FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SUA ADESÃO A VALORES...

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3918 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SUA ADESÃO A VALORES MORAIS: UMA POSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS DE CONVIVÊNCIA E ERRADICAÇÃO DO BULLYING NA ESCOLA Luciene Regina Paulino Tognetta – FCLar/Unesp Rafael Petta Daud – FCLar/Unesp. Eixo temático: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da Educação Básica Agência Financiadora: Fundunesp/PROPe/CDC email: [email protected] INTRODUÇÃO No dia-a-dia da escola, os profissionais em educação se deparam, frequentemente, com pequenos conflitos e desavenças entre seus alunos. Existem inúmeros estudos indicando como queixa constante o crescimento desses conflitos (VASCONCELOS, 2005; LEME, 2006; 2009). Investigações atuais também constatam a angústia, aflição ou irritabilidade que os educadores dizem sentir ao se deparar com inúmeras situações cotidianas de desrespeito (furtos, danos ao patrimônio, agressões, incivilidades) não sabendo lidar com essa problemática que os aflige. Neste ínterim, um problema presente no cotidiano das escolas chama-nos a atenção pela sua especificidade, já atestada em diferentes investigações, e pela frequência reiterada em pesquisas no Brasil e no mundo. Estamos falando do bullying. Sabe-se que há um quadro de desinformação entre educadores em geral quanto à compreensão do que seja essa forma de violência e as ações pelas quais se pode vencer o problema. Somada à desinformação, há uma tendência a menosprezar-se esse tipo de violência, já que ela não afeta diretamente a autoridade em questão. Ao julgar, muitas vezes, como natural entre as crianças e jovens, ou mesmo como uma forma de aprendizagem, os educadores parecem mais refutar o problema do que auxiliar na sua superação. Diferentes investigações têm alertado para o fato de que o bullying é uma forma de desrespeito (OLWEUS, 1993; 1994; 1997; 1999; COWIE, 2005; AVILÉS, 2008; TOGNETTA & ROSÁRIO, 2013; TOGNETTA, MARTINÉZ & ROSÁRIO, 2014). Por isso, sua superação implica em constatar sua natureza moral. Num cenário em que a falta de respeito é uma das demandas atuais mais contingentes, é possível inferir o quanto estão ausentes os conteúdos morais nas instituições que, por excelência, têm a responsabilidade por educar moralmente (TOGNETTA & VINHA, 2009; AVILÉS, 2012). Estamos falando da escola, seja ela pública ou particular, de Educação Básica ou de Ensino Superior, visto que o bullying é um problema das relações humanas que se estabelecem onde existem pares.

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SUA ADESÃO A VALORES MORAIS: UMA

POSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS DE CONVIVÊNCIA E

ERRADICAÇÃO DO BULLYING NA ESCOLA

Luciene Regina Paulino Tognetta – FCLar/UnespRafael Petta Daud – FCLar/Unesp.

Eixo temático: Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da Educação BásicaAgência Financiadora: Fundunesp/PROPe/CDC

email: [email protected]

INTRODUÇÃO

No dia-a-dia da escola, os profissionais em educação se deparam,

frequentemente, com pequenos conflitos e desavenças entre seus alunos. Existem

inúmeros estudos indicando como queixa constante o crescimento desses conflitos

(VASCONCELOS, 2005; LEME, 2006; 2009). Investigações atuais também constatam a

angústia, aflição ou irritabilidade que os educadores dizem sentir ao se deparar com

inúmeras situações cotidianas de desrespeito (furtos, danos ao patrimônio, agressões,

incivilidades) não sabendo lidar com essa problemática que os aflige. Neste ínterim, um problema presente no cotidiano das escolas chama-nos a

atenção pela sua especificidade, já atestada em diferentes investigações, e pela

frequência reiterada em pesquisas no Brasil e no mundo. Estamos falando do bullying.

