formação inicial 2010

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O Projeto de Orientação Profissio- nal na Educação de Jovens e Adultos O- PEJA se inicia na primeira semana de a- gosto. Teremos dez escolas, vinte turmas da EJA, com escolarização equivalente a 3ª e a 4ª série do ensino fundamental. Ainda não temos um quadro do nú- mero de adultos que serão atendidos, e nem seu perfil. Por isso a nossa formação ocorrerá com base em nossa experiência com a EJA. Esta formação inicial estará dividida em dois blocos: um será com foco nas questões teóricas da formação profis- sional e da escolar. Com ele buscamos prepará-los para a construção conjunta dos planejamentos de aula nas escolas. O outro será com foco na questão técnica propriamente dita, buscando inte- grar as áreas e harmonizar/ socializar os conhecimentos técnicos de cada educador. Durante a formação outros textos se- rão entregues. A idéia dos textos é permitir que todos tenham um suporte escrito dos temas trabalhados. Outros textos serão en- tregues e discutidos nos Horários de Traba- lho Pedagógico (HTP) das escolas. Desde que solicitado, poderemos retornar aos textos a qualquer momento. Por fim, consideramos nosso grupo de educadores muito rico em experiências e vi- vências distintas. É muito importante que possamos nos conhecer nesses dias de for- mação e, com isso, colher e ofertar as nossas experiências de trabalhadores. Com elas ire- mos construir uma educação dos trabalhado- res para os trabalhadores. Bom trabalho para todos nós!!! OPEJA 2010 Temas da Formação: CEEP 2 EJA: Politica Pública ou Campa- 6 Formação de Professores na EJA 15 O que é trabalho? 17 O significado do trabalho 22 Situações de aprendizagem da língua escrita 24 A lua e o Rio 27 José Saramago 28 Italo Calvino e Manoel de Barros 30 Centro de Educação, Estudos e Pesquisa Formação Inicial OPEJA 2010 JULHO, 2010 Colóquio das Escolas dos Trabalhadores O Colóquio é fruto do ultimo encontro do Conselho de Escolas de Trabalhadores, em março de 2010, onde foi definida a importân- cia de fazermos um Encontro visando a troca de experiências entre as entidades. Através de Oficinas, Debates e Exposi- ções, se pretende obter subsídios para o dialo- go sobre a educação de jovens e adultos e a formação profissional. O Colóquio terá um papel estratégico na consolidação de metodologias que contem- plem a especificidade da EJA e da Formação Profissional. Será nos dia 30 e 31/07 e 01/08. Nos informe de seu interesse em parti- cipar para realizarmos as inscrições.

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apostila de atividades desenvolvidas durante a formação dos educadores opeja

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Page 1: formação inicial 2010

O Projeto de Orientação Profissio-

nal na Educação de Jovens e Adultos – O-

PEJA se inicia na primeira semana de a-

gosto. Teremos dez escolas, vinte turmas

da EJA, com escolarização equivalente a

3ª e a 4ª série do ensino fundamental.

Ainda não temos um quadro do nú-

mero de adultos que serão atendidos, e

nem seu perfil. Por isso a nossa formação

ocorrerá com base em nossa experiência

com a EJA. Esta formação inicial estará

dividida em dois blocos: um será com foco

nas questões teóricas da formação profis-

sional e da escolar. Com ele buscamos

prepará-los para a construção conjunta

dos planejamentos de aula nas escolas.

O outro será com foco na questão

técnica propriamente dita, buscando inte-

grar as áreas e harmonizar/ socializar os

conhecimentos técnicos de cada educador.

Durante a formação outros textos se-

rão entregues. A idéia dos textos é permitir

que todos tenham um suporte escrito dos

temas trabalhados. Outros textos serão en-

tregues e discutidos nos Horários de Traba-

lho Pedagógico (HTP) das escolas. Desde que

solicitado, poderemos retornar aos textos a

qualquer momento.

Por fim, consideramos nosso grupo de

educadores muito rico em experiências e vi-

vências distintas. É muito importante que

possamos nos conhecer nesses dias de for-

mação e, com isso, colher e ofertar as nossas

experiências de trabalhadores. Com elas ire-

mos construir uma educação dos trabalhado-

res para os trabalhadores.

Bom trabalho para todos nós!!!

OPEJA 2010

Temas da Formação:

CEEP 2

EJA: Politica Pública ou Campa- 6

Formação de Professores na EJA 15

O que é trabalho? 17

O significado do trabalho 22

Situações de aprendizagem da língua

escrita

24

A lua e o Rio 27

José Saramago 28

Italo Calvino e Manoel de Barros 30

Centro de Educação, Estudos e Pesquisa

Formação Inicial OPEJA 2010

JULHO, 2010

Colóquio das Escolas

dos Trabalhadores

O Colóquio é fruto do ultimo encontro

do Conselho de Escolas de Trabalhadores, em

março de 2010, onde foi definida a importân-

cia de fazermos um Encontro visando a troca

de experiências entre as entidades.

Através de Oficinas, Debates e Exposi-

ções, se pretende obter subsídios para o dialo-

go sobre a educação de jovens e adultos e a

formação profissional.

O Colóquio terá um papel estratégico na

consolidação de metodologias que contem-

plem a especificidade da EJA e da Formação

Profissional. Será nos dia 30 e 31/07 e 01/08.

Nos informe de seu interesse em parti-

cipar para realizarmos as inscrições.

Page 2: formação inicial 2010

Página 2 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

O CEEP - Centro de Educação, Estudos e Pesquisas é uma escola de trabalhado-

res com origem nas lutas e organização da classe trabalhadora. Inicia seus trabalhos

em 1996, em parceria com a REAP - Reconstrução, Educação, Assessoria e Pesquisa e é

fundado em 1º de maio de 1998.

Caracteriza-se por sua não adesão ao novo modelo de organização social- econô-

mico-político excludente em curso, tenha que nome tiver: neoliberalismo, social-

democracia, liberalismo social ou neo-social. Trata-se da construção de uma nova socie-

dade para o mundo presente; que substitua o indivíduo privado e o monopólio dos mei-

os de vida por sujeitos sociais que se afirmem por sua participação, a todos garantida,

no trabalho cidadão. Que cria uma nova equivalência para retribuir o trabalho e enri-

quecer a convivência humana entre mulheres e homens, adultos e crianças, desde que,

todos, cidadãos trabalhadores.

Hoje desenvolve ações em quatro eixos de atividades:

- formação profissional,

- elevação da escolaridade,

- economia solidária e

- formação de formadores,

Numa perspectiva de educação para a autonomia e para a vida. Busca capacitar

os trabalhadores para que assumam seu papel de sujeito social; cidadão; participante

ativo do exercício e usufruto de seu trabalho, da construção, criação e uso dos conheci-

mentos construídos pela humanidade; construtor de sua autonomia; sujeito da sua his-

tória a partir do resgate de sua origem - trabalhador/criador - resgatando, assim, sua

auto-estima.

Desenvolve projetos de educação profissional, com elementos de elevação de

escolaridade e de economia solidária, voltados para trabalhadores que não puderam fre-

qüentar a escola na idade socialmente colocada. Muitos são os trabalhadores com baixa

escolaridade que necessitam elevar sua escolaridade e adquirir conhecimentos específi-

cos como uma das formas de garantir sua sobrevivência, quer permanecendo no em-

prego ou envolvendo-se em atividades de economia solidária.

Desenvolve projetos especiais para crianças e adolescentes, tendo como eixo

condutor de tais atividades a questão cultural presente em cada localidade e informa-

ções sobre direitos, respeito, educação, profissões e mercado de trabalho. Apesar de,

CEEP:

História e Missão

Page 3: formação inicial 2010

Página 3 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

no Brasil, ser legalmente proibido o trabalho antes dos 16 anos, a entrada no mundo do

trabalho está cada vez mais precoce: 68,6% da população economicamente ativa tem

começado a trabalhar antes dos 14

anos de idade, sendo que 20% antes

dos 9 anos.

Em todos os cursos e ativida-

des, a formação do coletivo de educa-

dores é elemento fundamental do tra-

balho. Tem como meta a formação de

educadores dos locais dos projetos,

assumindo assim a formação de for-

madores como uma de suas priorida-

des de trabalho.

Objetiva, também, intervir propositivamente nas políticas públicas, atuando no

sentido de responder às múltiplas necessidades dos trabalhadores, tanto do ponto de

vista do exercício profissional - no mercado formal ou em atividades de economia soli-

dária - como da sua participação ativa na sociedade.

O CEEP utiliza, em todos os seus cursos, uma metodologia que consiste num

processo de construção coletiva do conhecimento necessário, tendo como eixos:

- A valorização das experiências acumuladas;

- A leitura de mundo e concepção de educação/cidadania;

- A construção da autonomia;

- A ação ligada à reflexão;

- A permanente avaliação do trabalho;

- A garantia da formação contínua dos trabalhadores como instrumento

de sobrevivência e para o fortalecimento dos laços de solidariedade e organização;

Integra o Conselho das Escolas de Trabalhadores que agrupa entidades com ex-

periências em formação profissional e social com trabalhadores de várias partes do Bra-

sil.(Para saber mais visite a página do Conselho: http://www.conselhodeescolas.org.br).

As atividades que elabora e desenvolve sempre atendem às demandas dos movi-

mentos sociais, mantendo para isso uma estreita relação de cooperação com eles, com

entidades, escolas e universidades.

