Formação e Consolidação Do Estado Moderno

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Formação e consolidação do Estado Moderno Introdução O presente trabalho propõe-se elucidar e discorrer sobre aspectos relativos a formação dos Estados Moderno na Europa Ocidental e, evidentemente, os inúmeros processos que aconteceram concomitantemente a esta formação. Para este objetivo, o estudo baseia-se nas obras de Perry Anderson (1992), Joseph Strayer (1969) e Karl Marx (1984). A partir da leitura pode-se mergulhar e enxergar, gradativamente, as nuances de um amplo e complexo processo de transformações vivenciadas pela Europa Ocidental no período e suas intercomunicações e relações mediatizadas pelo tempo e lugar.

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HISTÓRIA

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Formao e consolidao do Estado ModernoIntroduo

O presente trabalho prope-se elucidar e discorrer sobre aspectos relativos a formao dos Estados Moderno na Europa Ocidental e, evidentemente, os inmeros processos que aconteceram concomitantemente a esta formao. Para este objetivo, o estudo baseia-se nas obras de Perry Anderson (1992), Joseph Strayer (1969) e Karl Marx (1984). A partir da leitura pode-se mergulhar e enxergar, gradativamente, as nuances de um amplo e complexo processo de transformaes vivenciadas pela Europa Ocidental no perodo e suas intercomunicaes e relaes mediatizadas pelo tempo e lugar.

Diante do complexo panorama da Europa Ocidental a partir do sculo XII e XIII, na qual floresceu circunstncias e aspectos fortemente impactantes para a consolidao dos estados modernos. Para Strayer o estado moderno, tal como o conhecemos atualmente, tem sempre por base o modelo surgido na Europa, no perodo que vai de 1100 a 1600 (Strayer, 1969, p 18).

A Baixa Idade Mdia vivenciou um conjunto de transformaes, entre eles o renascimento do comrcio e urbano. A formao das monarquias nacionais amadureceu sob a forma de Estado Nacional e com forte orientao econmica e poltica.

O apoio financeiro da burguesia seria condioessencialpara o fortalecimento dos estados nacionais, unificao de territrios, avanos tcnicos e comerciais, conquistas martimas, renascimento social e cultural entre outros. Mas estes no seriam os nicos acontecimentos, pois as mudanas sociais e econmicas refletiam de inmeras formas na populao europia, sobretudo, nas relaes sociais.

Segundo Anderson (1989) as indstrias urbanas importantes como as do ferro, papel e txteis cresceram durante toda a depresso feudal. O autor condena que nem mesmo a baixa sofrida pelos trabalhadores causada pela peste negra, tampouco os conflitos e mudanas nas relaes ligadas gleba, impediram o crescimento comercial e urbano, muito pelo contrrio, tais fatores foram contraditoriamente impulsionantes. O autor ressalta que [...] distncia, tal vitalidade econmica e social atuava como uma interferncia constante e objetiva na luta de classe centrada na terra, e bloqueava qualquer soluo regressiva proposta pelos nobres (Anderson, 1989, p. 21).

A obra de Strayer (1969) ressalta que qualquer tipo de estado tinha os seus pontos fracos, evidentemente que durante o processo de consolidao dos estados, as relaes de poder foram metaforizando, bem como as instituies polticas ligadas ao estado, cada um seguindo forosamente as brechas e especificidades locais. O mesmo autor refora a importncia na mudana interna do estado, principalmente na constituio de instituies jurdicas e tributrias que serviram como base para o fortalecimento dos estados (Frana e Inglaterra).

Para Strayer (1969) os soberanos comearam gradualmente a perceber que a justia no era s uma fonte de rendimentos, era tambm uma forma de afirmar autoridade e de aumentar a autoridade do rei e dos grandes senhores. (Strayer, 1969, p. 34). Isso demonstra que as instituies foram consolidando-se gradativamente e, porque no dizer, tomando forma a partir de experincias empricas ou subjetivas. O que no podemos deixar de reconhecer a centralizao do poder na pessoa do rei, que passara de coadjuvante das decises mais importantes, para a figura mxima que incorporara posteriormente.

