FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um...

103
1 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS (PPHPBC) MESTRADO EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS Alceu Amoroso Lima e o regime militar 1964-1968 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC para a obtenção do grau de Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais Evanize Martins Sydow Rio de Janeiro, agosto de 2007

Transcript of FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um...

Page 1: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

1

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA

CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS

CULTURAIS (PPHPBC) MESTRADO EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS

Alceu Amoroso Lima e o regime militar

1964-1968

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Pesquisa e Documentação de

História Contemporânea do Brasil – CPDOC para a obtenção do grau de Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais

Evanize Martins Sydow Rio de Janeiro, agosto de 2007

Page 2: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

2

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS (PPHPBC)

MESTRADO EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.

Aprovada em _____________________________________

Pela Banca Examinadora:

______________________________________________ Professor Dr. Américo Oscar Guichard Freire (orientador)

______________________________________________

Professora Drª. Ângela Maria de Castro Gomes

______________________________________________ Professor Dr. Marcelo Timotheo da Costa

______________________________________________

Professora Drª. Christiane Jalles de Paula (suplente)

Rio de Janeiro, agosto de 2007

Page 3: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

3

AGRADECIMENTOS

A todos do CPDOC-FGV, por darem condições de tornar esse objetivo possível.

Aos colegas do mestrado, por toda a troca ao longo desse período de crescimento, em

especial Joandina, Marcelo e Thaís.

A todos os amigos do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, pela disposição,

atenção e solicitude.

A todos os entrevistados, que se dispuseram e contribuíram para que esta pesquisa se

tornasse melhor.

Aos professores do CPDOC-FGV, pelo aprendizado ao longo desse tempo todo.

Ao meu orientador, Américo Freire, essencial nessa caminhada e em cada linha desta

dissertação.

À minha mãe, Olinda, e aos meus irmãos, Alexandre e Silvia, porque fazem tudo valer a

pena.

Ao Cleber, por me dar tanto e ainda considerar que esse tudo é nada.

Page 4: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

4

RESUMO

Este trabalho busca analisar um breve, mas rico, período da trajetória de Alceu Amoroso

Lima, ou Tristão de Athayde, seu pseudônimo, considerado um dos principais pensadores

católicos do século XX. Os anos compreendidos entre 1964 e 1968 servem como um ensaio

para aquela que chamamos aqui de fase de radicalização, quando o escritor, por meio de

seus artigos publicados semanalmente no <i>Jornal do Brasil</i>, desfere duras críticas ao

regime militar implantado em 1964. Durante estes anos, a política, que sempre permeou

seus livros e colunas nos jornais, passa a ser a tônica de tudo o que escreve, junto com os

acontecimentos que marcaram a Igreja Católica e a sociedade brasileira. A análise desta

pesquisa é feita tendo como fontes principais as cartas trocadas diariamente entre o

jornalista e sua filha, madre Maria Teresa, e os artigos que publicava semanalmente no

<i>Jornal do Brasil</i>. Também foram realizadas entrevistas com personalidades que

conviveram com Alceu e analisadas entrevistas concedidas por ele e depois publicadas em

livros.

Page 5: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

5

ABSTRACT

This work seeks to analyze a brief, but rich period of Alceu Amoroso Lima´s trajectory,

who was also known by his nickname, Tristão Athayde, considered one of the principal

catholic thinkers of century XX. The years between 1964 and 1968 come as an experience

for what is called here as radicalism fase, when the writer, through weekly published

articles in the Jornal do Brasil newspaper, severally criticizes the military regime

established in 1964. During these years, the Politics, that always characterized his books

and newspaper’s articles, sets the tone of everything which is written, together with the

facts that highlighted the Catholic Church and the Brazilian society. The analysis of this

research has been done based on the principal letters switched daily between the journalist

and his daughter, Mother Superior Maria Teresa, and the articles published weekly in

Jornal do Brasil newspaper. Also, interviews were realized with personalities that got along

with Alceu, as some interviews offered by him were analyzed and therefore published in

books.

Page 6: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

6

“Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato coerente de uma seqüência

de acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma representação

comum da existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa de reforçar.”

Pierre Bourdieu

Page 7: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

7

SUMÁRIO INTRODUÇÃO E METODOLOGIA...............................................................................8 PARTE I - POSICIONAMENTO......................................................................................22

Capítulo I...............................................................................................................................22

Três vidas

Primeira e segunda fases

Terceira fase

Capítulo II.............................................................................................................................36

O livre atirador

PARTE II – RADICALIZAÇÃO......................................................................................53

Capítulo III............................................................................................................................53

De Dr. Alceu a Tristão de Athayde

Capítulo IV............................................................................................................................69

A radicalização BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................84 ANEXOS

Page 8: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

8

INTRODUÇÃO E METODOLOGIA

“O integralismo, como reação histórica, é um

movimento sadio e útil do nosso atual momento

político. Repercussão brasileira dos movimentos

de vitalidade nacional que salvaram a Itália,

talvez a Alemanha e a Península Ibérica e,

porventura, a América do Norte, da anarquia

econômica e do imperialismo comunista,

representa para a pátria brasileira a mais sólida

garantia às mais puras tradições nacionais.”1

Aqueles que conheceram o pensador católico Alceu Amoroso Lima a partir de

meados da década de 1960 poderiam garantir que a citação acima seria de qualquer

intelectual reacionário, menos de alguém que, algum tempo depois, tornar-se-ia um dos

principais paladinos da liberdade no Brasil, como é o caso de Tristão de Athayde –

pseudônimo adotado por Alceu a partir de 17 de junho de 1919, quando iniciou sua

atividade de crítico literário em O Jornal.

Pois a frase acima é, sim, de Amoroso Lima. Esta é parte de um artigo publicado

nos idos de 1930, “Catolicismo e Integralismo”. Foi com ela, inclusive, que um jornalista

da revista Visão , em 1968, iniciou uma entrevista com Tristão, intitulada “Quando eu era

integralista”. As convicções mais conservadoras tangenciavam a forma de pensar de Alceu

pelo menos até os anos 40. Ao ser deflagrado o golpe militar de 31 de março de 1964, o que

se via era o oposto: uma mudança radical de sua postura política, abrindo para um cenário

de consolidação da imagem de um progressista, um fervoroso defensor dos direitos

humanos.

1 “Quando eu era integralista”. In: BARBOSA, Francisco de Assis. Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) – Memorando dos 90. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, pág. 88

Page 9: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

9

Uma frase de Gramsci, utilizada como referência por Daniel Aarão no texto

“Intelectuais e política nas fronteiras entre reforma e revolução”2, diz que “se a narrativa é

bem concebida, a trajetória de um intelectual pode tornar-se a monografia de uma época” 3.

A narrativa da atuação de Alceu Amoroso Lima, crítico literário, escritor e considerado um

dos principais pensadores católicos do século XX, em determinados períodos da história do

Brasil no último século pode ser monografia de uma ou mais épocas.

Estudar o posicionamento político deste personagem, traçando paralelo com temas

como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação.

Serão três os temas principa is a serem desenvolvidos neste trabalho, do ponto de

vista da trajetória de Alceu Amoroso Lima: política, sociedade e Igreja. O critério para

chegarmos a esses tópicos foi a análise dos artigos publicados por Alceu no Jornal do Brasil

e na Folha de S. Paulo ao longo do período que compreende os anos de 1963 a 1968

(estendendo-se, para o último capítulo, para alguns artigos publicados em 1969 e no início

dos anos 1970) e reproduzidos na coletânea de cinco livros intitulada “Crônica do Tempo

Presente” - Revolução, Reação ou Reforma? , Pelo humanismo ameaçado , A experiência

reacionária , Em busca da liberdade e Revolução suicida, sendo que este último não foi

utilizado para análise, uma vez que inclui artigos publicados depois do período utilizado

para estudo nesta dissertação.

Ao todo são 419 artigos que abordam assuntos diversos, como inflação, partidos

políticos, papa Paulo VI, política internacional, democracia, educação, comunismo,

encíclicas da Igreja, operários, golpe militar e suas arbitrariedades, reforma agrária,

esquerda e direita, cultura, voto dos analfabetos, Estado Novo, entre outros.

Tristão vai exercer sua atividade jornalística de forma que transforma esse espaço

semanal em sua tribuna. É através de seus textos, analisa Marcelo Timotheo da Costa, que

constrói a imagem de “católico inserido nos tempos modernos”. Nos artigos, Tristão

comporta-se como um observador atento a acontecimentos diversos. Suas abordagens

oscilam entre o universal e o local, passando por temas políticos, econômicos, culturais e de

comportamento. 4 Para José Oscar Beozzo, o seu espaço na imprensa brasileira funcionou

2 REIS FILHO, Daniel Aarão. Intelectuais, História e Política (séculos XIX e XX) . Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000, pág. 13 3 Id. 4 COSTA, 2006

Page 10: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

10

como uma “tribuna de diálogo”, onde ele apresentava seus ideais 5. Era ali que ele dialogava

com a sociedade, mostrando-se indignado, contente ou descontente, satisfeito ou

decepcionado, e denunciando o que lhe parecia absurdo.

