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1 PENSA PROGRAMA DE ESTUDOS DOS NEGÓCIOS DO SISTEMA AGROINDUSTRIAL Competitividade da Cadeia de Couro e Calçados Relatório para o Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva de Couro e Calçados Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior Secretaria do Desenvolvimento da Produção Paulo Furquim de Azevedo * * Pesquisador do PENSA e Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar.

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PENSA PROGRAMA DE ESTUDOS DOS NEGÓCIOS DO SISTEMA

AGROINDUSTRIAL

Competitividade da Cadeia de Couro e Calçados

Relatório para o

Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva de Couro e Calçados

Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior Secretaria do Desenvolvimento da Produção

Paulo Furquim de Azevedo∗

∗ Pesquisador do PENSA e Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar.

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1. Introdução

A indústria de calçados experimentou mudanças diversas ao longo dos

anos noventa, decorrentes da reconfiguração do ambiente competitivo

internacional e do ambiente institucional no Brasil. Os aspectos do ambiente

institucional que mais afetaram o setor foram a) a sobrevalorização cambial, na

segunda metade da década, b) a abertura de mercado – cujo impacto maior

deu-se nas etapas anteriores da cadeia produtiva, como máquinas e

equipamentos – e c) a promulgação da Constituição de 1988, que dotou os

Estados de maior capacidade de concessão de incentivos fiscais. No ambiente

competitivo internacional, por sua vez, a posição ocupada pelos principais

atores também se modificou, com a China e demais países do sudeste asiático

evoluindo em qualidade e nível tecnológico. Simultaneamente, a incorporação

do Leste Europeu ao cenário de trocas internacionais do ocidente afetou as

estratégias de produção da Itália, que transferiu para esses países, com

menores custos de mão-de-obra, parte das etapas de processamento do

calçado.

Os efeitos dessas mudanças foram generalizados na cadeia produtiva

de couro e calçados de calçados brasileira. Particularmente, ao mudar o

padrão de concorrência dos mercados em que atuam as empresas da cadeia,

os condicionantes da competitividade dessas empresas também se modificam.

Trata-se, portanto, de um momento propício para investigar a competitividade

da cadeia produtiva de couro e calçados brasileira.

Para atingir esse objetivo, seguindo o modelo proposto por Farina et al.

(1997), o texto que se segue divide-se em cinco partes, além desta introdução

e das considerações finais. A primeira contém uma sucinta descrição da

cadeia, que tem como único propósito delimitar o objeto de estudo e identificar

os principais segmentos e ligações entre eles, que serão explorados nas

seções subseqüentes. A segunda parte, também de modo sucinto, expõe as

principais tendências de mercado, em especial no segmento de calçados, cujos

impactos refletem-se em toda a cadeia produtiva. A capacidade de resposta a

essas tendências é um item chave para a análise de competitividade. A fim de

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descrever o pano de fundo em que operam as empresas da cadeia produtiva

de couro e calçados, a terceira parte descreve alguns aspectos relevantes do

ambiente institucional, organizacional e tecnológico. Após as três partes que

compõem o referencial geral em que opera a cadeia produtiva, a quarta seção

descreve com maior detalhe cada um de seus segmentos mais relevantes.

Além das características gerais, a seção procura identificar os principais

condicionantes da competitividade de cada um dos segmentos da cadeia.

Finalmente, a última seção aborda a coordenação vertical da cadeia produtiva,

mostrando como aspectos da relação entre os segmentos afetam a

competitividade sistêmica.

A cadeia produtiva de couro e calçados encontra-se entre as cadeias em

que o Brasil tradicionalmente apresenta fortes indicadores de competitividade.

A cadeia produtiva vem apresentando, desde o início da década de 90, saldos

comerciais em torno de US$ 2 bilhões ao ano e exportações que superam a

marca de US$ 2,5 bilhões com perspectivas de crescimento futuro. Apesar de

indicadores que atestam a importância da cadeia produtiva de couro e

calçados, há ameaças ao seu desempenho, dadas sobretudo pela

concorrência direta de países asiáticos com menores custos de mão-de-obra e

pela concentração das exportações brasileiras em poucos países importadores.

Como característica geral do fluxo técnico produtivo, pode-se destacar a

presença de etapas tecnologicamente separáveis e produtos intermediários

estáveis, ou seja, passíveis de armazenamento e transporte. Portanto, é

possível a um país ou região deter apenas algumas etapas do processo

produtivo, adquirindo os insumos e/ou ofertando produtos junto ao mercado

internacional. Nesse sentido, o fato de o Brasil apresentar todas as etapas do

processo produtivo constitui um elemento distintivo, havendo diversos países

que concentram sua produção em apenas algumas das etapas. Entretanto, no

Brasil, funções gerenciais relevantes da industria de calçados – como o design

de produtos, o domínio da comercialização e gerenciamento de marca – são

relativamente menos desenvolvidas que as atividades de transformação do

produto.

Essa cadeia produtiva é composta por um significativo número de

empresas, bastante heterogêneas em suas estruturas e nos processos

produtivos empregados. Segundo dados do Ministério do Trabalho (RAIS-

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MTE), havia, ao final de 1999, 9.488 estabelecimentos formalmente registrados

apenas nos segmentos de couro, calçados e artigos de couro1. O grande

predomínio é de microempresas (até 19 empregados registrados), as quais

perfaziam 70,1% do total de estabelecimentos. De acordo com a mesma fonte,

os mesmos três segmentos empregavam 269.069 pessoas formalmente, sendo

mais de a metade (56,2%) ocupada em empresas de calçados de couro. É

necessário dizer que os dados de emprego formal subestimam a importância

da cadeia produtiva, em decorrência da maior relevância de microempresas −

que freqüentemente utilizam trabalho familiar ou informal − e do uso intenso de

terceirização nos processos produtivos, o que é uma característica comum a

diversos países produtores.

No que se refere à configuração espacial da produção, há dois

elementos que merecem destaque. Primeiro, é comum a ocorrência de

aglomerações industriais, em especial no segmento calçadista, tendo como

exemplos os casos do Vale dos Sinos (RS) e Franca (SP). Esta é uma

característica que pode conferir competitividade às empresas, o que pode ser

depreendido do fato de quase a totalidade das exportações ter origem nessas

aglomerações. Essa competitividade, por sua vez, decorre de um modelo de

organização que facilita a difusão de técnicas e, eventualmente, a constituição

de estratégias tecnológicas de cooperação. Segundo, há uma tendência

definida de migração de empregos e plantas industriais para regiões com

menores custos de mão-de-obra (por exemplo, Ceará, Paraíba e Bahia), no

caso de calçados e artefatos, e com maior disponibilidade de matéria-prima

(por exemplo, os estados do Centro-Oeste), no caso de curtumes. Essa

tendência, por sua vez, reduz os ganhos de aglomeração característicos do

setor, o que pode vir a afetar o seu desempenho futuro.

1 Os dados da RAIS não discriminam as empresas de máquinas e equipamentos e de componentes, não estando, portanto, incluídas nesta cifra.

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2. Descrição da Cadeia

A cadeia produtiva de couro e calçados inicia-se na atividade de

pecuária, em que os diferentes sistemas de criação podem resultar em peles

de qualidades distintas, impondo restrições ao processamento do couro e seus

derivados.

Na configuração mais comum do fluxo produtivo, o couro salgado é

fornecido pelos frigoríficos aos curtumes, que podem processá-lo total (couros

acabados) ou parcialmente (wet blue ou semi-acabados - crust). Os curtumes,

por sua vez, abastecem as empresas nacionais − tendo destaque a indústria de

artigos de couro e, sobretudo, a de calçados − assim como o mercado externo.

Segundo o CICB2, baseado em dados da Secex3, estimavam-se, em 2000, em

cerca de 52,7% a exportação física direta de couro (número de peles

exportadas) e em 21,7% as exportações indiretas de peles4, na forma de

calçados e outros artigos de couro. Diante disso, pode-se afirmar que

aproximadamente 74% das peles produzidas no Brasil são exportadas direta

ou indiretamente - o que configura um dos setores industriais brasileiros mais

abertos ao comércio exterior.

De grande importância são também os segmentos de máquinas e

equipamentos, indústria química e de componentes, que atendem às

demandas das indústrias de couro, calçados e artefatos de couro. Finalmente,

deve-se destacar a crescente importância da demanda de couro para

estofamento por parte da indústria moveleira, automotiva e aeronáutica.

2 Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil. 3 Secretaria de Comércio Exterior/MDIC. 4 Considera-se que uma unidade de couro bovino permite a produção de 20 calçados de couro.

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CADEIA PRODUTIVA DE COUROS E CALÇADOS

Artefatos de Couro e de

Outros Materiais

Indústria Moveleira em

Couro

Indústria de Confecções em Couro

Componentes em Couro para Indústria Automotiva e Aeronáutica

Produtos Químicos

Importação de Couro

Indústria de Componentes Artefatos de

Outros Materiais

Calçados de Outros Materiais

Máquinas e Equipamentos

Calçados de Couro

Pecuária de Corte

Frigorífico Curtumes

Coureiro

Outros tipos de Couros e Peles

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3. Tendências de consumo

As tendências de mercado dos produtos finais da cadeia de couro e

calçados têm desdobramentos por toda a cadeia, podendo exigir

transformações em curtumes, frigoríficos e, eventualmente, na pecuária de

corte. Entre esses produtos, sem dúvida, o calçado é o mais relevante,

embora seja crescente também a importância do segmento de couro para

estofamento automotivo e da indústria de móveis.

No segmento de derivados de couro, as tendências são variadas. O

fenômeno mais claro é o crescimento da produção de calçados de borracha

ou plástico, principalmente devido aos preços mais baixos destes produtos.

Outra forte tendência é o crescimento da produção de tênis, que vem se

equiparando a produção de calçados. Vale destacar que em ambos os casos

a produção nacional foi afetada pela entrada de produtos importados

provenientes do sudeste asiático, principalmente China e Indonésia.

O efeito de produtos substitutos (especialmente plásticos e borracha) é

maior em artefatos de couro do que no segmento de calçados de couro. O

consumidor deste produto necessita de características do couro que não são

reproduzíeis em produtos sintéticos, tais como respiração, absorção de

transpiração, resistência e adaptabilidade ao pé. Ainda, a estética no

segmento de calçados de couro é mais tradicional, especialmente em

calçados masculinos.

A utilização de estampa também é uma prática mais comum em

artefatos de couro que no segmento de calçados. Essa maior capacidade de

aceitação do mercado consumidor de estampas − sejam aquelas que imitam

a pele de outros animais (como jacaré), sejam estampas ‘artísticas’ − permite

a utilização de peles de classificação inferior (com maior número de defeitos)

pela indústria de artefatos de couro. No caso de calçados, no entanto, o

mercado demanda predominantemente a pele sem estampa.

De um modo geral, a tendência na cadeia de couro e calçados que

mais tem colocado desafios ao desenvolvimento de produtos e à atividade de

marketing é a de segmentação de mercado.

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Uma das mais importantes tecnologias difundida pela Adidas, por

exemplo, é definida como “Feet You Wear”. Trata-se de uma tecnologia

aplicada no design do calçado, o qual estaria de acordo com o desempenho

dos pés de diferentes pessoas em diferentes esportes. O conceito enfatizado

é o de desenvolvimento de calçados para os pés de qualquer pessoa,

inclusive dos grandes atletas, levando ao limite o conceito de segmentação

de mercado.

De acordo com a Adidas, a sensação de estar descalço é o melhor

atributo conhecido para melhorar o desempenho do calçado. Seguindo a

tecnologia “Feet You Wear”, a sola localizada no meio do calçado e a sola

externa são configuradas de maneira assimétrica, com o objetivo de estar de

acordo com a forma dos pés, considerando os contornos irregulares.

Seguindo esta perspectiva, a Nike desenvolveu o Nike Shox. Este é o

mais recente lançamento da fábrica americana, apresentando quatro colunas

na altura do calcanhar feitas com espuma usada na suspensão dos carros. A

evolução deste produto é uma experimentação que começou no início de

1984. A idéia era a criação de um tipo de tênis que pudesse ajudar o

consumidor a otimizar suas energias através do uso de um sistema de

suspensão de bom desempenho. O objetivo era criar um calçado que

possibilitasse uma combinação ótima de desempenho, proteção e conforto,

em especial atletas.

No caso da NIKE, os consumidores podem também participar da fase

de projeto dos produtos. Este novo programa, chamado NikeiD permite que

os consumidores façam pedidos de produtos personalizados e participem do

processo de inovação dos produtos. Eles podem optar por diversas cores e

por oito características do calçado. Ao final, é dada a possibilidade de

visualizar o modelo proposto. Desse modo, a empresa explora os limites

possíveis da segmentação de mercado. Essa tendência coloca desafios

importantes à indústria brasileira, uma vez que sua maior vantagem

competitiva está na produção em ambas as dimensões de qualidade e preço.

Entretanto, sua capacidade de design e de resposta rápida à demanda de

cada segmento é menor do que de alguns concorrentes externos, em

particular as empresas italianas e americanas.

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Outra tendência relevante no mercado de consumo, notadamente os

principais mercados internacionais, é a valorização de informações que

extrapolam o produto, referindo-se ao processo de produção ou

características das empresas produtoras. Nesse caso, a demanda por

calçados tem sido particularmente afetada por aspectos sociais e ambientais,

o que requer grande dedicação quanto à responsabilidade social e a práticas

seguras que não prejudiquem o meio ambiente. Por um problema de seleção

adversa5, práticas indesejáveis no processo de produção – como, por

exemplo, o trabalho infantil –de algumas empresas podem afetar a

competitividade da indústria de um país. Portanto, aqui está uma tendência

de mercado cuja resposta da cadeia produtiva exige um elevando grau de

coordenação.

Uma das estratégias de venda utilizadas pela empresa é o comércio

eletrônico. Para tanto, a Adidas, por exemplo, firmou um acordo global de

marketing com a empresa SportsLine.com e com sua subsidiária européia.

Os parceiros passaram a desenvolver atividades de marketing em eventos de

esportes reais e virtuais, e a criar outras “possibilidades de entretenimento”.

O acordo irá inicialmente ser usado nos Estados Unidos e Europa, passando

posteriormente a ser também utilizado na Ásia.

A Adidas também rompeu vários contratos de venda estabelecidos na

Europa, passando a vender seus produtos principalmente via Internet. Ainda,

a empresa criou suas próprias lojas online, chamadas “thestore.adidas.com”

nos Estados Unidos e “adidas.com/thestore” na Europa.

4. Ambiente Tecnológico e Organizacional

A cadeia produtiva de couro e calçados conta com diversas

associações de representação, a maior parte delas bastante atuantes. Trata-

se, a princípio, de uma vantagem do setor, uma vez que diversos bens

coletivos − como informações e esforços para disseminação de tecnologias −

5 Problema em que os produtos de qualidade superior (nesse caso, empresas que atendem os requisitos exigidos internacionalmente) são excluídos do mercado porque o consumidor é incapaz de distinguir entre os diversos níveis de qualidade, não remunerando, por conseqüência, os atributos de qualidade superior.

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podem ser disponibilizados às empresas. Nesse sentido, destaca-se o

número de publicações cobrindo aspectos variados do setor, como tecnologia

e negócios.

Adicionalmente, o Brasil conta com um conjunto considerável de

organizações de apoio à qualificação da mão-de-obra e ao desenvolvimento

tecnológico, o que é fundamental para a constituição de sistemas locais de

inovação. Essa característica da indústria de couro e derivados confere ao

setor a capacidade de atualização tecnológica, mesmo com a predominância

de pequenas empresas, que isoladamente não teriam condições de promover

a capacitação tecnológica necessária para o confronto com a concorrência

internacional. As principais organizações − como o CTC-Senai6, o CNTC-

Senai7 e o CTCCA8 − encontram-se no estado do Rio Grande do Sul, mas há

também organizações de apoio nos demais estados produtores,

freqüentemente junto às aglomerações industriais, como é o caso, dentre

outros, do IPT9, Senai-PB e o recém criado CTC-MS10. Essa convivência no

mesmo espaço facilita a interação e parcerias entre as organizações e

empresas, o que permite explorar as sinergias características da atividade

tecnológica.

É importante notar, entretanto, que esse ambiente propício à difusão

de tecnologia não se materializa em indicadores expressivos no que se refere

à inovação tecnológica, como depósitos de pedidos de patentes ou

certificados de averbação de contratos, registrados no INPI (Instituto Nacional

da Propriedade Industrial). A maior parte das averbações, que são em

número bastante reduzido, referem-se a uso de marca, nacionais e

importadas predominantemente junto à Itália e EUA. No caso das patentes,

na década de 90, foram registrados 665 pedidos de patente, com forte

predominância do setor de calçados, com 431 depósitos, seguido do setor de

máquinas e equipamentos, com 130 depósitos. Esses indicadores podem

6 Centro Tecnológico do Couro - Senai 7 Centro Nacional de Tecnologia de Calçados - Senai 8 Centro Tecnológico de Couro, Calçados e Afins 9 Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo 10 Centro de Tecnologia do Couro de Mato Grosso do Sul

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refletir a falta de cultura no setor, quanto à utilização do Sistema de

Propriedade Industrial, tendo em vista que, não necessariamente refletem

uma baixa atividade tecnológica, uma vez que, as empresas podem

compartilhar uma estrutura de desenvolvimento tecnológico por meio dos

centros existentes.

Os indicadores insuficientes de atividade tecnológica, entretanto,

encontram amparo no modo de organização do setor. Em aglomerações

industriais é comum a ocorrência de ações coletivas voltadas à incorporação

de novas tecnologias. Nesse caso, os ganhos de uma proteção privada aos

frutos da atividade tecnológica são menores, o que poderia explicar índices

inferiores de patentes. Além disso, o tipo de atividade tecnológica em um

setor tradicional, como o calçadista, não protegido com facilidade por meio

deste instrumento. Inovações organizacionais e de design ocupam um

espaço importante das atividades tecnológicas no setor de calçados, mas não

utilizam com freqüência o mecanismo de patentes para a sua proteção. Há

evidências, por outro lado, de subutilização das unidades de apoio ao

desenvolvimento tecnológico nas aglomerações industriais de calçados, o

que revela uma baixa atividade tecnológica de fato.

5. Caracterização dos segmentos da cadeia produtiva no Brasil

A seguir, cada segmento da cadeia produtiva é descrito com maior

detalhe, com o objetivo de fornecer as bases para a análise de sua

competitividade. Obedecendo como critério de ordenação a proximidade do

consumo final, parte-se da descrição da indústria de calçados, seguida das

indústrias correlatas e relevantes para a compreensão da competitividade da

cadeia. Entre estas, o estudo destaca a indústria de máquinas e

equipamentos para couro, calçados e afins, a indústria de componentes, a

indústria de curtumes e, com menor profundidade, apresenta aspectos da

indústria frigorífica e da pecuária de corte relevantes à competitividade da

cadeia.

5.1. Calçados

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Histórico

De acordo com Alves (1991) a indústria de calçados brasileira, em

especial em seu segmento de couro, apesar de ser considerada econômica e

tecnologicamente madura nos dias atuais, passou por um processo de

modernização significativo durante a década de setenta, período em que sua

participação no comércio internacional foi intensificada, além do crescimento

da produção.

Nesse sentido, foi observada a introdução de novos materiais

(sintéticos) e ainda mudanças nas linhas de montagem e utilização intensiva

de métodos de racionalização. Tais transformações ocasionaram a

diminuição do hiato tecnológico entre a indústria brasileira e suas

correspondentes localizadas em países desenvolvidos.

O crescimento das exportações gerou o estabelecimento de novos

padrões de qualidade e organizacionais para a indústria local e ainda

intensificou a importância em se acompanhar as transformações da indústria

internacionalmente, com o objetivo principal de se posicionar no novo

ambiente de competição mundial.

Por sua vez, o crescimento da produção tornou possível a ampliação

do parque das indústrias fornecedoras de materiais, componentes e

equipamentos, que passou a contar também com a instalação de empresas

multinacionais, ocasionando assim uma maior especialização na produção

desses insumos.

Panorama Internacional da Industria de Calçados

Desde o início da década de oitenta, a indústria mundial de calçados

tem desenvolvido uma reformulação nos seus processos de produção e

organização do trabalho. A partir deste novo cenário, os principais países

produtores passaram a reforçar a importância da utilização de recursos de

microeletrônica e informática com o objetivo de se alcançar um grau mais

elevado de automatização em máquinas e equipamentos, destacando pois a

utilização do sistema CAD/CAM no setor de modelagem técnica e

desenvolvimento do produto.

