Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos...

25
Fórum de Contratação e Gestão Pública ISSN 1676-5826 Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP Belo Horizonte ano 12 n. 142 p. 1-141 out. 2013 FCGP_142_2013-MIOLO.indd 1 22/10/2013 11:33:00

Transcript of Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos...

Page 1: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação

e Gestão Pública

ISSN 1676-5826

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP Belo Horizonte ano 12 n. 142 p. 1-141 out. 2013

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 1 22/10/2013 11:33:00

Page 2: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

© 2013 Editora Fórum Ltda.Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou

fotocópias ou de gravação, sem permissão por escrito do possuidor dos direitos de cópias (Lei nº 9.610, de 19.02.1998).

Luís Cláudio Rodrigues FerreiraPresidente e Editor

Supervisão editorial: Marcelo BelicoRevisão: Cristhiane Maurício Lucieni B. Santos Marilane CasorlaBibliotecário: Ricardo Neto - CRB 2752 - 6ª RegiãoPesquisa jurídica: Ézio Lacerda Júnior - OAB/GO 37488

Daniela Guerra Macedo Vargas Aragão - OAB/GO 23953EResponsável pela orientação prática personalizada: Antônio Flávio de OliveiraCapa: Igor Jamur

Editora Fórum Ltda.Av. Afonso Pena, 2770 - 16º andar - Funcionários - CEP 30130-007Belo Horizonte - MG - BrasilTel.: 0800 704 3737www.editoraforum.com.brE-mail: [email protected]

Os conceitos e opiniões expressas nos trabalhos assinadossão de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Os acórdãos estampados na íntegra correspondem às cópias obtidas junto aos respectivos tribunais ou se originam de publicações de seus julgados.

Impresso no Brasil / Printed in BrazilDistribuído em todo o Território Nacional

F745 Fórum de Contratação e Gestão Pública : FCGP. – ano 1, n. 1, (jan. 2002)- . – Belo Horizonte : Fórum, 2002-

MensalISSN 1676-5826

1. Direito administrativo. I. FórumCDD: 341.3CDU: 342.9

Este periódico está catalogado em:

Nossas orientações práticas personalizadas não pretendem adotar uma posição exclusiva de determinado autor. Toda orientação fornecida deve ser tomada como tal, ou seja, fruto de estudos, pesquisas legais, doutrinadas e jurisprudenciais naquele momento, levando-se ainda em conta a exatidão de dados, objeto e elementos fornecidos pelo consulente.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 2 22/10/2013 11:33:00

Page 3: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013 9ARTIGOS

DOUTRINA

Artigos

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

Agnaldo Nogueira Gomes

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Assessor da Divisão de Parcerias Público-Privadas do Escritório de Projetos do Estado-Maior do Exército.

Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Assessora da Gerência Jurídica, vinculada à Presidência, da Telebrás.

Palavras-chave: Privatização. Parcerias Público-Privadas.

Sumário: 1 Introdução – 2 As Parcerias Público-Privadas na Inglaterra (a origem) – 3 O processo de privatização no Brasil – 4 Parcerias Público-Privadas no Brasil – 5 Breves questões sobre o conteúdo jurídico das Parcerias Público-Privadas no Brasil – 6 Vantagens da Parceria Público-Privada sobre o modelo tradicional de contratação – 7 Conclusão – Referências

1 Introdução

O presente trabalho tem por objetivo pes-

quisar a origem das Parcerias Público-Privadas

(PPP) no Brasil, sob a perspectiva da influência

britânica sobre o modelo pátrio e salientar alguns

aspectos controversos (que pela própria natureza

do trabalho, não se tem a pretensão de esgotar)

que despontaram com o novo modelo concessório

trazido pela Lei nº 11.079/2004.

Parceria Público-Privada é um assunto em

voga, muito embora, fazendo uma análise crítica

das iniciativas dos Governos Federal, Estaduais e

Municipais quanto a esse tipo de modelo contra-

tual, parece que não tiveram o impulso desejado.

As iniciativas estão ainda atrasadas e estancadas,

mormente se levar em consideração as demandas

de serviços, infraestrutura e o número de entes

da federação brasileira, muito embora 22 estados

e o Distrito Federal já possuam leis próprias que

versam sobre questões institucionais, garantias e

setores prioritários.

Nas experiências estaduais (dados de julho

de 2011), as PPPs em sentido estrito (concessão

administrativa e patrocinada) são uma realidade

em sete estados brasileiros. A soma dos valores

estimados dos investimentos nos 17 contratos

analisados chega a mais de 7 bilhões de reais.1 As

experiências de PPPs em prisões, habitação e cen-

tros administrativos ainda são incipientes, mas

abrangem relevantes valores estimados de investi-

mento. O maior número de PPPs estaduais envolve

estádios de futebol que serão utilizados na Copa

do Mundo de 2014.2 A única PPP federal assinada

até o momento é a do Complexo Datacenter BB/

CEF, inaugurado em 20.03.2013, porém há nove

projetos federais em estudo.3

As PPPs são uma das formas de relacio-

namento entre o setor público e o setor privado

— empresas e organizações não governamentais.

Essa relação se dá pela viabilização de arranjos

que propiciam a realização de projetos considera-

dos de interesse social, possibilitando o exercício

de atividade empresarial pelas empresas, ou de

atividade sem fins lucrativos para determinadas

organizações, com perspectiva de retorno positi-

vo para ambos os lados. No ajuste são fixadas as

responsabilidades e obrigações das partes, são

alocados os riscos e é elaborado um plano de fi-

nanciamento que viabilizará a implementação do

projeto.

1 NASSAR. Parcerias Público-Privadas (PPP) no Governo. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.

2 PEREIRA. Observatório das Parcerias Público-Privadas. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.

3 Novo Colégio Militar em Manaus, Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes, Parques Nacionais de Jericoacoara e de Ubajara, no Ceará, Exército abastecimento de veículos militares e controle de frota, Vila Naval (Itaguaí/RJ), Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), Novos Fuzis/IMBEL, Parques Nacionais de Brasília, Chapada dos Veadeiros e das Emas, Receita Federal (NASSAR. Parcerias Público-Privadas (PPP) no Governo. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO).

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 9 22/10/2013 11:33:00

Page 4: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

10 ARTIGOS

A sigla PPP é conhecida mundo afora.

Existe uma série de versões para o surgimento

das Parcerias Público-Privadas. Existem progra-

mas de PPP na França, que é o berço do Direito

Administrativo continental (na sistemática de

que temos aqui no Brasil), na Inglaterra, na África

do Sul, em Portugal, na Espanha, na Noruega, na

Alemanha, na Grécia, na Irlanda, na Itália, no

Japão, na Austrália e no Leste Europeu, que está

migrando para esse tipo de contrato. As normas

da União Europeia impõem basicamente dois re-

quisitos para ingresso na organização: a restrição

fiscal (como tivemos aqui no Brasil com a Lei de

Responsabilidade Fiscal) e a adoção de um progra-

ma de PPP.

Os programas de PPP são uma realidade

em países como os Estados Unidos da América,

Canadá, México, Chile e Colômbia. Somente al-

guns países mais ao sul da América do Sul não

têm programa de PPP.4

Inicia-se o presente trabalho com um histó-

rico sobre o surgimento das PPPs no Brasil, tendo

como pano de fundo sua origem e experiência na

Inglaterra.

Sobre o novo regime concessório no Brasil e

a crise das concessões, partir-se-á para a seguinte

indagação: a PPP é uma concessão? Na Lei

nº 11.079/2004 o legislador escolheu o instituto

das concessões para construir o contrato de PPP.

O Legislador afirma que PPP é uma concessão, no

entanto pretende-se perquirir neste trabalho se

essa hipótese é verdadeira.

Igualmente analisar-se-á o conceito de con-

cessão, ainda que brevemente, alcançando as PPPs

patrocinadas e administrativas que o legislador

denominou ou identificou como modalidades

de PPP. Noutro âmbito, estudar-se-á a concessão

patrocinada — identificando-se o objeto da dele-

gação —, partindo da ideia básica de que uma

concessão envolve um movimento de translação.

Verificar-se-á também a distinção entre a PPP e a

concessão comum da Lei nº 8.987/2005. Por fim,

serão analisadas as concessões administrativas,

e essas, sem dúvida, são as que mais despertam

curiosidades e polêmicas. O ponto fulcral cinge-

se em desvendar se a concessão administrativa é

4 Algumas legislações de PPPs internacionais: Chile, Decreto nº 900, de 1996, do Ministério de Obras Públicas; França, Ordonnance nº 2004 -559, Du 17 juin 2004, sur les contrats de partenariat; Irlanda, National Development Finance Agency Act, 2002; Portugal; Decreto-Lei nº 86, de 2003.

de fato uma concessão, ou uma elucubração, uma

invenção do legislador para tentar fugir do regime

previsto na Lei nº 8.666/1993.

Dentro da concessão administrativa ana-

lisar-se-á sua natureza jurídica, o objeto da dele-

gação, a distinção dos demais tipos concessórios,

assim como as diferenças da concessão adminis-

trativa dos demais contratos já existentes, os quais

são celebrados com base no regime jurídico ante-

rior, instituído pela Lei nº 8.666/1993. Identificar-

se-ão figuras que se assemelham, em muito,

com a concessão administrativa, como o regime

de empreitada integral prevista no art. 6º da Lei

8.666/1993, as terceirizações e as franquias. A in-

dagação que se pretende elucidar é se esses tipos

contratuais não estavam abarcados pelo escopo de

uma concessão administrativa.

Far-se-á, assim, uma correlação — toman-

do-se por base o plano de reforma do aparelho do

Estado — do papel dessas novas concessões em

relação aos setores e atividades do Estado.

Passa-se no próximo tópico às origens dos

programas de PPPs, que se deram na Inglaterra,

que muito influenciaram o novo regime concessó-

rio brasileiro.

2 As Parcerias Público-Privadas na Inglaterra

(a origem)

Para contextualizar o surgimento das PPPs

no Brasil, identificar-se-ão as motivações e os de-

safios encontrados no início da década de 1980,

na Inglaterra, na implantação do seu programa de

PPP.

Na Inglaterra a experiência é a mais expres-

siva de todas. Surgiu fruto de projetos e testes

feitos em um período de tempo. As PPPs são

con sideradas um terceiro estágio ou avanço nas

formas de prestações de serviços na Administração

Pública britânica. A Inglaterra, como os demais

países europeus, sofreu no pós-guerra grande

intervenção do Estado na economia. Lá teve, mais

que no Brasil, um modelo mais consubstanciado

do Welfare State — Estado de Bem-Estar Social.

O Estado, à época, assumia para si grande parte

dos empreendimentos de interesse público, e

esses empreendimentos, na medida em que eram

chamados para o Estado, recebiam o rótulo de

serviços públicos. Por isso pode-se verificar que

por detrás do conceito de serviço público há uma

grande influência histórica. A história é quem

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 10 22/10/2013 11:33:01

Page 5: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

11ARTIGOS

vai indicar o que é ou não serviço público. Sendo

assim, à época do Welfare State pode-se identificar

um rol mais extenso de serviços públicos.

A justificativa seria, então, a crise fiscal do

Estado que se deflagrou pelo alto custo da máqui-

na administrativa e da incapacidade para se pro-

ver os serviços. A resposta imediata a esse período

foram as privatizações (venda de ativos).

No Brasil, nos Governos Militares teve-se

um movimento de descentralização de serviços,

porém, tal movimento foi interna corporis. Os ser-

viços saíram da responsabilidade do ente estatal

e foram transferidos para entidades criadas pelo

Estado, que estavam sob o controle estatal. Eram

as empresas públicas e as sociedades de economia

mista. Houve uma descentralização de serviços

públicos também na Inglaterra, e os empreendi-

mentos de interesse público distribuídos por essas

empresas estatais foram privatizados. Verificou-

se não só a transferência da atividade, como no

Brasil, mas também a venda dos ativos, pois as

empresas estatais foram alienadas para a inicia-

tiva privada. Identificado aqui o primeiro passo

para se chegar às PPPs.

A consequência dessas privatizações foi um

alívio das contas públicas. Aplicava-se o modelo

tarifário em decorrência do modelo de solidariza-

ção de custos — paga quem usava o serviço — e

não mais toda a sociedade por meio de tributos.

Eram os bens diretos do serviço.

Mais do que essa perspectiva de caráter

fiscal, foi verificado, também, que os serviços

executados pela iniciativa privada eram melho-

res se comparados aos prestados pelo aparato do

Estado.5 Em decorrência disso, iniciou-se uma

busca de outras formas de parcerias (ainda não as

PPPs), passando a admitir o ingresso do setor pri-

vado em outras atividades.

Tudo começou com os contratos de servi-

ços. Nesses sinalagmas o contratado assumia não

somente a contratação de tarefas isoladas, mas, a

um só tempo, a concepção e a execução. Na re-

alidade, uniram-se as tarefas como solução para

o problema da Administração Pública. À época,

ocorreu a soma do “DB”: Design (desenho) e do

5 “Subjacente estava a de que esses agentes teriam mais habilida-de que o Estado para desempenhar tarefas que estariam, assim, fora do escopo de atuação do Poder Público, embora tenham sido desempenhadas no passado” (COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas experiências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 51).

