Funcionalismo_em_perspectiva_2
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CADERNO DE ESTUDOS
LINGUÍSTICOS DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO CEARÁ
Funcionalismo em perspectiva
Edição nº 2 – 2010.2
Coordenação e supervisão
Claudete Lima
Revisão
Ana Cátia Silva de Lemos
Francineudo Duarte Pinheiro Júnior
Josenildo Ferreira Teófilo da Silva
Juliana Karla Gusmão de Holanda Bezerra
Luciana Braga
Shellida de Araújo Dias
Thiago Ribeiro Mendes
Formatação
Aline Sales de Paula Campêlo
Camila Araújo da Silva
Isaac Campos Morais Pinheiro
Kamila Nayana Lima de Castro
Katia Flavia Barreto Chaves
Katiary Fernandes de Matos
Luma Almeida de Freitas
Raimundo João Arnold Araújo Farias
Produção
Áurea Cristina Bezerra da Silva Pinho
Fabia Emmanuela de Carvalho
Jefferson Cândido Nunes
Klauber Renan Dutra de Oliveira
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 6 SEÇÃO 1 – ALTERNÂNCIA SUBJUNTIVO/INDICATIVO .................................................... 6 A alternância dos modos subjuntivo/indicativo com verbos de julgamento ............................. 6 SEÇÃO 2 – INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO .................................................................. 14 A indeterminação do sujeito no português oral em situações formais e informais ................ 14 SEÇÃO 3 – ORAÇÕES RELATIVAS .................................................................................. 23 Uma abordagem funcionalista das orações relativas em textos do século XIX e XX ........... 23 SEÇÃO 4 – PRONOME “ONDE” ........................................................................................ 30 O caminho semântico e sintático do pronome onde: um exemplo de gramaticalização ....... 30 Onde como recurso discursivo ............................................................................................. 35 SEÇÃO 5 – VALOR TEMPORAL: “DEPOIS” ..................................................................... 39 O elemento depois: uma trajetória de mudança ................................................................... 39 SEÇÃO 6 – ESTRATÉGIAS DE NEGAÇÃO ....................................................................... 44 Uma análise funcionalista das estratégias de negação do português brasileiro ................... 44 SEÇÃO 7 – PROSÓDIA ...................................................................................................... 49 Análise do PB oral culto com base na observância da organização dos fluxos informacionais ............................................................................................................................................ 49 Unidades tonais no português brasileiro e europeu: padrões entoacionais e funções ......... 57 SEÇÃO 8 – FUTURO DO PRESENTE NO ESPANHOL ..................................................... 68 O uso do tempo futuro no espanhol peninsular a partir de uma abordagem funcionalista .... 68
APRESENTAÇÃO
A Edição nº 2 - 2010.2 representa uma continuação da revista de número
inaugural em que os alunos da Universidade Federal do Ceará, que cursaram a
disciplina Linguística: Funcionalismo ministrada pela Profa. Dra. Claudete Lima, no
período letivo de 2010.2, apresentam os resultados de suas pesquisas. Esse
segundo número é resultado de um trabalho feito pelos próprios estudantes dessa
disciplina divididos em comissões de revisão, formatação e produção que
elaboraram e publicaram dez artigos.
Os artigos presentes nessa edição tratam sobre fenômenos relacionados à
língua portuguesa durante o seu uso na sociedade, sendo utilizados textos orais e
escritos como corpus para coleta de dados e teorias funcionalistas de autores como
Hopper & Traugott que trata sobre o fenômeno da gramaticalização e Givón que
trata sobre o princípio da iconicidade.
Essa revista objetiva mostrar aos leitores o trabalho desses autores, durante
suas produções no âmbito acadêmico, e tem o intuito de servir como incentivo aos
outros discentes do curso de Letras, mostrando que através do protagonismo
estudantil e responsabilidade individual se contribui para a produção de capital
intelectual na universidade.
SEÇÃO 1 – ALTERNÂNCIA SUBJUNTIVO/INDICATIVO
A ALTERNÂNCIA DOS MODOS SUBJUNTIVO/INDICATIVO COM
VERBOS DE JULGAMENTO
Áurea Cristina Bezerra da Silva Pinho
Francineudo Duarte Pinheiro Júnior
INTRODUÇÃO
Alguns estudos, no Brasil, já se detiveram sobre a temática da alternância entre o
modo subjuntivo e indicativo como, por exemplo, os trabalhos desenvolvidos por Carvalho
(2007), em que foram verificadas ocorrências desse fenômeno na região do Cariri; a análise
realizada por Neta (2000), onde foram analisados dados orais e escritos da região de
Januária, em Minas Gerais; e o estudo realizado por Pimpão (1999), com a análise de
registros orais da região de Florianópolis.
Neste trabalho, apresentaremos uma análise de ocorrências de variação entre os
modos subjuntivo e indicativo com verbos que apresentam valor de julgamento em dados de
fala registrados na cidade de Fortaleza.
De cunho quantitativo, a pesquisa realizada foi feita sob uma abordagem funcional
do estudo da língua, tendo como referencial teórico a proposta de Givón.
Givón (1995) pressupõe que, para compreender o lugar do modo subjuntivo, é
necessário, antes, compreender o lugar da modalidade irrealis. Isso porque o irrealis
instaura-se no eixo comunicativo, por meio de estratégias linguísticas que propiciam o uso
do modo subjuntivo.
Pelo fato de as pressuposições givonianas serem baseadas na comunicação, é por
meio dela que a ideia de modalidade se atravessa. Devido a isso, o falante encontra-se
próximo à informação veiculada por ele, julgando-a.
Givón atribui à modalidade a característica de marcar a atitude do falante sobre o
conteúdo da informação presente em sua proposição. Esses julgamentos realizados pelo
falante são denominados por Givón de submodo irrealis. A modalidade irrealis apresenta
6
como característica a incerteza epistêmica, ou seja, a insegurança do falante em relação
àquilo que fala, sendo expressa uma opinião, não um fato.
Objetivamos verificar, a partir de alguns fatores considerados como, por exemplo,
idade, modalidade, dentre outros, o número de registros em que o modo indicativo assume a
posição de formas do modo subjuntivo em contextos favoráveis ao uso deste.
Após essa seção introdutória, este artigo encontra-se dividido em mais três seções.
Na seção Metodologia, faremos a descrição do processo empregado para análise dos dados
obtidos; na seção Análise e Discussão dos Resultados, apresentaremos os dados e suas
respectivas considerações e, por último, na seção Considerações Finais, refletiremos sobre
o estudo realizado e os resultados alcançados com o mesmo.
METODOLOGIA
Nossa análise foi composta por 37 ocorrências coletadas do PORCUFORT,
Português Oral Culto de Fortaleza, organizado por José Lemos Monteiro.
Coletamos dois inquéritos (nº 20 e nº 23) de diálogo entre informante e
documentador, DID. Os informantes são do sexo feminino, fortalezenses, filhas de pais
fortalezenses. A informante do inquérito nº 20 tem nível superior e 32 anos, já a outra
informante, cujos registros encontram-se no inquérito nº 23, também tem nível superior e 67
anos.
Inicialmente, analisamos os inquéritos buscando ocorrências de modalidade oral em
que houvesse verbos com ideia de julgamento como, por exemplo, achar, acreditar, dentre
outros, em orações principais de orações subordinadas substantivas objetivas diretas,
verificando se, na oração subordinada, o verbo presente encontrava- se no modo subjuntivo
ou indicativo.
Em seguida, individualizamos e analisamos cada ocorrência presente em cada
inquérito, categorizando de acordo com as variáveis consideradas, a saber: tipo de verbo,
modalidade na oração subordinada, tempo verbal na oração principal, modo verbal na
oração subordinada e idade.
Por fim, fizemos a comparação e o cruzamento dos dados obtidos e chegamos aos
resultados que serão descritos na seção seguinte.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Apresentaremos uma exposição da análise realizada de acordo com a categorização
para cada variável. Inicialmente, mostraremos a análise dos dados de frequência simples e,
em seguida, do cruzamento dos dados.
3.1 Análise das frequências simples
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a) Tipo de verbo na oração principal
Essa variável permitiu identificar, dentro dos inquéritos analisados, os verbos de
julgamento mais recorrentes na fala das informantes, como mostra a seguinte tabela:
Tipo de verbo Frequência Percentual (%)
Achar 27 73
Considerar 1 2,7
Acreditar 4 10,8
Parecer 5 13,5
Total 37 100
Tabela 1: Ocorrências dos verbos de julgamento mais salientes nos inquéritos analisados
Percebe-se que o verbo achar apresenta o percentual maior de ocorrência, 73%,
sendo o mais utilizado, dentro do corpus analisado, para expressar o julgamento do falante.
Os outros verbos, parecer, acreditar e considerar apresentaram um número menor de
ocorrências, sendo pouco recorrentes para expressar o julgamento.
b) Tempo verbal na oração principal
Com a análise dessa variável, pretendíamos observar em quais tempos verbais se
encontravam os verbos na oração principal. Mais à frente, quando analisarmos os
cruzamentos entre essa variável e a variável modo na oração subordinada, veremos se o
tempo verbal na oração principal colabora para o aparecimento do subjuntivo/indicativo na
oração subordinada. A tabela a seguir mostra os principais tempos encontrados nas
ocorrências analisadas:
Tempo verbal na
oração principal
Frequência Percentual (%)
Pretérito Perfeito do
Indicativo
1 2,7
Presente do
Indicativo
36 97,3
Total 37 100
Tabela 2: Tempos verbais dos verbos de julgamento presentes nas orações principais das ocorrências analisadas
Nota-se que o presente do indicativo predomina nas ocorrências com 97,3%, sendo
mais utilizado pelas informantes para expor suas opiniões. Talvez esse fenômeno se
8
justifica pelo fato de o julgamento ser feito em tempo presente, ou seja, o valor de incerteza,
de julgamento, ser apresentado naquele momento, como no exemplo a seguir:
(1) Eu acho que às vezes é por isso que a derrota dói tanto. (PORCUFORT, DID.20,
p.25)
c) Modalidade na oração subordinada
Na seção introdução, falamos um pouco sobre modalidade na perspectiva givoniana.
Durante a análise das ocorrências, preocupamo-nos em verificar se as proposições
expressavam um fato, modalidade realis, ou uma opinião, modalidade irrealis. Eis os
resultados obtidos:
Modalidade na
Oração
Subordinada
Frequência
Percentual (%)
Realis 1 2,7
Irrealis 36 97,3
Total 37 100
Tabela 3: Modalidade presente nas orações principais das ocorrências analisadas
Em 97,3% das ocorrências analisadas, a modalidade é irrealis, demonstrando,
assim, uma opinião por parte das informantes, exemplificado na frase (3). Somente em uma
ocorrência, que representa apenas 2,7% das ocorrências, a modalidade é realis, na qual é
apresentado, pelo falante, um fato, exemplificado na frase (2).
(2) ...e na ocasião achei muito interessante um um rapaz que era acadêmico de
medicina. (PORCUFORT, DID.23, p.2)
(3) eu acho que é frustrante pra qualquer jogador sinceramente que chega lá e perde
um pênalti. (PORCUFORT, DID.20, p.20)
d) Modo verbal na oração subordinada
Nessa variável, procuramos verificar a variação entre o modo subjuntivo e indicativo
nas orações subordinadas das ocorrências analisadas, ressaltando que, nas orações
principais, há verbos de julgamento. Vejamos a tabela que sumariza os resultados obtidos:
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Modo Verbal na
Oração
Subordinada
Frequência
Percentual (%)
Indicativo 35 94,6
Subjuntivo 2 5,4
Total 37 100
Tabela 4: Modo verbal nas orações subordinadas das ocorrências analisadas
Vê-se que, de modo notório, o modo indicativo é predominante nas orações
subordinadas, assumindo a posição que seriam de formas do subjuntivo de acordo com a
Gramática Tradicional, que prevê o uso do modo subjuntivo em contextos que apresentem
certo grau de incerteza sobre a realização do evento.
Constata-se que, nos registros de fala, a prescrição realizada pela GT não se realiza,
pois 94,6% das ocorrências registraram o modo indicativo na oração subordinada, como no
exemplo a seguir:
(4) ... mas acho que ele é cientista. (PORCUFORT, DID.23, p.16)
(5) NÃO é porque eu acho que ela /ta com um futebol meLHOR...
sabe?...(PORCUFORT, DID.20, p.12)
Já o modo subjuntivo foi registrado em 5,4% das ocorrências, mostrando sua pouca
utilização no contexto já descrito. Uma das ocorrências em que houve utilização desse
modo foi a seguinte:
(6) que eu acredito que quando eles fizerem... sabe? (PORCUFORT, DID.20, p.8)
e) Idade
Mais à frente, com a análise dessa variável, verificaremos se a idade influencia o uso
do modo indicativo ou subjuntivo na oração subordinada. Para realizar essa análise,
escolhemos duas informantes de faixas etárias diferentes. Uma de faixa etária 1, 32 anos, e
outra de faixa etária 3, 67 anos. Aqui, mostraremos a quantidade de ocorrências
apresentadas pelas informantes. Vejamos:
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Faixa Etária Frequência Percentual (%)
Faixa etária 1 29 78,4
Faixa etária 3 8 21,6
Total 37 100
Tabela 5: Quantidade de ocorrências de acordo com a faixa etária
Dentre um total de 37 ocorrências, 29 foram encontradas nos registros de fala da
informante de faixa etária 1, e 8 ocorrências foram encontradas nos registros da informante
de faixa etária 3.
Realizada a exposição das frequências simples, faremos agora uma análise dos
cruzamentos realizados com o intuito de verificar se as hipóteses levantadas se confirmam.
3.2 Análise do cruzamento de variáveis
a) Tipo de verbo e modo na oração subordinada
Nesse cruzamento, tínhamos como objetivo verificar se algum verbo específico
favorecia o uso do modo subjuntivo na oração subordinada, bem como quantificar as
ocorrências em que as orações principais que continham os verbos em questão
apresentavam uma subordinada no modo subjuntivo ou indicativo. Vejamos uma tabela que
resume a análise:
Tipo de verbo
Modo verbal da oração subordinada
Total Indicativo Subjuntivo
Achar 27 - 27
Considerar 1 - 1
Acreditar 2 2 4
Parecer 5 - 5
Total 35 2 37
Tabela 6: Relação entre o tipo de verbo na oração principal e o modo verbal na oração subordinada
Por meio dessa tabela, vemos que, dentro do corpus analisado, os quatro verbos
apontam para a ocorrência do modo indicativo na oração subordinada. Os verbos achar,
considerar e parecer não apontam nenhuma ocorrência do modo subjuntivo, já o verbo
acreditar aponta 2 ocorrências do modo subjuntivo em suas orações subordinadas e apenas
2 ocorrências do modo indicativo.
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A partir desses dados, podemos inferir que, dentre os verbos de julgamento em
análise, achar, considerar, parecer e acreditar, este último favorece tanto o uso do modo
subjuntivo como o do modo indicativo na oração subordinada, como prescreve a GT, pois
50% das orações subordinadas, cuja principal apresenta o verbo acreditar, apresentam os
modos subjuntivo e indicativo.
Essa ocorrência se dá pela motivação que há na fala da informante, vejamo-las:
(6) que eu acredito que quando eles fizerem... sabe? (PORCUFORT, DID.20, p.8)
(7) por outro lado eu acredito naquela questão seguinte que quando chega a hora
num tem por onde... sabe? (PORCUFORT, DID.20, p.5)
(8) eu acreditoque ela num vá moRRER assim...(PORCUFORT, DID.20, p.8)
(9) ...acredito que isso eh eh tem que ser um negócio assim. (PORCUFORT,
DID.20, p.17)
Analisando as seguintes ocorrências, constatamos que o advérbio quando favorece o
uso tanto do modo subjuntivo quanto o do modo indicativo nos contextos apresentados nos
exemplos 6 e 7. Na ocorrência nº 6, o advérbio quando favorece, no contexto, o uso do
futuro do subjuntivo. Na ocorrência 8, percebemos que quando o verbo acreditar se
encontra na oração principal e na oração subordinada há uma negação, há uma tendência
de uso do modo subjuntivo.
b) Faixa etária e modo verbal da oração subordinada
Na análise desse cruzamento, veremos se a faixa etária influencia o uso do modo
indicativo ou subjuntivo na oração subordinada. Vejamos:
Faixa etária
Modo verbal da oração subordinada
Total Indicativo Subjuntivo
Faixa etária 1 27 2 29
Faixa etária 3 8 - 8
Total 35 2 37
Tabela 7: Relação entre faixa etária e o modo verbal na oração subordinada
Notamos que a faixa etária não é um fator que influencia o uso dos modos em
questão nas orações subordinadas quando se tem um verbo de julgamento na principal.
Vemos que, quando temos esse ambiente linguístico, há somente duas ocorrências de
modo subjuntivo, que se encontra no registro de fala da informante de faixa etária 1. Essas
ocorrências são as que envolvem o verbo acreditar e que foram já analisadas no
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cruzamento anterior. Dessa forma, concluímos que ambas as faixas etárias analisadas
utilizam o modo indicativo nas orações subordinadas em 94,5% dos casos, e somente em
5,5% dos casos supracitados do verbo acreditar, há o uso do modo subjuntivo.
c) Modalidade presente na oração subordinada e Tempo verbal da oração principal
Neste último cruzamento, verificamos se a modalidade irrealis, que carrega a
incerteza epistêmica do falante, influencia o uso do modo subjuntivo nos registros de fala
coletados.
Vejamos a tabela:
Modalidade
presente na oração
subordinada
Modo verbal da oração subordinada
Total
Indicativo
Subjuntivo
Realis 1 - 1
Irrealis 34 2 36
Total 35 2 37
Tabela 8: Relação entre modalidade presente na oração subordinada e o modo verbal presente na oração subordinada
Nota-se que, na única ocorrência de modalidade realis, há o uso do modo indicativo.