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Outra tendência marcante foi a combinação da produção em dois ou

mais países como meio de reduzir custos. Essa produção compartilhada é

baseada na confecção de partes, ou até de todo o cabedal, em países com

baixos custos de fabricação − como Portugal, Turquia e Índia, entre outros −

e na preservação de atividades de desing e marketing nos países com

maiores competências adquiridas nessas atividades.

Como conseqüência, a atividade de Pesquisa e Desenvolvimento

(P&D), em geral, prevalece em países desenvolvidos, onde há grandes

institutos de pesquisa, destacando-se os centros localizados na França,

Alemanha, Espanha, Inglaterra e Itália. Nestes e nos demais centros têm sido

desenvolvidos projetos na área de automação, principalmente ligados a

atividade de modelagem técnica por computadores, corte automático para

couro através da utilização do laser e/ ou jatos d’água e ainda fábricas-piloto

com linha de montagem inteiramente automatizada contando com operações

semi-robotizadas.

Deve ser ressaltado, porém, que, apesar deste processo de

reestruturação industrial ter induzido alterações relevantes nos processos

organizacionais e produtivos, ainda não foi possível eliminar a principal

característica da indústria mundial de calçados, que é o uso intensivo de

mão-de-obra.

Após estas considerações iniciais enfocando o processo de

reestruturação industrial iniciado na década de oitenta, torna-se então

interessante a análise do mercado mundial de calçados, enfocando pois a

década de noventa. Primeiramente, o que pode ser observado durante esta

década foi o crescimento da produção mundial de calçados a taxas

relativamente altas. Tal crescimento, considerado estável e elevado, foi

influenciado principalmente pela alta produção chinesa, que entre 1993 e

1998 sofreu um aumento de 78%, seguida pela produção indiana e mexicana,

que sofreram aumentos de 66% e 56% respectivamente. Tais valores

reforçam sua magnitude e impacto quando comparados com a elevação

observada na produção mundial de calçados, que cresceu 10%.

No mesmo período, a produção de calçados européia decresceu e na

América Latina manteve-se praticamente estagnada, não sendo negativa

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devido a produção realizada no México, uma vez que entre os anos de 1993

e 1998 foram observados recuos de produção na Argentina (15%), Chile

(33%), Colômbia (8%) Venezuela (7,5%) e Brasil (1,7%).

A tabela que se segue apresenta dados sobre a produção mundial de

calçados no ano de 1998. Aqui, além da produção mundial, encontram-se

também definidos o volume de consumo, exportações e importações.

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Tabela 1: Mercado Mundial de Calçados – 1998 (Em milhões de Pares) País Produção % País Importação % País Exportação % País Consumo %

China 5.520 50,3 EUA 1.476,6 27,8 China 3.086,1 49,7 China 2.436,5 24,14

Índia 685 6,2 Hong Kong 1.055,5 19,8 Hong Kong 1.025,5 16,5 EUA 1.605,8 15,91

Brasil 516 4,7 Japão 348,7 6,6 Itália 381,8 6,2 Índia 352,7 6,47

Itália 424,9 3,9 Alemanha 325,3 6,1 Vietnã 185,5 3,0 Japão 515,3 5,11

Indonésia 316,3 2,9 Reino Unido 260,3 4,9 Indonésia 172,7 2,8 Brasil 414 4,1

Turquia 276,7 2,5 França 252 4,7 Espanha 150,4 2,4 França 323,5 3,2

México 270 2,5 Itália 162,3 3,1 Brasil 131 2,1 Alemanha 309,1 3,06

Tailândia 260 2,4 Espanha 59,7 1,1 Tailândia 128,9 2,1 Reino Unido 306,1 3,03

Paquistão 226,8 2,1 Brasil 29 0,5 Portugal 93,3 1,5 México 243 2,41

Espanha 220,8 2,0 Chile 24,8 0,5 Turquia 63,9 1,0 Turquia 223,4 2,21

Vietnã 212,7 1,9 Portugal 24,4 0,5 Coréia do Sul 61,6 1,0 Paquistão 218,5 2,16

Coréia do Sul 171 1,6 Argentina 21,4 0,4 Alemanha 57,7 0,9 Itália 205,4 2,03

Japão 170 1,5 Filipinas 21,1 0,4 França 54 0,9 Filipinas 156 1,55

EUA 165,1 1,5 México 12 0,2 México 39 0,6 Indonésia 144,6 1,43

Filipinas 153,5 1,4 Colômbia 11,7 0,2 Reino Unido 37 0,6 Tailândia 132,3 1,31

França 125,5 1,1 Turquia 10,6 0,2 EUA 35,9 0,6 Espanha 130,1 1,29

Portugal 104 0,9 Coréia do Sul 10,2 0,2 Índia 32,4 0,5 Coréia do Sul 119,6 1,18

Reino Unido 82,8 0,8 Vietnã 3,8 0,1 Filipinas 18,6 0,3 Argentina 97,4 0,96

Argentina 80 0,7 China 2,6 0,0 Paquistão 9 0,1 Colômbia 69,3 0,69

Colômbia 60 0,5 Tailândia 1,2 0,0 Argentina 4 0,1 Chile 43,3 0,43

Alemanha 41,5 0,4 Indonésia 1 0,0 Japão 3,4 0,1 Portugal 35,4 0,35

Venezuela 25 0,2 Paquistão 0,7 0,0 Colômbia 2,4 0,04 Hong Kong 34 0,34

Chile 20,9 0,2 Venezuela 0,4 0,01 Chile 2,4 0,04 Vietnã 31 0,31

Hong Kong 4 0,0 Índia 0,1 0,0 Venezuela 0,1 0,002 Venezuela 25,3 0,25

Outros 846,1 7,7 Outros 1.205,2 22,7 Outros 428,6 6,91 Outros 1.622,4 16,07

Fonte: Abicalçados e Satra; elaboração BNDES

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A produção mundial, que foi de 10.979 milhões de pares, tem na China o

seu principal ator, sendo responsável por 50% da produção total, o que

representa 5.520 milhões de pares. Em seguida destacam-se os seguintes

países: Índia (6% - 685 milhões de pares), Brasil (5% - 516 milhões de pares),

Itália (4% - 425 milhões de pares) e Indonésia (3% - 316 milhões de pares). O

consumo mundial foi de 10.094 milhões de pares, em que a China também

ocupa posição de liderança através de uma participação igual a 24%, seguida

então pelos Estados Unidos (16%), Índia (6,5%) Japão (5%) e Brasil (4%).

Já quanto à participação no mercado, os principais países exportadores

são: China (50%), Hong Kong (16,5%), Itália (6,2%), Vietnã (3%) e Indonésia

(2,8%). Por sua vez o Brasil ocupa a sétima posição entre os maiores

exportadores, participando com 2,1% das exportações mundiais. Finalmente

quanto às importações que totalizaram 5.321 milhões de pares, a posição de

líder importador é ocupada pelos Estados Unidos, para onde se destinam 28%

das importações totais. Entre os demais importadores estão: Hong Kong (20%),

Japão (7%), Alemanha (6%) e Reino Unido (5%).

Após a consideração deste quadro mundial sobre a produção de

calçados, torna-se importante uma avaliação mais detalhada sobre a posição

ocupada pela produção brasileira, destacando seus entraves e oportunidades

entre outros aspectos, além das maiores empresas produtoras.

Características gerais e desempenho recente

A indústria brasileira de calçados é formada por 6.346

estabelecimentos, responsáveis pelo emprego formal de 211.582 pessoas,

segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, relativos a 1999. Dada a

presença de microempresas, com intensiva utilização de trabalho familiar, e a

terceirização de atividades do processo produtivo, pode-se dizer que o total de

postos de trabalho diretos na indústria calçadista supera consideravelmente

esse montante, uma vez que os dados da RAIS-MTE restringem-se aos

trabalhadores com carteira assinada. A capacidade produtiva da indústria de

calçado é estimada em cerca de 600 milhões de pares calçados/ano, dos quais

70% são destinados ao mercado interno e 30% à exportação. Vale notar que a

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demanda nacional é atendida quase que na totalidade pelos produtores locais,

com pequeno volume de importações, cujo pico, no período de valorização do

real, atingiu US$ 200 milhões.

Embora esteja presente em praticamente todos os Estados, com

preponderância (mais de 1.000 empregados) em doze deles, destacam-se o

Rio Grande do Sul – que concentra cerca de 40% da produção nacional de

calçados e 80% das exportações totais – e São Paulo. Os Estados de Minas

Gerais, Ceará, Paraíba, Bahia e Santa Catarina também apresentam uma

importante produção de calçados.

No contexto mundial, a indústria brasileira ocupa posição de destaque: é

a 4ª maior produtora e o 5ª maior mercado consumidor (Tabela 2). Sua

importância nas exportações é maior do que sugere a tabela abaixo, em

decorrência do fato de Hong Kong ser efetivamente um re-exportador de

calçados. Estima-se que o Brasil seja o quinto maior exportador, com

perspectivas de disputar a terceira colocação.

Tabela 2 Números do mercado mundial (1999)

(em milhões de pares)

Produtores Exportadores Consumidores País Quantidade País Quantidade País Quantidade

China 5.930 China 3.426 China 2.506 India 700 Hong Kong 970 EUA 1.727 Indonésia 507 Itália 347 Índia 657 Brasil 499 Vietnã 221 Japão 557 Itália 318 Indonésia 217 Brasil 375

Fonte: SATRA

As exportações da indústria de calçados destacam-se na pauta de

exportação brasileira, correspondendo, em 2000, a 2,94% do total das

exportações e 5% do total das exportações de manufaturados. Com esse

desempenho, o setor ocupou a quarta posição nas exportações de produtos

manufaturados. No ano anterior, 1999, o setor ocupava a segunda posição,

atrás apenas das exportações de aviões. A participação do setor no total das

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18

exportações de manufaturados era ainda mais relevante ao longo da década

de 80 e início de 90, oscilando entre 6% e 8% do total, o que lhe conferia a

primeira colocação nas exportações desse grupo de produtos. Contudo, a partir

da edição do Plano Real, essa participação sofreu sensível queda,

notadamente em função da política cambial adotada no País, combinada com o

acirramento da concorrência imposta no mercado internacional pelos

produtores asiáticos. Após a desvalorização do real e um período de

reconquista de clientes externos, a indústria calçadista brasileira volta a ampliar

sua participação na pauta de exportações.

Em que pese um desempenho favorável no número de pares vendidos,

o valor das exportações cresceu significativamente nos últimos 20 anos como

decorrência do aumento do valor médio dos calçados exportados, o que

perdurou até 1997.

Esse posicionamento construído ao longo da década de 80 até os

meados da década de 90 encontra-se ameaçado por duas mudanças no

mercado internacional: a) a China passa a oferecer calçados de maior

qualidade, concorrendo diretamente com os calçados brasileiros em seu

principal mercado, os EUA; e b) o processo de terceirização da indústria

italiana, passando a utilizar os baixos custos de mão-de-obra em países do

leste europeu. Em conseqüência dessa concorrência, houve uma interrupção

do crescimento do valor médio do par exportado, tendo havido até uma

pequena retração, entre 1997 e 1998, antes da desvalorização cambial, o que

indica uma reação positiva da indústria brasileira, capaz de reduzir preços,

frente ao ambiente de forte concorrência do mercado externo. Após a

desvalorização do real em 1999, a queda do preço em dólar foi mais

acentuada, como resultado de intensas negociações com clientes externos

(Gráfico 1). No ano 2000, em um ambiente mais estável, foi possível uma

pequena recuperação no nível de preços.

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Gráfico 1 Evolução dos Preços de Exportação do Calçado Brasileiro (US$/Par)

Fonte: SECEX/DECEX

Com a abertura de mercado e valorização do real entre 1994 e 1998, o

padrão de concorrência do mercado internacional transferiu-se, em alguma

medida, para o mercado interno, que passou a receber produtos provenientes

do sudeste asiático. Essa mudança na concorrência interna promoveu

alterações na estrutura produtiva de calçados, estando especialmente

pressionada a produção de bens de qualidade inferior, que competiam

diretamente com os baixos preços dos produtos importados, particularmente no

segmento de tênis. Nesse processo de restruturação, pode-se destacar como

principais alterações na indústria, a) a redução do número de empresas; e b) a

relocalização dos estabelecimentos na busca de menores custos da mão-de-

obra, assim como pelo apoio de políticas de desenvolvimento regional.

As exportações de calçados são historicamente concentradas em

poucos mercados consumidores, com destaque para os Estados Unidos da

América, secundados de longe por alguns países da Europa - Reino Unido,

Alemanha e Países Baixos -, pelo Canadá e, mais recentemente, por alguns

vizinhos da América Latina, especialmente Argentina, Bolívia, Paraguai, Chile e

Uruguai (Tabela 3). Essa característica torna a indústria brasileira mais

vulnerável às flutuações econômicas de uma única economia, no caso a

americana. Esse problema torna-se mais evidente em um contexto de

desaceleração da economia americana, como o ocorrido em 2001.

Essa vulnerabilidade externa da indústria de calçados não decorre de

uma característica intrínseca deste mercado, mas do relativo pouco

9,638,84

15,9316,4815,97

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

1996 1997 1998 1999 2000

Ano

Pre

ço

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desenvolvimento de funções gerenciais relevantes no Brasil. Uma vez que as

atividades de design e de gerenciamento de marca são atrofiadas na indústria

brasileira, a colocação do produto depende dos interesses daqueles que

desempenham essas funções. De um modo geral, a produção brasileira recorre

às competências americanas e italianas para essas atividades, o que explica o

viés de exportação para o primeiro país, em calçados, e o viés de cópia dos

padrões impostos pelo segundo.

Tabela 3 Exportações brasileiras de calçados por destino (2000)

Países Valor

(milhões US$) % Pares

(milhões) Preço médio (US$/pares)

EUA 1.081 66,85 101 10,7 Argentina 129 7,98 23 5,61 Reino Unido 111 6,86 8 13,88 Alemanha 35 2,16 7 5 Canadá 34 2,1 4 8,5 Chile 22 1,36 3 7,33 Paraguai 21 1,3 8 2,63 Bolívia 18 1,11 3 6 Países Baixos 16 0,99 2 8 Uruguai 13 0,8 2 6,5 Outros 137 8,47 27 5,07

TOTAL (102 países) 1.617 100 188 8,6

Fonte: Secex/MDIC

A participação brasileira no valor total importado pelos Estados Unidos

vem caindo expressivamente nos últimos anos. Assim, de uma participação,

em média, de 11% no período de 1990 a 1993, o calçado brasileiro caiu para

menos de 7% em 1998, enquanto que, no mesmo período, o mercado cresceu

cerca de 50%. Nesse mesmo intervalo, os embarques da China, por exemplo,

subiram de 16% para 60% do total importado. A Tabela 4 apresenta a

participação dos diversos países exportadores nas importações de calçados

americanas, assim como o preço médio por par. Pode-se perceber que a

participação da China, no volume importado em pares, é de aproximadamente

80%. Este montante resulta em 60% do valor importando por conta do menor

preço médio obtido pelo calçado chinês.

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Tabela 4 Estados Unidos da América: importações de calçados por origem

País Exportador

Valor US$ milhões

(1998) %

Pares milhões (1998)

Preço médio US$

(1998)

Pares milhões (1999)

China 9.315 60 1.247 7,47 1.367 Itália 1.158 8 49 23,63 46 Indonésia 1.068 7 103 10,37 79 Brasil 1.020 7 83 12,29 85 Tailândia 477 3 38 12,55 27 Espanha 387 3 23 16,83 19 México 263 2 42 6,26 37 Coréia do Sul 234 2 16 14,63 - Reino Unido 231 1 7 33,00 - Taiwan 176 1 17 10,35 - Outros 1.073 7 79 13,58 - Total 15.402 100 1.704 9,04 - Fonte: Departamento de Comércio dos EUA e SATRA

O Brasil é reconhecido como exportador de calçados de couro para

passeio, preponderantemente para o segmento feminino, embora ocorram

embarques de outros tipos, em menor volume (Tabela 5). É importante notar

que este segmento que o Brasil mais se destaca é também aquele que

apresenta maior preço médio por par exportado.

Tabela 5 Brasil: exportações de calçados por tipo (2000)

Tipo Valor Pares Preço médio NCM (mil US$)

% (Mil) (US$/ pares)

6403.99.00 Couro Natural 1.019.958 66,41 98.945 10,31 6403.91.00 Cobre tornozelo 225.586 14,69 12.059 18,71 6403.59.00 Outros couros 77.762 5,06 4.808 16,17 6404.20.00 Matéria Têxtil 7.066 0,46 581 12,16 6402.99.00 Borracha/Plástico 93.031 6,06 15.016 6,20 6402.20.00 Sandálias/Tiras 32.243 2,10 11.228 2,87 6404.19.00 Matéria Têxtil 45.388 2,96 5.379 8,44 6401.99.00 Borracha s/ costura 9.926 0,65 7.226 1,37 Demais 24.843 1,62 6.027 4,12 6401 a 6405 1.535.803 100 161.269 9,52 6406 Partes de calçados 70.451 4,59 25.143 2,80 64 TOTAL 1.606.254 186.412 8,62 Fonte: MDIC/SECEX

Outra característica marcante do setor é a elevada concentração dos

embarques em um pequeno número de empresas e, por outro lado, o elevado

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número de pequenas e médias empresas que operam no mercado

internacional (Tabela 6). Nesse sentido, é digno de nota que aproximadamente

200 empresas exportaram menos de 10 mil dólares em 2000. Quando os

dados de concentração das exportações são comparados com anos anteriores,

pode-se observar um aumento da participação da faixa de 100 mil a 1 milhão

de dólares, que passou de 189 empresas, em 1996, para 225 empresas, em

2000. Em contraposição, houve decréscimo da participação da faixa de 10 a 25

milhões de dólares. Também é importante notar que mais empresas passaram

a exportar no período recente. Enquanto em 1996, 700 empresas exportaram

calçados, em 2000 este número subiu para 821 empresas.

Tabela 6 Brasil: Distribuição das Exportações de Calçados por Empresas e Faixa

de Embarque (2000) 1996 2000 Faixa de Embarques Número de empresas % US$ milhões %

Mais de US$ 50 milhões 6 6 0,7 453 28,0 US$ 25 milhões a US$ 50 milhões 10 12 1,5 408 25,2 US$ 10 milhões a US$ 25 milhões 27 17 2,1 250 15,5 US$ 5 milhões a US$ 10 milhões 26 29 3,5 208 12,9 US$ 1 milhão a US$ 5 milhões 93 83 10,1 202 12,5 US$ 100 mil a US$ 1 milhão 189 225 27,4 86 5,3 US$ 50 mil a US$ 100 mil 72 75 9,1 5 0,3 US$ 25 mil a US$ 50 mil 81 85 10,4 3 0,2 US$ 10 mil a US$ 25 mil 76 90 11,0 2 0,1 Menor do que US$ 10 mil 120 199 24,2 1 0,1 TOTAL 700 821 100,0 1617 100,0

Fonte: SECEX/DECEX Nota: (1) inclui produtos da posiçãp 6406 (partes de calçados)

Condicionantes da competitividade

A capacidade produtiva da indústria de calçados brasileira é estimada

em cerca de 600 milhões de pares de calçados/ano. Deste total, cerca de 70%

são destinados ao mercado interno e 30% à exportação. Assim, a demanda

nacional é quase que totalmente atendida pela produção doméstica,

prevalecendo um pequeno volume de importações, em especial no segmento

de tênis.

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Apesar de estarem presentes em praticamente todos os estados

nacionais, as empresas calçadistas se destacam em duas regiões: Vale dos

Sinos (RS) e Franca (SP). Apenas a primeira região concentra cerca de 40%

da produção de calçados e 80% das exportações totais, enquanto que a região

de Franca é responsável por cerca de 6% da produção nacional e 3% do

volume exportado.

Mesmo em se tratando de um setor bastante pulverizado, há empresas

que se destacam na geração de emprego direto, como a Grendene e a Azaléia

(Tabela 7). Mais importante, essas empresas comandam processos que afetam

empresas de menor porte, como a terceirização da produção ou a

determinação das principais estratégias tecnológicas, subseqüentemente

imitadas pelas empresas menores.