Dos temas mais amplos de discussão, três são fundamentais em todo o acervo, como

mencionado acima – política, pano de fundo para todas as discussões, Igreja e sociedade.

Dentro destes, foram selecionados subtemas que mais freqüentam as páginas escritas por

Alceu. Em política, os subtemas são Revolução de 1964-Revolução de 1930, incluídas aí as

críticas ao regime militar, comunismo/fascismo e a defesa de eleições diretas. O tema

sociedade terá como subtemas estudantes, cultura e operários. O pontificado de Paulo VI, o

Concílio Vaticano II e a repressão do regime militar contra a Igreja são as variações do

tema Igreja.

Do ponto de vista da política, Amoroso Lima passa por figuras como (não sendo

estas, necessariamente, enfatizadas nesta dissertação):

- Miguel Arrais: sua posse como governador de Pernambuco, considerado por ele um

valor novo na política nacional, que ganhou as eleições sem compromissos políticos

ou econômicos e, portanto, poderia exigir de todos os sacrifícios necessários a uma

obra coletiva;

- Hélio Fernandes: ao falar de Hélio Fernandes, já começa a denunciar repressões. O

autor defende o fato de o jornalista não querer denunciar sua fonte de informação ao

mostrar documentos secretos das Forças Armadas: “Sua prisão só veio agravar um

processo de radicalização de nossa política, que representa igualmente um dos

rumos errados que vão lentamente ameaçando a nossa estabilidade democrática.” A

coluna também protestava contra a prisão do padre Alípio e o interrogatório de Dom

Jerônimo, em Salvador

- Carlos Lacerda: desmente Carlos Lacerda, que disse em Lisboa que Alceu, 30 anos

atrás, havia recomendado à juventude brasileira que aderisse ao fascismo. “Não

escreveria hoje exatamente o que escrevia há trinta anos passados, mas já então não

confundia integralismo com fascismo, vendo apenas um e outro ‘inspirados no

mesmo espírito’. Rejeitava três atitudes dos católicos em face do integralismo: a

5 Id.

Page 11: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

11

condenação, a exaltação, a expectativa.” (...) “A simpatia que nessa época, há trinta

anos passados, nunca escondi pelo integralismo ou mesmo pelo fascismo era uma

conseqüência da minha fobia pelo espírito burguês e a minha ainda imperfeita

assimilação do verdadeiro espírito do cristianismo autêntico.”

- Sobral Pinto: para Alceu, figura inconfundível em nosso cenário nacional, religioso,

jurídico e político.

- Dom Helder Câmara: Alceu chama dom Helder de novo dom Vital e novo Júlio

Maria (Júlio César de Morais Carneiro, considerado um inovador na Igreja).

Segundo Tristão, dom Helder está desligando a Igreja de suas amarras com a alta

burguesia, tentando desligar a Igreja de seus laços classistas.

Ainda dentro do tema política, Tristão trata da discussão, pelo Parlamento, do

projeto de estado de sítio. Alceu diz que, independente do resultado, a opinião pública

estava radicalmente contrária à sua proclamação, mesmo temporária. Ele se coloca

radicalmente contra o estado de sítio, dizendo não acreditar que, se fosse aprovado, seria

moderado e sem censuras à imprensa. “Creio que o Congresso, por grande maioria, negará

o sítio e com isso reconquistará uma popularidade que tem perdido.”

Em alguns artigos, Alceu critica os boatos sobre a chegada do golpe (isso em janeiro

de 1964):

Esses cupins de nossa vida cívica murmuram baixinho, em nossos ouvidos, cada

amanhã, que é para já o golpe. Que o presidente esgotou a paciência. Que desta vez

vem mesmo. Que não haverá eleições para 1965. Que o contragolpe também está

preparado. Que a demissão de um grande ministro foi a gota de água. E com ela se

rejubilaram as forças da Oposição, pois assim mais facilmente vai acabar a

indecisão. (...) Venha de onde vier o golpe, devemos repeli-lo. Mas saibamos

também ter consciência de que, se a detestável política oposicionista do ‘quanto pior

melhor’ prosseguir, se as forças da Direita ou do Centro, reacionárias ou

conservadoras, não compreenderem que é preciso fazer, por meios antecipados,

racionais e pacíficos, a revolução que por outros meios será um desastre para todos,

Page 12: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

12

então a vitória os boatos será também a dos pescadores de águas turvas e a leucemia

social fará do Brasil, ao menos por certo tempo, qualquer coisa de irreconhecível.6

A deflagração do golpe passa a ser comentada por Alceu de forma sistemática. Em

“30 de Março”, diz: “Temíamos que ele viesse do próprio Governo, com propósitos

“continuístas”. Acabou vindo, por antecipação, da margem oposta” e fala sobre a tendência

inata do humanismo brasileiro às soluções pacíficas das nossas mais graves crises políticas.

“Mesmo com os tanques nas ruas... E a marca da nossa gente, da nossa história da nossa

civilização.”7

Em muitos de seus artigos, Alceu compara a Revolução de 1964, de tipo direitista,

com a de 1930, de tipo esquerdista. Alceu fala em “Novo Estado Novo”.

Para Amoroso Lima, assim foi recebida a Revolução de abril pelas três camadas da

sociedade: as classes altas receberam o movimento com uma euforia transbordante e até, de

certo modo, indiscreta. As classes médias o consideraram com uma alegria inegável, mas

discreta e sobretudo com desafogo e esperança. Quanto ao povo, o que se viu foi o mais

absoluto silêncio. Esse “trágico silêncio do povo”, diz Alceu, é o que mais o

impressiona.”Só há um caminho realista e honestamente democrático a seguir: pôr em

prática o processo eleitoral. A começar pela eleição do Prefeito de São Paulo...”8

As eleições também foram tema de sua pena por várias vezes. Alceu condenava o

fato de o povo brasileiro não poder dizer nas urnas o que queria.

No tema sociedade/política, Alceu passa várias vezes pela defesa dos direitos dos

operários. Para eles, ao lado dos estudantes, os operários foram a categoria que mais sofreu

com a mão forte dos militares: “(...) o mesmo ódio destruidor que eliminou os sindicatos

operários, no campo do trabalho, também deu cabo das associações estudantis, no campo

educativo. O operário e o estudante foram os dois espantalhos da Revolução, no triênio

inicial (...) Qual foi então a tática do pensamento revolucionário para anular essas forças?

Fracioná-las ao extremo.”9

6 Jornal do Brasil. Os cupins, janeiro de 1964 7 Jornal do Brasil. 30 de março , 16 de abril de 1964 8 Jornal do Brasil. Eleições, 22 de janeiro de 1965 9 Jornal do Brasil, Uniões proletárias, 27 de abril de 1967

Page 13: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

13

O comunismo é freqüentemente citado por Tristão. E se antes do golpe o autor

declara guerra “preventiva ou defensiva” contra o comunismo, depois de abril de 1964 ele

diz ser mais necessária a guerra contra o fascismo dos militares. “Julgar todo o mundo

‘comunista’, simplesmente porque não é conservador ou liberal é não julgar ninguém

comunista”, diz ele em “Métodos de luta”, artigo de abril de 1964. Ele continua o seu

raciocínio sobre comunismo, aqui relacionando também à Igreja, em “O Mel das Pedras”:

A concepção “burguesa” ou “protecionista” da Igreja, como um baluarte contra o

comunismo ou como uma defesa patrimonial, acaba de ser vivamente revigorada

entre nós. Enquanto não se falou em “reformas de base” ou em uma distribuição

mais eqüitativa da propriedade, os terços ficaram tranqüilos entre os dedos das

almas piedosas. Mas bastou que se acenasse para o fantasma do comunismo ou a

ameaça aos bens materiais, para que se levantassem as pedras das calçadas...10

Os estudantes também freqüentam boa parte dos textos de Tristão. Em “Peleguismo

estudantil” ele resume a situação do estudante brasileiro no final de 1964:

Um dos grupos sociais que mais tem se projetado na vida pública é o estudantil. Os

moços e os adolescentes só foram considerados gente grande há pouco tempo e,

como é natural, podem se exceder ou se mostrarem canhestros no manejo dessa

nova arma. O nosso paternalismo governamental pretende extinguir as associações

de estudantes, impedir ou adiar as eleições nos diretórios acadêmicos; isolar os

estudantes em seus guetos ou dirigi-los de cima. Pretendem criar o peleguismo

estudantil, depois do peleguismo operário? 11

Em relação à Igreja, Paulo VI é o foco principal de muitos de seus textos. O

Concílio Vaticano II e a figura de Paulo VI – para o escritor, o evento católico promoveria

“o diálogo com o mundo moderno” 12 - estão nos artigos, assim como o pensamento da

Igreja em relação ao socialismo e comunismo. Alceu elogia as palavras de Paulo VI para o

10 Jornal do Brasil. O mel das pedras, abril de 1964 11 Jornal do Brasil, Peleguismo estudantil , outubro de 1964 12 Jornal do Brasil, Diálogo da Igreja com o mundo moderno , dezembro de 1963

Page 14: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

14

Brasil. Entre elas, “se quisermos evitar o perigo e a triste experiência do comunismo” 13, não

serão as represálias sangrentas nem os métodos policiais de reação que nos podem valer e

sim as reformas básicas, econômicas, políticas, sociais em geral.

