Frente a Frente com o Futuro

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#17 ANO 2015 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA AMBIENTAL SOCIAL BRASIL PóS- HIDROELETRICIDADE Um dos grandes desafios para 2035 passa por planejar a proporção de inserção das fontes hidrelétrica, eólica, solar e termelétrica (incluindo nuclear). Além disso, analistas apontam a necessidade de intensificar o diálogo com as comunidades indígenas a fim de possibilitar o desenvolvimento de novos projetos de usinas hidrelétricas até 2035. Pág. 5 NOVA REGULAçãO à VISTA As novidades tecnológicas que avançam na cadeia GTD já despertam nas autoridades regulatórias e no mercado a projeção de novos desafios tarifários. A geração distribuída, smart grid e carro elétrico alterarão como nunca a relação entre geradores, distribuidores, e consumidores, papéis que passarão a se confundir. Pág. 13 MERCADO SOB MãO PESADA Regime de cotas e outras amarras à concorrência se contrapõem a avanços como as bandeiras tarifárias e o comercializador varejista. Especialistas discutem os próximos passos para que o país aumente a participação de sinais de mercado na formação dos preços nos ambientes livre e regulado, sem abrir mão da segurança energética. Pág. 9 A conferência Brazil Energy Frontiers 2015, em sua 3ª edição bienal, retomou a discussão dos desafios de longo prazo que redefinirão as fronteiras do setor elétrico no Brasil e no mundo. Seus três painéis foram: Painel 1: "Política Energética: Expansão da Geração na Era Pós-Hidrelétrica"; Painel 2: "Mercado de Energia: O Futuro dos Ambientes de Contratação Livre e Regulado"; e Painel 3: "Regulação Tarifária: Um Novo Regime para Uma Nova Realidade". FRENTE A FRENTE COM O FUTURO

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#17Ano 2015

SUSTENTABILIDADE • ECONÔMICA • AMBIENTAL • SOCIAL

Brasil pós-hidroeletricidadeUm dos grandes desafios para 2035 passa por planejar a proporção de inserção das fontes hidrelétrica, eólica, solar e termelétrica (incluindo nuclear).Além disso, analistas apontam a necessidade de intensificar o diálogo com as comunidades indígenas a fim de possibilitar o desenvolvimento de novos projetos de usinas hidrelétricas até 2035. Pág. 5

Nova regulação à vistaAs novidades tecnológicas que avançam na cadeia GTD já despertam nas autoridades regulatórias e no mercado a projeção de novos desafios tarifários. A geração distribuída, smart grid e carro elétrico alterarão como nunca a relação entre geradores, distribuidores, e consumidores, papéis que passarão a se confundir. Pág. 13

Mercado soB Mão pesadaRegime de cotas e outras amarras à concorrência se contrapõem a avanços como as bandeiras tarifárias e o comercializador varejista. Especialistas discutem os próximos passos para que o país aumente a participação de sinais de mercado na formação dos preços nos ambientes livre e regulado, sem abrir mão da segurança energética. Pág. 9

A conferência Brazil Energy Frontiers 2015, já em sua 3ª edição bienal, retomou a discussão dos desafios de longo prazo que redefinirão as fronteiras do setor elétrico no Brasil e no mundo. Seus três painéis foram: Painel 1: "Política Energética: Expansão da Geração na Era Pós-Hidrelétrica"; Painel 2: "Mercado de Energia: O Futuro dos Ambientes de Contratação Livre e Regulado"; e Painel 3: "Regulação Tarifária: Um Novo Regime para Uma Nova Realidade".

frente a frente com o futuro

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Presidente: Claudio J. D. Sales

Diretor Executivo: Eduardo Müller Monteiro

Assuntos Econômicos e Regulatórios: Richard Lee Hochstetler

Desenvolvimento Sustentável: Alexandre Uhlig

Pesquisa e Desenvolvimento: Patricia Guardabassi

Engenheiro: Joaci Lima Oliveira

Assuntos Administrativos: Eliana Marcon

Cursos e Eventos: Melissa Oliveira

Secretária: Ingrid Santos

São Paulo: Rua Joaquim Floriano, 466 Edifício Corporate, conj. 501 CEP 04534-004, Itaim Bibi – São Paulo, SP, Brasil Telefone: +55 (11) 3704-7733

Energia, uma publicação do Instituto Acende Brasil, aborda a sustentabilidade nas suas três dimensões: econômica, ambiental e social.

Versão impressa e online: www.acendebrasil.com.br/boletim

Jornalista: Ricardo Kauffman | MTB: 026381 Projeto Gráfico: Cacumbu Design Diagramação: Marina Lutfi e Amapola Rios Fotos: Juliana Figueira

O Instituto Acende Brasil é um centro de estudos que desenvolve ações e projetos para aumentar o grau de Transparência e Sustentabilidade do Setor Elétrico Brasileiro. Para alcançar este objetivo, adotamos a abordagem de Observatório.

Atuar como Observatório do Setor Elétrico Brasileiro significa pensar e analisar o setor com lentes de longo prazo. Com base neste modelo, o Instituto foi consolidando progressivamente a análise dos principais vetores e pressões econômicas, políticas e institucionais que moldam as seguintes dimensões setoriais:

MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE

GOVERNANÇA CORPORATIVA

LEILÕES

OFERTA DE ENERGIA

IMPOSTOS E ENCARGOS

AGÊNCIASREGULADORAS

RENTABILIDADE

TARIFA E REGULAÇÃO

O Brazil Energy Frontiers 2015 convidou seus partici-pantes à reflexão sobre as tendências do mercado de energia elétrica no Brasil para as próximas décadas.

No Painel 1 – “Política Energética: Expansão da Geração na Era Pós-Hidrelétrica”, pudemos ver um panorama dos desafios da área de planejamento ener-gético, sobretudo quanto aos cenários a partir de 2035, para quando se considera o possível esgotamento do potencial de geração hidrelétrica, ao menos dos projetos compatíveis com a atual legislação.

O Painel 2 – “Mercado de Energia - O Futuro dos Ambientes de Contratação Livre e Regulado” avalia os obstáculos e os avanços em curso para que o país siga na modernização dos seus modelos de mercado. O objetivo é aumentar a participação de todos agentes do setor – reduzindo a concentração do Estado na definição de preços e regras -, sem perder as conquistas no campo da segurança energética.