A ocorrência dessa modalidade se deu pelo fato de a informante de faixa etária 3 ter
expressado um fato, cuja ocorrência descrita no exemplo (2).
O que nos chama mais atenção é o fato de a modalidade irrealis, da incerteza
epistêmica, não apresentar o número maior de usos do modo subjuntivo, como já dito
anteriormente, prescrito pela GT, mas a ocorrência maior de usos do modo indicativo,
portanto, a modalidade irrealis, dentro do corpus analisado, em dados de fala em que as
informantes expressam uma opinião, não contribui para o uso do modo subjuntivo nas
orações subordinadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algumas das dificuldades que enfrentamos, ao elaborar este artigo, foram,
principalmente, na obtenção das estatísticas dos dados, mas conseguimos superar este
obstáculo com a ajuda da nossa orientadora, Professora Dra. Claudete Lima, que nos
ensinou a trabalhar com o programa SPSS, próprio para se adquirir dados estatísticos de
ocorrências de qualquer tipo de corpus.
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Em nossas análises, verificou-se que, em registros de fala, os verbos de julgamento
aqui analisados, achar, acreditar, parecer e considerar, quando se encontram em orações
principais, projetam o uso do modo indicativo na oração subordinada, diferentemente do que
é prescrito pela GT.
Em sua grande maioria, os dados apresentavam os verbos de julgamento no
presente do indicativo, já as informantes expressavam opiniões, apresentando a modalidade
irrealis. Notamos também que o verbo acreditar foi o único que registrou, nos dados de fala
da informante de faixa etária 1, a possibilidade de uso dos dois modos, isso pode significar
que essa possibilidade se dê somente com esse verbo e em falas de pessoas que se
encontrem nessa faixa etária, pois não foi encontrado nenhum registro nos dados de fala da
informante de faixa etária 3.
Um dado que chamou a nossa atenção foi o fato de a incerteza epistêmica,
representada pela modalidade irrealis, não ser representada pelo modo subjuntivo nos
dados de fala analisados, e sim pelo modo indicativo, mais um dado que vai de encontro à
prescrição normativa.
Quanto à análise dos dados, conclui-se que é muito recorrente o uso do modo
indicativo em lugar do subjuntivo, contrariando as normas prescritas pela GT.
Esperamos com esse trabalho colaborar com os estudos na perspectiva funcional,
que observa as variações nos usos da língua oral, percebendo que os falantes, nas
interações comunicativas, nem sempre seguem regas prescritas pela gramática normativa.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, H. M. de. A alternância indicativo/subjuntivo nas orações substantivas em função dos tempos verbais presente e imperfeito na língua falada do Cariri. Tese de Doutorado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2007. GIVÓN, T. Functionalism and grammar. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1995. MUNGUBA VIEIRA, Marta Maria. Alternância no uso dos modos indicativo e subjuntivo em orações subordinadas substantivas: uma comparação entre o português do Brasil e o francês do Canadá. Dissertação de Mestrado. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2007. NEVES, M. H. M. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997b. NETA, A. A. O uso de formas do indicativo por formas do subjuntivo noportuguês brasileiro. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: Universidade Federalde Minas Gerais, 2000. PIMPÃO, T. S. Variação no presente do modo subjuntivo: uma abordagem discursivo-pragmática. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1999b.
SEÇÃO 2 – INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO
A INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO NO PORTUGUÊS ORAL EM
SITUAÇÕES FORMAIS E INFORMAIS
João Arnold Araújo Juliana Karla Gusmão de H. Bezerra
Kátia Flávia Barretos Chaves
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A POSIÇÃO DA GRAMÁTICA TRADICIONAL
A indeterminação do sujeito em português é algo bastante discutido dentro do meio
acadêmico de Lingüística. Existem muitas abordagens teóricas para este mesmo assunto e
muitos trabalhos que fundamentalizam a discussão. A gramática normativa, por exemplo,
considera que:
Algumas vezes, o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou por se
desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu
conhecimento. Dizemos então, que o sujeito é indeterminado. (Cunha e Cintra,
2008)
Existe ainda, a determinação de que o verbo deve estar na terceira pessoa do plural
ou do singular acompanhada pelo clítico se, onde o sujeito não é explicito fora da situação
contextual e ainda o verbo precisa ser transitivo indireto ou intransitivo (ordem
morfossintática). Caso aconteça de se tratar de um verbo transitivo direto, a construção
passa a ser considerada voz passiva sintética e o se pronome apassivador. É, portanto,
quase uma fórmula para a construção de um período cujo sujeito encontra-se
indeterminado. Contudo, dentro da própria definição normativa, pode-se interpretar que
frases onde os sintagmas nominais não são essencialmente determinantes de sujeito,
também têm seu sujeito indeterminado (quando não se tem como saber ao certo quem
pratica a ação, por qualquer motivo que seja – de ordem semântico-pragmática), como por
exemplo, nas frases abaixo:
1. Alguém bate à porta. – Sujeito indeterminado: Alguém.
2. Ninguém agüentaria comer isso. – Sujeito indeterminado: Ninguém.
3. Nêgo nenhum toca melhor que eu. – Sujeito indeterminado: Nêgo
4. Tem gente perguntando por você lá fora. – Sujeito indeterminado: Gente
5. Eles chegaram e logo foram embora. – Sujeito indeterminado: Eles
15
6. Deixaram isso para você. – Sujeito indeterminado: verbo na 3ª pessoa do
plural.
Apesar de estarem explícitos na frase, os sintagmas nominais não referem se a
nenhuma pessoa em especifico. È necessário então, recorrer ao contexto no qual a
construção foi feita. No caso da frase: “Eles estavam esperando tem quarenta minutos.”
Quem são eles? Como determiná-los? Essas perguntas só serão respondidas através do
contexto no qual estão inseridas. Nesse caso também, não se refere a uma pessoa
determinada, mas a um grupo de pessoas que pode se tratar de qualquer um. Têm-se
assim, um caso de indeterminação do sujeito dentro da definição de Cunha e Cinta (2008).
Em todos os exemplos acima foram usadas expressões, pronomes indefinidos ou
substantivos gerais (aqueles que não remetem a numa pessoa especifica) para indeterminar
o sujeito. Quando digo “Alguém bate à porta.”, por alguém posso me referir a qualquer
pessoa dentro da situação comunicativa, tornando-se então impossível a identificação do
sujeito.
ALGUMAS ABORDAGENS E SEUS CRITÉRIOS DE ANÁLISE ACERCA DA
INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO EM PORTUGUÊS
Há ainda, quem argumente que nesses casos é imprescindível que se faça a
diferenciação entre sujeito e “ator”1. O sujeito definido pela abordagem sistêmico-funcional é
algo definido através da natureza semântica, do campo ideacional da frase. Já a não-
identificação do ator é diferente. Acontece que no sujeito indeterminado existe a
indeterminação do ator, contudo na indeterminação do ator não necessariamente acontece
indeterminação do sujeito. Se pegarmos como base os exemplos citados acima, Alguém
bate à porta, esse alguém pode ser qualquer pessoa que não a primeira pessoa do plural.
Então, já existe, portanto uma indeterminação do ator ainda que não a indeterminação do
sujeito:
Em termos sistêmico-funcionais, o desconhecimento ou desinteresse sobre a identidade de “quem executa a ação” é um significado do componente ideacional, ou seja, refere-se à representação de um estado de coisas. É um conteúdo correspondente à função estrutural de Ator, não à função de Sujeito – relativa ao componente interpessoal e referente à validade da proposição e à marcação dos papéis de falante e ouvinte. (Hawad, 2006)
Dentro da mesma argumentação é definido por Hawad (2002) que a única maneira
de obter-se a indeterminação do sujeito e não simplesmente a do ator é na terceira pessoa
do singular com o clítico se, já que este abrange qualquer pessoa do discurso e por isso tão
utilizado nos artigos de opinião jornalísticos. Por exemplo, na frase: “Sabe-se que todo o
possível foi feito”, nessa construção percebemos que o falante o inclui e também o ouvinte
1 Termo retirado do artigo O significado da indeterminação do sujeito em Português, Hawad (2006).
16
na afirmação que faz. É possível, então, realmente indeterminar o sujeito da frase em
questão, pois trata-se de todas as pessoas do discurso. Isso é mostrado na pesquisa de
Ikea (1980) quando é registrado que no nível de maior ou menor indeterminação do sujeito,
as construções com a terceira pessoa do singular e o clítico se possuem maior nível de
indeterminação, tendo em vista que podem incluir qualquer pessoa do discurso. Esse tipo de
referenciação genérica2, encontra base definida também na pesquisa de Neves (2000), onde
são discutidas as construções com “eles” e “nós”. Na mesma linha de Ikea (1980), o
pesquisador argumenta que a terceira pessoa do plural determina o afastamento da primeira
pessoa do singular e a primeira do plural estabelece a inclusão do falante no discurso que
profere. Desta forma, trata-se da indeterminação do ator e não do sujeito. Contudo, cabe a
observação de que apenas o discurso escrito é analisado pelos dois, fica, portanto, de fora a
situação contextual na qual foram construídas as frases:
As observações de Ikeda e Neves acerca das possibilidades de inclusão e exclusão das pessoas do discurso em certas formas léxico-gramaticais parecem voltar-se exclusivamente para a codificação inscrita no sistema lingüístico, desconsiderando possibilidades relativas ao uso. (Hawad, 2006)
OS CASOS ESPECÍFCICOS DE INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO: VOZ POSSIVA
SITÉTICA E NOMINALIZAÇÕES
No caso das construções de terceira pessoa do singular em verbos transitivos
diretos, a gramática normativa se coloca a favor da definição em voz passiva sintética da
língua. Contudo Scherre (2005) argumenta que a voz passiva sintética é uma estrutura ativa
cujo sujeito é indeterminado, pois de acordo com suas pesquisas a transitividade dos verbos
não é uma questão isolada, mas encontra fundamentação dentro do contexto.
Existe, ainda, um caso bastante interessante de indeterminação do sujeito
abordado por Zilles (2008) em sua tese de doutorado, que é o caso onde ocorre
indeterminação do sujeito através de nominalizações. Um exemplo ocorre na frase: A
construção da ponte beneficiou a todos. Observa-se, então, que a construção da ponte
possui um sujeito ativo, porém não determinado na frase. Tratando se, também, de outra
forma de indeterminar o sujeito, já que não sabemos na frase quem foi o responsável pela
construção e também que o sujeito precisa ter um caráter animado, humano.
A INDETERMINAÇÃO DO AGENTE: UMA PERSPECTIVA FUNCIONALISTA
Sabemos que na Língua Portuguesa o sintagma nominal, ao ligar-se com um verbo,
contrai com ele uma relação sintática, podendo assumir a função de sujeito ou complemento
e uma relação semântica, assumindo os papel de agente, paciente ou instrumento.
2 Termo exposto no artigo O significado da indeterminação do sujeito em Português, Hawad (2006).
17
Segundo Azeredo (2008), a forma sintática que o predicado assume para atribuir
um papel semântico ao respectivo sujeito, é o que definimos como voz. Esta se expressa
por meio de um sistema de recursos sintáticos que definem alguns padrões formais do
sintagma verbal.
Na Gramática Tradicional, a voz se distingue em três: ativa, passiva e reflexiva.
Ocorre a voz ativa quando o sujeito pratica a ação, ou seja, é o agente. A voz ativa é comum
aos verbos transitivos e intransitivos, já a forma passiva e a reflexiva são tipicamente dos
verbos transitivos.
A voz ativa não se expressa por meio de um único recurso gramatical; nela o papel
de agente atribuído ao sujeito é um entre outros possíveis. A agentividade ou
instrumentalidade é uma construção mental expressa verbalmente nas orações.
Dá-se ao sintagma verbal a forma da voz passiva quando queremos atribuir ao
paciente da ação verbal, de forma declarada, o papel de sujeito da oração. Exemplo: Joana
[sujeito paciente] foi entrevista pelo inspetor.
Como podemos observar, a voz passiva é construída por um verbo auxiliar seguido
de um verbo no particípio.
Quando analisamos as construções ativas e passivas contextualizadas notamos
que, ao optar por uma das duas formas normalmente, o falante tem motivações discursivas
ou pragmáticas que precisam ser levadas em consideração.
Uma importante forma de expressar essas motivações se dá por meio de uma
construção passiva que realça o paciente e permite a omissão do agente. O que pode ser
expresso através de outra formulação da voz passiva, conhecida por passiva sintética ou
pronominal. Está é indicada pelo uso do pronome se apassivador.
No caso de uma construção de passiva sintética, o agente do processo verbal se
torna obrigatoriamente indeterminado.
Desse modo, verificamos que uma importante particularidade da construção
passiva é a possibilidade de suprimir o agente. Assim como, a voz passiva é a construção
que faz do paciente o assunto da frase, na qual, sua escolha pode ser motivada pela
irrelevância da identidade do agente do processo verbal ou pela impossibilidade de
identificá-lo.
O PRESENTE ARTIGO
É, então, dentro de todas as abordagens citadas que iremos fundamentar nossa
pesquisa e o presente artigo. Através do estudo dos casos onde aparece o sujeito
indeterminado, sejam eles através de:
Nominalização: Em casos como os das frases: As construções serviram de
base para seu governo, onde existe a indeterminação do sujeito ativo que realizou
18
as construções. E também na frase: O cara fica perdido em meio a tantas opções,
não se refere a nenhum elemento situacional.
Pronome indefinido: Alguém está te chamando lá fora.
Impessoal não-pronominal: Criaram muitos problemas por aqui.
Passiva Sintética: Magoou-se com suas interrogações.
Passiva Analítica: Foi, então, deixado para trás.
Média Pronominal: A porta fechou-se.
Média não-pronominal: A porta ficou fechada.
Média perifrástica: A porta está fechada.
A nossa pesquisa tem como corpus a entrevista de três homens falantes nativos da
língua em idade adulta. Procuraremos, então, abordar e identificar as formas de
indeterminação do sujeito em seus discursos sendo eles em situações formais e informais
da língua. As formas de indeterminação do sujeito estarão sob analise de uma maneira
completa e geral. Na mesma linha de pesquisa abordagem e identificação, trataremos do
estatuto informacional do sintagma nominal, sua distância referencial e a identidade do
agente.
METODOLOGIA
Analisamos dois inquéritos pertencentes ao arquivo PORCUFORT (Português Oral
Culto de Fortaleza).
Para isso, definimos alguns critérios na escolha dos inquéritos. O primeiro critério é
que um dos inquéritos está no nível mais formal da língua portuguesa, o EF (Elocução
formal) e outro de nível mais informal, o D2 (Diálogo entre dois informantes); o segundo, os
informantes são do sexo masculino e por último, eles são de faixas etárias divergentes (27 e
64 anos).
Nos dois inquéritos escolhidos foram retiradas trinta e oito ocorrências de
indeterminação do agente, apresentadas nas falas dos informantes que compuseram o
corpus, construindo assim o material a ser analisado.
As tabelas foram feitas e divididas, com base nos seguintes fatores de codificação:
nominalização, pronome indefinido, impessoal não-pronominal, passiva sintética, passiva
analítica, média pronominal, média não-pronominal e média perifrástica.
Outros fatores selecionados foram estatuto informacional do SN (novo, inferível e
velho), distância referencial do SN (não-tópico, baixa topicalidade, média topicalidade e alta
topicalidade) e a identidade do agente (desconhecida, inferível, dada anforicamente e dada
situacionalmente).
19
Em seguida foi realizada a analise de cada ocorrência, calculou-se a freqüência
simples de cada grupo de fatores que resultou nos dados apresentados nas tabelas a
seguir, dentro da análise e discussão dos resultados.
DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Dentro das ocorrências identificadas no corpus foram construídas duas tabelas. A
primeira acerca das ocorrências da indeterminação do sujeito em situações informais da
língua. E a segunda, no que diz respeito às situações formais. A tabela (tabela 1) que
abrange o uso informal da língua possui dois informantes, ambos do sexo masculino, porém
de faixa etária diferentes. Abaixo serão descritos com maior precisão:
Informante 1 – Homem, 27 anos e graduado em Letras. (D2-47.1)
Informante 2 – Homem, 64 anos e graduado em Letras e Direito. (D2-47.2)
A segunda tabela (tabela 2) foi construída com base nas ocorrências da situação
formal, onde apresenta apenas um informante.
Informante EF – Homem, 57 anos e graduado em Letras. (EF 214)
Conforme as tabelas apresentadas, referentes ao inquérito D2-47 dos informantes 1
e 2, a indeterminação do agente ocorre com maior freqüência através dos: pronome
indefinido e impessoal não-pronominal. O que implica dizer que, de acordo contexto, os
informantes do D2 fazem uso dos pronomes indefinidos como recurso para omitir a
identidade do agente, uma vez que, os informantes visam a não exposição (por não
saberem ou simplesmente não interessar dizer) das pessoas mencionadas no diálogo.
Apresenta, também, uma única ocorrência de nominalização quando generaliza todas as
pessoas de quem se refere no substantivo turma. Desta maneira não é possível identificar o
sujeito.
Podemos ver como exemplo do uso dos pronomes indefinidos como
indeterminação do agente, nas seguintes passagens:
(1) ah você num passou na Federal... você também tem que fazer e passar na
Federal.(PORCUFORT-D2-47, p. 09)
(2) trabalhei com ela na Secretária de Educação... aliás o nosso grupo lá de de::...
o:: grupo de supervisão que eu fiz fiz supervisão aqui na FaculDADE... e:: ela
inclusive estava dando aula de::... pra nós... era um grupo BOM tinha N.K.
tinha::... a::... muita gente aí nem me lembro do nome...(PORCUFORT-D2-47,
p. 01).
