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Page 1: Fotos: Antoninho Perri - unicamp.br · to, a imprensa saiu-se melhor, embora o resultado final não seja dos mais animadores: apenas 29,8% dos entrevista- dos acreditam que os jornalistas

Universidade Estadual de Campinas – 22 a 28 de novembro de 2004 7

xiste um segundo grupo intermediá-rio de partidos menores que pode sequalificar, subindo ou não. Temostambém um último grupo de parti-dos, 17, cuja presença não chega a serum problema, já que, com ou sem eles,o sistema partidário funciona e se a-grupa relativamente bem. Vejo issotambém como um fator positivo.

JU � O senhor acha então que o elei-tor está bem-representado nesse am-plo espectro político?

Bruno Speck � Sim. É preciso balan-cear representatividade e governa-bilidade. O sistema partidário brasi-leiro, no caminho em que está, dá con-ta dos dois desafios. Dá margem paraque realmente todos os grupos sejamrepresentados e, por outro lado, ga-rante a governabilidade. Há clara-mente uma cristalização em torno dealguns jogadores chaves. Acho inte-ressante que isso não existe apenasnas eleições nacionais, mas tambémnas eleições municipais.

JU � A maioria dos analistas apon-ta que, nas últimas eleições, emergiua polarização PSDB-PT. O senhorconcorda?

Bruno Speck � Acho que é reduzirmuito. Olhando os números, consta-tamos, como já disse, que temos gran-des partidos, além de poder surgir umquinto, que sairia da provável fusãoentre o PPS e o PDT.

JU � O senso comum diz que o po-lítico brasileiro tem uma queda paraa dobradinha fisiologismo/cliente-lismo. Essas eleições enfraqueceramessa tese?

Bruno Speck � Primeiro, você tema ideologia e, depois, a máquina par-tidária. Em relação à máquina par-tidária, acho que ela está crescendonesses quatro partidos maiores eestá se consolidando nacionalmen-te. Nesse âmbito é quase natural queesse partido não tenha apenas pro-

messa, programa e perfil ideológico,mas que seja também um veículopara conquistar o poder. É quase na-tural esse lado mais prosaico e prag-mático da política. Partidos que a-pelam ao mesmo extrato social, co-mo é o caso dos quatro grandes, comum pouco de variação, tentam se a-presentar como elegíveis para qual-quer brasileiro. Perdem natural-mente seu perfil ideológico.

JU � Por quê?Bruno Speck � Eles ganham chan-

ces de serem eleitos, mas perdem operfil ideológico, o que dei-xa descontente o eleitor ma-is engajado politicamente,seja de esquerda ou de direi-ta. Isso não ocorre só no Bra-sil, mas no mundo todo. Defato, passa a idéia de que équase uma coisa só, e os jor-nalistas insistem muitonessa tese, mas por outrolado tornam os problemaspolíticos do dia-a-dia maismanejáveis de uma forma muito prá-tica. Passa a existir concretamente apossibilidade de discutir novas po-líticas. O �fazer política� passa a sermais fácil, com muito menos restriçãoideológica. Você pode ter um progra-ma de renda mínima, por exemplo,apoiado até pelo PFL. Não existe maisaquela visão fechada que contradigaa idéia do Estado mínimo, que talvezseja uma idéia importante para o PFL.

JU � O senhor acredita que essaseleições antecipam de uma certa ma-neira as presidenciais de 2006?

Bruno Speck � Sim, mas não deapresentar tendências a favor ou con-tra. Acho que sim no que diz respei-to ao ponto de partida, já que vamoscomeçar as eleições com quatro par-tidos muito fortes. Independente dequem seja o candidato, acho muitodifícil nós voltarmos para uma situ-ação de 15 anos atrás, como na eleição

do Collor, quando um outsider queveio do nada e de um partido nanicofez grande sucesso. Acho que a con-solidação das máquinas partidáriase esse agrupamento em torno de par-tidos fortes são o ponto de partida.Acredito que os quatro partidos te-rão candidatos próprios. O PMDBcontinuará sendo, na minha opinião,um forte jogador nesse cenário.