Já o Painel 3 – “Regulação Tarifária: Um Novo Regime para Uma Nova Realidade” apresenta e discute os cami-nhos para a regulação do mercado diante de tantas inovações derivadas de recentes avanços tecnológicos, omo geração distribuída, smart grid e carro elétrico.

A conferência contou com a participação de renomados especialistas internacionais e nacionais, players de toda a cadeia de valor (Geração, Transmissão, Distribuição e Comercialização) de Energia Elétrica, acadêmicos e representantes do Governo Federal.

Estiveram entre os conferencistas e debatedores: Julian Critchlow (Bain & Company); Altino Ventura Filho (Ministério de Minas e Energia); Sérgio Valdir Bajay (UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas); Ildo Sauer (USP – Universidade de São Paulo); José Luiz Alqueres (consultor e ex-presidente da Eletrobras); Hugh Rudnick (Pontifícia Universidad Católica do Chile); Frank Wolak (Universidade de Stanford); Rui Altieri (CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica); Leonardo Nepomuceno (UNESP – Universi-dade Estadual Paulista); Paulo Born (Roland Berger); Christopher Vlavianos (Comerc Energia); Michael Pollitt (Universidade de Cambridge); Tiago de Barros Correia (Aneel); Francisco Anuatti Neto (USP); Fran-cisco Alvarez (Siglasul); e Carlos Morosoli (Quantum).

As próximas páginas apresentam um bom apanhado do conteúdo gerado no encontro.

Boa leitura!

Claudio J. D. Sales, Eduardo Müller Monteiro, Alexandre Uhlig e Richard Hochstetler Instituto Acende Brasil

A programação completa e todas as apresentações do Brazil Energy Frontiers 2015 estão disponíveis em www.brazilenergyfrontiers.com.

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O Prêmio Brazil Energy Frontiers 2015 foi organizado pelo Instituto Acende Brasil com o objetivo de estimular a pro-dução científica no país. Um comitê científico foi formado para avaliar os trabalhos a partir dos seguintes critérios: relevância para o tema da conferência; originalidade das ideias; nível de conhecimento do tema; pertinência na apre-sentação; e conectividade com o conteúdo dos temas.

O comitê foi composto por Dorel Soares Ramos (USP), Edvaldo Alves de Santana (ex-Diretor da Aneel), Luiz Augusto Horta (Unifei), Sergio Valdir Bajay (Unicamp), Alexandre Uhlig (Instituto Acende Brasil) e Richard Hochstetler (Instituto Acende Brasil).

Durante o evento os sete grupos de pesquisadores finalistas apresentaram seus papers. Ao final da jornada foi anunciado o trabalho escolhido para receber o prêmio de R$ 10.000,00. O artigo vencedor foi “Novas modalidades tarifárias para os consumidores do Grupo B e seus impactos na ocupa-ção dos sistemas de distribuição”, cujos autores são: Lorena Cardoso dos Santos (CPFL Energia) e Carlos Oliveira, Cristiano Silveira e Mauro Manoel Machado (consultoria Daimon). Eles receberam o prêmio das mãos do presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, e do professor Frank Wolak, da Universidade de Standford, um dos conferencistas.

O Instituto Acende Brasil convidou pesquisadores do setor elétrico de todo o Brasil a produzir artigos acadêmicos inspirados nos três painéis da Conferência: Painel 1 – “Política Energética: Expansão da Geração na Era Pós-Hidrelétrica”; Painel 2 – “Mercado de Energia - O Futuro dos Ambientes de Contratação Livre e Regulado” e Painel 3 – “Regulação Tarifária: Um Novo Regime para Uma Nova Realidade”. O vencedor do prêmio de R$ 10.000,00 foi divulgado durante a Conferência.

Confira a relação dos demais seis trabalhos finalistas, e seus respectivos autores:

• “Escolha tecnológica sob o novo paradigma operativo do sistema elétrico brasileiro”, de Diogo Lisbona Romeiro, Edmar de Almeida, e Luciano Losekann (UFRJ);

• “A experiência da Espanha na operação de parques eóli-cos”, de Pablo Motta Ribeiro, Hugo Nunes e José Eduardo Tanure (Neoenergia), e Placido Ostos Nieto (Iberdrola);

• “Há clareza no futuro da micro e minigeração fotovoltaica?”, de Rafael da Costa Nogueira e Bruno Moreno Rodrigo (FGV).

• “Metodologia para a blindagem do custo de capital pró-prio das distribuidoras de energia elétrica”, de Rafael de Oliveira Gomes, Jairo Eduardo de Barros Alvares e Aneliese Zimmermann (CPFL Energia);

• “Indicador de desempenho global das distribuidoras de energia elétrica”, de Thiago Costa Monteiro Caldeira; e

• “Proposta de uma nova engenharia regulatória no pro-cesso de renovação de concessões de geração”, de Weber Ramos Ribeiro Filho (Cemig).

Da esquerda para a direita: Claudio Sales (presidente do Instituto Acende Brasil), Frank Wolak (Universidade de Stanford), Cristiano Silva Silveira e Mauro Manoel Machado (Consultoria Daimon, ganhadores do prêmio).

Soluções para umaNOVA REALIDADE

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Além dos três painéis, o consultor e professor Hugh Rudnick, da Pontifícia Universidad Católica do Chile, foi convidado para proferir a palestra Magna da 3ª edição bienal do Brazil Energy Frontiers. Nela, ele traçou um panorama das gran-des mudanças pelo qual o setor elétrico está passando, com exemplos de vários países.

Entre outras reflexões, o professor Rudnick afirmou em sua palestra que “o avanço da geração distribuída poderá pro-vocar a extinção do atual modelo de negócio das conces-sionárias de energia”. Para ele, os desafios sociais também contribuem para uma ruptura de modelo.

“No centro do debate está o consumidor ou prosumer (pro-ducer + consumer = produtor + consumidor), agente que, por poder gerar sua própria energia, é capaz de escolher entre o fornecimento da concessionária, fornecimento próprio, ou as duas coisas”.