Outra hipótese levantada é a de que os informantes desconhecem quem
executa ação e consequentemente responsabilizam todo um grupo de pessoas,
sem especificar quem comete a ação, como no caso de:
20
(3) muitos alunos fazem porque é mais fácil porque passaram... (PORCUFORT-
D2-47, p. 09)
(4) não é::... pode ser... claro...OLHE eu vou lhe dizer uma coisa MUItos
professores este ano estão se aposentando... MUItos... (PORCUFORT-D2-47,
p. 04)
(5) Então aquela turma toda tá se aposentando” (PORCUFORT-D2-47, p. 04)
Vale a pena colocar, também, que já que trata-se da oralidade ainda existe a
possibilidade do uso dos pronomes indefinidos como saída para uma possível não
recordação do fato que se conta. Não trata apenas de não querer revelar o sujeito da ação,
mas de não lembrá-lo, por isso o do pronome indefinido que inclui todas as pessoas
possíveis de ter praticado o ato descrito.
Como evidenciado nos dados obtidos na tabela da elocução formal (EF) houve um
maior número de ocorrências nos casos da omissão do agente por meio do pronome
indefinido e impessoal não-pronomial. Deste modo, podemos ter como exemplo desses
recursos, respectivamente, os seguintes trechos:
(6) ... então quando a gente fala em ponto de partida latim literário latim clássico...
(PORCUFORT-EF-124, p. 52).
(7) ...pedem um termo latino do latim vulgar abantiare (PORCUFORT-EF-124, p.
189).
Outro aspecto bastante pertinente na análise do corpus ocorreu no uso de
nominalizações, como é possível observar nesse trecho:
(8) ...o nosso letrista da periferia do nosso bairro... (PORCUFORT-EF-124, p.
101).
A seguir apresentaremos as tabelas finais e gerais referentes ao estudo das
ocorrências do sujeito indeterminado no corpus. Na tabela abaixo traremos os quantitativos
no que concerne a codificação, o estatuto informacional e a distância referencial.
CODIFICAÇÃO Nº de ocorrências nos inquéritos D2 e EF
Nominalização 03
Pronome indefinido 11
Impessoal não-Pronominal 09
Passiva sintética 02
Passiva analítica 0 (não apareceu ou não foi identificada)
Média Pronominal 0
Média não-pronominal 0 (não apareceu ou não foi identificada)
Média perifrástica 0 (não apareceu ou não foi identificada)
21
ESTATUTO INFORMACIONAL Nº de ocorrências (D2 e EF)
Novo 10
Inferível 06
Velho 15
DISTÂNCIA DO REFERÊNCIAL Nº de ocorrências (D2 e EF)
Não-tópico 08
Baixa topicalidade 01
Média topicalidade 08
Alta topicalidade 14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, que teve como principal objetivo analisar as diferentes formas
de omissão do agente em dois níveis: oral informal e formal; mostrou-se bastante claro
algumas diferenças entre esses dois níveis. Houve uma diferença significativa na freqüência
de nominalizações e média pronominal.
No entanto, também, ficou evidente algumas similaridades que contemplam o
aspecto da distância do referencial, da identidade do agente e do estatuto informacional.
O número de ocorrências da omissão do agente por meio do pronome indefinido e
impessoal não-pronominal tiveram as maiores freqüências em ambos os níveis de oralidade.
No entanto, constatou se apenas uma ocorrência de nominalização na oralidade informal, o
que já foi bastante evidente na oralidade formal.
Várias foram as abordagens utilizadas e discutidas, porém a polêmica em torno do
assunto é fundamentalmente inesgotável. Ainda existe muito a pesquisar e estabelecer
acerca de um assunto tão complexo e amplo.
A oralidade se mostrou bastante interessante devido aos fatores argumentativos de
uso da indeterminação, como por exemplo, o fator da memória. Tendo em vista que trata-se
de duas pessoas conversando, relembrando e contando histórias passadas, a
indeterminação aparece como a saída perfeita para não comprometer a veracidade do que
se relata.
Devido a um corpus pouco extenso o trabalho se limitou apenas nas observações
dessas ocorrências, porém o fenômeno de indeterminação que envolve não só a oralidade
formal e informal, mas a escrita também, e toda a língua de uma maneira geral, é bem mais
amplo e pertinente de novas pesquisas futuras.
22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA E CINTRA, Celso e Lindley. Nova Gramática do Português contemporâneo. 5ª
edição. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.
AZEREDO, José Carlos. Gramática Houiss da Língua Portuguesa. 2ª Ed. São Paulo:
Publifolha, 2008.
CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Gramática do português falado. 2ªed. Campinas, SP:
Editora UNICAMP, 1996.
ZILLES, Ana Maria Stahl. A indeterminação em Português: Uma Perspectiva Diacrônico-
Funcional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bento Gonçalves, 2008.
CAVALCANTE, Vilma Maria Reis. A Indeterminação do Sujeito no Português Oral Culto de
Fortaleza – CE. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 1998.
HAWAD, Helena Ferres. O Significado da Indeterminação do Sujeito em Português.
Universidade do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006.
SEÇÃO 3 – ORAÇÕES RELATIVAS
UMA ABORDAGEM FUNCIONALISTA DAS ORAÇÕES RELATIVAS
EM TEXTOS DO SÉCULO XIX E XX
Camila Araújo Isaac Campos
Klauber Renan CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A utilização de adjetivos na sua forma oracional no português é um recurso
linguístico que tem como função atribuir uma nova informação ao elemento a qual a oração
adjetiva se refere. Esse tipo de recurso é bastante usado em diversos gêneros textuais
escritos ou orais, que são textos cujas “características sócio-comunicativas são definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica” (MARCUSCHI,
2002, p.23). Entretanto, durante processo de evolução da língua portuguesa, nota-se um
novo comportamento desse tipo de oração, pois em vez de fazer referência apenas a um
sintagma nominal (SN), essa oração tem um alcance maior, referindo-se a todo o período
que o antecede. Através dessa característica, Decat (2004) nomeou essas orações relativas
ou orações adjetivas restritivas/explicativas, nomenclatura estabelecida pela Nomenclatura
Gramatical Brasileira (NGB), de orações „‟desgarradas‟‟, por ter um menor grau de interação
com o termo antecedente.
Essa mudança de comportamento das orações relativas motivou a presente
pesquisa que tem como objetivo verificar, numa perspectiva funcionalista da linguagem,
quais as formas das orações relativas, tradicional ou “desgarrada”, ocorrem com mais
frequência em textos orais e escritos. Para isso, foram selecionados dois textos do
português brasileiro da modalidade escrita, pertencentes aos séculos XIX e XX, e um texto
oral do português brasileiro do século XX.
Algumas considerações serão feitas a fim de aprofundar as noções de orações
adjetivas prototípicas, orações “desgarradas‟‟ e o termo funcionalismo.
NOÇÕES SOBRE ORAÇÕES ADJETIVAS PROTOTÍPICAS, “DESGARRADAS’’ E
FUNCIONALISMO
De acordo com a NGB, as orações adjetivas têm a seguinte estrutura: “SN +
pronome relativo + verbo”, em que a oração adjetiva faz referência apenas ao SN que o
antecede, havendo uma relação de total dependência entre a oração adjetiva e o SN.
Segundo Amorim (2006, 2009), a oração adjetiva “desgarrada” é introduzida pela seguinte
24
estrutura: “Que + comentário / O que + comentário”, em que há um grau maior de
independência entre a oração “desgarrada ou não - prototípica” em relação à oração matriz,
pois as orações não – prototípicas acrescentam uma informação secundária relativa à
oração matriz. Nos exemplos (1), (2) e (3), respectivamente, nota-se a diferença entre esses
dois tipos de orações adjetivas:
(1) À meia – noite de hoje o Brasil sai do mais longe período ditatorial de sua
História. Dez anos e 18 dias depois de sua edição, o Ato Institucional no 5 que
suspendeu liberdades individuais, eliminou o equilíbrio entre os Poderes e deu
atribuições excepcionais ao Presidente da República, encerra sua existência.
(VARPORT, E-B-94-Jn-006, Jornal do Brasil, 31/12/78)
(2) [...] E num campeonato que tem se caracterizado por decisões no finzinho, a
Itália conseguiu o máximo: uma decisão no finzinho – com um pênalti! Que, na
minha opinião, não houve. (Veríssimo, O Globo, 27/06/06)
(3) Estava sem assunto. O que não deve surpreender ninguém. Afinal, esta é
praticamente uma constante. Estou sempre sem assunto. Mas aí tocou o telefone.
Era a Adriane Galisteu. (Artur Xexéo, Jornal do Brasil, 3 set. de 1999).
Em (1), temos em que suspendeu liberdades individuais um exemplo de oração
adjetiva restritiva prototípica, em que o pronome relativo “que” faz referência ao termo
antecedente, havendo uma relação de dependência entre a oração adjetiva e esse termo.
Em (2), temos em Que, na minha opinião, não houve um exemplo de oração
adjetiva „‟desgarrada‟‟, pois a estrutura introduzida pelo pronome “que” faz referência a todo
período antecedente, apresentando um menor grau de integração em relação ao SN, tendo
um maior caráter de independência, sendo considerada como um enunciado de sentido
completo. Segundo Decat (2004), “essas construções têm um comportamento semelhante à
de orações substantivas.”
Em (3), temos em O que não deve surpreender ninguém um segundo exemplo
de uma oração “desgarrada” com as mesmas características, porém dessa vez , introduzida
pela estrutura O que + comentário.
Outra diferença entre esses tipos de orações é que a oração “desgarrada”
apresenta um maior caráter de independência sintático-semântica em relação às orações
adjetivas prototípicas, pois essa construção linguística tem aspecto mais discursivo do que
sintático, ultrapassando o nível da frase.
De acordo com Amorim (2009), “os tipos de informação que as orações adjetivas
prototípicas veiculam são diferentes daquelas veiculadas pelas orações adjetivas
25
“desgarradas”. Estas representam uma informação nova secundária que não pode deixar de
ser citada e aquelas representam um esclarecimento, um auxílio à compreensão da
informação citada.”
Em relação à abordagem funcionalista, entende-se como a língua se comporta
durante o seu uso, levando em conta os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos. De
acordo com Neves (2001), “o funcionalismo tem como foco as diferentes maneiras que os
usuários de uma língua utilizam para se comunicar de modo eficiente.”
Outro aspecto do funcionalismo é a proposta de Hopper & Traugott (1993) através
do gráfico parataxe > hipotaxe > subordinação, que mostra os níveis de combinação entre
orações, sendo essa uma trajetória unidirecional, partindo da parataxe, que representa uma
menor integração entre orações, para a subordinação, que representa uma maior integração
entre orações. Em relação a essa teoria, Amorim (op. Cit., p.2333) encaixa as orações
explicativas no eixo da hipotaxe e as orações restritivas no eixo da subordinação, afirmando
dessa forma que estas são mais integradas ao SN do que aquelas. Entretanto, para as
orações adjetivas “desgarradas”, Amorim (op. Cit., p.2334) propõe uma ampliação no eixo
de Hopper & Traugott, pois para ela, esse tipo de oração tem um aspecto mais discursivo do
que sintático devido ao seu maior grau de independência em relação à oração matriz.
Portanto, o eixo seria representado dessa forma: discurso > parataxe > hipotaxe >
subordinação.
METODOLOGIA
No presente trabalho, numa perspectiva funcionalista da linguagem, a metodologia
adotada foi de analisar e verificar quais os tipos de orações adjetivas citadas anteriormente
que ocorrem com mais frequência nos três corpus selecionados. O primeiro corpus é um
texto do século XIX, de natureza jornalística, de modalidade escrita, publicado em 12/3/1822
no Rio de Janeiro - RJ. O segundo corpus é um texto do século XX, de natureza jornalística,
de modalidade escrita, publicado no jornal Correio da Manhã em 01/07/1901 no Rio de
Janeiro - RJ. O terceiro corpus é uma entrevista do século XX, de modalidade oral. Os
textos escritos se inserem no gênero editorial, pois esse gênero veicula várias informações
destinadas a diferentes tipos de leitores, sendo assim considerado de grande circulação na
sociedade. O texto oral é uma entrevista de 26 minutos cujo tema é Turismo, em que a
entrevistada é uma mulher de 25 anos, fortalezense, filha de pais fortalezenses, graduada
em Turismo.
Essa metodologia possibilitará uma análise comparativa, que será feita em duas
partes. Na primeira, a análise do texto escrito do século XIX será comparada com a análise
do texto escrito do século XX, ocorrendo uma variação na linguagem apenas no século. Na
26
segunda parte, será feita uma análise entre o texto escrito do século XX e o texto oral do
século XX, tendo como variável apenas a modalidade.
ANÁLISE DO CORPUS
Na análise do corpus, foram encontrados os quatro tipos de orações adjetivas. Nas
diferentes sincronias, observamos os seguintes trechos:
SÉCULO XIX - ESCRITO
(4) nós seguiremos aos antigos que | dizião sómente: em taes circunstancias, |
vencendo taes difficuldades, fizerão es- | tas e est‟outras acções: (VARPORT, E-B-
81-Je-003, linha 06, 12.03.1822)
(5) 1U100 homens descendentes dos Buenos, | e Camargos, que sempre pelejarão
pela | liberdade de sua Patria. (VARPORT, E-B-81-Je-003,linhas 03-04,
12.03.1822)
(6) Permiti-nos habitantes da Paulicea, | que sem offender vossa modestia, nós |
façamos ver,... (VARPORT, E-B-81-Je-003,linha 01, 12.03.1822)
SÉCULO XX - ESCRITO
(7) Não foram os prantos dos honrados collegas nem pelas victimas que tombaram
atravessadas pelas balas da policia... (VARPORT, E-B-91-Je-001, linhas 04 - 05,
01/07/1901)
(8) Tampouco lhes peza, aos illustres confrades, a desmoralizacão que lavra nas
paragens governamentaes, onde a mais leve agitação de reposteiros logo
desvenda escandalos sem conta e odiosas negociatas... (VARPORT, E-B-91-Je-
001, linha 10, 01/07/1901)
(9) Não: o pranto dos patrioticos e discretos jornalistas é todo pelos arranhões que
em seu sentir tem padecido a Ordem, ... (VARPORT, E-B-91-Je-001, linha 11 - 12,
01/07/1901)
(10) Paira sobre nós aquelle apodo de – eternos inimigos da Ordem – como lá disse
a Noticia, o que pouco mais ou menos nos indigita á execração dos corações bem
formados e aos espiritos de alto descortino... (VARPORT, E-B-91-Je-001, linha 29,
01/07/1901)
SÉCULO XX – ORAL
(11) além de que... o que eles dizem né? que todo MUNdo consegue fazer o
trabalho que a gente faz /tá entendendo? (DID – 106/pág.1/linha15)
27
(12) sem ter um estudo... e::... nós não... as as pessoas que::... foram são formadas
em tuRISmo né?... elas passaram::... QUAtro anos pra faculdade de quatro anos
estuDANdo... (DID – 106/pág.1/linha10)
(13) os argentino... se eles... se eles iam pro CaRIbe por que que eles num podiam
ir pro Brasil que é quase... a mesma coisa né? (DID – 106/pág.9/linha 291)
(14) NÓS... nós temos o... papel de ORGANIZAR /tá entendendo?... o que seria
mais assim::... indiCAdo pra quem é formado em Turismo trabalhar numa
CODITUR...‟ (DID – 106/pág.4/linha107)
Nos trechos (4), (7) e (11), temos exemplos de orações canônicas restritivas, pois
essas orações são introduzidas por um pronome relativo “que‟‟ que se refere ao termo
antecedente. Há uma relação de total dependência entre a oração canônica e a oração
matriz.
Nos trechos (5), (8) e (12), temos orações canônicas do tipo explicativas, sendo que
a oração no trecho (8) é introduzida pelo pronome “onde‟‟, mas exerce a mesma função do
pronome relativo das orações em (5) e (12). Essas construções linguísticas ocorrem entre
pausas, explicando o termo anterior. Como citado na fundamentação teórica, essas orações
têm um menor grau de integração ao SN em relação às orações canônicas restritivas.
Os exemplos (9) e (13) representam as orações “desgarradas‟‟ ou não prototípicas,
pois não se referem ao termo antecedente, mas ao período como um todo. Essas orações
por apresentarem um grau total de independência em relação à oração matriz, têm uma
função mais discursiva do que sintática, pois suas estruturas acrescentam uma informação
secundária, assemelhando-se a um adendo ou a uma avaliação. Em (9), temos que em seu
sentir tem padecido a Ordem um exemplo que é classificado como adendo, pois apresenta
uma informação secundária em relação ao período que está inserido. Em (13), temos que é
quase... a mesma coisa né? uma avaliação por parte do escritor que estabelece uma
comparação entre a oração desgarrada e a oração matriz.
Em (10) e (14), temos exemplos de orações “desgarradas‟‟, só que introduzidas
pelo conectivo “O que‟‟, mantendo as mesmas características sintático – semânticas e
discursivas. Nota-se que não há estruturas desse tipo no corpus do século XIX, pois se trata
de uma escolha do escritor em relação à qual conectivo usar na estrutura.
RESULTADOS
Através da análise do corpus, encontramos os seguintes resultados: comparando o
número de orações canônicas com de orações “desgarradas‟‟ nos séculos XIX e XX, na
modalidade escrita. Em relação ao século XIX, nota-se que num total de 33 orações
analisadas, 29 são do tipo canônicas e 4 do tipo não-canônica. No século XX, temos 27
orações analisadas num total, sendo que 19 são do tipo canônica e 8 do tipo não-canônica.