Build (construção).6 Percebeu a Administração Pública britânica que a fórmula dava mais certo que as contratações isoladas. Inspirada na crise fiscal, dada a escassez de recursos públicos para se manter as obras, adicionalmente, passou-se a permitir nos contratos que a responsabilidade do contratado não ficasse só na concepção e na construção, mas se estendesse também aos finan-ciamentos. O particular, portanto, é que deveria buscar os recursos para a implementação dos empreendimentos, por meio de endividamento próprio. Além disso, transpassava-se, também, a operação. Nesse sentido é que apareceram os con-tratos de Design (desenho) + Build (construção) + Finance (financiamento) + Operate, chamados de DBFO, ou seja, em um único contrato estava a ges-tão daquele modelo. Esse foi o caminho seguido pelo programa de PPP britânico.

Acrescenta-se a esses fatores o fato de que ha-via uma crise fiscal do Estado. Por outro lado, ha via também liquidez no mercado que podia apor os re cursos necessários ao programa.7 Por seu turno, o Estado tinha limitações de ordem jurí dica e de or dem econômica para suprir as necessidades sociais.

A parceria inglesa teve seu início em 1992 com o programa Private Finance Iniciative (PFI), que seria uma iniciativa de financiamento priva-do, chefiado por John Major.8 Esse programa tor-nou essas modalidades de contratação uma prática administrativa, muito embora esse modelo tenha, no início, encontrado algumas dificuldades.

Esse movimento de reforma do Estado iniciou-se na década de 1980 na Inglaterra, tendo o mesmo movimento ocorrido no Brasil na década

de 1990.9

6 “Exemplos de funções mais afeitas ao setor privado seriam aque-las inerentes à concepção (designing) e à construção (building) de grandes obras ou sua gestão sob a forma de serviços” (SILVA. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE).

7

parcerias público-privadas no Reino Unido as normas de restri-

(Tratado de Maastricht)” (SILVA. Mecanismos de atuação esta-tal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE).

8 “A versão inglesa das PPPs — a (PFI) nasceu em 1992 por iniciativa do gabinete conservador de John Major com o objetivo de estimular empreendimentos conjuntos envolvendo os setores público e privado, em um contexto de implementação da agenda liberal de Margareth Thacher. A PFI

-mentar a participação do capital privado na prestação de serviços públicos” (COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algu-mas experiências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 50).

9 “Há a chamada Teoria da Convergência que diz que os países do mundo caminham para uma linha comum. Alguns autores,

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 11 22/10/2013 11:33:01

Page 6: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

12 ARTIGOS

Os chamados House Association foram o

germe das PPPs na Inglaterra. Sob os auspícios do

Estado de Bem-Estar Social, havia no Reino Unido

um programa de financiamento de casas pelo

Poder Público. Havia entidades não lucrativas

(House Associations) que buscavam financiamen-

to junto ao Governo Britânico, e, com o aluguel

dessas casas pagava-se o financiamento ao longo

do tempo. Diante das restrições fiscais existen-

tes, o Governo Britânico optou por interromper o

programa. A partir daí, o financiamento não sai-

ria mais dos cofres públicos. O Governo passou

a estimular que as House Associations buscassem

financiamento no mercado. Embora tenha sofrido

muitas críticas à época, essa decisão do Governo

gerou um bom resultado. Com a necessidade de

buscar financiamento privado, foi criada uma sé-

rie de ferramentas financeiras de longo prazo nos

financiamentos das PPPs. E assim se criou um

programa que mais se assemelharia à PPP brasi-

leira. O PFI na Inglaterra pode ser traduzido na

PPP do Brasil, muito embora a PPP da Inglaterra

não se confunda com a PPP brasileira.

À época, criou-se uma comissão do Tesouro

britânico — uma força-tarefa — que tinha a mis-

são de difundir as práticas do PFI, para além do

conhecido DBFO, e estimular outras formas de

parceria. Por essa razão, no Governo trabalhista

de Tony Blair já não era mais conveniente cha-

mar aquele programa de PFI, dada à completude e

amplitude deste. Resolveu-se chamar o programa

de Public-Private Partnerships (PPP). A Parceria

Público-Privada no Reino Unido é um programa

que envolve todas as modalidades de ajuste, as

conformações contratuais e associativas entre o

Estado e a iniciativa privada. Nesse sentido, as

joint ventures, os contratos de gestão, os contratos

de terceirização, bem como as privatizações, en-

quadram-se no programa de PPP no Reino Unido.10

quando vão tratar das concessões, da reforma do Estado, das PPPs, sempre vêem o Brasil com intervalo de mais ou menos uma década para implementação de mudanças empreendidas na Europa. Foi assim com a reforma do Estado, na Inglaterra, em es-pecial, foi na década de 1980 e aqui no Brasil na década de 1990, as PPPs foram em 1992 e aqui no Brasil iniciou-se a discussão em 2001 e a Lei 11.079 foi promulgada em 2004. “A idéia de que necessariamente haverá convergência se forem adotadas as políti-cas e instituições consideradas imprescindíveis pelo establishment para a promoção do desenvolvimento econômico funciona como

-alizam sobre os países em desenvolvimento para que se adequem aos ‘padrões mundiais’” (Disponível em: <http://criticaeconomi-

pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013).10 “No cenário britânico há, fundamentadamente, três tipos de

projetos na categoria das PFIs. São eles: projetos do tipo free

Na Inglaterra há uma entidade do Tesouro britânico, considerada uma força-tarefa especiali-zada em PPP, o National Audit Office (NAO), res-ponsável por auditar as contas dos entes públicos e opinar, favoravelmente ou não, sobre projetos na forma de PFI. Há também a PPP sob a forma de joint venture — a Partnerships UK —,11 agência hí-brida formada pelo capital público (minoritário) e privado, com missão complementar à força-tarefa do Tesouro.12 O desafio daquela entidade é conti-nuar a disseminar dentro do Reino Unido todas essas práticas de associação e parceria.

Os projetos de PFIs implementados até o ano de 2010 naquele país chegaram a mais de 600 e a uma soma de investimentos da ordem de quase 53 bilhões de libras em PPPs contratadas.13 Entre os projetos de maior destaque pode-se citar a constru-ção da linha férrea, em que parte ficará submersa, cruzando o Canal da Mancha, com gasto de mais de £4 bilhões. Igualmente há estudos sobre possí-veis parcerias para a modernização e manutenção do metrô de Londres, que significará o maior in-vestimento na história das PPPs britânicas.14

Essas experiências reduziram, sobremanei-ra, a percepção dos riscos dos empreendimentos públicos. Diogo Rosenthal Coutinho explica a es-colha do modelo inglês para a implantação das

PPPs no Brasil:

standing, joint ventures (JV), e projetos envolvendo serviços ven-didos ao setor público. Projeto do tipo free standing são aqueles nos quais os custos são recuperados por meio da cobrança dos

Joint Ventures são projetos em que os setores público e privado participam conjuntamente, mas nos quais o setor privado tem controle dos procedimentos e decisões relevantes. O setor público tem um papel de apoio ou de asse-gurar benefícios sociais mais amplos, como, por exemplo, cuidar

terceira categoria — a dos serviços vendidos ao setor público — representa os serviços prestados pela iniciativa privada ao setor público (tratamentos e acompanhamentos de idosos ou crian-ças, por exemplo) (COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas experiências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 57).

11 Ver informações sobre PPP inglesa em: <http//www.partnershi-puk.org.uk>.

12 COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas expe-riências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 56.

13 Desses projetos, 275 estão em fase operacional nos setores de transporte (14%), educação (20%), saúde (25%), presídios, defesa (17%), meio ambiente (7%), lazer, habitação, desenvolvimento de tecnologia e obras públicas em geral (17%). “[...] No reino Unido

-cando os Governos regionais e locais com os demais 30% dos projetos. Da ótica do gasto público, as PPPs representam 11% do investimento do setor público durante o período de 1998-2004” (COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas expe-riências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 54).

14 Ver os relatórios sobre PFIs britânicas em The Finance Initiative Research Paper 01/117,

18.12.2001. Disponíveis também dados sobre as PPPs britânicas em: <http:// www.ippr.org>.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 12 22/10/2013 11:33:01

Page 7: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

13ARTIGOS

As razões para a escolha do Reino Unido

são duas: o pioneirismo na institucionalização fi-

nanceira e jurídica e dos arranjos e a relativa se-

melhança que têm esse país e o Brasil no que diz

respeito às trajetórias de reforma do Estado per-

corridas, respectivamente, nas décadas de 80 e 90

do século passado. Ambos passaram — e passam

ainda hoje, em grande intensidade — por experi-

ências de privatizações, terceirizações, “liberaliza-

ções em geral”, com ou sem posterior regulação,

bem como parcerias.15

Passa-se no próximo tópico ao processo de

privatização no Brasil, que se deu por motivos se-

melhantes aos ocorridos na Inglaterra, somente

ocorrendo uma década depois.

3 O processo de privatização no Brasil

No Brasil, a intervenção do Estado na eco-

nomia não foi uma ação planejada ou de medidas

deliberadas contra o setor privado, mas oriunda

de circunstâncias que forçavam o Governo a inter-

vir no sistema econômico nacional.16

Sendo assim, enquanto a economia estava

em contínuo crescimento não havia oposição do

setor privado à presença do Estado na economia. A

intervenção do Estado, portanto, era uma escolha

política, em que se pretendia, mediante a criação

de empresas estatais, promover a industrialização

e o crescimento econômico. Competia ao Estado

complementar as atividades do setor privado, com

investimentos em infraestrutura e em setores em

que a demanda de capital era elevada e o retorno

muito baixo ou a longo prazo.

No primeiro Governo de Getúlio Vargas

(1930-1945), implantou-se uma política de subs-

tituição das importações, ficando estabelecido

que as atividades de interesse estratégico para

o país deveriam estar reservadas ao Estado. Em

consonância com essa ideologia nacionalista fo-

ram fundadas a Companhia Siderúrgica Nacional

(1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942) e a

Companhia Hidroelétrica do São Francisco (1945).

No segundo governo de Getúlio (1951-1954), foi

criada a Petrobras – Petróleo Brasileiro S/A (1953).

Em 1952, Vargas idealizou e fundou um

banco de fomento com capital integralmente da

15 COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas expe-riências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 49.

16 BAER et albrasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico.

União, o atualmente denominado Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),

criado com a finalidade de financiar empreendi-

mentos privados, permitindo um avanço indus-

trial no Brasil.

Durante o regime militar (1964-1985) a es-

tatização da economia foi ainda mais estimulada,

sendo criadas inúmeras empresas estatais pelos

Governos Federal e Estaduais. Vale destacar a cria-

ção de uma empresa estatal no Rio de Janeiro, cujo

objetivo era realizar tão somente a construção da

Ponte Rio-Niterói.17

Em 1972, foi criada a Telecomunicações

Brasileiras – Telebras, empresa de telefonia que

por várias décadas — até sua privatização ocor-

rida em 1998 — era a holding das empresas esta-

duais no país, como exemplo, Telebrasília, Telesc,

CTMR, Telesp, Telern.18

As empresas estatais eram supervisiona-

das por diversos ministérios, os quais impunham

regras próprias de administração, muitas vezes

preterindo critérios técnicos em face de razões

de conveniência política, como, por exemplo, au-

mentos de capital sem prévia definição de recur-

sos orçamentários para essa finalidade, mostrando

ausência de preocupação com os gastos públicos

em geral.

As distorções e ineficiências das políticas

públicas, limitadas pela escassez de recursos para

investimento em infraestruturas e pelo elevado

endividamento do setor público — Tesouro nacio-

nal e empresas estatais — deixaram clara a neces-

sidade de reformar o Estado transferindo para o

setor privado as atividades que poderiam ser con-

troladas pelo mercado, o que se denominou pro-

cesso de privatização.

No Brasil, o processo de privatização signi-

ficou uma alteração do papel desempenhado pelo

Estado na atividade econômica. A necessidade da

privatização, ocorrida principalmente a partir da

década de 1980 foi motivada por fatores de ordem

financeira, jurídica e política, em face de um cená-

rio de crescimento dos direitos sociais e econômi-

cos e, consequentemente, do rol de atribuições do

Estado. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

esse crescimento do Estado, atuante em vários

17 Empresa de Construção e Engenharia de Obras Especiais (ECEX). Disponível em: <http://www2.transportes.gov.br/bit/02-rodo/9-

18 DIAS; CORNILS. Alencastro: o general das telecomunicações, p. 8-9.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 13 22/10/2013 11:33:01

Page 8: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

14 ARTIGOS

setores da vida social, colocava em risco a própria

liberdade individual, chegando a afetar o princí-

pio da separação dos Poderes e conduzindo a uma

ineficiência na prestação dos serviços.19

A privatização, no âmbito financeiro, bus-

cou diminuir os gastos públicos com empresas

estatais deficitárias. Já no âmbito jurídico, justi-

ficou-se pela necessidade de assumir formas de

gestão privada dos serviços públicos, sem os con-

troles excessivos e a burocracia da Administração

que travavam a atividade das empresas estatais.

No cenário político, a privatização inspirou-se na

concepção neoliberal, pregando a substituição do

Estado pela iniciativa privada, eis que mais apta

para gerir atividades comerciais e industriais, com

o consequente aumento da eficiência.20

Segundo o Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado de 1995, a reforma do Estado

envolveu múltiplos aspectos. Primeiramente,

buscava um ajuste fiscal devolvendo ao Estado

capacidade de definir e implementar políticas pú-

blicas. Por meio da liberalização comercial, hou-

ve o abandono do Estado da estratégia fracassada

protecionista da substituição de importações.

