Formação Do Capital e Desenvolvimento Economico

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  • As seis conferncias pronunciadas no Brasil pelo professor daUniversidade de Columbia R. NURKSE, sobre Formao de Capital eDesenvolvimento Econmico,1 podem ser consideradas como um dos

    esforos mais srios feitos por economistas de pases desenvolvidos paracompreender os problemas que enfrentam atualmente as economiassubdesenvolvidas. Os resultados altamente positivos desse esforo nosenchem de otimismo com respeito aplicao do instrumental analticomoderno aos problemas do desenvolvimento atual de reas atrasadas.

    A inexistncia de material informativo de base e o resultantedesconhecimento da realidade econmica criaram nos economistas dos pasessubdesenvolvidos o hbito de raciocinar por analogia, na iluso de que a umdeterminado grau de generalidade os fenmenos econmicos seriam iguais emtoda parte. Infelizmente, nem sempre possvel tirar concluses aplicveis asituaes concretas de teorias que, se bem apresentam uma grandeconsistncia lgica, esto construdas num elevado nvel de abstrao. deesperar, entretanto, que o enorme esforo de pesquisa estatstica queatualmente se realiza em muitos pases subdesenvolvidos contribua para queo pensamento econmico venha a ser nesses pases o poderoso instrumentode anlise da realidade social que j em outras partes do mundo.

    Dentre os muitos temas que aborda o Prof. NURKSE em suas conferncias,muitos so de extraordinria atualidade e merecem ser assinalados para maiordiscusso. No presente trabalho abordaremos trs desses temas. Primeiramentea teoria do desenvolvimento econmico, em segundo lugar o problema dasrelaes entre a propenso a consumir e a intensidade do desenvolvimento, efinalmente a questo dos efeitos das inverses sobre o balano de pagamentos.

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    1 Publicadas na Revista Brasileira de Economia, dezembro, 1951.

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  • I. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONMICO Um dos problemas mais interessantes abordado pelo professor NURKSE, logo

    na primeira conferncia, o da teoria do desenvolvimento econmico. Chama ele aateno para o fato de que nos pases desenvolvidos os economistas hajam sempreconsiderado como subentendido o fenmeno do crescimento econmico, razo pelaqual o mesmo muito raramente tem sido submetido a uma anlise sistemtica.

    Uma teoria cientfica pressupe a existncia de um ou mais problemas cujasoluo motivo de preocupao de algum grupo social. indispensvel, portan-to, que se reconhea a existncia do problema para que sua soluo possa consti-tuir objeto de especulao dos homens de pensamento. O desenvolvimentoeconmico no chegou a constituir um problema, seno praticamente em nos-sos dias. O mecanismo dos preos velava para que os recursos produtivos dacoletividade fossem utilizados da forma mais racional possvel, e, demais, seadmitia que o esprito de iniciativa, aguado pelo dinamismo da sociedade libe-ral, constitua slida garantia ao progresso econmico.

    A ao de organismos centrais sobre o conjunto da esfera econmicacomeou a ser aceita com o reconhecimento da necessidade de uma polticaanti-cclica. E foi como subproduto das teorias cclicas que comearam a surgiridias, na esfera econmica,2 relativas ao processo de desenvolvimento. Comefeito, dado que na economia de livre empresa o processo econmico semanifesta em forma cclica, seria artificial raciocinar em termos de ummovimento ascendente linear. Por outro lado, se bem verdade que a simplesobservao de vrios ciclos consecutivos levava formulao de teorias detendncias seculares, tornava-se extremamente difcil abordar o problema docrescimento sem antes compreender a mecnica do ciclo. proporo que sefoi vendo mais claro dentro desse mecanismo, a poltica anticclica foievoluindo de medidas elementares de carter monetrio para uma aocoordenada sobre os elementos dinmicos do sistema econmico. Assim, umadas modalidades mais recentes de poltica anticclica consiste na determinaode objetivos a serem alcanados, em funo do tempo, por determinadossetores da atividade econmica, aos quais se atribui um papel dinmico. Emuma situao dada de pleno emprego se pode considerar, por exemplo, que

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    2 Anteriormente o desenvolvimento econmico havia sido matria de preocupao de historiadores, filsofossociais e socilogos no campo da dinmica social. Ver, por exemplo, as magnficas obras de Max Weber, HenriPirenne, H. Se e outros, sobre as origens do capitalismo.

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  • para manter o nvel de atividade, ou melhor, o aproveitamento timo dosfatores, necessrio que o produto social bruto aumente dentro de 6 anos emX por cento. Determinada essa meta e conhecido o montante dos gastos emconsumo que funo daquela meta pode-se determinar a soma de in-verses privadas e pblicas que dever realizar a economia concomitante-mente. A poltica anticclica consistir, neste caso, num conjunto de medidasque induzem concretizao daquele montante de inverses.

    Ao evoluir de uma poltica de estabilizao de preos para uma decoordenao e programao das inverses, a ao anticclica foi exigindo umaformulao terica que tende a ultrapassar a anlise das causas das flutuaesno nvel de emprego, para alcanar uma explicao do processo geral dodesenvolvimento econmico. Compreende-se, portanto, o grande interesseque despertam atualmente os estudos sobre a acumulao de capital, sobre asrelaes entre o montante das inverses e a renda nacional e finalmente orenovado empenho em levantamentos da riqueza nacional, que se observaparticularmente nos Estados Unidos. Por outro lado, compreende-se a granderepercusso que vo tendo os estudos sobre input-output, que possibilitamuma viso mais clara das interdependncias dentro do sistema econmico,assim como a orientao que esto tomando os novos estudos de dinmicaeconmica com HARROD, DOMAR e outros economistas.

    O Prof. NURKSE aborda a teoria do desenvolvimento econmico dentrodo quadro geral do pensamento de SCHUMPETER. Sua verso dessepensamento , entretanto, extremamente pessoal, razo pela qualconsideraremos em separado sua contribuio para em seguida fazer algumasobservaes sobre a teoria schumpeteriana.

    O ponto central do pensamento de NURKSE se refere pequenez do mercadocomo fator limitante do desenvolvimento econmico. Na economia de mercado domundo real, diz ele, no difcil encontrar exemplos que ilustram o modo pelo qualo pequeno tamanho do mercado de um pas pode desencorajar, e at impossibilitaro emprego proveitoso de equipamento moderno... Muitos artigos de uso comum nosEstados Unidos s podem ser vendidos em quantidades to pequenas em pases sub-desenvolvidos que uma nica mquina trabalhando apenas poucos dias por semanapoderia produzir o suficiente para o consumo de um ano todo.3

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    3 Ob. cit., pg. 15.

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  • O problema bsico dos pases subdesenvolvidos no estaria, segundo esseraciocnio, do lado da escassez de poupana e sim na falta de estmulo sinverses, em razo da limitada capacidade de absoro do mercado. Se bemque muito interessante, esse problema no tem o alcance que pretende dar-lhe o Prof. NURKSE. Sempre que os pases subdesenvolvidos tivessemoportunidade de realizar suas inverses com vista ao mercado externo, oproblema no existiria. Portanto, a questo fundamental est na inexistnciade um mercado externo em expanso. Haveria, assim, que distinguir entredesenvolvimento com comrcio externo em expanso e desenvolvimento comestancamento ou contrao do intercmbio exterior. esse um problemafundamental e a ele voltaremos a propsito das conexes entre o desequilbrioexterno e a orientao das inverses.

    Existe, ademais, uma outra razo mais sria que nos leva a discordar daforma como o Prof. NURKSE apresenta o problema da pequenez do mercadocomo empecilho ao desenvolvimento. Um mercado pequeno com relao aalguma coisa. E no caso em questo o mercado dos pases subdesenvolvidos pequeno com relao ao tipo de equipamento que se usa nos pases desen-volvidos. No essa uma dificuldade fundamental no processo de desenvolvi-mento econmico, e sim acidental. No processo de desenvolvimento dos pa-ses que so hoje altamente industrializados, as inovaes tcnicas iam sendoutilizadas sempre que economicamente se justificassem. O fator trabalho erasubstitudo pelo fator capital, sempre que isso se justificasse com uma baixade custos. Assim sendo, a introduo numa comunidade primitiva de m-quinas automticas de fabricar sapatos significar certamente no uma baixamas uma grande alta de custos pela mesma razo que teria significado umaalta de custos nos pases que hoje so industrializados se tivessem sidointroduzidas h cem anos. Por outro lado, para que num pas subdesenvolvidose logre um sensvel aumento de produtividade, no necessrio introduzir osequipamentos mais modernos. Em muitas regies do Brasil a mera introduoda roda significaria um sensvel progresso. A simples abertura de uma estradapode determinar um pondervel aumento na produtividade de uma regioagrcola.

    O que se busca com o desenvolvimento econmico aumentar a produ-tividade fsica mdia do fator trabalho. Numa economia subdesenvolvida aintroduo de mquinas automticas de fabricar sapatos no significa melhorana produtividade fsica do fator trabalho para o conjunto da coletividade se os

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  • artesos que antes produziam sapatos ficaram sem nenhuma ocupao. Poroutro lado, o empresrio que introduza tais mquinas ter prejuzo porque elastero de permanecer paradas 5 dias por semana. Mas o empresrio queintroduza melhoras nas ferramentas utilizadas na produo manual de sapatose assim possibilite um aumento de produtividade, produzir mais sapatos como mesmo nmero de homens-hora sem elevar demasiadamente outros custos.