Sabe-se que há um quadro de desinformação entre educadores em geral quanto à

compreensão do que seja essa forma de violência e as ações pelas quais se pode vencer

o problema. Somada à desinformação, há uma tendência a menosprezar-se esse tipo de

violência, já que ela não afeta diretamente a autoridade em questão. Ao julgar, muitas

vezes, como natural entre as crianças e jovens, ou mesmo como uma forma de

aprendizagem, os educadores parecem mais refutar o problema do que auxiliar na sua

superação. Diferentes investigações têm alertado para o fato de que o bullying é uma forma

de desrespeito (OLWEUS, 1993; 1994; 1997; 1999; COWIE, 2005; AVILÉS, 2008;

TOGNETTA & ROSÁRIO, 2013; TOGNETTA, MARTINÉZ & ROSÁRIO, 2014). Por isso,

sua superação implica em constatar sua natureza moral. Num cenário em que a falta de

respeito é uma das demandas atuais mais contingentes, é possível inferir o quanto estão

ausentes os conteúdos morais nas instituições que, por excelência, têm a

responsabilidade por educar moralmente (TOGNETTA & VINHA, 2009; AVILÉS, 2012).

Estamos falando da escola, seja ela pública ou particular, de Educação Básica ou de

Ensino Superior, visto que o bullying é um problema das relações humanas que se

estabelecem onde existem pares.

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Desta forma, tanto o bullying como outros problemas de convivência presentes

nas escolas revelam a necessidade de se encontrar respostas a uma pergunta que tem

se mostrado frequente, principalmente entre educadores brasileiros cujas intervenções

equivocadas são fadadas ao fracasso: o que fazer para educar moralmente a fim de que

se tenha uma convivência pacífica? Certamente, as formas pelas quais educadores brasileiros têm conduzido os

problemas de convivência na escola indica um despreparo e falta de conhecimentos

sobre a natureza deste domínio moral, além da pouca reflexão sobre os valores morais

que almejam, mas que pouco sabem como formar em seus alunos. Pode indicar,

também, a baixa adesão a esses mesmos valores apontando, assim, como esses

mesmos professores estão fadados a uma condição de heteronomia que lhes

impossibilita formar sujeitos autônomos. Mas, que relações podem ser estabelecidas entre este fato e a superação do

bullying escolar? É o que passamos a apresentar.

As relações entre bullying e o tipo de ambiente Em investigação conduzida entre estudantes brasileiros, (TOGNETTA & VINHA,

2010) foi indagado a eles sobre as possíveis formas de tratamento recebido por seus

professores com a pergunta: “Você já foi humilhado, diminuído, desprezado ou caçoado

por algum de seus professores?”. Os resultados indicaram que os alunos eram também

destratados, humilhados, ameaçados, desprezados na frente dos colegas, por seus

professores. 22% de respostas obtidas entre estudantes do 4º ano do EF I ao 2º ano do

EM apontaram este fato. Essa investigação, somada a outras já realizadas, demonstra

um problema que surge para se pensar o combate a um tipo de violência quando o

ambiente potencializa esse mesmo substrato de comportamento. Mostra, também, a

dificuldade de implementação de propostas de intervenção ao bullying quando, na

verdade, não se têm consolidados os pressupostos anteriores à intervenção voltada ao

enfrentamento do fenômeno. Nossos educadores pouco sabem a respeito de propostas

colaborativas em sala de aula e mesmo sobre possibilidades de sancionar um

comportamento equivocado de um aluno que não seja por meio de um castigo ou

punição. E ainda, falta-nos, enquanto professores, olhar para o bullying não como

brincadeira, mas exatamente como mais uma oportunidade de, a partir de um conflito, se

aprender a conviver num clima escolar de qualidade. Isso porque estudos recentes

mostram o quanto o clima escolar proporcionado pelos professores pode influenciar na

forma de atuação dos envolvidos em situações de bullying. Em uma investigação anterior,

pudemos comprovar a importância de ambientes cooperativos para a superação deste

tipo de problema (FRICK, MENIN & TOGNETTA, 2013).