O programa de privatizações é um reflexo

da conscientização da gravidade da crise fiscal

e da correspondente restrição da capacidade do

Estado de promover poupança por meio de em-

presas estatais.21 Preconiza o programa a transfe-

rência para o setor privado do dever da produção

que, a priori, será realizada com mais eficiência.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

a ideia de privatização, em um sentido amplo,

abrange um processo aberto visando a diminui-

ção do Estado. No entanto, ao lado desse concei-

to amplo, existe um mais restrito. Neste âmbito,

entende-se por privatização a venda de ativos ou

ações de empresas estatais para o setor privado,

modalidade esta disciplinada no ordenamento ju-

rídico pátrio pela Lei nº 9.491/1997.22

Fernando Collor de Mello (1990-1992), ao

ins ti tuir o Programa Nacional de Desestatização

19 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 5-6.

20 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 05-06.

21 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 5-6.

22 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 22-23.

(PND) com a Lei nº 8.031, de 1990, foi o primei-ro presidente brasileiro a adotar as privatiza-ções como parte de seu programa econômico. O Plano Collor, idealizado pela então Ministra Zélia Cardoso de Mello, implementou um modelo neo-liberal de aber tura às importações, privatização, moder ni zação industrial e tecnológica, sendo co-nhecido por um dos maiores programas de priva-tização do mundo.23

Mas foi principalmente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com a criação do Conselho Nacional de Desestatização pela Lei nº 9.491/1997, adotando algumas reco-men da ções, então em vigor, do Consenso de Washington e do FMI, que o Brasil realizou um enor me e polêmico programa de privatizações. À época, implantaram-se gestões na área política e finan ceira para enquadrar os estados no programa, con dicionando as transferências de recursos finan-ceiros da União para os estados à submissão dos go ver nadores às políticas recomendadas pelo FMI.

Durante esse governo, o processo de priva-tização ocorreu em vários setores da economia: a Companhia Vale do Rio Doce, empresa de minério de ferro, que se tornaria uma das maiores multina-cionais do mundo; a Telebras, monopólio estatal de telecomunicações; e a Eletropaulo.

Os leilões de privatização, que foram públi-cos, se realizaram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e foram objeto de violentos protestos, prin-cipalmente de militantes esquerdistas.

Alguns economistas, no entanto, embora compartilhassem do pensamento ideológico ado-tado pelo programa de privatizações, apontavam duas grandes falhas desse processo. A primeira, no que concerne à possibilidade de eventuais compradores poderem efetuar parte do pagamento com títulos da dívida pública emitidos pelos su-cessivos Governos com o objetivo de resolver cri-ses financeiras e que, ao se tornarem inegociáveis, pressionavam o déficit público (comumente deno-minadas como “moedas podres”), os quais possuí-am valor nulo, ou quase nulo, no mercado.24

A segunda, consistente na possibilidade de

o BNDES25 financiar parte do preço de compra.26

23 ANUATTI-NETO et al. Os efeitos da privatização sobre o desem-Revista

Brasileira de Economia, p. 1-5.24

25 BNDES (1999a). Privatizações no Brasil – 1991/99. BNDES, Rio de Janeiro.

26 No caso da Eletropaulo o aporte foi de 100% e a compradora, a AES, não teria pagado em dia nem a primeira prestação, vide BRANDÃO; ALBERTO JR. Um rolo chamado Eletropaulo. Época.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 14 22/10/2013 11:33:01

Page 9: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

15ARTIGOS

Em outros termos, recursos públicos foram

utilizados para compra do patrimônio público

por empresas privadas. Os “investidores” nas

estatais as adquiriram empregando, em sua

maioria (quando não em 100%, como no caso da

Eletropaulo), recursos obtidos a juros subsidiados

do próprio Governo, que vendia suas empresas

concedendo financiamentos do BNDES e dos

fundos de pensão, o que significa que não houve

aporte de capital estrangeiro.27

As privatizações durante o governo do

Presidente Fernando Henrique Cardoso evidencia-

ram traços curiosos do programa brasileiro, como,

por exemplo, algumas aquisições feitas com a

participação financeira dos fundos de pensão das

próprias empresas estatais (como no caso da Vale)

ou da participação de empresas estatais de países

europeus, como no caso da Light Rio, em que o

controle acionário foi adquirido pela empresa es-

tatal de energia elétrica da França.

Apesar de gerar 78,61 bilhões de dólares de

receita para o Estado, segundo dados da Revista

Brasileira de Economia (v. 59, abr./jun. 2005), as

privatizações não evitaram o endividamento pú-

blico, que era de 60 bilhões de dólares em julho

de 1994 e saltou para 245 bilhões em novembro

de 1998.

Poucos anos atrás linhas telefônicas eram

consideradas bens com expressivo valor, o que

dificultava o acesso de boa parte da população a

esse meio de comunicação. Não restam dúvidas

que o sistema de empresas de economia mista que

administrava a telefonia no Brasil, por intermé-

dio da holding do sistema de autofinanciamento,

a Telebras, não atendia a população de maneira

adequada.

Segundo a Revista Brasileira de Economia

(v. 59, abr./jun. 2005), com a privatização de ape-

nas 19% do total das ações da Telebras (que for-

mava seu controle acionário), o Governo Federal

arrecadou 22 bilhões de reais, e o sistema recebeu

ainda investimentos da ordem de 135 bilhões de

reais dos compradores privados, tornando a telefo-

nia fixa um serviço universalmente acessível nas

cidades, embora ainda permaneça deficiente nas

áreas rurais, onde sua operação é menos lucrativa.

Ainda com base nas informações da Revista

Brasileira de Economia (v. 59, abr./jun. 2005), o

27 O Estado de S. Paulo.

número total de telefones fixos no Brasil teve um

altíssimo crescimento: passou de 16,6 milhões em

1998 para 35 milhões em 2006. Já os telefones ce-

lulares passaram de 7,4 milhões para 95 milhões

no mesmo período.28

O jornalista Ethevaldo Siqueira, no jornal

O Estado de S. Paulo, em reportagem publicada

em 2007, informa que os investimentos das em-

presas de telefonia privatizadas somaram mais de

R$148 bilhões, valor esse três vezes superior ao

que a Telebras e as teles sob o seu controle inves-

tiam — pelo falido sistema de autofinanciamento

—, gerando receitas para o Governo, em forma de

arrecadação de impostos, de aproximadamente

R$100 bilhões, somente com a rede de telefonia,

até o ano de 2006. Conforme o jornalista, os leilões

de licença de frequências de banda para empresas

de telefonia móvel renderam R$8 bilhões para o

Poder Público.29

Esse novo modelo mais liberalizante do se-

tor econômico possibilitou a abertura a capitais

estrangeiros e promoveu, sem dúvidas, uma me-

lhoria na eficiência alocativa da economia com

um aumento da competitividade dos produtos

nacionais.

Cumpre destacar os avanços tecnológicos

promovidos com a privatização, as melhorias de

infraestrutura alcançadas, a excelência das rodo-

vias, ainda que haja questionamentos sobre o cus-

to dos pedágios para a população.

Insta destacar, ainda, que diante da opção

do Estado em realizar as privatizações das empre-

sas estatais individualmente, em vez de privatizar

as holdings, ao contrário do que se previa, tem se

evitado a concentração do capital de um grupo de

empresas nas mãos de um único grupo econômi-

co, como, por exemplo, no setor siderúrgico.

Ademais, pode-se observar os efeitos da re-

estruturação das empresas privatizadas como a

Usiminas, Acesita e Celma, que em pouco tempo

após as privatizações, apresentaram consideráveis

melhorias operacionais e financeiras. Sem contar

28 No caso dos celulares a comparação entre os dois números é mais complexa: deve-se lembrar de que, além do “fator privatização”, contribuiu para o grande aumento no número de celulares em operação o extraordinário progresso tecnológico dessa modali-dade que nascia, permitindo que os preços internacionais desses aparelhos portáteis se reduzissem acelerada e continuamente des-de 1998, o que permitiu que se tornassem acessíveis às classes de renda mais baixas.

29 SIQUEIRA. Privatização gerou R$265 bi ao país. O Estado de S. Paulo.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 15 22/10/2013 11:33:01

Page 10: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

16 ARTIGOS

a Vale do Rio Doce, hoje considerada a segunda

maior mineradora do mundo e a maior empresa

privada do Brasil, sendo a maior produtora de

mi nério de ferro do mundo e a segunda maior

de níquel.

Em que pese a relevância das críticas so-

bre o processo de privatização no Brasil, o qual,

de fato, não foi um processo sem defeitos, não se

pode olvidar os benefícios trazidos ao país pela

política neoliberal implementada, que possibili-

tou o desengessamento da economia, que já apre-

sentava um quadro de recessão, e uma solução à

falência do Estado, cada vez mais endividado, ten-

do em vista o seu inchaço, representando, ainda,

verdadeira melhoria na prestação dos serviços.

Isto não significa, como já salientado, que o

processo de privatização não deva ser aperfeiçoa-

do. Cito como exemplo de melhoria a ampliação

do universo de compradores, gerando uma possi-

bilidade de mais receitas ao programa.30

As privatizações, em seu sentido amplo, aí

englobando as Parcerias Público-Privadas (PPPs),

se realizadas com lisura, configuram verdadeiros

instrumentos para alavancar o desenvolvimento

e integrar o Brasil no âmbito mundial. Ademais,

se assim consideradas, serão uma das alternati-

vas, quiçá a mais vantajosa para o Estado, para a

concretização de medidas que envolvam elevados

custos, como a melhoria de infraestrutura dos nos-

sos aeroportos, de transportes, estádios, rede ho-

teleira, o que, considerando a Copa do Mundo de

2014 e as Olimpíadas de 2016, alcança ainda mais

importância.

Passa-se no próximo tópico mais especifica-

mente às PPPs no Estado Brasileiro, sob o influxo

do Programa de Reforma do Aparelho do Estado,

como um novo modelo concessório para a solução

dos “gargalos” de infraestrutura e empreendimen-

tos pouco rentáveis à iniciativa privada.

4 Parcerias Público-Privadas no Brasil

Cabe destacar que os motivos que impul-

sionaram o surgimento da PPP — considerada

30 Segundo Mário Henrique Simonsen, da forma como o progra-ma está sendo conduzido, não está atraindo “nem as poupanças pulve rizadas, nem os capitais externos”. No caso das poupan-ças pulverizadas, porque o que está em jogo é o controle acioná-rio das empresas. No caso dos capitais externos, porque os lances têm de ocorrer em intervalos de tempo extremamente curtos, o

-Exame).

esta como uma forma de privatização, ou seja, um

conjunto de instrumentos do Poder Público para

diminuir o tamanho do Estado, transferindo suas

atribuições para o setor privado — remontam da

década de 1970, com o início da crise do Estado,

mas só se tornam evidentes nos anos 1980, pondo

em xeque o modelo econômico vigente naquele

período. A redefinição do papel do Estado é tema

que ganhou alcance universal na década de 1990.31

Marco Aurélio de Barcelos Silva, citando

Aragão, Brasileiro, Lima Neto et al. descreve os

fatores que motivaram o surgimento das PPPs no

Brasil:

a) a necessidade crescente pelos serviços essenciais e o esgotamento dos recursos fiscais; b) as ineficiên-cias e a inflexibi li dade do aparelho do Estado; c) os conhe cimentos técnicos e gerenciais acumu lados pela iniciativa privada, mas não presentes no setor público e d) a própria racionalização dos recursos fiscais e financeiros da sociedade.32

No Brasil a PPP nasceu em um momento de

crise fiscal. No ano 2000, a Lei de Responsabilidade

Fiscal (LC nº 101/2000) impôs uma série de restri-

ções ao endividamento público. À época, a União

gastava a maior parte de seus recursos com cus-

teio (em torno de 98%). Sobravam apenas 2% para

investimentos e ainda havia a LRF que limitava os

gastos. Nesse momento de necessidade de inves-

timentos, se a União alocasse mais recursos para

o custeio corria-se o risco de a máquina governa-

mental parar. Foi esse momento de crise fiscal que

motivou a busca do financiamento privado. Em

face desse cenário, tornou-se interessante fazer

com que o recurso necessário não viesse mais do

orçamento, mas de particulares, sem caracterizar

o endividamento do Estado, alocando-o ao desafio

de investimento em infraestrutura, fomentando o

desenvolvimento econômico e a competitividade

do país.

O modelo vigente à época se tornara ine-

ficiente para fazer frente às demandas sociais diri-

gidas ao Estado Brasileiro, urgindo, com isso, a

necessidade de reconstrução estatal. Descontrole

fiscal, redução das taxas de crescimento econômico

31 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - 1995.32 ARAGÃO, Joaquim; BRASILEIRO, Anisio; LIMA NETO, Osvaldo et al.

Parcerias sociais para o desenvolvimento nacional e fatores críticos para o seu sucesso. Natal: EDUFRN, 2004 apud SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administra-ção. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 16 22/10/2013 11:33:01

Page 11: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

17ARTIGOS

e elevação dos índices de inflação geraram a crise

do Estado de Bem-Estar Social. Nos últimos 20 anos

esse modelo se mostrou superado e ineficiente em

virtude, principalmente, da aceleração do desen-

volvimento tecnológico e da globalização da

economia mundial, que trouxeram uma grande

com petição entre as nações.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do

Estado de 1995 preconizava a “superação da admi-

nistração pública burocrática” e o surgimento da

Administração Pública Gerencial voltada para

os resultados. Quer se demonstrar que as PPPs

apresentam-se como “possível alternativa de pre-

enchimento das lacunas e omissões encontráveis

no método tradicional de contratação até então

utilizado pela Administração Pública no Brasil”.33

O novo modelo concessório das PPPs bra-

sileiras surgido em meados da década de 2000

teve grande influência das PPPs britânicas. A

Inglaterra, diante da crise fiscal e da incapacidade

de investimentos em infraestrutura no início da

década de 1980, iniciou seu programa de priva-

tização (venda de ativos). Identificado aqui o pri-

meiro passo para se chegar às PPPs nacionais.