O CEEP tem suas matrizes nos anos 1970. É a síntese da iniciativa de operários

metalúrgicos, militantes da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo que atuavam

nos movimentos sindical e popular e nas Pastorais Sociais. Protagonistas das lutas con-

tra a ditadura, por melhores condições de vida e trabalho, pela liberdade e autonomia

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Página 4 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

sindical, pelo direito de organização dos trabalhadores nos locais de trabalho; lutas es-

tas integradas às grandes lutas da classe trabalhadora que ocuparam o cenário político

do país nos fins da década de 70 e início dos anos 80.

Os professores eram os próprios operários que trabalhavam nas fábricas durante

o dia e à noite ministravam os cursos como também, outros trabalhadores comprometi-

dos com o movimento operário, aprendendo/ensinando, aprendendo a aprender, em

oposição à visão que separa o fazer do pensar. Dessa forma, tomando a educação dos

trabalhadores como obra e iniciativa dos próprios trabalhadores, através de uma educa-

ção condizente com o papel que a si mesmos se atribuíam na sociedade e garantindo a

si e por si mesmos, também, condições de maior solidez em seus engajamentos políti-

cos.

A prática pedagógica e metodológica desenvolvida em oposição ao modelo domi-

nante, levou à construção de uma educação que buscou atender às necessidades e inte-

resses dos trabalhadores como seres humanos e cidadãos trabalhadores, e não apenas

como operadores alugados ou meros instrumentos de uma produção alheia. Esta inicia-

tiva correspondeu e corresponde a vincular a educação básica e geral mais sólida com a

formação técnica e profissional, de forma criativa, inteligente e voltada para a vida.

Em 1979 um grande número de trabalhadores foi demitido por participação nas

lutas. Isso levou à primeira experiência de cursos profissionalizantes em um espaço

centralizado - Tabor – zona leste de São Paulo. Foi a partir dos desdobramentos positi-

vos dos cursos centralizados e da prática profissional desenvolvida naquele espaço, que

em 18 de fevereiro de 1984 é inaugurado o Núcleo de Ensino Profissional Livre - Nova

Piratininga, conhecido como ―Escola Nova Piratininga‖.

A ―Escola Nova Piratininga‖ manteve-se ativa de 1979 a 1996, quando foi extin-

ta, por questões financeiras. Porém, o mesmo ideário político-pedagógica acabou por

reunir pessoas que buscaram responder aos novos desafios da educação e trabalho. As-

sim o CEEP,inicia seus trabalhos, em parceria com a REAP - Reconstrução, Educação,

Assessoria e Pesquisa e é fundado em 1º de maio de 1998.

O CEEP tem como missão contribuir, mediante uma ação educativa e libertadora,

para a formação profissional, recuperação da escolaridade e economia solidária, para

que os trabalhadores sejam sujeitos de seu processo de conhecimento, autonomia / in-

dependência, inclusão social, e da construção de uma sociedade justa e igualitária. Para

isso, busca formar trabalhadores capazes de assumir o papel de sujeitos social, classis-

tas, participantes ativos do exercício e usufruto de seu trabalho, da construção, criação

e uso dos conhecimentos construídos pela humanidade, construtores de sua autonomia,

sujeitos da sua história e a partir do resgate de sua origem de classe, resgatar sua auto

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Página 5 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

-estima.

Organiza-se como escola e seus princípios e concepções, recuperam o classismo,

a independência e autonomia dos movimentos sociais, a luta pela transformação da so-

ciedade, tendo como eixo de trabalho a educação dos trabalhadores pelos próprios tra-

balhadores. Princípios:

. Ética

. Pensamento Crítico

. Solidariedade

. Autonomia

. Participação

. Empreendedorismo

Qualquer atividade formativa, tem que garantir a unidade entre o fazer e o pen-

sar, ou seja, entre a prática e sua teorização. Esse fazer / pensar / fazer, ajuda na

construção de seres a uma só vez construtores / governantes / beneficiários de sua cri-

ação, de seus espaços de vivência e de uma cultura que está em permanente constru-

ção, reposição – recriação. Como matriz e meio ambiente social de cada modo humano

de vida, de cada forma do Bem Viver de homens e mulheres. Por isso, os cursos e ativi-

dades que desenvolve, têm sempre como meta a elevação da escolaridade e a certifica-

ção dos conhecimentos advindos do trabalho, como também, a apropriação da tecnolo-

gia de produção. A tecnologia vista como uma

instância cultural da técnica que incorporou os

princípios científicos.

A capacitação para o trabalho, não é só

uma forma de qualificar tecnicamente os indiví-

duos, mas um poderoso instrumento de ajuda

na articulação dos trabalhadores, no estímulo

ao pensamento crítico sobre o mundo do traba-

lho, suas formas de organização e de luta, co-

mo também, de reflexão sobre os desafios e

massacres impostos pelo modo de produção dominante.

Esse processo, portanto, não se limita apenas ao aprender, como se o aprendiza-

do conjuntamente construído fosse já o ponto de chegada. Ele se estende ao aprender a

aprender, a criticar o aprendido e a se abrir para novas criações, em um processo peda-

gógico no qual todos são, por igual, atores e efetivamente participantes.

Page 6: formação inicial 2010

Página 6 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: POLITICA PÚBLICA OU

“CAMPANHAS”

A alfabetização de jovens e adultos pode ser analisada dentro do conjunto de

politicas públicas para educação e sabemos que, historicamente, a educação foi um pri-

vilégio das elites brasileiras, sendo destinada às classes sociais mais abastadas. A edu-

cação é a possibilidade de acesso e detenção do saber sistematizado e, consequente-

mente, do poder. Segundo Aranha (1996, p. 220), ―Sabemos que, na sociedade de clas-

ses, a posse dos instrumentos de sistematização do saber não se dá de maneira homo-

gênea, mas excludente, privilegiando alguns poucos‖. O grande contingente de traba-

lhadores, a maioria da população brasileira, só teve acesso à educação na história re-

cente, mesmo assim em condições desiguais frente aos filhos da burguesia, pois a edu-

cação sempre foi pensada a partir dos pressupostos das classes dominantes. Sobre este

privilégio da elite, Aranha (1996, p. 15) afirma: “As demais classes têm preterida a sua

formação, considerada desnecessária porque a elas é destinado o trabalho braçal”.

Se a educação de forma geral é excludente, o que dizer da educação para aque-

les que não tiveram acesso a ela na época apropriada de acordo com a organização

escolar brasileira? De maneira geral a educação destinada à classe social dos trabalha-

dores foi rudimentar, sem possibilidades de galgar graus superiores. Quanto a alfabeti-

zação de jovens e adultos viveu por muito tempo de campanhas isoladas e pontuais, e

só pensada de forma mais estruturada quando foi de interesse econômico do sistema

dominante.

MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE – MEB

Do ponto de vista histórico, os primeiros registros sobre a a alfabetização de jo-

vens e adultos no Brasil, remontam à época do império, no ano de 1876, tratada então

como educação ou instrução popular. Em 1882, é proibido o voto de analfabetos, e, a

partir de então, a escolarização passa a ser associada a ascensão social. Nos anos

1920 a educação vive o chamado ―entusiasmo pedagógico‖ que vai desembocar no

movimento Escola Nova nos anos de 1930, e se desenvolvem diversas ações, ainda que

pontuais, na área de alfabetização. Em 1942 é criado o SENAI – Serviço de de Aprendi-

zagem Industrial e que atrelou a Educação de adultos à formação profissional, numa

visão tecnicista.

A partir de meados da década de 1940 a alfabetização de jovens e adultos inicia

Sueli Aparecida Stipp

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Página 7 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

um período de campanhas significativas. Freitas (2009 P. 213),

A Campanha de Educação de Adultos pode ser analisada em duas

etapas. A primeira, no período de 1947 a 1949, sob a direção de

Lourenço Filho, marcada por importantes conquistas. A segunda

etapa, que ocorreu no período de 1950 a 1954, que teve um rit-

mo mais lento e acabou sendo incorporada pelas práticas admi-

nistrativas do Governo federal e dos Estados.

Apesar de algumas conquistas neste período, a alfabetização de jovens e adultos

viveu e sobreviveu de campanhas periódicas, algumas mais abrangentes outras restri-

tas, porém sem uma política pública que a transformasse num direito ou de caráter a-

cessível a todos.

Segundo Freitas (2009), as principais campanhas, movimentos e programas em

prol da alfabetização de adultos, entre 1947, passando pela ditadura militar até a rede-

mocratização foram:

1947 – 1954: Campanha de Educação de Adultos- CEAA;

1952: Campanha de educação Rural;

1958: Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, como desdobramento da

CEAA;

1958: Surge o grupo de Pernambuco começa a experiência de Paulo Freire;

1961: Criação do MEB – Movimento de Educação de Base, pela CNBB- Conferência Na-

cional dos Bispos do Brasil.

1964: O governo militar cria a: Cruzada da Ação Básica Cristã (cruzada ABC);

1967: Criação do MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização;

1985: Extinto o MOBRAL e criada a Fundação Educar;

1990: Extinta a Fundação Educar pelo governo Collor.

Foi neste ambiente de campanhas que nasce, em 1961, o Movimento de Educa-

ção de Base – MEB. O período em que foi criado o MEB, foi marcante do ponto de vista

de uma intensa ebulição de idéias no campo político, dos movimentos sociais e educa-

ção. Além do MEB, é importante destacar o surgimento do grupo de Paulo Freire no final

dos anos 1950. Estes dois grupos viriam a ter uma relação muito estreita com o MEB

adotando a pedagogia desenvolvida por Freire.