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Ferráns & Selman (2014), em estudo atual relacionando a vitimização entre pares

com o tipo de clima escolar vivenciado, encontraram que somente em ambientes coesos,

em que a confiança e o cuidado são sentidos pelos alunos e onde as regras são

construídas com significados atribuídos por eles em colaboração com seus professores

teremos, por exemplo, espectadores de bullying que se colocam a serviço do auxílio às

vítimas e as defendem sem o emprego da força. Aceves e colaboradores (2010) em outra

investigação, avaliaram a percepção de adolescentes sobre a capacidade de seus

professores lidarem com os conflitos e as estratégias que seus alunos usavam para

resolver as situações de bullying. Os resultados desta pesquisa indicam a relação

existente entre a confiança nos professores – de que esses seriam justos e que o conflito,

portanto, seria resolvido – com a busca de ajuda por parte dos alunos. Contudo, os mesmos autores apontam para a questão que apresentamos para

essa investigação: o quanto professores não sabem como lidar com os conflitos e,

mesmo, o quanto pouco reconhecem que atuar em situações de bullying e em outras

violências requer uma formação adequada. Parece-nos evidente que, para saberem lidar com situações de conflitos

interpessoais, principalmente como o bullying (cujas características são peculiares e

exigem tanto um esforço de compreensão dos esquemas psicológicos presentes em

cada personagem envolvido para então se pensar em formas de intervenção adequadas),

é preciso que esses adultos tenham, primeiramente, construído também estratégias mais

assertivas de negociação e resolução de conflitos, o que requer, por sua vez, que esses

mesmos adultos possam ter aderido a valores morais de forma mais evoluída. Em outras palavras, para uma intervenção adequada aos problemas cotidianos

em que violências como o bullying estão presentes, será preciso que aqueles que

educam tenham incorporado à sua própria identidade os valores morais que tanto

desejamos como acima das normas sociais e convencionais, sendo, assim, também

autônomos moralmente. Nesse sentido, é possível pensar o seguinte problema de pesquisa: haverá

diferenças entre professores que passaram por uma formação sobre a construção da

convivência ética na escola e aqueles que não o fizeram quanto a maneira como aderem

a valores morais como justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática?

Metodologia A amostra for formada por um total de 1310 professores de Educação Básica,

provenientes de 75 escolas públicas e privadas do Estado de São Paulo. Destes, 24 %

estavam ou estiveram, durante esta investigação, frequentando cursos de formação de

professores voltados à convivência na escola e à educação moral. Estes professores são

pertencentes às redes pública e privada de Campinas e região e comporão o que

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chamamos de grupo B. Quanto aos demais professores, que não passaram por formação

recente relacionada às temáticas apresentadas, formarão o grupo A. Portanto, o grupo B

se constitui por professores que tiveram ou estavam tendo uma formação baseada em

pressupostos construtivistas, sistematizada pelo GEPEM – Grupo de Estudos e

Pesquisas em Educação Moral (Unesp/Unicamp) na forma de cursos de extensão

universitária, com duração mínima de 45 horas.Esta investigação foi organizada em dois estudos separando-se sempre os dois

grupos pesquisados. No primeiro, o objetivo foi verificar a adesão, por parte dos

professores, aos valores morais consonantes com os Parâmetros Curriculares Nacionais

(BRASIL, 1998), os quais: solidariedade, justiça, respeito e convivência democrática. No

segundo, procurou-se encontrar correspondências entre as variáveis escolares, conforme

descrição dos participantes, e a adesão aos valores estudados.O instrumento utilizado foi criado a partir de uma investigação conduzida junto à

Fundação Carlos Chagas, com a coordenação da professora Marialva Tavares Rossi1, em

que se pretendeu construir e validar uma escala que pudesse avaliar a adesão aos

valores por alunos do Ensino Fundamental II (6° ao 9° ano), Ensino Médio e professores

de Educação Básica. Com isso, com base nos pressupostos de Piaget (1932) e de

Kohlberg (1992), foi construída uma matriz de valores e seus respectivos descritores. O

instrumento contém histórias hipotéticas em quatro lócus (família, escola, internet e

ambientes sociais diversos) e apresenta itens em forma de situações problemas,

oferecendo como alternativa para cada item três escolhas favoráveis ao valor em questão