A formao de uma Chancelaria, departamento financeiro centralizado e devidamente organizado, tesouraria real e tribunais locais e centrais, davam impulso as intensas modificaes polticas e sociais dentro dos territrios que caminhavam rente a centralizao estatal. Dessa forma, as instituies polticas nasciam mediante necessidades reais de um Estado soberano e que por mais que se apoiassem nos parmetros romanos, tinham que se adaptarem a uma nova conjuntura estatal vigente.

Nesse sentido a Inglaterra e a Frana tiveram contextos diferenciados, o que exigiu dos seus soberanos, decises diferentes. A Inglaterra era um reino pequeno e permitiu um maior controle do rei sob suas terras, administrando-as de perto. Strayer (1969) tambm destaca outro fator importante: um rei activo podia visitar a maior parte do seu reino com alguma regularidade. Para alm disso, uma vasta srie de conquistas tinha impedido o aparecimento de senhores fortes [...] (Strayer, 1969, p.41). Com certeza este fatores facilitadores proporcionaram o arranque do estado moderno na Inglaterra, o que no anula tambm os empecilhos.

A Frana apresentava caractersticas opostas situao inglesa. Primeiramente, a Frana tinha um territrio vasto e culturalmente heterogneo. Suas provncias gozavam de certa independncia poltica. Para Strayer (1969) Felipe Augusto permitiu a cada provncia conservar os seus costumes e instituies, mas mandou de Paris homem para preencherem todos os cargos provinciais importantes. (Strayer, 1969, p. 55). O prprio autor releva a importncia das medidas tomadas por Felipe Augusto (1180-1223) para a unificao do territrio francs. A partir da, a Frana procurou fortalecer progressivamente sua autonomia nas provncias de seu territrio, assim como criar um sistema administrativo altamente complexo e hierarquizado, o que permitia entre outras coisas, uma centralizao extrema da sua mquina estatal.

O autor volta a culminar sua anlise comparativa,a priori, sem conexo entre Inglaterra e Frana devida as suas particularidades, chegando a um resultado comum: em Frana verificou tambm, tal como em Inglaterra, que o principal objeto da lealdade das gentes passou a ser o rei. (STRAYER, 1969, p. 59).

Nesse contexto, a vista da Europa no era uma das mais animadoras. As terras encontravam-se desgastadas pelo tempo e uso e pela ausncia de conservao ou de tcnicas de fertilizao. A consequncia deste processo foi o empobrecimento das lavouras. Tornava-se claro o real panorama europeu: crise e fome que assolavam os primeiros anos do sculo XIV seguidas de desastres e escassez de metais, queda dos cereais, saques e banditismo entre os senhores feudais, guerras, instabilidade, entre outros acontecimentos inoportunos (ANDERSON, 1992).

Contudo, estes no foram os nicos responsveis pela crise geral na Europa do Sculo XIV. A partir de 1348 a peste negra oriunda da sia consagraria o caos e o desespero em boa parte da Europa Ocidental. Sobre a juno dos problemas existentes na Europa e a peste, o autor Perry Anderson afirma: estando a resistncia demogrfica j enfraquecida, a peste negra, ceifou talvez um quarto dos habitantes do continente (ANDERSON, 1992, p. 225). O mesmo aponta que o surto da peste negra abateria aproximadamente dois quintos da populao. Contudo, seu preo no se limitaria as vidas ceifadas, mas tambm nas consequncias geradas por tal panorama devastador.

A crise geral proporcionou grandes prejuzos, mudanas nas relaes sociais e, principalmente na economia do no campo e da cidade. Perry Anderson evidencia estas mudanas nas relaes entre senhores e servos:

Todavia, este esforo dos senhores para reforar as condies de servido e fazer com que a classe produtora pagasse a crise encontrou ento uma resistncia selvagem, violenta, muitas vezes conduzida por camponeses mais educados e mais prsperos, mobilizadora das mais profundas paixes populares.(ANDERSON, 1992, p. 227).