O MEB foi criado em 1961 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil –

CNBB, apoiado pelo Estado e viria a ser uma experiência matriz a partir da qual foi cria-

do o Programa Nacional de Alfabetização, em janeiro de 1964, no final do governo Gou-

lart. Iniciado com foco centralizado na alfabetização, o MEB não pretendia, a principi-

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Página 8 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

o, trabalhar questões como consciência crítica e formação politica. Tinha no início como

único objetivo, a alfabetização, seguindo a ideologia desenvolvimentista, mas o próprio

percurso percorrido, a atuação dos educadores, o momento histórico fez o MEB rever

sua prática. Segundo Fávero (2004 p. 7),

Havendo iniciado seus trabalhos com uma proposta a rigor já su-

perada, o MEB, após dois anos de experiências, no 1º Encontro

Nacional de Coordenadores (Recife, dezembro de 1962), reviu os

trabalhos realizados, sistematizou e sobretudo fundamentou sua

prática. Em conseqüência, redefiniu seus objetivos e sua metodo-

logia de ação, integrando-os em nova postura ideológica e om-

breando-se com os outros movimentos de cultura popular, com

os quais passou a dialogar.

Quando ocorreu o encontro, em 1962, o MEB já atuava efetivamente em doze

estados e tinha trinta sistemas radioeducativos. A partir das discussões, o MEB supera

então a visão desenvolvimentista e passa a trabalhar com vistas à transformação social.

Este processo de revisão e reordenamento foi possível muito em função do grupo de

trabalho que estava atuando, da formação, e da ação reflexiva, eixos que norteavam o

trabalho do MEB. Segundo Fávero (2004 p. 9),

Como conseqüência dessas discussões decidiu-se: centrar o tra-

balho na conscientização, entendida como "processo educativo

destinado a formar no homem a consciência histórica, a partir da

consciência crítica da realidade". A conscientização deveria ser

dinâmica e provocar engajamentos que visassem à transformação

radical da realidade.

Neste sentido, é importante destacar que o MEB conseguiu incorporar a proble-

mática social, a realidade onde atuava, em sua ação, dentro de uma visão de classe.

Segundo Freitas e Biccas (2009 P. 142),

O MEB aceitou o pressuposto da existência da luta de classes no

país, resultante das desigualdades sociais e conflitos de interes-

ses entre as classes favorecidas e desfavorecidas. Colocou-se en-

tão nessa luta ao lado dos mais pobres, defendendo a promoção

humana por maio da conscientização, como única possibilidade de

participação na vida política, econômica e social.

A partir deste momento, e dentro de uma conjuntura de mobilização social pela

alfabetização, o MEB se aproxima do grupo de Paulo Freire e dele adota a pedagogia

desenvolvida, exemplarmente apoiada na visão crítica permitindo um olhar renovado à

educação. Segundo Freitas e Biccas (2009, p. 142), ― O MEB, imbuído da filosofia e pe-

dagogia Paulo Freire, concebia a educação como um processo de conscientização que

tornasse possível a transformação das mentalidades e das estruturas.‖

O MEB também produziu importantes materiais didáticos para adultos de cunho

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Página 9 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

político pedagógico. Segundo Freitas e Biccas (2009 p. 247),

Durante o ano de 1963, o MEB investiu na elaboração de materi-

ais didáticos para adultos. Os títulos indicavam claramente a no-

vidade política que impregnava a luta por educação de base: Sa-

ber para viver e Viver para Lutar, com objetivo de articular a alfa-

betização com a conscientização, partindo da realidade da vida e

do trabalho dos camponeses.

Como se pode ver, de todas as formas, em todas as instâncias o MEB buscava

juntar a educação com a participação social. Esta experiência foi de tal forma importan-

te que veio a influenciar diretamente na política pública. A partir da experiência do MEB

e do grupo de Paulo de Freire, é criado, pelo governo federal, em 1964 o Programa Na-

cional de Alfabetização, que tinha, entre outras, a proposta de mobilizar todos os seto-

res da sociedade em prol das políticas de alfabetização. É fundamental destacar que

foram as experiências do MEB que nortearam a criação do Programa, e estas mesmas

experiências, foram consideradas fundamentais para se atingir o lastro pretendido com

o programa. Conforme Freitas e Biccas (2009 P. 141),

Em janeiro de 1964, por meio do decreto n. 53.465, foi instituído

o Programa Nacional de Alfabetização, que no seu artigo 4º indi-

cava a convocação e utilização dos serviços de “agremiações es-

tudantis e profissionais, associações esportivas, sociedades de

bairro, municipalidades, entidades religiosas, organizações gover-

namentais, civis e militares, associações patronais, empresas pri-

vadas, órgãos de difusão, o magistério e todos os setores mobili-

záveis.

Se na parte estrutural o programa fez avançar a proposta do MEB, do ponto de

vista metodológico e de visão de mundo também percebia-se a opção feita. Conforme

Freitas e Biccas (2009, p. 142), ― O Programa também definiu e legitimou a opção pelo

sistema Paulo freire, nomeado para coordenar a comissão Especial {...}‖.

O programa, na verdade, fez parte de uma série de reformas de base iniciadas

pelo governo Goulart. Estava inserido dentro de um conjunto de políticas públicas que

visavam a diminuição das desigualdades sociais.

Como se pode constatar, o período anterior à Ditadura Militar foi de uma riqueza

imensurável na educação de jovens e adultos. Apesar das idas e vindas dos governos foi

possível consolidar um plano nacional de alfabetização em conjunto com todas as forças

atuantes na sociedade, em especial os movimentos sociais.

O MEB foi o maior movimento de alfabetização no Brasil em sua modalidade:

educar e conscientizar. Teve um alcance muito grande, influenciou políticas de educação

da época, sendo infelizmente mais um movimento destroçado pela ditadura militar.

Page 10: formação inicial 2010

Página 10 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO – MOBRAL

O golpe de março 1964 faz uma ruptura neste processo de forma radical. Pelos

vinte anos seguintes os militares intentaram sufocar, de todas as formas, as forças re-

sistentes à educação alienante e tecnicista imposta pelos militares através das Cruzadas

e do Mobral.

Implantado, o regime militar, não hesitou em usar da força e da repressão para

conter quaisquer tipos de discordância do modelo político e econômico adotados. E co-

mo ficou o MEB no novo regime? Segundo Cunha e Góes (2002). Os movimentos de e-

ducação e de cultura popular foram arrasados, seus líderes presos ou exilados. Foram

confiscados todos os materiais didáticos, livros, espaços. Qualquer publicação que não

fosse defensora do regime era tida como subversiva. Os educadores populares já não

serviam mais. Os defensores da educação pública e gratuita afastados e substituídos

por gente de confiança e que se alinhava a visão da escola particular subsidiada pelo

Estado. O programa de Alfabetização, dirigido por Paulo Freire foi liquidado e este exila-

do. O MEB acabou sendo atrelado ao departamento de Ensino Supletivo e reduzido, de

mais importante movimento de educação de base, a simples linha auxiliar do Mobral. A

Cruzada ABC, dirigida por missionários Estadunidenses, veio substituir o MEB buscando

atrelar a educação das massas ao desenvolvimento do capitalismo.

Como se pode constatar o regime militar não hesitou em usar de qualquer recur-

so para pôr fim às iniciativas que vinham sendo desenvolvidas. A partir daí o regime usa

da educação em prol de seus interesses. Freitas e Biccas (2009 p. 247),

De um lado, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi utilizada

como possibilidade de incrementar a coesão social. Por outro, foi

projetada como símbolo de uma sociedade “democrática” em um

“regime de exceção”. Mais uma vez, o país assistiu à mistificação

da educação tratada como estratégica possibilidade para a mobili-

dade social dos indivíduos.

Toda a experiência desenvolvida no período anterior não interessava ao regime.

O MEB continuou nos primeiros anos de ditadura, até por volta de 1966, a desenvolver

atividades mas sem o mesmo vigor, sem o mesmo alcance inclusive por conta da perse-

guição sistemática.

A educação continuava a ser um problema. O número de analfabetos tão grande

quanto, e para se resolver este problema, classificado como vergonha nacional, o go-

verno militar cria, em 1967 o Mobral. Segundo Freitas e Biccas (2009 p. 249),

Em 15 de dezembro de 1967. por meio da Lei nº 5.379, foi criado

o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), que pretendia

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Página 11 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

ser a resposta do Estado frente aos elevados índices de analfabe-

tismo da população brasileira {...} O analfabetismo no Brasil,

classificado pelo presidente como “vergonha nacional” deveria ser

erradicado em um prazo de 10 anos e o Mobral constitui-se em

um instrumento próprio da ditadura, imposto, implementado e

estruturado em todo o pais sem consulta à sociedade em sua pro-

posição e estratégias de planejamento.