João XXIII e suas encíclicas sociais também são analisados por Alceu, junto com a

viagem de Paulo VI à Terra Santa, como um “rumo à Nova Cristandade”14.

Ainda no cenário da Igreja, Alceu comenta as diferenças entre religiosos e políticos.

Para Alceu, o choque entre autoridades militares e autoridades eclesiásticas (...) “é o

sintoma mais sadio da vitalidade da Igreja no Brasil e de sua participação efetiva em nossa

evolução histórica”15.

Além de utilizar como fonte os artigos publicados por Alceu Amoroso Lima nos

jornais, esta pesquisa se utiliza da metodologia de histór ia oral e das cartas trocadas entre

Tristão de Athayde e a filha Lia – madre Maria Teresa, além de entrevistas concedidas por

ele e depois publicadas em livros, como Memórias Improvisadas, de Cláudio Medeiros

Lima, e Memorando dos 90, de Francisco de Assis Barbosa. A leitura dessa

correspondência está associada à pesquisa em artigos e livros e às entrevistas com pessoas

que conviveram com o educador, conforme relação abaixo, como Alberto Dines, Dom

Paulo Evaristo Arns, Frei Betto, Luiz Alberto Gómez de Souza, Maria Helena Arrochellas e

Wilson Figueiredo. Os entrevistados conviveram com Tristão de Athayde ou

acompanharam sua trajetória durante o período estudado.

Recorrer aos artigos e especificamente às cartas que trocava com a filha como

método comparativo para tratar da trajetória de Alceu é um exercício riquíssimo. Isso

porque, se em períodos muito anteriores, quando se correspondia com nomes como Jacques

Maritain, Gilbert Keith Chesterton ou Jackson de Figueiredo, Alceu debatia “a superação

das coisas efêmeras passageiras, fluidas, pelas coisas estáveis, sólidas, permanentes, sem

prejuízos das outras”16, o que escrevia para Madre Maria Teresa era muito mais de cunho

pessoal, até mesmo no tipo de palavra que usava. Era uma espécie de Alceu despido de

qualquer pudor no que dizia respeito ao que estava acontecendo no país, do ponto de vista

13 Jornal do Brasil, A voz do alto, maio de 1964 14 Jornal do Brasil, Rumo à nova cristandade, janeiro de 1964 15 Jornal do Brasil, A nova ‘questão religiosa’, 21 de dezembro de 1967 16 LIMA, 1973

Page 15: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

15

social, político e também econômico. E em relação à Igreja isso era muito mais claro. São

passagens que chegam a chocar, se pensarmos que o homem que aparecia publicamente no

Jornal do Brasil era muito mais comedido17. Isso pode ser óbvio, uma vez que um

intelectual da dimensão de Alceu Amoroso Lima teria mesmo que cuidar do que pregava

em seus artigos. No entanto, como estamos nos utilizando dessa outra fonte – a

correspondência com uma confessora – para tentar analisar a trajetória deste “guru

católico”, torna -se importante mostrar o quão diferente e difícil é tentar traçar um paralelo

entre essas duas fontes, somando-se a isso o fato de que, como escrito abaixo, as fontes

orais guardam uma memória muito cristalizada acerca de Amoroso Lima, como um

contraponto progressista da Igreja carioca.

A correspondência estudada foi publicada no livro Cartas do Pai – De Alceu

Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa. A publicação abrange as cartas trocadas

entre Alceu e a filha entre 1958 e 1968. Amoroso Lima escrevia para ela rigorosamente

todos os dias, ainda que fosse quase um bilhete, ou cartas de várias e várias páginas. Madre

Maria Teresa funcionava para Alceu como uma confessora. É essa a idéia que Marcelo

Timotheo da Costa desenvolve em seu trabalho “Um itinerário no Século” – que os textos

de Alceu Amoroso Lima para sua filha Madre Teresa funcionavam como “exercícios

confessionais”.

Em conversa com Dom Paulo Evaristo Arns, Alceu disse que escrever para a filha

religiosa era um de seus momentos de maior prazer. “Pode ser meia noite, mas escrever

para ela me descansa”18. Na mesma ocasião, Tristão mostrou a dom Paulo vários

exemplares encadernados com as cartas que escrevia para ela. Posteriormente, o cardeal

pediu à Maria Teresa que publicasse as cartas, por dois motivos: primeiro, porque só ela

conseguia ler a letra de Alceu, deveras difícil; depois, porque a filha saberia escolher aquilo

que interessaria ao público e o que era só de interesse pessoal dela.

17 Alguns exemplos dessas passagens são as cartas de 13 de maio de 1964, quando chama Gustavo Corção de “jaguatirica das Laranjeiras”, e de 25 de março de 1964, ao falar de dom Jaime Câmara, cardeal do Rio de Janeiro: “Pois o que horripila nessa atitude do cardeal Câmara e dos bispos reacionários, aprovando e insuflando os comícios direitistas e proprietistas, é separar as elites das massas, colocando a religião com aquelas e o ateísmo com estas.” 18 Entrevista de Dom Paulo Evaristo Arns à autora

Page 16: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

16

Nesse sentido, para estudar a atividade epistolar de Tristão de Athayde é importante

recorrer à obra Escrita de si. Escrita da História, organizada por Ângela de Castro Gomes.

A autora trata da “escrita de si”, gênero no qual se insere a correspondência, ao lado de

biografias, autobiografias, entrevistas de história de vida ou memórias, e mostra as nuances

dessa “produção do eu”, levando em conta como, por exemplo, esse material deve ser

tratado como fonte histórica. Em seus escritos encontramos idéias que também sugerem a

idéia de que as cartas para Alceu serviam como desabafo: “A escrita de si e também a

escrita epistolar podem ser (e são com freqüência) entendidas como um ato terapêutico,

catártico, para quem escreve e para quem lê. O ato de escrever para si e para os outros

atenua as angústias da solidão, desempenhando o papel de um companheiro, ao qual quem

escreve se expõe, dando uma “prova” de sinceridade.”19

Vejamos o que Ângela diz sobre esse material que conta com uma visão tão

subjetiva de um determinado indivíduo:

(...) o tema da verdade como sinceridade, como o ponto de vista e de vivência do

autor do documento, foi situado e discutido de maneira contundente. Isso porque a

escrita de si assume a subjetividade de seu autor como dimensão integrante de sua

linguagem, construindo sobre ela a “sua” verdade. Ou seja, toda essa documentação

de ‘produção do eu’ é entendida como marcada pela busca de um ‘efeito de

verdade’ – como a literatura tem designado -, que se exprime pela primeira pessoa

do singular e que traduz a intenção de revelar dimensões ‘íntimas e profundas’ do

indivíduo que assume sua autoria. Um tipo de texto em que a narrativa se faz de

forma introspectiva, de maneira que nessa subjetividade se possa assentar sua

autoridade, sua legitimidade como ‘prova’. Assim, a autenticidade da escrita de si

torna-se inseparável de sua sinceridade e de sua singularidade.

Ora, uma documentação construída nessas bases exige deslocamentos nos

procedimentos de crítica às fontes históricas, no que envolve questões relativas ao

‘erro’ ou à ‘mentira’, digamos assim, do texto sob exame. Nesses casos, está

descartada a priori qualquer possibilidade de se saber “o que realmente aconteceu”

(a verdade dos fatos), pois não é essa a perspectiva do registro feito. O que passa a

19 GOMES, 2004

Page 17: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

17

importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como seu

autor a expressa. Isto é, o documento não trata de ‘dizer o que houve’, mas de dizer

o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a

um acontecimento. Um tipo de discurso que produz uma espécie de ‘excesso de

sentido do real pelo vivido’, pelos detalhes que pode registrar, pelos assuntos que

pode revelar e pela linguagem intimista que mobiliza. Algo que pode enfeitiçar o

leitor/pesquisador pelo sentimento de veracidade que lhe é constitutivo, e em face

do qual certas reflexões se impõem. Nesse sentido, o trabalho de crítica exigido por

essa documentação não é maior ou menor do que o necessário com qualquer outra,

mas precisa levar em conta suas propriedades, para que o exercício de análise seja

efetivamente produtivo.20

Reconhecendo essas características na escrita de si, diz Ângela de Castro Gomes,

historiadores têm se preocupado com sua utilização, o que resultou em algumas

advertências. Entre elas está a que diz respeito à “ilusão biográfica”,

isto é, da crítica que destaca a ingenuidade de se supor a existência de ‘um eu’

coerente e contínuo, que se revelaria nesse tipo de escrita, exatamente pelo ‘efeito

de verdade’ que ela é capaz de produzir. A sinceridade expressa na narrativa, que

pretende traduzir como que uma essência do sujeito que escreve, obscureceria a

fragmentação, a incoerência e a incompletude do indivíduo moderno. O risco para o

pesquisador que se deixa levar por esse feitiço das fontes pode ser trágico, na

medida em que seu trabalho é o inverso que é próprio dessas fontes: a verdade como

sinceridade o faria acreditar no que diz a fonte como se ela fosse uma expressão do

que ‘verdadeiramente aconteceu’, como se fosse a verdade dos fatos, o que

evidentemente não existe em nenhum tipo de documento. 21

Outro aspecto importante e que pode ser aplicado à atividade epistolar de Alceu

com a filha – observado por Ângela em sua obra – diz respeito a quem se destina a carta, no

20 Id. 21 Ibid.

Page 18: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

18

caso, a pessoa que vai arquivar e manter essa memória. Madre Maria Teresa tinha um

vínculo privilegiado, por ser filha, mas não só por isso: era a filha que Alceu escolheu como

interlocutora. Podemos desenvolver a hipótese de que foi ela a escolhida por tratar-se de

uma religiosa, portanto, alguém que, pelo menos no que dizia respeito à Igreja, teria

condições de compreender melhor as reentrâncias de uma instituição tão complexa.