    Mas continuemos com o raciocnio do Prof. NURKSE. O incentivo parao uso de capital limitado pelo pequeno tamanho do mercado, diz ele ecompleta seu raciocnio com as seguintes relaes causais: ...o pequeno ta-manho do mercado devido ao baixo nvel de produtividade; o baixo nvel deprodutividade devido pequena quantidade de capital usado na produo,a qual, por sua vez, devida ao pequeno tamanho do mercado. Afirma entoo Prof. NURKSE: Estamos em presena de uma conjugao de foras quetendem a manter qualquer economia retrgrada em condio estacionria ...O progresso econmico no uma ocorrncia espontnea ou automtica.Finalmente, assimila esse estancamento automtico ao fluxo circular deSCHUMPETER.

    interessante observar que por essa forma o Prof. NURKSE d umcontedo histrico economia de fluxo circular de SCHUMPETER, a qualparece existir no pensamento desse autor como uma simples abstrao. Agrande falha metodolgica da teoria de SCHUMPETER reside exatamenteem haver criado essa abstrao para depois, em contraste com a mesma,elaborar um esquema que deveria representar a realidade.

    A figura central no processo de desenvolvimento econmico, paraSCHUMPETER, o empresrio criador, introdutor de novas combinaes,cuja ao d lugar a mudanas espontneas e descontnuas nos canais dofluxo circular.

    A dificuldade que existe em lidar com essa teoria do desenvolvimentoeconmico, em nossos dias, resulta do fato que SCHUMPETER, ao formul-la (antes da Primeira Guerra Mundial), tinha uma perspectiva do fenmenointeiramente distinta daquela que temos hoje. Pretendia ele explicar por querazo a realidade econmica um processo em permanente mudana e nouma repetio de si mesma. No se preocupava diretamente com um possvelaumento da capitalizao ou da renda real e sim com a dinmica do processoeconmico. Para ns diz ele desenvolvimento um fenmeno diferente,inteiramente estranho ao que se pode observar no fluxo circular ou na

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  • tendncia ao equilbrio. uma mudana espontnea e descontnua nos canaisdo fluxo, alterao do equilbrio, a qual modifica e desloca para sempre oestado de equilbrio previamente existente. Nossa teoria do desenvolvimentono mais que um tratamento desse fenmeno e do processo que sobre omesmo incide.4

    Como se identifica o empresrio, o elemento dinmico que quebra esseequilbrio? Pela introduo de uma nova combinao. SCHUMPETERapresenta cinco tipos de novas combinaes que so em sntese novasmercadorias, novos mtodos de produo, novos mercados, novas fontes dematrias-primas, novas organizaes. Mas, em realidade, o que distingue aao do empresrio a criao do lucro. Na economia do fluxo circular noexiste lucro, o empresrio um simples administrador. Para conceder algumavalidez a essas idias necessrio raciocinar em termos de um mercadoperfeito, no qual o lucro existiria to-s como o resultado de uma situaotemporria de semi-monoplio, criada por uma inovao qualquer.

    A essncia da teoria do desenvolvimento econmico de SCHUMPETERpode, portanto, ser resumida no seguinte: o processo econmico em nossasociedade no circular porque existe uma classe com esprito dinmico osempresrios que, atravs de inovaes, tende permanentemente a romper oequilbrio. Seria o caso de se perguntar: e que fatores contribuem para queexista uma tal classe em nossa sociedade? Por que tm essa funo socialdeterminados indivduos? Em realidade o problema do desenvolvimentoeconmico um aspecto do problema geral de mudana social em nossasociedade, e no poder ser totalmente compreendido se no se lhe devolve ocontedo histrico. Seria necessrio considerar todo o complexo cultural quese formou na Europa, com seus elementos de racionalidade, sua mobilidadesocial, sua escala de prestgio em grande parte refletindo a escala da riquezapessoal, para explicar a dinmica do processo econmico capitalista. Asimplificao schumpeteriana por um lado nos afasta do verdadeiro problemaeconmico do desenvolvimento, e, por outro, de muito pouco nos serve comoexplicao geral do fenmeno.

    Afastando-se da teoria do desenvolvimento de SCHUMPETER, NURKSEvai buscar em alguns elementos da teoria cclica desse autor uma nova idiapara explicar a passagem do estado de equilbrio para o de desenvolvimento.

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    4 The Theory of Economic Development. Harvard University Press, 1951, pg, 64.

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  • E essas idias consistem nas chamadas ondas de inverso. Onde qualquerempreendimento isolado pode ser fatalmente impraticvel e no lucrativo, umgrande nmero de investimentos simultneos ... pode ser bem sucedido... (p.20). Este fenmeno s tem sentido se o observamos dentro do processocclico, em economias j desenvolvidas. E isso porque, em determinadasetapas do ciclo, existindo muitos fatores ociosos, o essencial que omovimento se inicie simultaneamente em muitos setores, de tal forma queuns criem mercado para os outros. Utilizar essa teoria como explicao doponto de partida de um processo de crescimento numa economiasubdesenvolvida nos parece afastar-se muito da realidade. Para uma economiasubdesenvolvida, comear um processo de desenvolvimento com seusprprios recursos e pela ao espontnea de seus prprios empresrios , parausar uma frase corrente, como levantar-se pelos prprios cabelos. verdadeque o processo de desenvolvimento, uma vez iniciado, pode intensificar-secom suas prprias foras, conforme demonstraremos mais adiante aotratarmos da alta propenso a consumir das economias subdesenvolvidasatuais. Mas isso no justifica que se pretenda ver a a causa mesma do inciodo processo.

    O conceito de novas combinaes certamente a contribuio maisinteressante da teoria de SCHUMPETER. Mas a forma como ele as define demasiado imprecisa pois so novas combinaes aquelas que tendem aquebrar o fluxo circular, ou seja, o equilbrio do sistema. Como o fluxo circular uma simples abstrao, ficamos praticamente na mesma. Pode-se admitir,dentro das categorias schumpeterianas, uma economia em que a ao de umgrupo de empresrios quebre seguidamente o equilbrio, atravs da introduode produtos novos, sem que haja necessariamente aumento na produtividade.Os novos produtos podem eliminar outros e os lucros do novo empresriopodem estar compensados por perdas de outros empresrios.

    O processo de desenvolvimentoA teoria do desenvolvimento econmico no cabe, nos seus termos gerais,

    dentro das categorias da anlise econmica. esse um ponto de vista jbastante aceito hoje em dia, e caberia apenas citar o seminrio sobredesenvolvimento econmico organizado pela Universidade de Chicago, em1951, no qual foram reunidos socilogos, antroplogos e historiadores, ao ladodos economistas. A anlise econmica no nos pode dizer por que uma

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  • sociedade se desenvolve e a que agentes sociais se deve esse processo. Noobstante, a anlise econmica pode precisar o mecanismo do desenvolvimentoeconmico. descrio desse mecanismo que vamos, em seguida, dedicaralgumas observaes.

    O processo de desenvolvimento consiste fundamentalmente numa srie demudanas na forma e propores como se combinam os fatores da produo.No nos deteremos a analisar as razes sociais determinantes dessasmudanas, o que exigiria um trabalho muito mais extenso do que pretende sero presente. Com essas mudanas se busca alcanar combinaes maisracionais de fatores, ao nvel da tcnica prevalecente, com o objetivo de iraumentando a produtividade do fator trabalho. O objetivo da teoria dodesenvolvimento econmico, portanto, no explicar por que a economia estmudando permanentemente, e sim como em nossa economia o fator trabalhovai progressivamente aumentando sua produtividade.

    a) Pases desenvolvidos e subdesenvolvidosO processo de desenvolvimento se realiza seja atravs de combinaes

    novas dos fatores existentes ao nvel da tcnica conhecida, seja atravs daintroduo de inovaes tcnicas. Numa simplificao terica se poderiaadmitir como sendo plenamente desenvolvidas, num momento dado, aquelasregies em que, no havendo desocupao de fatores, s possvel aumentara produtividade (a renda real per capita) introduzindo novas tcnicas. Poroutro lado, as regies cuja produtividade aumenta ou poderia aumentar pelasimples implantao das tcnicas j conhecidas seriam consideradas em grausdiversos de subdesenvolvimento. O crescimento de uma economia desenvol-vida , portanto, principalmente um problema de acumulao de novos co-nhecimentos cientficos e de progressos na aplicao desses conhecimentos.O crescimento de economias subdesenvolvidas sobretudo um processo deassimilao da tcnica prevalecente na poca.

    Dentro dos padres da tcnica conhecida, numa regio subdesenvolvidasempre existe deficiente utilizao dos fatores de produo. Essa deficincia,sem embargo, no resulta necessariamente de m combinao dos fatoresexistentes. O mais comum que resulte da escassez do fator capital.Desperdia-se um fator mo-de-obra porque outro insuficiente capital.Entretanto, como sabido, o capital no mais do que o trabalho realizadono passado e cujo fruto no foi consumido. Chega-se, assim, concluso de

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  • que o trabalho mal utilizado hoje porque o fruto do trabalho realizado ontemfoi totalmente consumido. Esse crculo vicioso, conforme explicaremos emseguida, nas economias mais rudimentares quase sempre quebrado pelaao de fatores externos.

    b) A produtividade e a acumulao de capitalO desenvolvimento econmico, conforme dissemos, consiste na introduo

    de novas combinaes de fatores de produo que tendem a aumentar aprodutividade do trabalho. A tcnica moderna o conjunto de normas cujaaplicao possibilita aumentar essa produtividade. medida que cresce aprodutividade sempre que no atuem certos fatores que se examinaro depois aumenta a renda real social, isto , a quantidade de bens e servios disposio da populao. Por outro lado, o aumento das remuneraesresultante da elevao da renda real provoca nos consumidores reaestendentes a modificar a estrutura da procura. Ocorre, assim, uma srie deinteraes mediante as quais o aumento de produtividade faz crescer a rendareal e o conseqente aumento da procura faz com que se modifique a estruturada produo. No estudo do desenvolvimento econmico , portanto, deimportncia fundamental conhecer o mecanismo do aumento da produtividadee a forma como reage a procura elevao do nvel da renda real.

    Dissemos que o aumento da produtividade fsica do trabalho ,principalmente, fruto da acumulao de capital.5 Entretanto, as relaes entreesses dois fenmenos aumento de produtividade e acumulao de capital devem ser observadas mais detidamente para que se compreendam asdificuldades que ao processo de desenvolvimento cabe vencer em suas etapasiniciais.

