Fotos: Antoninho Perri - unicamp.br · to, a imprensa saiu-se melhor, embora o resultado final não...

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Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro de 2004 7 xiste um segundo grupo intermediÆ- rio de partidos menores que pode se qualificar, subindo ou nªo. Temos tambØm um œltimo grupo de parti- dos, 17, cuja presença nªo chega a ser um problema, jÆ que, com ou sem eles, o sistema partidÆrio funciona e se a- grupa relativamente bem. Vejo isso tambØm como um fator positivo. JU O senhor acha entªo que o elei- tor estÆ bem-representado nesse am- plo espectro político? Bruno Speck Sim. É preciso balan- cear representatividade e governa- bilidade. O sistema partidÆrio brasi- leiro, no caminho em que estÆ, dÆ con- ta dos dois desafios. DÆ margem para que realmente todos os grupos sejam representados e, por outro lado, ga- rante a governabilidade. HÆ clara- mente uma cristalizaçªo em torno de alguns jogadores chaves. Acho inte- ressante que isso nªo existe apenas nas eleiçıes nacionais, mas tambØm nas eleiçıes municipais. JU A maioria dos analistas apon- ta que, nas œltimas eleiçıes, emergiu a polarizaçªo PSDB-PT. O senhor concorda? Bruno Speck Acho que Ø reduzir muito. Olhando os nœmeros, consta- tamos, como jÆ disse, que temos gran- des partidos, alØm de poder surgir um quinto, que sairia da provÆvel fusªo entre o PPS e o PDT. JU O senso comum diz que o po- lítico brasileiro tem uma queda para a dobradinha fisiologismo/cliente- lismo. Essas eleiçıes enfraqueceram essa tese? Bruno Speck Primeiro, vocŒ tem a ideologia e, depois, a mÆquina par- tidÆria. Em relaçªo à mÆquina par- tidÆria, acho que ela estÆ crescendo nesses quatro partidos maiores e estÆ se consolidando nacionalmen- te. Nesse âmbito Ø quase natural que esse partido nªo tenha apenas pro- messa, programa e perfil ideológico, mas que seja tambØm um veículo para conquistar o poder. É quase na- tural esse lado mais prosaico e prag- mÆtico da política. Partidos que a- pelam ao mesmo extrato social, co- mo Ø o caso dos quatro grandes, com um pouco de variaçªo, tentam se a- presentar como elegíveis para qual- quer brasileiro. Perdem natural- mente seu perfil ideológico. JU Por quŒ? Bruno Speck Eles ganham chan- ces de serem eleitos, mas perdem o perfil ideológico, o que dei- xa descontente o eleitor ma- is engajado politicamente, seja de esquerda ou de direi- ta. Isso nªo ocorre só no Bra- sil, mas no mundo todo. De fato, passa a idØia de que Ø quase uma coisa só, e os jor- nalistas insistem muito nessa tese, mas por outro lado tornam os problemas políticos do dia-a-dia mais manejÆveis de uma forma muito prÆ- tica. Passa a existir concretamente a possibilidade de discutir novas po- líticas. O fazer política passa a ser mais fÆcil, com muito menos restriçªo ideológica. VocŒ pode ter um progra- ma de renda mínima, por exemplo, apoiado atØ pelo PFL. Nªo existe mais aquela visªo fechada que contradiga a idØia do Estado mínimo, que talvez seja uma idØia importante para o PFL. JU O senhor acredita que essas eleiçıes antecipam de uma certa ma- neira as presidenciais de 2006? Bruno Speck Sim, mas nªo de apresentar tendŒncias a favor ou con- tra. Acho que sim no que diz respei- to ao ponto de partida, jÆ que vamos começar as eleiçıes com quatro par- tidos muito fortes. Independente de quem seja o candidato, acho muito difícil nós voltarmos para uma situ- açªo de 15 anos atrÆs, como na eleiçªo do Collor, quando um outsider que veio do nada e de um partido nanico fez grande sucesso. Acho que a con- solidaçªo das mÆquinas partidÆrias e esse agrupamento em torno de par- tidos fortes sªo o ponto de partida. Acredito que