A escrita epistolar é, portanto, uma prática eminentemente relacional e, no caso das

cartas pessoais, um espaço de sociabilidade privilegiado para o estreitamento (ou o

rompimento) de vínculos entre indivíduos e grupos. Isso ocorre em sentido duplo,

tanto porque se confia ao “outro” uma série de informações e sentimentos íntimos,

quanto porque cabe a quem lê, e não a quem escreve (o autor/editor), a decisão de

preservar o registro. A idéia de pacto epistolar segue essa lógica, pois envolve

receber, ler, responder e guardar cartas.

A metodologia de história oral é importante para a abordagem do tema tratado neste

trabalho pois as entrevistas “com pessoas que participaram de, ou testemunharam,

acontecimentos, conjunturas, visões de mundo”22 não apenas trazem as impressões e a

memória do entrevistado a respeito do objeto estudado ou do contexto histórico no qual o

personagem se insere, mas também porque, muitas vezes, oferecem elementos para a

pesquisa que não estão disponíveis em bibliografia.

Além disso, existem detalhes nas narrativas que também não são encontrados em

documentos, ou mesmo, como analisa o Manual de História Oral, “recuos e evocações

paralelas, repetições, desvios e interrupções, que lhe conferem um potencial de análise em

grande parte diverso daquele documento escrito: a análise da entrevista tal como

efetivamente transcorreu permite que se apreendam os significados não diretamente ou

intencionalmente expressos; permite que o pesquisador se pergunte por que a questão x

evocou y ao entrevistado; por que, ao falar de z recuou para a; por que não desenvolveu a

questão c assim como fez em b e assim por diante.”23

22 ALBERTI, Verena. Manual de História Oral . 2a edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 18 23 Id., p.24

Page 19: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

19

O texto “Histórias dentro da história”, de Verena Alberti, analisa as possibilidades

de pesquisa pela história oral e mostra que um dos principais atributos desta é possibilitar o

estudo das experiências passadas de pessoas ou grupos. Isto “torna possível questionar

interpretações generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas”24.

No entanto, no caso de Alceu Amoroso Lima, há uma memória construída que o

trata como monumento católico. Trata-se de uma tarefa dificílima encontrar pessoas que

tenham um depoimento que contradiga, ou que analise de forma imparcial ao menos, a

trajetória do pensador. Isso pode ser um sinal de que a memória que se construiu a respeito

de Alceu diz respeito à essa que chamaremos neste trabalho de “terceira fase” de sua vida,

aquela na qual ele se utiliza de sua tribuna para defender idéias progressistas. É essa a

imagem que se guarda de Alceu – a de um homem do catolicismo renovado E é assim que

ele ficará para a história da Igreja.

Foram realizadas oito entrevistas. A relação de entrevistados, por ordem alfabética,

é a que segue:

Alberto Dines – Jornalista desde 1952, esteve por 12 anos à frente da redação do Jornal do

Brasil, desde 1962, portanto foi o editor que acompanhou a trajetória de Alceu Amoroso

Lima enquanto articulista do diário ao longo do período abordado nesta pesquisa (1964-

1968). Em 1968, ao ser decretado o Ato Institucional 5, Dines afrontou a censura,

preparando uma edição com muitas ironias e linguagens figuradas sobre a situação política

no país.25

Dom Paulo Evaristo Arns – Cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, conheceu Alceu

nos anos 60 e intensificou seus contatos com o jornalista no início dos anos 70, quando

assumiu a liderança da Igreja de São Paulo, reconhecidamente mais progressista que o clero

do Rio de Janeiro. Alceu encontrou em Dom Paulo um interlocutor para questões como a

defesa de presos políticos.

24 ALBERTI, Verena. “Histórias dentro da história”. In: PINSKY, Carla (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p.165 25 Observatório da Imprensa. Alberto Dines: O trabalho no JB – a morte de Allende. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/sobre_dines/jb_allende.htm Acesso em 12/5/2006

Page 20: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

20

Frei Betto - Frei dominicano, encontrou em Alceu um mestre no período em que, ao lado

de outros amigos frades, esteve preso pela ditadura militar. Trocou extensa correspondência

com Alceu Amoroso Lima. Trocava correspondências com Alceu Amoroso Lima durante o

período de regime militar.

Luiz Alberto Gómez de Souza – Sociólogo, líder estudantil de destaque, atuou na Ação

Católica, foi um dos fundadores da Ação Popular (AP), o chamado Grupão, junto com

nomes como Herbert de Souza, o Betinho. Integrou a equipe que assessorava dom Helder

Câmara no Brasil durante o Concílio Vaticano II.

Maria Helena Arrochellas – Teóloga e diretora do Centro Alceu Amoroso Lima para a

Liberdade, em Petrópolis.

Wilson Figueiredo – Jornalista do Jornal do Brasil durante 45 anos, inclusive no período

da administração do Conde e da Condessa Pereira Carneiro. Chegou a ser vice -presidente

do jornal.

Por fim, segue a forma como foi dividida esta dissertação, destacando que foram

incluídos nos anexos apenas as cartas e os artigos dos quais foram extraídos trechos para o

texto, além de uma cronologia de Alceu Amoroso Lima.

A Parte I trata da presença de Alceu às vésperas do golpe militar de 1964 e dos

momentos logo após a sua deflagração. No Capítulo I o enfoque é para as reações do

pensador nos dias 30 e 31 de março, 1 e 2 de abril, além da efervescência social. Aqui, o

objetivo é mostrar que, embora já não fosse mais o intelectual conservador dos anos 30,

Alceu ainda mantinha, no início dos anos 60, no plano político, uma proximidade com

personalidades de perfil liberal conservador, como Magalhães Pinto, que, no início de 1964,

era o candidato de Alceu à presidência da República, ainda que isso não acontecesse com

suas relações dentro da Igreja, mas que muda, fazendo-o admitir que o que o preocupava

não era mais o comunismo, mas o direitismo e o militarismo.

Page 21: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

21

A idéia é mostrar como era seu posicionamento político em relação aos fatos que

estavam ocorrendo no país de João Goulart – uma gangorra política, caracterizada pela

polarização esquerdista por parte do governo e direitista por parte da oposição, que, para

ele, foi o que provocou o golpe de 30 de março; como ele se articulava dentro da Igreja e

qual era a imagem pública que alimentava por meio de seus artigos semanais nessa época.

Alceu não está aposentado, ao contrário do que considerava o jornalista em suas cartas.

O Capítulo II traz a publicação do artigo “Terrorismo Cultural” e os seus efeitos

para Alceu e a opinião pública. Este é considerado um marco entre seus artigos no período

que abrange esta pesquisa – e talvez em toda sua trajetória pós-1964 –, já que inaugura uma

fase que consolida Alceu como o paladino da Igreja Católica no Rio de Janeiro no

momento de arbitrariedade do regime militar.

Aqui, o objetivo é estudar a sua postura a partir desse artigo e/ou marco e de que

forma acontece o processo de intensificação de sua postura contra a ditadura, levando em

conta as reações no âmbito da política e da Igreja.

A Parte II é intitulada “Radicalização” e trata de como vai se desenvolvendo para

Alceu essa postura contra o regime, estando ele já posicionado contra as arbitrariedades.

Fala de seu processo de radicalização diante do contexto político. No Capítulo III é feita

uma análise da evolução de Alceu Amoroso Lima como articulista político e católico nesta

fase de posicionamento e radicalização. Mostrar como foram suas reações públicas (através

dos artigos) e particulares (pela troca de cartas com a filha) em momentos desde a

deflagração do golpe até a instauração do AI-5. O objetivo aqui é mostrar a consolidação de

Alceu como um progressista ao longo dos anos compreendidos entre 1964 e 1968.

O Capítulo IV trata da perspectiva de Alceu estabelecido como radical e surgido das

reações advindas da instauração do AI-5 e a Igreja passando a ser foco importante da

repressão política. Aqui, o objetivo é abrir a discussão para o que e de que forma Alceu

Amoroso Lima defende a liberdade para o seu país nos anos seguintes a 1968, período de

mais incisão de sua pena, uma vez que o intelectual passa a dar nome àqueles que tornam-

se personagens de seus artigos como lutadores antipovo.