    Quando a produtividade muito baixa, a satisfao das necessidadesfundamentais da populao absorve uma elevada proporo da capacidadeprodutiva. Em economias muito atrasadas se observa, por exemplo, que 80 oumais por cento da populao ativa trabalha para satisfazer as necessidades dealimentao e vesturio da coletividade. Em um nvel assim to baixo deprodutividade, difcil que tenha origem dentro da economia um processo de

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    5 Uma simples inovao tecnolgica pode aumentar a produtividade fsica do trabalho. Deve-se ter em conta,porm, que as inovaes mais importantes esto incorporadas nos novos equipamentos, cuja utilizao em boaparte representa inverses lquidas.

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  • acumulao de capital. Vejamos a razo. Em todas as comunidades humanasas necessidades de produtos outros que no os agrcolas tendem a crescer coma renda disponvel para consumo. Nas comunidades mais avanadas, essasnecessidades chegam a absorver at 80 por cento da capacidade produtiva dasociedade. Nas comunidades mais atrasadas a desigualdade na distribuio dariqueza faz com que certos grupos sociais apresentem uma procurarelativamente elevada de bens no agrcolas e de servios. Consideremos, porexemplo, a comunidade anteriormente referida, na qual 80 por cento da foraprodutiva trabalha na agricultura, e admitamos que todos os seus membrostrabalham e tm igual produtividade e que no existe intercmbio externo.Suponhamos, agora, que 5 por cento dos membros dessa coletividade recebemrendas sensivelmente acima da mdia: digamos que ficam com 20 por cento darenda global da qual aplicam 50 por cento na compra de produtos agrcolas. necessrio que o grupo de baixas rendas (95 por cento da populao) dedique87,5 por cento de suas rendas satisfao das necessidades primrias (comprade produtos agrcolas), para que fiquem recursos produtivos disponveis quepossibilitem ao grupo de altas rendas gastar os outros 50 por cento de suasrendas na compra de bens no agrcolas e de servios. Ainda assim no haverianenhuma inverso lquida e, a menos que a populao no cresa, essaeconomia no manter sequer seu nvel de renda real per capita.

    As grandes dificuldades do desenvolvimento se encontram, portanto, nosnveis mais baixos de produtividade. Iniciado o processo de crescimento, adinmica prpria deste faz com que parte do aumento da renda se reserve paraa capitalizao. Uma comunidade primitiva, sem embargo, tende bem mais aficar estancada, sem que suas prprias foras a capacitem para iniciar umprocesso de desenvolvimento. O impulso inicial para ultrapassar essasdificuldades veio historicamente de fora da comunidade.6

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    6 Isto verdade no somente para os povos atualmente subdesenvolvidos. A passagem, na Europa, em fins daIdade Mdia, de uma economia constituda de unidades quase totalmente fechadas e estancadas, para outra emprocesso de crescimento, se deveu, em grande parte, ao intercmbio que os povos levantinos particularmenteBizncio depois das invases rabes impuseram s populaes costeiras da Itlia e sul de Frana. Uma veziniciado, o processo tendeu a se propagar atravs dos grandes rios a todo o continente, criando possibilidadescrescentes de diviso do trabalho, aumento de produtividade e acumulao de capital. Ver Henri Pirenne, LaCivilization occidentale au Moyen ge, tomo VIII da coleo Histoire gnrale, dirigida por Glotz, PressesUniversitaire, Paris.

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  • O estabelecimento de uma corrente de intercmbio externo cria para umaeconomia de baixos nveis de produtividade a possibilidade de iniciar umprocesso de desenvolvimento sem prvia acumulao de capital. Conformeobservamos, o aumento de produtividade, que o prprio desenvolvimentoeconmico, resulta em ltima instncia da introduo de combinaes maisprodutivas dos fatores de produo. Essas novas combinaes exigem,normalmente, aumento na disponibilidade do fator escasso, que o capital.Mas em determinadas circunstncias possvel introduzir combinaes maisprodutivas sem aumentar a disponibilidade de capital, sempre que se possaintegrar a economia em questo num mercado maior. A abertura de umacorrente de comrcio externo permitir a essa economia utilizar mais a fundoe mais racionalmente aqueles fatores de que dispe, em abundncia relativa,a terra e a mo-de-obra. Ao obter uma maior quantidade de bens do que seriapossvel caso utilizasse apenas para o mercado interno seus fatores deproduo, a economia ter aumentado sua produtividade. O aumento derenda real assim obtido poder constituir a margem necessria quepossibilitar o incio do processo de acumulao de capital. Essa simplesindicao deste problema pe em evidncia a grande importncia que tempara os pases subdesenvolvidos a expanso do comrcio mundial.Considerem-se, por exemplo, os grandes transtornos que para a economia dospases subdesenvolvidos trouxe a contrao persistente do comrcio mundial,que se seguiu grande crise. Muitos dos pases de mais baixo nvel dedesenvolvimento, que haviam iniciado um processo de crescimento antes dacrise estimulado pelo intercmbio externo, perderam nos ltimos doisdecnios, sob a presso do crescimento demogrfico, parte do aumento deprodutividade que haviam logrado.

    O impulso externo beneficia inicialmente os setores diretamente ligados aocomrcio exterior, principalmente atravs do aumento das remuneraesoutras que no salrios. Se persistente o impulso, haver estmulo para queaumente a produo atravs de inverso dos lucros adicionais recm-criados.Comea ento a srie de reaes conhecidas, pelas quais a acumulao decapital e as melhoras tcnicas que aquela traz consigo vo libertando trabalhoe terra por um lado e absorvendo-os por outro, com aumento da produtividademdia social. Se o impulso externo sofre soluo de continuidade quandoainda muito baixo o nvel mdio de produtividade, provvel que o processode desenvolvimento se interrompa. Mas se a economia consegue atingir certos

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  • nveis de produtividade que permitem uma formao lquida de capital dealguma monta, a importncia relativa dos impulsos externos no processo decrescimento tender a diminuir. medida que aumenta a produtividade,cresce a renda real e se diversifica a procura, o que vai abrindo novasoportunidades de inverso, conforme veremos em seguida.

    c) Crescimento da renda e diversificao da procuraAo crescer a produtividade social mdia, como resultado da acumulao de

    capital, aumenta a renda real da coletividade. Na verdade, se bem seja muitoelevada a correlao positiva entre esses dois fenmenos, convm chamar aateno para alguns fatores que podem atuar em sentido contrrio. Desdelogo, devem-se ter em conta as caractersticas especficas da economia de livreempresa, na qual os fenmenos de crescimento se manifestam em formacclica, o que d lugar a desocupao peridica de fatores de produo. Poroutro lado existem fenmenos inteiramente incontrolveis que interferem naprodutividade do trabalho, como o caso das condies climatricas naagricultura. Finalmente, cabe mencionar o mecanismo do mercado que podeanular totalmente os efeitos do aumento da produtividade fsica do trabalhosobre a renda. Assim, conforme sejam a elasticidade-preo da procura de umproduto de exportao e a posio no mercado internacional do pas emquesto, o fruto do aumento da produtividade fsica do trabalho no setor deexportao pode ser totalmente transferido para o exterior atravs de umabaixa de preos. Mas, com exceo de casos particulares como os citados,pode-se admitir que a renda real acompanha muito de perto a evoluo daprodutividade fsica mdia do fator trabalho.

    O aumento de produtividade proporciona, portanto, ao setor beneficiadoum aumento de renda. Ao iniciar-se um processo de desenvolvimento,conforme vimos, esse aumento se transforma quase totalmente em lucros,permitindo acumular capitais para intensificar a produo, o que ocorrequando persiste o estmulo de uma procura externa crescente. Uma vez que oprocesso de crescimento se firme e aumente a procura de mo-de-obra,tendero a crescer os salrios reais. Conseqentemente, o aumento da rendareal tender a se distribuir entre consumo e inverso. A procura adicional dosconsumidores pressionar sobre os preos em certos setores, o quedeterminar que as novas inverses se encaminhem para eles, absorvendo-sepor essa forma a poupana adicional que se vai criando. As novas inverses

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  • provocaro aumentos de produtividade noutros setores e se repetiro asreaes anteriores.

    A forma como evolui a procura , portanto, um fator fundamental naorientao das novas inverses. Por seu turno, a forma como evolui a procuraem funo do crescimento da renda nacional em boa parte determinada porfatores institucionais. Se os aumentos da renda se concentram totalmente emmos de pequenos grupos fechados, o processo de desenvolvimento, iniciadopor presso externa, no criar dentro da economia reaes que tendam aintensific-la. Este fenmeno se observa em algumas economias subde-senvolvidas onde existe um grande excedente de mo-de-obra e nas quais oestmulo vindo de fora relativamente dbil. Os benefcios resultantes docomrcio exterior revertem totalmente em favor de pequenos grupos quebuscam no exterior boa parte dos bens que consomem. Como a procuraexterna no intensa, pequeno o estmulo para novas inverses e os salriosreais ficam estagnados. Os benefcios do comrcio exterior servem apenaspara que alguns grupos sociais desfrutem de formas superiores de consumoimitadas de pases altamente desenvolvidos. No nos deteremos a analisarcomo historicamente foram eliminados os fatores institucionais que impediama ampliao do processo de desenvolvimento. Mas, sem abandonar o terrenoestrito da anlise econmica, pode-se afirmar que a partir do momento emque a procura de mo-de-obra no setor de exportao permite a este pagarsalrios mais elevados que os que prevalecem na economia, o processo dedesenvolvimento tende a se expandir.

    um fato comprovado pela experincia que a procura tende a modificar-seno sentido da diversificao, sempre que numa economia se eleva o salrio realmdio. Inquritos realizados entre os mais variados grupos sociais confirmamessa tendncia diversificao da procura. Assim, a procura de alimentoscresce sensivelmente nas primeiras fases do desenvolvimento, mas diminui seuritmo de aumento uma vez atingidos certos nveis de renda real per capita. Aprocura de manufaturas de consumo cresce intensamente quando comea adiminuir o ritmo de crescimento do consumo de alimentos. Os bens durveisde consumo, por seu lado, tm um comportamento especfico.