Rudnick apresentou uma análise das recentes experiências de geração distribuída na Califórnia e Austrália.

“Modelo de concessionárias está ameaçado de extinção”

Palestra Magna / hugh rudNick (puc-chile)

27,000

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Load curve reduced by solar generation

Net load

Meg

awat

ts

Significant changestarting in 2015

Increased ramp

Potencialover-generation

2013

2015

2020

O maior estado dos EUA estipulou meta de atender 50% da sua demanda com energia renovável até 2030. Para Rudnick, um dos principais desafios enfrentados hoje pela Califórnia é a grande variação da demanda líquida (carga subtraída da geração solar) entre 17h e 20h. “Eles estão pro-curando os estados vizinhos para coordenar a importação e exportação de geração solar”.

Já a Austrália começou um programa subsidiado de incen-tivo de instalação de painéis solares em 2007, com 8.000 casas. O país chegou a 1,4 milhões de domicílios com gera-ção solar, um recorde mundial. “Isso foi estimulado pelo alto preço da energia”, disse. “Os custos de implementação vêm caindo: eles pagavam 12 dólares australianos em 2008 e agora pagam apenas 2 dólares australianos por watt instalado”.

O resultado, segundo ele, é a ameaça de redução da base de clientes das distribuidoras. “É uma séria concorrência ao modelo tradicional de distribuição de eletricidade”, concluiu.

Future challanges oF eletronic power sector - caliFornia solar

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Participação hídrica, antes quase total, caiu a 80% e pode ir a 60% até 2035; emissões de gases de efeito estufa seguem baixas, mas restrições a reservatórios e projetos em terras indígenas ameaçam a exploração de potenciais hidraúlicos e elevam a pressão sobre o controle de emissões de carbono.

Expansão da Geração na Era Pós-HIDRELéTRICA

Alexandre Uhlig, responsável pela área de Desenvolvimento Sustentável do Instituto Acende Brasil, conduziu a con-textualização deste primeiro painel e propôs as seguintes questões para reflexão:

1. Qual é a projeção para 2035 da matriz elétrica no Brasil?

2. Como fica a matriz caso não seja possível explorar o potencial hídrico restante?

3. Quais são os principais desafios futuros para a geração de eletricidade?

Matriz atual: Historicamente, a geração de energia no Brasil foi predo-minantemente hidrelétrica. Atualmente esta participação caiu para 80%, o que provocou o aumento de emissões de carbono. No entanto, a participação da energia elétrica no total de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) do país ainda é de apenas 3,5%, posicionando o setor como um dos de menor emissão no país.

Futuro: A Agência Internacional de Energia (AIE) projeta redução para 60% na participação de hidrelétricas na matriz elé-trica até 2035. Já a fonte eólica deve subir de 1% para 9%; termelétricas a biomassa de 5% para 8%; e termelétricas a

Painel 1 – Contexto / alexaNdre uhlig (iNstituto aceNde Brasil)

Fonte: EPE e IPEAData. Elaboração Instituto Acende Brasil, 2015.

0

1,0

2,068,6%

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1990 1995 2000 2005 2010

HidroBiomassaGás NuclearCarvãoPetróleoOutras renováveisPIB (eixo direito)

TWh

BRL

Trilh

ão

gás natural de 5% para 15%. A atual capacidade instalada do país, de 140 GW, deverá dobrar. As hidrelétricas deverão contribuir com 69 GW adicionais, gás natural com 30 GW e eólicas com 22 GW.

Cenário sem os 69 GW de hidráulica até 2035: Falta regu-lamentação para exploração de potencial hidráulico em terras indígenas e resistência social aos empreendimen-tos sustenta este cenário. A AIE prevê, neste contexto, aumento de 80% nas emissões de GEEs, com adição de 9 GW de energia nuclear e carvão mineral. A participação de renováveis seria de 79%.

Principais desafios: • Reconsiderar a construção de hidrelétricas com reserva-

tórios, inclusive para permitir a acumulação da energia eólica e solar;

• Manter as emissões de GEEs em níveis baixos;

• Regulamentar a Constituição para permitir a exploração de projetos próximos a terras indígenas;

• Discutir a autorização para a participação privada na gera-ção nuclear;

• Avaliar uso da fonte térmica sob o prisma da segurança de fornecimento.

oFerta de eletricidade e crescimento do piB Brasil

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“Europa não é um bom exemplo, pois criou instabilidade”Julian Critchlow, da Bain & Company, comentou relatório apresentado no Fórum Econômico Mundial sobre os efeitos da política europeia de incentivo à geração elétrica inserida na era do baixo carbono. Ele aponta os ônus e os bônus deste pioneirismo.

40%

30

20

10

01990 2012 2020 2025 2030 2035 2040

% non-hydro renewable generation of total

Today

European Union

OECDJapanUnited StatesBrazil

Projected rollout based on current and planned policies

Segundo o consultor britânico Julian Critchlow, o Brasil tem muito o que aprender com os erros cometidos pela União Europeia na recente expansão de sua geração elétrica a partir de fontes de “baixo carbono”. “O exemplo europeu é ruim, porque criou instabilidade”, afirmou o especialista durando o evento. “Do lado do investidor, houve uma sen-sação geral que a velocidade da transição foi muito maior do que o esperado, o que resultou na paralisação de usinas térmicas”, completou.

Critchlow apontou erros na regulação que geraram baixa adesão da população a tarifas mais altas: “Qual foi o suporte do público para renováveis na Europa? Se eu sair pela rua perguntando se as pessoas apoiam, 90% dizem que sim, mas elas só estão dispostas a pagar aumento de até 2% na sua conta de luz”, disse. “O custo da transição na tarifa será de 10% a 20%, uma diferença grande que está gerando muita instabilidade”.

O especialista ainda apontou outros erros de planeja-mento. “Implementamos recursos solares no Norte da Europa e de vento no Sul do continente. Se tivéssemos

Painel 1 - keynote sPeaker / juliaN critchlow (BaiN & coMpaNy)

feito o contrário, teríamos economizado cerca de US$ 140 milhões”, contou.