Page 22: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

22

PARTE I

Capítulo I

Três vidas

Primeira e segunda fases

“Do meu canto, do meu observatório de aposentado, em todos os sentidos, de livre

atirador, de peregrino e mais nada, sinto perfeitamente que o impulso dado por João XXIII

ainda não será neste século que se incorporará à Igreja.”26

A observação de Alceu Amoroso Lima em carta escrita ao jovem estudante Luiz

Alberto Gómez de Souza, no dia 8 de março de 1964, parecia desprovida da consciência de

que o seu papel como crítico social iniciava ali uma etapa jamais vista anteriormente em

sua trajetória. O escritor respondia, naquele dia, a uma carta de Luiz Alberto sobre a dor de

perder amigos. No caso, o afastamento entre Alceu e o jornalista Gustavo Corção – um

comunista convertido em conservador e que, de amigo de Alceu, tornou-se um de seus

principais desafetos, especialmente, a partir do momento em que Alceu passa a condenar a

ditadura militar publicamente; Corção passou a defini-lo como um hábil e talentoso

comunista infiltrado na vida religiosa 27. O escritor chegou a dizer, em 1956, numa

entrevista a Gómez de Souza que entrou para os anais da JUC (Juventude Universitária

Católica), que pouca coisa de sua obra ficaria para a história, talvez a crítica literária e um

ou outro texto sobre sociologia e política.

Alceu, ou Tristão de Athayde 28, pseudônimo adotado por ele a partir de 17 de junho

de 1919, quando iniciou sua atividade de crítico literário em O Jornal, não esteve

aposentado em nenhum momento no período que compreende às vésperas da instauração

do regime militar até a sua morte, em 14 de agosto de 1983. Apesar disso, cobrava de si 26 SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. “Alceu Amoroso Lima: Entre a razão e o mistério”. In: BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Exemplaridade ética e santidade. São Paulo: LOYOLA, 1997 27 Quando eu era integralista. Revista Manchete, 12 de outubro de 1968. In: BARBOSA, Francisco de Assis. Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) – Memorando dos 90 . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984 28 O pseudônimo Tristão de Athayde será usado neste trabalho para nos referirmos apenas à atuação de Alceu Amoroso Lima como jornalista ou nas referências aos seus artigos e suas implicações como crítico no Jornal do Brasil e na Folha de S. Paulo.

Page 23: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

23

mesmo mais pulso firme. O líder católico, que escrevia diariamente à filha Lia (madre

Maria Teresa), reclamava da pequena capacidade de influência, dizia ele, que os seus

artigos tinham no cenário político e social de seu país naqueles primeiros anos da década de

1960, como mostra em carta escrita à madre Maria Teresa no dia 1 de abril de 1964, ainda

com as impressões impactantes a respeito do golpe militar: “Voltamos ao clima de 22 a 45

ou mesmo 55, por culpa... de mim mesmo antes de tudo, pois se tivesse minha voz o

mínimo de ressonância, nem a oposição nem o governo teriam chegado ao ponto a que

chegaram.”29

Estudar a trajetória de vida de Amoroso Lima é estudar também a não linearidade

presente na vida das pessoas. É analisar, como bem escreveu Allain Robbe-Grillet,

ficcionista do chamado roman nouveau, como o real é descontínuo, “formado de elementos

justapostos sem razão, todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque

surgem de modo incessantemente imprevisto, fora de propósito, aleatório”. 30

Esta observação é importante para olharmos o conjunto de acontecimentos e

mudanças ocorridos na vida de Alceu. Para Gómez de Souza, se dividíssemos a trajetória

amorosiana em fases, a que se iniciou em 1964 seria a terceira delas. A primeira

corresponde a de Alceu jovem, agnóstico e crítico literário. A partir de 1928 – a segunda

fase -, um novo homem nasce diante de sua conversão ao catolicismo, provocada por nove

anos – de 1919 a 1928 - de correspondência trocada com o reacionário pensador católico

Jackson de Figueiredo, que foi influenciado pela visão conservadora dos católicos franceses

Joseph De Maistre e Charles Maurras31.

Alceu tornou-se, nessa segunda fase, o substituto de Jackson (que morrera afogado

em São Conrado, no Rio de Janeiro) no Centro Dom Vital e na revista A Ordem, ambos

com a marca forte do conservadorismo de seu antecessor; secretário-geral da Liga Eleitoral

Católica, em 1933; presidente da Ação Católica Brasileira, em 1935; e inicia seus escritos

sobre Pierre Teilhard de Chardin, padre jesuíta e paleontólogo francês, cujos estudos só

foram publicados após a sua morte, em 1955, uma vez que suas idéias evolucionistas,

29 LIMA, 2003 30 Apud BOURDIEU, Pierre. “Ilusão biográfica”. In: FERREIRA; AMADO, Janaína (coord.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996 31 Apud SOUZA, 1984. In: COSTA. J. Cruz. Contribuição à história das idéias no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 418.

Page 24: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

24

combinando “reflexão teológica e ciências físicas”32, não eram bem vistas no meio

eclesiástico – é atribuído a Alceu o primeiro registro sobre a obra de Chardin no Brasil33.

Até aqui quem aparece é o Alceu oficial da Igreja, um homem conservador e que

defendia os interesses católicos. É aí também que ele ingressa na Academia Brasileira de

Letras, cuja candidatura acontece a pedido de dom Sebastião Leme, cardeal do Rio de

Janeiro, que considerava importante a Igreja ter uma cadeira na instituição. Alceu

candidatou-se contrariado, assim como parece ter sido também a sua entrada no Centro

Dom Vital. Anos depois afirmaria: “E nunca fui homem de grupo. Colocaram-me à força

dentro do Centro Dom Vital e em todos os grupos em que tenho vivido, nunca os escolhi,

nem mesmo a Academia, onde nunca teria entrado se não fosse a pressão de Dom

Leme...”34 Em 1936, no livro Indicações Políticas , Alceu chegou a recomendar aos

católicos que quisessem fazer política para entrarem para a Ação Integralista Brasileira

(AIB), arrependendo-se depois. “Naquele momento ele achava que era o melhor lugar para

um cristão, diante da polarização burguesia X antiburguesia.”35 A Ação Integralista

Brasileira é um movimento político que teve início no Brasil durante a década de 30 e era

considerado fascista 36.

O escritor dizia que sua posição política nos anos 30 correspondia às tendências à

direita da Igreja. A criação da LEC – instrumento da Igreja que recomendava a eleitores

candidatos que defendessem as causas católicas e que, em 1934, influenciou nas eleições da

Assembléia Constituinte, apoiando os candidatos favoráveis às suas reivindicações, como

capelães militares nas Forças Armadas e indissolubilidade matrimonial37 –, para a qual foi

nomeado secretário-geral, coincide com a criação da AIB.

32 COSTA, 2006 33 JANUÁRIO, Marcelo. A arte da palavra – Alceu Amoroso Lima e o jornalismo como missão civilizadora . Trabalho apresentado no II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho. Florianópolis, 15 a 17 de abril de 2004 34 SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. “Alceu Amoroso Lima: Entre a razão e o mistério”. In: BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Exemplaridade ética e santidade. São Paulo: LOYOLA, 1997 35 Id. 36 Para saber mais sobre a Ação Integralista ver: ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e Revolução – O integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987 37 Apud SOUZA, 1984. In: BEOZZO, J.O. Les mouvements des universitaires catholiques au Brésil. Lovaina: Université de Louvain, 1968 (mimeografado), p. 29

Page 25: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

25

Havia entre as posições da LEC e o integralismo coincidências de ponto de vista no

tocante a reivindicações sociais e espirituais. Muitas de suas teses pareciam

coincidir com as teses do catolicismo social, então objeto particular de minhas

preocupações e estudos. Daí a simpatia que despertou nos meios católicos, inclusive

em mim. No meu caso particular devo dizer ainda que me agradava particularmente

a ênfase que o integralismo emprestava à sua posição anti-burguesa. Tinha eu por

essa época publicado o Problema da Burguesia, livro no qual atacava fortemente o

espírito burguês e o espírito de mentalidade burguesa, que eu confundia com o

liberalismo.38

Essa postura mais reacionária era justificada por ele por meio da influência de

Jackson de Figueiredo em sua vida.