No Brasil o tema ganhou maiores contornos

e expressão com o Programa de Reforma do Estado,

que teve iniciada sua implementação nos idos da

década de 1990, alcançando sua maior expressão

no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse

período, segundo Carlos Ari Sundfeld (2007), foi

que se iniciaram as “privatizações de grandes em-

presas federais, a flexibilização de monopólios de

serviços públicos e o estímulo ao Terceiro Setor”.

Como se disse, ganhou especial importância de-

corrente da necessidade de incremento do setor de

infraestrutura enfraquecido pela baixa capacidade

de investimento por parte do Estado.

A partir de 2002, a implementação das PPPs

foi fomentada, especialmente no final do governo

de Fernando Henrique Cardoso, e em 2003, no

início do governo do Presidente Lula. Falava-se

na necessidade de o Brasil adotar, ou criar um

programa de PPP, a partir das experiências de

países como Inglaterra (principalmente), Portugal

33 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.

e Chile.34 Muito se falava em PPP, mas não se dava delineamentos mais precisos.

Começaram a surgir em âmbito estadual, e depois na União, projetos de lei sobre PPP, toman-do o Estado de Minas Gerais a posição de pionei-ro na aprovação de diploma legal sobre o tema.35 Após calorosos debates no Congresso Nacional, foi aprovada a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, a chamada Lei das PPPs. Era o início de uma nova era no regime concessório no Brasil. Existia, formalmente, um texto legal aprovado, pronto para ser estudado, analisado, criticado, fu-gindo da imprecisão dos discursos políticos, até então recorrentes.

Salienta-se que a PPP no Reino Unido tem um sentido muito mais amplo que a PPP no Brasil, a qual adotou um sentido estrito, só compreen-dendo contratos que envolvam o chamado DBFO, consistente nas operações de concepção, opera-ção, financiamento e operação.36 A PPP no Brasil nasceu com base no antigo modelo das conces-sões. O investidor, ao se deparar com a legislação brasileira, verificará algumas diferenças. PPP no Brasil é concessão.

Não se pode negar que a Inglaterra é o país com um maior número de projetos de PPP. Uma série histórica que ensina os desafios e benefícios alcançados com esse tipo de associação.

Gustavo Binenbojm37 aponta como fatores

da adoção tardia do modelo de PPPs no Brasil o

34 “A Expressão “PPP” entrou rapidamente na moda em 2003, es-pecialmente porque o próprio Presidente da República pôs-se a usá-la vinculando-a ao ciclo de crescimento que queria para o país” (SUNDFELD. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 16).

35 “A primeira lei a ser editada foi a do Estado de Minas Gerais (nº 14.868, de 16.12.2003), que seria seguida pela de São Paulo (nº 11.688, de 19.5.2004) e várias outras” (SUNDFELD. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 49).

36 “Em sentido amplo parcerias público-privadas são os múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecido entre a Administração Pública e particulares para viabilizar o desenvol-vimento, sob a responsabilidade destes, da atividade com algum

contratos muito conhecidos como a concessão de serviço público, regida pela Lei 8.987/95, [...] e os recentes contratos de gestão com Organizações Sociais (OSs) e termos de parceria com organi-zações da sociedade civil de interesse público. Pode-se mencionar também os diversos mecanismos contratuais ou não, que viabili-zam o uso privado de bem público, de forma onerosa ou gratuita, em atividade com alguma relevância social [...] A base legal dessas múltiplas parcerias não está na lei das PPPs, mas na legislação que as foi, pouco a pouco, organizando, especialmente a partir dos anos 90 [...] Em sentido estrito, ‘PPPs’ são os vínculos negociais que adotem a forma de concessão patrocinada e de concessão

Apenas esses contratos sujeitam-se ao regime criado por essa lei” (SUNDFELD. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 20-23).

37 BINENBOJM. Temas de direito administrativo e constitucional: artigos e pareceres: as Parcerias Público-Privadas na Constituição, p. 123.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 17 22/10/2013 11:33:01

Page 12: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

18 ARTIGOS

esgotamento da capacidade de endividamento do Estado, a valorização da responsabilidade fiscal com o advento da LC nº 101/2000 e o cumprimento das obrigações assumidas pelo Governo brasileiro com seus credores nacionais e estrangeiros — que diminuíam de forma significativa a capacidade de investimentos em infraestrutura e serviços pú-blicos, desembocando em meados da década de 2000 na procura por investimentos privados para financiamento de setores, mudando a visão gover-namental, no sentido de o Poder Público criar con-dições mais favoráveis aos investidores privados. Também como motivo para a adoção tardia das PPPs no Brasil, Gustavo Binenbojm aponta: [...] o exaurimento dos serviços públicos econômicos não autossustentáveis, o que inviabiliza a opção pelo formato da concessão comum [...] Daí ser justificável a previsão de uma contraprestação pecuniária do parceiro público ao privado, como forma de criar o ambiente de atratividade necessário para seduzir os investidores particulares.38

38 BINENBOJM. Temas de direito administrativo e constitucional: ar-tigos e pareceres: as Parcerias Público-Privadas na Constituição, p. 123.

Ressalta-se que já havia naquele tempo a concessão prevista na Lei nº 8.987/1995 como mo-delo de translado de serviços e gestão do empre-endimento público a particulares. No entanto, o modelo concessório até então existente no Brasil já não atraía mais os investidores e os empreen-dedores. Eis que as melhores e maiores estatais já estavam privatizadas, bem como os serviços públicos com maior possibilidade de retorno de investimentos, como, por exemplo, no campo das telecomunicações, energia elétrica e as grandes rodovias. Em uma visão perfunctória, mostrava-se um possível esgotamento do modelo concessório. No entanto, permanecia premente a necessidade de investimentos em infraestrutura não necessa-riamente atrativos aos particulares, muito embora não se falasse, ainda, em ganhos de eficiência.

Afere-se, pois, que o contexto de surgimento das PPPs deu-se pelo esgotamento do modelo con-tratual anterior da Lei nº 8.987/1995, a qual não viabilizava os novos investimentos necessários para a infraestrutura. Com isso, o legislador bra-sileiro revisitou a ideia de concessão e criou duas novas modalidades de concessão no direito bra-sileiro: (i) contratos de concessão na modalidade

patrocinada; e (ii) na modalidade administrativa.39

39 Lei nº 11.079/2004. Art. 2º Parceria público-privada é o contrato admi nistrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou admi nis trativa.

Muito embora a expressão Parcerias

Público-Privadas em sentido amplo se refira às

mais variadas formas de associação entre o setor

público e setor privado para a consecução de fins

de interesse público, a sigla PPP no Brasil surgiu

para designar somente dois tipos de parcerias: a

concessão patrocinada e a concessão administra-

tiva, espécies do gênero concessão, ao lado da

concessão comum da Lei nº 8.987/1995. Ao se

referir à PPP, neste trabalho, estar-se-á a reportar

ao novo modelo concessório estabelecido pela Lei

nº 11.079/2004.40

Como as PPPs em sentido amplo já exis-

tiam no Brasil desde a década de 1990, a ques-

tão que suscitou críticas foi a adoção pelo novo

regime de concessões da nomenclatura “PPP” pelo

legislador. Aparentemente a razão não é jurídica,

mas sim de conveniência, servindo-se da denomi-

nação da PPP mundial, que representava no mer-

cado oportunidades de investimentos e negócios.

“Era um chamamento ao investidor para novos

negócios”.41

O projeto de Lei nº 2.456, que tratava das

PPPs, continha uma série de dispositivos não re-

produzidos na Lei nº 11.079/2004. O projeto de

lei, quando submetido ao Congresso Nacional, fi-

cou em torno de um ano sendo debatido e atraiu

interesse de bancos e empreiteiros (oportunidades

de negócios), governantes (capacidade de imple-

mentação de obras) e sociedade organizada (mais

serviços públicos). Esse foi o processo histórico

das PPPs no Brasil e da Lei nº 11.079/2004.

Cabe destacar que a ideia de “concessão

patrocinada” já estava prevista no art. 24 do Pro-

jeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional que

viria a ser convertido na Lei nº 8.987/1995. Não

fosse o veto do Presidente Fernando Henrique

Cardoso a esse dispositivo, que continha a ideia

de garantia de “uma receita bruta mínima” nos

contratos de concessão, ter-se-ia, já no ano de

1995, a concepção de concessão patrocinada no

Brasil.42 Cita-se o dispositivo vetado:

40 Cabe destacar o pioneirismo da Lei mineira nº 14.868/2003 sobre as PPPs.

41 Marco Aurélio de Barcelos Silva, Pós-Graduação em Direito Administrativo, Parcerias Público-Privadas, IDP, Brasília, 2009.

42 À época, nas razões de veto do Presidente, foi dito que “garantias como essa do estabelecimento de receita bruta mínima, além de

-tam, na realidade, um risco potencial de dispêndio com subsídio pelo Poder Público” (BINENBOJM. Temas de direito administrativo e constitucional: artigos e pareceres: as Parcerias Público-Privadas na Constituição, p. 123).

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 18 22/10/2013 11:33:01

Page 13: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

19ARTIGOS

Art. 24. O Poder concedente poderá garantir, no contrato de concessão, uma receita bruta mínima, ou, no caso de obras viárias, o correspondente a um tráfego mínimo, durante o primeiro terço do prazo da concessão.

Parece que à época (1995), o veto do dispo-

sitivo acima retratou uma opção política, mas não

a adoção da ideia de uma concessão “patrocina-

da” no Brasil. Passa-se no próximo item, ainda que

brevemente, às questões polêmicas sobre as PPPs

no Brasil, aos aspectos metodológicos e ao conteú-

do jurídico do novo modelo contratual.

5 Breves questões sobre o conteúdo jurídico das

Parcerias Público-Privadas no Brasil

Inicialmente surgiram algumas críticas ao

nome dado pelo legislador à nova modalidade

de concessão, em razão da concepção comum

de parceria envolver duas pessoas que se unem

com vínculos comuns. Todavia, nas PPPs o par-

ceiro privado está no contrato em razão do lucro

e o Estado, pela obtenção de infraestrutura. Há,

então, um caráter sinalagmático típico nos contra-

tos de PPP. O nome dado não teria sido apropriado

segundo os críticos.43

Outra questão que se discute é se era real-

mente necessária uma nova lei para tratar das PPPs.

Os institutos que existiam, à época, não supriam

as necessidades da sociedade e do Estado no que

diz respeito à prestação de serviços públicos?44

43 “Pelo fato do vocábulo parceria trazer em si a idéia de lucro, alguns resistem a sua utilização no âmbito do direito público. O oróprio Diogo de Figueiredo Moreira Neto entende discutível a utilidade de transpor-se esse vocábulo quando na realidade o que se está fazendo é rebatizar a colaboração econômica entre o setor público e o setor privado, hipótese em que entidades não estatais participam de atividades estatais de índole econômica, com

de serviço público” (DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas).

44 “No segundo semestre de 2002, Carlos Ari Sundfeld estudou

dos programas de PPP no Brasil. Sua conclusão foi no sentido de que, embora muitas formas de parcerias já fossem juridica-mente viáveis, havia necessidade de uma nova lei nacional, que complementasse a lei de concessões, bem como de criar uma estrutura orgânica na Administração Federal para cuidar do pro-grama. Então, apresentou para debates a primeira proposta de texto normativo, que deu início à consideração do assunto pelo Governo Federal [...] Após incisiva crítica aos substitutivos ao pro-jeto de lei federal, preparou uma nova proposta, reconstruindo o texto do projeto, criando os conceitos de concessão ‘adminis-

vários diplomas legais e concebendo uma nova solução para o Fundo Garantidor. Suas ponderações sugestões acabaram aceitas e serviram de base para a elaboração de um novo texto, que tam-bém incorporou outras preocupações, tanto do Governo como da

-

PPPs” (SUNDFELD. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 17).

Parte da doutrina afirmava incisivamente que não

era necessária uma nova lei. Argumenta que as

PPPs já estavam disciplinadas em outros diplo-

mas normativos, como a Lei nº 8.987/1995 e a Lei

nº 8.666/1993. O que se precisava, realmente, era

de uma complementação, alguns pequenos ajus-

tes nessas leis. Afirmava que era absolutamente

desnecessária uma lei nova para essa finalidade;

que a concessão administrativa não seria uma

concessão e bastaria pequeno ajuste pontual na

Lei nº 8.666/1993 para a sua existência.

Celso Antônio Bandeira de Mello afirma

que para possibilitar a celebração de contratos

de concessão administrativa bastaria a dilação

do prazo máximo previsto na Lei nº 8.666/1993

— de cinco anos, prorrogáveis por mais um ano

— para certos contratos de prestação de servi-

ços.45 Aparentemente, a concessão patrocinada,

realmente, já tinha substrato na Lei nº 8.987/1995.

No entanto, para a criação da concessão adminis-

trativa, dada a estrutura da Lei nº 8.666/1993, não

seria possível apenas com pequenos ajustes. Fazia-

se imprescindível incluir num capítulo à parte e

autônomo às suas características trazidas na Lei

nº 11.079/2004.