Tabela 7 Relação das Principais Empresas de Couro e Calçados no Brasil

Estado Indústria Empresa Número de Empregados

Ceará Calçados Grendene Ne 14.500

Bahia e Rio Grande do Sul Calçados Azaléia 13.821

Ceará Calçados Dakota NE 4.586

Ceará Calçados Vulcabrás 2.240

São Paulo Calçados/ Curtume Agabê 1.200

São Paulo Calçados Sândalo 735

São Paulo Calçados Samello 640

São Paulo Calçados Fremar 510

São Paulo Calçados Democrata 499

São Paulo Calçados Free Way 350

São Paulo Calçados Pé de Ferro 214

São Paulo Calçados Jacometti 198

São Paulo Calçados Netto 197

São Paulo Calçados Ferracini 195

São Paulo Calçados TWA 110

São Paulo Calçados Medieval 91

São Paulo Calçados Galvani 84

São Paulo Calçados Aluete 72

São Paulo Calçados Opananken 63

Fonte: Sindicato da Indústria Calçadista de Franca apud Andrade e Corrêa, 2001.

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A análise da tabela permite algumas considerações importantes

principalmente quanto ao tamanho das empresas: este grupo de 19 empresas

apresentadas na tabela representa cerca de 0,3% do total de empresa

pertencentes ao setor calçadista, da ordem de 6.000 empresas. Conforme

pode ser observado na tabela, estas 19 empresas empregam formalmente

cerca 40.000 empregados, ou seja, 20% do total estimado para o setor, que é

da ordem de 200.000.

Decorre diretamente dessa relação que as empresas restantes (99.7%)

são responsáveis pelo emprego de 80% do total de empregados.

Considerando, o número restante de empresas, excluindo estas 19

apresentadas nesta tabela, estas seriam responsáveis pelo emprego de

160.000 empregados, o que revela uma média aproximada de 27 funcionários

por empresa. Esta conclusão reforça a forte presença de microempresas no

setor calçadista. Isso não retira a importância das maiores empresas, que

freqüentemente coordenam redes de produção das quais fazem parte as

empresas menores. Entender a indústria de calçados, portanto, é entender

esse modo de organização em redes, em que grandes e pequenas empresas

se articulam, em geral em uma configuração regionalmente definida.

Pode ser também verificado que as cinco primeiras empresas

classificadas empregam cerca de 90% do total de empregados formais

calculado para este total de 19 empresas, ou seja, de um total de 40.305 mil

empregados distribuídos entre as 19 empresas, 36.347 encontram-se

empregados entre as empresas: Grendene, Azaléia, Dakota NE, Vulcabrás e

Agabê

Distribuição espacial da produção

No setor de calçados, as empresas são regionalmente aglomeradas em

algumas cidades, que caracterizam pólos de produção. A aglomeração permite

a geração de mão-de-obra qualificada via learning by doing ou mesmo via

treinamento formal em escolas do SENAI, como é o caso do Rio Grande do Sul

(Vale dos Sinos) e de São Paulo (particularmente em Franca). Outros estados

que apresentam pólos de produção são Minas Gerais, Santa Catarina, Ceará,

Paraíba e Bahia. Nestes três últimos estados, entretanto, os pólos de produção

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não constituem aglomerações industriais, uma vez que as regiões produtoras

freqüentemente contêm apenas uma ou poucas empresas de grande porte.

Diferentemente do caso dos calçados, a produção de artigos de couro é

mais dispersa, concentrando-se mais perto dos principais mercados

consumidores: Rio de Janeiro e São Paulo. Essa característica da distribuição

espacial da produção é um dos fatores que explica a maior competitividade do

segmento de calçados frente ao de artigos de couro, evidente no desempenho

exportador de cada segmento.

Segundo Garcia (2001), as exportações de calçados estão fortemente

concentradas no Rio Grande do Sul, responsável por cerca de 80% do volume

total exportado, o que reforça afirmação anterior. Em segundo lugar, ocupando

uma posição notadamente inferior, encontra-se o Estado de São Paulo,

responsável por cerca de 8% das exportações. O autor ressalta ainda que o

estado do Rio Grande do Sul é o maior empregador de mão-de-obra e produtor

de calçados do Brasil. A seguir, tem-se uma tabela que retrata as origens das

exportações brasileiras:

Tabela 7 Origem, por unidade da federação, das exportações brasileiras de

calçados - 1999 Unidade da Federação Valor (US$ milhões) %

Rio Grande do Sul 1.112 82,88 São Paulo 113 8,44 Ceará 72 5,34 Paraíba 16 1,22 Santa Catarina 16 1,16 Outras 13 0,97 Total 1.342 100

Fonte: Secex apud Garcia (2001), p. 95

De acordo com Garcia (2001), entre as empresas do setor calçadista,

houve uma clara tendência de relocalização de unidades produtivas para a

região Nordeste do país, especialmente para os estados do Ceará e Bahia. A

Tabela 8 apresenta dados que comprovam esta tendência para o período entre

1986 e 1996.

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Tabela 8 Distribuição Regional do Emprego na Indústria Calçadista

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Total

1986 0,0 2,9 40,6 55,8 0,7 271.065 1988 0,0 1,9 35,0 62,8 0,4 257.028 1990 0,0 3,2 38,2 58,1 0,5 226.634 1992 0,0 4,0 35,1 60,3 0,5 236.403 1994 0,0 5,5 37,0 56,6 0,8 240.585 1996 0,0 9,7 29,8 59,8 0,6 202.768

Fonte: RAIS/MTB apud Garcia, 2001, p.97.

Pode-se notar que, somente entre os anos de 1990 a 1996, houve um

aumento de 200% no total de empregos gerados pela indústria calçadista no

Nordeste. O autor destaca o estado do Ceará, que ao longo deste mesmo

período apresentou um crescimento expressivo na sua participação no

emprego do setor, que passou de 0,7% do total da mão-de-obra empregada

para 6,3% no ano de 1997. Essa tendência, como é apontado mais à frente

nesta seção, acentuou-se ao final da década de 90, com alteração substantiva

da relocalização do emprego no setor calçadista.

As empresas que passaram a estabelecer unidades fabris na região

Nordeste têm buscado estabelecer linhas de produtos complementares às

existentes nas regiões tradicionais, geralmente através da produção de

calçados de menor valor agregado e destinados principalmente ao mercado

interno.

A seguir, tem-se um quadro com a identificação das principais empresas

que se estabeleceram no Nordeste nos últimos anos:

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Quadro 1 Algumas empresas de calçados que estabeleceram unidades produtivas

na região Nordeste do Brasil: Ceará Bahia Paquetá, Dakota, Grendene, Vulcabrás, Musa Calçados, HB Betarello, Democrata, Aniger, Dilly

Diadora (Paquetá), Dilly, Picadilly, Reichert, Reifer (subsidiária da Reichert), Schmidt, Bottero, Andreza, Maide (em parceria com a Henrich), Ibi, Via Uno, Trevo, Leve, Kidery, Azaléia, Bibi, Ramarin, Klin, Bical, Ortopé (também na Paraíba), Bison, Daiby, Vadimello (em parceria com a Turin, fornecedora de componentes), Irwin, Cambuci.

Fonte: Gorini e Siqueira apud Garcia, 2001, p.97.

O principal objetivo das empresas que têm estabelecido unidades

industriais, principalmente na região Nordeste, é a busca por menores custos

de produção. Segundo Azevedo & Toneto (2001), esta redução de custos se dá

em várias frentes. A primeira delas refere-se aos custos do trabalho, ou seja,

aos provenientes do pagamento dos salários aos trabalhadores. Na região

Nordeste estes custos são significativamente mais reduzidos que os custos

verificados nas regiões tradicionais. Considerando-se apenas o estado do

Ceará, verificou-se que 88% dos trabalhadores da indústria calçadista tinham

uma renda média inferior a dois salários mínimos, enquanto que nos estados

de São Paulo e Rio Grande do Sul este percentual passava para 29% e 34%,

respectivamente. Esta disparidade entre os salários entre as regiões brasileiras

pode ser evidenciada através da consideração da Tabela 9. Por outro lado,

esses dados também revelam que não é somente o nível de salários que

explicam as estratégias de relocalização. Estados como Piauí apresentam

salários ainda mais baixos, não sendo, porém, capazes de atrair as empresas

de calçados. Como será visto a seguir, os incentivos fiscais tiveram papel

central nesse processo de relocalização.

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Tabela 9 Salários pagos na indústria calçadista brasileira – estados selecionados

(Média Brasileira = 1)

Estados 1986 1998

Piauí 0,43 0,49 Ceará 0,60 0,76 Paraíba 0,65 0,81 Pernambuco 0,95 1,22 Bahia 0,54 0,63 Minas Gerais 0,73 0,71 Rio de Janeiro 0,80 1,15 São Paulo 1,09 1,13 Paraná 0,68 0,75 Santa Catarina 0,67 0,73 Rio Grande do Sul 1,05 1,08 Goiás 0,52 0,55 Fonte: Azevedo e Toneto (2001: 167)

As empresas têm também se utilizado de formas de precarização das

relações de trabalho, como o trabalho a domicílio e as chamadas

“cooperativas” de trabalho, como caminhos alternativos de reduzir os custos de

produção. Estas práticas não são comuns apenas nas regiões Nordeste, mas

também são verificadas nas regiões produtoras tradicionais. Aqui destacam-se

os “ateliês” de costura no Vale dos Sinos e das “bancas” de pesponto em

Franca.

A segunda frente de redução dos custos de produção é explicada pelo

fato de que as empresas que têm se instalado na região Nordeste contam com

diversos benefícios fiscais, através da concessão de incentivos dos governos

estaduais, e creditícios, especialmente por meio de recursos da SUDENE –

Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste. As vantagens de custo

que uma empresa obtém para produzir na região Nordeste podem ser

avaliadas em torno de 16%, em relação à região do Vale dos Sinos (Costa e

Flingespan, 1997, apud Garcia, 2001: 98).

As regiões Sul e Sudeste, entretanto, não deixaram de ter uma

participação importante na produção e na geração de emprego no setor.

Especialmente no caso da região Sudeste, esta participação vem sofrendo

reduções graduais. Além disso, as empresas que têm estabelecido unidades

fabris na região Nordeste transferiram para esta região apenas parte do

processo produtivo, mantendo nas regiões tradicionais a produção de linhas de

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produtos mais sofisticados. Somando-se a este fato, outras atividades

relacionadas com o processo de produção – como o gerenciamento da

atividade produtiva, a concepção e atividades de design dos calçados e de

desenvolvimento de produtos – também têm sido mantidas nas regiões

tradicionais. Desta maneira, as regiões tradicionais apresentam elevada

importância para a indústria calçadista, uma vez que o locus da acumulação

industrial não foi deslocado.

Os dados da RAIS-MTE (Tabela 10) revelam importantes características

do movimento de relocalização, como a perda de participação do Rio Grande

do Sul e São Paulo − embora ainda liderem folgadamente a lista dos principais

empregadores. Os setores mais sujeitos à relocalização são os de calçados de

plástico e de outros materiais, nos quais as vantagens comparativas dos pólos

do Vale dos Sinos e de Franca são menores. Além disso, a relocalização tem

sido mais adotada pelas grandes empresas, o que implicou um maior tamanho

médio de empresas nos estados do Nordeste. Portanto, há sinais de que os

novos pólos de produção são bastante diferentes dos antigos, seja em perfil de

produto, seja em perfil de empresa.

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Tabela 10 Brasil: Número de empregos segundo segmentos da indústria de

calçados e estabelecimentos por Unidade da Federação - 1999 No de empregos formais nos ramos da ind. de calçados

Couro Tênis Plástico Outros Materiais Total

% no emprego

Estabeleci-mentos

Nº médio empregados por estabelecimento

Rio Grande do Sul

97.006 2.524 905 7.199 107.634 51,62 2.119 50,79

São Paulo 22.850 6.556 3.104 8.556 41.066 19,69 1.899 21,63 Ceará 8.864 22 10.864 1.234 20.984 10,06 162 129,53

Minas Gerais 6.231 3.414 117 3.981 13.743 6,59 1.166 11,79 Paraíba 1.047 1.611 94 4.949 7.701 3,69 85 90,60 Santa Catarina

2.839 6 0 373 3.218 1,54 226 14,24

Pernambuco 402 0 32 1.876 2.310 1,11 32 72,19 Bahia 4.728 30 47 160 4.965 2,38 71 69,93 Espírito Santo

373 486 0 574 1.433 0,69 37 38,73

Paraná 853 12 5 293 1.163 0,56 159 7,31 Rio de Janeiro

369 11 5 651 1.036 0,50 88 11,77

Rio Grande do Norte

1.282 0 16 3 1.301 0,62 15 86,73

Goiás 632 0 4 119 755 0,36 112 6,74 Sergipe 710 0 0 0 710 0,34 9 78,89 Outros 294 26 133 38 491 0,24 73 6,73 Total 148.480 14.698 15.326 30.006 208.510 100,0 6.253 33,35

Fonte: RAIS-MTE

Há duas possíveis explicações para essa diferente configuração da

indústria nordestina. De um lado, as grandes empresas mostram-se mais

sensíveis às políticas de incentivo fiscal − o principal motivo para explicar a

relocalização das empresas. Essa relação sustenta-se em dois argumentos

não-mutuamente excludentes. Primeiro, a obtenção de incentivos fiscais

depende de domínio de informação relevante e capacidade de negociação,

elementos fortemente sujeitos a economias de escala. Segundo, grandes

empreendimentos são proporcionalmente mais visíveis, de tal modo que a

renúncia fiscal para atrair uma grande empresa pode traduzir-se em um maior

número de votos ao governante. Como conseqüência, estes têm mais

interesses em conceder favores fiscais a empresas de maior porte. Assim

explica-se por que o perfil das empresas operantes no NE, região que tem

implementado políticas regionais de atração de investimentos no setor

calçadista, é de grande porte.

De outro lado, a maior presença de calçados de plásticos e de outros

materiais decorre da importância da formação de aglomerações de empresas

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para a competitividade do segmento de calçados de couro. Os pólos de

produção do Nordeste não constituem aglomerações como os do Sul e

Sudeste, não constituindo propriamente aglomerações de empresas correlatas.

Como conseqüência, há uma desvantagem relativa da região no segmento de

calçados de couro, principalmente pela menor disponibilidade de couro

acabado em just in time e relações com as indústrias de máquinas e

componentes. Esse problema não é da mesma magnitude no segmento de

outros materiais, beneficiando-se a região do NE da presença do pólo

petroquímico de Camaçari. É possível prever o cenário de aumento da

produção de derivados de couro no NE, com o progressivo estabelecimento de

aglomerações de empresas ligadas ao couro, principalmente no Ceará, Bahia e

Paraíba. Esse movimento já é visível nos investimentos de grandes curtumes,

como a Bracol, em estabelecimentos de alto conteúdo tecnológico na região.

Segundo Garcia (2001), entre as empresas calçadistas, é bastante

comum a utilização de formas precarizadas de relações trabalhistas, como o

trabalho a domicílio. Este fato pode ser entendido como uma conseqüência

direta do processo de reestruturação que vem sendo observado no setor

calçadista nos últimos anos, uma vez que as empresas passaram a buscar a

redução de custos por meio da terceirização de parte do processo produtivo, o

que intensificou a utilização de formas de evasão de impostos e de encargos

sociais. Ainda, o processo de terceirização dá às empresas maior flexibilidade

produtiva, o que torna mais fácil a realização de ajustes de flutuações da

demanda.

Não é possível afirmar com precisão se a precarização das relações de

trabalho é diferente conforme a região analisada. De um lado, há uma

tendência a se verificar uma maior formalização das relações de trabalho nas

regiões mais tradicionais do país, o que elevaria suas participações na geração

de emprego na região. Por outro lado, o nível de informalidade é mais

acentuado em micro e pequenas empresas, que são mais comuns nos estados

de São Paulo e Rio Grande do Sul. Portanto, por esse motivo, deveria haver

mais informalidade nas regiões tradicionais., em relação à participação dos

estados do Nordeste.

No que se refere às ferramentas de gestão, há necessidade de

aperfeiçoamento do marketing, em consolidação da marca e em canais de

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distribuição. Embora o produto brasileiro goze de reputação, suas vendas são

freqüentemente FOB, sendo a marca utilizada para a venda no exterior de

propriedade e controle do importador. Esse é um importante segmento de

mercado que pode ser explorado, mas o Brasil pode almejar adentrar mais nos

segmentos que exijam estabelecimento de marca, uma vez que domina a

tecnologia e pode produzir a custos competitivos. O principal movimento da

década, na área de desenvolvimento de produto, atesta a passividade do setor

em termos de marketing. Como uma das principais vantagens comparativas do

Brasil é a disponibilidade de matéria-prima a baixos custos, o perfil da

produção para exportação vem se voltando para produtos mais intensivos em

matéria-prima e processamento. Comparativamente, as atividades de design e

marketing são relativamente menos exploradas.

No mesmo sentido, uma das tecnologias de automação utilizadas na

indústria de calçados e artefatos italiana e que a indústria brasileira também

deveria reforçar sua utilização é o Computer Aided Design (CAD). Esta

tecnologia permite que o modelista ou operador elabore o modelo do produto,

especificando medidas e escalas, o que reduz significativamente o tempo gasto

na produção dos protótipos e conseqüentes alterações. Tem-se também a

tecnologia CAM (Computer Aided Manufactoring), aplicada às atividades de

corte, que permite o corte a jato dágua e o corte a laser através da

programação de instruções.

A adoção destas tecnologias encontra-se restringida pelo custo de

aquisição dos equipamentos, limitando seu uso por empresas de grande porte

ou que compartilhem o uso dos equipamentos A automatização da indústria de

transformação do couro animal em matéria-prima para a produção de calçados

e outras vestimentas é outro caminho a ser vislumbrado pela indústria coureiro-

calçadista. A automação traria muitos benefícios para a indústria, como

redução das perdas do couro, aumento de sua qualidade, redução no uso de

produtos químicos e redução e otimização do tratamento de efluentes.

Além disso, esta seria uma importante estratégia para solucionar o

problema de qualidade do couro brasileiro. O sistema de produção empregado

na pecuária tem resultado em um couro com elevada incidência de defeitos,

principalmente ocasionadas por parasitas, cortes e outras marcas nos animais

abatidos, somado ao fato de prevalecer no Brasil o abate de animais mais

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velhos. O couro brasileiro apresenta ainda maior porosidade e menor brilho

quando comparado com o couro europeu, o que é uma característica contrária

ao Italian Look, que privilegia o brilho do couro. Uma das soluções que

poderiam ajudar a solucionar estes problemas que marcam o couro brasileiro

seria criar incentivos ao pecuarista, que passaria a receber pelo couro quando

vende o animal para o frigorífico. Esse aspecto, que tipicamente um problema

de coordenação da cadeia produtiva, é aprofundado na seção 6 deste trabalho.

Finalmente, entre as principais estratégias a serem adotadas pelo setor,

destacam-se:

a) A automação da produção, o que permitirá o aumento da qualidade e

uniformidade do produto e possível redução dos custos variáveis;

b) Implantação da gestão da qualidade, considerando qualidade total e gestão

ambiental;

c) Modificação do perfil da produção, com aumento da participação de

produtos mais intensivos em couro, material que o Brasil apresenta

vantagens em custo;

d) Introdução das tecnologias CAD e CAM;

e) Disseminação das ferramentas de gestão de suprimentos, como o just in

time e kanban, que permitem a redução de estoques;

f) Articulação de ações coletivas de capacitação tecnológica, treinamento

gerencial e comercialização, como maior participação em feiras;

Deste modo, conforme estas considerações apresentadas por Alves

(1991), o que ocorreu nas empresas calçadistas brasileiras pode ser

identificado como uma mudança técnica. As empresas pertencentes a este

setor, frente ao novo ambiente competitivo, buscaram principalmente a

aquisição de novas máquinas ou projetos de produto e assimilação de

conhecimentos já desenvolvidos em outros países. A organização da produção

também passou por mudanças, que envolveram, de maneira geral, o processo

de relocalização.

Toda esta avaliação do setor calçadista levou em consideração apenas

aspectos gerais que envolvem atualmente o processo produtivo. Porém, vale

destacar que há peculiaridades entre as empresas que compõem este setor.

Para identificar algumas dessas peculiaridades, a seguir, apresenta-se casos

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de três empresas líderes, que, ademais, freqüentemente comandam redes de

que participam empresas de porte menor.

Casos de Empresas Líderes na Indústria de Calçados

GRENDENE

Histórico da empresa

A empresa Grendene foi criada em de fevereiro de 1971. Atualmente,

emprega 15.596 funcionários em seu complexo industrial que se distribui entre

os estados do Rio Grande do Sul e Ceará, responsáveis pela produção de

cerca de 80 milhões de pares de calçados por ano.

Tal volume de produção assegura à empresa a posição de maior

fabricante de calçados do país, exportando cerca de 12% de sua produção

para os Estados Unidos, França, Itália, Alemanha, Inglaterra, Espanha,

Argentina, Canadá, Japão e Austrália. A empresa também participa em

negócios nos setores moveleiro e agropecuário, além do calçadista.