os quatro partidos te- rªo candidatos próprios. O PMDB continuarÆ sendo, na minha opiniªo, um forte jogador nesse cenÆrio. JU A que o senhor atribui a derro- ta do PT na maioria dos Estados do Sul e Sudeste? Bruno Speck Se vocŒ olha para o resultado eleitoral, a dis- crepância Ø muito grande; se vocŒ olha para os votos, a di- ferença Ø pequena. O PT nªo foi arrasado em nenhum dos casos. HÆ uma perda signifi- cativa se vocŒ somar a po- pulaçªo governada antes e depois pelo PT. Por outro la- do, o eleitorado decidiu con- tra, mas nªo mudou tanto de uma eleiçªo para outra. JUAcríticamaiscomumØdequeoPT, ao fazer alianças, se descaracterizou. O senhor concorda com essa tese? Bruno Speck O PT precisa, para tornar-se um partido elegível, fazer alianças. E acaba perdendo numa fai- xa de espectro ideológico que nªo tem muitas alternativas. Nªo houve, por exemplo, um crescimento do PSTU ou do PCO. Nªo hÆ um grande cres- cimento dessas legendas para susten- tar o argumento de que esses eleito- res deixaram de votar no PT e opta- ram por outras alternativas. JU A desideologizaçªo Ø um cami- nho sem volta? Bruno Speck Exatamente. HÆ um ponto de partida, que Ø o centro. A partir daí, o partido opta e dÆ um per- fil ideológico à sua campanha para atrair um eleitorado mais específico. Mas esse Ø um fenômeno universal. Pesquisa revela vocaçªo democrÆtica de alunos da Unicamp O aluno da Unicamp acredita na democracia. Foi o que revelou pesquisa feita com 400 estudantes de gradua- ção da Universidade. O levantamento, cujo objetivo foi mensurar a percepção dos jovens sobre corrupção nas eleições, contemplou, por amostragem, as três grandes áreas de conhecimento da Universidade – Biológicas, Exatas e Humanas. Coordenada pelo professor Bruno Speck, a pesquisa teve perguntas formuladas e aplicadas pelos alunos Ana Lúcia Lennert, Heraldo Bello da Silva Júnior e Robert Bonifácio da Silva, todos do curso de Ciências Sociais. A margem de erro é de 5%. A idéia do trabalho, de acordo com os autores, surgiu no final do ano passado, durante as aulas que Speck mi- nistrava sobre corrupção nos sistemas políticos contem- porâneos. O levantamento consumiu praticamente todo o ano letivo dos três estudantes: seis meses para elabo- rar o questionário com 17 perguntas, 30 dias para aplicá- lo e outros 60 para analisar os resultados. A escolha do tema não foi aleatória. “Optamos pelas eleições porque, de uma forma ou de outra, todos os estudantes da Unicamp vivenciaram ou vivenciariam a experiência”, diz Heraldo Bello, aluno do quarto ano de Ciências Sociais. Números – A vocação democrática do conjunto dos alunos da Unicamp pode ser atestada no cruzamento de duas respostas. Na primeira, indagados sobre o tipo de governo em que a corrupção tem mais penetração, 49,8% dos estudantes responderam que seria naque- le com menos participação popular, enquanto apenas 5,8% acreditam no contrário – a de que o terreno fértil para a malversação é aquele em que a população par- ticipa. A segunda resposta diz respeito a um período recente da história. Nada menos que 68,9% rejeitaram a hipótese de que, durante o regime militar, havia me- nos corrupção que hoje. “As cruzarmos os dados das duas perguntas, constatamos que 75,4% responderam a mesma coisa. Mais que uma relação estatisticamen- te significante, isso revela a postura democrática do aluno da Unicamp”, afirma Robert Bonifácio da Silva, que cursa o terceiro ano de Ciências Sociais. O aluno da área de Humanas mostrou-se o mais fir- me no propósito de rejeitar quaisquer ofertas de barga- nha de voto: apenas 3% aceitariam dinheiro, serviços ou bens oferecidos por políticos. O índice é inferior ao registrado nas áreas de