28
Fazendo uma segunda comparação, entre as diferentes modalidades, do século XX, temos
o seguinte resultado: na modalidade oral, temos num total de 66 orações analisadas, sendo
que 48 são do tipo canônica e 18 do tipo não-canônica e na modalidade escrita, temos o
resultado citado anteriormente. Abaixo segue uma tabela para uma melhor descrição dos
resultados obtidos.
PERÍODO
TIPOS DE
CONSTRUÇÃO
SÉCULO-XIX
ESCRITO
SÉCULO-XX
ESCRITO
SÉCULO-XX ORAL
CANÔNICA
RESTRITIVA
11 11 40
CANÔNICA
EXPLICATIVA
18 8 8
DESGARRADA
QUE +
COMENTÁRIO
4 7 16
DESGARRADA O
QUE +
COMENTÁRIO
O 1 2
TOTAL 33 27 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, podemos observar que as orações adjetivas do tipo canônicas
ocorrem com mais freqüência do que as orações não - canônicas em textos editorias dos
séculos XIX e XX, em modalidades distintas. O resultado foi esperado em relação à
modalidade escrita, pois os textos de natureza jornalística contribuem para uma maior
ocorrência dessas estruturas canônicas. Entretanto, na modalidade oral, esperava-se o
predomínio das estruturas “desgarradas‟‟, pois se tratando de diálogo, essas estruturas são
utilizadas para acrescentar uma informação secundária ou enfatizar ou retomar uma
informação considerada importante. Portanto, é necessário verificar como os tipos de
orações adjetivas apresentadas nesse estudo se comportam em outros gêneros textuais,
pois isso possibilitaria perceber de que maneira um gênero textual influencia na ocorrência
desses tipos de construções lingüísticas.
29
BIBLIOGRAFIA
AMORIM, Monika Benttenmüller. Uma abordagem funcionalista para as orações adjetivas. Rio de Janeiro, 2006. ________. Aspectos Discursivos de Orações Adjetivas Não – Prototípicas em textos do século XV e sincronia atual. Rio de Janeiro, 2009. DECAT, M.B.N. Orações relativas apositivas: SNs „soltos‟ como estratégia de focalização e argumentação. In: Veredas: Conexões de orações. Vol.8, n.1 e n.2. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2004. HOPPER, Paul & TRAUGOTT, Elizabeth Closs. Grammaticalization. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. IN: Gêneros Textuais: Constituição e Práticas Sociodiscursivas. Editora Cortez, 2002. NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 2001. VARPORT – Análise Contrastiva de Variedades do Português. Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Disponível em http://www.letras.ufrj.br/varport/
SEÇÃO 4 – PRONOME “ONDE”
O CAMINHO SEMÂNTICO E SINTÁTICO DO PRONOME ONDE: UM
EXEMPLO DE GRAMATICALIZAÇÃO
Ana Cátia Silva de Lemos Kamila Nayana Lima de Castro
RESUMO
Este trabalho apresenta os traços que compõem uma pequena pesquisa realizada a
partir das variações do pronome ONDE, para tanto, foi utilizado o corpus do curso de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulado Varport. Com base em alguns
princípios do funcionalismo, analisamos as variações em 23 editorias do século XX. A partir
desta análise, observamos as variações sintático-semânticas mais freqüentes e podemos
concluir que elas ocorreram de forma sutil nos registros escritos pesquisados,
caracterizando um fenômeno de gramaticalização.
PALAVRAS-CHAVE: valor sintático-semântico, mudança, gramaticalização.
INTRODUÇÃO
Desde que iniciamos os estudos sobre nossa língua mãe, na escola, deparamo-
nos com um pronome que opera na língua de diversas formas, este pronome: o Onde pode
assumir diversas operações sintáticas.
Esse tema já fomentou e fomenta grandes discussões; no entanto o seu valor
semântico, que também é rico, vem sendo mais abordado atualmente. Baseado nesse
contexto, o presente artigo apóia-se em pressupostos teóricos do funcionalismo lingüístico e
pretende apresentar os dados coletados em uma pesquisa que buscou comparar
diacronicamente as variações sintáticas do referido pronome, de acordo com seu valor
semântico.
A partir desses dados, buscamos basear nosso trabalho em mudanças que se
dão no interior da gramática, caracterizando, portanto, um dos processos de
gramaticalização determinados por CEZÁRIO, COSTA, CUNHA (2003), que definem dois
caminhos nos quais podem ocorrer esse processo: gramaticalização stricto sensu, que se
31
emprega das mudanças que ocorrem do léxico para a gramática; e a gramaticalização lato
sensu, que trata das modificações ocorridas no interior da gramática.
METODOLOGIA
Utilizamos o corpus do curso de Letras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, intitulado Varport (Análise Contrastiva de Variedades do Português). Nosso objetivo
é investigar as variações sintático-semânticas do pronome Onde, para tanto, baseamos
nossas observações nos princípios funcionalistas da linguagem, entre eles, a concepção de
língua como instrumento de comunicação, focando as variações citadas acima.
A concepção de gramaticalização adotada foi obtida na leitura da tese intitulada
Uma análise funcional do ONDE no português contemporâneo: Da sintaxe ao discurso, na
qual COELHO afirma:
... na concepção de Meillet, a gramaticalização pode ser entendida como o percurso segundo o qual o falante recategoriza determinado item lexical, conferindo-lhe alterações de ordem semântica e gramatical, para satisfazer às suas necessidades discursivas. Tal definição parece abranger o discurso, a semântica e a gramática, passando pelo léxico, que é o componente lingüístico primitivo ( p19,2001.).
Com a finalidade de delimitar o vasto material disponível no site da universidade
citada, optamos por estudar as orações em que a partícula onde assume novos papéis
semânticos. Em seguida analisamos vinte e três editoriais de todo o século XX e,
posteriormente, contabilizamos as ocorrências nas quais a partícula surgiu.
Escolhemos analisar este século, pois percebemos indícios de uma variação
semântica do pronome, acompanhada por seu uso em contextos que fogem ao fator
canônico, isto é, referindo-se a espaço físico. Sempre lembrando que a gramaticalização é
analisada como uma extensão contínua de usos de determinados termos originais.
ANÁLISE
Numa amostra de 23 editoriais, encontramos 18 ocorrências. Essa
desproporcionalidade se deve ao gênero analisado, pois o gênero jornalístico tenta adequar-
se à norma padrão, apesar dessa conclusão, percebemos que há variações semânticas e
sintáticas que fogem ao cânone formal em algumas amostras.
Os dados apontam para o frequente uso do termo onde, no português escrito
brasileiro no início do século XX, com o valor sintático locativo, ou seja, a partir da primeira
amostra ou período de análise, que se estende de 1901 a 1924, deparamo-nos com um total
de quatro orações, nas quais encontramos o pronome apresentando apenas uma função
sintática; como introdutor de oração adverbial.
(1) Um de seus órgãos, a Gazeta de Notícias, exprobou ao assassinado a loucura
de andar pelas ruas, onde foi buscar a alcatéa dos sicários.
32
No que tange à noção semântica, três partículas apresentam valor locativo
espacial e apenas uma apresenta valor locativo nocional. Esse indício do aspecto semântico
apresentado faz-se importante, devido ao fato de que mudanças lingüísticas ocorrem de
forma lenta e gradual, principalmente em registro escrito.
Na segunda amostra, que abrange os anos 1925 até 1949, surgiram sete
ocorrências. Ainda há uma predominância da função sintática observada no período
anterior, ou seja, aqui a partícula ainda aparece como introdutor de orações adverbiais em
todos os casos, como demonstra o exemplo dois.
(2) Uma balança quer um balcão bem nivelado, onde as pesadas saiam certas...
Porém, a noção semântica já sofre uma mudança pequena, mas considerável.
Enquanto tínhamos, no período anterior, a proporção de 3 (valor espacial) x 1 (valor
nocional), aqui o valor nocional sofre um aumento; assim temos cinco orações com valor
espacial (ainda preponderante) e duas orações nas quais o termo apresenta valor
nocional.Um exemplo deste valor encontra-se a seguir:
(3) ...equivalendo todos por um grande cartaz cruel onde estivesse escrito: É
proibido comer.
Nos anos de 1950 a 1974, que compreendem a terceira amostra de análise,
foram encontradas apenas três orações. Em duas delas, a partícula é introdutora de oração
adverbial e em outra ela ocorre como introdutora de oração substantiva. Com relação às
noções de sentido, surgiram dois termos apresentando valor locativo espacial e um
nocional.
A quarta amostra compreende os últimos anos do século em questão,
estendendo-se de 1975 a 2000. Foram encontradas as quatro últimas orações analisadas.
Há uma oração com o termo estudado funcionando como introdutor de oração substantiva, e
três em que é introdutor de oração adverbial. Semanticamente, temos três noções de
espaço físico, e uma de espaço nocional.
(4) Na 6a linha do tópico „convocação e mesa da Câmara‟, há um espaçamento
inadequado no lugar onde deveria estar um ponto continuativo.
É possível notar no exemplo acima que o termo estudado compreende uma
oração adjetiva restritiva assumindo, portanto, o pronome um valor nocional, pois faz
referência a um lugar abstrato, um dos níveis da trajetória de gramaticalização apontados
por TRAUGOTT E HEINE (apud, CUNHA, OLIVEIRA E MARTELOTTA, 2003).
É importante ressaltar o contexto, tendo em vista, que o processo de
gramaticalização leva em conta os fatores pragmáticos, temporais e usuais dos falantes, por
isso, para a análise ressaltamos a relevância desse processo que segue essa ordenação:
TEMPO> COGNIÇÃO> USO.
33
Apresentamos abaixo um quadro feito a partir do cruzamento das ocorrências do
Onde entre os valores sintáticos e semânticos assumidos nas orações do corpus analisado.
NOÇÃO
(V. SEMÂNTICO)
FUNÇÃO (V. SINTÁTICO)
Introdutor da Oração
Adjetiva
Introdutor da Oração
Substantiva
Introdutor da Oração
Adverbial.
LUGAR ESPACIAL 1,8% 1,8% 50%
LUGAR NOCIONAL 0 0 46,4%
TEMPO 0 0 0
VAZIO 0 0 0
Não foram encontrados registros do termo com valor conclusivo nos textos
pesquisados. Apesar disso, foram encontrados outros indícios de gramaticalização da
partícula, uma vez que esta, comprovadamente, assume vários papéis sintático-semânticos.
Atribuímos este fato ao momento em que o termo se encontra no processo de
gramaticalização, pois é notável a aquisição de novos usos, porém acredita-se que nos
registros escritos essa consolidação possui uma tímida existência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta pesquisa consideramos a hipótese de o pronome onde assumir
novas noções de sentido, para tanto, apresentamos o resultado de uma pesquisa realizada
a partir do corpus Varport para tentar comprovar nossa hipótese.
A partir dos dados apresentados acreditamos ter alcançado o objetivo de
demonstrar o processo de gramaticalização do Onde. Porém, de acordo com os indícios,
concluímos que esse processo, no gênero editorial durante o século XX, ainda se
configurava de forma sutil.
REFERÊNCIAS
CEZÁRIO, M.M.; COSTA,M. A.; CUNHA,M. A. F. da;. Pressupostos Teóricos Fundamentais. IN: FURTADO DA CUNHA, M. A.; OLIVEIRA, M. R. de; MARTELLOTA, M. E. (orgs.) Lingüística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.29-55 COELHO, S.M. Uma análise funcional do ONDE no português contemporâneo: Da sintaxe ao discurso. Belo Horizonte: PUC –MG, 2001. 128p. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Curso Letras, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte,2001.
34
FERREIRA, E. P. Gramaticalização e auxiliaridade: Um estudo pancrônico do verbo chegar. Fortaleza: UFC, 2007. 272 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Lingüística, Curso de Letras, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007. FERREIRA, L. M. A. Estabilidade e continuidade semântica. IN: FURTADO DA CUNHA, M. A.; OLIVEIRA, M. R. de; MARTELLOTA, M. E. (orgs.) Lingüística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.73-87
ONDE COMO RECURSO DISCURSIVO
Katiary Fernandes de Matos
RESUMO
O presente trabalho objetiva tecer algumas considerações sobre o
comportamento do item onde no português do Brasil, através da exemplificação de usos
observados em editoriais do século XX, retirados do corpus VAPORTE. As ocorrências do
onde foram analisadas por uma perspectiva diacrônica que nos revelou uma extensão de
seu valor canônico de lugar, para funções típicas de conjunções, que seguiria um processo
analógico espaço>discurso. Em que o termo onde assumiria o valor de organizador textual,
fazendo alusão do espaço real ao universo do texto que seria mais abstrato, realizado por
meio da anáfora (menção ao que já foi dito) e da catáfora (alusão ao que será dito). Tal
trajetória, para alguns autores, obedeceria ao procedimento de abstratização semântica, que
possui nível zero quando assume função de conectivo.
PALAVRAS-CHAVE: Discurso, Abstratização, Texto.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A língua como objeto científico observada à luz do Funcionalismo não é considerada
estagnação no tempo, uma vez que é suscetível às mudanças. O falante possui a liberdade
de atribuir usos não convencionais às formas gramaticais para atender sua necessidade
comunicativa, motivando assim, as transformações lingüísticas. Hopper afirma que a
gramática de uma língua natural é instável, é dependente de fatores externos á estrutura
lingüística, ele propõe uma gramática emergente ao uso.
O discurso está diretamente associado ao processo de gramaticalização. Pois a
regularização do uso não-canônico de um termo tende a se tornar normativo com o uso
contínuo. “A gramaticalização é o processo de cristalização das formas discursivas mais
produtivas”. (CASTILHO 1997:31)
Esse processo consiste na ampliação dos limites funcionais de um elemento
lingüístico, tornando-o mais gramatical. O mesmo manifesta-se por dois procedimentos com
base pragmática, um que migra do contexto lexical para a gramática (stricto sensu) e o que
se origina no interior da própria gramática (lato sensu) obedecendo às relações sintáticas e
discursivas. A gramaticalização do item onde se dá por lato sensu. Fundamentalmente este
36
elemento designa espaço físico, embora também seja empregado como pronome relativo,
com valor temporal e ainda como marcador discursivo, desprovido de valor lexical, usado
como recurso coesivo na organização textual.
Essa trajetória funcional da partícula onde é explicada por Oliveira (1997) em uma
seqüência linear que implicaria em uma possível abstratização semântica do termo, a qual é
representada pelo seguinte esquema:
Espaço > Tempo >Texto
Em que o elemento lingüístico passa a assumir valores mais abstratos, servindo de
referentes entre o espaço real e o virtual, ou seja, as relações entre o universo físico e o
meio abstrato do texto.
Os estudos de Cunha, Oliveira e Votre (1999) são realizados por uma perspectiva
histórica e compreende a gramaticalização do onde com peculiaridades pancrônicas, distinto
da concepção de linearidade citada anteriormente que segue a hipótese de sucessão
temporal para explicar a trajetória de mudança lingüística. A explanação para o progresso
funcional de uma forma gramatical está associada à sua realização pancrônica, ou seja, as
mudanças ocorrem em todas as fases históricas em sincronia.
As pressões cognitivas, sociais e estruturais fizeram com que a forma onde, oriunda
do vocábulo latino ŭnde com sentido de lugar donde, expandisse seu campo de atuação
para funções típicas de conjunções. Essa extensão analógica ocorre através da anáfora (1)
e da catáfora (2).
(1) Eles chegam a citar exemplo de algumas usinas, onde a redução do horário,
como a de Vernandel, na Alemanha redundou no aumento de produção.
(corpus VAPORTE).
(2) Onde e quando ficou a ordem mais mal ferida? (corpus VAPORTE)
Percebemos que nos exemplos anteriores o uso do termo onde funciona como
organizador textual. Em (1) temos a menção a algo que já foi dito por recuperação anafórica,
o item em destaque serve como um recurso textual para evitar a repetição. Em (2)
observamos a partícula onde fazendo alusão ao que será mencionado, aproximando a
relação do universo textual com universo real.
METODOLOGIA
A presente pesquisa é de natureza qualitativa no que tange à necessidade de dar
uma contribuição aos estudos funcionalistas da linguagem. Apresenta, porém, dados
quantitativos, visto que há um trabalho com variáveis e número de ocorrências.
37
Para investigarmos as projeções do uso pronome onde selecionamos um corpus
composto por 22 editoriais em que obtivemos 18 ocorrências, em quais verificamos a
resistência de seu valor canônico, como também suas variações sintático-semânticas e
discursivas.
O corpus que selecionamos foi o VAPORTE, do curso de Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, o mesmo estava dividido em quatro períodos de tempo, com
diferencia entre 23 e 25 anos. Após o recolhimento das ocorrências, as analisamos por
critérios sintático-semânticos e discursivos. A partir daí chegamos aos seguintes dados:
CRITÉRIOS SINTÁTICO-SEMÂNTICOS
VALORES DISCURSIVOS
ANAFÓRICO 88,8%
CONECTIVO 0 %
CATAFÓRICO 11,2 %
ANÁLISE DE DADOS
Em uma leitura mais geral, considerando-se os três critérios em questão, podemos
constatar, primeiramente, que há maior freqüência do onde como introdutor de orações
adverbiais com sentido espacial (50%), o que demonstra que o uso canônico prevalece,
entretanto concorre com o sentido nocional (46,4%).