Sua liderança na produção de calçados plásticos, através das marcas

Rider e Melissa, assegura à empresa uma posição privilegiada no cenário

calçadista. Além dessas duas marcas, a Grendene possui outras marcas

próprias: Grendha, Sharon, Ginga e Melissinha, além das marcas infantis

licenciadas.

A sede administrativa encontra-se localizada em Farroupilha, região

serrana do Rio Grande do Sul, e as unidades fabris encontram-se assim

distribuídas: duas unidades em Fortaleza (Ceará), seis unidades em Sobral

(Ceará) e uma unidade em Crato (Ceará). Além das unidades fabris e sede

administrativa localizadas no Brasil, em que a empresa possui 100% de

participação no capital, devem ser consideradas as demais participações

acionárias da empresa, entre setores diferenciados (Tabela 11):

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Tabela 11 Empresas do Grupo Grendene

Empresa Cidade/Estado Participação Grendene S/A Farroupilha – RS 100% Grendene Sobral S/A Sobral – CE 100% Ind. Calçados Grendene Ltda Crato – CE 100% Grendene de México S/A de CV México D.F. – México 100% Ril Brasil Comercial Importadora Ltda São Paulo – SP 32,5% Reebok de México S/A de CV México D.F. – México 51% Reebok Chile S/A Santiago – Chile 18,5% Grendha Shoes Corp. Orlando – EUA 100% Fitalse S/A Buenos Aires - Argentina 20% Vulcabrás Jundiaí – SP 80% Vulcabrás do Nordeste Horizonte – CE 80% Dell Ano Móveis Bento Gonçalves –RS 76% Telasul S/A Garibaldi – RS 74% Guanabara Agro Industrial S/A Andradina – SP 50% Puma do Brasil São Paulo – SP 100% Agropecuária Guanabara Ltda Andradina – SP 100% Benalcool Açúcar e Álcool S/A Bento de Abreu 26% Agropecuária Jacarezinho Ltda Valparaíso – SP 100% Agropecuária Grendene S/A Cáceres – MT 100% Fonte: Gazeta Mercantil

Há cerca de seis anos a empresa Grendene desenvolveu com sucesso a

tecnologia de utilização das resinas Termoplásticas de Poliuretano (PU) e

Policloreto de Vinila (PVC) para a fabricação de calçados em substituição ao

couro. Nos dias atuais, a empresa utiliza estas resinas em cerca de 80% de

seu produto final.

Os executivos da empresa explicam que a utilização do PU em calçados

encontra-se condicionada pela qualidade da base utilizada no cabedal (parte

superior) do produto. Esta base proporciona absorção do suor, possibilidade de

transpiração da pele e conforto do calçado. No solado do calçado, o PU é

geralmente misturado ao PVC. Nesses casos, a resina de PVC usada é

diferente, sendo pois misturada a plastificantes, que tornam o plástico

mecanicamente maleável.

Outra importante estratégia desenvolvida pela Grendene é a utilização

do “couro sintético”. A empresa está desenvolvendo uma linha de sapatos

femininos de uso social com o nome de Sharon. A explicação para o

desenvolvimento de tal estratégia é o ganho de escala, ou seja, a empresa

passou a produzir apenas 12 modelos de sapatos contra uma média de 40

modelos produzidos pelos concorrentes do setor. A produção em série, onde

quase não há interferências artesanais, possibilita à empresa vender seus

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pares a preços abaixo dos fabricantes que atuam no mesmo segmento (cerca

de R$20,00).

O objetivo é atuar no segmento de sapatos sociais básicos, que se

encontra em franca expansão e que até agora a empresa não atuava. Ainda, a

escolha deste segmento considera o fato da incorporação das mulheres ao

mercado de trabalho, o que faz aumentar a venda de calçados deste tipo. Em

pesquisa realizada, a empresa concluiu que 90% das mulheres que trabalham

utilizam sapatos do tipo social básico, o que reforça a importância desta

estratégia. Primeiramente a empresa testou essa estratégia no Nordeste com

ótimo resultado.

A empresa, que ocupa a posição de líder na produção de calçados

sintéticos, aposta também em novas linhas femininas feitas com materiais

nobres como o couro, com o objetivo de fortalecer suas marcas nos mercados

interno e externo e deixar de ser conhecida apenas como fabricante de

sandálias, conquistando o que chama de “mercado social contemporâneo”.

Outro forte aliado para o aumento da competitividade é a redução de

custos. Nesse contexto, deve ser destacada a participação da Grendene na

Uni5.com, que é uma central de negócios on-line do setor calçadista. Esta

solução permite que os varejistas façam em uma hora todo o processo de

compras para a reposição dos estoques.

Ao acessar o Uni5.com a empresa fabricante de calçados e acessórios

pode realizar uma espécie de licitação, onde os fornecedores podem receber

pedidos por e-mail e até por telefone móvel. O e-procurement da Uni5.com

diferencia-se por evitar erros em pedidos, sendo ainda capaz de administrar as

diferentes alíquotas de impostos e políticas de comercialização de cada região,

além dos custos de frete, tendo também um sistema que equaliza as diferentes

propostas para avaliação do comprador.

A utilização da Internet pela empresa está fortalecendo a preocupação

com o registro da marca. Nesse sentido, a empresa está recorrendo à Justiça

para obter o direito de uso de suas marcas na rede mundial de computadores.

Tal situação é reflexo das disputas entre marcas e domínio na Internet

Outra importante estratégia de redução de custos é o processo de

relocalização da produção, que passou da cidade-sede em Farroupilha para

três regiões do Ceará, e que envolveu um investimento de US$100 milhões. No

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ano de 1999, a Grendene transferiu 100% de sua produção de calçados, que

corresponde a cerca de 80 milhões de pares, para as unidades de Sobral, a

220 quilômetros de Fortaleza e Crato, a 542 quilômetros. Além das reduções

em custos de produção devem ser também consideradas as facilidades para

exportação.

O crescimento da empresa nos últimos quatro anos é em grande parte

explicado pela transferência para o Ceará. Nesse estado, a empresa ganha

75% de desconto no ICMS e conta com mão-de-obra mais barata, o que eleva

sua competitividade. Entre as 12 unidades fabris, as 3 localizadas no Rio

Grande do Sul são responsáveis pela matrizaria e as do Ceará (duas em

Fortaleza, seis em Sobral e uma em Crato), que empregam cerca de 14 mil

pessoas, são responsáveis pelos produtos. No Rio Grande do Sul encontram-

se apenas a administração e a central de criação, situação que pode ser

explicada devido à alta qualidade da mão-de-obra nesse estado para este tipo

de tarefa.

Em contrapartida, desde a implantação da Grendene no Ceará, com

cerca de 9.500 empregos, a economia local experimentou um dinamismo

considerável refletido na arrecadação de impostos, pois entre 1992 e 2000 os

tributos federais na região avançaram de R$11,72 milhões para R$47,367

milhões, e os repasses de ICMS passaram no mesmo período de R$5,28

milhões para R$14,25 milhões, com incremento de 170%.

Para este ano, a fabricante de calçados Studio Grendene quer elevar

sua receita de vendas para entre R$50 milhões e R$55milhões. Essas cifras

devem ser alcançadas principalmente a partir da venda de 3,5 milhões de

pares da marca Sharon.

Para atingir suas metas, além de ampliar a linha de produtos oferecidos,

a empresa pretende reforçar a distribuição em todo o território nacional,

ampliando o número de estados em que possui distribuidores próprios. A

Studio Grendene vai investir R$6 milhões para a compra de equipamentos e

pesquisa e criação de produtos. Parte dos aportes já começou a ser alocada,

desde dezembro de 2000, na ampliação das instalações físicas da fábrica de

calçados, situada em Fortaleza, o que trará incremento de 11 mil pares/dia na

capacidade instalada, que atualmente é de 14 mil pares/dia. O valor dos

investimentos não inclui gastos com a mídia.

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Deste modo, o grupo Grendene, que faturou R$575 milhões em 2000

pretende alcançar um crescimento de 15% no ano de 2001, podendo chegar a

um faturamento de R$750 milhões. Para isso, utiliza também uma estratégia de

comunicação agressiva em que figuram como garotos-propaganda

personalidades nacionais e internacionais em suas propagandas. Tal fato

gerou uma posição privilegiada para as marcas Rider e Melissa no cenário

calçadista.

Nesse sentido, o objetivo de atuar no “mercado social contemporâneo” e

de “couro sintético” são consideradas importantes estratégias de marketing

adotadas pela empresa, que, por sua vez, estaria de acordo com as tendências

propostas pelas coleções de calçados lançadas todos os anos, inclusive pelos

concorrentes. A unidade localizada em Fortaleza e responsável pela marca

Sharon destinou no ano de 2001 uma verba de R$3 milhões, apenas para

marketing. A meta considerada para tal investimento é de que até o final do

ano a marca Sharon represente 10% do volume de produção da empresa, que

em 2000 ficou em 5% do total dos 80 milhões de pares.

A conquista do mercado internacional conta com uma poderosa

ferramenta: o design. O setor calçadista tem investido no visual de seus

produtos com o objetivo de atrair consumidores de outros países, uma vez que

para esse setor o design é de caráter fundamental.

Além do design, o valor da marca também tem sido considerado entre os

fabricantes de calçados, que se esforçam para a divulgação do “Shoes from

Brazil”. A criação de uma identidade global é uma das estratégias adotadas

com sucesso pela Grendene.

Além das estratégias de marketing, as estratégias de vendas do produto

devem ser consideradas. Uma das estratégias de vendas dos produtos

Grendene, que também é utilizada por outras empresas do setor calçadista, é a

exposição em supermercados. Do total, cerca de 10% de sua produção (o que

representa 8 milhões de pares) é destinado ao auto serviço.

As grandes redes de supermercados passaram então a representar um

canal de distribuição importante e levaram as empresas calçadistas a

reformular suas estratégias de vendas, preparar equipes para lidar com

compradores acostumados a negociar em grandes volumes e até mesmo a

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desenvolver materiais específicos para exposição das mercadorias em

gôndolas.

A Grendene passou então a fazer trabalhos conjuntos com as redes

varejistas e a buscar soluções para colocação de seus produtos em

expositores especiais e sem embalagem, não em gôndolas. A empresa

considera que no auto serviço a compra é feita por impulso, o que reforça a

importância em tornar o produto o mais atraente possível. Além disso, são

vendidos os modelos mais básicos, de preços médio e baixo e que apresentam

menor sazonalidade.

A perspectiva de crescimento, estabelecidas pelo setor calçadista, entre

20% e 22% das exportações do calçado brasileiro e de vendas no mercado

interno entre 8% a 10%, tem criado boas perspectivas também nas indústrias

de máquinas e de couro. Esse crescimento nas exportações encontra-se

baseado principalmente na conquista de maiores fatias dos tradicionais

mercados compradores e nas vendas para novos mercados como o Oriente

Médio. O mercado norte-americano, responsável por cerca de 70% da

exportação brasileira, continua recebendo grande atenção por parte das

empresas calçadistas.

Nesse contexto, a Grendene chegou a enviar profissionais para os

Estados Unidos, que representam o principal mercado com cerca de 30% das

exportações, com o objetivo de conhecer de perto as formas de negociação

das empresas americanas e o público consumidor de seus produtos, uma vez

que havia a intenção de desenvolver uma sandália que se adaptasse

perfeitamente ao gosto das mulheres norte-americanas.

A troca de traders ou representantes por executivos fixos em outros

países tem crescido com a recuperação das exportações brasileiras. A

Grendha Shoes Corporation (extensão da Grendene nos EUA) que começou

com apenas um executivo instalado em Nova Iorque, tem nos dias atuais cerca

de 40 funcionários, sendo 20% deles brasileiros. As exportações da empresa

para 50 países representam hoje 17% dos 80 milhões de pares por ano

produzidos no Brasil.

A empresa estimou em cerca de 3,2 milhões de pares as vendas para os

Estados Unidos em 2001, o que representa um valor superior em 12% ao total

de exportações registradas no ano de 2000. Porém, este desempenho fica

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abaixo dos 25% da produção que a empresa previa comercializar nos EUA (3,6

milhões de pares). Essa queda na previsão de vendas, da ordem de 11%,

decorre, em grande parte, pelo desaquecimento da economia norte-americana

em 2001.

Também de grande importância é a presença da Grendene no Mercosul,

sendo os principais produtos exportados as sandálias e os chinelos Rider. A

estimativa da empresa é aumentar entre 7% e 8% o volume de suas

exportações para o Mercosul através da colocação de produtos de menor valor

agregado, como meio de se alcançar maior fatia de mercado, a partir da

produção de produtos similares fabricados com materiais mais baratos.

Vale considerar ainda que as exigências dos importadores de produtos

brasileiros são cada vez maiores. Atualmente, as negociações não mais se

limitam a preço, qualidade e prazo de entrega, pois passaram a incluir aspectos

ambientais e sociais especialmente quando os importadores são americanos,

europeus e japoneses. A pressão por cláusulas sociais já está presente nas

negociações feitas pela Grendene com importadores norte-americanos. Há

cerca de três anos, os norte-americanos passaram a exigir um documento

assinado em que a empresa afirma não trabalhar com mão-de-obra infantil ou

escrava. Com certeza, as empresas brasileiras produtoras de calçados têm

considerado essas exigências, fundamentais portanto para o bom desempenho

das exportações brasileiras.

De grande destaque também é a técnica de Pintura de Calçados. A

Grendene produz todos os calçados injetados de uma mesma cor, e estes

serão pintados posteriormente de acordo com a demanda. Após ter

conhecimento das cores mais requeridas pelos consumidores, a empresa

concretiza a pintura dos calçados nestas cores, o que amplia suas

possibilidades de segmentação apropriada do mercado e redução do lead time

para atendimento dessa demanda específica.

Ainda no que se refere às estratégias de marketing, foi estabelecida nos

Estados Unidos uma subsidiária para atender o mercado norte americano.

Além disso, é notável a presença da Grendene em feiras e exposições, no

Brasil e no exterior.

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Mudanças técnicas adotadas pela empresa

A Grendene, assim como todas as empresas do setor calçadistas,

passou por profundas modificações em seus produtos, componentes e

organização da produção, principalmente, durante a década de noventa. Este

conjunto de modificações pode ser entendido como parte integrante de um

processo de mudança técnica adotado pela empresa.

De acordo com Alves (1991), um processo de mudança técnica refere-se

a mudanças nos elementos que compõem e caracterizam um sistema de

produção. Essas mudanças, por sua vez, estão classificadas em três grandes

grupos:

- Produto;

- Processo e Fabricação;

- Gestão e Organização da Produção;

Este conjunto de mudanças pode ser caracterizado como conseqüentes

do processo de abertura comercial e maior concorrência a que foram expostas

as empresas do setor calçadista. A ameaça da entrada de similares importados

fez com que as empresas passassem a enfatizar questões ligadas à redução

de custos, necessidades dos clientes, maiores investimentos em P&D e

marketing, componentes e design, entre outros.

Os dados apresentados pela Grendene serão, portanto, analisados sob

a ótica das características que compõem um processo de mudança técnica,

considerando para tanto os seus grandes grupos.

Produto

Este primeiro grupo envolve mudanças nos métodos, técnicas,

procedimentos (projeto e reprojeto), materiais e componentes utilizados na

fabricação de produtos. Neste conjunto, estão incluídas as seguintes

mudanças:

a) Gastos anuais em P&D: a realização de pesquisas para o

desenvolvimento de novos produtos contribui para melhor direcionamento das

atividades de projeto ou reprojeto dos produtos existentes ou de novos

produtos.

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b) Utilização de Resinas Termoplásticas de Poliuretano (PU),

Policloreto de Vinila (PVC) e Couro Sintético: a utilização de novos materiais

possibilita a redução de custos, uma vez que estes materiais são mais baratos

quando comparados ao couro, e de componentes pré-formados, por exemplo

solados, reduzindo o número de etapas ou operações que envolvem o

processo produtivo. Este cenário terá efeitos positivos sobre a produtividade.

Processo e fabricação

Este grupo, por sua vez, considera mudanças relacionadas a

equipamentos, operação e manutenção das máquinas e ferramentas

necessárias à produção.

a) Investimentos em Máquinas e Equipamentos: a importação de máquinas

italianas garante a utilização de máquinas de maior velocidade e

capacidade de produção, o que garante alta capacitação e atualização do

parque produtivo, quando comparado com outras empresas internacionais.

Gestão e organização da produção

Finalmente, este último grupo contempla as mudanças verificadas entre

os métodos e técnicas orientados para a combinação e administração dos

recursos físicos (materiais e equipamentos) e humanos. Neste grupo estão

incluídas as seguintes mudanças:

a) Relocalização das Unidades Fabris (Ceará): esta mudança foi adotada como

uma interessante fonte de redução dos custos de produção, baseada

principalmente a menores custos de mão-de-obra e benefícios (fiscais em sua

maioria). Claramente, a manutenção das atividades ligadas à administração e

criação e desenvolvimento de produtos no estado do Rio Grande do Sul pode

ser conseqüente da melhor capacitação profissional, para a realização destas

atividades, da mão-de-obra disponível neste estado.

b) Informatização das atividades: esta estratégia proporciona melhorias no

sistema de informações, o que beneficia o processo de tomada de decisões

e controle da produção.

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c) Participação da empresa na central de negócios on line: esta mudança pode

ser entendida, primeiramente, como uma estratégia de marketing, além de ser

capaz de melhorar o fluxo de informações e acesso a fornecedores para a

cotação de pedidos de compra.

c) Treinamento dos Funcionários: proporciona melhorias constantes quanto à

capacitação da mão-de-obra envolvida na produção.

d) Investimentos em P&D: a preocupação em manter funcionários dedicados a

pesquisa de novos produtos em outros países, considerando aqueles que

fazem parte do mercado consumidor dos produtos fabricados pela empresa,

pode ser entendida, primeiramente, como uma estratégia de marketing.

Ainda, possibilita melhor previsão da demanda e contribui para a

organização da produção através da utilização de novos equipamentos ou

novos materiais.

e) Pintura de Calçados: esta mudança garante maior flexibilidade ao processo

produtivo, possibilitando maior capacidade de adaptação às alterações da

demanda em termos de cores, nos mercados nacional e internacional.

f) Participação freqüente em feiras e exposições: esta mudança representa,

em primeiro lugar, uma estratégia de marketing, além de contribuir para a

previsão da demanda. Ainda, é uma fonte rica para a pesquisa de novos

equipamentos e materiais utilizados na produção, e para o conhecimento

das novas tendências nacionais e internacionais.

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A análise dos dados da Grendene são sumariadas no quadro abaixo:

Quadro 2 Mudanças Técnicas adotadas pela Grendene

Produto

- Gastos anuais em P&D: garante melhor direcionamento das atividades de

projeto ou reprojeto;

- Utilização de resinas plásticas: possibilita redução de custos da produção;

Processo e Fabricação

- Investimentos em máquinas e tecnologias: utilização de máquinas de maior

velocidade e capacidade de produção;

Gestão e Organização da Produção

- Relocalização das unidades fabris para o Nordeste: esta pode ser considerada

como uma das principais estratégias para a redução dos custos de produção;

- Informatização as atividades: possibilitou melhorias no sistema de

informações;

- Participação da empresa na central de negócios on line: forte estratégia de

marketing e possibilita melhorar o fluxo de informações;

- Treinamento de funcionários: importante estratégia para melhorar a

capacitação profissional;

- Investimentos em P&D: importante estratégia de marketing, além de tornar

possível a melhor previsão da demanda;

- Pintura de calçados: garante maior flexibilidade ao processo produtivo;

- Participação freqüente em feiras e exposições: além de ser uma estratégia de

marketing, é uma fonte rica para a pesquisa de novos equipamentos e

materiais;

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SAMELLO

A empresa Calçados Samello S/A foi fundada em 1926 na cidade de

Franca, interior do estado de São Paulo, pelo sapateiro espanhol Miguel Sábio

Mello. A produção diária de calçados para o mercado interno e exportação é de

aproximadamente 12 mil pares de calçados.

É considerada uma das maiores fabricantes de calçados masculinos do

Brasil, atuando em segmentos distintos através de linhas de produtos

diferenciados. A sua linha de produtos lançada mais recentemente é

caracterizada como uma linha “mais competitiva” sob o ponto de vista de

preços, sendo destinada a consumidores de idade entre 18 e 25 anos. A

empresa foi pioneira no lançamento de mocassins na década de 40; de drivers

nos anos 70 e dos docksides nos anos 80.