Exatas (13,6%) e Biológicas (12,1%). Na média, apenas 35 (8,8%) dos 400 entrevis- tados se renderiam ao clientelismo. “Comparado com pesquisadas recentes, o índice é considerado baixo”, argumenta Robert. Segundo o estudante, levantamento nacional feito pelo Ibope em 2001 revelou que 13,9% dos entrevistados trocariam seu voto por benefícios. Outra pesquisa, esta coordenada pelo professor Bruno Speck, revelou que 19% dos campineiros corromperiam suas convicções em troca de favores. Um dado pode servir de alerta aos políticos corruptos: dos 34 universitários que afirmaram que venderiam seu voto, apenas um crava- ria nas urnas o nome de quem lhe fez oferta. Embora os entrevistados rejeitem enfaticamente a corrupção, a maioria não acredita nos órgãos e instituições responsáveis pelo zelo dos recursos públicos, entre os quais a polícia, a imprensa, o Ministério Público, a Justi- ça Eleitoral e os próprios partidos políticos. Nesse quesi- to, a imprensa saiu-se melhor, embora o resultado final não seja dos mais animadores: apenas 29,8% dos entrevista- dos acreditam que os jornalistas “contribuem muito” na fis- calização da coisa pública. Esse ceticismo talvez explique o baixo interesse dos estudantes pela atuação de seus re- presentantes. Nada menos que 40,8% dos entrevistados afirmaram, para surpresa dos organizadores da pesqui- sa, que não buscam informação sobre política em nenhum dia da semana. “O senso comum indicava o contrário, já que o público alvo era universitário”, afirma Robert. Os alunos responsáveis pela pesquisa pretendem ago- ra estender o questionário para outras universidades. “Já temos, inclusive, um banco de dados on-line no qual as perguntas podem ser respondidas eletronicamente. Com isso, conseguiremos fazer uma avaliação comparativa”, revela Heraldo Bello. De acordo com Robert Bonifácio, o ineditismo do levantamento facilitará sua penetração em outras institui- ções. “A maioria das pesquisas que analisam a influência de atos de corrupção estão relacionadas ao as- pecto econômico. O diferencial do nosso levantamento está na perspec- tiva dessa análise ser feita na esfera política. Não temos notícia de que já tenha sido elaborado levantamento dessa magnitude em outras universi- dades”. (A.K.) Robert Bonifácio da Silva (à esq.) e Heraldo Bello da Silva Júnior: levantamento inédito Fotos: Antoninho Perri HÆ um ponto de partida, que Ø o centro O professor e cientista político Bruno Speck: “A aceitação do voto é notável” Os números das urnas dão margem para premissas irrefutáveis, na opinião do professor do Departamento de Ciências Políticas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. A eles: 1) o número de votos válidos e de eleitores cresceu, se comparado ao das duas últimas eleições; 2) os votos despejados nas legendas, por si uma manifestação interessante, revelam um equilíbrio saudável entre quatro grandes partidos – PT, PSDB, PMDB e PFL; 3) a quantidade de votos nulos e brancos é maior para prefeito do que para vereador. “Se comparada com a conjuntura internacional, a participação do brasileiro nas eleições é muito alta”, avalia Speck. “Temos a consolidação do sistema partidário”. Quando a análise migra para o campo, Speck recorre à geopolítica e aos fatos. O pesquisador sugere que se olhe para a crise que fustiga alguns países fronteiriços, entre os quais Argentina, Colômbia e Venezuela. Lembra, nesse contexto, que as pesquisas internacionais sempre colocam o Brasil na rabeira dos indicadores. Na prática, porém, ocorre fenômeno inverso. “É notável, nesse cenário, a aceitação do voto como um caminho para resolver conflitos de disputa de poder”. (Álvaro Kassab) pag0607.pmd 08/08/04, 10:02 3