O Mobral não tinha nada em comum com o MEB. Desde a seleção de professo-

res, até seu modo de operar o aprendizado. Enquanto no MEB a maioria professores

tinha nível superior e se investia na formação continuada, no Mobral não haviam crité-

rios de seleção de professores. Conforme Freitas Biccas (2009), O Mobral criou quatro

programas: alfabetização funcional; Educação Integrada; Mobral Cultural e de Profissio-

nalização. Os professores eram tutelados por coordenadores e supervisores, que tinham

o papel de garantir a implantação, tanto do programa quanto da linha ideológica, e de

fiscalizar todo o processo. Na ação educativa eram guiados pelas coleções didáticas em

todo o país. Estes materiais não foram produzidos pela equipe do Mobral e sim por em-

presas privadas, a Abril Cultural, a Bloch Editores e a Gráfica Editora Primor. A ideologia

do Mobral é marcada na sua metodologia, não considerando as experiencias do início

da década de 1960. Não permitindo qualquer possibilidade de problematização e questi-

onamento da realidade. A educação era apresentada preparação como do sujeito, com

a promessa de serem inseridos no projeto de desenvolvimento sem os entraves das

tensões sociais.

Vê-se, portanto, a partir da criação do Mobral que a desarticulação na alfabeti-

zação de jovens e adultos é de fato efetivado. Segundo (Aranha 1996, p. 213), ― A par-

tir dai, desenvolve-se uma reforma autoritária, vertical, domesticadora que visa atrelar

o sistema educacional ao modelo econômico dependente, imposto pela política norte

americana para a América Latina‖

A partir da época da criação do Mobral e, em seguida, do Ato Institucional nº 5,

a ditadura ficou ainda mais violenta e repressora. Foi nesta altura que se intensificou

mais a atuação estadunidense na educação no Brasil, através de acordos entre o Minis-

tério da Educação – MEC e a United States Agency International for Development - U-

SAID, chamados acordos MEC/USAID. Estres acordos atingiram todas as áreas e níveis

da educação. Segundo Romanelli (1973 p. 213),

{…} a USAID atingiu de alto a baixo todo o sistema de ensino

{...} a) Níveis: primário, médio e superior; b) Ramos: acadêmico

e profissional (com ênfase no primeiro) c) Funcionamento: 1. Re-

estruturação administrativa; 2. Planejamento; 3. Treinamento de

pessoal técnico. d) Controle do conteúdo geral do ensino através

do controle de publicação e distribuição de livros técnicos e didá-

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Página 12 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

ticos. Basta evidenciar esta abrangência, para se ajuizar da im-

portância atribuída ao fator educação pelo setor externo, na inte-

gração e posicionamento das sociedades periféricas, no contexto

geral do capitalismo internacional.

A influência dos acordos foi enorme, juntamente com visão privatista e tecnicis-

ta, em pouco tempo haviam feito um verdadeiro desmanche no sistema de educação

que estava começando a se estruturar.

A privatização avançou, segundo Cunha e Góes (2002, p.42), a passos largos,

{…} Em compensação, as verbas públicas destinadas ao ensino

deveriam ser transferidas às escolas particulares que, então, se

encarregariam da escolarização das crianças e dos jovens. Só on-

de a iniciativa particular não tivesse interesse em abrir escolas é

que a escola pública seria bem vinda”.

O Mobral, no entanto, não alfabetizou tanto quanto se havia previsto e, foi se

esvaziando aos poucos até ser extinto em 1985. Contudo deixou como legado uma edu-

cação domesticadora, e ausente da realidade de vida dos Jovens e Adultos que depen-

dem dos programas de alfabetização.

O desmanche feito pela ditadura na educação foi de tal intensidade, que esta-

mos colhendo seus frutos, talvez por muito tempo ainda. Foi uma verdadeira ―lavagem

cerebral‖ feita à força pela propaganda massiva e enganosa do regime ditatorial.

Vale citar que os anos que se seguiram à ditadura, ou seja, da abertura política e

redemocratização, tentou-se resgatar diversas experiências que haviam sido construí-

das no período anterior a esta. Porém, a ideologia e a mentalidade imposta pelos milita-

res estava presente em toda uma geração passiva e alienada. Junto com a redemocra-

tização ocorre a abertura dos mercados, a globalização e o neoliberalismo , sendo que

nesta nova conjuntura a educação ainda continua sendo discutida, porém sem levar em

conta aqueles que deveriam ser seus protagonistas: o povo. Segundo Moraes (2006), O

projeto educacional dos anos 1990 foi marcado pelo centralismo tanto na formulação

quanto nas decisões e uma tendência do governo federal de transferir as tarefas da á-

rea a Organizações Não Governamentais e Empresas. Há uma concepção econômica da

educação associando escolaridade com melhores empregos. Se na época da escravidão

o trabalho era associado a condenação, a partir dos anos 1990 a falta de trabalho é as-

sociada a incompetência.

A educação sofre atualmente uma crise séria, embora o acesso tenha aumenta-

do, aquilo que se poderia esperar dela, que fosse uma ferramenta de transformação

social, está ainda longe da efetiva realização. Segundo Gentilli (2009, p. 15)

{...} problema é mais complexo: os indivíduos são também

culpados pela crise. {...} Os pobres são culpados pela pobreza;

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Página 13 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

os desempregados pelo desemprego...O neoliberalismo privatiza

tudo, inclusive também o êxito e o fracasso social {...} O Estado

neoliberal é mínimo quando deve financiar a escola pública e

máximo quando define de forma centralizada o conhecimento

oficial que deve circular pelos estabelecimentos educacionais,

quando estabelece mecanismos verticalizados e antidemocráticos

de avaliação do sistema e quando retira autonomia pedagógica às

instituições e aos atores coletivos da escola, entre eles,

principalmente, aos professores.

Sobre a educação neste novo momento histórico, seu novo paradigma e seu pa-

pel social, Gohn (1999, p. 2) afirma,

No novo paradigma - não há algo a ser criado, a partir da anima-

ção de um agente externo {...} há algo a ser repassado - de for-

ma competente, com conteúdo, e que deve gerar uma reação nos

indivíduos de forma que ele confronte o recebido com o que pos-

sui, de sua experiência anterior e visão de mundo, e o reelabore.

Isto significa que os indivíduos e os grupos têm de repensar e de

reformular seus próprios conhecimentos e experiências.

Apesar de Constatar-se que colhemos ainda hoje os frutos de um período da his-

tória do país marcado pela repressão, censura, perseguição que fez um estrago enor-

me na educação de forma muito marcada na alfabetização de jovens e adultos, a edu-

cação precisa avançar, encontrar caminhos e respostas às tantas questões presentes.

Olhar o passado e dele aprender pode ser um bom começo e neste processo é funda-

mental o papel do professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi o MEB, fruto de um período de liberdade política e participa-

ção popular e seu destino frente a ditadura militar e o Mobral , fica nítido que a educa-

ção tradicionalmente é regida pela vontade dos políticos dirigentes. Ainda que tenhamos

um histórico de resistências importantíssimas por parte da sociedade organizada, é o

Estado que dita as regras e estas não são favoráveis à classe trabalhadora.

A alfabetização de jovens e adultos está intimamente ligada a classe dos traba-

lhadores. É esta população que dela depende e que por ela vai lutar, pois é esta que,

na maioria das vezes, não teve acesso a educação formal na infância e adolescência.

O Brasil contou com diversos movimentos, iniciativas e reformas educacionais,

todas estas foram, de alguma forma, interrompidas por mudanças irresponsáveis ou

mesmo por falta de compromisso, interesse no campo político. Dentro do Estado, as

iniciativas na área da alfabetização de jovens e adultos, sempre estiveram atreladas aos

interesses econômicos dos grupos dominantes sempre bem representados no próprio

Estado.

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Página 14 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

A possibilidade de mobilidade social sempre esteve associada à educação, princi-

palmente no segmento de alfabetização de jovens e adultos. Esta idéia foi amplamente

difundida e assimilada pela sociedade. Quando o MEB centra sua ação sob uma perspec-

tiva libertária e de transformação social, é esmagado pela Ditadura Militar.

Hoje, vivemos um sistema democrático novamente, e há discursos de que a

participação é livre e irrestrita: o povo escolhe seus representantes, portanto, há parti-

cipação. Dois aspectos precisam ser considerados neste caso: em mais de quinhentos

anos de história, em mais de 100 anos de República, o quanto de democracia viveu o

país? Se somarmos todos os períodos não ultrapassamos cinqüenta anos de democra-

cia, sendo que estes períodos foram alternados com regimes ditatoriais, truculentos,

paternalistas e repressores. Portanto não temos um histórico político de participação

popular. Por outro lado o próprio sistema democrático em que o pais vive hoje é alta-

mente burocratizado, lento, centralizado, dificultando a participação efetiva do povo. A

democracia representativa não é por si só participativa. Agregue-se a isto o fato de pai-

rar sempre, por parte do grupo detentor do poder, agente das elites, a possibilidade do

uso da força para para se manter no poder, à exemplo maior do golpe de 1964. A cida-

dania muitas vezes é reduzida ao voto, massivamente anunciado como forma de partici-

pação e vivência da cidadania.

É fundamental que a Educação se espelhe em movimentos e programas que ti-

veram êxito na educação popular efetiva tais como o MEB, e acreditar que é possível

pensar a alfabetização de jovens e adultos para além dos limites tantas vezes coloca-

dos e centrados nos interesses econômicos apenas. Afinal, para além das idéias de mo-

bilidade social e desenvolvimento, a educação é um direito do qual não se pode abrir

mão, pois o conhecimento sempre será ferramenta de luta e de transformação.