Além da adoção da estratégia de preços diferenciados, a Samello

também considera a estratégia tecnológica de utilização de laminados de PVC

para a fabricação de cabedais e formas de calçados, e de técnicas de

acabamento baseado em Poliuretano.

Assim como outras grandes empresas fabricantes de calçados, a

Samello está consolidando sua produção em estados do Nordeste brasileiro

impulsionada principalmente pelos incentivos fiscais concedidos e

conseqüentes reduções nos custos de produção. Na Paraíba, a empresa está

construindo um novo parque industrial que deve gerar cerca de 1,2 mil

empregos.

Também como uma estratégia de redução de custos administrativos e

melhoramento da competitividade, destaca-se a participação da empresa no

sistema de cotação eletrônica de comercialização de produtos denominado

Uni5.com, a exemplo do que ocorre com a Grendene. Esta solução permite que

os varejistas façam em apenas uma hora todo o processo de compras para

reposição de seus estoques.

Durante o ano de 1998, a empresa também foi afetada pela forte

concorrência ditada pela abertura da economia e, sobretudo, valorização do

Real, e desta maneira passou por um processo de reestruturação como meio

de recuperação de um período marcado por prejuízos, que chegaram a até 3%

de seu faturamento, e reduções nas vendas internas.

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Este processo foi marcado por uma reorganização operacional,

financeira e societária. O primeiro passo foi a concentração de esforços em seu

“core business”: a produção de calçados masculinos de couro, segmento em

que já detém boa participação no mercado nacional, sendo uma das empresas

líderes.

Outro fato importante foi o fechamento da Calbrás, que atuava no varejo,

por meio de nove lojas próprias espalhadas pelo Brasil. Em contrapartida, a

empresa adotou um sistema de franquias de lojas que vem possibilitando uma

expansão mais acelerada da rede.

Entre as cidades que tem lojas da rede encontram-se Campinas, Niterói,

Franca, Curitiba, São José do Rio Preto, Rio de Janeiro e Brasília. Um dos

objetivos é a expansão do sistema de franquias também para os estados de

Pernambuco, Bahia e Paraíba. Este objetivo explica-se em grande parte pelo

fato de o mercado nordestino ser muito importante para a Samello,

representando 35% das vendas da marca e um faturamento de US$100

milhões no ano 2000. Esses números devem se ampliar com a abertura de oito

pontos de venda até o final de 2002 na região, que fazem parte dos planos da

empresa. Para a próxima década, a empresa estima a instalação de 80 pontos

de vendas exclusivos nas principais capitais e cidades do país, sendo 10 delas

concretizadas ainda este ano.

A empresa garante que não é preciso o franqueado ter experiência no

ramo de calçados, mas é preciso implementar corretamente a proposta da

Samello, que é a de intensificar a identificação com o consumidor. O sistema

de franquias conta com o fornecimento, por parte da Samello para os seus

franqueados, de todo o composto de seus produtos, sempre sob o critério do

franqueador e garantia de padronização da rede. Por meio de rigoroso

treinamento, é realizada a preparação de seus parceiros para a gestão da

franquia Samello considerando a perspectiva mercadológica, operacional, legal

e de recursos humanos.

Desde a fase de negociação, a empresa já fornece todo o apoio

necessário, desde a definição do ponto, passando pela montagem completa da

loja, até o fornecimento de materiais promocionais para a abertura da loja.

Adicionalmente, o franqueado tem à sua disposição um profissional cuja função

é acompanhar e facilitar a gestão da franquia.

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A loja é totalmente padronizada, valorizando conceitos como

modernidade, conforto e identificação com produtos e clientes. Para tanto, é

utilizado um projeto arquitetônico modular, o que facilita a adaptação a diversas

situações. A taxa de franquia é de R$13 mil, com cobrança de royalties de 7%

sobre as compras. Ainda, é cobrada uma taxa de publicidade igual a 1,5% do

faturamento bruto. O custo de construção total envolvido é de cerca de 1,2 mil

e 1,5 mil o metro quadrado, e o tamanho padrão da loja varia entre 40 a 70

metros quadrados.

A empresa passou também a se empenhar na redução de custos na

área operacional. Nesse contexto, reduziu o número de funcionários de 2,4 mil

para 2 mil e parte da produção de calçados, aqueles menos complexos, foi

transferida para as fábricas de Cássia em Minas Gerais e para Santa Rita,

cidade localizada na Paraíba. Na cidade de Franca ficou apenas a produção de

sapatos mais elaborados e que exigem mão-de-obra treinada.

Esta fase de reestruturação contou ainda com a construção de uma

segunda fábrica na Paraíba e uma terceira em Minas Gerais. Em ambos os

estados, a empresa recebeu incentivos fiscais e creditícios. No Nordeste, a

Samello tem várias vantagens: isenção de 75% do Imposto sobre Circulação

de Mercadorias e Serviços (ICMS) por um período de doze anos, isenção de

Imposto de Renda por estar em área da Sudene, juros subsidiados para a

compra de máquinas e equipamentos e cessão de terreno e edifício pela

prefeitura local.

Porém, o custo da mão-de-obra foi um dos fatores que mais contribuiu

para a realização de investimentos fora da cidade de Franca. Na Paraíba, o

custo do trabalhador é cerca de 50% menor que em Franca e em Minas Gerais

essa redução é em torno de 25%. Tais fatos explicam os investimentos e novas

contratações de trabalhadores nestas regiões.

Além dos empregos gerados, outra importante contribuição da Samello

para o estado da Paraíba é o beneficiamento de cooperativas através da

tendência de terceirização de serviços do setor industrial. A empresa está

envolvida na criação da Coopercal (Cooperativa dos Produtores de Calçados e

Artefatos de Couro de Santa Rita), que apresenta produção média de cerca de

1,8 mil pares/dia. A cooperativa é totalmente independente, sendo o grupo

formado por 117 cooperados, a maioria ex-funcionários de indústrias

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calçadistas regionais, que trabalham de acordo com planilhas de custos e

produção. Ao sinalizar a disposição de terceirizar a produção, a empresa criou

incentivos para que o governo da Paraíba estruturasse a cooperativa através

de um investimento de R$2 milhões em equipamentos e instalações, utilizando-

se de recursos do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Industrial.

Uma importante estratégia de vendas para atuar também no mercado de

calçados femininos adotada pela Samello no ano de 1998 foi a formalização de

um contrato com a empresa americana Schwartz & Benjamin Inc. para a

produção e comercialização de sapatos com a marca “Anne Klein by Samello”

no Brasil. The Anne Klein Company é uma das mais maiores marcas

internacionais da moda feminina. Essa opção, por outro lado, mostra que a

empresa é dependente das competências de outras empresas nas áreas de

design e gerenciamento de marca. Essa associação é um meio de adentrar

esse segmento de mercado, sem constituir essas competências internamente.

A Samello passou a produzir a marca em sua unidade em Franca, a

partir de projetos desenvolvidos por estilistas norte americanos e italianos.

Parte da matéria prima utilizada é importada (couro de bezerro de Argentina) e

parte é nacional (camurça). Esta parceria muito intensificou o projeto da

Samello em lançar a fabricação de calçados femininos com marca própria.

Quanto o desempenho exportador, a Samello exporta a grande maioria

de seus produtos para os EUA. No ano de 2000, foram exportados 5,5 mil

pares de sapatos para este país, e faturados US$30 milhões. A empresa

também fornece calçados para importantes grifes européias, como Cole-Haan,

Polo Ralph Lauren e Gucci, o que mais uma vez mostra a necessidade dessa

importante empresa nacional complementar-se com as competências de

empresas internacionais. Em todo o mundo, 35 países entre Europa, Estados

Unidos e Mercosul recebem produtos Samello.

Neste ano, a empresa vai explorar um novo mercado, a Austrália. Tal

estratégia tem como objetivo a redução da dependência excessiva dos norte-

americanos, que compram 80% de tudo que a empresa oferece no mercado

externo.

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5.2. Máquinas e equipamentos para couro, calçados e afins

Características gerais e desempenho recente

A indústria de máquinas e equipamentos para couro, calçados e afins é

composta por 113 empresas, em sua maioria de pequeno e médio porte. O

perfil da produção é distinto conforme o segmento a que se destina, sendo

aquelas de maior porte destinadas a curtumes, com maior predomínio de

importações. Essa indústria é também geograficamente concentrada, pois 80%

das empresas estão instaladas no Rio Grande do Sul, especialmente no Vale

do Sinos, maior pólo da indústria coureiro-calçadista do país. As demais

empresas situam-se nos Estados de Santa Catarina e São Paulo.

Com empresas tradicionais de até 70 anos, o setor foi criado para suprir

as necessidades da indústria coureiro-calçadista e, embora haja necessidade

de atualização tecnológica, principalmente quanto à incorporação de

componentes microeletrônicos, o setor ocupa 70% da sua capacidade instalada

e vem sendo capaz de ampliar suas exportações, em especial nos segmentos

de menor valor.

A indústria de calçados injetados, como é o caso da Grendene, tem uma

maior dependência das importações de máquinas, sendo esse um caso em

que a indústria nacional de máquinas é mais deficiente. O mesmo não ocorre

no segmento de máquinas para calçados de couro, em que a participação das

empresas brasileiras no abastecimento do consumo doméstico é mais

relevante.

O desempenho no comércio exterior do setor de máquinas e

equipamentos é desfavorável, havendo déficits sistemáticos nos últimos três

anos (Tabela 12). É importante registrar, entretanto, a acentuada redução do

déficit comercial no ano 2000, seja pela redução das importações − em um

contexto de retomada dos investimentos na cadeia produtiva de couro e

calçados − seja pelo aumento das exportações. Há sinais, portanto, de alguma

sensibilidade da demanda em relação a preços, uma vez que a desvalorização

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cambial foi o principal evento para explicar a reversão da tendência de

agravamento do déficit, verificada ao longo da década de 9011.

Tabela 12 Exportações e Importações de Máquinas e Equipamentos para Couro,

Calçados e Afins12

A crise do setor coureiro-calçadista, no período de abertura de mercado

e valorização cambial, conduziu sua indústria de máquinas e equipamentos,

em meados da década, a uma intensa reestruturação. Nesse processo,

algumas empresas foram fechadas, outras associaram-se ou otimizaram sua

produção mediante a terceirização de algumas etapas e, conseqüentemente,

redução de postos de trabalhos. Algumas conseqüências desse processo são

evidentes nos dados da ABRAMEQ (Tabela 13), que mostram uma intensa

queda no nível de emprego (-83%) entre 1993 e 1999, tendo havido uma

pequena recuperação no ano 2000. Houve também uma redução no número

de empresas até 1997, porém com subsequente elevação após a

restruturação, evidenciando maior competitividade do setor.

Tabela 13 Número de Empresas, Funcionários e Exportadores

ANO 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Total empresas 138 138 120 102 86 86 99 113 Nº. Funcionários

15.000 13.600 10.800 9.750 4.200 2.687 2.562 2.809

Total empresas exportadoras

25 27 33 37

Fonte: ABRAMEQ

11 Os dados apresentados na Tabela 12 referem-se apenas ao final da década de 90 por um problema de consistência da nomenclatura utilizada para o registro de transações de comércio exterior. Evidências diversas, algumas citadas a seguir, confirmam a tese de que houve, até 1998, uma perda de participação da indústria brasileira de máquinas para couro e calçados. 12 Para o consolidação dos dados de comércio exterior do segmento de máquinas e equipamento para couro, calçados e afins, forma utilizados os seguintes códigos da NCM: a) 8453.10.10‘Máquinas para dividir couro’ b) 8453.10.90 ‘Outras Máquinas para preparar couro’; c) 8453.20.00 ‘máquinas para consertar ou fabricar calçados’; d) 8453.80.00 ‘Outras máquinas’; e e) 8453.90.00 ‘Partes de máquinas’.

ANO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO CORRENTE SALDO1998 17.494 2.737 20.231 (14.757) 1999 20.572 1.831 22.403 (18.741) 2000 15.124 3.251 18.375 (11.873)

FONTE: SECEX/DECEX

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Para enfrentar essas dificuldades, a indústria investiu na exploração de

novos mercados, exportando para a Argentina, Uruguai e, posteriormente, para

o Paraguai, Bolívia, Peru, El Salvador, Guatemala, Chile, Colômbia,

Venezuela, Equador, México, Índia, África do Sul e Nova Zelândia.

O segmento de máquinas para couro exporta relativamente menos e tem

seu mercado mais relevante circunscrito aos países do Cone-Sul. Em

contraposição, o segmento de máquinas para calçados tem um mercado mais

diversificado e dinâmico. Embora tenha exportado menos para países do

Mercosul, cuja indústria de calçados mostra-se decadente, este setor exportou

no último ano para mercados dinâmicos, como a China e o México. Há,

portanto, sinais positivos de competitividade, apesar de um certo atraso

tecnológico e do saldo negativo na balança comercial.

Condicionantes da competitividade

Em 1998, as entidades ABRAMEQ - Associação Brasileira das Indústrias

de Máquinas e Equipamentos para os Setores do Couro, Calçados e Afins - e

ASSINTECAL - Associação Brasileira das Indústrias de Componentes para

Couro e Calçados - somaram esforços para promover a retomada e a

ampliação do comércio exterior, tendo desenvolvido, em parceria com a

Agência de Promoção à Exportação - APEX -, o Programa Setorial Integrado

de Promoção das Exportações de Máquinas e Componentes para os Setores

do Couro, Calçados e Afins.

O Programa Setorial Integrado está subdividido em cinco grandes áreas

de atuação: Conscientização, Cursos de Capacitação e Treinamentos;

Adequação de Produtos e Processos; Informação Comercial; Promoção

Comercial e Promoção Direta.

Uma das ações diretas mais destacadas pelos representantes deste

segmento, além da participação em bloco nas feiras internacionais, foi a

criação de uma marca – by Brasil – para representar máquinas e

componentes brasileiros, sendo o seu objetivo demonstrar a segurança e

confiança no produto. A motivação para a criação da máquina decorre da

dificuldade de conquistar os mercados externos sem instrumentos adequados

para transmitir a confiabilidade dos produtos, o que especialmente relevante no

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caso de máquinas e equipamentos. Contudo, efetividade da marca – ou seja,

sua capacidade de transmitir a informação relevante sobre a confiabilidade do

produto – depende da padronização dos produtos das diversas empresas. A

necessidade de assegurar um padrão mínimo levou o setor, em parceria com o

SENAI, a desenvolver mecanismos institucionais, ainda não implementados,

que assegurem o controle sobre esse nível de padronização.

Não obstante os resultados alcançados tenham sido positivos, com

diversos países importando os equipamentos brasileiros – em especial México,

China, Filipinas, Malásia, Indonésia, Eslováquia, Costa Rica, Nicarágua, Japão

e EUA -, faz-se necessário dotar a indústria de capacidade produtiva mais

atualizada. O objetivo é gerar as condições de produção de máquinas e

equipamentos tecnologicamente competitivos com os produtos italianos,

alemães, ingleses e espanhóis. Essa estratégia exigiria a identificação de um

subconjunto de máquinas da indústria nacional com maior potencial

competitivo, que fossem objeto de uma política de progressão tecnológica.

Um dos principais gargalos identificados pelo setor é a dificuldade de

atendimento das condições de acesso ao crédito, em especial no caso das

micro e pequenas empresas. O nível de informalidade e a falta de garantias

reais fazem com que os principais canais de fomento sejam relativamente

pouco utilizados pelos atores que encontram maiores constrangimentos de

crédito. Iniciativas como fundos de aval servem para atenuar esse problema,

mas ainda têm alcance limitado. Outro importante gargalo ao crescimento é a

carência de recursos humanos especializados em automação industrial e

operação de máquinas–ferramenta com comando numérico computadorizado

(CNC). Isso ocorre mesmo estando as principais empresas produtoras

localizadas proximamente a importantes pólos metal-macânicos, que fazem

uso intenso desta qualificação da mão-de-obra. Os esforço empreendidos pelo

SENAI para requalificação dos operadores de máquinas-ferramenta têm

impacto, portanto, não somente sobre a indústria metal-macânica, mas também

sobre a indústria de calçados, por meio da indústria de bens de capital.

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5.3. Componentes para couro e calçados

Características gerais e desempenho recente

O segmento de componentes para couro e calçados brasileiro é

composto por cerca de 946 empresas, subdivididas em nove sub-segmentos,

conforme classificação da ASSINTECAL – Associação Brasileira de Indústrias

de Componentes para Couro e Calçados, quais sejam:

1) Têxteis 2) Metais e Acessórios de plásticos 3) Formas e Matrizes 4) Solados 5) Produtos Químicos para Couro 6) Palmilhas 7) Produtos Químicos para Calçados 8) Outros Acessórios 9) Não-Tecidos

Pode-se notar pela lista dos sub-segmentos que compõem o segmento

de componentes para couro e calçados, que se trata, na realidade, de diversos

setores industriais. No caso, as empresas que fazem parte desse segmento

distinguem-se das demais de seu respectivo setor industrial por terem a cadeia

produtiva de couro e calçados como seu principal cliente.

Dentro destes nove segmentos encontram-se classificados mais de

1.400 produtos, o que ilustra a diversidade da produção. Esta característica

decorre das oscilações da moda na demanda por calçados, o que afeta, por

sua vez, a demanda por componentes. A fim de evitarem a dependência

exclusiva do setor calçadista, o segmento de componentes para couro e

calçados vem buscando outros mercados, como o automobilístico, o moveleiro,

o têxtil, o alimentício e outros. Os processos produtivos e insumos similares

proporcionam esta versatilidade de mercados-alvo. As empresas de solados e

de palmilhas são as únicas dentro do segmento que não têm as mesmas

oportunidades de diversificação de mercados, destinando mais de 90% de sua

produção para o setor coureiro calçadista.

O crescimento do setor de componentes deu-se, principalmente, em

razão da desverticalização das grandes empresas de calçados, que passaram

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a terceirizar parte da sua produção de componentes visando a especializar-se

na montagem e na qualidade do calçado em si. Assim, reduziram-se os riscos

decorrentes de ociosidade ou de sobrecarga da capacidade produtiva,

diminuindo a necessidade de capital de giro em função de um ciclo produtivo

mais curto. Há, adicionalmente, ganhos de especialização nas empresas

terceirizadas, que também se beneficiam da possibilidade de atendimento de

diversas empresas calçadistas, reduzindo os riscos de flutuação de demandas

específicas. Esse movimento de terceirização, aliado às inovações em

materiais derivados da petroquímica e têxtil, foi o causador do crescimento do

número de empresas de componentes e do número de produtos fabricados.

O modo de constituição do setor de componentes − a partir da indústria

de calçados pré-existente − explica o grande predomínio de micro e pequenas

empresas, perfazendo cerca de 80% das empresas do setor, conforme dados

da Tabela 14.

Tabela 14 Número de empresas do setor de componentes, por tamanho (2000)

Tamanho da empresa Número de empresas Micro (1-19 funcionários) 464 Pequena (20-100) 350 Média (101-500) 104 Grande (+ 500) 28 Total 946 Fonte: ASSINTECAL

A diversidade de setores e a possibilidade de venda para mercados

diversos tornam complexa a estimativa de dados sobre o segmento de

componentes. Segundo a Assintecal, estima-se em cerca de 5,5 bilhões de

reais a receita do segmento, em 2000. Isso significa que, de acordo com essas

estimativas, o segmento apresentou um crescimento de vendas de 57% no

quadriênio 1997-2000, o que equivale a um crescimento de cerca de 12% ao

ano. Do total faturado, 92% referem-se a vendas internas e os outros 8% vêm

das exportações destinadas para mais de 70 países, incluindo o mercado

asiático, o que indica que há alguns produtos em que a produção nacional

consegue competir internacionalmente. Todavia, o setor também é um grande

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comprador de insumos no mercado internacional, o que torna os saldos

comercias negativos (Tabela 15). O desempenho recente, após a

desvalorização cambial, indica uma melhora no déficit comercial do setor,

decorrente da queda das importações, em um primeiro momento (1999), e

subseqüente elevação das exportações (2000). É interessante notar que,

mesmo com uma demanda estável e significativa, que é garantida pela

indústria de calçados brasileira, a indústria de componentes, de um modo

geral, não é auto-suficiente e não se utiliza plenamente a vantagem competitiva

para firmar-se como uma plataforma de exportação.