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Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro de 2004 7

xiste um segundo grupo intermediá-rio de partidos menores que pode sequalificar, subindo ou não. Temostambém um último grupo de parti-dos, 17, cuja presença não chega a serum problema, já que, com ou sem eles,o sistema partidário funciona e se a-grupa relativamente bem. Vejo issotambém como um fator positivo.

JU � O senhor acha então que o elei-tor está bem-representado nesse am-plo espectro político?

Bruno Speck � Sim. É preciso balan-cear representatividade e governa-bilidade. O sistema partidário brasi-leiro, no caminho em que está, dá con-ta dos dois desafios. Dá margem paraque realmente todos os grupos sejamrepresentados e, por outro lado, ga-rante a governabilidade. Há clara-mente uma cristalização em torno dealguns jogadores chaves. Acho inte-ressante que isso não existe apenasnas eleições nacionais, mas tambémnas eleições municipais.

JU � A maioria dos analistas apon-ta que, nas últimas eleições, emergiua polarização PSDB-PT. O senhorconcorda?

Bruno Speck � Acho que é reduzirmuito. Olhando os números, consta-tamos, como já disse, que temos gran-des partidos, além de poder surgir umquinto, que sairia da provável fusãoentre o PPS e o PDT.

JU � O senso comum diz que o po-lítico brasileiro tem uma queda paraa dobradinha fisiologismo/cliente-lismo. Essas eleições enfraqueceramessa tese?

Bruno Speck � Primeiro, você tema ideologia e, depois, a máquina par-tidária. Em relação à máquina par-tidária, acho que ela está crescendonesses quatro partidos maiores eestá se consolidando nacionalmen-te. Nesse âmbito é quase natural queesse partido não tenha apenas pro-

messa, programa e perfil ideológico,mas que seja também um veículopara conquistar o poder. É quase na-tural esse lado mais prosaico e prag-mático da política. Partidos que a-pelam ao mesmo extrato social, co-mo é o caso dos quatro grandes, comum pouco de variação, tentam se a-presentar como elegíveis para qual-quer brasileiro. Perdem natural-mente seu perfil ideológico.

JU � Por quê?Bruno Speck � Eles ganham chan-

ces de serem eleitos, mas perdem operfil ideológico, o que dei-xa descontente o eleitor ma-is engajado politicamente,seja de esquerda ou de direi-ta. Isso não ocorre só no Bra-sil, mas no mundo todo. Defato, passa a idéia de que équase uma coisa só, e os jor-nalistas insistem muitonessa tese, mas por outrolado tornam os problemaspolíticos do dia-a-dia maismanejáveis de uma forma muito prá-tica. Passa a existir concretamente apossibilidade de discutir novas po-líticas. O �fazer política� passa a sermais fácil, com muito menos restriçãoideológica. Você pode ter um progra-ma de renda mínima, por exemplo,apoiado até pelo PFL. Não existe maisaquela visão fechada que contradigaa idéia do Estado mínimo, que talvezseja uma idéia importante para o PFL.

JU � O senhor acredita que essaseleições antecipam de uma certa ma-neira as presidenciais de 2006?

Bruno Speck � Sim, mas não deapresentar tendências a favor ou con-tra. Acho que sim no que diz respei-to ao ponto de partida, já que vamoscomeçar as eleições com quatro par-tidos muito fortes. Independente dequem seja o candidato, acho muitodifícil nós voltarmos para uma situ-ação de 15 anos atrás, como na eleição

do Collor, quando um outsider queveio do nada e de um partido nanicofez grande sucesso. Acho que a con-solidação das máquinas partidáriase esse agrupamento em torno de par-tidos fortes são o ponto de partida.Acredito que os quatro partidos te-rão candidatos próprios. O PMDBcontinuará sendo, na minha opinião,um forte jogador nesse cenário.