JU � A que o senhor atribui a derro-ta do PT na maioria dos Estados doSul e Sudeste?

Bruno Speck � Se você olha parao resultado eleitoral, a dis-crepância é muito grande; sevocê olha para os votos, a di-ferença é pequena. O PT nãofoi arrasado em nenhum doscasos. Há uma perda signifi-cativa se você somar a po-pulação governada antes edepois pelo PT. Por outro la-do, o eleitorado decidiu con-tra, mas não mudou tanto deuma eleição para outra.

JU � A crítica mais comum é de que o PT,ao fazer alianças, se descaracterizou. Osenhor concorda com essa tese?

Bruno Speck � O PT precisa, paratornar-se um partido elegível, fazeralianças. E acaba perdendo numa fai-xa de espectro ideológico que não temmuitas alternativas. Não houve, porexemplo, um crescimento do PSTUou do PCO. Não há um grande cres-cimento dessas legendas para susten-tar o argumento de que esses eleito-res deixaram de votar no PT e opta-ram por outras alternativas.

JU � A desideologização é um cami-nho sem volta?

Bruno Speck � Exatamente. Há umponto de partida, que é o centro. Apartir daí, o partido opta e dá um per-fil ideológico à sua campanha paraatrair um eleitorado mais específico.Mas esse é um fenômeno universal.

Pesquisa revela vocação democrática de alunos da UnicampO aluno da Unicamp acredita na democracia. Foi o que

revelou pesquisa feita com 400 estudantes de gradua-ção da Universidade. O levantamento, cujo objetivo foimensurar a percepção dos jovens sobre corrupção naseleições, contemplou, por amostragem, as três grandesáreas de conhecimento da Universidade – Biológicas,Exatas e Humanas. Coordenada pelo professor BrunoSpeck, a pesquisa teve perguntas formuladas e aplicadaspelos alunos Ana Lúcia Lennert, Heraldo Bello da SilvaJúnior e Robert Bonifácio da Silva, todos do curso deCiências Sociais. A margem de erro é de 5%.

A idéia do trabalho, de acordo com os autores, surgiuno final do ano passado, durante as aulas que Speck mi-nistrava sobre corrupção nos sistemas políticos contem-porâneos. O levantamento consumiu praticamente todoo ano letivo dos três estudantes: seis meses para elabo-rar o questionário com 17 perguntas, 30 dias para aplicá-lo e outros 60 para analisar os resultados. A escolha dotema não foi aleatória. “Optamos pelas eleições porque,de uma forma ou de outra, todos os estudantes da Unicampvivenciaram ou vivenciariam a experiência”, diz HeraldoBello, aluno do quarto ano de Ciências Sociais.

Números – A vocação democrática do conjunto dosalunos da Unicamp pode ser atestada no cruzamento deduas respostas. Na primeira, indagados sobre o tipo de

governo em que a corrupção tem mais penetração,49,8% dos estudantes responderam que seria naque-le com menos participação popular, enquanto apenas5,8% acreditam no contrário – a de que o terreno fértilpara a malversação é aquele em que a população par-ticipa. A segunda resposta diz respeito a um períodorecente da história. Nada menos que 68,9% rejeitarama hipótese de que, durante o regime militar, havia me-nos corrupção que hoje. “As cruzarmos os dados dasduas perguntas, constatamos que 75,4% responderama mesma coisa. Mais que uma relação estatisticamen-te significante, isso revela a postura democrática do alunoda Unicamp”, afirma Robert Bonifácio da Silva, que cursao terceiro ano de Ciências Sociais.