Considera-se que com uma nova lei, cria-se

uma vitrine para investimentos, concentram-se as

atenções para as novas práticas concessórias, bem

como proporciona a adoção de um diploma legal

mais claro e limpo. As PPPs em sentido estrito no

Brasil são modalidades de concessões sui generis,

com particularidades que lhes dão característi cas

próprias, distintas da concessão comum da Lei

nº 8.987/1995. Aproximam-se do modelo inglês

do PFI (DBFO) — de transmitir ao particular a

responsabilidade pelo empreendimento — e, no

Brasil, é concessão. É um aprimoramento do mo-

delo anterior de concessões.

Antes de adentrar ao estudo das modali-

dades de concessão patrocinada e administrativa,

mesmo brevemente, delinear-se-á o que é uma

concessão.

Concessão de serviços públicos é um con-

trato. As concessões são antigas no Brasil, como as

de sesmarias, tipos de concessões que conferiam

benefícios aos indivíduos escolhidos pela coroa

portuguesa.

Ensina o Professor Marco Aurélio de Barcelos

Silva que há várias concepções do termo concessão

45 BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 766.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 19 22/10/2013 11:33:02

Page 14: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

20 ARTIGOS

no Brasil, como concessão de aposentadoria, que

não é contrato, mas o reconhecimento de um

direito. Há a concessão de uso de bem público em

que se concede o uso de bem público ao particular.

“A concessão de serviços públicos é atributiva

constitutiva e prestacional porque se translada

a alguém uma situação jurídica e dele se espera

uma prestação que é a oferta do serviço público

transladado”.46

A Constituição diz que concessão é contrato

que deve ser precedido de licitação (art. 175, CF).

É um contrato de gestão, por intermédio do qual

se concede aos particulares a gestão dos serviços

públicos. O art. 175 da CF prevê as concessões

apenas de serviços públicos, e para isso há uma

razão histórica. As primeiras concessões original-

mente no Brasil eram basicamente de ferrovia e de

energia elétrica, porque eram rentáveis. A ativida-

de, quando era prestada pelo Estado, era remune-

rada por tributos, sob a perspectiva fiscal. Quando

transladadas para o particular, a remuneração do

serviço se dá por meio de tarifas pelos próprios

usuários. As concessões, no Brasil, em decorrên-

cia do tratamento jurídico dado pela Constituição

e pelas circunstâncias históricas, envolvem a

ideia de serviços públicos e de remuneração pe-

los usuários. As PPPs vieram quebrar esses dois

paradigmas.

Outra questão que se afigura é se o instituto

da concessão possui características próprias que

lhes dão a configuração ou concessão é aquilo

que o legislador atribuir como tal? O legis la-

dor, em 1995, com base na previsão do art. 175

da CF, pareceu indicar que concessão de ser viços

públicos seria remunerada por meio de tarifa.

Tanto a Lei nº 8.987/1995 como a Lei nº 8.666/

1993 mostraram-se insuficientes como ferra men-

tas para prover as soluções para a Admi nis tra ção

Pública, e um dos principais aspectos que estava

por trás dessa conformação jurídica é justa mente a

presença de tarifas e os serviços públicos. Pelo fato

de a concessão ter de ser remu ne rada por tarifa

retirava-se do objeto da Lei nº 8.987/1995 aquelas

atividades tidas como deficitárias, não lucrativas.

O particular se ria responsável por de se nhar,

construir a obra, finan ciar e operar o em preen-

dimento, mas não veria resultados econômicos

e lucrativos no empreendimento. Muito embora

46 Marco Aurélio de Barcelos Silva, Pós-Graduação em Direito Admi-nistrativo, Parcerias Público-Privadas, IDP, Brasília, 2009.

a Lei nº 8.987/1995 não proibisse que atividades

potencialmente deficitárias fos sem objeto de uma

concessão, o mercado não admi tia uma concessão

que não fosse vantajosa econo mi camente.

Como grande parte das rodovias superavitá-

rias e dos serviços lucrativos já haviam sido con-

cedidos na década de 1990, sobraram somente as

atividades que não interessavam aos particulares,

sob o ponto de vista lucrativo.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro47 e Celso

Antônio Bandeira de Mello fazem críticas à Lei

nº 11.079/2004, considerando que a mensagem

que acompanhou o Projeto de Lei encaminhado

ao Congresso Nacional propugnava por uma eco-

nomia de investimentos em obras de infraestru-

tura, para as quais o Governo não dispunha de

recursos suficientes. Alertam para o fato de a Lei

nº 11.079/2004 prever duas modalidades de con-

cessões em que a forma de remuneração abrange,

total ou parcialmente, a contribuição pecuniária

do Poder Público, podendo, inclusive, nas con-

cessões patrocinadas chegar a mais de 70% com

autorização legislativa (art. 10, §3º) e, nas admi-

nistrativas, até a 100% da remuneração do Poder

Público.48

Tais argumentos mitigam a exposição de

motivos apresentada pelo Governo ao Congresso

Nacional. O modelo brasileiro baseou-se na matriz

britânica, pelos mesmos motivos, ou seja, a falta

de recursos públicos para as obras de infraestrutu-

ra e a grave crise fiscal, porém, não foi semelhante

quanto à participação dos recursos públicos e à

prestação de garantias ao parceiro privado.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro prossegue

cri ti cando que “outro objetivo das parcerias

público-privadas, menos declarado, mas também

verda deiro, é o de privatizar a Administração Pú-

blica, transferindo para a iniciativa privada grande

parte das funções administrativas do Estado”.49

Nesse contexto histórico, a Lei nº 11.079/

2004 criou a concessão patrocinada que tem a

mesma lógica da concessão de serviço público,

47 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 143.

48 “Seguramente, este não é um modo de acudir à carência de recur-sos públicos; antes, pressupõe que existam disponíveis e implica permissão legal para que sejam despendidos: exatamente a antí-

(BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p.763).49 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-

missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 143.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 20 22/10/2013 11:33:02

Page 15: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

21ARTIGOS

em que se translada o serviço público para o parti-

cular que será responsável também pelo desenho,

construção, financiamento e operação. Do mes-

mo modo, ele vai se remunerar pela exploração,

gestão do empreendimento, e vai também receber

tarifas cobradas junto ao desempenho direto pelo

serviço. Por seu turno, como as tarifas são insu-

ficientes, o Poder Público vai complementar, pa-

trocinar a atividade com fins de dar viabilidade

econômica ao empreendimento público.

Conclui-se, pois, que a concessão patro-

ci nada nada mais é do que a concessão comum

de que já tratava a Lei nº 8.987/1995, quanto ao

objeto a ser transferido, diferenciando, todavia,

no aspecto quanto à lucratividade desses serviços,

que são considerados deficitários e pouco atraentes

à iniciativa privada, ao passo que nas concessões

comuns eram lucrativos.

Há também na concessão patrocinada as ta-

rifas dos usuários e a prestação do serviço públi-

co. Porém, o que há de novidade é o patrocínio do

Poder Público nessa nova modalidade de conces-

são. Esse complemento vai depender da previsão

contratual, como, por exemplo, mensal, ou anual,

dependendo, na verdade, da previsão contratual

que disciplinará a forma de pagamento desses re-

cursos. A lei foi omissa sobre esse aspecto.

A análise sobre quais atividades necessa-

riamente vão se enquadrar em uma concessão

patrocinada, portanto, depende do caso concreto.

Determinadas atividades que em algumas situa-

ções são extremamente lucrativas, em outros con-

textos podem se revelar deficitárias. Portanto, não

há, aprioristicamente, um rol de atividades susce-

tíveis a uma concessão patrocinada.

Ian Ramalho Guerriero, da Assessoria Eco-

nômica, Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão, ensina em termos gerais que:

projetos que tenham Taxa Interna de Retorno (TIR)50 compatível com o retorno exigível no mercado, po-dem ser estruturados como Concessão. Projetos que não alcancem uma TIR suficiente sozinhos, podem ser estruturados como PPP: incluindo contrapresta-ções e subsídios para elevar as receitas até o nível adequado de retorno. Projetos cujas receitas sejam poucas e os custos de transação para transferência ao setor privado sejam elevados, podem ser estrutu-rados como obras públicas.51

50 Um projeto típico tem um grande investimento no começo, segui--

51 GUERRIERO. Estruturação de projetos. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.

Em determinados casos pode o Poder Público dar o patrocínio integral como meio de re-gulação, por ter como objetivo, por exemplo, não somente a boa trafegabilidade da rodovia, mas os efeitos de “arraste econômico que a implantação da rodovia pode proporcionar como a integração entre municípios e a geração de empregos, desde que busquem objetivos legítimos e motivados”.52

Reconhece que a concessão patrocinada no Brasil já era possível pelo regime concessório an-terior, pois o art. 11 da Lei nº 8.987/1995 já con-templava uma abertura ao poder concedente de prever a possibilidade de outras fontes comple-mentares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas.53

Projetos associados ou receitas acessórias são negócios acessórios que geram renda para o con ces sionário para além da tarifa. São ampla men-te utilizados nas rodovias onde pode se con ce der parte de sua faixa de domínio54 para coloca ção, por exemplo, de postos de gasolina, per mi tir a ex-ploração por meio de restaurantes e lojas nos em-pre en dimentos, para que a receita aufe rida com o alu guel possa servir para reduzir a tarifa do usuário.

Outra forma de receita adicional são as complementares, as quais haverá a receita da tari-fa e o subsídio público. Neste complementar, há o germe da concessão patrocinada.

Nas receitas alternativas não se aplica a ta-rifa, já que é substituída por outra forma de re-mu ne ração, enquadrando-se em uma concessão

de ser viço público totalmente “patrocinada” na

própria Lei nº 8.987/1995.55

52 Marco Aurélio de Barcelos Silva, Pós-Graduação em Direito Admi-nistrativo, Parcerias Público-Privadas, IDP, Brasília, 2009.

53 “Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço pú-blico, poderá o poder concedente prever, em favor da conces-sionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei”.

54 A faixa de domínio é a base física sobre a qual se assenta a rodo-via, sendo constituída pela pista de rolamento onde os veículos trafegam, canteiros, obras de arte, acostamentos e sinalização, estendendo-se até o alinhamento das cercas que separam a estra-da dos imóveis marginais ou da faixa de recuo. Em geral, faz-se uma reserva de 60 metros, quando se trata de pista simples, e de 100 metros, em caso de pista dupla, mas essa distância pode va-

da rodovia. Além uma área de 15 metros na lateral da estrada, de

não se pode construir por questões de segurança (inciso III do art. 4º do Capítulo II da Lei nº 6.766 de 19.12.1979, e alterações impostas pela Lei nº 9.785, de 29.01.1999 e suas atualizações e Manual de Acesso de Propriedades Marginais a Rodovias Federais).

55 O Professor Floriano de Azevedo Marques Neto, antes mes-mo da Lei nº 11.079/2004, em interessante artigo, já previa a

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 21 22/10/2013 11:33:02

Page 16: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

22 ARTIGOS

O pedágio-sombra é também uma prática rotineira em países da Europa, como Inglaterra e Portugal, que consiste em transferir a gestão de um serviço público, potencialmente tarifável, em que na tarifação, quem continua pagando é o Tesouro. Com base na leitura da Lei nº 8.987/1995 já era possível vislumbrar o pedágio-sombra, pois há a previsão de receitas alternativas.

Outra questão interessante é saber se pela Cons tituição Federal seria possível a complemen-tação ou a substituição da tarifa. Disciplina o art. 175 da CF:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou per-missão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.Parágrafo único. A lei disporá sobre:III - política tarifária;

Esse dispositivo seria um obstáculo à com-plementação ou substituição tarifária? Falar em política tarifária não significa necessariamente tratar de cobrança de tarifa. Uma eventual política tarifária poderia contemplar isenção de tarifas, o que não a descaracteriza como plano de política tarifária. Entendimento contrário tornaria restriti-vo, em excesso, o dispositivo constitucional.

A Lei nº 8.987/1995, nesta linha de entendi-mento, previu outras fontes provenientes de recei-tas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados. O que há no modelo tarifário — que é o modelo das concessões comum e pa-trocinada — é a troca da solidarização dos custos pela individualização dos custos. É nesse sentido que se afirma que os serviços públicos econômi-cos do Estado, que podem ser individualizados, os ditos uti singuli, são os que poderão ser objeto de uma concessão comum ou patrocinada. Somente sendo individualizados é que se pode deflagrar o sistema de tarifas. Se não há individualização não há como cobrar tarifa.

Este esquema jurídico dificulta que ou-

tros serviços — como, por exemplo, os de caráter

possibilidade de uma concessão de serviço público onde defendia a possibilidade de o Poder Público complementar ou substituir as tarifas em uma concessão de serviços transferidos ao particu-lar. O entendimento está em obra em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari, que tratava das concessões de serviços sem ônus para usuário. Cita o FUST (criado pela Lei Federal

recursos do FUST, de origem tributária, poderiam ser utilizados para diminuição do valor nas contas de serviços de telecomuni-cações de estabelecimentos de ensino e bibliotecas (MARQUES NETO. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário: direito público: estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari, p. 339).

universal (uti universi), como os serviços sociais,

que não são tarifados — possam ser submetidos

a essa lógica da concessão comum e patrocinada.

Não se consegue, portanto, pegar um serviço não

tarifável — um serviço administrativo — e apli-

car as regras da concessão comum e patrocinada.