JU � A que o senhor atribui a derro-ta do PT na maioria dos Estados doSul e Sudeste?

Bruno Speck � Se você olha parao resultado eleitoral, a dis-crepância é muito grande; sevocê olha para os votos, a di-ferença é pequena. O PT nãofoi arrasado em nenhum doscasos. Há uma perda signifi-cativa se você somar a po-pulação governada antes edepois pelo PT. Por outro la-do, o eleitorado decidiu con-tra, mas não mudou tanto deuma eleição para outra.

JU � A crítica mais comum é de que o PT,ao fazer alianças, se descaracterizou. Osenhor concorda com essa tese?

Bruno Speck � O PT precisa, paratornar-se um partido elegível, fazeralianças. E acaba perdendo numa fai-xa de espectro ideológico que não temmuitas alternativas. Não houve, porexemplo, um crescimento do PSTUou do PCO. Não há um grande cres-cimento dessas legendas para susten-tar o argumento de que esses eleito-res deixaram de votar no PT e opta-ram por outras alternativas.

JU � A desideologização é um cami-nho sem volta?

Bruno Speck � Exatamente. Há umponto de partida, que é o centro. Apartir daí, o partido opta e dá um per-fil ideológico à sua campanha paraatrair um eleitorado mais específico.Mas esse é um fenômeno universal.

Pesquisa revela vocação democrática de alunos da UnicampO aluno da Unicamp acredita na democracia. Foi o que

revelou pesquisa feita com 400 estudantes de gradua-ção da Universidade. O levantamento, cujo objetivo foimensurar a percepção dos jovens sobre corrupção naseleições, contemplou, por amostragem, as três grandesáreas de conhecimento da Universidade – Biológicas,Exatas e Humanas. Coordenada pelo professor BrunoSpeck, a pesquisa teve perguntas formuladas e aplicadaspelos alunos Ana Lúcia Lennert, Heraldo Bello da SilvaJúnior e Robert Bonifácio da Silva, todos do curso deCiências Sociais. A margem de erro é de 5%.

A idéia do trabalho, de acordo com os autores, surgiuno final do ano passado, durante as aulas que Speck mi-nistrava sobre corrupção nos sistemas políticos contem-porâneos. O levantamento consumiu praticamente todoo ano letivo dos três estudantes: seis meses para elabo-rar o questionário com 17 perguntas, 30 dias para aplicá-lo e outros 60 para analisar os resultados. A escolha dotema não foi aleatória. “Optamos pelas eleições porque,de uma forma ou de outra, todos os estudantes da Unicampvivenciaram ou vivenciariam a experiência”, diz HeraldoBello, aluno do quarto ano de Ciências Sociais.

Números – A vocação democrática do conjunto dosalunos da Unicamp pode ser atestada no cruzamento deduas respostas. Na primeira, indagados sobre o tipo de

governo em que a corrupção tem mais penetração,49,8% dos estudantes responderam que seria naque-le com menos participação popular, enquanto apenas5,8% acreditam no contrário – a de que o terreno fértilpara a malversação é aquele em que a população par-ticipa. A segunda resposta diz respeito a um períodorecente da história. Nada menos que 68,9% rejeitarama hipótese de que, durante o regime militar, havia me-nos corrupção que hoje. “As cruzarmos os dados dasduas perguntas, constatamos que 75,4% responderama mesma coisa. Mais que uma relação estatisticamen-te significante, isso revela a postura democrática do alunoda Unicamp”, afirma Robert Bonifácio da Silva, que cursao terceiro ano de Ciências Sociais.