Apesar dos erros, Critchlow disse que a experiência é posi-tiva. “A Europa deu um sinal claro rumo à economia de baixo carbono, o que ajuda o mercado a se ajustar”. O velho conti-nente se auto-impôs metas ambiciosas: 20% de redução de emissões; 20% de aumento de fontes renováveis; e 20% de redução do consumo. “Atingimos as duas primeiras metas, mas não a terceira”, conta. “A transição está indo bem, de maneira geral, mas teremos que investir US$ 8 trilhões até 2040 para alcançar as metas”, disse.

O consultor comentou especificamente o caso da Alemanha, onde o programa foi um sucesso do ponto de vista de atra-ção de investimentos, porém a um custo muito alto. “Lá a meta era atrair US$ 30 bilhões, e eles conseguiram US$ 100 bilhões em investimentos”. “Por outro lado, houve um aumento do custo da energia em US$ 33 bilhões por ano por conta da expansão solar na Alemanha”, número bem maior na comparação com os EUA. “Os consumidores europeus estão arcando com os custos dessas políticas”, concluiu.

europe has Been a "First mover" in the roll-out oF non-hydro renewaBles

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O Instituto Acende Brasil investe na capacitação de profissionais envolvidos com o setor elétrico a partir de um olhar multidisciplinar que integra em sua arquitetura as dimensões tecnológicas, econômicas, institucionais e socioambientais. Os cursos estão disponíveis nos formatos presencial (turmas abertas e in company) e online.

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geração precisaráqUEBRAR PARADIGMAs após 2035O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura Filho, afirmou durante o Brazil Energy Frontiers 2015 que o setor elétrico brasileiro precisará romper alguns paradigmas para fazer frente à demanda de geração de energia a partir de 2035, quando se espera que se esgote o potencial hidrelétrico hoje visto como viável.

Segundo o especialista, “o Brasil criou dificuldades para a exploração hidrelé-trica de áreas próximas ou internas a reservas indígenas, de proteção perma-nente e parques nacionais”, afirmou. “Estamos abrindo mão de 80 mil MW, e nenhum país do mundo faz isso com energia renovável”, completou.

O secretário chamou atenção também para a necessidade de se realizar uma transição do planejamento de “expansão hidrelétrica” para “expansão tér-mica”. “São sistemas completamente diferentes, e vamos precisar de usinas hidrelétricas reversíveis”, afirma. Essas usinas térmicas compensarão a sazo-nalidade de Belo Monte, por exemplo, “onde vão desaparecer 20 mil MW fora da época das cheias dos rios”, diz.

Perguntado pela plateia, Altino afirmou que o MME não tem resistência à entrada do setor privado na geração nuclear. “Não há problema na parte con-vencional da construção da usina”, disse. “O enriquecimento de urânio, no entanto, precisa seguir exclusivamente estatal”, completou.

Painel 1 - keynote sPeaker / altiNo veNtura Filho (MiNistério de MiNas e eNergia)

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As barreiras impostas à exploração do potencial hidre-létrico na Amazônia são resultado da dificuldade de diá-logo do Estado brasileiro com as lideranças indígenas e demais comunidades. Esta é uma unanimidade entre Ildo Sauer (USP), Sergio Bajay (Unicamp) e o consultor José Luiz Alqueres (ex-presidente da Eletrobras), convidados do Brazil Energy Frontiers 2015 para debater os cenários para a gera-ção de energia elétrica a partir de 2035.

“Não sabemos mais fazer intervenções em grandes obras, não do ponto de vista da engenharia, em que somos com-petentes, mas em relação aos impactos”, afirma Alqueres. “Parece que as lições com os conflitos em Belo Monte não foram aprendidas, pois anunciamos Tapajós com os mun-durucus armados até os dentes”, afirmou Sauer.

O professor Sérgio Bajay, da Unicamp, apontou experiências bem sucedidas na América do Norte, onde as comunidades participam da gestão dos projetos, como uma possibilidade de solução. “Trata-se da gestão integrada dos recursos; já temos experiências nesta linha, adaptadas à realidade bra-sileira, na Bacia do São Francisco e em São Paulo”, contou.

Em relação à direção que o planejamento energético deve seguir num cenário de escassez de geração hidráulica, foi

Dificuldade de diálogo com as comunidades indígenas é ponto em comum no diagnóstico da inviabilização de parte do aproveitamento do potencial hidrelétrico; grau da aposta em geração eólica, solar e nuclear varia entre os debatedores

Brasil após a ERA HIDRELéTRICA

possível ouvir no evento visões divergentes. Alqueres foi assertivo na defesa da geração nuclear. “Temos que enca-rar a questão nuclear com seriedade, e a posição atual do governo é pouco ambiciosa”, disse.

O professor Ildo Sauer vê o cenário de forma distinta: “Não faz sentido fazer uma usina tipo Angra 3, que vai custar R$ 16 bilhões, e deixar toneladas de rejeitos nucleares”. O espe-cialista afirma que é possível substituir essa usina por 2 mil MW de eólica à metade do custo. “Nada contra nuclear, desde que considerado o mérito econômico e que a tecnolo-gia seja de reatores intrinsicamente seguros”, concluiu.

Sauer entende que o futuro do Brasil “é hidro-eólico, com complementação térmica, que já está praticamente no lugar, hoje”. Ele afirma que o potencial eólico é muito maior do que aponta o atlas eólico, cuja última versão é de 2001. Isso porque hoje as torres são de 100, 120 metros de altura, o dobro da ocasião do inventário.

Ele ainda aposta na geração solar, mas criticou a contra-tação desta energia de forma centralizada, como tem sido feita. “Temos o recurso bem distribuído por todo o país, o que permite gerar perto do ponto do consumo, sem ter que pagar transmissão e distribuição”, afirmou.

Painel 1 / deBate

“A experiência de planejamento integrado de recursos em províncias dos EUA e Canadá nas décadas de 1980 e 1990 pode ser uma solução para as novas hidrelétricas”Professor Sergio Valdir Bajay – Unicamp

“Sabemos que o potencial de geração solar é infinito: basta um quadrilátero de 90 x 90 km que geraremos volume de energia suficiente para atender ao consumo no Brasil hoje.” Professor Ildo Sauer – USP

“O Brasil fica com duas opções de fundo: a hidráulica, enquanto puder fazer, e a nuclear, que precisamos encarar com seriedade. O governo mostra visão pouco ambiciosa.”José Luiz Alqueires - Consultor e ex-presidente da Eletrobras

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O Instituto Acende abriu este painel pontuando, na linha do tempo, a evolução do mercado de energia no Brasil. Uma ava-liação do passado, presente e futuro dos ambientes de mer-cado regulado (ACR, ou Ambiente de Contratação Regulado) e mercado livre (ACL, ou Ambiente de Contratação Livre).

