformidade com essa perspectiva, o

Professor de Língua Inglesa diz: “quero aprender os recursos disponíveis para que eu

possa complementar o meu trabalho em sala de aula”. (PLI, 08/2013).

Como revela o discurso dos formadores e professores, a LDI não é uma poção

mágica capaz de transformar o ensino. Entretanto, ela tem seu potencial, ainda que não

cause impacto significativo no processo educativo (BAX, 2010)

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação revela que a LDI, na visão de professores formadores em

Tecnologia Educacional e professores de Línguas, não é uma ferramenta de difícil

manuseio e uso. Além de ser de fácil manuseio, seu potencial, para eles é muito restrito.

Há, na prática a perspectiva de substituição de tecnologias já normalizadas no fazer

docente, como o quadro negro e a lousa branca pela LDI. Sendo assim, a LDI não foi

capaz de provocar nos participantes da pesquisa inquietações, angústias, medos ou

expectativas exageradas quanto ao seu potencial. Trata de uma inovação tecnológica,

não mais que isso. No primeiro momento, sem potencial de transformar o paradigma

tradicional de ensino.

A LDI foi percebida pelos participantes como uma tecnologia útil, já com seu

próprio espaço na escola e nas atividades pedagógicas. Medo ou expectativa exagerada

quanto ao potencial da LDI não foi identificado. Isso pode indicar que ela esta, de certa

forma, normalizada no contexto educacional. O que pode ser visto como um elemento

positivo, por outro lado, pode ser negativo se levarmos em consideração que a LDI não

provocou impacto significativo no processo educativo. Isso confirma os pressupostos de

Page 12: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS PARA O USO … · tecnologia deve ser tratada sim, como um instrumento novo, todavia, deve ser ... tecnológico. Assim, a fim de apreender a

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e

I S S N : 2 1 7 8 - 1 4 8 6 • V o l u m e 4 • N ú m e r o 1 1 • N o v e m b r o 2 0 1 3

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que a LDI é uma ferramenta que reforça o ensino tradicional e não altera a dinâmica

educativa em que o professor tem um papel ativo e o estudante um papel passivo.

9 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Recebido Para Publicação em 23 de outubro de 2013.

Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.