(pró-valor) e duas contrárias a este (contra-valor). Com isso, é possível, por meio do

instrumento, mensurar os níveis em que se situam as pessoas conforme um valor em

jogo, contra ou a favor. Três possíveis níveis foram indicados a partir da perspectiva

social de Kohlberg (1992): egocêntrico (em que o indivíduo se coloca em relação a si

mesmo), sociocêntrico (às expectativas dos outros, às normas e convenções sociais) e,

finalmente, baseado em princípios universalizáveis (frente aos princípios universais mais

amplos).Para o segundo estudo, buscou-se encontrar possíveis correspondências entre o

os resultados quanto à adesão a valores e algumas variáveis escolares que foram

apresentadas no questionário como, por exemplo, a forma pela qual os educadores

atuavam diante dos conflitos.

Resultados e discussãoEstudo 1

Nossa proposta inicial foi verificar se haveria diferenças entre os professores do

grupo A e os professores do grupo B quanto à maneira pela qual aderem aos valores

morais como justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática. Os resultados

sugerem a confirmação desta hipótese. Contudo, a diferença encontrada, como veremos,

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deve ser considerada com cautela. Ela apenas é um indicativo de que os educadores do

grupo B teriam melhor adesão aos valores. Os itens respondidos pelos participantes foram alocados em uma escala conforme

os níveis das perspectivas sociais correspondentes. Como forma de avaliar as respostas

a partir de suas relações com uma maior adesão a um nível ou não (e não como “certas”

ou “erradas”), recorreu-se para o processamento das escalas, à Teoria de Resposta ao

Item (TRI). Foram estabelecidos intervalos na escala para identificar o limiar a partir do

qual um sujeito deixa de aderir a um valor de uma maneira, ou seja, pró-valor, porém de

forma egocêntrica (que seria P1) e passa a aderir ao valor de forma sociocêntrica, ou

seja, em uma perspectiva mais social (P2). Desta forma, partimos da posição mais alta

da perspectiva sociomoral, correspondente ao nível IV, ou seja, estabelecido conforme

aderência a um valor por um sujeito conforme o reconhecimento do princípio pelo qual

ele se justifica. Com isso, quando 100% dos itens tivessem suas alternativas marcadas

em P2 e pelo menos 75% marcadas em P3, o nível de adesão seria correspondente à

alternativa mais elevada, ou seja, P3. Este critério foi estendido para todas as demais

alternativas relacionadas às perspectivas sociomorais investigadas neste projeto (C1, C2

– contra-valor e P1, P2 e P3 pró-valor), como é possível observar através do quadro 1.

Quadro 1. Critérios para determinação dos níveis de adesão aos valores morais

Nível Critérios para a determinação dos níveis de adesão as valores morais

IV (P3) Todos os itens devem atingir P2 e pelo menos 75% deles atingir P3.

III (P2) Todos os itens devem atingir P1 e pelo menos 75% deles atingir P2.

II (PI) Todos os itens devem atingir C2 e pelo menos 75% deles atingir P1.

I (C2) Todos os itens devem atingir C1 e pelo menos 75% deles atingir C2.

Quando o sujeito atinge o nível IV de adesão aos valores morais ele possui uma

perspectiva propriamente moral para aderir a um valor, pois considera como fundamento

o seu princípio pelo qual não se abre mão. Já no nível III, no qual necessidade atribuída

aos valores morais pelo sujeito se dá apenas a partir de uma convenção social, a adesão

é motivada, praticamente, pela manutenção ou obediência a leis e regras, assumindo,

portanto, uma perspectiva considerada sociocêntrica. Tanto o nível III quanto o nível IV

são considerados formas de adesão ao valor moral pelos sujeitos, pois estes consideram

a necessidade de agir a favor de um valor que está em jogo. Esta situação não ocorre

necessariamente no nível II, pois, tendo como motivações a necessidade de evitar as

consequências negativas para si ou o medo da autoridade, nem sempre o sujeito agirá

em prol de um valor moral. Finalmente, no nível I, a adesão ao valor moral é suprimida

pelo descaso ou pela omissão diante da responsabilidade perante a ação moral.