Tabela 15 Exportações e Importações de componentes para couro e calçados13

(US$ milhões)

O PSI – Programa Setorial Integrado, desenvolvido em conjunto com a

Abrameq junto à APEX, é responsável pelo seguinte conjunto de ações, que

devem repercutir positivamente na competitividade do segmento:

a) crescimento de certificações de qualidade; b) aumento da base exportadora, trazendo mais empresas para o

confronto com a concorrência internacional; c) desenvolvimento de mecanismos de cooperação, traduzidos na

formação de consórcios para promoção à exportação; d) despertar de uma consciência ligada ao design e ao conforto, antes

considerada de responsabilidade única da indústria calçadista e restrita à moda.

e) Exportações efetuadas com marca própria, mas com a denominação comum By Brasil.

A demanda doméstica pelos componentes para couro e calçados

depende diretamente do perfil da produção desses produtos. Conforme a

13 Devido ao fato de o setor de componentes perpassar setores industriais cujos produtos tem destinos diversos, a agregação dos valores de comércio exterior, por meio da NCM, está sujeita a distorções.

ANO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO BALANÇA CORRENTE

1998 780 440 -340 1.220

1999 698 433 -265 1.131

2000 738 474 -264 1.212

FONTE: SECEX/DECEX

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dinâmica de cada segmento de consumo (masculino, feminino, infantil e

esportivo), altera-se a demanda por componentes. Segundo pesquisa da

Assintecal14, o segmento que mais demanda componentes de couro é o de

calçados masculinos, que em 85,7% dos casos utilizam cabedal de couro,

seguido do segmento de calçados femininos, com 63,4%. Em contraposição,

calçados infantis e esportivos utilizam relativamente menos esta forma de

cabedal, o qual tem uma participação de 34,7% e 14,5%, respectivamente. No

material do solado, por sua vez, o couro é menos utilizado, sendo mais

freqüentemente adotado em calçados masculinos, em 17,8% dos pares.

Condicionantes da competitividade

Com o passar dos anos, o setor de componentes respondeu às

constantes mudanças nos processos industriais, decorrentes de novas

matérias-primas e de tendências ligadas à moda. Conforme exposto na seção

relativa às tendências de consumo, boa parte dessas referem-se a inovações

ocorridas no setor de componentes, seja na segmentação do mercado para a

personalização do conforto, seja na introdução de novos material.

Particularmente esta última tendência é uma oportunidade para o setor de

componentes, aumentando a sua relevância na cadeia produtiva. Em

contraposição, a introdução de novos materiais é uma ameaça ao segmento de

couro, principalmente nos produtos destinados a artefatos de couro, em que a

entrada de material substitutos ao couro, por perfil de consumo, é mais intensa

que no segmento de calçados.

No caso específico da indústria química, a integração com a indústria de

curtimento gerou várias tecnologias de aplicação no mercado, como o

acabamento sobre flor corrigida, impregnação desta com finalidade de deixá-la

mais firme, o acabamento “easy care”, acidulação livre de sal com ácidos não

inchantes, curtimento a cromo de alto esgotamento, o “bioleather” e os

acabamentos livres de solvente. Essa inovação conjunta, entretanto, não

ocorre na mesma intensidade de décadas passadas. A indústria de

componentes também é responsável pelo desenvolvimento de materiais

alternativos ao couro, o que é evidente no caso dos solados, em que são

empregados nove produtos substitutos.

14 Quantificação da Produção da Indústria Calçadista. Novo Hamburgo-RS: Assintecal, abril de 2001.

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A distribuição geográfica da indústria de componentes junto a empresas

calçadistas permitiu a redução de custos logísticos e compartilhamento de

materiais, além de facilitar a difusão de informações técnicas e negociais.

A Região Sul emprega mais da metade da mão-de-obra da indústria de

componentes, em virtude da grande concentração de indústrias no Vale do Rio

dos Sinos e das técnicas de produção voltadas para segmentos de mercado.

Entretanto, as estratégias de relocalização da indústria de calçados, durante a

década de 90, afetaram também as decisões locacionais da indústria de

componentes. Desse modo, há um movimento embrionário de deslocamento

para as principais regiões produtoras do Nordeste. Contudo, o

acompanhamento das empresas calçadistas não foi simultâneo, o que levou

algumas grandes empresas de calçados a integrarem verticalmente a produção

de alguns componentes em suas novas plantas no Nordeste. O

desenvolvimento de produto, entretanto, é ainda realizado no Sul, onde são

maiores o domínio de técnicas e os ganhos de interação com demais

segmentos e centros tecnológicos.

No gráfico a seguir, a distribuição, por Estado, da indústria de

componentes revela, mais uma vez, a predominância do Rio Grande do Sul.

Em seguida, com aproximadamente 20% e 10%, respectivamente, situam-se

os estados de São Paulo e da Bahia. É interessante notar que a participação

deste último no segmento de componentes supera folgadamente sua

participação no segmento de calçados, conforme dados apresentados na

próxima seção.

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Gráfico 2

106

5 739 5 5

557

17

205

0

100

200

300

400

500

600N

úmer

o de

Em

pres

as

Número de empresas

Total de empresas por Estado

BA CE GO MG PR RJ RS SC SP

Fonte: ASSINTECAL

5.4. Curtumes

Características gerais e desempenho recente

A indústria brasileira de couro é constituída por cerca de 805 curtumes

formalmente registrados, dos quais 80% podem ser classificados como

pequenas empresas. Estima-se que essa indústria empregue diretamente

cerca de 65.000 pessoas e fature US$ 2,4 bilhões/ano. Segundo dados da

RAIS-MTE, havia, no final da década de 90, 30.846 empregados formalmente

registrados em curtumes, mas esse montante não incorpora a) autônomos, b)

relações informais de emprego e c) aqueles que trabalham em frigoríficos que

possuem setor de curtimento na própria unidade.

Cabe registrar que existem diversos curtumes artesanais, sem qualquer

registro formal, com a produção voltada, prioritariamente, para o mercado

regional de calçados rústicos e, em especial, para o segmento de artefatos de

couro artesanais. Esses curtumes encontram-se mais concentrados nas

regiões menos desenvolvidas, empregando um grande número de pessoas.

Os curtumes podem ser caracterizados conforme as etapas de

processamento do couro a que se dedicam. As principais etapas são a

produção de wet blue, seguida do semi-acabamento e do acabamento, etapas

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essas descritas em detalhe no fluxograma a seguir. Dadas essas etapas, pode-

se dividir os curtumes em quatro tipos diferentes, quais sejam:

• curtume de wet blue - é aquele que desenvolve somente o processamento de couro cru para wet blue (primeiro estágio de processamento do couro) ou para couro piquelado.

• curtume integrado - é aquele que realiza todas as operações, processando

desde o couro cru até o couro acabado. Portanto, tem capacidade para ofertar couro piquelado; couro wet blue; couro semi-acabado e couro acabado.

• curtume acabado - é aquele que utiliza como matéria-prima o couro no

estágio wet blue e o transforma em crust (semi-acabado) e em acabado. • curtume de acabamento - é aquele que realiza apenas a etapa final de

acabamento, utilizando-se do crust como matéria-prima

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FLUXOGRAMA DO BENEFICIAMENTO DO COURO NO CURTUME

Setor Ribeira: • Recebimento do couro cru ou salgado • Retirada dos pêlos através de solução de cal, sulfeto de sódio, tensoativos e amina. • Descarne do couro • Aparação do couro na mesa de refila • Divisão do couro em duas partes: flor (parte posterior) e raspa (parte inferior). • Desencalagem, purga e píquel.

Setor de Curtimento: • Curtimento ao cromo (wet blue) ou ao tanino (atanado) • Classificação manual • Secagem do couro • Máquina de rebaixamento do couro, onde a espessura do couro é calibrado de acordo com o pedido

do cliente

⇓ Setor de Recurtimento: • Neutralização (utilizando sais alcalinos, como bicarbonato e formiato de sódio), recurtimento (com

sais de cromo, taninos vegetais, taninos sintéticos e resinas), tingimento e engraxe (óleos naturais e sintéticos modificados)

• Secagem do couro

⇓ Setor de Semi-acabados: • Recondicionamento e amaciamento (com molissa, fulão de bater ou outro método) • Secagem final em toggling • Lixamento de couro (opcional)

⇓ Setor de Acabamento: • Aplicação das camadas de acabamento (impregnação, fundo, cobertura e fixação (top)) • Tratamentos mecânicos (prensagem, estampagem, polimento etc.)

⇓ Setor de Qualidade: • Inspeção final do couro Fonte: Azevedo & Vilhosis (2000) e MDIC.

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A produção brasileira de couro, apresentada na Tabela 16, quase

triplicou nos últimos 20 anos, passando de 13,8 milhões de couros, em 1980,

para 32,5 milhões em 2000 - o que representa cerca de 11% do mercado

mundial.

Tabela 16 Evolução da Produção de Couro no Brasil

Unidade: 1.000 couros Ano 1980 1984 1988 1990 1992 1994 1996 1997 1998 1999 2000 Produção de Couro

13.850 16.010 22.400 23.000 24.000 24.500 28.000 29.000 30.000 31.000 32.500

Exportação 1.284 3.035 6.428 5.675 5.746 6.788 13.275 14.435 14.865 14.538 14.739 Fonte: CICB

Nesse meio tempo, a oferta mundial teve crescimento médio, ao longo

da década de 90, de apenas 1,08% ao ano. Os EUA, o maior país produtor,

experimentou um crescimento no período de apenas 1,3% ao ano, tendo

havido queda de produção da Argentina, dos países europeus e, em especial,

dos países que compunham a antiga União Soviética. Diante desse quadro,

ganham relevância, juntamente com o Brasil, novos atores, como a China −

cuja produção abastece exclusivamente seu crescente mercado interno −, a

Austrália e o Canadá. É digno de nota que a taxa de crescimento verificada

nesses países foi durante a década de 90, ligeiramente inferior à brasileira, o

que reforça o papel de destaque que assume o setor coureiro brasileiro

mundialmente. Os acontecimentos do ano 2001, que resultaram no abate de

milhões de reses sob suspeita de contaminação pela febre aftosa, tendem a

acentuar essa tendência. Nesse particular, a produção européia e argentina

foram particularmente prejudicadas.

Conforme apontado na seção relativa à pecuária de corte, prevê-se um

crescimento da oferta de peles (abate) de quase 50% até 2010 (3,87% ao ano),

quando o Brasil deverá ofertar cerca de 45 milhões de couros. Este

crescimento deve ser ancorado sobretudo no aumento da taxa de desfrute do

rebanho, o que eqüivale a um aumento de produtividade. Entre 1999 e 2000,

por exemplo, houve um aumento do abate de 31 para 32,5 milhões de cabeças

(Tabela 16), sem que houvesse aumento expressivo do rebanho, que passou

de 164,6 para 165,4 milhões (Tabela 21, apresentada a seguir). Como a taxa

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de desfrute é ainda baixa no Brasil (20,9%), há grande espaço para o

crescimento do abate.

As exportações brasileiras também vêm apresentando acentuado

crescimento. Saliente-se que no período 1980 a 2000, o número de couros

exportado aumentou em 1.048%, alcançando 14,7 milhões de unidades

(Tabela 16). Cerca de 57% do valor e 85% da quantidade exportada

correspondem a exportações de wet blue (Tabela 17), primeiro estágio de

industrialização do couro, o que evidencia o forte predomínio de exportações

de menor valor agregado.

Vale observar, na Tabela 17, que a relação entre a quantidade

exportada de couro wet blue e a total cresceu sistematicamente entre 1996 e

2000, o que é uma tendência indesejável sob o aspecto de agregação de valor.

O mesmo não ocorreu com o valor exportado, uma vez que houve queda do

preço relativo do wet blue em 1999, interrompendo a série de aumento da

participação deste produto no valor total exportado. É importante frisar que os

dados de 2001, indicam uma reversão dessa tendência, com sensível queda da

participação do wet blue na quantidade e valor exportados pelo setor

(respectivamente, 76,5% e 54,7%). Do ponto de vista de agregação de valor, a

maior relevância do wet blue implica um menor valor das exportações

relativamente aos couros crust e acabado. Do ponto de vista ambiental, a

fabricação do wet blue, por conta da utilização de cromo, constitui a etapa mais

poluente de toda a cadeia produtiva.

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Tabela 17 Evolução da balança comercial da indústria do couro

(em US$ 1.000) Salgado Wet Blue Crust Acabado Total Ano

Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo 1996 17.370 2.877 14.493 353.365 34.043 319.322 118.610 84.684 33.926 167.808 17.052 150.756 657.153 138.656 518.497

1997 11.892 612 11.280 394.762 31.426 363.336 133.577 91.149 42.428 177.952 13.165 164.787 718.183 136.352 581.831

1998 12.397 425 11.972 382.448 24.040 358.408 117.454 92.367 25.087 140.402 11.133 129.269 652.701 127.965 524.736

1999 3.819 205 3.614 304.892 16.212 288.680 129.320 102.159 27.161 147.349 10.460 136.889 585.380 129.036 456.344

2000 1.429 1.817 (388) 426.708 44.303 382.405 175.577 98.886 76.691 138.754 14.983 123.771 742.468 159.989 582.479

2001(jan/abr) 1.874 39 1.835 173.051 13.655 159.396 108.313 44.055 64.258 73.737 7.864 65.873 356.975 65.613 291.362

Fonte: SECEX/DECEX

(em 1.000 Kg) Salgado Wet Blue Crust Acabado Total Ano

Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Saldo 1996 23.476 1.071 22.405 154.198 7.109 147.089 11.726 3.958 7.768 11.499 1.379 10.120 200.900 13.518 187.382

1997 14.536 604 13.931 169.635 6.980 162.655 10.903 4.446 6.457 11.957 1.003 10.954 207.031 13.034 193.997

1998 17.759 466 17.293 182.975 5.491 177.484 10.176 7.567 2.609 9.516 691 8.825 220.427 14.215 206.212

1999 7.862 709 7.154 165.439 4.357 161.082 13.072 6.240 6.832 12.194 643 11.551 198.568 11.949 186.619

2000 3.036 1.781 1.254 166.402 13.680 152.721 15.477 5.027 10.451 10.211 1.020 9.191 195.126 21.508 173.617

2001(jan/abr) 2.274 25 2.248 64.983 3.607 61.376 14.545 2.210 12.336 4.664 476 4.188 86.466 6.318 80.148

Fonte: SECEX/DECEX

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Um mercado em expansão para couros bovinos é o de estofamento

residencial e automotivo. Em oposição ao caso de artefatos, o mercado de couro

para estofamento exige peles de qualidade superior, em especial pela

disponibilidade de peles extensas com poucos ou nenhum defeito. Neste

segmento de mercado, as perspectivas de crescimento da indústria do couro são

elevadas, em particular na sua relação com a indústria de móveis, pois no

mercado de estofados brasileiros, por exemplo, apenas 2% a 4% da oferta é

relativa aos revestidos de couros. Na Europa, esse índice alcança 40% e nos

EUA, 20%. As perspectivas de crescimento também são boas diante do

desempenho positivo da indústria de móveis brasileira, que deve crescer

exportações e já é beneficiária de programas de apoio às exportações, articulados

via APEX.

Condicionantes da competitividade

A agregação de valor na cadeia requer investimentos significativos, com

reflexos importantes no nível de emprego e no custo ambiental, conforme mostra o

Quadro 3, com parâmetros para a industrialização de 1.000 couros/dia e 20.000

pares de calçado/dia.

Quadro 3 Agregação de valor na cadeia produtiva

Itens Salgado Wet blue Acabado Calçado

Mão-de –obra (nº de empregados)

10 40 300 2.200

Investimentos em máquinas e instalações (R$ milhões)

0,5 1,5 8 25

Processo (nº de operações)

5 20 70 137

Insumos químicos (custo direto em R$ milhões)

0,75 3,2 15,7 3,0

Custo ambiental (instalações/equipamentos) (R$ mil)

--- 1.000 1.200 12

Custo total da produção (MDO + MP + Ins. Quim.) (R$ mil)

16 25,7 53,6 170

Fonte: CICB

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Entre os fatores que explicam a concentração das exportações em produtos

de menor valor agregado têm-se: i) sistema tributário, em especial pelas

dificuldades no ressarcimento de créditos no Brasil; ii) barreiras tarifárias a

produtos de maior valor agregado; e iii) tendência crescente de redução do lead

time (tempo de resposta a pedidos) entre acabadores e calçadistas, o que dificulta

as exportações de couro acabado15.

Um importante entrave à competitividade da cadeia de couros e calçados

no âmbito institucional é o custo tributário, em especial às empresas exportadoras.

A Lei Complementar 87/96, conhecida como Lei Kandir, teve como propósito

desonerar de impostos as exportações brasileiras, isentando de ICMS as

mercadorias destinadas ao exterior. Com o mesmo objetivo, a Lei 9.363, também

instituída em 1996, procurava retirar das exportações o ônus fiscal decorrente da

incidência do PIS e Cofins em cada etapa da cadeia produtiva (tendo, portanto,

efeito cumulativo). Para isso, o montante pago na forma dessas contribuições, no

caso de exportação do produto, poderia ser recuperado como crédito sobre o

Imposto de Produtos Industrializados (IPI). Setores com alíquota “0” de IPI, como

curtumes, e que exportam parte relevante de sua produção acumulam créditos

fiscais, não podendo fazer uso desses créditos diretamente como desconto no IPI

devido. Esses créditos acumulados deveriam ser, então, recuperados em moeda

ou na aquisição de insumos diversos. Em tese, este conjunto de normas desonera

de impostos as exportações brasileiras, no entanto, as dificuldades burocráticas

para a recuperação do crédito fiscal impossibilitam a sua efetiva utilização.

Essa distorção tributária desfavorece em especial as empresas que

exportam uma elevada fração de sua produção, as quais tendem a acumular mais

créditos fiscais. Esse quadro tem levado algumas empresas exportadoras a

importar couro, apesar da disponibilidade doméstica, via drawback.

O predomínio de exportações de wet blue decorre também das barreiras

tarifárias aos produtos de maior valor agregado. O principal exemplo é a sobretaxa

de 6,5% sobre os couros crust e acabados, aplicada pela União Européia.

15 Em linguagem técnica, a redução do lead time eleva a especificidade temporal dos ativos, o que resulta em maiores custos de transação na venda no mercado internacional. Diante disso, é comum calçadistas integrarem verticalmente ou utilizarem-se de contratos de longo prazo para a etapa de acabamento do couro.

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Adicionalmente, a tendência de estreitamento das relações entre

acabadores e indústria calçadista, ao exigir grande velocidade de resposta aos

pedidos, dificulta as exportações de couros acabados. A tabela abaixo evidencia

que as indústrias calçadistas mais dinâmicas, como a italiana e a chinesa,

absorvem preponderantemente o wet blue. Em contraposição, indústrias mais

tradicionais (item “outros”) absorvem uma maior proporção de couro acabados. A

Tabela 18 mostra, adicionalmente, os efeitos perversos da política protecionista

européia, que dificulta a entrada de produtos de maior valor agregado.

Tabela 18 Exportação de couro para os principais importadores (1999)

US$ mil

Wet Blue Crust Acabado Total Destino 2000 2000 2000 2000

Itália Portugal Espanha

268.492 31.933 23.970

27.525 6.075

418

3.653 3.517

220

299.670 41.526 24.607

Subtotal 324.395 34.018 7.390 365.803 % sobre subtotal do tipo 76,0 19,4 5,3 49,4 China EUA Hong Kong Cingapura Mercosul Outros

10.022 973

24.910 13.410 14.105 38.892

5.029 45.485 38.504 17.214

622 34.705

8.877 27.522 36.363

956 2.761

54.885

23.929 73.980 99.778 31.580 17.488

128.482 Total por tipo 426.708 175.577 138.754 741.040 Total Capítulo 41

760.223

% por tipo no Cap. 41

56,1 23,1 18,3 97,5

Fonte: SECEX/DECEX

Estima-se que a capacidade instalada da indústria curtidora, em 1999,

encontrava-se distribuída da seguinte forma:

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67

Tabela 19 Capacidade Instalada – 1999

Espécie de couro Capacidade (milhões de couros)

Bovino 35,0

Suíno 3,0 Caprino e Ovino 14,0 Equino 1,0

Fonte: CICB

Note-se que os curtumes de bovinos apresentam índice médio de utilização

de sua capacidade instalada de aproximadamente 80%. Já no que diz respeito a

caprinos e ovinos, a indústria vem trabalhando com capacidade ociosa de 40% por

absoluta escassez de matéria-prima, uma vez que há incidência de imposto de

importação sobre as peles cruas ou salgadas desses animais. A oferta doméstica

de couro de caprinos e ovinos, por sua vez, é feita em operação casada e, até

chegar à indústria, passa por atravessadores, o que dificulta o acesso dos

curtumes à matéria-prima. As novas plantas industriais têm bom nível tecnológico,

porém é fundamental que se mantenham atualizadas, e deve-se enfatizar que

parcela significativa das máquinas não tem similar nacional, principalmente

aquelas voltadas ao acabamento de couros inteiros.