    A evoluo da demanda, da mesma forma que o aumento daprodutividade, uma varivel independente no processo de desenvolvimento.Com o aumento da produtividade, cresce o potencial produtivo da economia.Mas, se a procura no se diversificasse, uma vez satisfeitas as necessidades

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  • bsicas da populao, tenderia a ficar ociosa uma parte crescente daquelepotencial. Alcanados certos nveis de renda per capita o fruto dodesenvolvimento seria a criao de horas suplementares de cio para atotalidade ou parte da populao.

    As novas inverses se fazem em grande parte com vista procura futura.Como essa procura se vai diversificando, o aparelho de produo tende amodificar sua estrutura medida que se eleva a renda real. Por mais abertaque seja uma economia, existe sempre uma grande quantidade de bens eservios que no possvel importar. Explica-se, assim, que mesmo aquelaseconomias que evoluram no sentido de uma crescente integrao nocomrcio internacional hajam diversificado progressivamente sua produocom o processo de desenvolvimento.

    II. PROPENSO A CONSUMIR E INTENSIDADE DE CRESCIMENTOOutro problema de grande interesse que discute o professor NURKSE o

    da elevada propenso a consumir dos atuais pases subdesenvolvidos. Essefenmeno foi destacado em muitos estudos da CEPAL e motivo de reflexopara todos aqueles que se preocupam com poltica de desenvolvimentoeconmico. A importncia da contribuio do Prof. NURKSE nesta matriadeve-se a que ele deu maior generalidade ao fenmeno, colocando-o dentro deuma teoria geral do comportamento do consumidor. Essa teoria se fundanuma ampla anlise do comportamento dos consumidores nos EstadosUnidos, e as investigaes estatsticas feitas posteriormente a sua formulaono lhe reduziram o alcance. interessante observar que essa teoria, quepretendeu explicar a grande estabilidade da funo consumo nos EstadosUnidos, agora utilizada para explicar a instabilidade dessa funo nos pasesde desenvolvimento atrasado. Ao crescer a renda real per capita nos EstadosUnidos, a relao consumo-renda nacional no se modificou sensivelmente,pela simples razo de que os grupos de mdias e baixas rendas foram elevandosua propenso a consumir. A teoria que se elaborou para explicar essefenmeno, NURKSE utiliza para explicar o fato comprovado de que um pasque hoje em dia tem uma renda real per capita de 200 dlares tende a pouparuma parte menor dessa renda que um pas que tivesse idntica renda real h30 ou 50 anos. Assim como os grupos sociais de baixas rendas tendem a imitar,em seus padres de consumo, aqueles que lhes esto por cima na escalasocial, os pases pobres tendem a copiar as formas de vida dos ricos. Se a

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  • renda real per capita cresce mais rapidamente nos pases ricos que nos pobres,aquele mecanismo faz que aumente a propenso a consumir nos pasespobres. Ao diminuir concomitantemente a propenso a poupar nos pasespobres, tambm se reduz o ritmo de crescimento destes, o que tende aacentuar a disparidade entre as rendas reais de pases ricos e pobres.

    esta uma observao de grande importncia porque pe em evidnciaque o processo de desenvolvimento dos pases atualmente subdesenvolvidosno pode alcanar espontaneamente seu ritmo timo. A tendncia a aumentarda propenso a consumir, resultante das disparidades internacionais de rendareal, determina uma reduo progressiva no ritmo do crescimento espontneodos pases que ficaram atrasados no processo de desenvolvimento. Essaobservao nos leva a fazer algumas consideraes suplementares sobre omecanismo do desenvolvimento econmico.

    A intensidade de crescimento de uma economia funo de duas relaes:a) inverses-renda nacional, e b) riqueza reproduzvel empregada no processoprodutivo-renda nacional.

    A segunda dessas relaes se refere produtividade mdia do capital numdado perodo produtivo, isto , quantidade de renda que se obtm porunidade de capital reproduzvel empregado no conjunto da economia. essauma relao que depende em grande medida da potencialidade dedesenvolvimento da regio cuja economia se estuda. Basta considerar, paracompreender o problema, o caso limite de uma regio desrtica onde apotencialidade de desenvolvimento seja a praticamente nula. Mesmo que apopulao que se encontre radicada nessa regio desrtica faa um grandeesforo de capitalizao e receba importantes contribuies externas, serimpossvel que se consiga uma razovel produtividade para o capitalempregado. Por outro lado, um pas com grandes extenses de terras frteisainda no cultivadas poder, mediante inverses relativamente pequenas,alcanar grandes aumentos em sua renda social. Neste segundo pas, aprodutividade mdia do capital empregado ser necessariamente elevada.

    Estas observaes chamam a ateno para o fato de que a renda real percapita no indica necessariamente o grau de acumulao de capital jalcanado por uma economia, isto , o esforo de desenvolvimento j realizadona regio em estudo. Uma dada regio pode realizar um grande esforo dedesenvolvimento e alcanar um elevado grau de capitalizao por pessoa ativasem que sua renda per capita atinja o nvel da de outras regies que ainda se

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  • encontram em etapas muito mais primrias de desenvolvimento. Essecontraste pode-se estabelecer entre o Japo e a Argentina. O primeiro dessespases tem uma capitalizao mdia muito maior que o segundo mas suarenda per capita sensivelmente mais baixa. A abundncia de terras frteis naArgentina faz que seja muito elevada a produtividade mdia do capital aliempregado na economia desse pas; por outro lado, a superpopulao do Japoobriga a utilizar mesmo as terras menos frteis e os recursos naturais maispobres, reduzindo enormemente a produtividade mdia do capital.

    Clculos realizados para a economia norte-americana7 demonstram, porum lado, uma relativamente elevada produtividade mdia para os capitais aliinvertidos, e por outro uma grande estabilidade feitas as correes pordesemprego cclico de fatores nessa relao. Para cada unidade de inversoreal realizada nos Estados Unidos se obtm, anualmente, um montante derenda que varia aproximadamente entre 0,35 e 0,70, de acordo com aintensidade de utilizao dos fatores dentro do ciclo. Pode-se admitir umarelao de aproximadamente 0,65 como caracterstica da economia norte-americana em etapa de pleno emprego. essa certamente uma muito elevadaprodutividade mdia do capital e reflete a excelncia dos recursos naturaiscom que conta a economia norte-americana e a escassez relativa de suapopulao. Um clculo que realizamos para a economia do Chile nos deu umarelao de aproximadamente 0,45, e um clculo preliminar para a economiabrasileira, uma relao de 0,50 para 1949. Essa maior produtividade doscapitais invertidos no Brasil, com respeito queles invertidos no Chile,possivelmente se deve s maiores dificuldades que enfrenta a agriculturachilena, onde freqentemente so indispensveis custosas obras de irrigao.

    O outro fator determinante da intensidade de crescimento duma economia a relao inverses-renda nacional, isto , a proporo da renda nacionalcorrespondente ao perodo produtivo anterior que se inverte dentro da prpriaeconomia. As estatsticas disponveis geralmente permitem estabelecer essarelao sob a forma de percentagem das inverses brutas sobre o produtobruto ou das inverses lquidas sobre o produto lquido. Em nossa exposioconsideraremos esta segunda relao.

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    7 Veja-se The Growth of Reproducible Wealth of the United States of America from 1805 to 1905. RaymondW. Goldsmith. Trabalho apresentado para discusso na reunio de 1951 da International Association forResearch in Income and Wealth.

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  • Vejamos agora como se combinam esses dois fatores para dar-nos a taxa decrescimento de uma economia. Sabendo-se que a produtividade do capital seexprime por um coeficiente de 0,5, isto , que necessrio inverter 2 para aotrmino do primeiro processo produtivo obter 1, depreende-se que, se essaeconomia inverte 10 por cento de seu produto lquido, sua taxa anual decrescimento ser de 5 por cento.

    Como sabemos que o coeficiente de produtividade do capital apresentauma relativa estabilidade para cada economia, pois reflete o complexo depotencialidades dessa economia8 pode-se admitir que a intensidade docrescimento de ano para ano principalmente determinada pela relaoinverses-renda nacional, qual denominaremos de coeficiente de inverso.

    No processo de desenvolvimento, o comportamento do coeficiente deinverso grandemente influenciado por fatores institucionais e de outrasordens que atuam sobre a propenso a consumir. Este problema foi entrevistopor socilogos, como MAX WEBER, que se preocuparam com as influnciasde certas formas do esprito religioso, particularmente o puritanismo, sobre oshbitos dos consumidores nas etapas iniciais do capitalismo, e tambm porVEBLEN, grande crtico da economia neo-clssica, com quem so inegveisos pontos de afinidade da tese de DUESENBERRY9 utilizada por NURKSE.

    O pensamento keynesiano deu grande importncia ao fato de que asmotivaes psicolgicas do agente que poupa so distintas daquelas do agenteque inverte. Mas, se deslocamos nossa ateno do problema das flutuaescclicas no nvel de emprego para o problema do crescimento da capacidadeprodutiva, vemos que tambm tem importncia distinguir entre as motivaespsicolgicas do agente que inverte e as do que consome. Ao iniciar-se umprocesso de desenvolvimento numa economia de livre empresa, o agente queinverte recebe estmulos mais intensos que o agente que consome. A

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    8 Evidentemente cabe considerar parte a possibilidade de que uma economia aumente a produtividade mdiados capitais nela invertidos atravs de um intercmbio externo crescente. Se se dispusesse de cifras para aInglaterra ou o Japo, comparveis quelas que j existem para os Estados Unidos, certamente se evidenciariaque nem sempre a relao capital reprodutvel-renda nacional apresenta uma estabilidade secular. mais oumenos bvio que a Inglaterra sem a diviso internacional do trabalho elevada de que desfruta, particularmentedentro da Comunidade Britnica, no poderia alcanar a alta produtividade mdia do capital que a caracteriza.Mas, mesmo em casos como esse seria necessrio observar o fenmeno atravs de muitos anos para notaralteraes de importncia no coeficiente de produtividade do capital. 9 James S. Duesenberry, Income, Saving and The Theory of Consumer Behavior, Harvard University Press,1949. Veja-se particularmente o Captulo III, onde se expe a teoria do demonstration effect.