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Situadas estas considerações, segue o que encontramos entre os dois grupos que foram

investigados. Com auxílio da tabela 1 podemos visualizar as porcentagens de

professores que se situa em cada nível.

Tabela 1: Distribuição percentual dos professores por nível de adesão aos valores

Respeito Justiça solidariedade

C.Democrática

Nível

GrupoA

GrupoB

Grupo A

Grupo B

Grupo A

Grupo B

Grupo A

Grupo B

I 0,4% 0,4%II 6,6% 2,3%III 100% 100% 93,1

%97,3%

31,6%

17,5%

100%

100%

IV 68,4%

82,5%

A primeira das observações que podemos fazer desta tabela é uma constatação

importante: somente no valor da solidariedade é que os educadores, sejam eles dos

grupos A ou B, aderem a um valor num nível dos princípios. Essa questão será ainda

discutida. Com relação à formação de professores, como podemos notar, não há diferenças

entre as frequências nos níveis de adesão dos dois grupos de sujeitos para os valores

respeito e convivência democrática: 100% dos sujeitos aderem a esses valores no nível

III da respectiva escala. Isso significa que, em ambos os grupos, os educadores aderem

a esse valor considerando-o importante em função da obediência à lei ou por convenções

sociais vigentes. Contudo, para os valores de justiça e solidariedade, há uma diferença

apontando que os educadores do grupo B estariam mais propensos a níveis mais

elevados, em especial, na adesão ao valor solidariedade (68,4% dos professores do

Grupo A e 82,5% do grupo B). Mesmo quanto ao valor da justiça: no nível III, o nível mais

elevado que os professores aderem a esse valor, os professores do grupo B têm a maior

porcentagem das respostas (97,3% contra 93,1% do grupo A). Quando comparamos as médias encontradas na adesão aos valores para cada

um dos grupos estudados, temos os seguintes resultados apontados na tabela 2.

Tabela 2. Médias e respectivos IC (~95%) das escalas de adesão aos valores sociais para os

respondentes adultos

Grupo Limite inferior Média Limite superior Epm

JustiçaB 159,9 161,2 162,6 0,68

A 156,2 157,0 157,8 0,38

RespeitoB 169,1 169,5 169,8 0,18

A 168,5 168,7 168,9 0,10

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SolidariedadeB 168,5 169,8 171,2 0,68

A 165,1 165,8 166,6 0,37

C. DemocráticaB 198,2 198,9 199,6 0,35

A 196,3 196,7 197,2 0,22

Nota: Erro padrão da média (Epm); Limite inferior = média - 2xEpm; Limite superior = média +

2xEpm

A Tabela 2 apresenta as médias dos grupos A e B em cada uma das quatro

escalas de adesão aos valores (Justiça, Respeito, Solidariedade e Convivência

Democrática) e seus respectivos intervalos de confiança (~95%). Não foi encontrada

intersecção entre os intervalos de confiança dos grupos A e B. Constata-se uma diferença

favorável ao grupo B em termos das médias de adesão aos quatro valores, com uma

diferença estatisticamente significativa (p<0,05). Ou seja, esses resultados apontam para

o fato de que os professores do grupo B, que buscaram por uma experiência de formação

profissional cuja proposta foi de fundamentar e compreender formas de intervenção

levando em conta a construção de relações éticas na escola, apresentam médias mais

altas para todos os valores em relação à amostra de professores que não tiveram essa

formação. Embora as diferenças não sejam expressivas quando analisadas as

distribuições dos grupos A e B por níveis, como vimos, elas não negam o resultado

relativo às médias das escalas.