Essa minha posição está muito ligada à minha conversão em 1928 e à morte, logo

em seguida, de Jackson de Figueiredo. Tendo assumido a presidência do Centro

Dom Vital e a direção da revista A Ordem senti-me forçado a seguir uma orientação

mais de acordo com a posição de meu antecessor. Em 1928 um acontecimento

importante para mim foi a minha aproximação com D. Sebastião Leme. Tive para

com D. Leme um sentimento verdadeiramente filial. Através do nosso convívio vim

a perceber o espírito extremamente liberal que ele era.39

Quando trata da representação do indivíduo na vida cotidiana, Erving Goffman

analisa que determinados fatos, características negativas, por exemplo, da trajetória ficam

guardados, pois, se apresentados, podem causar constrangimento. Diz o autor que a vida

passada e o curso habitual de determinado ator contêm fatos que “se fossem introduzidos

durante a representação “desacreditariam ou, no mínimo, enfraqueceriam as pretensões

relativas à sua personalidade, que o ator estava tentando projetar, como parte da definição

da situação” 40. Esta é uma observação que podemos considerar adequada para Amoroso

38 LIMA, 1973 39 Id. 40 GOFFMAN, 1975

Page 26: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

26

Lima no que diz respeito à sua postura diante dos questionamentos sobre essa mudança. Ao

falar dela, Alceu dizia que foi já a partir de 1940 que iniciou o processo de revisão de seu

comportamento e de suas idéias “em face dos problemas sociais e do destino da criatura

humana em sua passagem pela Terra”.41 Essa transformação, na verdade, essa constatação

de não coerência do indivíduo foi sempre tema para questões dirigidas a Alceu Amoroso

Lima. São diversos os exemplos, mas fiquemos em dois deles, os livros de entrevistas

Memórias Improvisadas, de Cláudio Medeiros Lima, e Memorando dos 90 , uma coletânea

de matérias publicadas. No primeiro, ao ser perguntado sobre a sua anterior postura política

e religiosa, o intelectual responde:

Eu creio que a evolução que se processou em meu pensamento foi uma espécie de

volta a mim mesmo. Após a minha oscilação à direita, quando ingressei no

catolicismo, era natural que viesse mais tarde a corrigi-la. Considero direita e

esquerda posições unilaterais e temporárias, posições insuficientes, não ilegítimas,

mas insuficientes.

Estou convencido de que tanto o liberalismo econômico como o socialismo

econômico contêm verdades intrínsecas, que são ignoradas pela posição antagônica

em que se situam. O liberalismo econômico trouxe consigo a liberdade política

como o socialismo fez emergir o sentimento da justiça social.

Julgava, há vinte anos passados, que o liberalismo levava fatalmente ao socialismo e

o socialismo ao comunismo. Era insensivelmente uma posição marxista de um

antimarxista. Como considerava o comunismo contrário à liberdade humana, estava

certo de que era preciso reagir ao liberalismo para que não se transformasse em

socialismo e o socialismo em comunismo. Hoje em dia, revendo minhas posições,

inclusive as posições sociais, considero que o socialismo se desenvolveu em virtude

dos erros do liberalismo.

No segundo livro, Alceu elabora a resposta a partir da influência de Jackson de

Figueiredo em sua trajetória. Segundo ele, o que o norteava então era a necessidade de

41 BARBOSA, 1984

Page 27: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

27

seguir o pensamento de Jackson de Figueiredo42, um catolicismo mais conservador. Após a

morte de Jackson e a partir dos contatos com dom Sebastião Leme, cardeal do Rio de

Janeiro, de linha mais liberal, Amoroso Lima parece ampliar suas convicções em direção a

uma atuação mais democrática. Isso se intensifica nos anos 1940. Nesta época, o cardeal do

Rio de Janeiro passa a ser dom Jaime Câmara, em 1943, um ferrenho conservador que

exerce muita pressão e até mesmo censura sobre Alceu, a ponto de este deixar a direção da

Ação Católica, importante instrumento de mobilização dos leigos que chegou ao Brasil

seguindo o modelo proposto pelo papa Pio XII, como uma tentativa de arregimentar os

católicos diante da ameaça do fascismo. A visão de dom Jaime é voltada para as questões

internas da Igreja, sem se preocupar com a abertura da instituição à sociedade civil e

política43.

Dom Helder Câmara torna-se assistente nacional da Ação Católica em 1947 e fica

para a história da entidade como sua principal figura nos anos seguintes. Dom Helder logo

depois, em 1952, foi nomeado bispo-auxiliar de dom Jaime Câmara e funda a Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da qual torna-se secretário -geral. O trabalho de

dom Helder também serve para dar liga à Ação Católica e CNBB, fazendo com que a

segunda tenha tido sua base fundamentada na prática de movimentos leigos. De acordo com

Luiz Alberto Gómez de Souza, a CNBB reforça o trabalho da Ação Católica, possibilitando

sua sobrevivência material e defendendo-a de pressões de outras estruturas de poder. Em

troca, segundo o autor, os movimentos especializados (“movimentos de base”) traziam à

CNBB os dados da realidade brasileira e das Igrejas locais, dos quais tomavam

conhecimento através das viagens dos membros de sua direção nacional, os chamados

“permanentes”. Com a ida de dom Helder para Recife em 1964 e a reorganização da

estrutura da CNBB – quando dom Helder vai para Pernambuco, quem assume a secretaria-

geral da instituição é dom José Gonçalves, bispo conservador mais preocupado com

problemas administrativo-financeiros – para algo mais burocratizado a partir desse mesmo

ano que Ação Católica e CNBB passam a se separar44.

42 Jackson de Figueiredo é considerado o organizador do movimento católico leigo. Combateu o comunismo. Para saber mais: http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_jacksondefigueiredo.htm. Acesso em: 30/6/2006 43 SOUZA, 1984 44 Id.

Page 28: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

28

Amoroso Lima sai da Ação Católica em 1945. Volta a dirigir uma fábrica de tecidos

de propriedade de sua família. De 1949 a 1953, vive na Europa e nos Estados Unidos. Nos

Estados Unidos fica de 1951 a 1953, assume um cargo na Organização dos Estados

Americanos (OEA), o de diretor do Departamento Cultural da União Pan-Americana, e

volta “reconciliado” com a América, uma vez que imaginava encontrar um país

desumanizado e o que viu foi um cenário de diversidade “- da paisagem à convivência

democrática das opiniões políticas – com valores religiosos arraigados, onde a mão do

homem se faz onipresente, com a economia passível de humanização, com cultura e

educação saudáveis”45. A viagem causou-lhe tamanha surpresa que valeu um livro, “A

Realidade Americana”, no qual relata a sua experiência por lá.

Aqui, já não há mais sinais do Alceu influenciado por Jackson de Figueiredo. Ele

está liberto do que simbolizava o compromisso com o passado. O homem que aparece aqui

segue a linha das novas idéias presentes entre as correntes mais liberais do catolicismo, no

sentido de conciliar a doutrina e a realidade política e social do mundo moderno. “A partir

daí percebe que a liberdade e a luta pelo aperfeiçoamento das instituições através da

implantação da justiça social não são abstrações nem idéias que se choquem com os

preceitos cristãos.”46 Após uma longa entrevista com Amoroso Lima, que rende o livro

Memórias Improvisadas, Cláudio Medeiros Lima conclui para esta fase que o rompimento

de Alceu com o passado aqui está feito e que nada mais o liga ao pensamento

tradicionalista. “Eis um ponto capital de diferença entre o Alceu convertido de 1928, que

julgava infalíveis os católicos, e o Alceu de hoje, que só julga infalível a Igreja, em matéria

de Fé e de costumes.” A linha de pensamento de Alceu vai evoluindo no sentido de criticar

uma Igreja que se pretende tornar um império e se distancia das bases. “Confesso que me

sinto muito mais longe de muitos católicos que defendem e mesmo pregam a violência, o

chicote, a guilhotina, do que de muitos não-católicos ou mesmo anticatólicos que defendem

a liberdade, e que sejam contra a imoralidade de invocar a liberdade de Deus quando lhes

convém e a autoridade do Estado quando lhes convém.”47

45 MATOS, Maria Lucia Gomes de. O inesquecível Alceu Amoroso Lima – Entrevista com Marcelo Timotheo da Costa. Amai-vos. Disponível em http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/amaivos07/noticia/noticia.asp?cod_noticia=4694&cod_canal=41. Acesso em 28 de maio de 2007 46 LIMA, 1973 47 Id.

Page 29: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

29

Em 1958, Alceu passa a escrever semanalmente para o Jornal do Brasil e a Folha

de S. Paulo , ao mesmo tempo em que a Igreja também é marcada pelo Concílio Vaticano,

que começa em 1962 e termina em 1965, e é um dos mais representativos acontecimentos

católicos do século XX, já que, a partir dele, a instituição começa a se democratizar,

adquire uma estrutura menos centralizada, mostrando-se mais comprometida com setores

marginalizados da sociedade. A partir desse quadro inicia-se o que será a terceira fase de

Alceu. E é nela que focaremos esta pesquisa, buscando analisar as circunstâncias históricas

e a influência do intelectual, conforme Bobbio nos mostra ao falar do poder de escritores na

Itália e na União Soviética.