Um importante obstáculo enfrentado pelo setor, principalmente para o

dinâmico mercado de estofamentos, é a melhoria da qualidade de seu produto

final, cujo nível atual depende da melhoria da qualidade da matéria-prima, a pele.

O sistema de produção predominantemente empregado na pecuária − de pastejo

extensivo e longo período para abate − resulta em um couro com elevada

incidência de defeitos, por parasitas (sobretudo bernes e carrapatos), cortes, e

outras marcas. Como o pecuarista não percebe um retorno maior pela qualidade

do couro, a prática de marcação a ferro (para identificação dos animais) é

disseminada, também prejudicando o couro.

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De acordo com um documento do Senai-RS16, 60% dos defeitos dos couros

brasileiros têm origem no campo, sendo 40% causados por ectoparasitoses

(berne, carrapato, bicheira), 10% devido à marcação a fogo dos animais e 10%

decorrentes de marcas de arame farpado, galhos e espinhos. Para evitar essas

perdas, seria necessário maior cuidado sanitário na criação, marcação a fogo

segundo determinações da lei n° 4.714 de 29/06/65, pastagens mais limpas e com

cercas de arame liso.

O transporte inadequado do gado da fazenda até o frigorífico é responsável

por mais 10 % dos defeitos das peles. Dentro do frigorífico, as perdas continuam,

seja pela esfola mal feita durante o abate dos animais − responsável por 15% dos

defeitos −, seja por problemas de conservação do couro, acarretando a mesma

porcentagem de defeitos.

Esse conjunto de perdas explica porque nos Estados Unidos apenas 5% do

couro apresentam defeitos, enquanto que, no Brasil, 93% das peles ainda

registram problemas. A partir da pesquisa realizada pelo CICB, apresentada na

Tabela 20, percebe-se a classificação deficiente obtida pelo couro de curtumes do

Brasil:

Tabela 20 Classificação do Couro Brasileiro: Participação Percentual por Tipo

Tipo AA A B C D EI

% de couro 8 22 35 25 7 3

Fonte: CICB apud Ferreira, R.N. O Couro é Insuperável. Brasília, 1997, p.351.

O problema na qualidade da matéria-prima é sobretudo um problema de

coordenação da cadeia produtiva. Não há estímulos adequados para que os

segmentos de pecuária de corte, transporte e frigoríficos implementem as ações

que resultem em um couro de melhor qualidade. Esse aspecto é aprofundado no

16 Racionalização e Melhoria da Qualidade da Matéria-Prima Couro: do transporte do gado à tipificação no curtume. Senai-

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69

item relativo à coordenação vertical, onde a origem do problema e possíveis

soluções são levantadas.

Apesar dos problemas de qualidade de sua matéria-prima, a indústria

curtidora vem realizando esforços voltados à melhoria na qualidade de seus

produtos, mediante programa de gestão qualificada e utilização de equipamentos

atualizados tecnologicamente. Ao mesmo tempo, o Centro das Indústrias de

Curtumes do Brasil – CICB – desenvolveu e implementou o “Programa Brasileiro

de Melhoria do Couro Cru”, que já reduziu, por exemplo, o percentual de couros

furados ou com cortes no carnal, de 40% para 5%, nos frigoríficos que aderiram

ao programa. Embora apresente resultados bastante positivos, a extensão do

programa ainda não foi o suficiente para reduzir os problemas de qualidade do

couro brasileiro.

Como principais estratégias gerenciais observadas no setor como um todo,

pode-se destacar:

a) Automação da produção, permitindo o aumento da qualidade e

uniformidade do produto e, a depender da relação de preços entre

máquinas e salários, uma redução dos custos variáveis. Atualmente,

menos de 3% dos curtumes são automatizados. Mesmo diante dos

benefícios citados, a taxa de investimento em automação reduziu-se nos

últimos anos. Isto deveu-se principalmente à dificuldade de acesso às

linhas de crédito.

b) Implantação de gestão da qualidade, programa definido em dois níveis:

qualidade total e gestão ambiental (ISO 14.000).

c) Introdução de tecnologias CAD-CAM (computer-aided design e

computer-aided manufacturing ), ampliando o componente de

design nos produtos; e

d) Disseminação de ferramentas de gestão de suprimentos, como just in

time e kanban, que permitem a redução de estoques.

RS, 1995 (mímeo).

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70

Estrutura de Mercado e Grupos Estratégicos

Os curtumes no Brasil constituem um mercado pouco concentrado, dada a

presença de inúmeras empresas, com participações modestas no mercado.

Conforme pode ser observado na Tabela 21, a maior empresa, em termos de

faturamento (receita operacional líquida), detém apenas 12,5% do total do

mercado, sendo seguida por cerca de 25 empresas que detêm entre 1% e 10% do

mercado. Deve-se acrescentar que há inúmeros curtumes artesanais, sem

qualquer registro formal, mas que empregam, nas regiões menos desenvolvidas,

um grande número de pessoas. Sua produção volta-se, prioritariamente, para o

mercado regional de calçados rústicos e, em especial, para o segmento de

artefatos de couro artesanais. Como conseqüência, a indústria de curtumes é

bastante fragmentada e heterogênea.

Esse padrão de estrutura de mercado, no entanto, não é observado quando

se tem como referência a participação nas exportações. Embora a maior empresa

tenha uma pequena participação no total de exportações, o número de empresas

que participa desse mercado é consideravelmente reduzido. Desse modo, a

análise da estrutura de mercado dos curtumes indica uma relativa

desconcentração, porém alguma barreira de mobilidade entre as empresas que

atuam no mercado externo e interno. Essas barreiras podem estar sendo

atenuadas com o desenvolvimento das exportações de wet blue. Segundo

pesquisa realizada na Unisinos, o grau de concentração de mercado (Herfindahl-

Hirshman), além de baixo em termos absolutos (0,018)17 vem decrescendo nos

últimos anos (Abril, 1997, pp. 76).

17 De acordo com o Merger Guidelines , considera-se um mercado desconcentrado aquele que apresenta um índice de Herfindahl-Hirshman inferior a 0,08 (ou 800, conforme o modo de cálculo).

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Tabela 21 As Maiores Empresas de Curtumes (1998)

Classif. Empresa Sede Rec. Oper. Líq (R$ mil)

Cresc.Rec. Oper. Líq.

(em %)

Lucro Líquido (em R$ mil)

Endividamento Total(em R$ mil)

Valor Exportado 1.Trimestre de 98

(US$) 1 Braspelco MG 58.059,0 59,8 2.846,0 23.564,0 25.528.883,0 2 Corbetta RS 49.399,0 14,5 `(9.371,0) 33.873,0 3 Fuga Couros RS 31.501,0 20,6 1.090,0 1.610,0 5.556.494,0 4 Podboi SP 28.494,0 `(2,9) `(1.258,0) 8.206,0 5 Bender RS 27.441,0 36,7 `(139,0) 14.558,0 3.680.942,0 6 Aimoré RS 22.796,0 33,2 1.035,0 1.707,0 7 Campelo BA 20.871,0 26,0 1.080,0 1.908,0 3.202.470,0

8 Viposa SC 19.113,0 11,7 1.158,0 2.780,0 9 Arthur Lange RS 17.622,0 `(0,3) `(1.681,0) 26.401,0 2.875.102,0

10 Bartos (1) SP 15.452,0 0,0 - - 11 Covasa RS 14.234,0 26,3 `(50,0) 4.935,0 12 Brespel BA 13.508,0 31,6 357,0 2.827,0 13 Kern Mattes RS 11.686,0 20,9 316,0 -

14 Moderno PE 11.034,0 5,9 `(1.654,0) 9.376,0 15 Penheiros RS 10.954,0 24,5 `(204,0) 2.641,0

16 Incopesa PR 10.695,0 64,0 210,0 5.321,0 17 Cadorna (1) SP 9.452,0 0,0 - - 18 Curtume Basso RS 9.114,0 `(12,7) `(4.768,0) 20.214,0 19 Curtumes Cearenses CE 8.198,0 5,3 `(396,0) 8.445,0

20 Vacchi Ind. Com. RS 7.608,0 44,5 `(8.166,0) 23.642,0 21 Della Torre (1) SP 7.045,0 0,0 - -

22 Curtume Leão (1) SP 6.476,0 0,0 - - 23 Krumenauer RS 6.100,0 `(7,3) 176,0 657,0 24 Berto MT 5.744,0 69,9 134,0 1.967,0 25 Dal Bo (1) SC 5.581,0 0,0 - -

26 Curtume Santa Fé RS 5.564,0 5,3 40,0 825,0 27 Irmãos Coutinho PE 5.099,0 38,0 1.299,0 526,0 28 Inpasa Couros PB 5.040,0 52,3 512,0 589,0

29 Inpele RN 4.048,0 36,2 618,0 2.927,0 30 Açay T O 3.062,0 135,2 `(1.325,0) 2.339,0

31 Centro Oeste GO 2.952,0 46,8 `(197,0) 2.334,0 32 Yurgel RS 2.030,0 42,8 461,0 195,0 33 Pedro Corsi SP 1.615,0 20,8 159,0 126,0 34 Leuck Mattes RS 1.548,0 `(25,7) `(1.382,0) 2.122,0

35 São Paulo Curtume SP 1.458,0 `(7,1) `(1.553,0) 2.968,0 36 Tannery MT 1.139,0 39,6 `(1.648,0) 4.446,0

37 Santelena MG 963,0 - 30,0 61,0 39 Curtume do Pará PA - - - 979,0 41 Minuano RS - - - - 4.211.249,0 46 Colorado Couros RN - - - 2.618,0

49 Bracol - - - - - 17.240.459,0 50 CS Pesquisas - - - - - 5.898.892,0

51 Sadesa - - - - - 5.454.275,0 52 Wyny do Brasil - - - - - 5.172.421,0 53 Reichert Curtume - - - - - 3.974.453,0 54 Apucacouros - - - - - 3.880.001,0

55 Prudente Couros - - - - - 3.160.885,0

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56 Mombelli &Cia. Ltda. - - - - - 3.099.502,0 57 Curtume Touro - - - - - 3.013.931,0

58 Coimpar Coan - - - - - 2.915.364,0 59 Curtume Europa Ltda. - - - - - 2.776.321,0

60 Agrolatina - - - - - 2.769.318,0 61 Curt. Monte Aprazível - - - - - 2.682.041,0 62 RGS - - - - - 2.614.140,0

Acumulado 462.695,0 `(3,2) `(22.271,0) 217.687,0 186.268.125,0

Fonte: Gazeta Mercantil - Balanço Anual e Panorama Setorial e Revista Couro Business, ano I n.1, julho/ago. 98

Embora os dados apresentados na Tabela 5.6.9 não discriminem a que

etapa do processamento cada curtume se dedica, segundo entrevistas foi possível

diagnosticar a presença de quatro tipos de curtumes, em termos das etapas que

realizam: a) curtumes integrados, que realizam todas as etapas, do couro verde ao

acabado; b) curtumes de wet blue, que se dedicam apenas à primeira etapa de

curtimento; c) curtumes de acabados, que adquirem o wet blue e o transformam

em crust (semi-acabados) e acabados; e d) seções de acabamento, que realizam

apenas a etapa final de acabamento, utilizando-se do crust como matéria-prima.

Essa divisão entre curtumes é, no entanto, insuficiente para compreender a

inserção competitiva de cada grupo. Do ponto de vista de concorrência, além da

etapa tecnológica a que se dedicam, deve-se segmentar os curtumes segundo os

seguintes parâmetros: a) destino da produção (mercado interno versus mercado

externo), e b) capacitação tecnológica. Assim, pode-se dividir a indústria de

curtumes em cinco grupos estratégicos principais18

, podendo a mesma empresa

atuar em mais de um desses grupos. Um resumo desses grupos e suas principais

características é apresentado na Quadro 4. Para cada um dos grupos há um

conjunto de fatores-chave para a competitividade, como, no caso de curtumes

exportadores de wet blue, a proximidade da matéria-prima e a escala de

produção. O primeiro elemento garante vantagens absolutas de custo, uma vez

que o couro verde é um dos principais componentes do custo final. O segundo

elemento, a escala de produção é importante por viabilizar a utilização dos canais

de exportação individuais. Este grupo não enfrenta fortes obstáculos, uma vez que

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o domínio da tecnologia e o processo de venda, por se tratar de uma commodity,

são relativamente simples. Nesse sentido, o principal obstáculo é o fato de se

tratar de um produto de baixo valor agregado, sendo comercializado com margens

pequenas e forte concorrência por preços. Os três primeiros grupos apresentam

alguma barreira de mobilidade, ou seja, não é automática a entrada de outros

curtumes em cada um desses grupos, o que deve estar associado a uma maior

rentabilidade.

18 Esses cinco grupos não esgotam todas as possibilidades, mas representam a atuação da maior parte dos curtumes brasileiros.

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Quadro 4 Grupos Estratégicos em Curtumes

Principais Grupos Estratégicos

Fatores de sucesso Obstáculos Barreiras de mobilidade

Exportadores de wet blue, abastecendo ou não o mercado interno

•Proximidade da oferta de couro verde (ex: Centro -Oeste)

•Escala elevada

•Produto de baixo valor agregado

Média, dada pela escala de produção

Exportadores de crust e acabados

•Domínio de tecnologia

•Escala elevada

•Esforços de marketing

•Distribuição complexa pela diversidade de produtos

•Dificuldade de fornecimento just in time para indústria externa de calçados e artefatos

•Barreiras tarifárias

Elevada, dada pelo domínio da tecnologia, marketing e escala.

Produção de crust e acabados para mercado interno (tecnificados)

•Necessidade de coordenação estrita com empresas de calçados e artefatos (produção em clusters)

•Relação profunda com organizações de apoio à capacitação tecnológica

•Competição com couro importado via draw-back

Média, dada pelo domínio da tecnologia

Produção para mercado interno (não tecnificados, independente da etapa a que se dedicam)

•Baixos custos

•Mercado informal (não arca com custo ambiental e fiscal)

•Ausência de padronização

•Baixa capacidade gerencial

Não há

Curtumes artesanais •Mão-de-obra familiar

•Exploração de nichos de mercado

•Dificuldade de acesso a canais de distribuição

•Problemas na absorção de novas tecnologias/baixa capacidade gerencial

•Dificuldade de renovação de fontes de tanino naturais

Não há

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75

5.5. Matéria-prima: Aspectos relevantes dos frigoríficos e pecuária de corte

Representado por aproximadamente 1 milhão de pecuaristas de gado de

corte e mais de 160 milhões de cabeças de bovinos, a bovinocultura de corte

brasileira abastece a população nacional e parte da população mundial, por meio

de exportações, em especial para Europa e Estados Unidos19

. Entretanto, as

exportações de carne, correspondentes a cerca de US$ 750 milhões em 2000, são

consideravelmente inferiores, em valores, àquelas obtidas pela cadeia de couro e

calçados, que se origina de um subproduto da indústria frigorífica.

O consumo de carne bovina nacional era de aproximadamente 37,0 kg/hab,

em 1999, apresentando tendência de crescimento nos últimos anos. Segundo

estudo promovido por CNA-CNI-Sebrae20

, em um cenário de crescimento do PIB

da ordem de 4% ao ano, o consumo per capita atingiria, em 2010, 44,8

kg/hab/ano, o que, somado ao crescimento populacional, implica um crescimento

do consumo em quase 50% (3,87%a.a.). Também há perspectivas de aumento da

demanda externa, por conta da redução da oferta dos demais países produtores.

Em países europeus, norte-americanos e do Oriente Médio, a tendência é de

estagnação ou pequena redução, em decorrência principalmente de problemas

sanitários, com destaque para o mal da vaca-louca − Encefalopatia Espongiforme

Bovina (BSE)21

− e a febre aftosa.

Neste contexto, o Brasil encontra-se em posição privilegiada, como um país

onde não foi detectado nenhum caso de vaca louca. No que se refere à febre

aftosa, por sua vez, há ótimas perspectivas de obtenção de novas certificações de

área livre junto à OIE (Organização Internacional de Epizootias). Essas

perspectivas decorrem da intensificação da vigilância sanitária, assim como da

certificação por zonas livres de febre aftosa, fazendo com que um foco isolado não

comprometa a certificação em todas as regiões do País. Em 2001, os circuitos

19 As exportações de carnes nacionais somaram, em 2000, 553 mil toneladas em equivalente carcaça, sendo que 56% deste total foram carnes industrializadas. 20 SILVA, C.A. & BATALHA, M.O. (Coord.) Estudo sobre a eficiência econômica e competitividade da cadeia agroindustrial da pecuária de corte no Brasil. Brasília, D.F. : IEL, 2000. 21 Enfermidade causada provavelmente pela ingestão de rações elaboradas a partir de ossos e vísceras de ovinos e/ou bovinos na alimentação do rebanho. Em humanos possivelmente está relacionada com a doença conhecida como o mal de Creutzfeld-Jakob e pode ser transmitida pela ingestão de carne contaminada, ocasionando morte em curto espaço de tempo.

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pecuários Centro-Oeste e Leste, que compreendem cerca de 60% do rebanho

nacional, são consideradas ‘áreas livres com vacinação’. A expectativa é que, em

um futuro próximo, os circuitos pecuários Sul, Norte e Nordeste recebam a mesma

certificação. Em médio prazo, prevê-se a erradicação da febre aftosa do Brasil,

com a conseqüente certificação pela OIE de ‘área livre sem vacinação’ de todos

os circuitos pecuários. Esses fatores, em conjunto, são importantes para atestar a

sanidade do rebanho nacional e, conseqüentemente, incrementar as exportações

nacionais. A ampliação da produção de carne, por sua vez, implica o aumento da

disponibilidade interna de couro cru.

A expansão da participação da carne bovina brasileira no mercado externo

pode ser, entretanto, dificultada pelo protecionismo praticado especialmente pela

U.E., que subsidia fortemente o setor. A rastreabilidade exigida por esses países

pode apresentar-se como uma nova barreira ao comércio internacional.

Há grande heterogeneidade tecnológica na pecuária de corte, o que implica

grande variação na taxa de desfrute do rebanho, entre 17% e 25%. A mera

difusão das tecnologias disponíveis pode aumentar o volume de abate em cerca

de 25%, por meio de um aumento da taxa de desfrute de 20% para 25%, sem

necessidade de aumento do rebanho brasileiro.

De maneira geral, houve evolução significativa dos índices de produtividade

do rebanho de corte, nos últimos anos. A idade de abate sofreu redução, nas

principais áreas produtoras, de 4 a 4,5 anos para 3 a 3,5 anos. A idade de primeiro

parto, segundo estudo da CNA-CNI-Sebrae, também reduziu-se para cerca de 3,5

anos, em várias regiões. Melhoria foi igualmente apontada nos índices de

mortalidade, pela adoção de esquemas mais adequados de vacinações. Esse

processo de elevação da produtividade (abate mais precoce) terá um duplo efeito

sobre a cadeia produtiva de couro e calçados: a) aumento da produção e,

conseqüentemente, da disponibilidade interna de couro; e b) melhoria da

qualidade do couro.

O fato de se abater animais mais velhos no Brasil, leva a um couro de pior

qualidade, diferente por exemplo, do couro utilizado na Itália, que é de bezerro, e

do couro argentino, onde o animal também é abatido mais precocemente. Há

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diversos motivos para uma elevada correlação entre qualidade do couro e idade

de abate do animal. Entre esses motivos, pode-se destacar: a) o menor tempo de

exposição dos animais aos parasitas e eventuais acidentes, b) o menor tamanho

do poro do couro de animais jovens, e c) o abate de novilhas, evitando o efeito

adverso da prenhez sobre a qualidade do couro, uma vez que pode gerar estrias

no mesmo. Como conseqüência, a redução do período de abate que vem sendo

observada na pecuária brasileira deve resultar em couros de melhor qualidade.

A distribuição do rebanho bovino nacional mostra o predomínio dos estados

do Centro Oeste, onde se encontra cerca de um terço do rebanho nacional

(Tabela 22). Nesta região, destacam-se os estados do Mato Grosso do Sul e

Goiás. Em segundo lugar ficam os estados do Sudeste, com destaque para o

estado de Minas Gerais. Em seguida estão os estados do Sul, Nordeste e Norte.

Essa configuração revela a consolidação das regiões novas, em contraposição às

regiões tradicionais, como o Sul e o Sudeste, que, na década de 70,

concentravam quase a totalidade do rebanho nacional.