As dimensões usadas para a avaliação foram: os avanços nos últimos anos; os principais dilemas atuais; e em que direção queremos caminhar.

Richard Hochstetler, responsável pela área de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Instituto Acende Brasil, des-tacou um ponto nesta linha cronológica, que está um pouco à esquerda (passado) do momento atual, mas que segue sendo um fator determinante do presente e futuro do setor: a Medida Provisória (MP) 579.

Esta MP criou o regime de cotas para as hidrelétricas cujos contratos de concessão venciam. “O novo regime retira energia do mercado, energia que passa a ser alocada para os consumidores regulados”, explica.

O especialista afirma que este é um divisor de águas. Até 2014, antes da MP, havia mais clareza no setor elétrico de que o regime competitivo e a abertura de mercado eram o caminho. A partir de então “ficou mais ambígua a sinaliza-ção do caminho a ser trilhado pelo Brasil”.

Outra limitação na mesma direção foi a definição dos novos piso e teto do PLD, medida que reduziu a banda da variação do preço do mercado de curto prazo.

Dentro deste contexto, a questão premente que surge é: como será o mercado livre se todas as concessões vincendas forem renovadas no regime de cotas? Uma luz no fim do túnel foi dada por alguns avanços recentes.

A MP 688, que estava sendo editada durante o Brazil Energy Frontiers 2015, amenizou a situação da alocação de cotas ao ACR, liberando 30% para o mercado livre, mas os demais

O futuro dos mercados LIVRE E REGULADO

70% da energia comercializada nos leilões permanecerão sendo alocados ao regime de cotas.

Outro avanço foi a criação do comercializador varejista, que facilita a participação de pequenos agentes de mercado, e a cessão de energia, mecanismo que facilita a contratação e a revenda excedente.

No mercado regulado, uma ação positiva foi a criação do regime de bandeiras, que aumenta a sinalização de preços para o consumidor deste ambiente. Também houve avan-ços na regulamentação das garantias financeiras na CCEE.

O especialista do Instituto Acende Brasil explicou que o mer-cado ainda está muito engessado e que é preciso ampliar as oportunidades de contratação, com contratos por prazos menores e maiores possibilidades de revenda. Isso propor-cionaria aos agentes maior flexibilidade de ajustes à reali-dade. Seria também necessário permitir uma gestão ativa do risco comercial, proporcionando aos distribuidores auto-nomia sobre a comercialização.

Um exemplo da necessidade de prover mais autonomia aos distribuidores aconteceu em 2014, ano de crise. A grave estia-gem e os atrasos na entrada em operação de novas usinas e de linhas de transmissão levaram o PLD médio no ano a quase 700 reais o MWh. Os consumidores regulados, alheios à realidade, continuaram a aumentar seu consumo. Já os con-sumidores do mercado livre reagiram imediatamente à alta de preços: o consumo no ACL, que vinha crescendo a taxas de 4,5% ao ano, teve uma redução de 4,4% no ano.

Esse contexto complexo inspirou o Instituto Acende Brasil a vislumbrar alguns cenários possíveis para embasar o debate sobre o futuro do mercado de energia no Brasil. Três opções foram indicadas para cada uma das cinco dimensões, con-forme exposto no quadro abaixo. Confira nas próximas pági-nas a opinião dos especialistas sobre esses cenários futuros.

Painel 2- Contexto / richard hochstetler (iNstituto aceNde Brasil)

opÇÃo 1 opÇÃo 2 opÇÃo 3

reNovação de coNcessões hidrelétricas

Concessão no regime de cotas Concessão pela menor tarifa Concessão no regime de exploração

critérios de eligiBilidade para coMercialiZação

Manter critérios atuais Ampliar o universo de consumidores elegíveis

Liberação Total

coNtratação de loNgo praZo Manutenção do ACR e ACL Mercado Unificado Bolsa de energia

ForMação de preços polÍtica de operação

Operação definida pelo ONS e precificação determinada por programas computacionais

Operação definida pelo ONS e precificação determinada pelo mercado

Operação e precificação determinados pelo mercado D-1 (day-ahead market)

Mercado de curto praZo Arranjo de mercado atual Arranjo de mercado atual com liquidação mais frequente

Mercado com precificação marginal locacional (locational marginal pricing)

A trajetória do mercado de energia brasileiro é repleta de percalços – regime de cotas para hidrelétricas com concessões vencendo, alteração do piso e teto do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) – e algumas notícias alvissareiras como o comercializador varejista e o regime de bandeiras. Agora o desafio consiste em definir como seguir desenvolvendo o mercado.

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Painel 2 - keynote sPeaker / FraNk wolak (uNiversidade de staNFord)

O professor da Universidade norte-americana de Stanford, Frank Wolak, defendeu veementemente o modelo de mer-cado de energia elétrica com base em lances de preços, em detrimento ao desenho brasileiro atual, com base no custo estabelecido de forma administrativa. Para ele, uma even-tual mudança de regime é viável para o país: “O Brasil pode-ria fazer isso de forma relativamente simples” disse.

O especialista explicou como o modelo funcionaria: “Os geradores submeteriam diariamente os preços aos quais ofertariam a sua energia ao longo das 24 horas do dia seguinte na barra em que estão conectados na rede”, afir-mou. “E os comercializadores submeteriam antecipada-mente a sua demanda para o dia seguinte”, seguiu. “Com isso seriam definidos os preços de cada instante no dia seguinte para o mercado, em tempo real”, concluiu.

A vantagem seria ter o despacho definido em função do melhor lance, em vez do menor custo definido pelo modelo centralizado, segundo Wolak. “Não seria mais necessário utilizar um programa matemático para resolver e deter-minar o custo de oportunidade da água, pois esse custo passaria a ser computado a partir dos lances de oferta e de demanda no Brasil”, defendeu.