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  • intensidade do crescimento est intimamente relacionada com essa disparidadeinicial entre as intensidades dos estmulos a inverter e a consumir. Vejamos umexemplo para aclarar o problema. Suponhamos o caso de uma economia cujocoeficiente de produtividade mdia do capital seja, como no caso anterior, 0,5 eonde por uma razo qualquer10 se inicie um processo de crescimento, isto , queas inverses lquidas se elevem de forma tal que a capacidade produtiva cresamais que a populao ativa. Para ficar com o exemplo anterior, suponhamos queas inverses absorvam 10 por cento do produto lquido, ou seja, que ocoeficiente de inverso se eleve a 0,1. Ao subirem as inverses a esse nvel, aeconomia em questo comear a crescer com uma taxa anual de 5 por cento.

    H fortes razes para crer que o consumo no encontrar, desde osprimeiros ciclos produtivos, estmulos para crescer to fortemente como oproduto. A taxa de crescimento deste ltimo poder, portanto, elevar-se. Foi aeste processo a que nos referimos quando no captulo anterior afirmamos queo desenvolvimento pode apoiar-se em si mesmo, uma vez iniciado.Suponhamos que o consumo, nos primeiros anos do desenvolvimento, cresato somente em 2,5 por cento anualmente. Neste caso o crescimento doproduto se intensificar, conforme se depreende do modelo abaixo:

    Produto Lquido Consumo Inverso Coeficiente de Inverso(a) (b) (c) (c/a)

    1 ano 100,0 90,00 10,00 0,100

    2 ano 105,0 92,25 12,75 0,121

    3 ano 111,4 94,56 16,48 0,148

    4 ano 119,6 96,92 22,68 0,190

    5 ano 130,9 99,34 31,56 0,241

    Pode-se ver que o montante das inverses lquidas subiu de 10 para 32,elevando o coeficiente de inverso de 0,1 para 0,24 no quinto ano. Essaelevao permitiu que a taxa de crescimento anual do produto passasse de 5

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    10 Em economias ainda primitivas, conforme j se disse, o processo de desenvolvimento se inicia de maneirageral, sob a ao de fatores externos: imigrao de capital e tcnica, ao de uma procura exterior, melhorasubstancial na relao de intercmbio, etc. Em pases que j alcanaram uma grande acumulao de capital ecujas economias se encontrem momentaneamente estagnadas, o processo de desenvolvimento pode ter seu pontode origem na ao de fatores internos: intensificao no crescimento da populao, inovaes tecnolgicas,descoberta de melhores fontes de recursos naturais, etc.

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  • para 9,4 por cento. Se o consumo houvesse crescido com a mesmaintensidade que o produto lquido, a taxa de crescimento deste ltimo teriapermanecido no nvel alcanado desde o primeiro ano, conforme sedemonstra em seguida:

    Produto Lquido Consumo Inverso Coeficiente de Inverso(a) (b) (c) (c/a)

    1 ano 100,00 90,00 10,0 0,1

    2 ano 105,00 94,50 10,5 0,1

    3 ano 110,25 99,25 11,0 0,1

    4 ano 115,76 104,16 11,6 0,1

    5 ano 121,55 109,35 12,2 0,1

    Conforme j assinalamos, o processo histrico do desenvolvimento daeconomia capitalista um problema de grande amplitude que ultrapassa oslimites da anlise econmica. No obstante, ponto mais ou menos pacficoque esse processo teve sua origem nos contatos culturais resultantes dascorrentes de comrcio que, vindas de fora, foram criando na Europa ocidentaluma classe empresria. Essa classe, dotada de esprito de lucro, se constituiuem elemento social dinmico, em choque com as comunidades feudais. Oshbitos de consumo, influenciados por tradies religiosas e sociais, slentamente se foram transformando.

    Em nossos dias o processo praticamente se inverteu. Graas enormefora dos meios de propaganda e comunicaes, os hbitos de consumo vona frente, como o carro diante dos bois. H em razo disso motivos para crerque o desenvolvimento espontneo dos pases subdesenvolvidos atuais serealiza com ritmo muito inferior ao que seria de esperar das potencialidadesdessas economias e do progresso alcanado pela tcnica. Como superar essadificuldade , por certo, um dos problemas mais srios que se apresentam aoseconomistas de nossa poca.

    III. CRITRIOS PARA INVERSO E DESEQUILBRIO EXTERNOMuitas outras reflexes poderiam ser feitas a propsito da questo

    discutida no captulo anterior. Poderamos perguntar, por exemplo, que efeitotem sobre o balano de pagamentos dos pases subdesenvolvidos sua fortepropenso a consumir. Esta observao nos leva a considerar uma afirmao

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  • do professor NURKSE na sexta conferncia relacionada com o problema daorientao das inverses financiadas com capitais estrangeiros: ...quando ocapital se tornasse disponvel para um pas, este deveria procurar, ou seraconselhado a procurar, aplic-lo numa forma que produza os mais elevadosganhos, levando em conta tanto quaisquer economias externas criadas peloempreendimento, quanto ganhos comerciais diretos. Por outro lado, os bensespeciais, atravs dos quais a transferncia de juros feita, so determinadospela escala de custos comparativos no comrcio internacional (No necessrio considerar-se fixa essa escala; a mesma pode perfeitamentemodificar-se em conseqncia do prprio investimento). Nenhuma relaoespecial exigida entre a escala de produtividade marginal e a escala de custoscomparativos. Desde que as duas condies sejam satisfeitas, no hdificuldade inerente ao problema do servio, do lado do devedor.11

    Esto aqui encerrados dois problemas de grande interesse. O primeiro dizrespeito ao critrio bsico a ser adotado na orientao das inverses. Essecritrio, nos diz NURKSE, o da produtividade social marginal. essa umaafirmao de grande importncia que vem sendo feita por um nmerocrescente de economistas de prestgio.12 Abandona-se o critrio micro-analtico da produtividade marginal, em que se considera a produtividade daltima unidade de inverso em cada setor, do ponto de vista da rentabilidadeda empresa, para adotar um critrio social de efeito sobre o conjunto da rendanacional, da ltima unidade de inverso.

    Esse critrio j estava entrevisto na teoria das economias externas, massomente agora mereceu uma completa elaborao. Sua importncia grande,se se tem em conta que os fatores de produo existem em proporesdistintas nos diversos pases. Assim, numa economia como a nossa em que ofator mo-de-obra no limitante e na qual o setor industrial paga salriosmais elevados que os outros setores dos quais absorve essa mo-de-obra,pode-se admitir que uma indstria que pague maior soma de salrios porunidade lquida de produto (renda gerada por essa indstria) tem mais elevadaprodutividade social. Mas, como o fator mo-de-obra no pode serconsiderado totalmente elstico, o critrio mais geral relacionar o volume de

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    11 Ob. cit., pg. 181.12 Cofr. Alfred E. Kahn. Investment Criteria in Development Programs, The Quarterly Journal of Economics,fevereiro, 1951.

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  • inverso com o valor agregado (renda gerada) pela indstria. Para obter aprodutividade social seria necessrio levar em conta ademais os efeitos dareferida inverso sobre os demais setores da economia. Tais efeitos podemconcretizar-se em substanciais redues de custo, particularmente quando ainverso foi feita num setor chave, como transporte e energia.

    A adoo desse critrio leva concluso de que o simples mecanismo depreos do mercado no possibilita utilizao tima dos recursos. Ou melhor,poder possibilit-la, como um caso especial, mas no razo suficiente paraque se alcance essa utilizao tima de recursos. Tocamos aqui num pontofundamental da teoria do desenvolvimento econmico. Numa economiaaltamente desenvolvida, onde os recursos naturais so praticamenteconhecidos, a produtividade marginal se aproxima nos vrios setores econseqentemente os salrios para iguais nveis de aprendizagem e iguaisgraus de sacrifcio tambm se aproximam; numa economia desse tipo aprodutividade social de uma inverso deve aproximar-se de sua produtividadedo ponto de vista da empresa, isto , da rentabilidade do capital. Neste casoo simples mecanismo dos preos pode ser um guia seguro para as inverses.O mesmo no ocorre com uma economia em etapas primrias dedesenvolvimento. Nesta ltima existe uma grande disparidade no grau deutilizao dos fatores produtivos, de um setor para outro. A simples translaode fatores de produo ou a introduo de novas combinaes entre estespodem determinar substanciais aumentos de produtividade social. Essesaumentos, entretanto, no se refletem necessariamente na rentabilidade dasempresas. Existem, portanto, fortes razes para crer que o ritmo dedesenvolvimento pode ser intensificado se se corrige a insuficincia domercado como mecanismo diretor do processo econmico e se se imprime sinverses uma orientao geral coordenadora.