Na segunda tabela abordamos os valores discursivos, verificamos a maior freqüência
de usos em que a partícula assume o valor anafórico (88,8%), e em freqüência menor, é
empregado com valor catafórico (11,2%). Entretanto não foi registrada nem uma ocorrência
NOÇÃO
FUNÇÃO
INTRODUTOR
DE ORAÇÃO
ADJETIVA
INTRODUTOR
DE ORAÇÃO
SUBSTANTIVA
INTRODUTOR
DE ORAÇÃO
ADVERBIAL
LUGAR
ESPACIAL
1,8% 1,8% 50%
LUGAR
NOCIONAL
0 % 0 % 46,4%
TEMPO 0 % 0 % 0 %
VAZIO 0 % 0 % 0 %
38
do onde como conectivo. Porém essa ausência não significa que não tenha se manifestado
nesse período temporal, é possível que não tenhamos flagrado tal ocorrência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de novos empregos funcionais às estruturas gramaticais é proveniente
da insatisfação comunicativa, da necessidade de estruturas que atendam ao propósito da
comunicação. E a partir da repetição do uso metafórico de um elemento o torna previsível e
regular à norma.
A trajetória do elemento onde, para alguns teóricos, estabeleceu-se através da
passagem semântica do concreto para o abstrato, chagando assim ao campo discursivo. Na
verdade, o que se constata em contato com os dados, é que o onde se apresenta no
discurso sendo preenchido de valor lexical pelos elementos que faz referencia, explícitos ou
diluídos no discurso, ou identificados extra texto, o sentido formata a estrutura para atender
a comunicação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTILHO, Ataliba T. de. A gramaticalização. Estudos Lingüísticos e Literários, Salvador, Universidade Federal da Bahia, nº 19, p. 25-63, março de 1997. COELHO, Maria Sueli. Uma análise funcional do onde no Português contemporâneo: da Sintaxe ao Discurso, Belo Horizonte. 2001. FURLANETO, Maria Marta. Os Caminhos do ONDE no Português do Brasil: Instrumentos lingüísticos e deriva. HOPPER, P.J. On some principles of grammaticalization. In TRAUGOTT, E. Closs e HEINE B. Approaches to grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, v. I p. 17-36. 1991. SOUZA, Emília Helena, P. M. A multifuncionalidade do ONDE e seu uso em Salvador. Salvador: Instituto de Letras. Inédito (Apresentado 2001).
SEÇÃO 5 – VALOR TEMPORAL: “DEPOIS”
O ELEMENTO DEPOIS: UMA TRAJETÓRIA DE MUDANÇA
Aline Sales de Paula Campelo
Shéllida de Araújo Dias
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar como se comporta o termo DEPOIS em
diferentes contextos de uso, quando se trata da língua falada em indivíduos do sexo
feminino de diferentes faixas etárias. Tomando-se como base os estudos sobre a trajetória
metafórica ESPAÇO > TEMPO> TEXTO e da teoria da gramaticalização, percebe-se que há
uma ampliação no sentido do termo analisado, de modo que seu sentido original permanece
no uso da língua.
PALAVRAS CHAVE: Funcionalismo, Gramaticalização, Trajetória Metafórica.
INTRODUÇÃO
Em todos os momentos do nosso cotidiano, a Língua Portuguesa modifica-se de
modo a obterem-se resultados inesperados quanto à significação de algumas palavras. As
correntes de estudos lingüísticos, como o Funcionalismo, estão em constante pesquisa,
visto que a língua é um objeto dinâmico e variável.
Dentro desses inúmeros estudos funcionalistas, fala-se da teoria da
Gramaticalização, que é um fenômeno que acarreta mudança(s) de sentido em termos que
adquirem valores diferentes de sua origem, ocorrendo em contextos e lugares favoráveis
aos novos usos. Segundo Jackeline da Silva Gonçalves (2007),
a gramaticalização é um processo de mudança lingüística que leva itens lexicais a assumirem características gramaticais e elementos gramaticais a se tornarem mais gramaticais, a partir do uso desses itens [...] Gramaticalização, portanto, não faz somente reconstruções históricas, mas também está conectado com o futuro, com as mudanças que podem ocorrer com itens gramaticais. [2007].
Segundo a autora o item DEPOIS apresentava valor espacial. Como o termo sofreu
processo de Gramaticalização, passou a designar também valor temporal, que hoje é
reconhecido como seu uso prototípico, e a ser utilizado também como conectivo de orações
(termo gramaticalizado).
De acordo com Cunha (1982), a etimologia do termo DEPOIS aparece com o seu
significado em advérbio, com sentido de em seguida, posteriormente. Entretanto, é possível
40
mostrar que a sua significação atualmente aparece sob diversos contextos de uso, os quais
são objetos de análises para diversas pesquisas inseridas na abordagem funcionalista.
Ainda no trabalho de Gonçalves (2007), há a seguinte informação:
Martelotta, 2003, analisou o depois e, segundo o autor, esse item tem origem
espacial, indicando espaço físico. Entretanto, no português arcaico também foi possível
encontrá-lo como elemento temporal. Evidencia-se, portanto, que as duas características se
confundem. Martelotta ressalta que essa construção (depois) deriva de uma sucessão de
elementos que acompanhavam a forma primitiva post, pós, pois. A forma pós tornou-se uma
preposição e a partir do uso, outras preposições se agregaram a ela, formando: após,
empós e depós. Esta última passou a ser mais usada para indicar sucessão temporal,
porém com o tempo veio a desaparecer. [2007]
A teoria da Gramaticalização está relacionada à trajetória metafórica ESPAÇO >
TEMPO> TEXTO, o qual termos da língua podem adquirir outros sentidos dentro de um
dado contexto, em decorrência do uso. Seguindo então esse esquema supracitado que
representa a trajetória unidirecional de mudança, no qual os advérbios assumem outras
funções no contexto, como a de conjunção, proposto por Martelotta (2003), verifica-se o
comportamento do termo DEPOIS em determinadas circunstâncias nos discursos.
Cabe neste trabalho mostrar como é possível a ocorrência desses “desvios” de
sentido do item DEPOIS, através da linguagem coloquial em situações de conversa
espontânea.
METODOLOGIA
De cunho quantitativo, a presente pesquisa baseou-se em dados coletados no site
do Projeto Norma Lingüística Urbana Culta - RJ. Foram selecionadas seis entrevistas
realizadas com pessoas do sexo feminino, de três faixas etárias. A primeira trata-se de
indivíduos do sexo feminino, entre 26 e 30 anos. A segunda, entre 40 e 49 anos e a terceira,
entre 60 e 61 anos. Em cada entrevista, foi analisado o uso do DEPOIS em contextos
variados, verificando em qual sentido ele aparece em cada uso ( Advérbio de tempo, Lugar
no espaço ou Conectivo Gramaticalizado).
Importante salientar que todas as entrevistas realizadas datam da década de 70 do
século passado (séc.XX).
ANÁLISES
Na análise feita do corpus, o item DEPOIS aparece nas três formas de mudança
metafórica ESPAÇO > TEMPO> TEXTO. Na Faixa Etária 1, por exemplo, tem-se trechos
como:
41
(1) tinha um galinheiro em épocas remotas houve um galinheiro depois os meus
irmãos acho que trucidaram as galinhas que acabou o galinheiro... a criação...
(2) Até que meu marido resolveu ver um, um, um anúncio de jornal e encontramos
este atual em circunstâncias maravilhosas pra nós. Uma semana depois
estava, estava comprado, tudo direitinho, três, dez dias depois nós estávamos
mudando.
(3) armário que você guarda a escova de dente... pasta de dente... né... tudo
guardadinho ali... depois tem um quarto que é... quarto quarto onde mora um
sobrinho dela... que mora com ela... não tem nada de muito especial não...
Observam-se nesses trechos duas funções que o DEPOIS pode exercer. Em (1) e
(2), como advérbio de tempo. Em (3), percebe-se que a entrevistada está descrevendo um
lugar, apresentando cada cômodo da casa em sequencia. O termo DEPOIS, dentro de tal
descrição, aparece como indicador de espaço. Em (4) temos o uso do DEPOIS em sua
forma gramaticalizada:
(4) Como é que eu vou botar mais uma criança num apartamento de dois quartos?
Meio complicado. E depois meu marido também estava com ... Nós estávamos
com uma série de dificuldades, aí resolvemos deixar pra lá.
Nesse trecho, observou-se o item DEPOIS indicando um marcador discursivo,
funcionando, portanto, como um conectivo entre as orações. Já na Faixa Etária 2,
observou-se muitos usos do termo DEPOIS em sua forma prototípica, em trechos como:
(4) E ele gosta, eu acho que já é mania, de chegar e ligar a televisão e depois do
almoço vê jornal, né, essa parte de jornal e tudo.
(5) Eu abri a boca, eu abri a boca que eu só fechei quando o barco parou e depois
de muito tempo, (risos) que foi uma coisa, eu tinha, eles riram à beça porque eu
disse, bom, eu tinha comprado uma peruca, eu disse: ah, vou com a peruca, não
vou arrumar cabelo não.
(7)Entrevistador: Hum.
Informante: Depois então eu ia chamar um, um bom jardineiro, pra fazer um bonito
jardim.
Em (5), (6) e (7), percebe-se que o elemento DEPOIS assume o seu papel de
advérbio temporal, marcando uma sequência narrativa. No trecho (9), a entrevistada,
para organizar o seu discurso, utilizou o termo em estudo na forma de gramaticalização,
como um conectivo, marcando um discurso.
(8) Por exemplo, há um filme que eu acho que é oito e meia aos sábados, um filme
de oito horas aí, uma hora boa de se ver mas a dublagem não é boa, a pessoa
perde as palavras e depois se, não liga pro filme mais, nem vai ver mais por
causa da dublagem.
42
Por fim, na Faixa Etária 3, as entrevistadas utilizaram o termo DEPOIS nas três formas.
Nos trechos a seguir, observa-se o referido item em sua forma temporal:
(9) E mesmo mais tarde depois da morte de meu avô, morei também com, junto
com minha avó, mas com outra tia ...
(10) Ainda há tempos existia um anúncio que dizia que mulher era inferior (inint.)
felizmente depois tiraram isso.
Já nos itens (11) e (12), o item DEPOIS se comporta de outras formas:
(11) Sem razão de ser. Depois também não tenho vida social. Nós vivemos muito
sós, nós dois, sabe como é ...
(12) Depois no primeiro quarto eu tenho as, a estante de livros, ma... uma mesinha
com máquina de escrever e uma vitrola grande, que é estéreo.
Nessas ocorrências, o DEPOIS indica um conectivo, em sua forma gramaticalizada,
como no trecho (11) e aparece marcando um lugar no espaço, como em (12).
A tabela abaixo explicita melhor como ocorreu o uso do termo DEPOIS em cada
Faixa Etária analisada:
DEPOIS Advérbio temporal Lugar no espaço Conectivo
gramaticalizado
Faixa 1 14 19 3
Faixa 2 15 0 1
Faixa 3 26 3 2
TOTAL 55 22 6
66,26 % 27,5% 7,22%
De acordo com a tabela acima, verifica-se que o uso do DEPOIS é mais recorrente
com o uso prototípico de advérbio temporal, com 66,26% de ocorrências, principalmente nos
discursos que correspondem a terceira faixa etária. Em segundo lugar, o termo aparece com
função de lugar no espaço em 27,5% das ocorrências, sendo mais freqüente em discursos
da primeira faixa etária. O termo na função de conectivo aparece em terceiro lugar, com
7,22% dos casos de ocorrência, mais usado na primeira faixa etária.
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que como havia postulado Martelotta (2003), no que se refere
ao aparecimento de novos significados atribuídos aos advérbios que não substituem
necessariamente os significados já existentes, também o termo DEPOIS continua atuando
como advérbio de tempo, mesmo que adquira outras significações.
43
Talvez, com o passar dos anos, haja substituição total de seu significado, mas isso é
viável para outras pesquisas, dentro do campo da Gramaticalização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARTELOTTA, M.E. A mudança lingüística. In: FURTADO DA CUNHA, M.A., OLIVEIRA,
M.R. MARTELOTTA, M.E. Linguística Funcional: tória e prática. Rio de Janeiro: DP&A,
2003. P57-71.
www.letras.ufrj.br/poslinguistica/mestrado_2007_pdfs/jaqueline_silva_goncalves.pdf,
acessado em 15/11/2010 às 18:23h.
http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/ acessado em 01/11/2010, às 18:00h.
SEÇÃO 6 – ESTRATÉGIAS DE NEGAÇÃO
UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA DAS ESTRATÉGIAS DE NEGAÇÃO
DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Josenildo Ferreira Teófilo da Silva Luciana Braga
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar as três estratégias de negação que
ocorrem no português brasileiro: pré-verbal canônica, dupla negativa e pós-verbal; a partir
de dois registros documentados no PORCUFORT (Português oral culto de Fortaleza). Para
tanto, refletiremos sobre os princípios de iconicidade, conforme postulados pelo funcionalista
Givón, além de refletirmos sobre a economia, conforme Zipf, tendo em vista a existência de
alguns conflitos entre esses dois postulados. Como suporte de pesquisa, utilizaremos,
sobretudo, as reflexões apresentadas por Maria Angélica Furtado da Cunha, em seu
trabalho intitulado O modelo das motivações competidoras no domínio funcional da
negação.
PALAVRAS-CHAVE: Negação, Iconicidade, Economia.
A ICONICIDADE E AS ESTRATÉGIAS DE NEGAÇÃO
Podemos observar que durante o processo de comunicação, o falante está
constantemente se confrontando com a necessidade de ser claro e ao mesmo tempo
econômico naquilo que informa, a fim de alcançar seu propósito comunicativo fazendo-se
compreendido com o mínimo de esforço.
Quando nos propomos a afirmar que o falante busca ser claro, portanto, mais
informativo, estamos dizendo que ele busca ser mais icônico, significando originalmente que
a língua é motivada, e não arbitrária, ou seja, há uma relação entre forma e conteúdo, pois
as formas são o que são a partir do sentido expressado por elas.
Sobre o princípio da iconicidade, Givón postula que ele se manifesta em relação à
quantidade de informação, ao grau de integração entre os constituintes da expressão e do
conteúdo e a partir da ordenação linear dos segmentos (FURTADO
DA CUNHA, 2001, p.5). Ou seja, as estruturas que possuem maior quantidade de
forma são mais complexas e, portanto, mais icônicas, como a dupla negativa.
45
As estruturas que estão integradas mentalmente continuam integradas
sintaticamente, epor fim, a ordenação linear se refere ao fato de que as informações mais
importantes tendem a vir em posição inicial na frase, por motivos de clareza, visto que esta
se refere exatamente a iconicidade.
Em relação às estratégias de negação, que são três, conforme Furtado da Cunha
(2001, p.7):
1. A negativa canônica pré-verbal não + SV;
2. A negativa dupla não + SV + não;
3. A negativa final SV + não.
Verificamos que a negativa canônica pré-verbal vai perdendo a sua iconicidade, por
causa da Lei do Menor Esforço, conforme foi postulada por Zipf, implicando que quanto mais
familiar é uma estrutura gramatical, tornando-se assim mais frequente dentro do sistema
linguístico, maior será a tendência em reduzi-la.
Tomando como exemplo: “Eu num quero aprender inglês” (D2-47-2/13). Podemos
perceber que o marcador negativo passa por um desgaste fonológico, em que o não tônico
enfraquece para num átono no discurso falado rápido, conforme foi observado também por
Furtado da Cunha (2001, p.18) em seu artigo.
Sendo assim, há a necessidade de um resgate do conteúdo semântico frasal, sendo
este resgate feito através da dupla negativa, uma nova estratégia de negação que está,
portanto, ainda em processo de gramaticalização.
Tal processo consiste em uma perspectiva que envolve uma mudança linguística no
sistema, mas sem haver a exclusão dos elementos gramaticais vigentes. Portanto, como
anteriormente foi observado, o marcador pós-verbal é acrescentado gerando uma dupla
negativa, visando à compreensão e a eficiência da enunciação, mas sem implicar em um
desaparecimento da negativa canônica, pois ambas as formas podem coexistir, “uma vez
que um elemento linguístico é capaz de adquirir e reter novos sentidos e usos sem perder
os antigos” (FURTADO DA CUNHA, 2001, p. 7).
Dessa forma, a terceira estratégia de negação, a pós-verbal, é resultado de uma
perda total da iconicidade em nome da economia, o que acaba resultando em uma
opacidade, cujo marcador pré-verbal desaparece, e surge a negativa pós-verbal.
METODOLOGIA
A metodologia adotada no presente trabalho consiste na análise de dois registros
documentados no arquivo PORCUFORT (Português oral culto de Fortaleza), organizado
pelo professor José Lemos Monteiro.
A pesquisa foi feita a partir da extração das ocorrências referentes às estratégias de
negação utilizadas em dois inquéritos, um D-2 e um DID. O primeiro apresenta um diálogo
46
informal entre dois falantes brasileiros, um deles, com 27 anos, filho de pais cearenses,
graduado em Letras, e o outro, com 64 anos, fortalezense, filho de pais fortalezenses,
graduado em Letras e Direito. O segundo apresenta um diálogo entre um informante e um
documentador, tal informante é do sexo masculino, possui 25 anos, é fortalezense, filho de
pais cearenses e graduado em Terapia Ocupacional.
Vale ressaltar, que não optamos por analisar inquéritos com informantes de sexos
distintos, por acreditarmos que o fenômeno discutido no presente artigo não varia conforme
o gênero do informante, mas conforme a faixa etária. Tendo em vista que as novas
estratégias de negação – a dupla negativa e a pós-verbal – estão em processo de
gramaticalização, portanto, sofrendo uma mudança linguística com o passar dos anos.
Dessa forma, o nosso objetivo ao salientar essa diferença no tocante
à faixa etária se refere à nossa hipótese de o falante mais jovem, por fazer maior uso do
registro coloquial, utilizar essas novas formas com mais frequência do que o falante com
mais idade.
E por fim, enfatizamos a nossa escolha pelo registro falado, justificado pelo fato de
as novas estratégias de negação ainda estarem em processo de gramaticalização e,
portanto, não serem recorrentes nos textos escritos. Furtado da Cunha (2001), por exemplo,
em sua pesquisa, já havia verificado que na modalidade escrita a única forma utilizada é a
negativa canônica pré-verbal, visto que as mudanças ocorrem primeiro na fala para depois
se manifestarem na escrita, conforme, o pressuposto funcionalista de que a língua sofre um
processo de transformação devido às pressões do uso.