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Página 15 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Formação de professores

Extrato do livro: Seis Anos de Educação de Jovens e Adultos no Brasil:os Compromissos e a Reali-dade — Ação Educativa/Observatório da educação e juventude

Para assegurar qualidade à educação de adultos, a Declaração de Hamburgo as-

sume compromissos com a formação permanente e a melhoria das condições de traba-

lho e das perspectivas profissionais dos educadores.

No Brasil, quem é o educador que atua nessa modalidade de ensino? Muito difícil

dizer. As estatísticas disponíveis cobrem apenas os serviços de ensino básico formal,

compreendendo os docentes que mantêm vínculo empregatício com escolas públicas ou

privadas. Ou seja, não tratam do imenso contingente de educadores populares . mulhe-

res, em sua esmagadora maioria . que atua voluntária ou profissionalmente em projetos

desenvolvidos por igrejas, movimentos e organizações sociais diversas.

Segundo dados do MEC, a educação de jovens e adultos contava, em 2000, com

189.871 funções docentes . somando escolas públicas e particulares . Região Norte

concentrava os profissionais menos qualificados: apenas 32% possuíam curso superior;

a maior parte das funções docentes (65%) era exercida por professores formados no

ensino médio. No extremo oposto, as Regiões Sul e Sudeste concentravam os profissio-

nais mais qualificados: cerca de 86% deles haviam concluído o ensino superior e 14%, o

ensino médio.

A alfabetização era realizada pelos profissionais menos qualificados: apenas

12,2% tinham curso superior, 78,3% concluíram o ensino médio, 7,1% cursaram todo o

ensino fundamental e 2,4% não chegaram sequer a concluí-lo. No ensino médio atuam

os profissionais mais qualificados: 90,3% das funções eram exercidas por docentes com

nível superior e 9,5% que cursaram o ensino médio.

A ausência de políticas que articulem organicamente a educação de jovens e a-

dultos às redes públicas de ensino básico impede a formação de carreira específica para

educadores dessa modalidade educativa. Com isso, os docentes que atuam com os jo-

vens e adultos são, em geral, os mesmos do ensino regular.Ou eles tentam adaptar a

metodologia a este público específico, ou reproduzem com os jovens e adultos a mesma

dinâmica de ensino.aprendizagem que estabelecem com crianças e adolescentes.

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Página 16 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Em geral, a docência em turmas de educação de jovens e adultos é utili-

zada para complementar, em período noturno, a jornada de trabalho dos docentes que

atuam com crianças e adolescentes no período diurno.A rotatividade de docentes e a

inexistência de equipes especialmente dedicadas à educação de jovens e adultos preju-

dicam a formação de um corpo técnico especializado e dificultam a organização de pro-

jetos pedagógicos específicos para essa modalidade, o que limita as possibilidades e os

resultados de eventuais iniciativas de capacitação em serviço.

Como a educação de jovens e adultos não é um mercado de trabalho atrativo

para os profissionais do ensino, é raro que a formação pedagógica inicial nos cursos téc-

nicos de magistério de nível médio ou de pedagogia em nível superior ofereçam opção

de habilitação específica para essa modalidade educativa, ou até mesmo que contem-

plem em seu currículo conteúdos referidos a esse ciclo de vida e suas necessidades es-

pecíficas de aprendizagem.

De acordo com o Inep, dos 1.306 cursos de pedagogia existentes no Brasil em

2003, apenas 16 (1,22%) ofereciam habilitação específica para educação de jovens e

adultos: 7 deles (43,75%) eram oferecidos por instituições de ensino superior localiza-

das na Região Sul do Brasil; no Nordeste havia 6 cursos (37,5%); 2 no Sudeste

(12,5%) e 1 no Centro-Oeste (6,25%). Assim, há um enorme déficit de profissionais da

educação com formação inicial adequada para atuar junto a jovens e adultos.

Nesse sentido, os programas de alfabetização de jovens e adultos implementa-

dos por movimentos ou organizações sociais recorrem com freqüência a voluntários,

militantes ou agentes comunitários que se quer possuem formação técnico-profissional

prévia para o magistério, quando não possuem reduzida escolaridade. A maior parte das

parcerias estabelecidas entre poder público e as organizações da sociedade civil para a

alfabetização de jovens e adultos prevê algum tipo de capacitação ou formação continu-

ada dos educadores, realizada por universidades ou ONGs especializadas no tema. A

formação desses educadores populares é um grande desafio que deve ser enfrentado

por esses agentes capacitadores.

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Página 17 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Conceito geral de trabalho

Trabalho é o processo através do qual o homem produz as coisas necessárias à

sua existência. Como? Através da transformação da natureza. Essa definição, mais

ampla, mais realista e não-moralista (como as do senso comum), é, no entanto, muito

genérica: não estabelece distinção entre o trabalho feito por um náufrago numa ilha e

aquele realizado por um homem da idade da pedra, por um servo no feudo, por um

operário na fábrica, por um professor na escola. É preciso, portanto, especificá-la.

O trabalho é uma atividade social

Nas sociedades atuais, mesmo as pessoas que realizam uma atividade artesanal

aparentemente isolada (por exemplo, uma bordadeira), dependem de outros para

executar seu trabalho. Ela depende, por exemplo, dos comerciantes que lhe vendem o

tecido e a linha, dos que anteriormente produziram esses bens, dos que os

transportaram, etc. O trabalho engendra a vida social e, ao mesmo tempo, é por ela

determinado. Assim, querendo ou não, os homens, para transformar a natureza em seu

benefício, constituíram, ao mesmo tempo, formas de relacionamento com outros

homens. Esta primeira determinação mostra que os homens estabelecem entre si, para

poderem trabalhar, e enquanto trabalham (como trabalhadores), relações que podem

ser chamadas de relações de produção (ou, também, relações sociais de produção). Mas

ela é ainda insuficiente, porque também não permite distinguir entre diferentes tipos de

trabalho, sob diferentes condições históricas (só permite distinguir entre o trabalho

completamente isolado como, por exemplo, o do náufrago só em uma ilha, e o de

outros homens que não estão sós).

Vamos especificar um pouco mais o conceito de relações de produção. No que

consistem essas relações? Será que elas se restringm às relações que as pessoas

mantêm no seu ambiente de trabalho, quando desenvolvem uma determinada atividade

profissional (por exemplo, as várias costureiras que trabalham juntas, num mesmo

local, para uma pessoa, os artesãos que trabalham num mesmo local, fazendo seus

objetos de barro, os operários de uma moderna indústria, cada um deles fazendo uma

O que é trabalho?

Celso Ferretti Trecho do livro ― Opção Trabalho‖ pag.83 a 88

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Página 18 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

parte de um produto qualquer)? Ou será que elas se referem também às atividades que

as pessoas mantêm entre si, mesmo fora do local específico de trabalho? E, neste

último caso, são consideradas tanto as relações que as pessoas mantêm entre si

especificamente para produzir (por exemplo, a mulher que faz doces e que entra em

contato com quem lhe fornece a lenha, o açúcar, a farinha etc.) ou são também

consideradas as relações que interferem diretamente na produção, mas que resultam do

fato das pessoas viverem juntas num mesmo local, se conhecerem etc.?

É preciso considerar que tanto as relações estritamente profissionais, quanto

também as que não o são diretamente, acabam contribuindo para a produção. Portanto,

as relações de produção são constituídas, pelo conjunto das relações que se

estabelecem entre os homens em uma sociedade determinada no processo de produção

das condicões materiais e espirituais de sua existência. Vale a pena especificar mais

algumas nocões para tornar as ideias bem claras .

Primeiro, é importante notar que as relações de produção orientam e são

orientadas pelas condições materiais e espirituais da existência humana, ou seja, a ação

que modifica a natureza não se limita estrita e exclusivamente à produção de bens

materiais, mas à produção de condições que permitam aos homens viverem

relacionando-se entre si e com a natureza. A produção dessas condições passa pela

produção de bens, mas não se esgota aí. É preciso também produzir, preservar,

modificar etc. os ambientes materiais e sociais em que as pessoas vivem. Ao fazer uma

e outra coisa os homens produzem, preservam, modificam as formas sociais de

convivência (as formas de governo, a cultura), ou seja, produzem as chamadas

condições espirituais de sua existência. Estas, por seu turno, interferem na forma como

os homens produzem as condições materiais de sua existência.

Dito assim, pode parecer que essas relações sempre foram como o são hoje. Em

nossa sociedade somos levados a pensar que as relações de produção que os homens

estabeleceram entre si, desde que começaram a existir como tais, sempre foram como

as relações que hoje observamos. Da mesma forma, tende-se a pensar que elas

também serão assim no futuro. Dito de outra forma, parece que elas são naturalmente

assim como hoje se nos apresentam. Ao contrário, não foram assim no passado e muito

provavelmente não serão assim no futuro.

O que se quer dizer é que as relações de produção não são naturais, mas sim

históricas. Conclui-se, portanto, que não podemos falar em relações de produção em

geral, pois elas serão diferentes em sociedades e épocas histórica e, sob certas

circunstâncias, até em regiões diferentes dentro de uma mesma sociedade, num dado

momento.

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Página 19 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Apesar disso, forjaram-se teoricamente algumas categorias mais amplas que

possibilitam explicar, de forma genérica, como se realiza o trabalho. Essas categorias

são aplicáveis às diferentes sociedades em que o homem produz as condições de sua

existência. Nesse sentido são categorias a-históricas, que só ganham maior significado

quando preenchidas pela experiência concreta de trabalho desenvolvidas em cada

sociedade particular.