O aluno da área de Humanas mostrou-se o mais fir-me no propósito de rejeitar quaisquer ofertas de barga-nha de voto: apenas 3% aceitariam dinheiro, serviçosou bens oferecidos por políticos. O índice é inferior aoregistrado nas áreas de Exatas (13,6%) e Biológicas(12,1%). Na média, apenas 35 (8,8%) dos 400 entrevis-tados se renderiam ao clientelismo. “Comparado compesquisadas recentes, o índice é considerado baixo”,argumenta Robert. Segundo o estudante, levantamentonacional feito pelo Ibope em 2001 revelou que 13,9% dosentrevistados trocariam seu voto por benefícios. Outrapesquisa, esta coordenada pelo professor Bruno Speck,

revelou que 19% dos campineiros corromperiam suasconvicções em troca de favores. Um dado pode servir dealerta aos políticos corruptos: dos 34 universitários queafirmaram que venderiam seu voto, apenas um crava-ria nas urnas o nome de quem lhe fez oferta.

Embora os entrevistados rejeitem enfaticamente acorrupção, a maioria não acredita nos órgãos e instituiçõesresponsáveis pelo zelo dos recursos públicos, entre osquais a polícia, a imprensa, o Ministério Público, a Justi-ça Eleitoral e os próprios partidos políticos. Nesse quesi-to, a imprensa saiu-se melhor, embora o resultado final nãoseja dos mais animadores: apenas 29,8% dos entrevista-dos acreditam que os jornalistas “contribuem muito” na fis-calização da coisa pública. Esse ceticismo talvez expliqueo baixo interesse dos estudantes pela atuação de seus re-presentantes. Nada menos que 40,8% dos entrevistadosafirmaram, para surpresa dos organizadores da pesqui-sa, que não buscam informação sobre política em nenhumdia da semana. “O senso comum indicava o contrário, jáque o público alvo era universitário”, afirma Robert.

Os alunos responsáveis pela pesquisa pretendem ago-ra estender o questionário para outras universidades. “Játemos, inclusive, um banco de dados on-line no qual asperguntas podem ser respondidas eletronicamente. Comisso, conseguiremos fazer uma avaliação comparativa”,revela Heraldo Bello. De acordo com Robert Bonifácio,

o ineditismo do levantamento facilitarásua penetração em outras institui-ções. “A maioria das pesquisas queanalisam a influência de atos decorrupção estão relacionadas ao as-pecto econômico. O diferencial donosso levantamento está na perspec-tiva dessa análise ser feita na esferapolítica. Não temos notícia de que játenha sido elaborado levantamentodessa magnitude em outras universi-dades”. (A.K.)Robert Bonifácio da Silva (à esq.) e Heraldo

Bello da Silva Júnior: levantamento inédito

Fotos: Antoninho Perri

�Há umponto

de partida,que é ocentro�

O professore cientista políticoBruno Speck: “A

aceitação do voto énotável”

Os números das urnas dão margem para premissasirrefutáveis, na opinião do professor do Departamentode Ciências Políticas do Instituto de Filosofia e CiênciasHumanas da Unicamp. A eles: 1) o número de votosválidos e de eleitores cresceu, se comparado ao das duasúltimas eleições;2) os votos despejados nas legendas, por si umamanifestação interessante,revelam um equilíbrio

saudável entre quatro grandes partidos – PT, PSDB,PMDB e PFL; 3) a quantidade de votos nulos ebrancos é maior para prefeito do que para vereador.“Se comparada com a conjuntura internacional, aparticipação do brasileiro nas eleições é muito alta”,avalia Speck. “Temos a consolidação do sistemapartidário”.Quando a análise migra para o campo, Speck recorre àgeopolítica e aos fatos. O pesquisador sugere que se

olhe para a crise que fustiga alguns paísesfronteiriços, entre os quais Argentina, Colômbia eVenezuela. Lembra, nesse contexto, que aspesquisas internacionais sempre colocam o Brasilna rabeira dos indicadores. Na prática, porém,ocorre fenômeno inverso. “É notável, nesse cenário,a aceitação do voto como um caminho para resolverconflitos de disputa de poder”.(Álvaro Kassab)

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