Enquanto na Itália, em um período de política não só sem ideais mas também sem

projetos, do qual talvez estejamos saindo, os intelectuais contavam cada vez menos

e suas polêmicas apareciam e desapareciam sem deixar marcas e sem que os

homens do poder sequer se preocupassem minimamente com elas, em um grande

país como a União Soviética, dominado por uma impiedosa e obtusa ditadura,

alguns poucos escritores, poetas e cientistas, com seus textos de protesto, obtiveram

vasta ressonância em todo o mundo e tiveram enorme importância na dissolução de

um poder que parecia destinado a durar uma eternidade.48

Terceira fase

Ao iniciar sua atividade jornalística no final dos anos 50, Alceu vive um novo

momento, uma época de liberdade, sem posto oficial na Igreja, portanto, livre das amarras

da hierarquia da Igreja. É a fase em que joga todo o peso do líder católico que é em sua

tribuna e dá um testemunho de liberdade e ousadia, tornando-se uma das primeiras vozes a

se ouvir contra os desmandos dos militares, grito este que vai se intensificando até o final

de sua vida. Mas, como nos faz pensar Antônio Houaiss, chamar Alceu de pensador

católico pode restringir o alcance de sua obra, uma vez que essa classificação pode

condicionar o pensador ao âmbito religioso. Para Houaiss, Alceu é homem sem

48 BOBBIO, 1996

Page 30: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

30

especialidade, especialista de idéias gerais, definição que, segundo o autor, o próprio

escritor propôs para si mesmo, ainda que com uma ponta de ironia e autocrítica. 49 E Tristão

vai exercer sua atividade jornalística de forma que transforma esse espaço semanal em sua

tribuna. É através de seus textos, analisa Marcelo Timotheo da Costa, que constrói a

imagem de “católico inserido nos tempos modernos”. Nos artigos, Tristão comporta-se

como um observador atento a acontecimentos diversos. Suas abordagens oscilam entre o

universal e o local, passando por temas políticos, econômicos, culturais e de

comportamento. 50

O início da década de 1960 é marcado por uma Igreja muito mais ligada ao Estado

do que ao povo. O leigo e sua participação não eram valorizados. Marcos de Castro, em seu

livro “A Igreja e o autoritarismo”, diz mais. Para ele, por quatro séculos, sendo esse período

vigente até o século XIX, “o leigo não valeu rigorosamente nada na Igreja em nosso país,

nele não tinha qualquer peso específico” 51. Com o Concílio Vaticano II isso sofre uma

mudança. João XXIII convocou o Concílio e, na primeira sessão, certo de que seus projetos

seriam bem recebidos, o papa apresentou cerca de 70 documentos aos bispos e cardeais que

ali estavam, mas estes não foram aceitos pelos conciliares, sendo considerados

conservadores – a liturgia permanecia em latim, sem que muitas pessoas entendessem o que

diziam, os padres continuariam recebendo rigorosa formação e seria mantido o

distanciamento entre o clero e o povo, além da estrutura piramidal da Igreja - e causando

grande tumulto no Vaticano e em todo o mundo, já que a imprensa nacional e internacional

acompanhava a reunião. O Concílio tornou-se um acontecimento turbulento e demorado:

durou três anos. O Vaticano II, então, voltou à estaca zero e, só em 1965, terminou, com 16

resoluções que tornavam a Igreja mais democrática 52.

As mudanças políticas no Brasil nesses primeiros meses de 1964 acontecem

enquanto também ocorrem mudanças na Igreja e favorecem o elo entre autoridades

eclesiásticas e o poder estabelecido. A Igreja, como dito acima, estava ligada ao Estado.

Como argumenta Luiz Alberto Goméz de Souza, o novo secretário-geral da CNBB, dom

49 LIMA, 1973 50 COSTA, 2006 51 CASTRO, 1985 52 SYDOW; FERRI, 1999

Page 31: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

31

José Gonçalves, não desempenha um papel político como dom Helder o fazia e a Igreja se

isola. No entanto, alguns integrantes dos sub-secretariados da CNBB fazem uma

reorganização interna que vai ter como resultado o Plano de Pastoral de Conjunto, aprovado

pelos bispos de Roma. Isso faz com que ela passe a ter uma estrutura de acordo com

método de planejamento experimentado em países da América Latina e organismos

internacionais. “Essa organização mais articulada, em torno de seis ‘linhas de pastoral’, vai

dar à CNBB uma consistência que, com riscos a longo prazo de burocratização, nos anos

difíceis da década seguinte, e já com outra direção mais ousada e aberta, poderá enfrentar

os embates de um aparelho de Estado autoritário e repressivo.”53

A política é pano de fundo para os artigos de Tristão de Athayde no Jornal do

Brasil. Já no início de 1963, Alceu falava das novas esperanças que chegavam junto com a

posse de Miguel Arrais. Para o jornalista, Arrais significava um novo valor na política

nacional brasileira – era um nordestino que falava a linguagem social, condenava os

sectarismos e havia ganho as eleições sem compromissos políticos ou econômicos. Alceu

recebe críticas por ter aplaudido o discurso de posse de Arrais, dizendo que ele estaria

“fazendo o jogo dos comunistas”. Em artigo intitulado “Seráficos”, o escritor discorre sobre

os que, em sua opinião, estão realmente “fazendo o jogo dos comunistas”. Segundo ele,

estes são os que estavam favoráveis a situações que davam condições para a conquista do

poder através de um golpe – queriam pior situação política do Brasil, menos entendimento

entre as classes e sofrimento das massas espoliadas.

Em janeiro de 1964, Tristão dedicou alguns artigos para tratar (e criticar) os boatos

sobre a chegada de um golpe.

Esses cupins de nossa vida cívica murmuram baixinho, em nossos ouvidos, cada

amanhã, que é para já o golpe. Que o presidente esgotou a paciência. Que des ta vez

vem mesmo. Que não haverá eleições para 1965. Que o contragolpe também está

preparado. Que a demissão de um grande ministro foi a gota de água. E com ela se

rejubilaram as forças da Oposição, pois assim mais facilmente vai acabar a

indecisão.

53 SOUZA, 1984

Page 32: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

32

No mesmo artigo, Amoroso Lima diz que, venha de onde vier, o golpe deveria ser

repelido e que era importante o povo brasileiro ter consciência de que a continuidade da

política oposicionista do ‘quanto pior melhor’ levaria à vitória dos boatos. Finaliza,

lamentando que “a leucemia social fará do Brasil, ao menos por certo tempo, qualquer coisa

de irreconhecível”.

Tristão também faz do comunismo um tema freqüente em sua coluna. Sob o título

“Convivência ou morte”, também em janeiro de 1964, ele critica a opinião de grande parte

dos católicos que prega que a Igreja deve declarar guerra contra o comunismo. Alceu

admite que há uma incompatibilidade radical entre a doutrina marxista-leninista e o

Cristianismo. Mas que concorda com a postura de João XXIII e Paulo VI, de promover a

convivência “de todos os homens e de todos os regimes em vez de incentivar a guerra, o

isolamento ou a divisão do mundo em áreas incomunicáveis”.

Nada do que lembrava o Alceu dos anos 40 se vê por aqui, o homem que dizia ser o

ceticismo democrático algo perigosíssimo que preparava o terreno para a campanha

totalitária do Partido Comunista, disposto a todas as dissimulações para alcançar o poder. 54

Na década de 1960, Amoroso Lima criticava a maneira como o comunismo estava sendo

combatido pelos direitistas. “Julgar todo o mundo ‘comunista’, simplesmente porque não é

conservador ou liberal é não julgar ninguém comunista.” E também era contrário ao modo

como a Igreja lidava com a questão, dizendo que torcia para que o que chamou de

mobilização apostólica realmente levasse a uma cristianização da sociedade, à luta contra

as injustiças sociais, contra a miséria e contra o “mundanismo ateu”. Poucos dias depois,

Alceu vai confessar à filha, em carta, não temer o comunismo, mas sim o militarismo e o

golpismo.

Ao mesmo tempo em que acompanha toda a movimentação político-social dos dias

anteriores ao 31 de março, ele ressalta com sua pena que considerava importante distinguir

ação religiosa da ação política. Foi assim que fez em “O indiferentismo”, ao comentar um

comício político em Belo Horizonte.

A situação política do Brasil no início de 1964 era crítica. O clima no país era tenso

antes da deposição de João Goulart. Em discurso preocupado, o presidente falara da

aproximação do golpe. Um cheiro de pólvora no ar denunciava a tomada militar de 31 de

54 BARBOSA, 1984

Page 33: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

33

março. Exército, Marinha e Aeronáutica declararam guerra contra Jango. Com a subida dos

militares ao poder, o país se abre ao capital estrangeiro, há compressão salarial,

concentração de renda nas mãos de pouc os e os sindicatos são silenciados.

A mão forte do regime militar, imposto ao país no dia 31 de março daquele ano,

mexeu de forma entranhada com as idéias de Amoroso Lima, a ponto de ele acusar o golpe

de ser um retrocesso, “um novo Estado Novo de tipo getulista e paratotalitário, direitista e

neofascista”55. No próprio dia 31 de março de 1964 e nos dias seguintes ao golpe, Alceu se

mostrava descontente com Jango e temia que o golpe viesse do próprio Governo com

propósitos “continuístas”. Já no dia 1º de abril, porém, em carta enviada à filha, Alceu

lamentava o rompimento da continuidade civil do governo e a transferência para a área

militar. “E por quem? Pelo nosso amigo Magalhães Pinto, que inicia assim a nova era dos

golpes e contragolpes”56. No mesmo dia, críticas ao cardeal do Rio de Janeiro, dom Jaime

Câmara, não faltaram. “E a esta hora o inefável cardeal do Rio estará aplaudindo o golpe,

como acaba de justificar o uso do ‘rosário em cerimônias cívicas’... O cúmulo. Entendam-

se – cerimônias cívicas que estejam de acordo com suas próprias preferências políticas. No

caso: o mais obscurantista reacionarismo.” 57

Alceu opina, em sua coluna, sobre os motivos que resultaram no movimento que ele

definiu “ao mesmo tempo militar e civil de 30 de março”. Daí ter intitulado o artigo de

“Polarizações”. Segundo Tristão, o golpe se deu por uma gangorra política, dividida pela

polarização esquerdista por parte do governo e direitista por parte da oposição.