“A formação de preços com base em lance de

preços dos agentes traria vantagens ao Brasil”

Frank Wolak, da Universidade de stanford, diz que modelo permite definição de preços pelo mercado,

e não por meio de processos administrativos.

No entanto, o professor chamou atenção para os riscos ine-rentes a este tipo de transição. Ele cita problemas ocorridos na Califórnia, por conta de “um mercado com base em lan-ces de preços sem um design adequado”, o que pode levar a “abusos unilaterais de poder de mercado”.

As medidas para evitar o problema foram identificadas na experiência norte-americana. É preciso exigir a contratação antecipada de longo prazo com preços pré-fixados, “algo que o Brasil já tem”, ressaltou Wolak. Também seria preciso estabelecer um preço-teto para os lances submetidos, um teto para o mercado de curto prazo, e mecanismos de miti-gação de abuso de poder de mercado localizado.

O professor ressaltou mais um argumento a favor do modelo e que é bastante pertinente ao Brasil: “Os mercados que adotaram a precificação com base em lances de preços são muito mais eficazes no gerenciamento de situações de escassez, pois o sistema recompensa os geradores que dis-ponibilizam energia nesses períodos”, arrematou.

market design in the usa

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Painel 2 – keynote sPeaker / rui altieri (coNselho de adMiNistração da ccee)

CCEE: medição simples e COMERCIALIzADOR VAREJIsTA Aumentar a base de consumidores participantes do mercado livre é um dos principais desa-fios da CCEE, a Câmara Comercializadora de Energia Elétrica. O Presidente do Conselho de Administração da CCEE, Rui Altieri, afirma que hoje a Câmara conta com 3.106 associados, dos quais 1.890 são consumidores livres. Os demais são geradores e distribuidores. “É um número reduzido, e queremos aumentá-lo bastante”, disse.

São duas as maiores apostas da Câmara para atrair novos agentes: a introdução do comer-cializador varejista e a simplificação da medição. “Um consumidor poder ser representado por um comercializador na Câmara, o que cria uma facilidade muito grande para aqueles com potência acima de 500 kW”, afirmou.

Além de facilitar o acesso, a iniciativa amplia o mercado para fontes incentivadas, já que os comercializadores varejistas compram energia destas fontes. “Outra ação é a simplificação da medição por meio da retirada do medidor de retaguarda, numa primeira etapa”, disse. Altieri contou que a Câmara incluirá o aproveitamento de todos os medidores do grupo A, “principalmente dos consumidores A4”, que já são compatíveis com o sistema de medição da CCEE. “Eles não terão que alterar nada”.

A segunda etapa mais “ousada” da simplificação será permitir que todas as distribuidoras do Sistema Interligado Nacional (SIN) possam migrar com o seu sistema de medição para a CCEE. “Vamos cumpri-la ao longo de 2017”, garantiu o executivo.

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Medir em base horária, permitir ao mercado livre a compra de sobras das distribuidoras e adotar a Regulação por Receita são algumas sugestões dos debatedores do Brazil Energy Frontiers 2015 para o país seguir rumo ao modelo de lance de preços.

Ao debater “O futuro dos ambientes de contratação livre e regulada”, especialistas foram unânimes em apontar dis-torções causadas pela introdução da MP 579, que instituiu o regime de cotas para a renovação de concessões de usi-nas hidrelétricas.

Eles discutiram de que formas o sistema poderia ser ajus-tado para uma futura adoção do modelo de lance de preços. Para o professor Leonardo Nepomuceno, da Universidade Estadual Paulista, há uma premissa básica: “É preciso con-tabilizar o consumo de energia em base horária... Isso é o mínimo necessário”, afirmou.

Paulo Born, consultor da Roland Berger, ponderou que a ampliação do mercado pode ser ameaçada se isso não ocor-rer de forma concatenada com a regulação da distribuição. “Simplesmente alterar os preços à medida que o mercado livre se amplia, com a mesma regulação de hoje, pode não ser a solução mais adequada”, afirmou. “A adoção da Regulação por Receita (Revenue Cap) na atividade de fio da distribui-dora, como temos na transmissão, é um caminho”, sugeriu.

O presidente da comercializadora Comerc Energia, Cristopher Vlavianos, deu outra sugestão para “desamarrar” o mercado

“Hoje o sistema é operado com as ferramentas computacionais Newave e Decomp e, portanto, a CCEE e o ONS definem tudo... É preciso mais liberdade para o mercado atuar”.Leonardo Nepomuceno (Universidade Estadual Paulista)

“A adoção da Regulação por Receita na atividade de fio da distribuidora, como temos no setor de transmissão de energia elétrica, é um caminho a ser considerado”.Paulo Born (Roland Berger)

“Ao olhar a expansão dos outros mercados, observamos que não há lugar do mundo onde se faz um contrato a preço fixo de 30 anos reajustado por um índice de inflação.”Christopher Vlavianos (Comerc Energia)

Painel 2 / deBate

para o ambiente livre. “A permissão para que as distribuido-ras possam vender sobras de energia para o mercado livre ajudaria os dois lados”, disse. “Se uma distribuidora tiver uma redução de carga, ao invés de liquidar no PLD de curto prazo, sem saber quanto vai ser a receita ao longo dos meses, ela poria essa energia em leilão”. Ele contou que levou a proposta recentemente ao MME.

Os debatedores concordaram que o atual modelo do setor traz benefícios do ponto de vista da segurança energética, mas ao custo de desequilíbrio do sistema. “Esta ‘mão forte’ acaba por apagar o mercado, sem incentivo à competição”, avaliou Nepomuceno.

Paulo Born criticou a forma como a segurança hídrica está sendo buscada. “Sempre imaginei, antes da MP 579, uma licitação pela maior oferta, com o detalhe de que a rever-são da oferta dar-se-ia ao mercado consumidor e aquela energia ficaria no mercado, garantindo liquidez, sem entrar na discussão de quem tem direito a cotas”, afirmou. “Fazer leilões e trazer a receita para beneficiar todo o mercado é a solução mais trivial”, completou.