O aluno da área de Humanas mostrou-se o mais fir-me no propósito de rejeitar quaisquer ofertas de barga-nha de voto: apenas 3% aceitariam dinheiro, serviçosou bens oferecidos por políticos. O índice é inferior aoregistrado nas áreas de Exatas (13,6%) e Biológicas(12,1%). Na média, apenas 35 (8,8%) dos 400 entrevis-tados se renderiam ao clientelismo. “Comparado compesquisadas recentes, o índice é considerado baixo”,argumenta Robert. Segundo o estudante, levantamentonacional feito pelo Ibope em 2001 revelou que 13,9% dosentrevistados trocariam seu voto por benefícios. Outrapesquisa, esta coordenada pelo professor Bruno Speck,

revelou que 19% dos campineiros corromperiam suasconvicções em troca de favores. Um dado pode servir dealerta aos políticos corruptos: dos 34 universitários queafirmaram que venderiam seu voto, apenas um crava-ria nas urnas o nome de quem lhe fez oferta.

Embora os entrevistados rejeitem enfaticamente acorrupção, a maioria não acredita nos órgãos e instituiçõesresponsáveis pelo zelo dos recursos públicos, entre osquais a polícia, a imprensa, o Ministério Público, a Justi-ça Eleitoral e os próprios partidos políticos. Nesse quesi-to, a imprensa saiu-se melhor, embora o resultado final nãoseja dos mais animadores: apenas 29,8% dos entrevista-dos acreditam que os jornalistas “contribuem muito” na fis-calização da coisa pública. Esse ceticismo talvez expliqueo baixo interesse dos estudantes pela atuação de seus re-presentantes. Nada menos que 40,8% dos entrevistadosafirmaram, para surpresa dos organizadores da pesqui-sa, que não buscam informação sobre política em nenhumdia da semana. “O senso comum indicava o contrário, jáque o público alvo era universitário”, afirma Robert.

Os alunos responsáveis pela pesquisa pretendem ago-ra estender o questionário para outras universidades. “Játemos, inclusive, um banco de dados on-line no qual asperguntas podem ser respondidas eletronicamente. Comisso, conseguiremos fazer uma avaliação comparativa”,revela Heraldo Bello. De acordo com Robert Bonifácio,

o ineditismo do levantamento facilitarásua penetração em outras institui-ções. “A maioria das pesquisas queanalisam a influência de atos decorrupção estão relacionadas ao as-pecto econômico. O diferencial donosso levantamento está na perspec-tiva dessa análise ser feita na esferapolítica. Não temos notícia de que játenha sido elaborado levantamentodessa magnitude em outras universi-dades”. (A.K.)Robert Bonifácio da Silva (à esq.) e Heraldo

Bello da Silva Júnior: levantamento inédito

Fotos: Antoninho Perri

�Há umponto

de partida,que é ocentro�

O professore cientista políticoBruno Speck: “A

aceitação do voto énotável”

Os números das urnas dão margem para premissasirrefutáveis, na opinião do professor do Departamentode Ciências Políticas do Instituto de Filosofia e CiênciasHumanas da Unicamp. A eles: 1) o número de votosválidos e de eleitores cresceu, se comparado ao das duasúltimas eleições;2) os votos despejados nas legendas, por si umamanifestação interessante,revelam um equilíbrio

saudável entre quatro grandes partidos – PT, PSDB,PMDB e PFL; 3) a quantidade de votos nulos ebrancos é maior para prefeito do que para vereador.“Se comparada com a conjuntura internacional, aparticipação do brasileiro nas eleições é muito alta”,avalia Speck. “Temos a consolidação do sistemapartidário”.Quando a análise migra para o campo, Speck recorre àgeopolítica e aos fatos. O pesquisador sugere que se

olhe para a crise que fustiga alguns paísesfronteiriços, entre os quais Argentina, Colômbia eVenezuela. Lembra, nesse contexto, que aspesquisas internacionais sempre colocam o Brasilna rabeira dos indicadores. Na prática, porém,ocorre fenômeno inverso. “É notável, nesse cenário,a aceitação do voto como um caminho para resolverconflitos de disputa de poder”.(Álvaro Kassab)

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