Uma dessas categorias é o processo de trabalho, que significa a transformação

de um objeto ou conjunto de objetos em um produto. Para que esse processo se realize,

há necessidade de matérias brutas que se encontram na natureza (a pedra, a areia, as

plantas, à água etc.) e/ou de matérias-primas, ou seja, aquelas matérias que são

retiradas da natureza, mas que já sofreram um trabalho anterior do homem, antes de

serem utilizadas na elaboração de outro produto. Por exemplo, quando o homem corta

uma árvore e a escava para fazer uma canoa, seu objeto de trabalho é a matéria bruta.

Mas, quando a rendeira emprega a linha ou o fio para fazer suas rendas, está

transformando um produto (a linha), que já foi transformado anteriormente de algodão

em fio, num novo produto (a renda). Por tanto, o fio é a matéria-prima utilizada pela

rendeira para fazer a renda. As matérias brutas e as matérias-primas constituem

objetos de trabalho.

Para obter os produtos que são necessários à sua sobrevivência, o homem pode

utilizar-se apenas das mãos (por exemplo, o agricultor rudimentar que faz buracos no

chão com os dedos e planta a semente com a própria mão). Mas, na maior parte das

vezes, o homem utiliza-se de algum instrumento (que também pode ser rudimentar —

por exemplo, para a semeadura o agricultor pode substituir o dedo por um pedaço de

madeira — ou que pode ser muito sofisticado — um computador, por exemplo). Os

instrumentos de trabalho, assim como as instalações onde o homem realiza seu

trabalho, os locais onde trabalha as vias de acesso são meios de trabalho. Também são

meios de trabalho os materiais auxiliares de que o homem se utiliza na fabricação de

um produto (por exemplo, a tinta com que pinta a cadeira, o óleo que usa para

lubrificar a máquina, os materiais de limpeza que utiliza para limpar seus instrumentos

etc.). Os objetos de trabalho e os meios de trabalho constituem os meios de produção.

Todavia, a existência dos meios de produção é insuficiente para a obtenção do

produto. Para tal, há necessidade de que esses meios sejam acionados no processo de

trabalho por alguma espécie de energia. Esta é representada pela energia vital do

trabalhador (seu cérebro, músculos, membros) aplicada ao processo de trabalho. Essa

energia é denominada força de trabalho. Deve-se, portanto, estabelecer diferenças

entre trabalho (que é o rendimento derivado da aplicação da força de trabalho aos

meios de producão resultando em algo concreto), força de trabalho (que é a energia do

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Página 20 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

trabalhador aplicada na produção) e o processo de trabalho (que é o processo pelo qual

o trabalhador, aplicando sua força de trabalho aos meios de produção, obtém o

produto). As forças que resultam da combinação e aproveitamento dos elementos que

compõem o processo de trabalho são chamadas de forças produtivas. Elas determinam

a produtividade do trabalho.

Toda essa discussão sobre elementos constitutivos do que chamamos trabalho

conduziu-nos, de novo, da maneira como foi feita, para o reino das abstrações. Dá a

impressão de que o processo de trabalho e os meios de produção não são históricos e

sim naturais, assim como dá a impressão de que a força de trabalho sempre foi utilizada

também da mesma forma. Novamente é preciso chamar a atenção para esse fato e

corrigir o conceito inicial de processo de trabalho, dizendo que este é o processo de

transformação de um objeto determinado em um produto determinado, que se realiza

através de uma atividade humana determinada, utilizando meios de trabalho

determinados. Isto significa dizer que todos esses elementos precisam ser entendidos

na sua especificidade, conforme se realizem numa ou noutra época histórica, numa ou

noutra sociedade. E que, ao procurarmos conhecer essa especificidade, vamos saindo

do reino de abstração e da generalidade e nos aprofundando cada vez mais no reino do

que é concreto.

Vamos tentar, mais tarde, perceber essa especificidade num modo de produção

determinado. Modo de produção é a forma adquirida historicamente pela sociedade na

produção de bens. O modo de produção, portanto, mais que a produção de bens, diz

respeito à maneira como o homem se organiza para produzir sua herança cultural

(formas de pensar e agir, de morar, de comer, de se relacionar com os outros etc.). O

modo de produção refere-se, portanto, ao próprio modo de vida vigente numa dada

sociedade, num determinado momento de sua história.

É muito importante reter isto: o modo de produção não á somente a produção e

a reprodução das condições materiais de existência. E é importante reter, porque isto

torna claro que a produção material da existência humana está intimamente ligada à

manifestação dessa existência em seus aspectos culturais e espirituais. E por isso, e não

porque são inferiores, que os índios que vivem e reproduzem sua existência material no

interior do Amazonas não pensam nem agem como qualquer um de nós. Podemos

perceber, assim, que não existem, a não ser sob condições especiais, modos de

produção puros.

O que há, na verdade, são formações sociais nas quais coexistem diferentes

modos de produção. Assim, as formações sociais compreendem o conjunto das relações

materiais e espirituais que se estabelecem entre os homens em um momento

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Página 21 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

determinado do desenvolvimento das forças produtivas. Englobam a atividade industrial

e comercial, tanto quanto a atividade cultural e política. Em geral as formações sociais

não desenvolvem as forças produtivas e as relações sociais no mesmo ritmo. O

desenvolvimento das primeiras é geralmente mais rápido do que o das seguintes.

Embora não existam, em geral, no interior das formações sociais hoje

conhecidas, modos de produção em estado puro, há aqueles que predominam e que,

num certo sentido, permitem caracterizar de maneira geral essa formação social

(sociedade). Vamos enfocar, dessa perspectiva, o modo de produção capitalista, porque

é nesse contexto que vivem e trabalham as crianças e jovens brasileiros. .....

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Página 22 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Mas o que é Trabalho?

Muitos tentaram defini-lo e analisando-o numa acepção mais ampla, ele pode ser

concebido como o exercício da atividade humana, quaisquer que sejam as formas sob

as quais esta atividade é exercida. De uma maneira ampla, o trabalho pode ser compre-

endido como todo esforço humano, que intervém em seu ambiente com certa finalidade

(Zanelli & Silva, 1996).

Por ser o trabalho um aspecto de inegável importância na vida das pessoas que,

em sua grande maioria, ingressam em seu universo quando ainda muito jovens, objeti-

vou-se, com este estudo, ampliar a discussão sobre o significado do trabalho na vida

dos jovens, tendo com base para a escolha, um mundo gerado no provisório.

O trabalho como uma atividade social

A orientação de um indivíduo para o trabalho não faz parte de sua dotação gené-

tica; as atitudes em relação ao trabalho e a maior parte do comportamento em situação

de trabalho são social e culturalmente determinados. As pessoas são gradualmente ins-

truídas quanto ao que podem esperar e querer do trabalho por várias agências de socia-

lização, entre elas a família, a escola, a comunidade local e a mídia.

Na sociedade atual, mesmo as pessoas que realizam uma atividade aparente-

mente independente (por exemplo, uma costureira) dependem de outros para executa-

rem seu trabalho. Ela depende de quem lhe vende a linha e o tecido; dos que anterior-

mente, produziram estes bens, dos que os transportaram, etc. Portanto, o trabalho pro-

duz a vida social e, ao mesmo tempo, é por ela determinado. Assim, querendo ou não,

os homens, para transformarem a natureza em seu benefício, constituíram, ao mesmo

tempo, formas de relacionamento com outros homens.

Esta primeira determinação mostra que os homens estabelecem entre si, para

poderem trabalhar, relações que podem ser chamadas de relações de produção. Essas

relações, segundo Ferreti (1988), são constituídas pelas relações que se estabelecem

entre os homens em uma dada sociedade, no processo de produção das condições ma-

teriais e espirituais de sua existência. Isto é, a ação que modifica a natureza não se li-

mita a produzir bens materiais, mas também à produção de condições que permitam

aos homens viverem, relacionando-se entre si e com a natureza.

O Significado do Trabalho para o Adulto Jovem

no Mundo do Provisório

Carmem Regina Poli Sayão Lobato1

Trecho do artigo acima

Page 23: formação inicial 2010

Página 23 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Mas, o animal também trabalha para suprir suas necessidades! O que diferencia,

então, o trabalho humano e o trabalho animal? O animal executa atividades instintivas,

enquanto o homem é capaz de planejar sua ação antes de executá-la. Toda a evolução

do homem se deve a este processo contínuo de mútua determinação: o homem modifi-

ca o mundo externo e, ao fazê-lo, modifica sua própria natureza. O ser humano, dife-

rentemente de outros animais, para existir, precisa estar constantemente construindo

sua existência, e isso acontece à medida que esta construção satisfaz suas necessida-

des. Nesse contexto é que se insere o trabalho (Bianchetti, 1996).

Como o homem é aquilo que faz, devemos falar de homens concretos, que se

realizam enquanto participantes, na medida em que são capazes de construir e realizar

projetos pessoais de vida, que permitam uma relação humana com o mundo objetivo,

mediada pelas relações de trabalho.

Entretanto, não podemos falar de trabalho sem falar das relações de trabalho

dentro do modelo capitalista de produção, isto é, uma forma alienante de relação. Nes-

tas relações, o trabalhador é obrigado a vender sua força de trabalho, transformando-

se, da mesma forma que o produto do seu trabalho, em mercadoria.