Há a necessidade de um novo arcabouço jurídico

que viabilize esse translado ao particular dos ser-

viços que não podem ser submetidos ao modelo

tarifário.

Um grande número de autores, entre eles

o professor Carlos Ari Sundfeld, entende que nas

concessões administrativas se aplique a mesma

lógica econômico-contratual das concessões co-

mum e patrocinada para outros serviços que não

os serviços públicos tarifáveis. Se a concessão

patrocinada já representava uma ruptura com o

ele mento tarifa das concessões comuns, com a

possi bilidade de patrocínio cem por cento, a con-

cessão administrativa veio desconstituir outro ele-

mento considerado típico nas concessões, que é a

figura dos serviços públicos. Poder-se-ia ter, então,

outras atividades que não de caráter econômico

— que não serviços industriais ou comerciais do

Estado ou que não serviços uti singuli — submeti-

dos a essa lógica contratual.

Outro ponto é que na concessão adminis-

trativa não tem um objeto predefinido. Poder-se-ia

dizer que a concessão administrativa se confun-

diria com a concessão patrocinada cem por cen-

to? Na concessão administrativa entende-se que

o único responsável pela remuneração é o Poder

Público. Qual seria a diferença de uma concessão

administrativa — que é inteiramente remunerada

pelo Poder Público — de uma concessão integral-

mente patrocinada? A maioria dos autores, inclu-

sive Carlos Ari Sundfeld e Maria Sylvia Zanella

Di Pietro,56 entende que uma concessão patroci-

nada cem por cento é uma concessão administra-

tiva, porque o §1º do art. 2º da Lei nº 11.079/2004

utiliza o termo “adicionalmente” para se referir à

remuneração do parceiro público ao parceiro pri-

vado nessa modalidade de concessão.57

56 “Como a concessão patrocinada supõe serviços públicos que per-mitam cobrança de tarifa do usuário, os demais serviços públicos, a serem prestados, gratuitamente, somente poderão ser objeto de concessão administrativa” (DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 144).

57 Art. 2º, §1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços pú-blicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro pú-blico ao parceiro privado.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 22 22/10/2013 11:33:02

Page 17: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

23ARTIGOS

O legislador, no entanto, foi cauteloso ao di-

ferenciar as modalidades de concessão na Lei das

PPPs. Definiu a concessão patrocinada no §1º do

art. 2º como “a concessão de serviços públicos ou

de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13

de fevereiro de 1995, quando envolver, adicional-

mente à tarifa cobrada dos usuários, contrapres-

tação pecuniária do parceiro público ao parceiro

privado”. Por outro lado, quando se referiu à con-

cessão administrativa no §2º do art. 2º definiu:

“Concessão administrativa é o contrato de presta-

ção de serviços de que a Administração Pública

seja a usuária direta ou indireta, ainda que envol-

va execução de obra ou fornecimento e instalação

de bens” (grifos nossos).

O que se evidencia é que a Lei nº 8.987/1995

não é a lei de concessões, mas, sim, a lei que trata

das concessões e permissões de serviços públi-

cos, com base na política tarifária estabelecida

na CF. Ademais, o preâmbulo e o art. 1º da Lei

nº 8.987/1995 só se referem às concessões e per-

missões de serviços públicos.58 Seria uma leitura

equivocada afirmar que a Lei nº 8.987/1995 trataria

de todas as formas de concessões. Ao contrário,

seu objeto caberia somente nas concessões co-

muns de serviços públicos e concessões patro-

cinadas se adicionalmente à tarifa houvesse uma

contraprestação do parceiro público.

A concessão administrativa não se identifica

integralmente à concessão patrocinada. Além do

objeto anteriormente citado (serviços públicos), a

própria topografia legislativa coloca ambas as de-

finições e seus respectivos objetos em dispositivos

diferentes. O §1º trata da concessão patrocinada e

o §2º trata da concessão administrativa. Por fim,

na concessão administrativa a Administração é

usuária direta ou indireta dos serviços, previsão

não encontrada na concessão patrocinada (§1º do

art. 2º da Lei nº 11.079/2004). Não é o patrocínio

cem por cento nas concessões patrocinadas que

vai transmudá-la em concessão administrativa, e

até mesmo por incompatibilidade do seu objeto

(serviços públicos).59

58 “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Art. 1º As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispen-sáveis contratos”.

59 -ram que as concessões administrativas podem ter como objeto serviços públicos como usuária indireta (DI PIETRO. Parcerias na

Será de fato uma concessão administrativa

uma concessão? Celso Antônio Bandeira de Mello,

tecendo críticas acirradas à Lei nº 11.079/2004,

entende a concessão administrativa como uma

“falsa concessão”, por considerar que a contra-

prestação que a Administração teria de pagar ao

parceiro privado pela prestação do serviço não

seria tarifa, mas uma remuneração decorrente de

contrato como qualquer outra, o que descaracteri-

zaria a parceria como uma concessão:

[...] o que diferencia a concessão de serviço pú-blico de outros contratos de prestação de serviços é o fato de o contratado se remunerar mediante a exploração do serviço, por ele mesmo efetuada, normalmente pela cobrança de “tarifas” direta-mente dos usuários — conquanto esta não seja necessariamente sua única forma de remuneração. Deveras, o que faz distinto um contrato de presta-ção de serviços de limpeza pública, por exemplo, de uma concessão do serviço de limpeza pública? O serviço, em si, é o mesmo. A única distinção entre eles é que no primeiro o contratado é remunerado pela Administração por prestar tal serviço, não pas-sando de mero executor material; e no segundo o concessionário se remunera cobrando ele próprio sua retribuição dos usuários [...] Deveras, não bas-ta chamar um contrato de prestação de serviços como concessão para que ele adquira, como em um passe-de-mágica, esta qualidade. Também não basta chamar de tarifa o pagamento feito ao presta-dor de serviço em um contrato desta índole para tal pagamento se converta em tarifa e o dito contrato se transforme em uma concessão; assim como não bastaria chamar uma cadeira de alto-falante para poder irradiar sons por meio dela.60

Como dito alhures, desde a Lei nº 8.987/1995

— pelo seu art. 11 — já era possível uma conces-

são de serviços públicos cem por cento patrocina-

da pelo Poder Público e, mais que isso, o elemento

tarifa não seria fator determinante para se confi-

gurar uma concessão, como, por exemplo, nas

concessões comuns em que não há cobrança de

tarifas, sendo a remuneração do concessionário

por meio das receitas alternativas.61

Celso Antônio Bandeira de Mello consi-

dera que a Lei nº 11.079/2004 visa, na verdade,

via bilizar um contrato de prestação de serviços

com a fuga do regime geral de contratação da Lei

nº 8.666/1993, aplicando os prazos das concessões,

Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceiriza-ção, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 145).

60 BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 764-765.61 “Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço pú-

blico, poderá o poder concedente prever, em favor da conces-sionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei”.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 23 22/10/2013 11:33:02

Page 18: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

24 ARTIGOS

proporcionando um regime vantajoso e maiores

garantias para os contratantes privados.62

Marco Aurélio Barcelos Silva apresenta

contraponto à ideia de que o elemento serviço pú-

blico não está necessariamente ligado a um servi-

ço público, asseverando que:

[...] se é certo que o art. 175 da Constituição da República estabelece que os serviços públicos de-vam ser transferidos ao particular por meio de uma concessão (ou permissão), a recíproca não é verda-deira, isto é, uma concessão não tem sempre que se referir a um serviço público, podendo a lei incre-mentar-lhe objeto. Crê-se, dessa maneira, ser viável a existência de outras modalidades de concessão, a exemplo do que ocorre na concessão administrati-va. Cita-se a opinião de WALD, segundo quem, da própria etimologia da palavra, extrai-se que a con-cessão é uma cessão na qual o Estado continua sem que haja, necessariamente, a delegação da presta-ção de um serviço público.63

Pensa-se ser a concessão de serviços públi-

cos translativa, atributiva constitutiva e prestacio-

nal, porque confere, por meio de um contrato, a

uma concessionária uma situação jurídica e dele

se espera uma prestação que é a oferta do serviço

público remunerado por tarifa. Poder-se-ia, então,

aplicar essa lógica das concessões às atividades

outras, que não serviços públicos — como as ati-

vidades administrativas em geral — sob a gestão

da Administração Pública, como, por exemplo, a

gestão de presídios.

Por seu turno a concessão administrativa

tam bém é um contrato de gestão de empreendi-

men to público. O Professor Marco Aurélio Barcelos

Silva explica o termo “empreendimento pú blico”:

“Diz-se ‘empreendimento’ pelo fato de os ser vi-

ços transferidos compreenderem uma plêiade

de atividades exploradas e geridas pelo conces-

sio nário, incluída a administração de recursos

finan ceiros, materiais e humanos”.64 Dentro do

movi mento de parcerias é a forma mais sofisticada

de con tratação de serviços para além da ideia de

62 “Assim, percebe-se que o que a lei visa, na verdade, por meios transversos, não confessados é a realizar um simples contrato de prestação de serviços — e não uma concessão — segundo um re-gime diferenciado e muito mais vantajoso para o contratado que o regime geral dos contratos. Ou seja, quer ensejar aos contratan-tes privados (os parceiros), nas ‘concessões’ administrativas tanto como nas patrocinadas, vantagens e garantias capazes de atender aos mais venturosos sonhos de qualquer contratado” (BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 765).

63 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.

64 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.

serviços públicos. É uma concessão, a teor do art. 2º da Lei nº 11.079/2004, que não se refere à concessão de serviço público mas tão somente a concessão como gênero, enquadrando aqui tanto a patrocinada (de serviços ou de obras públicas) como a concessão administrativa (prestação de serviços e serviços sociais).

A interpretação sistemática da Lei nº 11.079/ 2004 permite verificar e perceber que vários dis-positivos legais referentes à concessão de serviço público serão aplicados à concessão administrati-va.65 Di Pietro ensina que alguns dispositivos da Lei nº 8.987/1995, como os arts. 21 e 23 (contra-tos), art. 25 (responsabilidade da concessionária perante o poder concedente), art. 27 (transferência da concessão), art. 25, §§1º a 3º (subcontratação), art. 29 (encargos do poder concedente), art. 31 (encargos da concessionária), arts. 32 a 39 (extin-ção, encampação, caducidade, rescisão, anulação, falência ou extinção da empresa, falecimento ou incapacidade do titular) e art. 36 (reversão). Todos esses dispositivos caracterizam poderes do conce-dente de uma concessão de serviço público, que em um contrato de empreitada previsto na Lei nº 8.666/1993 — que tem como objeto a mera exe-cução material do serviço — não se justificariam.

O Professor Marco Aurélio de Barcelos Silva entende a concessão administrativa como uma “concessão de empreendimentos públicos desdobradas em serviços sociais (não tarifáveis), serviços administrativos e demais empreendimen-tos complexos”.66 Essa é uma posição minoritária. São poucos os autores que defendem que a con-cessão administrativa é uma concessão, que tenha por objeto algo distinto de serviço público.

Chega-se ao rol de atividades que seriam, por natureza, objeto de uma concessão administrativa por exclusão. O art. 4º, III, da Lei nº 11.079/2004 exclui dos objetos das Parcerias Público-Privadas as atividades que sejam exclusivas do Estado.67 Caberiam aqui as atividades que não possam ser tarifáveis, os empreendimentos públicos uti uni-

versi ou serviços públicos impróprios como saúde,

educação, seguridade social, ditos indivisíveis,

65 “Art. 3º As concessões administrativas regem-se por esta Lei, apli-cando-se-lhes adicionalmente o disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e no art. 31 da Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995”.

66 Marco Aurélio de Barcelos Silva, Pós-Graduação em Direito Administrativo, Parcerias Público-Privadas, IDP, Brasília, 2009.

67 “Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão obser-vadas as seguintes diretrizes: III - indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de ou-tras atividades exclusivas do Estado”.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 24 22/10/2013 11:33:02

Page 19: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

25ARTIGOS

como, por exemplo, a coleta de lixo.68 Nos serviços

uti singuli — que são divisíveis e tarifáveis — só

caberá a concessão comum e a patrocinada.

A Lei de PPP trouxe como grande inovação

em face da PPP britânica e da Lei nº 8.987/1995

o compartilhamento de riscos e aumento de ga-

rantias.69 O Professor Marco Aurélio de Barcelos

Silva comparando, neste ponto, as PPPs com os

regimes jurídicos da Lei nº 8.666/1993 e da Lei

nº 8.987/1995 preleciona que:

as contratações realizadas com base na Lei de Licitações, o risco do negócio está, em sua quase integralidade, disposto nas mãos da Administração Pública, o contrário acontecendo nas concessões de serviços públicos, em que esse mesmo risco está por força da legislação — alocado nas mãos do con-cessionário. O art. 2º da lei federal nº 8.987/95 traz como elemento conceitual dessa modalidade de contratação a assunção integral dos riscos do negó-cio pelo concessionário.70

Ponto controvertido está no inc. III do art. 5º

da Lei das PPPs, que estabelece que sejam reparti-

dos os riscos entre as partes, inclusive os decorren-

tes de caso fortuito, força maior, fato do príncipe

e álea econômica extraordinária. Na concessão

comum, o concessionário age por sua conta e ris-

co, de maneira que não são repartidos os riscos

inerentes ao empreendimento, entendidos, aqui,

aqueles decorrentes da álea ordinária. Quanto aos

decorrentes da álea extraordinária, Celso Antônio

Bandeira de Mello, tecendo críticas incisivas aos

institutos da Lei nº 11.079/2004, entende que não

seria possível onerar o concessionário pelo fato do

príncipe, por ferir as normas constitucionais de

responsabilidade do Estado.71 Da mesma forma é

68 No Município de São Paulo há uma PPP para o serviço de coleta de lixo. Celso Antônio Bandeira de Mello critica tal empreendimento: “Foi este meio grotesco o de que se utilizou a Prefeitura Municipal de São Paulo, na última gestão, para efetuar contratos de presta-ção de serviço de recolhimento de lixo com prazo correspondente ao de concessões, atribuindo tal nome ao contrato de ‘tarifa’ o pagamento que fazia ao prestador. É evidente que o contrato em tais condições é nulo de pleno direito” (BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 765).