Vlavianos aponta outra distorção do modelo atual: o prazo dilatado dos contratos. “Porque o contrato precisa ser de 30 anos se o financiamento é de 15 anos?”, perguntou. “Depois de 15 anos essa energia poderia voltar para o mercado”, concluiu.

Caminhos para a adoção delaNce de preços

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Consumo mais volátil, geração distribuída, redução da parcela da tarifa que fica com as distribuidoras e inovações tecnológicas como smart grid (redes inteligentes) e o carro elétrico alteram a realidade do sistema elétrico no Brasil e no mundo, lançando novos desafios regulatórios e de modelos de negócios para toda a cadeia de valor do setor elétrico.

Uma nova regulação para uma nova realidade

No Painel 3 do Brazil Energy Frontiers 2015 o Instituto Acende Brasil convidou especialistas para: refletir sobre a nova realidade do setor de distribuição; discutir visões de negócios que podem dar respostas a esta nova realidade; e debater como as tarifas devem ser remodeladas diante do novo cenário que se desenha.

Há quatro fatores principais que alteram o quadro atual: o pri-meiro deles é o perfil de consumo mais volátil. De acordo com estudo da International Energy Agency (IEA), o Brasil, assim como toda a América Latina, deve dobrar a demanda de ener-gia até 2040. Nos EUA o consumo médio é de 919 kWh/mês. No Brasil esse número é bem menor, de 200 kWh/mês.

Eduardo Müller Monteiro, Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil, conduziu o painel e comentou: “Com base nessa diferença de consumo per capita entre os dois paí-ses teríamos, numa primeira reação, uma avenida gigante de crescimento no Brasil. No entanto, sugerimos cautela com este tipo de projeção”, afirmou. “A intuição nos diz que 'quando o PIB cresce, a demanda por energia também cresce'. Porém, já vemos na Europa e EUA uma inflexão que mostra que o crescimento do PIB já não é acompanhado pelo crescimento da demanda de energia”.

O segundo ponto que altera a realidade do setor é a mudança da composição tarifária no Brasil. De cada 100 reais de uma tarifa média, só 14 reais ficam para a distribui-dora, a chamada parcela B. Anos atrás este valor era supe-rior a 40%. Este cenário gera a pergunta crítica: o modelo atual de repasse automático ao consumidor da parcela A (custos de geração, transmissão, encargos e impostos) via distribuidora teria chegado ao seu limite?

O terceiro fator que define uma nova realidade para a dis-tribuição é a inserção da geração distribuída. Há vários benefícios conceituais que suportam a inserção de geração distribuída: aumento da segurança, diminuição de perdas, redução de investimentos ao longo da cadeia, diminuição de emissões, entre outros. As projeções para o Brasil mos-tram crescimento das fontes solar e eólica de 1% da matriz elétrica (em 2011) para 9% (em 2035).

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GDP ($2013 trillion, PPP)Note: Mtoe = millon tonnes of oil equivalent.

O quarto fator alterador do contexto energético é a intro-dução de duas plataformas de inovação tecnológica: smart grid e carro elétrico. Os benefícios das redes inteligentes são bem mapeados: controle do sistema em tempo real, geren-ciamento de demanda e modelos tarifários inteligentes. Mas há também desafios derivados do fluxo bidirecional introduzido pelas plataformas tecnológicas habilitadores de smart grid, que por sua vez introduzem novas nuances na relação entre geração e consumo.

Já o carro elétrico apresenta o desafio chamado “efeito bate-ria”. Eduardo descreve: “Compro meu carro elétrico, à noite o estaciono na garagem e o conecto na tomada para carre-gar a bateria. A questão é que futuramente poderei escolher se vou suprir o consumo da minha casa pela distribuidora ou pela bateria do meu carro, carregado ao longo da noite a tarifas provavelmente menores. Como modelar esse fenô-meno de forma integrada, quando todos os consumidores poderão adotar esse comportamento? Qual o impacto desta nova dinâmica sobre o sistema?”, diz.

Estes quatro fatores de alteração da realidade do setor elé-trico nos levam ao centro do debate deste painel: de que forma a regulação de hoje, baseada em Regulação por Preço, vai se comportar nesse novo cenário? Já seria a hora de vis-lumbrarmos a inserção cuidadosa de Regulação por Receita? Confira a visão dos especialistas nas próximas páginas.

Painel 3 - Contexto / eduardo Müller MoNteiro (iNstituto aceNde Brasil)

intensidade energética (energia primária total x piB)

Apesar do potencial de crescimento em países "non OECD", novos padrões de consumo já se desenham em países "OECD": EUA e Europa apontam para a inflexão da curva PIB x Demanda por energia"

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Especialista da Universidade de Cambridge projeta cenários para regulação da distribuição, prevê questionamento do monopólio pelos consumidores, desmembramento de unidades de negócios e bloqueio de experimentações na rede.

“Haverá comunicação bidirecional entre distribuidoras, seus clientes e geradores.”

Pollitt é professor do Grupo de Pesquisa de Políticas Energéticas e da Escola de Negócios da Universidade de Cambridge. Ele apresentou no Brazil Energy Frontiers 2015 uma análise da experiência recente do Reino Unido com regulação da distribuição, buscando trazer informações e provocações que podem ser úteis para o Brasil.

O professor mostrou uma análise da configuração poten-cial da rede elétrica futura no Reino Unido. Um dos cenários prevê um sistema três vezes maior em 2050 em relação a 2010. Outro considera “usar bem melhor o sistema atual, mesmo considerando que as demandas devam aumentar, enfrentando os novos desafios com uma rede do tamanho parecido com o atual”.

Um terceiro cenário considera a hipótese onde o sistema de distribuição se torna muito mais ativo. De acordo com Pollitt, neste cenário mais arrojado o sistema, em nível local, será gerenciado de forma muito mais ativa, com comunicação bidirecional entre os distribuidores, seus clientes e geradores.

Painel 3 - keynote sPeaker / Michael pollitt (uNiversidade de caMBridge)

Para projetar tendências a partir destes cenários, o profes-sor afirma que “uma das grandes questões na Europa é o quão desmembrado o sistema deve ser, na medida em que caminhamos rumo à separação jurídica entre as unidades de negócios e ativos”, afirmou.