Segundo Codo, Sampaio & Hitomi (1995), temos aí o processo de alienação, pelo

qual se retira do trabalhador o produto de seu trabalho. E homem alienado é um ho-

mem desprovido de si mesmo, pois faz com que perca sua própria identidade. Dejours

(1992) tem desenvolvido expressivos estudos sobre a psicopatologia do trabalho, inves-

tigando o impacto da organização do trabalho sobre a saúde mental.

A falta de significado e a impossibilidade de identificação com o trabalho canali-

zam as perspectivas de identificação do trabalhador para a vida privada. Assim, perde-

mos o sujeito coletivo dado pela mediação do trabalho, quando ele retorna à individuali-

dade. Prado Filho (1993) aponta que esta perda do significado do trabalho não se res-

tringe a determinadas ocupações, mas atinge todas as atividades profissionais. Isso o-

corre em razão da modernização, que visa a produtividade e o lucro, em detrimento do

bem-estar da maioria da população.

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Página 24 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Com base no curso da Ação Escrita, exemplificamos algumas atividade

relacionadas ao processo de aquisição da linguagem escrita. Não é nossa

responsabilidade direta, mas para que possamos contribuir junto à professora, é bom

termos a noção de algumas situações de aprendizagem que podem ser aplicadas e

como poderemos contribuir.

As sugestões que seguem servem para trabalhar com vários textos e por isso é

necessário que, ao trabalhar cada um deles, se construa uma seqüência de atividades

que se considere pertinente para ensinar os educando. Essas seqüências de atividades

serão planejadas e orientadas com o objetivo de promover uma aprendizagem

específica e definida pelo(a) professor(a) da sala, mas no planejamento conjunto

poderemos contribuir com textos da atividade profissional.

Leitura pelo professor - importante que o professor faça a leitura de vários

textos do mesmo gênero possibilitando que os alunos possam se apropriar de um amplo

repertório do texto em questão.

Leitura compartilhada (professor e alunos) de textos conhecidos - Em

alguns momentos da rotina de sala de aula, podemos trazer textos com palavras ou

letras de músicas que os alunos conheçam bastante. Com isso os alunos que têm

dificuldade poderão inferir e antecipar significados durante a leitura. Os textos que

serão lidos podem estar afixados na sala em forma de cartaz, escritos na lousa ou

impressos no livro do aluno.

Leitura coletiva- Ler, cantar, recitar, brincar e trabalhar com textos conhecidos.

É fundamental que os alunos possam vivenciar na escola situações em que a leitura

esteja vinculada diretamente ao desfrute pessoal, à descontração, ao prazer ou ao

trabalho.

Leitura dirigida- Propor atividades de leitura em que os alunos tenham de

localizar palavras em um texto conhecido. Por exemplo: o professor lê o texto inteiro e

depois pede aos alunos que localizem determinada sequencia de operação de uma

máquina ou produto.

Leitura individual- Quando os alunos conhecem bastante os textos, já podem

começar a lê-los individualmente. E nesse caso é importante que tenham objetivos com

a atividade de leitura. Por exemplo: ler para escolher a parte a textura que irá fazer, ou

Situações de aprendizagem da língua escrita

nossa contribuição

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Página 25 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

a receita que irá preparar, o adereço que irá escolher, etc.

Pesquisa de outros textos- Os alunos podem pesquisar outros textos do

mesmo gênero em livros, na família e na comunidade. Podem, por exemplo, entrevistar

profissionais conhecidos, comerciantes a respeito dos produtos produzidos, etc.

Rodas de conversa ou de leitura - Sentar em roda é uma boa estratégia para

socializar experiências e conhecimentos, pois favorece a troca entre os alunos.

Escrita individual- Escrever segundo suas próprias hipóteses é fundamental

para refletir sobre a forma de escrever as palavras e permitir uma reflexão sobre as

atividades realizadas na formação profissional. Vale ressaltar que, quando propomos a

escrita de textos é fundamental aceitar as hipóteses e não interferir diretamente nas

produções: não se deve corrigir, escrever embaixo ou coisa do tipo.

Escrita coletiva- O professor escreve na lousa, ou em um cartaz, o texto que os

educandos ditam para ele. Durante o processo de escrita, é fundamental que o

professor discuta com os alunos a forma de escrever as palavras, pois isto favorece a

aprendizagem de novos conhecimentos sobre a língua escrita.

Reflexão sobre a escrita- Sempre que possível favorecer a reflexão dos

educandos sobre a escrita, propondo comparações entre palavras que começam ou

terminam da mesma forma (letras, sílabas ou partes das palavras).

Produção de um livro- Seleção dos textos preferidos pelo educando para a

produção de uma coletânea (livro). Cada aluno pode escrever um texto preferido

(receita, procedimento de pintura ou de limpeza de pele, planejamento de festa, etc...).

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Página 26 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Lista 1

RATOEIRA ROMÃ

RAÇÃO REVISTA

RARIDADE RELÓGIO

RECEITA RUÍDO

Lista 2

FIGO MAÇÃ

GOIABA PÊSSEGO

ABACAXI MELANCIA

LIMÃO BANANA

Listar significa relacionar nomes

de pessoas ou coisas para a organização

de uma ação. Por exemplo: lista de

convidados para uma festa, lista dos

produtos para comprar, lista dos

compromissos do dia, lista das

atividades que serão realizadas na sala

de aula etc. Por ter uma estrutura

simples, a lista é um texto privilegiado

para o trabalho com alunos que não

sabem ler e escrever convencional-

mente, mas é necessário que o

professor proponha a escrita de uma

lista que tenha alguma função de uso na

comunidade ou na sala de aula. A

escrita de listas de palavras que

começam com a mesma letra ou outras

similares são inadequadas, pois

descaracterizam a função social desse

texto.

Situações de aprendizagem

Leitura de listas — É importante

propor atividades de leitura em que os

alunos são os leitores. Por exemplo:

atividade em que recebam uma lista

com os títulos dos contos lidos ou dos

personagens conhecidos, e tenham de

localizar determinados personagens ou

títulos; leitura da lista dos ajudantes do

dia; da lista de atividades que serão

realizadas no dia; da lista dos

aniversariantes do mês etc.

Escrita individual de listas — Por ser

um tipo de texto simples, as atividades de

escrita de listas possibilitam que os alunos

pensem muito mais na escrita das

palavras (que letras usar, quantas usar,

comparar outras escritas etc.). O professor

deve propor atividades de escrita de listas

que possam de alguma forma ser usadas

pelos alunos. Por exemplo: escrever a lista

dos contos udos, a lista dos animais que já

foram estudados e dos que ainda

pretendem estudar, lista dos personagens

preferidos etc. Vale ressaltar que, quando

propomos a escrita de textos em que não

há um destinatário específico, é

fundamental aceitar as hipóteses e não

interferir diretamente nas produções: não

se deve corrigir, escrever embaixo ou

coisa do tipo.

Reflexão sobre a escrita— Sempre que

for possível, favorecer a reflexão dos

alunos sobre a escrita, propor

comparações entre palavras que começam

ou terminam da mesma forma. As listas

são ótimos textos para a realização dessas

atividades.

Listas*

*Fragmento de ―O que são listas, cartas e bilhetes‖, capítulo de

Alfabetização - Livro do Professor, do Programa Escola Ativa. Brasília,

Fundescola/SEF/MEC, 2000, p. 05.

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Página 27 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

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Página 28 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Ao contrário do que afirmam os ingênuos (todos o somos uma vez por outra),

não basta dizer a verdade. De pouco ela servirá ao trato das pessoas se não for crível, e

talvez até devesse ser essa a sua primeira qualidade. A verdade é apenas meio

caminho, a outra metade chama-se credibilidade. Por isso há mentiras que passam por

verdades, e verdades que são tidas por mentiras.

Esta introdução, pelo seu tom de sermão da quaresma, prometeria uma grave e

aguda definição de verdades relativamente absolutas e de mentiras absolutamente

relativas. Não é tal. É apenas um modo de me sangrar em saúde, de esquivar

acusações, pois, desde já o anuncio; a verdade que hoje trago não é crível. Ora

vejamos se isto é história para acreditar.

O caso passa-se num sanatório. Abro um parêntese: o escritor português que

escolhesse para tema de um romance a vida de sanatório, talvez não viesse a escreverA

montanha mágica ou O pavilhão dos cancerosos, mas deixaria um documento que nos

afastaria da interminável ruminação de dois ou três assuntos erótico-sentimentalo-

burgueses. Adiante, porém, que esta crônica não é lugar de torneios ou justas literárias.

Aqui só se fala de simplezas quotidianas, pequenos acontecimentos, leves fantasias — e

hoje, para variar, de verdades que parecem mentiras. (Verdade, por exemplo, é o

doente que entrava para o chuveiro, punha a água a correr, e não se lavava. Durante

meses e meses não se lavou. E outras verdades igualmente sujas, rasteiras,

monótonas, degradantes.)

Mas vamos à história. Lá no sanatório, dizia-me aquele amigo, havia um doente,

homem de uns cinqüenta anos, que tinha grande dificuldade em andar. A doença

pulmonar de que padecia nada tinha que ver com o sofrimento que lhe arrepanhava a

cara toda, nem com os suspiros de dor, nem com os trejeitos do corpo. Um dia até

apareceu com duas bengalas toscas, a que se amparava, como um inválido. Mas

sempre em ais, em gemidos, a queixar-se dos pés, que aquilo era um martírio, que já

não podia agüentar.