DISTRIBUIÇÃO DOS TIPOS DE NEGATIVA ENFATIZANDO A FAIXA ETÁRIA
(CONFORME O REGISTRO D2-47).
não + SV não+SV+não SV + não
INFORMANTE 1 FAIXA ETÁRIA
I
12 (75%) 3 (18,75%) 1 (6,25%)
INFORMANTE 2 FAIXA ETÁRIA
III
27 (87,096%) 4 (12, 903%) 0
Tendo por base os dados expostos na tabela acima, podemos observar a grande
ocorrência de negativas pré-verbais utilizadas por ambos os informantes do inquérito. Este
fato se deve, primariamente, pela modalidade textual, que no caso em análise consiste na
modalidade oral e informal, tendo em vista que se trata de um diálogo corriqueiro entre dois
falantes em uma situação comum do dia-a-dia.
47
Vale salientar que o falante de maior faixa etária teve um frequente uso desta
manifestação em comparação ao falante mais jovem. Isso parece que está relacionado com
o uso mais clássico e, portanto, mais antigo no sistema, sendo mais utilizado por pessoas
de maior idade. Contudo, foi observado durante nossa análise que muitas vezes a negativa
pré-verbal se expressa por meio de sua forma átona num. Isso está principalmente
relacionado com a perda de iconicidade, como já foi salientado.
Outro acontecimento, porém, não esperado está associado às ocorrências da dupla
negação. Inicialmente, esperávamos que o falante mais jovem, por estar em um maior
contato com as novas formas linguísticas existentes na língua, deveria utilizá-las com maior
frequência. O que observamos foi uma aproximação muito acentuada em termos
percentuais do uso da dupla negação pelos dois falantes. E em termos numéricos o falante
mais velho acaba utilizando mais essa modalidade do que o mais novo.
Tendo em vista o processo de gramaticalização que vem ocorrendo com algumas
formas linguísticas no sistema, devido a varias pressões de uso que surgem dia após dia,
observamos a convivência das três estratégias de negação definidas por Furtado da Cunha
(2001), conforme já foi destacado.
Além disso, observamos através da tabela acima que a negativa pós-verbal ocorreu
em apenas um caso por meio do falante mais jovem. Ressaltando ser esta, dentre as três, a
mais recente na escala de gramaticalização. (cf. Jespersen 1962, Croft 1991 e Dahl 1979
sobre o ciclo da negação nas línguas).
Talvez, isso ocorra por causa da difícil assimilação do ponto de vista cognitivo, pois a
sequência enunciativa se desenvolve num ritmo de afirmação quando é interrompida pelo
não final. A nosso ver, essa é a razão do pouco uso dessa manifestação que ainda passa
por um processo de integração ao sistema.
DISTRIBUIÇÃO DAS NEGATIVAS ENFATIZANDO O TIPO DE REGISTRO
Já havíamos afirmado anteriormente que optamos pela modalidade oral pelo fato de
as novas estratégias de negação ainda estarem em processo de gramaticalização. Por esse
motivo também, selecionamos dois registros distintos, um apresentando um diálogo
coloquial entre dois conhecidos e outro apresentando uma entrevista entre um homem e um
documentador, pois acreditávamos que como se tratava de um registro oral, identificaríamos
as estratégias de negação da mesma forma como foi apresentada na seção anterior através
dos dois informantes.
No entanto, percebemos que por se tratar de uma entrevista e, portanto, aumentar o
grau de formalidade, o informante, apesar de ser jovem, com apenas 25 anos, não
apresentou nenhuma manifestação das novas estratégias de negação, pois, foram
coletadas 98 ocorrências em que o informante utilizava a negação, mas todas se tratavam
48
da forma canônica pré-verbal, e ainda por cima sem demonstrarem a perda da iconicidade
que só foi verificada em duas ocorrências transcritas abaixo:
a) “num en/ num encontra de jeito nenhum quando encontra custa os olhos da
cara...” (DID.21.1/14).
b) “eu num /tô querendo dizer... que todo sinistro é superdotado ((fala rindo))
certo?” (DID.21.1/26).
Sendo assim, ao compararmos os dois falantes de mesma faixa etária, o falante I do
registro D2 e o falante do registro DID, verificamos que não só a faixa etária influencia na
utilização das novas estratégias de negação, mas também o grau de formalidade e
intimidade entre os falantes. Pois, em situações que exigem um maior polimento no
discurso, o falante tende a imitar a escrita, dando preferência ao emprego normativo das
estruturas gramaticais, por esse motivo o falante DID só fez uso da negativa canônica pré-
verbal, por causa do contexto situacional, enquanto que o falante I fez uso das três
estratégias de negação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da presente pesquisa tivemos a oportunidade de perceber como os conflitos
entre iconicidade e economia se manifestam no discurso oral por meio das estratégias de
negação, em que a dupla negativa representa a forma mais icônica, mais clara, mais
informativa, enquanto que a pós-verbal representa a forma mais econômica.
Vimos que em um discurso formal, ainda que oral, a negativa canônica pré-verbal
continua possuindo uma força predominante, mesmo se tratando de um falante jovem, pois
ele é pressionado a adequar a sua linguagem ao contexto situacional.
Sabemos que tais conclusões são bastante elementares, tendo em vista o nosso
pouco conhecimento sobre o assunto, mas acreditamos que elas são de suma importância
para estimularem estudos futuros sobre as estruturas que se encontram em processo de
gramaticalização e mostram efetivamente que a gramática de uma língua é dinâmica,
incompleta e sujeita, portanto, a modificações e adequações conforme as necessidades dos
falantes.
REFERÊNCIAS
FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica. O Modelo das Motivações Competidoras no Domínio Funcional da Negação. D.E.L.T.A. 2001, p.1-30. MONTEIRO, José Lemos (org). O português oral culto de Fortaleza – PORCUFORT. Registro D2-47 e DID 21.
SEÇÃO 7 – PROSÓDIA
ANÁLISE DO PB ORAL CULTO COM BASE NA OBSERVÂNCIA DA
ORGANIZAÇÃO DOS FLUXOS INFORMACIONAIS
Jefferson Cândido Nunes
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Prosódia se configura no estudo do ritmo, entonação e demais atributos relacionados
à fala e, por conseguinte, tem a capacidade de descrever propriedades acústicas de uma
língua, que não são evidentes na escrita. Desta feita, tal abordagem pode ser realizada
tanto a nível segmental, quanto em unidades mais complexas, como a sílaba, a palavra
prosódica e o enunciado, todas constituindo padrões característicos da língua.
Segundo Raso, Mello, Jesus & de Deus (2007, p. 149), quando se fala de enunciado,
tem-se, como contraparte, o chamado ato de fala, correspondência essa que, através de
parâmetros entoacionais, possibilita a divisão do discurso em unidades mínimas: os
enunciados. Estes, por sua vez, podem ser simples ou complexos, executados em uma
única unidade tonal ou em mais de uma, respectivamente. Para cada unidade tonal há uma
unidade informacional. Desta forma, se dá a organização dos chamados fluxos
informacionais.
Com base no que foi discutido até agora, o presente trabalho busca identificar os
diferentes tipos de enunciados complexos de um determinado discurso oral em português
brasileiro – doravante PB – culto, através da observância da organização dos fluxos
informacionais. Destarte, objetiva-se, por meio de um estudo de caso desse discurso,
analisar tais enunciados, a fim de caracterizá-lo quanto às variáveis inerentes à
administração das informações – propostas por Nasser (2009) – que nele estão presente.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Faz-se imprescindível, para a categorização das ocorrências, o trabalho de Nasser
(2009), que divide os tipos de enunciados prosódicos com base em quatro funções: tópico-
comentário, identificacional, de reporte de evento e apresentacional; cada uma
correlacionada a estatutos informacionais do SN: novo, inferível ou velho. Tais
categorias e estatutos serão elucidados posteriormente. Haverá, então, a identificação dos
tipos de cada uma das duas variáveis supracitadas em cada enunciado encontrado.
50
As transcrições das ocorrências foram baseadas nas convenções utilizadas por
Raso, Mello, Jesus & de Deus (2007), a saber:
// Quebra prosódica terminal
/ Quebra prosódica não-terminal decorrente de uma rápida pausa3
? Quebra prosódica terminal
[/] Quebra prosódica não-terminal causada por um falso começo
hhh Elementos paralinguísticos (riso, choro, etc)
METODOLOGIA
A fim de satisfazer o objetivo em questão, foi escolhido um discurso oral do PB,
retirado do site do VARPORT, Projeto Análise Contrastiva de Variedades do Português, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disponibilizado no ambiente virtual pelo link:
http://www.letras.ufrj.br/varport/.
O corpus foi definido com base nos seguintes fatores: português oral da década de
90, com variante lingüística culta e informante de sexo masculino de terceira idade (mais
precisamente 61 anos). O discurso 4 resultou de um diálogo entre o informante e o
documentador e seu texto consiste em um total de 721 palavras.
Por meio da amostragem, foram coletadas as frases completas – enunciados
complexos – para serem analisadas. Procedemos, então, à organização de tais frases em
uma lista, na qual foram categorizadas ocorrências com base nas duas variáveis – estatuto
informacional do SN e função do enunciado prosódico – apresentadas por Nasser (2009).5
Através dessa disposição dos dados, desenvolvemos gráficos de pizza para medir
estatisticamente a frequência dos tipos de cada variável presente no corpus. E, para fins de
análise, foram construídas tabelas que exploram tais tipos, individualmente.
Portanto, o presente trabalho se fez por meio de abordagens quantitativa e
qualitativa.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Passemos, pois, à exploração de cada tipo dessas duas variáveis.
3 Adição nossa.
4 Vale salientar que o único discurso analisado foi o do informante. Assim, não fez parte do estudo o discurso do
documentador. 5 Como se tratavam de enunciados complexos, houve a identificação do tipo de cada uma das duas variáveis
mais evidente em cada um.
51
1. ESTATUTOS INFORMACIONAIS DO SN
Encontramos, no discurso estudado, todos os tipos de estatutos informacionais do
SN, no que exemplificaremos cada um destes a partir das ocorrências evidenciadas em
nossa análise.
a) Informação nova
Ocorrência Referência
Não, eu sempre... [/] o meu sonho / na realidade // era ser
advogado //
Oc-B-9C-3m-0026, l.7
4
Neste exemplo, o informante está começando seu discurso, introduzindo
informações novas sobre sua vida. Evidentemente, o documentador não tinha o
conhecimento do que estava sendo dito.
Esse tipo de estatuto informacional é frequente em todo o discurso e tem o maior
nível de ocorrência. Mais precisamente, aparece 27 vezes.
b) Informação inferível
Ocorrência Referência
Aonde, / na Antártica? Oc-B-9C-3m-002, l. 2
Aqui, tem-se uma informação inferível pelo comentário do documentador: “Mas aí
quando você foi pra lá, você não foi mais assim pensando em vocação... em alguma coisa
que você tivesse vontade de fazer, se foi por que...” (Oc-B-9C-3m-002, l. 1). Como eles
estavam falando de estudo, o informante inferiu que o lugar aonde ele foi sem a
preocupação com sua vocação ou com algo que ele tivesse vontade de fazer seria a
empresa onde ele trabalhou: Antártica.
A informação inferível só ocorre essa única vez.
c) Informação velha
Ocorrência Referência
Se preparou lá pra fazer o seu vestibular, / não é isso? hhh // Oc-B-9C-3m-002, l. 9
Desta vez, o informante compartilha da mesma informação que a do documentador.
Na verdade, trata-se de um fato da vida do próprio documentador, o que nos leva a afirmar
que este é quem compartilhou a informação com aquele, digamos assim.
Temos somente 4 ocorrências com esse tipo de estatuto de informação.
6 Código no VARPORTE.
7 Linha no corpus do VARPORTE.
52
Fizemos um gráfico de pizza, para uma melhor visualização das ocorrências
pertinentes aos tipos de estatutos informacionais do SN presentes nos corpora:
Gráfico 1 – Estatuto informacional do SN
2. FUNÇÕES DE ENUNCIADOS PROSÓDICOS
Igualmente aos estatutos informais do SN, encontramos, no discurso coletado, todas
as funções de enunciados prosódicos. Porém, convém elucidarmos em que se configuram
cada uma.
Segundo Nasser (2009), a administração do fluxo informacional é fundamentada
basicamente em quatro funções: (1) tópico-comentário – com foco no predicado –, (2)
identificacional – com foco no argumento –, (3) de reporte de evento e (4) a apresentacional.
As duas últimas com foco em toda a sentença.
A função tópico-comentário estabelece uma relação de “ser sobre” entre um
referente e uma proposição, ou seja, predica uma propriedade de um determinado tópico,
pré-estabelecido no discurso.
Quando se trata da função identificacional, temos o foco em uma informação nova:
um argumento. Estabelece-se, assim, uma relação entre esta e uma proposição
previamente evocada. Em outras palavras, identifica-se o argumento que falta em uma
proposição aberta pressuposta.
Já nas funções de reporte de evento e apresentacional, há um traço de novidade que
está presente ao longo de toda a sentença. No entanto, esta focaliza o referente do
discurso, ao passo que aquela o faz em relação a um evento deste.
Vamos, então, à exemplificação de cada um dos tipos discutidos acima, com suas
ocorrências no discurso estudado.
Mostraremos, ainda, a média de suas freqüências, em mais um gráfico de pizza.
53
a) Função identificacional
Ocorrência Referência
Aonde, / na Antártica? Oc-B-9C-3m-002, l. 2
Este enunciado, como foi visto anteriormente, foi motivado pelo comentário: “Mas aí
quando você foi pra lá, você não foi mais assim pensando em vocação... em alguma coisa
que você tivesse vontade de fazer, se foi por que...” (Oc-B-9C-3m-002, l. 1), feito pelo
documentador. Desta feita, o informante quis identificar um argumento específico e faltoso
no enunciado anterior. Para estabelecer essa conexão, inferencialmente, ele pergunta se o
“lá”, ao qual o documentador se refere, é a empresa Antártica, ou seja, identifica um
argumento faltoso no discurso.
Essa função de enunciado prosódico, bem como a informação inferencial, só ocorreu
uma vez.
b) Função tópico-comentário
Ocorrência Referência
Era um funil, / o vestibular era um funil infernal. // Oc-B-9C-3m-002, ll. 6 e 7
Ao falar do ensino público de sua época, o informante afirma o quão difícil era passar
no vestibular que, em suas próprias palavras, era “um funil infernal”. Com isso, ele estava
predicando o referente “ensino público”.
Tal função é a mais frequente em seu discurso, atingindo um número de 21
ocorrências, entre 32.
c) Função apresentacional
Ocorrência Referência
Na época, não existia múltipla escolha ainda // e nem vestibular
unificado, / não existia a CESGRANRIO, / nada disso. //
Oc-B-9C-3m-002, l.
7
Logo após o enunciado exposto no item “b”, tem-se o que se vê logo acima. Aqui, o
informante está introduzindo entidades, ou referentes, no discurso. Todos, por conseguinte,
são novos neste.
A função apresentacional é de baixa freqüência nos corpora, identificada apenas 4
vezes.
54
d) Função de reporte de evento
Ocorrência Referência
Então, eu comecei a me preparar pra fazer o vestibular // de
Direito, // me matriculei num cursinho. //
Oc-B-9C-3m-002, l.
8
O enunciado escolhido trata, como o próprio nome de sua função indica, do reporte
de um evento. Tem-se a descrição, por parte do informante, de ações que ele realizou: se
preparou para o vestibular e se matriculou em um cursinho.
Vejamos o gráfico referente à média de ocorrências das funções de enunciados
prosódicos, encontrados no discurso estudado:
Gráfico 2 – Funções de enunciados prosódicos
CRUZAMENTO DE DADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segue, logo abaixo, o último gráfico desta pesquisa, no qual é mostrado o
cruzamento das médias de ocorrência das duas variáveis investigadas através do discurso
estudado. Objetivamos, assim, dar uma perspectiva ilustrada mais abrangente do estudo de
caso por nós proposto.
55
Gráfico 3 – Cruzamento das ocorrências: informações x funções de enunciados
A produção de enunciados longos provém do fato de o informante estar participando
de uma entrevista. Sendo assim, seu discurso se manifesta com um caráter narrativo e
argumentativo e, consequentemente, há uma grande maioria de informações novas, sendo
as informações velhas apresentadas, conseqüência de alguns fatos cujo conhecimento é
comum aos dois sujeitos do diálogo. O único caso de informação inferencial só se manifesta
devido ao fenômeno discutido em “1b”, em que o informante resgata o referente não
mencionado pelo documentador.
Quanto às funções dos enunciados prosódicos presentes no corpus utilizado, temos
situação semelhante. A função tópico-comentário é prototipicamente de grande recorrência
em narrativas do tipo, pois, para relatar algo sobre determinada temática se faz
imprescindível a atribuição de predicados a um determinado referente. Desta feita, tem-se a
maioria de ocorrências relacionada a tal função. É bem característico também o reporte de
eventos, pois em discursos como esse há uma sucessão de ações que ocorrem para dar
continuidade aos fatos. Assim, encontrou-se um terço do número de ocorrências dessa
função, em relação à anterior. A função apresentacional, que introduz novas entidades ao
discurso, se mostrou pouco frequente, pelo simples fato do tópico – estudos superiores –
não ter mudado, havendo, pois, somente algumas variações deste: faculdades de Direito,
facilidades no vestibular e primórdios dos cursinhos. E finalmente, pelo mesmo fenômeno
que gerou uma informação inferencial, temos somente uma única função identificacional.