Outro ponto é que os consumidores interessar-se-ão cada vez mais em produzir energia em suas casas com base na queda do custo de implantação da geração distribuída. “E a partir desse momento as pessoas passarão a questionar os custos oferecidos pelos monopólios. Isso já é observado nos EUA”, diz.

Considerando este contexto, Pollitt aponta algumas ten-dências da regulamentação: negociação mais ativa entre compradores de serviços em rede e vendedores em mono-pólio; mais atenção das distribuidoras com inovação tecno-lógica; desmembramento de unidades de negócio; e maior incentivo ao envolvimento do cliente, via conexão rápida de pequenos geradores ao sistema.

“O cliente quer orçamentos ágeis para se conectar à rede”, concluiu.

the uk power grid in 2050 (two scenarios)

Big transmission and distribution Micro-grids

LENS: Long Term Eletricity Network Scenarios

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Mercado de medição para prosumer desaFiará aNeel

Painel 3 - keynote sPeaker / tiago de Barros correia (aNeel)

O diretor da Aneel Tiago de Barros Correia afirmou que a geração distribuída impõe à agência um grande desafio: definir regras para o mercado de medição para “prosumers”. O “prosumer” é a expressão do inglês que combina os papeis de produtor (“producer”) e con-sumidor (“consumer”). “O prosumer vai querer vender energia, e não há como, hoje, a CCEE medir a energia injetada pelos clientes no sistema”, afirma.

De acordo com Tiago, a distribuidora poderá ajudar o consumidor a “desligar o ar condi-cionado, mexer no aquecedor da piscina, desligar a bomba elétrica, definir o momento de usar ou não a bateria do carro e de casa”. Prestará, dessa forma, um certo tipo de consultoria “porque o consumidor normal não quer perder tempo com isso”, diz.

Para o diretor da Aneel, a maior parte das oportunidades de negócio nesse novo contexto ainda está por vir. “A distribuidora poderá vender software de gestão de equipamentos, por exemplo, mas este é um mercado que não deverá ser um monopólio”, afirma.

Do ponto de vista do regulador, as grandes questões serão: O quão competitivo será este mercado? A distribuidora poderá ou não participar destas ofertas não monopolísticas, con-siderando que ela já tem uma relação muito forte com o consumidor local? “Acredito que a Aneel precisará dar respostas a estas questões daqui a um ou dois anos, pois elas serão determinantes no desenho dos novos modelos de negócio das distribuidoras”, concluiu.

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REALIZAÇÃOPATROCÍNIO OURO PATROCÍNIO PRATA PATROCÍNIO BRONZE

Avaliações dos debatedores sobre as tendências e necessidades de aperfeiçoamento do regime tarifário envolvem: necessidade de separação, no nível da regulação, entre a “atividade fio” e a atividade de comercialização; comentários positivos sobre o sistema de bandeiras tarifárias; e sugestões de novas regras para os leilões.

chaNce de avaNçar no modelo tarifário

No Painel 3 do Brazil Energy Frontiers 2015 os especialistas discutiram a regulação tarifária adequada para um novo regime e para uma nova realidade. Um dos principais pon-tos de discussão foi o exame de alternativas para diminuir a exposição das distribuidoras ao aumento da parcela A.

Fernando Alvarez, diretor executivo da consultoria Siglasul, sugeriu que a atividade monopolista, de fio, seja regulada de forma independente da atividade de comercialização. “Num modelo de preços, não de custos, podemos estabe-lecer limites horários e dar forma contratual à figura do comercializador”, afirmou. “Isso permitira que a distribui-dora ficasse concentrada na sua atividade de ‘fio’, ou no ser-viço de entrega de energia ao consumidor”, defendeu.

Já Carlos Morosoli, responsável pela filial brasileira da Quantum America, elogiou algumas soluções encontra-das no Brasil para o problema de crescimento da Parcela A, como a implementação do sistema de bandeiras tarifá-rias. “Trata-se de um mecanismo parecido com outros usa-dos em boa parte do mundo e em outros setores, e aqui foi feito com sucesso”, disse. “São mecanismos que promovem o repasse pela compra de energia assumida pela distribui-dora em nome dos seus consumidores em prazos muito mais curtos do que o anual, como ocorria até pouco tempo atrás”, completou. “O caminho é este mesmo”, concluiu.

Alvarez, no entanto, insistiu na sua visão de que seria muito melhor haver uma forte transição para o modelo de preços,

“A prioridade da regulação das distribuidoras é avaliar soluções para melhorar os critérios de alocação e das regras dos leilões de energia.”.Francisco Anuatti Neto (Universidade de São Paulo)

“No longo prazo seria mais lógico considerar que a atividade monopolista de distribuição, de ‘fio’, seja regulada de forma independente da comercialização de energia”.Fernando Alvarez (Siglasul)

“Tarifas binomiais são o caminho adequado para a inserção da geração distribuída sem subsídios cruzados”Carlos Morosoli (Quantum America)

Painel 3 / deBate

com cisão da regulação. “Se a atividade de compra de ener-gia é um mercado concorrencial, porque deveria estar atre-lado à atividade de distribuição?”, indagou. “Seria muito mais interessante acionar outros nichos de mercado que poderiam realizar a compra de energia de forma muito mais eficiente, como acontece no Reino Unido”, argumentou.

Na visão de Francisco Anuatti Neto, professor da Universidade de São Paulo, a prioridade da regulação das distribuidoras é avaliar soluções para melhorar os critérios de alocação e das regras dos leilões de energia. “Estamos, desde 2005, na segunda rodada do modelo implantado em 1995”, contextualizou. “O fim dos contratos de concessão vai abrir uma janela para rever este modelo e fundamentar o seu crescimento”, defendeu.

Quanto aos desafios regulatórios oriundos do crescimento da geração distribuída, Morosoli, da Quantum, afirmou que esta é uma tendência que veio para ficar. E que a geração distribuída fotovoltaica impactará os modelos de negócio das distribuidoras, a operação física das redes físicas e os regimes tarifários.

Ele também aponta para mudanças no comportamento dos clientes. “O segmento residencial poderá ter tarifas binomiais, o que é um caminho para a inserção da geração distribuída sem os problemas de subsídios entre consumi-dores de perfis de consumo diferentes”, afirma.

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