O meu amigo deu-lhe o óbvio conselho: mostrasse os pés ao médico, talvez

fosse reumatismo. O outro abanava a cabeça, quase a chorar, cheio de dó de si mesmo,

como se pedisse colo. Então o meu amigo, que lá tinha as suas caladas amarguras e

com elas vivia, impacientou-se e foi áspero. A atitude deu resultado. Daí a dois dias, o

Não sabia que era preciso

José Saramago*

A bagagem do viajante. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.

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Página 29 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

doente dos pés chamou-o e anunciou-lhe que ia mostrá-los ao médico. Mas que antes

disso gostaria que o seu bom conselheiro os visse.

E mostrou. As unhas, amarelas, encurvavam-se para baixo, contornavam a

cabeça dos dedos e prolongavam-se para dentro, como biqueiras ou dedais córneos. O

espetáculo metia nojo, revolvia o estômago. E quando perguntaram a este homem

adulto por que não cortava ele as unhas, que o mal era só esse, respondeu: ―Não sabia

que era preciso‖.

As unhas foram cortadas. Cortadas a alicate. Entre elas e cascos de animais a

diferença não era grande. No fim de contas (pois não é verdade?), é preciso muito

trabalho para manter as diferenças todas, para alargá-las aos poucos, a ver se a gente

atinge enfim a humanidade.

Mas de repente acontece uma coisa destas, e vemo-nos diante de um nosso

semelhante que não sabe que é preciso defendermo-nos todos os dias da degradação. E

neste momento não é em unhas que estou a pensar.

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Página 30 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.

- ―Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?‖, pergunta Kublai

Khan.

- ―A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra‖, responde

Marco,―mas pela curva do arco que estas formam.‖

Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:

- ―Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.‖

Marco Polo responde:

―Sem as pedras o arco não existe.‖

As cidades invisíveis

Italo Calvino

"Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra

escovando osso. No começo achei que aqueles homens não batiam bem.

Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois

aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o ser-

viço de escovar o osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos

vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos na-

quele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em al-

gum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria

ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das pala-

vras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas ora-

lidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria então

escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para es-

cutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Comecei a fazer isso

sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fe-

chados no quarto, trancado, a escovar palavras. Logo a turma pergun-

tou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a

eles, meio entresonhado, que eu estava escovando palavras. Eles acha-

ram que eu não batia bem. Então eu joguei a escova fora."

Escova

Manoel de Barros

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Página 31 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

Vygotsky buscou compreender a origem e o desenvolvimento dos processos psi-

cológicos, porém não chegou a formular uma teoria estruturada sobre o desenvolvimen-

to humano que falasse sobre o processo de construção psicológica desde a infância até

a idade adulta. O que ele nos apresenta são reflexões e dados de pesquisa sobre vários

aspectos do desenvolvimento humano.

Um dos temas muito relevantes em sua obra é a importância dos processos de

aprendizado. Para ele, aprendizado e desenvolvimento estão intrinsecamente relaciona-

dos. Como vimos anteriormente, somos seres sociais que nos desenvolvemos a partir

das relações que estabelecemos ao longo de nossa vida, portanto ―existe um percurso

de desenvolvimento, em parte definido pelo processo de maturação do organismo indi-

vidual, pertencente à espécie humana, mas é o aprendizado que possibilita o despertar

de processos internos de desenvolvimento que, não fosse o contato do indivíduo com

certo ambiente cultural, não ocorreriam.‖ (OLIVEIRA, 1997, p.56).

Como vimos no caso das irmãs que foram criadas pelos lobos, elas se desenvol-

veram a partir do que aprenderam com os lobos, ou seja, aprenderam comportamentos

que não são humanos e, portanto, não se comportavam como nós. Porém, como existia

uma estrutura biológica humana, elas foram capazes de, em contato com outros seres

humanos, aprenderem e se desenvolverem como tais.

O desenvolvimento só ocorre na presença de situações propícias ao aprendizado.

Isso nos traz a uma reflexão muito importante para qualquer ambiente educacional. To-

dos nós, independente de idade, deficiência, nível socioeconômico.

somos capazes de aprender e estamos em constante desenvolvimento. Porém,

precisamos de estar em contato com outras pessoas ou instrumentos que permitam

nossa aprendizagem. Necessitamos, para nos desenvolver, de situações propícias ao

aprendizado!

Será que, de fato, acreditamos no potencial de aprendizagem de todos que nos

cercam? Será que, em alguns momentos, ao nos deparamos com um indivíduo que a-

presenta dificuldades no seu processo de aprendizagem, acreditamos que não temos

muito a fazer, pois a pessoa é que não consegue aprender? Será que em algumas situa-

ções nós não nos eximimos do processo de ensino-aprendizagem de nossos alunos, fo-

cando a aprendizagem apenas no outro, como se ele fosse o único responsável pelo seu

desenvolvimento?

Vygotsky nos fala de dois tipos de desenvolvimento: o real e o potencial. O de-

Desenvolvimento e Aprendizagem Cecília Gomes Muraro Alecrim

Pag 24 a 26

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Página 32 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

senvolvimento real diz respeito a tudo o que já conseguimos realizar sozinhos. Ao ob-

servarmos um aluno, podemos verificar o que ele já consegue fazer sem a nossa ajuda,

sem a interferência de um parceiro ―mais capaz‖ . Estamos falando, então, do seu nível

de desenvolvimento real.

Porém, existem algumas tarefas que só conseguimos realizar com a ajuda de al-

guém. Já conseguimos desempenhá-la, mas não sozinhos. Você se lembra quando a-

prendeu a dar um laço? Inicialmente não conseguia fazer, mas, depois com a ajuda de

alguém, conseguiu realizar a tarefa, para então, realizá-la de forma independente.

Quando precisamos da ajuda de alguém mais capaz para realizarmos uma tarefa esta-

mos falando do nível de desenvolvimento potencial.

Esses conceitos são importantes pois, na tarefa de educadores, muitas vezes nos

preocupamos em observar apenas o nível de desenvolvimento real de nossos alunos e

deixamos de lado o seu desenvolvimento potencial. O educador deve atuar exatamente

em relação ao desenvolvimento potencial de seus alunos, com a intenção de transformá

-lo em desenvolvimento real.

Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência

de outra é fundamental na teoria de Vygotsky. Em primeiro lugar porque representa, de

fato um momento do desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que pode, a partir

da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Isto é, a capacidade de se beneficiar de

uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento, mas

não antes. Uma criança de cinco anos, por exemplo, pode ser capaz de construir a torre

de cubos sozinha; uma de três anos não consegue construí-la sozinha, mas pode conse-

guir com a assistência de alguém; uma criança de um ano não conseguiria realizar essa

tarefa nem mesmo com ajuda. Uma criança que ainda não sabe andar sozinha só vai

conseguir andar com a ajuda de um adulto que a segure pelas mãos a partir de um de-

terminado nível de desenvolvimento.

Aos três meses de idade, por exemplo, ela não é capaz de andar nem com ajuda.

A idéia de nível de desenvolvimento potencial capta, assim, um momento do desenvol-

vimento que caracteriza não as etapas já alcançadas, já consolidadas, mas etapas pos-

teriores, nas quais a interferência de outras pessoas afeta significativamente o resultado

da ação individual. ( OLIVEIRA, 1997, p. 60)

Esses conceitos nos fazem pensar sobre a nossa atuação. Muitas vezes insistimos

que o indivíduo aprenda algo para o qual ele ainda não está pronto. Ou, outras vezes,

dessas está em processo, mas como não nos colocamos ao seu lado, no sentido de aju-

dá-lo a resolver a tarefa, acabamos interpretando que ele não consegue e não investi-

mos naquela aprendizagem.

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Página 33 FORMAÇÃO INICIAL OPEJA 2010

A partir desses dois conceitos, Vygotsky desenvolveu um terceiro denominado

zona de desenvolvimento proximal, que significa ―a distância entre o nível de de-

senvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de

problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de

problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais

capazes‖. (VYGOTSKY, 1998, p.112)

Sendo assim, o que o indivíduo é capaz de realizar hoje com a ajuda de alguém

mais capaz, ele será capaz de realizar sozinho futuramente, portanto, a zona de desen-

volvimento proximal é um domínio psicológico em constante transformação. O aprendi-

zado desperta processos de desenvolvimento que vão se tornando funções psicológicas

consolidadas no sujeito.

Ao atuarmos na zona de desenvolvimento proximal de nossos alunos, contribuí-

mos para movimentar os seus processos de desenvolvimento.

Portanto, as relações interpessoais são fundamentais para que o aprendizado o-

corra. Em qualquer ambiente, cujo foco é o ensino, devemos nos preocupar com o tipo

de intervenção pedagógica. Devemos interferir na zona de desenvolvimento proximal de

nossos alunos, atuando lado a lado, fornecendo dicas, instruções, assistência e possibili-

tando que haja uma rica interação entre os colegas. Sempre haverá algum aluno mais

capaz para realizar uma determinada tarefa e ele poderá contribuir para o desenvolvi-

mento de seus colegas.

Devemos ter cuidado para não interpretar superficialmente a teoria de Vygotsky

como diretiva, onde o foco seja apenas a intervenção do professor, fazendo com que o

aluno seja visto como um ser passivo. Pelo contrário, a teoria sócio-histórica do desen-

volvimento se preocupa em definir um sujeito absolutamente ativo, capaz de reconstruir

e reelaborar os significados que lhe são transmitidos pelo grupo cultural.

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