Exemplos de revoltas por conta dos novos impostos de capitao cobrados pela nobreza no faltaram na Europa do sculo XIV, como a Revolta dos Camponeses na Inglaterra em 1381. Anderson (1992) destaca a amplitude dos conflitos que tomaram a Europa nos sculos XIV e XV e que estendia do campo para as cidades, [...] estes episdios foram apenas os episdios principais de um fenmeno de mbito continental que se estendeu da Dinamarca a Maiorca. (ANDERSON, 1992, 228). Contudo, a nobreza reprimia duramente os revoltosos.

As cidades, neste momento, tornaram uma das nicas possibilidades de sair da servido empregada no campo. Esta mudana migratria foi fundamental para desencadear as mudanas urbanas, quanto produo e mo de obra. Enquanto os revoltosos do campo eram reprimidos pelos senhores, nas cidades, os vagabundos tinham quase o mesmo tratamento. Vale a pena destacar que a Europa detinha no momento uma mo de obra escassa e uma agricultura em crise. Sobre isso, Karl Marx (1984) afirma que:

Esse proletariado livre como os pssaros no podia ser absorvido pela manufatura nascente com a mesma velocidade com que foi posto no mundo. [...] Da ter surgido em toda a Europa ocidental, no final do sculo XVI, uma legislao sanguinria contra a vagabundagem. (MARX, 1984, p. 275).

Karl Marx (1984) faz uma leitura diferenciada sobre as transformaes ocorridas na Europa que engendraram o capitalismo. Sua anlise dedica com afinco s relaes de produo e os sujeitos envolvidos no processo. Para Marx a chamada acumulao primitiva , portanto, nada mais que o processo histrico de separao entre produo e meio de produo. Ele aparece como primitivo porque constitui a pr-histria do capital e do modo de produo que lhe corresponde. (MARX, 1984, p; 262).

O grande cerne da discusso est relacionado capacidade do produtor direto de desvincular-se da gleba ou da situao de dependncia de outra pessoa para torna-se livre vendedor de fora de trabalho, que leva sua mercadoria a qualquer lugar onde houver mercado para ela, ele precisa ainda ter escapado dos domnios de corporaes (MARX, 1984, p; 262). No obstante, os acontecimentos transformaram o produtor em trabalhadores assalariados. Uma grande massa de trabalhadores livres foi lanada no mercado de trabalho urbano e tambm no prprio campo. Esta mudana inverte totalmente as relaes de trabalho e de suas consequncias. Karl Marx (1984) refora que [...] a formao do capital e a explorao inescrupulosa e o empobrecimento da massa do povo, considerada o pncaro de toda a sabedoria de Estado. (MARX, 1984, p; 265).

A formao de uma classe de camponeses independentes e da classe de trabalhadores assalariados foi essencial para a transfigurao do capitalismo nascente. Karl Marx aponta que o processo de expropriao violenta da massa do povo recebeu novo e terrvel impulso, no sculo XVI, pela Reforma e, em consequncia dela, pelo roubo colossal dos bens da Igreja. (MARX, 1984, p; 266). Vrias medidas foram tomadas pelo Estado para garantir o fortalecimento do capitalismo, pautada numa mo de obra expropriada de suas terras e origens. O cercamento foi uma das maneiras encontradas para monopolizar as terras, privatizando-as, causando o despovoamento das terras camponesas, levando os camponeses a outras formas de sobrevivncia, formando uma classe de trabalhadores livres excedente e de um mercado comercial intenso.

Em suma, povo do campo teve suas terras usurpadas e foram transformados em vagabundos e esmoleiros nos centro urbanos, sendo rigidamente enquadrado por leis austeras e terroristas, levando-os ao sistema de trabalho assalariado por meio do aoite, do ferro em brasa e da tortura. (MARX, 1984, p; 277).

Nesse sentido, a burguesia nascente utilizou sua influncia poltica e, principalmente econmica, para empregar a fora do Estado para regular o salrio dos trabalhadores. (MARX, 1984, p. 277). Segundo o autor Marx (1984, p. 277) a demanda de trabalho assalariado crescia, portanto, rapidamente com toda a acumulao do capital, enquanto a oferta de trabalho assalariado seguia apenas lentamente. Tais eventos demonstraram a verdadeira situao de explorao que a classe trabalhadora passara a sofrer; retirado do campo, passa a lutar pelas vagas reduzidas do mercado de trabalho.