56
REFERÊNCIAS
________________. Corpus oral espontâneo – VARPORT - Projeto Análise Contrastiva de Variedades do Português. UFRJ. Disponível em: <http://www.letras.ufrj.br/varport/br-oral/oc-b-9c-3m-002.html.> Acesso em 29/10/10, às 21:33. NASSER, Juliana Antunes. A estrutura da informação no português brasileiro: um estudo em narrativas orais. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8139/tde-06112009-164642/publico/JULIANA_ANTUNES_NASSER.pdf > Acesso em 30/10/10, às 02:02. RASO, Tommaso; MELLO, Heliana; JESUS, Andréa Ulisses; DE DEUS, Luciano Alves. Uma aplicação da teoria da língua em ato ao português do Brasil. Revista de estudos da linguagem. v. 15, n. 2, p. 147-166, 2007. Disponível em: <http://relin.letras.ufmg.br/revista/upload/07-Tommaso.pdf.> Acesso em 06/11/2010, às 16:01.
UNIDADES TONAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E EUROPEU:
PADRÕES ENTOACIONAIS E FUNÇÕES
Thiago Ribeiro Mendes
RESUMO
Este presente artigo inclui-se dentro do campo dos estudos fonológicos do
português. Com objetivo principal deste trabalho apontamos à análise dos aspectos
prosódicos no processo de comunicação, levando-se em conta as unidades tonais dentro da
estrutura informacional bem como as suas funções. Dentro deste artigo é feita uma
comparação entre o português culto do Brasil e do português culto de Portugal focando os
aspectos prosódicos e funcionais das unidades tonais.
PALAVRAS-CHAVE: Estrutura da informação, aspectos prosódicos, unidades tonais,
funções.
INTRODUÇÃO
No processo de comunicação entre dois falantes, observamos que a ordem
assumida pelas palavras tende a obedecer a certos padrões pré-estabelecidos que atestem
o percurso mental feito por tais indivíduos. Tal processo pode ser chamado de estruturação
da informação, no qual o objetivo é chamar atenção para a idéia a ser transmitida pelos
indivíduos envolvidos no processo de comunicação. Segundo Nasser (2009) “a estruturação
da informação comanda no enunciado, por meio de normas e convenções nos tratos sociais,
a relação entre as suposições do falante sobre o estado de conhecimento e a consciência
do ouvinte formal de uma sentença”.
É digno de nota, que a estrutura informacional pode ser dividida em unidades
menores reconhecidas por pausas que podem ter duas motivações: uma de caráter físico,
onde há uma necessidade natural do falante de pausar para o ato de respirar; e outra de
caráter funcional, ou seja, a transmissão de uma informação relevante. Tais unidades
podem ser definidas, segundo a Teoria da Língua em Ato (CRESTI 2000), como unidades
tonais, ou seja, segmentações do enunciado que trazem internamente uma unidade
informacional. Raso (2000) descreve o reconhecimento dessas unidades tonais pelas
interrupções prosódicas que podem ser terminais e não terminais. Mais a frente explicará
melhor, tais interrupções.
58
As unidades tonais são os objetos de estudo do presente artigo. Devido ao tempo e
as condições limitadas envolvidos, não é objetivo deste trabalho fazer uma consideração
aprofundada dessas unidades tonais, mas apenas estabelecer uma discussão funcionalista
sobre essas unidades, bem como as suas funções no Português culto do Brasil bem como
no Português culto de Portugal. Alisaremos dentro das unidades tonais aspectos
prosódicos8 de entoação, ou seja, alta proeminência tônica e baixa proeminência tônica, de
forma perceptiva e qualitativa. Observaremos também como cada unidade tonal pode
constar de diferentes tipos de funções. Serão levados em consideração para este artigo os
seguintes tipos de funções: tópico e comentário, identificacional, reporte de evento e
apresentacional. O que cada uma dessas funções representa será apresentado mais a
frente.
UNIDADES TONAIS: INTERRUPÇÕES PROSÓDICAS TERMINAIS E NÃO TERMINAIS
A quebra dos enunciados em unidades tonais foi apresentada na Teoria da Língua
em Ato (CRESTI, 2000). De acordo com esta teoria os enunciados são entendidos devido às
quebras prosódicas que podem ser terminais e não terminais. Tais quebras ou interrupções
são entendidas por falantes e ouvintes, principalmente, pelos padrões entoacionais. A
entoação pode ser descrita como uma melodia dentro da fala. É por intermédio da entoação
que se observam as fronteiras das sentenças e das orações. A entoação pode ser também
um marcador de contraste entre estruturas gramaticais como perguntas e afirmações.
Algumas línguas naturais fazem uso desses recursos entoacionais ou melódicos
como fator distintivo na compreensão da informação ou como fator importante para se
desfazer mal entendidos. Cavaliere (2005) citando o exemplo do cantonês diz:
Em certas línguas a variação tonal tem efetivo valor distintivo. A seqüência [si] no
cantonês, por exemplo, não só chega a ter seis significados distintos em face da
simples mudança tonal, como também pode mudar de classe gramatical devido ao
mesmo fato. (Cavaliere, 2005, p 44)
A entoação também estar relacionada a uma seleção de palavras que são
pronunciadas de forma mais forte ou mais fraca pelo falante que visa primariamente
transmitir uma idéia pela qual ele deseja chamar mais atenção para o entendimento de seu
ouvinte. Interessante que uma mesma frase dita com diferentes picos de entoação, pitch,
podem acarreta diferentes significados. Em algumas línguas como o inglês tais padrões de
entoação são mais comuns. Vejamos nos exemplos a seguir:
1- I love you.
8 Para Crystal (1969) Aspectos prosódicos se caracterizam como todas as categorias supra-segmentais que
incluem acento, tom, ritmo e velocidade de fala.
59
2-I LOVE you.
3-I love YOU.
Quando o falante de língua inglesa enfatiza o pronome I (1), estará dando a
entender que somente ele, e ninguém mais, ama o ouvinte. No que diz respeito ao exemplo
(2), a pronuncia enfatizada do verbo LOVE significará a revelação de seus sentimentos para
uma pessoa que não sabia desses sentimentos. Finalmente, com o pronome objeto YOU no
exemplo (3) sendo pronunciado de forma enfática, dará a entender que o amor do falante é
de propriedade do ouvinte. Portanto, padrões de entoação como estes estão intimamente
ligados com a significação da informação.
Um enunciado simples, ou seja, com apenas uma unidade tonal, é visto como
cumprido, quando a percepção desse enunciado é visto com um contorno entonacional de
valor terminal. Em contra partida, quando lidamos com enunciados complexos,com mais de
uma unidade tonal, a Teoria do Ato de Fala adota a posição de o que o interlocutor percebe
os limites que separam as unidades tonais internas ao enunciado devido, principalmente, ao
fato de haver uma percepção de um perfil entoacioanal não-terminal (RASO 2000).
Para o entendimento de padrões terminais e não terminais iremos observar como
cada um pode ser definido na prática com exemplos. Tomemos como exemplificação o
enunciado: Carla voltou ontem. Dependendo dos perfis prosódicos, esse mesmo enunciado
pode ser executado com padrões diferentes:
1-A: Você sabe quando Carla voltou?
B: Carla voltou na ÚLTIMA SEGUNDA. //9
No exemplo 1, o enunciado é produzido com uma única unidade tonal terminal, ou
seja, sem quebras prosódicas, e por sua vez, com apenas uma única unidade informacional.
Um enunciado simples. Porém, no exemplo 2 a seguir:
2-D: Quem voltou na ultima segunda?
C: CARLA / voltou na ultima segunda?//
Observamos nesse exemplo que duas unidades tonais foram usadas, isto é, houve
uma quebra dentro do enunciado, por isso duas unidades informacionais foram expressas. A
entoação na primeira unidade tonal CARLA tem a função básica de especificar uma
informação não conhecida pelo interlocutor. Tal proeminência teria um papel focalizador de
informação. Temos então um enunciado complexo.
A simples diferença entre esses dois enunciados está contido apenas na forma
como certas palavras são pronunciadas com padrões melódicos diferentes e pelas quebras
prosódicas de valor terminal (ex. 1) e de valor não-terminal (ex. 2), atestando mais uma vez
9 Como o aspecto prosódico fora representado neste artigo basta ler a metodologia.
60
a importância dos aspectos prosódicos como essenciais na transmissão de informação
relevante ou o foco do enunciado.
O foco na visão de Janckendoff (1972) vem sido designado como a descrição de
proeminências prosódicas de pronuncia com funções semânticas ou pragmáticas. O foco
poderia então ser uma partícula que possibilita reconhecer algo que seja importante para o
ato de comunicação que geralmente é informação nova. BARBOSA (2000) também
concorda que o foco possa ser um traço fonológico que tem como objetivo principal fazer um
contraste com o restante do que foi dito dentro da frase usada no ato de comunicação.
Diferenciamos, portanto, noção de tópico e foco. O tópico será referido neste artigo como
informação velha e o foco serão referidos como informação nova. O exemplo 1
anteriormente citado demonstra claramente o que dissemos. O tópico, ou informação velha,
pode ser apontado com o sujeito da oração no exemplo 1, CARLA, informação que os dois
interlocutores têm em comum. Porém, a informação nova seria a segunda parte do
enunciado, ÚLTIMA SEGUNDA, a informação nova ou foco do enunciado, que não é
compartilhada pelo interlocutor A.
A unidade tonal traz consigo uma relação entre proeminências e unidades de
informações. Tais unidades tonais bem como suas respectivas significações serão
entendidas pelos participantes no ato da comunicação. O objetivo deste artigo é observa
como o Português do Brasil bem como o Português de Portugal fazem uso destes padrões
melódicos ou entoacionais, e, por sua vez, observar a relação deles com as funções da
estrutura da informação.
FUNÇÕES DA ESTRUTURA DA INFORMAÇÃO
No trabalho de Lambrecht (1994) é apontado que o fluxo informacional está
alicerçado em três funções essenciais: Tópico-comentário, identificacional, reporte de
evento e apresentacional. Quando falamos de tópico-comentário dizemos que a sua função
é predicar algo sobre um dado tópico. Tomemos como exemplo a seguinte situação:
A: Onde está Maria?
B: Maria foi EMBORA.
Observamos que a resposta do interlocutor B trata-se de um enunciado simples que
tem como objetivo primário reportar algo sobre um objeto ou pessoa que já é de
conhecimento de ambos participantes. Nasser (2000) aponta que esse tipo de função é
mais comum no português pela sua simplicidade.
Outra função muito comum no português é a com foco em toda a sentença, que
segundo Nasser (2000) traz atrelada a si a idéia básica de algo novo. Esse tipo de função
pode ser dividido em duas funções: apresentacional e a de reportar um evento. A
apresentacional pode ficar exemplificada da seguinte forma:
61
A: O que aconteceu?
B: A MARIA caiu no saguão.
Nesse tipo de oração, o referente é mencionado como um sintagma nominal que
não é tópico pelo simples fato de não ter sido mencionado anteriormente.
A função de reportar um evento pode ser descrita como um tipo de sentença que
demonstra certa independência do contexto, já que, como afirma Nasser (2000), pode ser
enunciado a partir do nada. A função de reportar pode ficar exemplificada como se segue:
Era uma vez uma menina chamada Maria.
Finalmente, a função identificacional, tem como função primaria identificar o
argumento faltante em uma proposição ou expressão de pensamento. Como exemplificado
a seguir:
a- Quem foi embora?
b- MARIA.
Para a identificação dos tipos de funções será essencial também levar em
consideração o estatuto informacional do sintagma nominal, o que queremos dizer é se o
sintagma tem status de informação nova, inferível e, finalmente, velho.
METODOLOGIA
Como dito anteriormente esse trabalho trata-se de uma análise de percepção, de
caráter qualitativo e de caso. Queremos dizer com isso que os resultados apresentados
neste artigo podem não se tratar de uma verdade absoluta dentro da língua.
Definidos os aspectos a serem percebidos neste artigo agimos da seguinte forma:
primeiramente foram escolhidos dois informantes nativos, falantes de língua portuguesa do
sexo masculino, na faixa etária de trinta anos de idade. Um sendo brasileiro, da região do
Rio de Janeiro e o outro de Portugal, da região de Lisboa. O corpus trata-se de duas
gravações e transcrições disponibilizadas na internet por intermédio do VARPORT com
duração máxima de seis minutos cada, com temas variados, onde os falantes expressam-se
livremente sobre temas propostos.
Em seguida, as gravações foram ouvidas inúmeras vezes. Primeiro, com o intuito
de separar os enunciados em unidades tonais. A seguir foram observados os aspectos
prosódicos recorrentes. Foi levantado um corpus de quarenta sentenças, aonde sendo vinte
do português do Brasil (PB) e vinte do Português de Portugal (PP). Destes enunciados
tentamos reconhecer os aspectos prosódicos mais recorrentes, que ficaram representados
seguindo alguns modelos estabelecidos por Raso e NASSER:
1) Alta proeminência tônica será representada com letras maiúsculas e em
negrito.
2) Baixa proeminência tônica será representada com letras minúsculas e em
itálico.
62
3) Quebra prosódico terminal será representado com dupla barra //.
4) Quebra prosódica não-terminal será representado pó barra simples /.
Em seguida tentamos organizar os exemplos e categorizá-los de acordo com
estatuto informacional do sintagma nominal, com os tipos de enunciados e com as suas
respectivas funções.
RESULTADOS: PORTUGUÊS DO BRASIL
No informante brasileiro foi percebido um maior uso de enunciados com contorno
entoacional de valor terminal. Portanto, os enunciados são mais simples, isto é, são
pronunciados com uma única unidade tonal, sem quebras prosódicas e realizados com uma
única força ilicucionária. Tal fator pode ser exemplificado como se segue:
(1) A gente jogava de bola o ano INTEIRO. //
(2) Eu freqüentava os clubes todos os FINS DE SEMANA. //
Como podemos observar, os exemplos acima citados trazem um referente que já
foi previamente estabelecido dentro do contexto, sendo então considerado tópico ou
informação velha, por já ser de conhecimento dos interlocutores. Sendo assim, foi
observado que não foi dado nenhum tipo de entoação mais proeminente ao tópico em
comparação com o resto do enunciado. Contudo, a informação nova, foco, foi declarada
com um valor ascendente ou de alta proeminência tônica, que visa primariamente fazer um
contraste com o restante do enunciado já que contem a informação mais relevante no ato de
comunicação.
É importante também enfatizar que foi observada a estreita relação dos enunciados
de valor terminal e a função tópico-comentário. Como dito anteriormente, a função tópico-
comentário tem a função de predicar algo sobre o tópico.
1- A gente Jogava bola o ano INTEIRO. //
2- Eu
Freqüentava os clubes todos os FINS DE
SEMANA. //
Tópico
Foco (informação nova)
Uso de alta proeminência tônica
Tópico
Comentário (Predicação do tópico ou
sujeito)
Em relação aos enunciados de valor não-terminal, podemos dizer que foram
usados em número menor pelo falante de PB. Porém, quando usados, demonstram ser bem
complexos, compostos de diferentes unidades tonais. Como ilustrado nos exemplos a
seguir:
63
(3) A gente tinha período ESPECÍFICO de soltar pipa / que em geral eram as férias
de MEIO de ano e / de FINAL de ano. //
(4) As crianças de classe se divertem mais com Vídeo Games / coisas desse TIPO
/ do que jogando FUTEBOL. //
No que diz respeito aos padrões de entoação usados nos enunciados de valor não-
terminal foram constatados a preferência por Alta proeminência tônica, para cada
informação nova que o falante desejava chamar atenção. Porém, no exemplo 3 foi
percebido um caso de baixa proeminência tônica, mas diferente da proeminência alta não se
trata de uma informação nova, já que foi citada previamente no contexto do dialogo.
Contudo essa baixa proeminência transmite a sensação de que uma outra informação ainda
vai ser proferida pelo interlocutor. Outro fator interessante sobre a baixa proeminência foi o
fato de certas palavras serem pronunciadas com essa característica antes de marcadores
discursivos que, por sua vez, sempre são pronunciados com alta proeminência nos
exemplos coletados. Mas diferentemente do exemplo 3, as palavras pronunciadas com
baixa proeminência nos exemplos que se seguem trazem a característica de informação
nova dentro do enunciado, quando se leva em consideração o contexto em que aparecem.
(5) Antigamente a princípio é tempo mítico, NÉ?//
(6) Antigamente as opções de brincadeira em geral não eram muitas, NÉ?//
Alta proeminência tônica Usada na enfatização de informações
novas.
Baixa proeminência tônica Usada em enunciados não finalizados.
Usada na enfatização de informações
novas
Outros tipos de funções da estrutura da informação também foram encontrados.
Entre eles podemos citar a de tipo apresentacional, cujo referente não é um tópico pelo
simples fato de não ter sido mencionado anteriormente dentro do contexto.
(7) MINHA FILHA tem opções hoje de lazer/ que eu NÃO tinha na MINHA ÉPOCA.
//
No exemplo acima citado, o sintagma nominal MINHA FILHA não pode ser
considerado tópico do enunciado, pois não foi citado anteriormente no contexto
apresentado, é, portanto, uma informação nova. Curiosamente o falante pronuncia esse
novo elemento com alta proeminência tônica, confirmando assim mais uma vez a relação
alta proeminência-informação nova.
64
MINHA FILHA Tem opções hoje de lazer/ que eu NÃO
tinha na MINHA ÉPOCA. //
Novo referente Predicação sobre o novo referente
Alta proeminência tônica
Informação nova
Quanto à função de reportar um evento podemos dizer que foi encontrado apenas
um enunciado com esse tipo de função, que pode ser descrito como construções autônomas
do contexto e poderiam ser enunciadas a partir do nada. Como característica da função de
reportar um evento pode ser dito que o sintagma nominal é posposto ao verbo. Foi
observada no exemplo identificado uma alta proeminência tônica no sintagma nominal.