    O outro problema que aborda o Prof. NURKSE no pargrafo citado o darepercusso das inverses estrangeiras sobre o balano de pagamentos. Essarepercusso pode ser direta, atravs do servio da dvida, ou indireta, atravsdos efeitos-renda, isto , do aumento das importaes como conseqncia doaumento da renda real. esse um problema muito mais geral do que parecedepreender-se do trecho citado de NURKSE. No deve ser restringido sinverses estrangeiras pois os efeitos-renda, que so o cerne do problema e aosquais limitaremos nossa discusso, operam igualmente para as inverses decapitais nacionais. Esse problema foi discutido com admirvel profundidade

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  • por KAHN,13 e seus argumentos podem ser sintetizados da seguinte forma:1.) O aumento da renda real resultante da inverso em questo pode ser queno determine nenhum aumento da renda monetria. o caso, por exemplo,de uma melhora na produo de alimentos que totalmente absorvida pelosprprios produtores, sem que aumente o montante das transaes comerciais.A segunda hiptese seria que o aumento da produo fosse acompanhado dereduo no nvel dos preos. 2.) A renda monetria aumenta na mesmaproporo que a renda real. Feita a inverso e iniciada a nova atividade, arenda dos fatores de produo engajados chamemos-lhes F depende davenda dos novos produtos (valor agregado) a outros recebedores de rendas chamemos-lhes G. De todos os modos, sempre que G no compre os novosprodutos de forma inflacionria (reduzindo sua taxa normal de poupana,tomando emprestado ou mobilizando saldos ociosos), a nova renda monetriadisponvel em mos de F estar contrabalanada por uma absoroequivalente de poder de compra de G, que deve haver reduzido de formaequivalente seus gastos com outras mercadorias. Se o efeito lquido dascompras adicionais de F (de mercadorias importadas ou de outras mercadoriasproduzidas no pas) e da mudana de orientao das compras de G (quepassou a comprar a produo de F e menos mercadorias importadas ou outrasmercadorias produzidas no pas), ser maiores ou menores importaes, questo discutvel.

    Essa matria merece especial ateno de nossa parte em vista de ter aCEPAL em mais de um estudo afirmado que o processo de desenvolvimentodos pases latino-americanos, nos ltimos dois decnios, vem sendoacompanhado de tendncia permanente ao desequilbrio externo. Essatendncia ao desequilbrio, conforme temos afirmado, imanente ao processode desenvolvimento espontneo em certas condies de evoluo daeconomia internacional. Evidentemente, sempre que houvesse (como nosculo passado e nos primeiros trs decnios deste) uma forte corrente decapitais para os pases que se encontram nas primeiras etapas dodesenvolvimento, ou mesmo na ausncia dessa corrente de capitais sempreque houvesse um mercado internacional em firme expanso que absorvesse osprodutos em oferta crescente naqueles pases, o problema do desequilbrio

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    13 Ob. cit.

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  • externo no existiria ou seria um problema de conjuntura. Mas a realidade dosltimos dois decnios foi inteiramente distinta: o quantum do comrciomundial declinou firmemente e ainda nos anos recentes, entre 1947 e 1949,havia voltado a declinar.

    Uma anlise deste problema que se coloque num plano puramente abstratopode ter certa integridade lgica, mas ter muito pouca utilidade prtica. Assimmesmo, a integridade lgica da anlise de KAHN depende da consistncia decertas premissas que esto implcitas na mesma, conforme veremos.

    O primeiro caso a que se refere KAHN, em que aumenta a renda real semque aumente a renda monetria, tem interesse muito limitado. Pode-seadmitir o caso de que a descoberta de um processo novo de hibridao desementes determine melhora no rendimento por hectare na produo de umartigo, como o milho, que em certas comunidades totalmente de auto-consumo. A renda imputada dos agricultores teria aumentado e, portanto,tambm a renda real, sem nenhuma repercusso sobre a renda monetria.Mas como atribuir neste caso a elevao da renda real a uma inverso nova?E se no existe na realidade nenhuma nova inverso, como enquadrar o casonuma discusso sobre critrios para orientao de novas inverses? Este casono apresenta mais interesse que o de uma curiosidade.

    Na segunda hiptese, em que aumenta a renda real e no a monetria, emrazo de uma baixa de preos, existem algumas suposies implcitas sobre aelasticidade da demanda dos produtos cuja produo se aumenta.Suponhamos, por exemplo, que algumas inverses bem orientadas naagricultura permitam aumentar a produtividade desta e que os produtoresagrcolas decidam transferir os frutos dessa melhora para os consumidoresatravs de uma baixa de preos e de um aumento da oferta. Digamos, antesofereciam 2 laranjas por 1 cruzeiro, agora oferecem 3, sem que isso signifiquenenhuma alterao na lucratividade dos negcios agrcolas. Se a demanda seadaptasse automaticamente oferta e todas as pessoas que consumiamlaranjas aumentassem em 50 por cento sua procura, por definio no haverianenhuma presso sobre o balano de pagamentos. Mas, na realidade, essefeliz automatismo que se pode idealizar num modelo abstrato est muito longeda realidade, particularmente daquela dos pases que se encontram nasprimeiras etapas do desenvolvimento.

    O caso seguinte, que mais nos interessa, contribui para aclarar osfundamentos e as limitaes do argumento de KAHN que defende o Prof.

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  • NURKSE. Neste caso se admite que a renda monetria acompanha a rendareal em seu aumento. Exclui-se desde logo a hiptese de um aumentoinflacionrio dos meios de pagamento. Suponhamos que se realizam inversesnum determinado setor da indstria digamos no txtil e que da resulteuma produo nova de 100. Os consumidores trataro de adquirir essas 100unidades txteis e concomitantemente deixaro de comprar nos diversosoutros setores mercadorias de valor equivalente em seu total. Ora, essasmercadorias ficaro disposio das pessoas que tiveram suas rendasaumentadas pelo fato mesmo de que se venderam aquelas 100 unidadestxteis. O raciocnio similar ao anterior e pressupe, para que se transformeem realidade, uma escala de elasticidades-renda da demanda que correspondaexatamente aos aumentos da oferta resultante das novas inverses. Masmesmo nesse plano de abstrao o raciocnio no est prova de toda crtica.Em realidade, se supe implicitamente que a renda criada pela produo das100 unidades txteis se transforma integralmente em renda consumida. Aspessoas que deixam de comprar outros bens de consumo para adquirir as 100unidades txteis, criam uma oferta de bens de consumo de valor igual ao preode venda das 100 unidades txteis. No considerando a incidncia dosimpostos, os gastos com matrias-primas e de depreciao para simplificar,temos que admitir que das novas rendas criadas pela nova produo uma parteser poupada, portanto o sobrante a ser gasto em consumo temnecessariamente que ser inferior aos 100 da oferta de bens de consumo criadapela introduo no mercado dos 100 da nova produo txtil. A outraquantidade de renda criada (e poupada) se orientar para o setor de bens decapital, onde no houve nenhuma reduo concomitante da procura. Arealidade, portanto, ser esta: haver um sobrante de oferta no setor de bensde consumo e um sobrante, da mesma magnitude, de procura no setor debens de capital. Se essa situao de desequilbrio se resolver por aumento deexportaes de bens de consumo e de importaes de bens de capital, ou sepor baixa de preos no setor de consumo e reduo das inverses um outroproblema, que no vamos discutir. Apenas pretendemos demonstrar que omodelo de KAHN no tem a consistncia lgica que aparenta.

    Esse raciocnio nos afastou um tanto do ponto central da idia quepretendamos criticar. Essa idia diz respeito repercusso das inversessobre o balano de pagamentos. O argumento central de KAHN que o grupode consumidores que compram as 100 novas unidades txteis deixam de

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  • comprar outro tanto de artigos produzidos no pas ou importados; por outrolado, o grupo de consumidores que tem sua renda aumentada pela produonova txtil, comprar produtos produzidos no pas ou importados. Se da somaalgbrica das duas quantidades de procura resulta um total maior ou menorpara o grupo de mercadorias importadas, algo que no se deve estabelecer apriori. A propenso marginal a importar pode resultar positiva ou negativa,conforme seja maior dita propenso no grupo que passa a comprar as 100unidades txteis novas, ou no grupo que teve suas rendas aumentadas com ocrescimento de produo txtil.

    esse um campo onde o raciocnio terico resolve muito pouco e indispensvel descer observao da realidade. A experincia indica que emeconomias altamente desenvolvidas a propenso marginal a importar tantopode comportar-se negativa como positivamente. sabido que os coeficientesde elasticidade-renda da procura so distintos para os diversos grupos deartigos de consumo. H certos artigos cuja procura cresce mais queproporcionalmente com a elevao da renda, outros que crescem menos queproporcionalmente e outras ainda que decrescem. Se os artigos importadospor um pas so daqueles que crescem pouco ou decrescem com a elevaoda renda nacional, passvel que ao subir esta, sem alterao no nvel depreos, no se modifique ou mesmo que diminua o montante dasimportaes. Com relao a esse pas se poderia afirmar tranqilamente comNURKSE que nenhuma relao especial exigida entre a escala deprodutividade marginal e a escala de custos comparativos.

    A experincia demonstra, entretanto, que nos pases que se encontram nasetapas iniciais do desenvolvimento a histria se canta de outra forma. Ademanda de objetos de consumo que esses pases importam apresentamelevados coeficientes de elasticidade-renda. o caso dos artigosmanufaturados em geral e em particular dos artigos de consumo durvel.Observa-se, por exemplo, que a demanda destes ltimos artigos cresce comum coeficiente de 2 a 4 com a elevao da renda real. Mas no somente isso,os pases em etapas iniciais de desenvolvimento dependem em grande partedas importaes para o suprimento de bens de capital. A procura destesltimos bens, conforme vimos anteriormente, tende a crescer mais que arenda nacional quando intenso o desenvolvimento econmico. Como,diante de tais fatos, deixar-se paralisar pela dvida de se a propenso marginala importar negativa ou positiva? esse tipicamente um erro de perspectiva

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  • de economistas que, habituados a meditar sobre certa realidade econmica,pretendem tirar concluses de validez universal.

    Como conciliar essa tendncia a aumentar as importaes, resultante doprprio desenvolvimento, com a impossibilidade de aumentar a capacidadepara importar? Na verdade foi essa a situao que conhecemos desde 1930 atmuito recentemente. Alguns economistas que tm a habilidade detransformar problemas econmicos em questes de semntica, argumentamque o desequilbrio a que nos referimos inseparvel de uma situaoinflacionria. Na realidade, desde o momento em que as importaes crescemalm da capacidade para importar, pode-se afirmar que as inversesultrapassaram a poupana e, portanto, que existe uma situao inflacionria,Como ser necessrio reduzir, de alguma forma, as importaes parareequilibrar o balano de pagamentos, se dir que essa medida e odesequilbrio que a determinou so conseqncias da situao inflacionria.Esse raciocnio deixa de lado o aspecto fundamental do problema, que aimpossibilidade de que a oferta cresa e modifique sua composioautomaticamente com a expanso e de acordo com a mudana de composioda demanda. Sempre que as exportaes (considerada constante a relao deintercmbio) no cresam paralelamente com a procura de importaes, oprocesso de crescimento criar desequilbrios, que se manifestam emexcedentes de produo interna e em saldos desfavorveis no balano depagamentos. Esses desequilbrios vo sendo corrigidos com atraso e quasesempre de forma dolorosa. E isso contribui para dificultar a poltica deestabilizao e para tornar a inflao inseparvel do processo dedesenvolvimento.