Dessa forma, a legislao sobre o trabalhador assalariado foi instituda para garantir a explorao dos trabalhadores, levando-os pela lgica da procura e da oferta se sujeitassem s condies hostis, salrios reduzidos e jornada de trabalho prolongada. Este processo tem como ponto de partida oStatute of Labourersiniciada na Inglaterra de Eduardo III, em 1349. Nas palavras abaixo Karl Marx (1984) refora que a situao dos trabalhadores tendia a piorar. As leis ficaram cada vez mais rigorosas e hostis contra os trabalhadores, condio esta considerada cruel.

No sculo XVI, como se sabe, piorou muito a situao dos trabalhadores [...]. [...] O salrio, portanto, caiu de fato. Contudo, continuavam em vigor as leis destinadas a seu rebaixamento, simultaneamente com os cortes de orelhas e a marcao a ferro daqueles que ningum queria tomar a seu servio. (MARX, 1984, p. 278).

Asituao s iria mudar no sculo XIX devido s presses do proletariado. Contudo, as condies do trabalhadormelhoraram em parte, j que as leis obsoletas e cruis desapareceriam somente em 1859. O prprio Parlamento extinguiu os ltimos vestgios dos velhos estatutos vigentes na Inglaterra, pelo reconhecimento legal dasTrades Unions. Enquanto isso, a burguesia francesa procurava enfraquecer o direito de associao que os trabalhadores tinham conquistado por meio do decreto de 14 de junho de 1791.[...] Ela declarou toda coalizo de trabalhadores como um atentado liberdade e declarao dos direitos humanos (MARX, 1984, p. 280). A discusso representa o jogo de poder, que traz de um lado o burgus, dono dos meios de produo e, do outro, o trabalhador. Contudo, seu estado de escravido velada, j que considerado cidado de direitos no poderia gozar de sua liberdade em detrimento do direito da burguesia, de escraviz-los.

Ressaltamos, portanto, que o conjunto de transformaes que aconteceu nas mais diversas ordens, entre elas a criao e fortalecimento das instituies estatais, assim como o renascimento comercial e urbano e formao das monarquias nacionais. A partir deste momento, a burguesia passava a ter um papel importante na consolidao de medidas provisrias e permanente dentro do seio do Estado, principalmente por meio do apoio financeiro e de recursos humanos, mediante as necessidades de um exrcito permanente, funcionrios especializados, investimento em novas tecnologias, entre outras. O incio da aliana entre o Estado e a burguesia comercial marcam mudanas intensas dentro do Estado, agora fortalecido.

A centralizao do poder real e a unificao do territrio permitiram a Europa Ocidental lanar as bases para a formao de uma sociedade moderna, ajustada em novos ideais, interesses e interpretaes do mundo temporal e espiritual. O novo sistema poltico e administrativo nascido na Europa marca a transio da Idade Mdia para a Idade Moderna, sendo caracterizada como Absolutismo.

Nesta organizao estatal os poderes ficavam concentrados nas mos dos reis. Sendo assim, essa concentrao expressa na imposio de leis rgidas, criao de impostos, taxas e obrigaes, tudo de acordo com os interesses econmicos do rei e daqueles que faziam parte do cerne do Estado, bem como da burguesia. As elevadas cargas tributrias cobradas serviam para a manuteno do aparelho estatal e manter o luxo da corte.

Evidentemente que este longo e intricado processo que culminou com uma nova organizao do Estado aconteceu de forma gradativa e poli dimensional, refletindo nas mais diferentes formas e lugares, ora explcita, ora obscura. Dessa forma, no cabe aqui apontar verdades, tampouco elencar fatores em uma lgica hierrquica e engessada, mas ampliar a compreenso acerca de um tema fundamental para a nossa interpretao sobre o Estado Moderno.