Estudo 2Passemos agora a apresentar as correspondências que estabelecemos entre a

adesão aos valores e algumas variáveis escolares e de perfil dos sujeitos. Elas podem

nos indicar diferenças significativas entre as médias de adesão aos valores entre os dois

grupos. Para isso, utilizou-se de uma ferramenta do SPSS em que se pode visualizar as

relações entre a forma de adesão aos valores e as variáveis escolares e de perfil dos

sujeitos. Trata-se das “Árvores de Classificação”. Quanto ao valor da solidariedade: a primeira relação estabelecida com a adesão

ao valor da solidariedade foi a variável “como considera que os alunos lhe tratam”. Pela

árvore, é possível considerar que a resposta “os alunos o tratam bem” está determinando

a maior média de adesão ao valor da solidariedade (167,24), enquanto que considerar a

resposta “os alunos tratam nem bem nem mal” está determinando a menor média de

adesão ao valor da solidariedade (162,13). Tais dados parecem indicar que manter uma

boa relação com os alunos está relacionado a ter uma maior adesão ao valor da

solidariedade. Tomemos agora o valor da justiça. A primeira relação estabelecida pelo programa

foi com a variável “O que faz na maioria das vezes se ocorre um conflito entre alunos em

sua aula”. Como resultados, obteve-se que a maior média de adesão a esse valor

(158.82) está relacionada à “resolve na hora com os alunos” com 83,6% das respostas

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enquanto 12,1% das respostas se relaciona a “encaminhar os alunos para o orientador

pedagógico” (média de 153.85 de adesão ao valor da justiça) e ainda “encaminha o caso

do conflito para a direção” está relacionado a menor média de adesão ao valor (149.69).

Tais resultados indicam que aqueles que mais aderem ao valor da justiça mais se

afastam de formas coercitivas ou mesmo de terceirização do problema para resolver os

conflitos em sala de aula. Quanto ao respeito, a primeira relação estabelecida entre a maior adesão a esse

valor e a forma pela qual o educador resolve os conflitos. As respostas: “em sala de aula

diretamente com os envolvidos” (83,1%) se relaciona à maior média de adesão ao valor

respeito (169.05). Mas há mais uma relação estabelecida pela árvore de classificação:

entre esses professores que resolvem os conflitos em sala de aula diretamente com os

alunos, a maioria (73,2%) não coloca os alunos para fora. Para a resposta “nunca ou

raramente” a média da adesão ao valor é de 169.17, enquanto que “muitas vezes” é

associada à menor média (168,19) com 9.9% das respostas. Tal resultado evidencia a

consonância entre a adesão a um valor e práticas mais sofisticadas de resolução de

conflitos entre os professores. Finalmente, quanto à convivência democrática, pela árvore de classificação, foi

possível constatar uma relação entre esse valor e a formação continuada do professor:

ter participado de cursos sobre “conteúdos e ou metodologias de ensino” ou “trabalhos

com atitudes e valores na escola” está associado à segunda média mais alta de adesão

(197,01) com 65,5% das respostas. Enquanto ter ambos os tipos de curso se associa à

média mais alta de adesão (198,65) com 22,2% das respostas. E, ainda, não ter

realizado cursos está relacionado à menor média (195.21) com 12,3% das respostas.

Tais resultados nos permitem confirmar uma hipótese de que há uma relação entre

adesão a um valor moral e a formação de professores.

Algumas conclusões e considerações finaisA hipótese de que a formação de professores se constitui em importante

estratégia para a superação dos problemas de convivência que se manifestam entre os

alunos na escola pode ser um indicativo confirmado com os resultados apresentados.

Mesmo não tendo avaliado a extensão deste pressuposto no cotidiano da escola, nem

obtido indicadores de que os problemas relacionados à convivência tenham diminuído

nas escolas em que os professores do grupo B atuam, os resultados apontam para a

urgência de que a formação de professores no Brasil deixe de ser tratada com

superficialidade e ingenuidade, se limitando, no caso específico dos problemas de

convivência como o bullying, a políticas públicas inócuas, que nada fazem além de

encaminhar cartilhas e campanhas de conscientização, disque-denúncias e outras

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posturas que transferem a responsabilidade das questões escolares para a polícia ou

para os conselhos tutelares. Podemos considerar, assim, três conclusões fundamentais para o problema de

pesquisa que formulamos. A primeira delas está posta: o instrumento utilizado por nós