69 “O direito brasileiro passa a adotá-lo (o instituto das PPP), inovando ao prever garantias que o poder público poderá prestar

PIETRO. Par cerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 142).

70 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.

71 “Não parece possível onerar o parceiro privado com o encargo de repartir os riscos oriundos do fato do príncipe, pois confor-

Pietro, o princípio constitucional da responsabilidade do Estado impediria tal solução. O Poder público é que teria que assumir as consequências de seu ato” (BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 770).

seu entendimento quanto às sujeições imprevis-

tas “quando o parceiro privado atuou sobre as

informações técnicas que hajam sido oferecidas

e afiançadas como bastantes pelo Poder Público”.

Outro aspecto que se mostra interessante

são as figuras que se assemelham, em muito, à

concessão administrativa, como o regime de em-

preitada integral prevista no art. 6º, inciso VIII

e inciso II, alíneas “a” e “b” do art. 10 da Lei

nº 8.666/1993, e as terceirizações e as franquias.

Questiona-se, no entanto, se esses tipos de contra-

tos não estavam dentro do escopo de uma conces-

são administrativa.

Sobre as semelhanças e dessemelhanças

ensina Di Pietro que:

na concessão administrativa, se o objeto for a prestação de serviços, o concessionário, da mes-ma forma que na empreitada, vai assumir apenas a execução material de uma atividade prestada à Administração Pública; esta é que detém a gestão do serviço. No entanto, não é possível identificar inteiramente a concessão administrativa com a em-preitada. Em primeiro lugar, porque, na primeira, o parceiro privado sujeitar-se-á às normas da Lei nº 11.079/04, da Lei nº 8.987/95 (arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 e da Lei nº 9.074/95 (art. 31), enquanto a segunda aplica-se a Lei nº 8.666/93. Inclusive a concessão administrativa escapa à regra da limita-ção de prazo que consta na Lei 8.666 (art. 57).72

Di Pietro entende a concessão administrati-

va como um misto de empreitada, serviço remu-

nerado pela Administração, tendo como objeto a

execução material de atividade e de concessão de

serviço público sujeita também a algumas normas

da Lei nº 8.987/1995.73

Di Pietro mostra a semelhança com as ter-

ceirizações, chamando de terceirizações de ser-

viços públicos, no entanto submetidas ao regime

jurídico da Lei nº 11.079/2004 e algumas normas

da Lei nº 8.987/1995, com todas as peculiaridades

que a diferenciam do regime geral dos contratos

da Lei nº 8.666/1993. Para diferenciar, a autora

afirma que “Não sob a forma de empreitada de

obra, de serviço ou de fornecimento (porque isto

está vedado expressamente pelo artigo 2º, §4º, III,

da Lei nº 11.079). É a terceirização da gestão do

serviço, podendo ou não envolver obra, forneci-

mento e instalação de bens”.74

72 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permis-são, franquia, terceirização, Parcerias Público-Privadas e outras formas, p. 152.

73 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 152.

74 “Na lei mineira (de nº 14.868, de 16.12.2003) esse objetivo está mais claro, porque o artigo 5º, §1º prevê a possibilidade de

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 25 22/10/2013 11:33:02

Page 20: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

26 ARTIGOS

Segundo Di Pietro, “se o objeto da concessão

administrativa — delegação da execução de

serviço público — se revelar verdadeiro haverá

terceirização de atividade meio (serviços admi-

nistrativos) e atividade fim (serviços sociais do

Estado)”.75

Quanto às franquias, muito embora não

exista dispositivo legal específico que discipline os

contratos de franquia na Administração Pública,

nada impede a adoção do sistema, aplicando-se o

art. 62, §3º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993.76 Quando

tomar a forma de terceirização e quando na forma

de concessão estará sujeita à Lei nº 8.987/1995. No

entanto, não se considera que as franquias estejam

no escopo de uma concessão administrativa,

embora possuam algumas semelhanças, tais como

transferência ao franqueado de poderes e deveres

próprios do concedente, conservando, este último,

alguns dos poderes e deveres como o de controlar

e fiscalizar a atuação do franqueado.

Nas palavras de Di Pietro — muito embora

se referindo às concessões de serviço público —

“a grande diferença está no fato de que, enquanto

na concessão de serviço público o concessionário

atua em nome próprio e segundo técnicas próprias

de organização e trabalho, na franquia o franque-

ado atua sob o nome do franqueador utilizando a

sua marca e suas técnicas de atuação”. Esse en-

tendimento também se aplica às concessões admi-

nistrativas, com o plus de que nestas, o parceiro

público tem maior autonomia de atuação.

Por fim, o Professor Marco Aurélio Barcelos

Silva faz elucidativa diferenciação entre PPPs e

privatizações em sentido estrito, explicando que:

Ao contrário do que de possa ouvir falar, parce-rias não caracterizam “entreguismo”. O Estado não abandona suas atribuições em mãos alheias. Pelo

parceria público-privada nas seguintes áreas I - educação, saú-de e assistência social; II - transportes públicos; III - saneamen-to básico; V - ciência, pesquisa e tecnologia; VI - agronegócio, especialmente na agricultura irrigada e na agroindustrialização; VII - outras áreas públicas de interesse social ou econômico. E o mesmo artigo 5º, ao indicar as atividades que podem ser objeto de parceria, inclui a ‘implantação e a gestão de empreendimento público, incluída a administração de recurso humanos, materiais

-vidades administrativas” (DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, Parcerias Público-Privadas e outras formas, p. 153).

75 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 153.

76 “§3º Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber: I - aos contratos de seguro, de

e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado”.

Contrário, embora se permita que a execução direta de uma de uma atividade seja implementada por um particular, o Poder Público mantém-se firme na função de regulação e fiscalização do contrato, ba-lizando a atuação contratado em favor da satisfação de interesse público.77

Analisar-se-ão, no próximo tópico, as vanta-gens do modelo das PPPs sobre o modelo tradicio-nal de contratação.

6 Vantagens da Parceria Público-Privada sobre o

modelo tradicional de contratação

O novo modelo concessório suscitou inú-meras críticas que trouxeram a necessidade de maior aprofundamento no debate acerca das PPPs no Brasil. Vejamos algumas das opiniões:

“Na verdade a PPP é uma forma de privati-zação de setores e serviços públicos estratégicos. Criaram um novo nome para uma coisa antiga e conhecida de todos”, Nota Pública, Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).78

“Afinal, Parceria Público-Privada é assim mesmo. O governo faz todas as concessões sonha-das pelos capitalistas que detestam riscos, e se o empreendimento der chabu, a conta é da viúva, quer dizer, do povo”, Roberto Requião.79

“Nas PPPs o contratado particular presta o serviço, não assumindo totalmente o risco do empreendimento, pois há contribuição financeira do Poder Público. Ou seja, capitalismo com ris-co reduzido para o grande capital”, Tarso Cabral Violin.80

“É um sistema que exige muita sintonia en-tre governo e empresa privada. Se o governo não cumprir sua parte, sobra o recurso à Justiça e aí as ações levam anos e anos para obter a primeira solução, e aí vem a outra instância [...]”, Marlus Renato Dall’Stella.81

“Nos falta agilidade nas parcerias entre o Estado e o setor privado, uma vez que a legislação das PPPs é extremamente burocrática”, Presidente do Conselho de Infraestrutura da CNI, José de Freitas Mascarenhas, Valor Econômico (04 out.

2011).82

77 SILVA. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE.

78 -

79 Disponível em: <http://www.robertorequiao.com.br/site/PPPs-Por tuguesas-e-um-alerta-ao-Governo-Dilma>.

80 Disponível em: <http://blogdotarso.com/2011/02/17/beto-richa- propoe-criar-agencia-para-regular-suas-privatizacoes-via-ppps/>.

81 Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/celso-ming/2011/ 03/05/as-ppps-nao-decolaram/>.

82 Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/1036524/cni-pro poe-fundo-de-garantia-de-aportes-privados-para-ppp-avancar>.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 26 22/10/2013 11:33:02

Page 21: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

27ARTIGOS

“Falta um marco regulatório mais robusto e

claro para as parcerias público-privadas (PPPs)”,

Brasil, Investimentos e Negócios (BRAIN).83

Diante desse quadro de críticas e descon-

fiança percebe-se a necessidade de distribuição

de informações públicas e produção de conheci-

mentos sobre o tema das PPPs.

83 Disponível em: <http://www.brainbrasil.org/media/BRAiN%20% 20Atratividade%20do%20Brasil%20como%20polo%20interna-cional%20de%20investimentos%20e%20neg%C3%B3cios.pdf>.

Abaixo, seguem esquematizadas algumas

diferenças entre a contratação de PPP e a contrata-

ção do sistema tradicional, assim como alguns dos

seus benefícios:

Lei nº 8.666/1993 PPP Benefício da PPP

- Várias licitações:

- Projeto

- Obras

- Manutenção

- Concurso público

- Uma única licitação que engloba todos

os serviços

- Prazo de execução da obra;

- Garantia de que a infraestrutura será mantida e

operada;

infraestruturas que geram receitas

acessórias (burocracia, licitação, falta

de direito privado nas relações com

efetiva execução do projeto tal como

concebido pela Administração Pública

- O pagamento se dá em função da

disponibilização dos serviços (apenas o serviços;

- Menor custo para o Governo;

- Utilização da tecnologia do setor privado;

- Alteração do projeto básico gera - O privado pode alterar o projeto sem - O Governo tem maior garantia de pagar o que foi

- Riscos de atraso, problemas de

- O Governo paga mediante disponibilização dos

serviços e a longo prazo;

- Projeto básico e projeto executivo - Possibilidade de a Concessionária

elaborar os projetos básico e executivo

- Aproveitamento da expertise e das tecnologias de

Como se nota, as PPPs trazem vantagens em

relação aos sistemas tradicionais de contratação,

muito embora se possa considerar que algumas

das críticas ao novo modelo concessório deman-

dam reflexão com vistas ao aprimoramento da

legislação. Pensa-se que há espaço para que a qua-

lidade do debate público brasileiro sobre as PPPs

seja aprimorada.

Há nas PPPs a fiscalização do Poder Público

focada no resultado, padrões de desempenho e

níveis de serviço, deixando ao parceiro privado

as escolhas dos meios, técnicas e tecnologias ne-

cessárias (modificação da lógica de fiscalização

do Poder Público, de fiscalização de meios para

resultado, ou seja, de Estado prestador de serviços

públicos para o Estado Regulador).

Na verdade percebe-se que a Lei de PPPs

“partiu da ideia de a Administração deve contratar

a gestão de uma atividade, abrindo mão de definir

os meios necessários para realizá-la [...] em um

projeto de PPP o que interessa na verdade, é o ser-

viço, de caráter continuado”.84

Todavia, para uma contratação segura e efi-

ciente, que traga resultados legítimos que corres-

pondam aos anseios e necessidades da sociedade,

não se pode prescindir que as especificações con-

tratuais devem ser objetivas e haja no objeto as

especificações dos produtos e serviços (clareza

84 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 27 22/10/2013 11:33:02

Page 22: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

28 ARTIGOS

dos produtos, clareza na transferência do risco

da esfera pública para a esfera do privado), per-

mitindo ao setor privado avaliar corretamente o

produto/serviço a ser entregue. Tais especificações

possibilitam à Administração Pública receber o

que contratou com efetivo ganho de gestão. As

especificações contratuais devem ser objetivas e,

se possível, traduzidas em indicadores men su-

ráveis de desempenho e operacionalmente fáceis

de lidar.

Sendo assim, do ponto de vista do parceiro

público, a PPP facilita a fiscalização da prestação

do serviço; cria incentivo para o adequado cum-

primento contratual por meio da vinculação do

desempenho ao pagamento da contraprestação

pública. Do ponto de vista do parceiro privado,

evita ou reduz a existência de conflitos sobre a

ade quada prestação dos serviços que ensejam

a redução ou mesmo o não pagamento da con-

traprestação pública.

Quanto à dimensão e riscos, o valor do in-

vestimento deve ter uma dimensão razoável que

permita diluir os custos de modelagem, em face

da quantidade e complexidade dos estudos envol-

vidos para a contratação de uma PPP, tomando-se

em conta que o custo de modelagem para o setor

público é maior que numa contratação tradicional.

Ademais, acrescenta-se que a maior parte

dos ganhos de eficiência com a PPP deriva da trans-

ferência de risco ao setor privado. Investimentos

de maior dimensão maximizam os benefícios des-

sa transferência de risco (ex.: riscos de construção,

elevação de custos e atraso na conclusão).