(8) Faltou falar da JUVENTUDE. //
Não fora encontrados no informante brasileiro nenhum exemplo de enunciado com
função identificacional.
RESULTADOS: PORTUGUÊS DE PORTUGAL
No informante brasileiro foi percebido um maior uso de enunciados com contorno
entoacional de valor terminal. Portanto, os enunciados são mais simples, isto é, são
pronunciados com uma única unidade tonal, sem quebras prosódicas e realizados com uma
única força ilocucionária. Tal fator pode ser exemplificado como se segue:
(1) Nós tivemos um bolseiro AMERICANO. //
(2) A Universidade de Assores tem departamento que são os MELHORES. //
Como podemos atestar, os exemplos trazem, quando levado o contexto em
consideração, um referente já estabelecido, sendo, portanto, informação velha ou tópico.
Somente as informações novas e foco receberam maior ênfase por intermédio de alta
proeminência tônica, fazendo assim um contraste com o resto do enunciado.
É importante também enfatizar que assim como foi observada a estreita relação dos
enunciados de valor terminal e a função tópico-comentário no português brasileiro, o mesmo
pode ser dito do português de Portugal. Como dito anteriormente, a função tópico-
comentário tem a função de predicar algo sobre o tópico.
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1- nós
Tivemos um bolseiro AMERICANO. //
2- A Universidade de Assores
Tem departamentos que são os
MELHORES. //
Tópico
Foco (informação nova)
Uso de alta proeminência tônica
Tópico Comentário (Predicação do tópico ou
sujeito)
Em relação aos enunciados de valor não-terminal, podemos dizer que foram
também pouco usados pelo falante do português de Portugal. Observamos uso de
enunciados bem complexos, compostos de diferentes unidades tonais. Como ilustrado nos
exemplos a seguir:
(3) Temos SEMPRE audiência entre/ o habitual é/ entre TRINTA A CINQÜENTA
pessoas. //
(4) São bolsas com montante FIXO, / que cobrem no caso das bolsas para
MESTRADOS E DOUTORAMENTOS/ cobrem PARTE dos estudos. //
No que diz respeito aos padrões de entoação usados nos enunciados de valor não
terminal foram constatados a preferência por Alta proeminência tônica, para cada
informação nova que o falante desejava chamar atenção. Porém, no exemplo 3 foi
percebido um caso de baixa proeminência tônica, na palavra entre e é que acarreta apenas
a idéia de um enunciado não concluído ou de uma outra informação a ser transmitida. O
mesmo fenômeno de informação nova com baixa proeminência antes de marcadores
discursivos também foi observado no informante de Portugal.
(5) É um desequilibrio bastante grande, /NÃO É?//
Entre outros tipos de funções da estrutura da informação pode ser citada a de tipo
apresentacional, cujo referente, como dito anteriormente, não é um tópico pelo simples fato
de não ter sido mencionado anteriormente dentro do contexto.
(6) vários bolseiros são da Universidade de açores. //
No exemplo acima citado, o sintagma nominal minha vários bolseiros não pode ser
considerado tópico do enunciado, já que não foi citado anteriormente no contexto, é,
portanto, uma informação nova. Curiosamente o falante pronuncia esse novo elemento com
alta proeminência tônica, confirmando assim mais uma vez a relação alta proeminência-
informação nova.
66
VÁRIOS BOLSEIROS São da Universidade de ASSORES.//
Novo referente Predicação sobre o novo referente
Alta proeminência tônica
Informação nova
Alta proeminência tônica em outra
informação julgada importante pelo
informante
Foi constatado um exemplo com a função identificacional, ou seja, tem como
função primaria identificar o argumento faltante em uma proposição ou expressão de
pensamento. Como exemplificado a seguir:
a-A Fullbright d a partir da licenciatura, NÃO É?//
b- SÓ PÓS-GRADUAÇÃO.//
Como visto no exemplo acima, a resposta do informante conta de uma unidade
tonal com alta proeminência tônica, que visa chamar a atenção para a informação faltante
ou requerida.
Quanto à função de reportar um evento não foi encontrado nenhum exemplo no
corpus analisado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossa pesquisa propusemos fazer uma pequena consideração que respondeu
questões formuladas a respeito do que são unidades tonais, bem como alguns aspectos
prosódicos; e como tais aspectos estão ligados à transmissão da informação. Percebemos
que a alta proeminência tem uma estreita relação com a questão de expressar informação
nova bem como a baixa proeminência tônica. Porém, perguntas surgiram como até que
ponto vai à relação proeminências baixas e marcadores discursivos dentro do português
falado. E, finalmente, vimos às funções da estrutura da informação, na qual a mais
encontrada foi a de tópico-comentário. Porém, desejamos mais a frente, com um corpus
maior, ver todas as funções em uso dentro da língua falada das duas variações português
bem como outras variações.
Esse presente trabalho não tem a pretensão de ser estabelecer como uma verdade
absoluta. Como dito anteriormente, foi um trabalho feito apenas com a percepção de um
falante de português e suas impressões baseadas em outros trabalhos. Fica desde já o
desejo sincero de em trabalhos futuros fazer um mesmo estudo com o uso de programas de
computador para a observação dos mesmos fenômenos aqui abordados. Observamos que a
abordagem funcionalista no campo da fonologia pode ser um campo vasto para os amantes
deste ramo da lingüística. Esperamos que esse trabalho tenha contribuído de alguma forma.
67
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Joaquim. Foco e tópico: algumas questões terminológicas. Diss. Mestrado, Porto, Faculdade de Letras da U. do Porto. 1997 CAVALIERE, Ricardo. Fonologia e morfologia na gramática científica brasileira. Rio de Janeiro, Eduff, 2005. CRESTI, E. Corpus di italaino parloto. Introduzione v. 1. Firenze: Presso L” Accademia della Crusca, 2000 CRYSTAL, David.. Prosodic Sistems and Intonation in English. Cambridge: The CambridgeUniversity, 1969. JANCKENDDOFF, Ray. Semantic interprattation in generative grammar. MIT press. Cambridge University, 1972. LAMBRECHT, K. Information structure and sentence form, topic, focus and the mental representations of discourse referents. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. NASSER, Juliana Antunes. A estruturação da informação no português brasileiro: um estudo em narrativas orais. Dissertação (Mestrado em lingüística). São Paulo: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2009. RASO, Tommaso, MELLO, Heliana, JESUS, Andréa Ulisses, ALVES DE DEUS Luciano. Uma aplicação da teoria da língua em ato ao português do Brasil. Rev. Est. Ling., Beli Horizonte, v. 15, p 147-166, jul/dez 2001. VARPORT. Variedades do Português. Disponível em: <http://www.letras.ufrj.br/varport/>. Acesso em: 28 out. 2010.
SEÇÃO 8 – FUTURO DO PRESENTE NO ESPANHOL
O USO DO TEMPO FUTURO NO ESPANHOL PENINSULAR A
PARTIR DE UMA ABORDAGEM FUNCIONALISTA
Luma Almeida de Freitas
RESUMO
Uma das variáveis mais estudadas na língua espanhola é o futuro e a discussão
mais focalizada dentro desse tema é como fatores lingüísticos e extralingüísticos influenciam
na escolha da forma verbal que dê essa noção semântica. Assim, temos como objetivo
verificar as várias formas de manifestação da noção semântica do tempo futuro que mais
ocorrem no espanhol formal através de uma visão funcionalista de língua. Para tanto,
utilizamos como corpus setenta frases coletadas de jornais impressos da Espanha, como El
País, La Gaceta e El Mundo, e selecionando os gêneros notícia e entrevista, onde pudemos
perceber que a forma „futuro simples‟ é mais utilizada, na língua oral, até mesmo que a
forma perifrástica, dependendo do grau de formalidade que pretende se servir o falante.
PALAVRAS-CHAVE: Espanhol, Futuro, funcionalismo e formalidade.
RESUMEN
Una de las variables más estudiadas en la lengua española es el futuro y el debate
más focalizado dentro de este tema es como factores linguísticos y extralinguísticos
influencian en la elección de la forma verbal que de esa noción semántica. Así, tenemos
como objetivos verificar las várias formas de manifestación de la noción semántica del
tiempo futuro que más aparece en el español formal a través de una visión funcionalista de
lengua. Con esta finalidad utilizamos como corpus setenta frases coletadas de periódicos
impresos de España, como El País, La Gaceta y El Mundo, y seleccionamos los géneros
noticia y entrevista, en los cuales pudimos percibir que la forma „futuro simple‟ es hasta más
utilizada, en la lengua oral, que la forma perifrástica, dependiendo del grado de formalidad
del que pretende servirse el hablante.
PALABRAS-CLAVE: Español, futuro, funcionalismo y formalidad.
69
INTRODUÇÃO
O espanhol possui diferentes formas de expressar a futuridade e essa é uma das
variáveis mais estudadas da língua. A discussão pode estar centrada nos aspectos mais
interessantes a partir do ponto de vista da variação e da mudança: a distribuição do futuro
morfológico e perifrástico; ou pode estar voltada à descrição das formas verbais que possam
expressar futuro.
É nesse último ponto em que esse trabalho está assentado. Ou seja, tem como
objetivo verificar as diferentes formas de manifestações da noção semântica de tempo futuro
no espanhol peninsular em periódicos espanhóis recentes como El País, La Gaceta e El
Mundo através de uma noção funcionalista de gramática. Além de refletir sobre o registro
formal e como ele influencia na escolha, por parte do usuário da língua, de determinadas
formas verbais partindo do pressuposto de que a forma perifrástica é a mais usada na língua
oral.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Uma das principais propriedades da linguagem humana segundo Hockett (1958) é
a possibilidade de referirmos a coisas distantes no tempo e o futuro seria o tempo mais
simbólico dentro da linguagem (Jakobson 1981), pois no nos permite falar do que não existe
nem existiu.
Para entendermos melhor a respeito da ideia de futuro vamos falar um pouco dos
verbos que, segundo Sarmiento e Sanchez (1993), é o elemento essencial do Grupo Verbal
(GV), pois indica um processo, uma ação ou um estado. No entanto, como não é a única
palavra a transmitir essa informação seria melhor caracterizá-lo por seu significado, por sua
função sintática dentro da estrutura verbal. Para o autor, se o verbo vier sozinho condensa
em uma forma verbal informação própria do GV, como por exemplo, “Amaré”, que por si só
indica modo indicativo, tempo futuro, primeira pessoa e número singular. Porém, podemos
encontrá-lo acompanhado de elementos que perderam total ou parcialmente seu significado,
ou seja, já estão „gramaticalizados‟. Alguns deles podem ser auxiliares que agora vem
sempre antes do verbo e são portadores de expressões de tempo, número pessoa, modo,
modalidade e aspecto.
Función: modificadores Núcleo
Auxiliares Verbo
Puede haber estado leyendo
3° p. sig.
<<posibilidad>> Perfectivo Pasivo
Verbo em forma
tensiva -ndo
70
E o que seria a Gramatizalização?
Segundo Cunha, [20-?] século provável, a gramaticalização designa um processo
unidirecional, no qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos e,
uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais. É comum
que esse processo ocorra com funções itens ou expressões muito frequentes, o que faz com
o que o termo normalmente sofra desgaste fonético perdendo, assim, expressividade.
Um exemplo disso é a trajetória de verbos para morfemas, o que ocorreu com a
locução “amar hei”, em que a forma do verbo “haver” („Hei‟) se incorporou ao verbo
passando a funcionar como desinência de futuro: “amarei”.
Assim, para o funcionalismo a gramática de uma língua é flexível no sentido de que
se adapta às necessidades comunicativas e cognitivas do falante. Nesse sentido, se
levamos em consideração a diversidade Inter lingüística perceberemos que as línguas
desenvolvem diferentes formas de expressar o mesmo e que a ideia de futuro não é
expressa no espanhol somente pela forma verbal “Futuro simple”, mas por outras formas
também, como por exemplo, as que indica Moreno (2007) em Temas de Gramática, que
seriam:
Imperativo
Cuando vuelvas a casa, sigue estudiando español para no olvidarlo.
Condicional
Le dije que la llamaría cuando tuviera los resultados de la prueba.
Imperfecto de ir a + infinitivo
Pues claro que te lo iba a contar, pero cuando tuviera segura de ello.
Imperfecto de pensar + infinitivo
Pensaba decirle la verdad cuando lo viera, pero no tuve tiempo.
Presente de pensar + infinitivo
Pienso decirle la verdad cuando lo vea.
Presente de indicativo
Volveré a mi país cuando termine este curso
Presente de ir + a + infinitivo
Voy a escribir novelas cuando me jubile.
71
Além disso, nos parece importante lembrar, como dito anteriormente, que pesquisas
linguísticas mostram que em espanhol essa última forma (futuro perifrástico) é a mais
utilizada na língua oral e que, em “El futuro y el condicional en el sistema verbal español
moderno”, a diferença principal seria que ir + a + infinitivo indica que, jugando pelo que se vê
e se sabe, se realizará a situação (em sentido prospectivo), enquanto que o futuro somente
indicaria a opinião subjetiva do falante sobre uma situação futura. 10 Exemplos:
(1) Va a cerrar la puerta, pero no lo conseguirá (GDLE 1999)
(2) Cerrará la puerta, pero no lo conseguirá (GDLE 1999)
Para finalizar, a partir do que foi exposto até aqui vamos expor a metodologia usada
e faremos uma análise dos dados que coletamos.
METODOLOGIA
Como método para a coleta de dados para a nossa investigação utilizamos jornais
impressos da Espanha, El País, La Gaceta e El Mundo, como corpus para a nossa
pesquisa. Neles coletamos frases com noções de futuro com o objetivo de verificar as
diferentes formas de manifestações da noção semântica de futuro e quais ocorrem com
mais freqüência nos gêneros notícia e entrevista fixando a quantidade de setenta
ocorrências, trinta e cinco para cada gênero, o que nos levou selecionar frases em sete
noticias e seis entrevistas. Preocupamo-nos em somente coletar frases feitas pelo
entrevistado, além de selecionar entrevista nas quais os entrevistados tinham a mesma faixa
etária (as idades variam de 29 a 45 anos).
É importante ressaltar que a pesar da entrevista ser feita para um jornal não
podemos dizer que o seu registro é totalmente formal, pois se utiliza a língua oral, porém
„culta‟- já que os entrevistados eram pessoas com nível superior completo - o que dá um
traço menos formal do que tem a língua escrita.
Após termos explicado como selecionamos os dados vamos mostrar o resultado
que obtivemos e depois fazer uma breve explanação da conclusão que tiramos a partir
deles.
10
“La diferencia entre los dos está en que ir + infinitivo indica que a juzgar por lo que se ve y sabe, se realizará la
situación (en sentido prospectivo), mientras que el futuro se interpreta como solamente indicando la opinión
subjetiva del hablante acerca de una situación futura.” (Tradução minha)
72
Notícia Entrevista
Formas N° de ocorrências Formas N° de ocorrências
Futuro simple 19 Futuro simple 15
Presente
Subjuntivo
3 Ir + a + infinitivo 9
Presente Indicativo
+ infinitivo
2 Subjuntivo 8
Futuro simple +
infinitivo
2 Condicional +
infinitivo
1
Futuro simple + a +
infinitivo
2 Futuro simple +
gerúndio
1
Ir + a + Infinitivo 2 Presente Indicativo 1
Futuro simple +
particípio
1
Futuro simple +
gerúndio
1
Presente
Subjuntivo + a +
infinitivo
1
Presente subjuntivo
+ infinitivo
1
Presente do
indicativo +
infinitivo
1
A partir dos dados apresentados acima percebemos que no primeiro gênero é
utilizado uma quantidade muito maior de formas, visto que na oralidade se espera que os
usuários da língua utilizem formas mais econômicas para construir o seu discurso. Além
disso, percebemos que a forma „futuro simple‟ ocorre explicitamente mais vezes que as
outras, mesmo no segundo gênero e acreditamos que isso se dá pelo registro formal típico
dos gêneros jornalísticos.
Chegamos a essa conclusão, pois no segundo gênero a ocorrência da forma
perifrástica, típica da língua oral, ocorre mais que o dobro de vezes do que na notícia, mas
ainda assim a quantidade de ocorrências não chega a igualar-se a do „futuro simple‟. É
importante informar que uma das vezes que aquela forma aparece no primeiro gênero é
73
através do discurso direto livre (1), o que nos dá a idéia de que essa forma só não apareceu
mais vezes nas entrevistas pela formalidade dos gêneros jornalísticos.
(1) Y dijo: „Como todo acto terrorista, lo que quieren es perturbar, generar miedo en
la población. No lo van a lograr, todo lo contrario.(El País, n°. 12.107, pág.
CONCLUSÃO
Concluindo, nesse artigo pudemos perceber que a forma verbal „futuro simple‟ foi
mais utilizada que as outras formas apresentadas. E que isso se deu pela escolha que
fizemos de registro, assim tanto no primeiro gênero quanto no segundo, notícia e entrevista,
a forma perifrástica foi pouco usada, mesmo no último gênero tendo havido um aumento no
número de ocorrências dessa forma.
BIBLIOGRAFIA
SARMIENTO, SÁNCHEZ. Gramática básica del Español. Madrid: Editora SGEL, 1993. GARCÍA, Concha Moreno. Temas de gramática. Madrid: Editora SGEL, 2007. CUNHA, Angélica Furtado. Funcionalismo. In: Manual de lingüística. Rio de Janeiro: Editora Contexto, [20-?] século. CUNHA, COSTA, CEZARIO. Pressupostos teóricos fundamentais. In: Lingüística
Funcionalismo. Rio de janeiro: Editora DP&A, 2003.