    A inflao que acompanha o desenvolvimento econmico em nosso pas no, portanto, fundamentalmente, um problema monetrio. A causa ltima dodesequilbrio est na disparidade entre o crescimento da renda e o dacapacidade para importar. , portanto, indispensvel, se se quer corrigir odesequilbrio, que se modifique a estrutura da produo no sentido de aumentaras exportaes ou de substituir importaes. Uma reduo nas inverses que o remdio comumente apontado se realizada indiscriminadamente atravsda poltica de crdito, no necessariamente corrigir o desequilbrio e nem comcerteza outros males. Para evitar que surjam esses desajustamentos necessrioque se tomem com antecipao certas medidas relativas orientao dasinverses. Se possvel, at certo ponto, prever esses desequilbrios, tambm

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  • ser possvel evit-los. Somos, assim, mais uma vez levados a concluir que, nascondies atuais da economia mundial, os pases subdesenvolvidos no poderoespontaneamente alcanar um grau de crescimento compatvel com suaspotencialidades e com o grau de avano da tcnica que est a sua disposio.Uma ao coordenadora se faz imprescindvel e isso reconhece implicitamenteo Prof. NURKSE quando pe em primeiro plano o papel da poltica fiscal nodesenvolvimento econmico atual.

    Na realidade, talvez a contribuio mais importante do professor NURKSEem suas conferncias seja a forma como relaciona a poltica fiscal com oproblema da poupana nos pases subdesenvolvidos. Se bem que esse seja oproblema central do desenvolvimento econmico atual, ele geralmente malcompreendido. No so incentivos para inverter o que falta em nossaeconomia. Faltam, sim, estmulos para poupar. Esse problema muito maisprofundo do que o de uma simples organizao de mercado de capitais. Dadosos fortes estmulos para consumir que nos vm das economias mais avanadase que to bem explica o professor NURKSE, muito dificilmente nossaeconomia poder chegar espontaneamente, na atual fase de desenvolvimento,a um alto nvel de poupana. Se desejamos caminhar para umdesenvolvimento mais intenso e equilibrado, temos que colocar em primeiroplano o problema de poupana. Um pas como o Brasil tem uma grandemargem potencial de poupana, a qual est apenas esperando por formascompulsrias de captao. Pensar em recriar no Brasil as formas espontneasde poupana do sculo passado uma grande falta de realismo. Nesse errono caiu o Prof. NURKSE e essa certamente a maior lio que nos deu. *

    SUMMARYCAPITAL FORMATION AND ECONOMIC DEVELOPMENTCelso Furtado

    I - THEORY OF ECONOMIC DEVELOPMENTOne of the most interesting problems taken up by Prof. NURKSE, at his first

    conference is that of economic development.

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    * Este artigo foi publicado na Revista Brasileira de Economia, No 3, ano 6, setembro de 1952.

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  • Prof. NURKSE takes up the theory of economic development following thegeneral ideas of SCHUMPETER.

    The center point of NURKSES idea refers to the smallness of the market as alimiting factor in economic development. This problem has not the importancewhich Prof. NURKSE pretends to give it. Whenever underdeveloped countries havethe opportunity of realizing investments to produce for the external market, theproblem would not exist.

    There exists, further, one other more serious reason that leads us to discord withthe form in which Prof. NURKSE presents the problem of the smallness of themarket as an obstacle to development. The market of underdeveloped countries issmall in relation to the type of equipment used in developed countries. This is not afundamental difficulty in the process of economic development but simply accidental.In this manner the introduction in a primitive community of automatic machineryfor the manufacture of shoes, will certainly indicate not a reduction but a greatincrease in costs for the same reason that it would have indicated an increase incosts in countries that are today industrialised had they been introduced a hundredyears ago. Prof. NURKSE states that the incentive for the use of capital is limitedby the small size of the market and the small size of the market is due to the low levelof productivity; the low level of productivity is due to the small quantity of capitalemployed in production, which in turn is due to the small size of the market. Prof.NURKSE then affirms: We are in the presence of a combination of forces which tendto maintain any retrograde economy in a stationary condition. He finally assimilatesthis to the circular flow of SCHUMPETER. NURKSE then seeks in some elementsof the cyclical theory of SCHUMPETER a new idea to explain the transition fromthe state of equilibrium to that of development. This he finds in the so called wavesof investment. To utilize such a theory as an explanation of the starting point of aprocess of growth in an under-developed economy, seems to us to lead far away fromreality. For an under-developed economy, to start a process of development with its ownresources and by spontaneous action of their own enterprisers is, to use a commonsaying, the same as raising oneself up by ones own bootstraps. It is true that theprocess of development, once initiated, may be intensified by its own forces, as we willshow later on. But this does not justify one seeing in this lifting oneself by ones ownbootstraps a sufficient explanation of the beginning of growth.

    The concept of new combinations is certainly the most interesting contributionof SCHUMPETERS theory. But the manner in which he defines it is too indefinite,since new combinations are those which tend to break the circular flow.

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  • The Process of DevelopmentThe theory of economic development, in its general terms, does not pertain to the

    categories of economic analysis. Nevertheless, economic analysis can explain themechanism of economic development. The process of development consistsfundamentally in a series of changes in the form and proportion in which the factorsof production are combined. The object of the theory of economic development is notto explain why the economy is permanently changing, but to show how in oureconomy the factor labor is progressively increasing in productivity.

    a) Developed Countries and Under-Developed CountriesThe process of development is achieved either through new combinations of existing

    factors with known technique, or through the introduction of technical innovations.Simplifying, one can admit as being fully developed at any given moment, those regionsin which, in the absence of unemployment, it is only possible to increase productivityby the introduction of new techniques. On the other hand, the regions whereproductivity increases or might be increased by the implantation of known techniques,would be considered under-developed. Within the standards of known technique, inan under-developed region there always exists deficient utilization of factors. Suchdeficiency, nevertheless, most commonly results from the lack of the factor capital.

    b) Productivity and the accumulation of capitalWe have said that the increase in physical productivity of labor is, principally, the

    consequence of accumulation of capital. However, the relation between those twophenomena should be observed more closely. When productivity is very low, thesatisfaction of the fundamental necessities of the population absorbs a considerableproportion of productive capacity. The great difficulties with development are foundtherefore at the lowest levels of productivity. Once the process of growth is initiated,its proper dynamics permits part of the increase in revenue to be reserved forcapitalization. The initial impulse to overstep such difficulties came historically fromoutside the community.

    International trade creates for an economy of low levels of productivity thepossibility of initiating a process of development without the previous accumulationof capital. Under certain circumstances it is possible to introduce more productivecombinations without increasing available capital, whenever we can integrate theeconomy in question in a larger market.

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  • c) Growth of Revenue and Diversification of DemandWith the growth of average social productivity, real income increases. The increase

    in real income will tend to distribute itself between consumption and investment. Inturn, the form by which the demand evolves is largely determined by institutionalfactors. It is a fact, proven by experience, that demand has a tendency to vary in thesense of diversification whenever in an economy the average real income is increased.Thus, the increase in demand for food is evident in the first phases of development,but diminishes its rhythm of increase when certain levels of income per capita havebeen attained. The demand for manufactured goods for consumption increasesintensely when the rhythm of consumption of food begins to diminish.

    II - PROPENSITY TO CONSUME AND RATE OF GROWTHAnother problem of great interest discussed by Prof. NURKSE is that of the high

    propensity to consume of the actual under-developed countries. Just as the socialgroups of low revenues have he tendency to imitate, in their standards of consumption,those who are above them in the social scale, the poor countries have the tendencyto copy the mode of living of the rich countries. The tendency to increase thepropensity to consume, resulting from international disparities of real income, causesa progressive reduction in the rhythm of spontaneous growth of the countries thatremained behind in the process of development.

    The rate of growth of an economy is a function of two factors: a) investment-national income, and b) capital-output. The second factor, of course, like the first,varies in accordance with the special circumstances of each country.

    The other decisive factor for the degree of growth of an economy is the relationinvestment-national income.

    As we know that its capital-output factor shows relative stability for each economy,it can be admitted that the rate of growth each year is principally determined by therelation investment-national revenue, to which we will give the name of coefficientof investment.

    In the process of development, the behavior of the coefficient of investment isgreatly influenced by institutional factors etc., which act on the propensity toconsume.

    There are strong reasons for believing that consumption will not find, right fromthe first, stimuli for growing as rapidly as product. The rate of growth of the latter may,therefore, increase. To this we made reference when in the previous chapter weaffirmed that development can support itself, once initiated.

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  • The historical process of development of capitalist economy had its origin in thecultural contacts resulting from the flow of commerce which began to create inwestern Europe an entrepreneurial group. In this group, the propensity to consumeinfluenced by religions traditions and social ones as well, only slowly began to betransformed.

    As the present time the process has practically inverted itself. Influenced by theenormous force of the means of propaganda and means of communications, thepropensity to consume increases faster than product in the underdeveloped countries.

    III - INVESTMENT CRITERIA AND EXTERNAL DISEQUILIBRIUMThis problem has two aspects. The first refers to the basic criterion to be adopted

    in the guidance of investment. Such criterion, NURKSE tells us, is that of socialmarginal productivity.

    The adoption of this criterion leads to the conclusion that the simple mechanismof market prices does not guarantee the best utilization of resources.