Tabela 22 Distribuição do rebanho bovino nas regiões brasileiras

Unidade: 1.000 cabeças Região 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000*

Norte 13.317 15.362 15.847 17.067 17.966 19.183 17.983 19.298 21.099 22.431 23.325

Nordeste 26.190 26.669 26.912 22.527 22.825 23.174 23.882 23.831 21.981 21.875 21.562

Sudeste 36.323 36.724 37.231 37.627 37.604 37.168 36.605 36.977 37.074 36.899 36.832

Sul 25.326 25.272 25.451 25.727 26.429 26.641 26.421 26.683 26.600 26.190 26.078

Centro-Oeste

45.946 48.109 48.788 52.186 53.420 55.061 53.398 54.627 56.402 57.227 57.781

Total do Rebanho

147.102 152.136 154.229 155.134 158.243 161.228 158.289 161.416 163.154 164.621 165.480

Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA *Estimativa

Outro aspecto relevante da distribuição espacial do rebanho diz respeito às

atividades de cria, recria e engorda. Historicamente, a engorda e o abate têm se

localizado próximo aos centros de consumo, ficando a cria e a recria nas regiões

mais afastadas (particularmente no Centro-Oeste). Mais recentemente, entretanto,

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uma nova tendência tem sido verificada, mudando o panorama tradicional

observado acima. Esta nova tendência aponta para a instalação de frigoríficos nas

áreas de fronteira, o que se torna viável pelo barateamento do transporte de carne

desossada e por políticas tributárias que dificultam a comercialização de animais

vivos.

Com objetivo de melhorar a qualidade da carne bovina, foram

desenvolvidos Programas de Novilho Precoce em vários Estados brasileiros. O

primeiro Programa foi lançado em 1992 pelo governo do Mato Grosso do Sul,

iniciativa seguida pelo Estado do Mato Grosso, em 1993, pelos Estados de Minas

Gerais e Goiás, em 1994, São Paulo, em 1995, e, posteriormente, pelos Estados

do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia. Em síntese, procura-se

incentivar o abate de bovinos jovens por meio da redução do ICMS e/ou

estabelecimento de linhas especiais de financiamento. Entretanto, o real estímulo

para o pecuarista é o aumento da produtividade e lucratividade, decorrente da

redução do período para abate.

Os programas de novilho precoce estão, geralmente, associados à

formação de alianças mercadológicas entre produtores, frigoríficos e

supermercados para comercialização de carnes diferenciadas. Em 1999, já havia

várias alianças constituídas no país (RS, SP, BA, MT, MG e SC). O MAPA

(Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), por meio do Programa

Nacional de Carne Bovina de Qualidade/Novilho Precoce tem estimulado a criação

de novas alianças e os programas estaduais. Estima-se que o montante

atualmente abatido em alianças mercadológicas esteja entre 7% e 12% do total do

abate de bovinos no Brasil, com perspectivas de crescimento. Essa tendência de

crescimento do abate precoce deve ter efeitos positivos também sobre a qualidade

do couro brasileiro.

Frigoríficos

Constituída por cerca de 800 empresas formalmente registradas, a indústria

frigorífica opera em ambiente de forte concorrência. Pode-se distinguir dois grupos

estratégicos: a) o que está direcionado a atender os segmentos de mercado que

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exigem conformidade do produto, como o mercado externo e grandes redes

supermercadistas; e b) aquele voltado prioritariamente a mercados regionais,

tendo no preço sua principal variável de concorrência.

Embora de forma não homogênea, a indústria nacional mantém um nível

tecnológico compatível com os padrões internacionais. A modernização se

observa, com implantação de sistemas informatizados e de automação no primeiro

grupo estratégico. No segundo grupo, em contraposição, os equipamentos

encontram-se defasados tecnologicamente e em condições precárias.

No Brasil, os frigoríficos instalados têm escala que varia de 500 a 2000

abates/dia, em um mercado com baixo grau de concentração. Poucas empresas

realizam controle da qualidade dos animais adquiridos, preferindo ter como

fornecedores os criadores que oferecem animais mais uniformes, especialmente

em peso, e que oferecem couro de melhor qualidade.

A mão-de-obra utilizada no abate e processamento é farta e de baixa

qualificação. Com raras exceções, a rotatividade é alta e o absenteísmo é baixo.

Ainda que de forma incipiente, existe preocupação em seu treinamento,

especialmente no primeiro grupo estratégico, o que pode ter conseqüências

positivas sobre a qualidade do couro.

O crescimento da produção pecuária no Centro-Oeste, especialmente, tem

levado à instalação de frigoríficos nesta região. Os que permanecem no Sudeste

tentam se aproveitar de vantagens por estarem mais próximos dos centros

consumidores, concentrando-se nas etapas de produção que se beneficiam dessa

proximidade. Entre essas vantagens, destaca-se a maior proximidade dos

principais varejistas, que exploram segmentos de mercado de maior valor,

desenvolvendo alianças estratégicas objetivando a diferenciação de produto. De

um modo geral, os custos logísticos indicam que o abatedouro tende a localizar-se

proximamente ao rebanho bovino e a indústria de processamento (carnes

processadas) junto à distribuição de seus produtos. Uma importante conseqüência

desse movimento para a cadeia de couro e calçados é a tendência do abate e,

portanto, da produção de couro, apresentar um padrão de localização semelhante

ao do rebanho bovino.

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Finalmente, aspecto de grande importância para o setor, particularmente

para a qualidade do couro, é o transporte de animais. Este é, em geral, realizado

por frota terceirizada e os custos correm por conta dos frigoríficos. Nesta etapa,

seria ideal substituir o uso do guizo pontiagudo ou roseta por bastões de choque

elétrico no manejo e fazer uma revisão da carroceria do caminhão antes do

embarque dos animais para evitar cantos vivos, pontas de prego ou parafusos,

travessas quebradas ou madeiras lascadas.

Na chegada dos animais ao frigorífico, a atividade de preparação para o

abate também exige alguns procedimentos importantes para se obter um couro de

boa qualidade. A vasoconstrição provocada pelo banho frio antes do abate é uma

delas. Sua finalidade é tornar a sangria mais eficiente e evitar um defeito

conhecido como “veiamento” nos couros curtidos. Nesse caso, a exemplo do

transporte, a prática benéfica ao couro também tem implicações positivas sobre a

qualidade da carne.

No abate, a esfola (retirada do couro) é outra atividade sob a

responsabilidade dos frigoríficos, com profundas conseqüências sobre a qualidade

do couro. É importante evitar sujar o couro do animal com sangue, evitar a ruptura

da camada superior do couro (flor), evitar fazer cortes, furos e raias no couro

durante a esfola e, se possível, adotar equipamentos para a esfola mecânica

(facas circulares e rotativas com acionamento por ele tricidade ou ar comprimido),

substituindo o uso das facas manuais. Uma sangria limpa e completa diminui a

proliferação de bactérias, reduzindo perdas de qualidade na próxima etapa: a

conservação do couro.

Deve-se destacar, entretanto, que os prejuízos à qualidade do couro muitas

vezes não são absorvidos pelos frigoríficos, uma vez que a maior parte vende as

peles pelo sistema de ‘bica corrida’22

. No caso desses frigoríficos, não há

estímulos de mercado para a adoção de práticas que reduzam as perdas e

defeitos no couro. Além disso, os frigoríficos do segundo grupo estratégico têm o

preço como principal variável de concorrência, tendo a qualidade da carne uma

22 O termo ‘bica corrida’ é utilizado para denominar sistemas de comercialização em que não há sistema de classificação das mercadorias. Uma de suas conseqüências é não proporcionar um prêmio adequado aos produtos de qualidade superior.

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importância secundária na orientação de suas ações. Como resultado, as práticas

benéficas à qualidade da carne que tem desdobramentos positivos sobre a

qualidade do couro (exemplo: cuidados pré-abate) também não são adotadas. O

mesmo não ocorre com os frigoríficos do primeiro grupo e ou integrados ao

processamento do couro. Em ambos os casos, há estímulos para a adoção de

práticas que redundem em melhoria da qualidade do couro. Este ponto é

retomado na próxima seção, que trata de problemas de coordenação vertical na

cadeia de couro e calçados.

6. Coordenação Vertical

A caracterização da competitividade da cadeia produtiva de couro e

calçados não depende apenas da identificação da competitividade em cada um de

seus segmentos, o que foi abordado nas seções anteriores. Quanto mais

apropriada for a coordenação entre os componentes do sistema, menores serão

os custos de cada um deles, mais rápida será a adaptação às modificações de

ambiente e menos custosos serão os conflitos inerentes às relações de cliente e

fornecedor.

A coordenação não é uma característica intrínseca do sistemas produtivos,

mas sim resultado de uma construção dos agentes econômicos. Com a finalidade

de reduzir custos de transação23

, os agentes fazem uso de mecanismos

apropriados para regular uma determinada transação, denominados ‘estruturas de

governança’ (Williamson, 1985). São exemplos de estruturas de governança o

mercado spot, contratos de suprimento regular, contratos de longo prazo com

cláusulas de monitoramento, integração vertical, entre outras.

Não há, a priori, uma estrutura de governança superior às demais. O

conceito de eficiência, útil a uma análise de competitividade, apóia-se na

adequação da estrutura de governança em questão às características da

transação à qual ela se vincula. Em um jargão mais comum à Nova Economia

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Institucional, trata-se de alinhar as estruturas de governança aos atributos das

transações.

As transações abordadas nessa seção são:

1) Comercialização do couro verde;

2) Relação entre curtumes e calçadistas; e

3) Relação entre Indústria de Calçados e Distribuição

Comercialização do couro

A cadeia produtiva de couro e calçados apresenta diversos problemas

relativos à coordenação entre os seus segmentos, vários desses expostos nas

seções anteriores. O papel dessa seção resume-se a destacar os problemas mais

relevantes, constituindo, portanto, uma revisão sucinta dos problemas de

coordenação vertical já destacados.

O principal problema de coordenação identificado resulta da dificuldade de

transmissão de estímulos para que os diversos segmentos da cadeia produtiva

utilizem práticas que resultem em atributos do produto final valorizados pelos

consumidores. Em geral, os frigoríficos entregam o couro cru para os curtumes em

um sistema de vendas denominado “bica corrida”, em que não há um sistema

adequado de classificação. Aqui reside o principal problema, uma vez que os

defeitos das peles não são identificados por ocasião da venda e, por

conseqüência, não há remuneração distinta conforme o produto. Não havendo

estímulos financeiros para as práticas benéficas ao couro, frigoríficos e

pecuaristas mantêm as práticas tradicionais, que hoje implicam custos elevados

ao sistema produtivo. Os defeitos ocorrem até o processo de “bica corrida”, que

pode ser caracterizado como uma “vala comum”, em que a qualidade da pele não

é comercialmente distinguida. Há algumas exceções em termos de

comercialização de couro, como as iniciativas do grupo Braspelco em remunerar o

pecuarista pela qualidade do couro, mas tratam-se de casos isolados no sistema

23 Definidos como os custos de a) elaboração e negociação dos contratos, b) mensuração e fiscalização de direitos de propriedade, c) monitoramento do desempenho, d) organização de atividades e e) de problemas de adaptação.

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de pecuária de corte brasileiro. Pigatto (2001), em entrevista a 19 frigoríficos

paulistas com registro no SIF, constatou que nenhum deles remunerava o

pecuarista pelo couro.

A partir do final da década de 90, observou-se algumas tentativas de

terceirização do beneficiamento do couro wet blue por parte dos frigoríficos. Uma

vez que muitos curtumes apresentam capacidade ociosa, alguns frigoríficos

tentaram terceirizar o processamento primário do couro (wet blue), com o objetivo

de agregar valor ao couro cru e obter melhores preços no mercado. Essa

estratégia deve ter um efeito benéfico sobre a qualidade do couro, estimulando

ações na atividade de abate que resultem em uma diminuição dos defeitos e

perdas24

. Esse efeito é esperado porque os frigoríficos passam a ser remunerados

pela qualidade do couro, ao vendê-lo na forma wet blue, de tal modo que esfolas

mal feitas ou má conservação das peles resultam em perda de receita. Assim, a

preocupação com uma esfola mais adequada passa a fazer parte do cálculo

econômico do frigorífico. Deve-se lembrar que cerca de 30% dos defeitos do couro

decorrem do modo que essas ações − esfola e conservação do couro − são

conduzidas dentro dos frigoríficos.

Relação entre curtumes e calçadistas

As firmas (curtumes) acabadoras surgiram para atender uma necessidade

da indústria calçadista do mercado interno, por dois motivos principais:

• desaparecimento dos grandes curtumes de couro acabado.

• necessidade de reduzir o estoque, que é transferido para os curtumes e

mantido em uma forma genérica (couro para diversas finalidades), ao invés de

uma forma específica (cores e acabamentos para usos específicos).

A indústria de calçados costumava a trabalhar com altos estoques,

decorrentes da necessidade de diferentes acabamentos de couro. Mais

24 Entre essas ações, pode-se citar os cuidados pré-abate, para facilitar a sangria do animal, a esfola com instrumentos adequados e a conservação do couro.

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recentemente, algumas empresas passaram a adquirir couro semi-acabado, ou

seja, sem cor, e, conforme as tendências de mercado, remetem à indústria para o

acabamento (tingimento, resistência à umidade etc.). Além da mudança na gestão

de suprimentos do setor, mudou também o agente que faz a transação. Antes, era

o curtume horizontal que comprava o couro cru , beneficiava em todos os estágios

e entregava para a indústria de calçados. Atualmente, a indústria de calçados

compra o couro wet-blue das indústrias que beneficiam até esse ponto e negocia o

seu beneficiamento nos outros estágios com a indústria acabadora. Fisicamente, a

mercadoria (couro) é transferida diretamente da indústria de wet-blue para a

indústria acabadora, não passando pela indústria de calçados, que apenas o

recebe quando pronto (acabado ou semi-acabado, se possuir acabamento

próprio). Desse modo, a indústria calçadista assume o papel de coordenadora da

cadeia produtiva. A seguir a Figura 2, apresenta essa nova forma de

comercialização no setor de couro e derivados.

Figura 2

Relações de Mercado mercado interno

Antes: Frigorífico curtume horizontal ind. calçadista (couro cru) (beneficiamento do couro em todos os estágios) (couro acabado) Atualmente: Frigorífico Curtume de wet-blue Ind. Acabadora (couro cru) (couro wet-blue) (couro semi-acabado e acabado) Ind. calçadista (estoca couro semi-acabado e usa couro acabado) Negociação Fluxo de mercadoria (couro)

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O principal mérito desse modelo de organização é possibilitar a redução do

lead time, ou seja, do tempo de resposta entre a mudança da demanda e a oferta

do produto. Conforme argumentado na seção relativa aos curtumes, uma das

dificuldades de exportação de couros acabados para a Europa é o pequeno lead

time em que opera a indústria de calçados naquele país, particularmente na Itália.

Dados os prazos de importação e exportação de peles, é complexo manter um

sistema do tipo just in time para abastecimento da indústria de calçados italiana.

Além disso, a grande diversidade de possibilidades de acabamento fazem com

que a estratégia de um estoque pulmão não seja possível ou economicamente

viável. Como decorrência, a indústria de calçados que opera nos segmentos

altamente sensíveis à moda prefere adquirir o couro semi-acabado e realizar o

acabamento em curtumes próprios ou terceirizados. Por essa restrição, a

agregação de valor nas exportações de couro deve-se dar principalmente em

couros semi-acabados, para o mercado europeu e em couros acabados para

mercados menos sensíveis à variação da moda.

Relação entre Indústria de Calçados e Distribuição

Uma das áreas com maior possibilidade de agregação de valor às

exportações brasileiras é a relação entre calçadistas e a distribuição. A esse

respeito, é conveniente distinguir as atividades de gerenciamento da distribuição e

da marca comercializada da atividade de varejo.

Conforme argumentado na seção relativa à indústria de calçados, o Brasil

tem competência ímpar nas atividades de produção, ou seja, na transformação da

matéria-prima em produto final. Entretanto, as competências da indústria de

calçados são menores nas atividades de design e marketing. Particularmente é

evidente a dificuldade de empresas calçadistas gerenciarem uma marca própria

para exploração de mercados externos. Esse problema decorre de uma divisão

espacial das atividades que compõem a cadeia produtiva, que é desfavorável ao

Brasil.

Uma vez que não há, no Brasil, competência empresarial acumulada na

área de comercialização e gerenciamento de marca de calçados, o caminho mais

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aconselhável para a agregação de valor nas exportações é a progressiva

integração vertical dessas atividades nas principais empresas calçadistas, como a

Grendene e Azaléia. A primeira, conforme apresentado na seção relativa ao

segmento de calçados, já se notabiliza pelos esforços de marketing e capacidade

de penetração no mercado americano com marca própria.

Na coordenação entre indústria de calçados e o comércio de calçados, há

também diferenças entre a indústria brasileira e a italiana. O maior concorrente

brasileiro nos calçados de couro, a Itália, geralmente detém o controle da

distribuição de seus calçados para o comércio exterior. Tal controle não atende

apenas a objetivos estratégicos, mas é de grande relevância para assegurar que

os esforços de diferenciação do produto não seja perdidos na atividade de

distribuição. Tomando-se a indústria italiana como o principal benchmarking,

espera-se que esse controle sobre a distribuição venha a se estabelecer apenas

nos segmentos de elevada diferenciação, em que a marca constitua um ativo

específico elevado, cujo valor pode ser perdido por ações dos varejistas que não

podem ser especificadas contratualmente. No caso da comercialização de

calçados sem elevada diferenciação, o controle sobre a distribuição é menos

relevante.

7. Considerações finais

A cadeia produtiva de couro e calçados encontra-se entre os setores em

que o Brasil tradicionalmente apresenta fortes indicadores de competitividade. As

receitas de exportação desse grupo de produtos em muito superam aquelas

obtidas pelo segmento de carnes, da qual surge como um subproduto. Parte dos

problemas encontrados na cadeia, em especial no que se refere à melhoria de

qualidade de derivados de couro, decorre dessa característica peculiar, muito

apropriadamente definida por um empresário do setor na seguinte frase: “o couro

começa como sobra e termina como nobre”.

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O Brasil tem mostrado maior competitividade em etapas de menor

agregação de valor, como o wet blue, no caso de couro, e o processamento do

calçado, avançando relativamente pouco nas atividades de design e marketing.

Há, entretanto, esforços bem sucedidos, sobretudo neste último ponto, em que se

destaca a atuação da Grendene e Azaléia na exploração do mercado internacional

com marcas próprias.

É fundamental destacar também que a organização peculiar da cadeia

produtiva, na forma de aglomerações de empresas, é capaz de conferir maior

competitividade às empresas do que os modelos utilizados em outros setores

industriais. Em especial nos casos do Vale dos Sinos e de Franca, a coordenação

horizontal e vertical entre as empresas da cadeia produtiva permite a elaboração

de arranjos cooperativos em atividades que exigem maiores escalas de operação,

como a comercialização, o design e o acesso às novas tecnologias. Há

perspectivas positivas em outras aglomerações industriais, que – embora não

possam ainda ser denominadas como clusters no sentido de apresentar uma

ligação forte entre os diversos segmentos de produção e apoio – apresentam

sinais expressivos de evolução.

Também o ambiente institucional brasileiro foi alvo de modificações no

período recente que possibilitam a retomada da posição que a indústria calçadista

brasileira chegou a conquistar no início da década de 90. Neste novo ambiente,

destacam-se o cambio favorável às exportações, após quatro anos de forte

apreciação cambial, políticas de promoção das exportações e, finalmente, apoio à

capacitação empresarial. No caso do câmbio, seu efeito é particularmente

importante por conta da elevada concorrência no mercado internacional de couro

e calçados, em que qualidade e preço são ambos atributos necessários para a

expansão das exportações. No caso de calçados, em particular, em que a

intensidade de uso do trabalho é elevada, a desvalorização cambial tem um

impacto proporcionalmente maior do que em setores que se utilizam mais

intensamente de insumos tradeables.

Ao mesmo tempo em que as competências empresariais em

desenvolvimento apontam para uma elevação das exportações – desta vez

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amparadas por um ambiente institucional interno favorável –, a oferta de matéria-

prima, o couro, tem perspectivas muito favoráveis de crescimento. A

modernização da pecuária de corte brasileira e sua posição de destaque ocupada

no mercado internacional de carnes, apontam para um forte crescimento do abate

e, portanto, da oferta de couro. Em síntese, há fundamentos confiáveis para

afirmar que a cadeia produtiva de couro e calçados deve ampliar sua inserção no

mercado internacional, seja no aumento da oferta de produtos, seja na maior

agregação de valor às exportações.

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