para mensurar a adesão a valores morais mostra o quanto educadores encontram-se

num nível convencional desta adesão: acreditam que justiça, respeito, generosidade, são

valores que devem ser seguidos por que há lei ou convenção que os defendem, e não

porque precisamos da garantia desses mesmos valores como princípios dos quais não se

abre mão. Não é ao acaso, portanto, que a maioria de nossos educadores brigam tanto

por regras convencionais (como não usar boné em sala de aula, não usar o celular) e,

quando têm conflitos instaurados na sala de aula, encaminham os problemas à direção,

já que não podem “gastar tempo” com a construção de um valor que estaria em jogo (a

falta de respeito, a tolerância, etc). A segunda conclusão, não menos importante: é fundamental a formação de

professores para que haja, na escola, formas mais coerentes de resolução de conflitos.

De forma semelhante a outros estudos que revelam a importância dos adultos diante dos

conflitos, já que eles exercem papel importante na formação moral de crianças e

adolescentes (DEVRIES & ZAN, 1995; VINYAMATA, 1999; VINHA & TOGNETTA, 2009;

VICENTIN, 2009), esta pesquisa demonstra o papel da formação de professores para

que as intervenções sejam de qualidade. É preciso refletir sobre a gênese e as

implicações pedagógicas para a construção dos valores morais desejados. E finalmente, a terceira conclusão a qual chegamos reitera também os resultados

já mostrados pela literatura: as maneiras mais assertivas de resolução de conflitos e as

relações estabelecidas na escola para a constituição de um ambiente sociomoral mais

cooperativo e menos coercitivo se relaciona com a adesão a esses valores. Temos,

portanto, respostas ao problema do bullying. A atitude do professor que tenta resolver os

conflitos cotidianos sem transferir esta responsabilidade para a direção ou coordenação,

ou seja, que entende que a convivência é um valor e que, portanto, deve “gastar tempo”

com ela, faz diferença, pois ele conduz os seus alunos de forma que eles entendam que

a violência ou a falta de respeito, de tolerância ao diferente, de generosidade são

questões que precisam ser discutidas e resolvidas com os próprios envolvidos. À medida

em que percebe que o valor da sala de aula é o respeito, já que o professor dedica seu

tempo a isso, a vítima de bullying se fortalece. Por mais que seja necessário um conjunto

de estratégias de prevenção e intervenção ao bullying, praticamente todas elas passam

por aqueles que são, de fato, formadores. As práticas de protagonismo infanto-juvenil,

que consistem em compartilhar formas de prevenção e combate ao bullying escolar com

os alunos, revelam a veracidade desta afirmação. Ao analisarmos os trabalhos com as

“Equipes de Ajuda” (COWIE et al., 2002: AVILÉS et al, 2008), nos quais os próprios

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alunos atuam diante de seus pares acolhendo as vítimas de bullying e ajudando na

resolução de conflitos, verificamos dois objetivos fundamentais no trabalho de formação

dos alunos participantes: desenvolver habilidades que lhes possibilitem abordar situações

de agressão com assertividade e escuta ativa e experimentar a promoção de valores de

não violência no contexto escolar. Obviamente, não é possível formar as equipes de

ajuda se aqueles que o farão não tiverem desenvolvidas estas habilidades e mesmo

experimentado a adesão mais evoluída a valores de não violência. Estamos assim, convencidos da urgência de políticas públicas que pensem a

formação docente que levem em conta a necessidade de propiciar aos educadores

condições para que se fortalecerem, pela reflexão e pela experiência, na compreensão

da gênese dos valores morais e suas implicações pedagógicas para que seja possível

erradicar as formas de violência que acontecem na escola. Isso porque falhar na

educação daqueles que educam pode levar ao enfado as próprias ações para que a

violência na escola seja superada.

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1 O grupo envolvido nesta investigação é composto pelos seguintes pesquisadores: Maria Suzana de StéfanoMenin, Luciene Regina Paulino Tognetta, Telma Pileggi Vinha, Raul Aragão, Patrícia Batáglia e Adriano Moro.