    The other problem raised by Prof. NURKSE in this connection is that of therepercussion of foreign investment on the balance of payments. This problem affectsall investments, since the income affects, which are heart of the problem, operate alsoin respect of investments of national capital. An analysis by KAHN leads to theconclusion that it is not clear a priori whether investment even if not directlyexchange saving or export increasing will tend to improve or deteriorate thebalance of payment. This depends on the marginal propensity to import of the country.

    Experience shows, however, that in underdeveloped countries the marginalpropensity to import is high.

    Hence, development involves a tendency to external disequilibrium.Some economists who like to transform economic problems into semantic

    questions argue that the disequilibrium referred to is inseparable from an inflationarysituation.

    The inflation which accompanies economic development is not, however, afundamentally monetary problem. The basic cause of disequilibrium lies in thedisparity between the growth of revenue and the capacity to import. It is, therefore,essential, that the structure of production be modified so as to increase exports or tosubstitute imports. It is necessary that certain measures be adopted beforehand i.e.before disequilibrium has appeared, and, possibly, initiated a self-correcting process related to the conclusion that, under actual world economic conditions,underdeveloped countries cannot spontaneously attain a degree of growth compatible

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  • with their potentialities and the degree of advance of technique at their disposal. Acoordinated action becomes imperative and this is implicitly recognized by Prof.NURKSE when he stresses the role of fiscal policy in the development process. Inmodern conditions it is fiscal policy which must produce the savings to financeinvestments.

    To consider reviving the spontaneous forms of saving of the past century is a greatlack of reality. This error was not committed by Prof. NURKSE and that isundoubtedly the best lesson he gave us.

    RSUM

    FORMATION DE CAPITAL ET DVELOPPEMENT CONOMIQUE

    I - THORIE DE DVELOPPEMENT CONOMIQUE Un problme intressant discut par le Prof. NURKSE est la thorie du

    dveloppement conomique dans laquelle il suit les ides gnrales deSCHUMPETER. Le point central de cette thorie est la dimension rduite dumarch comme facteur dans le dveloppement conomique. Ce problme pourtantne mrite pas lattention que NURKSE lui donne. Le problme en effet ne se posepas chaque fois que les pays sous-dvelopps ont loccasion investir dans laproduction pour le march extrieur. Il y a encore une autre raison pour laquelle nousne sommes pas daccord avec largument de la dimension rduite du march commeobstacle au dveloppement. Le march en ralit nest petit quen relation aveclquipement employ dans les pays avancs. Ceci nest pas une difficultfondamentale mais plutt accidentelle. Lemploi de machines automatiques dans lafabrication de chaussures dans une communaut primitive portera non pas unerduction mais pluttt une augmentation des cots. Mais ceci aurait t galementvrai dans les pays aujourdhui dvelopps si lon avait introduit lemploi de cesmachines il y a cent ans. Le Prof. NURKSE dit que la stimulation pour lemploi decapital est limite par la dimension rduite du march qui son tour est cause parla basse productivit; celle-ci est due la quantit rduite de capital employ dans laproduction cause de la dimension rduite du march. Le Prof. NURKSE affirmeaussi que ceci est une combinaison de forces tendant maintenir une conomiearrire dans une condition stationnaire. Finalement, il adopte la thorie du fluxcirculaire de SCHUMPETER dans laquelle il cherche une explication pour latransition de la stagnation au dveloppement. Cette explication il trouve dans les

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  • vagues dinvestissement. Adopter une telle explication comme point de dpart dudveloppement conomique ne nous semble pas trs raliste. Commencer le processusde dveloppement par ses propres moyens et par laction spontane des propresentreprises est difficile accepter. Une fois commenc, ce processus peut tre intensifipar ses propres moyens. Le concept de combinaisons nouvelles est certainement lacontribution la plus intressante de la thorie de SCHUMPETER. Cependant lamanire dans laquelle elle est dfinie est trop vague.

    Processus du dveloppementLa thorie du dveloppement conomique en gnral ne fait pas partie de lanalyse

    conomique. Cependant cette analyse peut expliquer le mchanisme dudveloppement conomique. Le dveloppement est dans le fond une srie dechangements dans la forme et la proportion des combinaisons des facteurs deproduction. La thorie du dveloppement conomique ne cherche pas expliquerpourquoi lconomie se change mais plutt tche de dmontrer comment le travailaugmente progressivement sa productivit.

    a) Pays dvelopps et sous-dvelopps Le dveloppement se produit ou bien par des nouvelles combinaisons des facteurs

    existants ou bien par lintroduction de nouvelles techniques. En termes simples onpeut dire que les pays dvelopps sont ceux o dans labsence de chmage, il estimpossible daugmenter la productivit sinon par lintroduction de nouvellestechniques. Les pays sous-dvelopps sont ceux o la productivit peut tre augmentepar lintroduction des techniques existantes.

    b) Productivit et accumulation de capital Laugmentation de la productivit du travail se fait principalement par lemploi

    de biens de capital. Quand la productivit est trs basse, la satisfaction des necessitsurgentes de la population absorbe une proportion considrable de la capacitproductive. Les grandes difficults se prsentent donc aux niveaux le plus bas de laproductivit. Une fois le processus de dveloppement initi, sa propre dynamiquepermet dappliquer une partie de laccroissement du revenu la capitalisation. Lastimulation initiale dans le pass est venu de lexterieur. Le commerce internationala cre pour une conomie basse productivit la possibilit de initier le processus dudveloppement sans accumulation pralable de capital. Dans certaines circonstancesil est possible dintroduire des combinaisons plus productives sans augmenter le

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  • capital disponible, c. . d. chaque fois que nous pouvons intgrer une conomiedans un march plus large.

    c) Accroissement du revenu et diversification de la demande Le revenu rel augmente avec laccroissement de la productivit sociale moyenne.

    Cette augmentation de revenu rel cherche sa distribution entre consommation etinvestissement; dautre part la forme que la demande adoptera est grandementdetermine par des facteurs institutionelles. Il a t prouv que la demande devientplus diversifie avec laugmentation du revenu rel moyen. La demande pour lanourriture saccroit dans la premire phase du dveloppement, mais diminuerelativement quand un certain niveau de revenu moyen est atteint. La demandepour des biens de consommation manufacturs augmente beaucoup quand le tauxde laccroissement de la consommation de nourriture diminue.

    II. PROPENSION LA CONSOMMATION ET TAUX DU DVELOPPEMENT Un autre problme intressant discut par le Prof. NURKSE est la haute

    propension la consommation dans les pays sous-dvelopps. Les pays retards onten effet la tendance imiter le train de vie des pays riches. La tendance daugmenterla propension la consommation a caus une rduction progressive dans le taux dedveloppement spontan des pays retards. Le taux de dveloppement dune conomieest une fonction de deux facteurs: (a) Investissement-revenu national et (b) Capital-production.

    Les deux facteurs varient en accord avec les circonstances speciales de chaque pays.Le facteur dcisif pour le degre du dveloppement est la relation investissement-revenu national. Nous savons que le facteur capital-production est relativementstable. Pour cette raison nous pouvons accepter que le taux de dveloppement chaqueanne est determin principalement par la relation investissement-revenu nationalque nous appelerons coefficient dinvestissement.

    Dans le processus du dveloppement le changement de ce coefficient estgrandement influenc par des facteurs institutionels influant la propension laconsommation. Il y a de bonnes raisons croire que la consommation ds le dbuttrouvera des stimulations crotre autant que la production et le taux dedveloppement peut donc augmenter. Le processus historique du dveloppement desconomies capitalistes avait son origine dans le contact culturel rsultant ducommerce qui a cr en Europe Occidentale un groupe dentrepreneurs. Dans cegroupe la propension la consommation influence par la tradition religieuse et

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  • sociale ne sest transforme que petit petit. A prsent le processus est pratiquementle contraire. Influence par la forc norme de la propagande et de moyens decommunicatians, la propension la consommation augmente plus vite que la pro-ductian dans les pays sous-dvelopps.

    III. CRITRES DINVESTISSEMENT ET DESQUILIBRE EXTERNE Ce problme prsente deux aspects, le premier se rfrant aux critres tre

    adapts dans lapplicatian des investissements. Selon NURKSE ce critre est lapraductivit marginale sociale. Ce critre pourtant nous mne la conclusion quele mchanisme du prix du march ne garantit pas la meilleure utilisation desressources.

    Le deuxime aspect est celui de la rpercussion des investissements trangers surla balance de paiements. Ce problme affecte tous les investissements comme leseffets sur le revenu se prsentent aussi dans le cas des investissements du capital na-tional. Une analyse par KAHN mne la conclusion quil nest pas clair priori quelinvestissement mme si non pas directement augmentant lexportation oudiminuant limportation aura des effets favorables ou dfavorables sur la balancedes paiements. Ceci dpend de la propension marginale limportation du pays enquestion. Lexperience nous apprend que dans les pays sous-dvelopps la propensionmarginale limportation est trs haute. Le dveloppement portera donc une tendance un desquilibre externe. Certains conomistes mme prtendent que ce desquilibreest insparable dune situatian inflationniste.

    Linflation accompagnant le dveloppement conomique nest pas un problmemontaire fondamentale. La dernire raison pour le desquilibre se trouve dans ladisparit entre laccroissement du revenu et la capacit dimportation. Il est doncessentiel que la structure de la production soit adapte de sorte que les exportationsaugmentent ou que les importations diminuent. Nous arrivons donc la conclusionque dans les circunstances actuelles les pays sous-dvelopps ne peuvent passpontanment atteindre un degr de dveloppement compatible avec leur potentielet avec les techniques leur disposition. Une action coordonne est donc ncessaireet ceci est reconu implicitement par le Prof. NURKSE quand il accentue le rle dela politique fiscale dans le processus du dveloppement. Dans les circonstancesactuelles cest la politique fiscale qui doit produire lpargne ncessaire financerlinvestissement. Esprer une renaissance de lpargne spontane du sicle pass nestpas raliste; cette erreur netait pas commise par le Prof. NURKSE et ceci est sansdoute la meilleure leon quil nous donnait.

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