Por seu turno, há necessidade, na fase de es-

truturação dos projetos, que seja analisada a “ca-

pacidade do setor público para regular e fiscalizar

a PPP, o interesse do Governo e capacidade e inte-

resse do setor privado pelo projeto”.85

A capacidade do setor público para regular e

fiscalizar a PPP é verificada: (i) na modelagem do

projeto (inclusive gestão das consultorias; (ii) na

gestão do procedimento licitatório (minimizado

pelo fato de não haver fase de negociação); (iii) de-

pois de celebrado o contrato, na gestão da PPP e na

verificação do desempenho do parceiro privado.

O interesse de Governo deve ser caracteriza-

do pela discricionariedade para escolher os pro-

jetos que serão prioritariamente implementados.

85 SOUTO. Estruturação de Projetos. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.

A avaliação da capacidade e interesse do

setor privado pelo projeto se dá pela existência de:

capacidade técnico-financeira e disponibilidade;

interesse do setor privado pelo projeto e pela es-

tru tura contratual da parceria (sobretudo, a dis-

tri buição eficiente de riscos); fluxo regular de

pro jetos com características similares; estruturas

pro fissionalizadas para a montagem das propostas,

redução da incerteza quanto ao comportamento da

Admi nistração; conhecimento mútuo dos objetivos

e das expectativas das partes; expectativa quanto a

um bom grau de concorrência (a avaliação da con-

corrência deve ser analisada em concreto, em face

de um projeto em concreto, um mercado em con-

creto, um momento em concreto).

Para que um projeto de PPP seja bem-suce-

dido não poderá prescindir da avaliação prévia

sobre a conveniência e oportunidade da contrata-

ção como PPP e de estudos sobre o impacto fiscal.

A avaliação prévia sobre a conveniência e

oportunidade da contratação como PPP se dá com

prévios estudos técnicos realizados por equipe

multidisciplinar, ocasião em que serão verificadas

a mensuração e projeção da demanda; o projeto

operacional/indicadores de desempenho; o proje-

to de engenharia/programa de investimentos; e os

estudos ambientais.

Os estudos sobre o impacto fiscal levantam

a viabilidade econômico-financeira do modelo

econômico-financeiro; o modelo do negócio; a es-

trutura de financiamento; e a análise de riscos. Os

estudos jurídicos devem se debruçar sobre a mo-

delagem jurídica, edital e contratos.

Estudos detalhados se traduzem em menor

contraprestação do Poder Público e serviços de

melhor qualidade: é o valor pelo dinheiro (Value

for Money). Esta característica de conteúdo econô-

mico é a maior motivação para a adoção de progra-

mas de PPPs por diversos países.

No âmbito do controle prévio das PPPs fe-

derais há a IN nº 52/2007, do Tribunal de Contas

da União (TCU), prevendo que os estudos devem

ser submetidos ao TCU, permitindo a correção de

falhas antes do lançamento do edital, antes da lici-

tação e antes da assinatura do contrato com menor

custo para o processo regulatório, proporcionando

um planejamento eficiente.

O Professor Marco Aurélio Barcelos Silva

considera que a “instituição do marco legal de

PPPs no Brasil implicou, de fato, em um avanço

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 28 22/10/2013 11:33:02

Page 23: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

29ARTIGOS

metodológico nas ferramentas de contratação do

Poder Público, aprimorando determinados pontos

existentes nas relações contratuais da Admi-

nistração”86 e acrescenta que “PPPs podem ser

iden tificadas como um mecanismo de atuação

estatal destinado a suprir a crescente demanda

da sociedade por melhores infraestruturas e por

serviços públicos mais eficientes em um ambiente

de restrição orçamentária”.87

Pensa-se ser a PPP muito mais do que

uma fuga do regime contratual tradicional da Lei

nº 8.666/1993. Na verdade, traduz-se em uma

compra de know-how privado e melhor custo —

bene fício tecnológico com ganho na eficiência,

e gestão voltada para resultados que reflitam as

aspirações e os anseios da sociedade.

7 Conclusão

Em desfecho deste trabalho é possível com-

pendiar suas principais conclusões nas seguintes

proposições objetivas:

a) Em que pese a relevância das críticas so-

bre o processo de privatização no Brasil, o qual,

de fato, não foi um processo sem defeitos, não se

pode olvidar dos benefícios trazidos ao país pela

política neoliberal implementada, que possibilitou

o desengessamento da economia, que já apresen-

tava um quadro de recessão, e uma solução à fa-

lência do Estado cada vez mais endividado, tendo

em vista o seu inchaço, representando, ainda, ver-

dadeira melhoria na prestação dos serviços. Esse

novo modelo mais liberalizante do setor econômi-

co possibilitou a abertura a capitais estrangeiros,

promovendo, sem dúvidas, uma melhoria na efici-

ência alocativa da economia com um aumento da

competitividade dos produtos nacionais.

Cumpre destacar os avanços tecnológicos

promovidos com a privatização e as melhorias

de infraestrutura alcançadas, em vários setores

da economia, notadamente no setor de telefonia,

assim como a excelência das rodovias, ainda que

permeiem questionamentos sobre o custo dos pe-

dágios para a população.

b) O legislador escolheu o instituto das

concessões para construir o contrato de PPP. O

Legislador afirma que PPP é uma concessão.

86 SILVA. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE.

87 SILVA. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE.

c) O programa de PPP no Brasil buscou no

sistema britânico a matriz para a sua implementa-

ção no Brasil, muito embora a PPP no Reino Unido

tenha um sentido muito mais amplo que a PPP no

Brasil, o qual adota um sentido estrito, compre-

endendo tão somente contratos que envolvam o

chamado DBFO — operações de concepção, cons-

trução, financiamento e operação. A PPP no Brasil

nasceu com base no antigo modelo das conces-

sões. O investidor, ao se deparar com a legislação

brasileira, perceberá algumas diferenças. PPP no

Brasil é concessão.

d) O modelo brasileiro se baseou na matriz

britânica, pelos mesmos motivos, ou seja, a falta

de recursos públicos para as obras de infraestrutu-

ra e crise grave fiscal, porém, não foi semelhante

quanto à participação dos recursos públicos e à

prestação de garantias ao parceiro privado.

e) As Leis nºs 8.987/1995 e 8.666/1993 mos-

traram-se insuficientes como ferramentas para po-

der prover soluções para a Administração Pública,

e um dos principais aspectos que estava por trás

dessa conformação jurídica é justamente a presen-

ça de tarifas e os serviços públicos.

f) A concessão patrocinada no Brasil já era

pos sível no regime concessório anterior, pois o

art. 11 da Lei nº 8.987/2004 já conferia ao poder

concedente a previsão da possibilidade de outras

fontes complementares, acessórias, alternativas ou

de projetos associados, com ou sem exclusividade,

com vistas a favorecer a modicidade das tarifas. No

en tanto, para a criação da concessão administra-

tiva, dada a estrutura da Lei nº 8.666/1993, não

seria possível apenas com pequenos ajustes nesse

diploma normativo. Seria necessário incluir um

capítulo à parte e autônomo com as suas carac-

terísticas trazidas na Lei nº 11.079/2004.

g) A Lei nº 11.079/2004 criou a concessão

patrocinada, evidenciando idêntica lógica à con-

cessão de serviço público, em que se translada

o serviço público para o particular, o qual assu-

mirá a responsabilidade também pelo desenho,

construção, financiamento e operação. Do mesmo

modo, a sua remuneração dar-se-á pela exploração

e gestão do empreendimento, assim como recebe-

rá tarifas cobradas junto ao desempenho direto

pelo serviço. Por outro lado, como as tarifas são

insuficientes, o Poder Público vai complementar,

patrocinar a atividade com fins de dar viabilidade

econômica ao empreendimento público.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 29 22/10/2013 11:33:03

Page 24: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos

30 ARTIGOS

h) Com base no inciso III do art. 175 da

Constituição Federal é possível a complementação

ou a substituição da tarifa, pois falar em política

tarifária não significa necessariamente afirmar a

cobrança de tarifa. Uma eventual política tarifá-

ria poderia contemplar isenção de tarifas, o que

não o descaracteriza como um plano de política

tarifária.

i) A teor do art. 2º da Lei nº 11.079/2004,

que não se refere à concessão de serviço público,

mas sim à concessão como gênero, enquadra-se

aqui tanto a concessão patrocinada (de serviços

ou de obras públicas) como a concessão adminis-

trativa (prestação de serviços e serviços sociais).

j) A concessão administrativa é um contrato

de gestão de empreendimentos públicos. É a for-

ma mais sofisticada de contração de serviços para

além de serviços públicos. É concessão de empre-

endimentos públicos desdobradas em serviços

sociais (não tarifáveis), serviços administrativos e

demais empreendimentos complexos. Essa é uma

posição minoritária.

l) O rol de atividades que seria, por natu-

reza, objeto de uma concessão administrativa se

afirma por exclusão. O art. 4º, inciso III, da Lei

nº 11.079/2004 exclui dos objetos das Parcerias

Público-Privadas as atividades que sejam exclusi-

vas do Estado. Caberia aqui as atividades que não

possam ser tarifáveis, os empreendimentos públi-

cos uti universi ou serviços públicos impróprios

como saúde, educação, seguridade social, ditos

indivisíveis, como, por exemplo, a coleta de lixo.

Nos serviços uti singuli que são divisíveis e tarifá-

veis só caberá a concessão comum e a patrocinada.

m) Há necessidade, na fase de estruturação

dos projetos de PPPs, de análise da capacidade do

setor público para regular e fiscalizar a PPP, do

interesse do Governo e da capacidade e interesse

do setor privado pelo projeto. Todavia, para uma

contratação segura e eficiente, com ênfase nos re-

sultados, considera-se que as especificações con-

tratuais devem ser objetivas. No objeto deve haver

especificação dos produtos e serviços permitindo

à Administração Pública receber o que contratou

com efetivo ganho de gestão.

n) Para que um projeto de PPP seja bem-

sucedido não poderá prescindir da avaliação

pré via sobre a conveniência e oportunidade da

con tra tação como PPP e de estudos sobre o impacto

fiscal;

o) A PPP é muito mais do que uma fuga do

regime contratual tradicional da Lei nº 8.666/1993.

É, na verdade, uma compra de know-how priva-

do e melhor custo — benefício tecnológico com

ganho de eficiência e gestão voltada para resulta-

dos que representem as aspirações e os anseios da

sociedade.

Referências

ANDRADE, Rogério Emílio de. Parcerias Público-Privadas no contexto da crise fiscal do Estado: pers-pectiva jurídica. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emílio de (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP Ed., 2006.

ANUATTI-NETO, Francisco et al. Os efeitos da privati-zação sobre o desempenho econômico e financeiro das empresas privatizadas. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 59, n. 2, abr./jun. 2005.

BAER, Werner et al. As modificações no papel do Estado na economia brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico, São Paulo, v. 3, n. 4, 1993.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros. 2008.

BINENBOJM, Gustavo. Temas de direito administra-tivo e constitucional: artigos e pareceres: as Parcerias Público-privadas na Constituição. São Paulo: Renovar, 2008. p. 123.

BRANDÃO, Vladimir; ALBERTO JR., Carlos. Um rolo chamado Eletropaulo. Economia e Negócios. Época, n. 249, 21 fev. 2003.

CONSULTA sobre reversão da venda da Vale tem data fixada. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 nov. 2006. Nacional.

COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-privadas: relatos de algumas experiências internacio-nais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parcerias público-privadas e outras for-mas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DIAS, Lia Ribeiro; CORNILS, Patrícia. Alencastro: o ge-neral das telecomunicações. São Paulo: Plano Editorial, 2004.

GUERRIERO, Ian Ramalo. Estruturação de projetos. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Assessoria Econômica – ASSEC, 02 abr. 2013.

MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário: direito público: estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

NASSAR, Erika Melissa França. Parcerias Público-Privadas (PPP) no Governo. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Assessoria Econômica – ASSEC, 02 abr. 2013.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 30 22/10/2013 11:33:03

Page 25: Fórum de Contratação e Gestão Pública©rcito... · Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013

O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas

31ARTIGOS

NUNES, Ricardo da Costa. Privatização e Ajuste Fiscal no Brasil. Brasília: Esaf, 1998.

PEREIRA, Bruno Ramos. Observatório das Parcerias Público-Privadas. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Assessoria Econômica – ASSEC, 02 abr. 2013.

PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/plandi1.htm>.

SILVA, Cleide. Infra-estrutura: a volta da privatização: custo do pedágio põe rodovias paulistas em xeque. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 out. 2007. Economia e Negócios, p. b4.

SILVA, Marco Aurélio de Barcelos. Aspectos metodoló-gicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE, Salvador, n. 9, mar./maio, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 10 abr. 2013.

SILVA, Marco Aurélio de Barcelos. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE, Salvador, n. 20, nov./jan. 2009/2010. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/revista/redae-20-novembro-marco-urelio.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013.

SIMONSEN, Mário H. Privatização já!. Exame, out. 1995

SIQUEIRA, Ethevaldo. Privatização gerou R$265 bi ao país. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 out. 2007. Eco-nomia e Negócios.

SOUTO, Vania Lucia Lins. Estruturação de Projetos In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Ges-tão; Assessoria Econômica – ASSEC, 02 abr. 2013.

SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007.

ZYMLER, Benjamin; ALMEIDA, Guilherme Henrique da La Roche. O controle externo das concessões de ser-viços públicos e das Parcerias Público-Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

GOMES, Agnaldo Nogueira; SANTOS, Isabel Luiza Rafael Machado dos. O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013.

FCGP_142_2013-MIOLO.indd 31 22/10/2013 11:33:03