Assim como o regime de JG caiu por ter inclinado perigosamente para a esquerda,

estamos agora ameaçados de pender para o pólo oposto, na base das tendências

extremistas dominantes. Ora, a ação reacionária é tão perigosa e unilateral como a

ação revolucionária. O direitismo é tão antidemocrático como o esquerdismo,

embora a Esquerda e a Direita devam conviver pacificamente e estimular-se

reciprocamente numa democracia autêntica.

55 Id. 56 Carta de Alceu à filha Maria Teresa no dia 1 de abril de 1964 57 BARBOSA, 1984

Page 34: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

34

A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi um grande movimento de

oposição ao governo de João Goulart, organizado por setores da Igreja Católica e

defensores da direita. Reunindo milhares de pessoas, foi um dos estopins da derrubada do

presidente. Quando aconteceu a Marcha no Rio de Janeiro, em 2 de abril de 1964, Alceu já

reconhecia ser o militarismo o maior problema a ser enfrentado e não o comunismo.

Até abril de 1964, o pensador tinha uma posição política fervorosamente anti-

comunista, demonstrada em entrevistas, artigos e livros. A sua coluna no Jornal Brasil a

partir de 7 de maio daquele ano representou um marco na vida do militante católico, mas

não só para ele. Alceu tornou-se ali, quando publicou o texto “Terrorismo cultural”, uma

das primeiras vozes a se ouvir publicamente contra o golpe militar.

Com o artigo “Terrorismo cultural”, Tristão denuncia a existência de uma política

cultural caracterizada por atos violentos, a repressão sobre a liberdade de pensamento58. E

inaugura em sua vida intelectual uma nova fase, como paladino a favor da liberdade e

contra o autoritarismo. No próprio dia em que foi publicado, Alceu previa que o texto ainda

o traria muitas amarguras, já que a repercussão foi grande, inclusive com um telefonema do

então presidente Castelo Branco, que ligou pessoalmente para o escritor no dia 7 de maio

para dizer que este não estava bem informado sobre a infiltração comunista.

O golpe militar de 1964 não encontrou má vontade por parte da Igreja. As Marchas

da Família com Deus pela Liberdade foram motivadas pela hierarquia católica, que estava

engajada na campanha anticomunista junto com as elites conservadoras. A Comissã o

Central da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou um documento no

dia 2 de junho que endossava o que estava acontecendo. Era assinado por dom Jaime

Câmara, cardeal do Rio de Janeiro, dom Augusto Álvaro da Silva, arcebispo da Bahia, dom

Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota,

arcebispo de São Paulo, dom José de Medeiros Delgado, arcebispo de São Luís do

Maranhão, e dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia. Entre outras coisas,

dizia: “Ao rendermos graças a Deus, que atendeu as orações de milhões de brasileiros e nos

livrou do perigo comunista, agradecemos aos militares que, com grave risco de suas vidas,

se levantaram em nome dos supremos interesses da nação, e gratos somos a quantos

concorreram para libertarem-na do abismo iminente.”

58 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Alceu Amoroso Lima .

Page 35: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

35

Mas, se por um lado a Igreja era, em grande parte, conservadora, alguns nomes já

apareciam como contraponto a essa situação. Como mostrado, Dom Helder Câmara e

Alceu Amoroso Lima, este no papel de leigo, eram exemplos disso. São homens que podem

ser chamados renovadores da Igreja, que defenderam o primado do bem comum, em que o

indivíduo se subordina à coletividade e a coletividade se subordina à pessoa, à liberdade e à

justiça, usando palavras do próprio Alceu. Nesse sentido, Amoroso Lima considerava a

dissidência entre o catolicismo tradicional e o catolicismo renovado um bem – que ele

próprio ajudou a estabelecer59.

As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) surgem nessa época e são tema para

vários artigos de Amoroso Lima. As CEBs foram um caminho para que a Igreja chegasse

ao povo. “Disto resultou uma intensa meditação dentro da Igreja sobre a religiosidade

popular (até então tratada com desprezo e como sinal de ignorância religiosa) e um

compromisso crescente com as lutas populares.”60 As comunidades eclesiais de base foram

nascendo em igrejas locais de várias partes do Brasil e se constituíam em grupos de

discussão, com a participação de representantes de setores diferentes da comunidade, sobre

os problemas do dia-a-dia em relação a saúde, educação, trabalho, entre outros, além de

serem um espaço para celebração da fé. Foram um braço muito importante para que a Igreja

chegasse ao povo.

Todo esse quadro passa a ser matéria-prima para o que Tristão passa a dizer em sua

coluna. Os efeitos de Terrorismo Cultural e o peso de Alceu como pensador de uma época é

o que estudaremos na parte seguinte desta pesquisa.

59 LIMA, 1973 60 ARNS, 1985

Page 36: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

36

Capítulo II

O livre atirador

“Agora, quando pretendemos ter feito uma ‘revolução democrática’ começam logo

utilizando os processos mais antidemocráticos de cassar mandatos, suprimir direitos

políticos, demitir juízes e professores, prender estudantes, jornalistas e intelectuais

em geral, segundo a tática primária de todas as revoluções que julgam domar pela

força o poder das convicções e deter a marcha das idéias.”

A impressão que se tem ao ler Terrorismo Cultural – o artigo que vai inaugurar uma

faceta mais intransigente do líder católico, do ponto de vista da crítica social – é que ele

esmurrava a mesa enquanto escrevia sua coluna naquele 7 de maio de 1964. Alceu chamou

de terrorismo cultural as demissões de Anísio Teixeira – homem considerado por ele de

reputação mundial no plano da educação, embora tenha sido também perseguido por Alceu

nos anos 30, uma vez que Anísio fazia parte do grupo de professores do movimento Escola

Nova, considerado de esquerda; Amoroso Lima estava à frente de uma campanha contra

Anísio Teixeira e que teve como resultado a demissão deste da Secretaria de Educação do

Distrito Federal em dezembro de 193561 –, Josué de Castro – no plano da sociologia -,

Celso Furtado – no plano da economia -, “simplesmente por pensarem de modo diferente

da nova ideologia dominante”; as prisões do filósofo Ubaldo Puppi, do líder estudantil Luiz

Alberto Goméz de Sousa, “simplesmente porque se considera que seus métodos de

alfabetização são ‘subversivos’; as instruções da Polícia para o ‘saneamento’ do país, dando

como exemplo a advertência feita à Ação Católica para que seus membros se afastassem de

atividades políticas, nas palavras do Estado “atividades incompatíveis não somente com seu

programa, como – e é o que interessa ao Governo – com interesses permanentes da Nação e

gerais da população”; e o fato de a Igreja no Brasil estar sob a tutela de um Estado

autoritário.

Alceu cita o poeta Boris Pasternak, na Rússia Soviética, o deputado socialista

Giacomo Mateotti, na Itália fascista, o jurista e escritor Jesús de Galindez, na ditadura do

61 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Alceu Amoroso Lima

Page 37: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

37

dominicano Trujillo, a religiosa Edith Stein, na Alemanha nazis ta, e o poeta Federico

García Lorca, na Espanha de Franco, como exemplos de vítimas do terrorismo cultural em

outros países. No Brasil, ele finaliza, são os estudantes, jornalistas, professores, sacerdotes,

intelectuais e filósofos o alvo. “O direitismo autoritário é tão implacável como o

esquerdismo revolucionário”, diz Tristão, emendando com a idéia de que ambos tentam

dobrar as consciências e destruir as idéias.

Terrorismo Cultural foi um belo chute a gol, cuja publicação pelo JB deixou Tristão

surpreso, dado, de acordo com suas próprias palavras, o reacionarismo do jornal62 -

desenvolveremos mais adiante essa posição de Alceu em relação ao jornal e o poder. Se a

idéia de Alceu era incomodar o Estado e, ao contrário do que disse em carta dias antes,

mostrar a força de sua pena, ele acertou em cheio. Atingiu o presidente Humberto de

Alencar Castello Branco, por exemplo, que, apesar de considerar Tristão um panteão ou

aquilo que representava a voz do Brasil 63, telefonou para o escritor para reclamar. Logo no

dia seguinte à sua publicação. Alceu vai contando que quase caiu para trás ao ouvir a voz

do presidente. Ficou mudo, achando se tratar de uma brincadeira. Mas era o próprio,

dizendo mais ou menos o seguinte, segundo o próprio Alceu:

Há muito tempo que acompanho o que o senhor escreve e tenho aprendido muito

com o senhor. É a propósito do seu artigo de ontem ‘Terrorismo cultural’. O senhor

talvez não esteja bem informado da profundidade da infiltração comunista... Quanto

ao professor Anísio Teixeira, foi exonerado do cargo do Inep, porque está

comprometido com um inquérito administrativo e só patrocinava os que pensavam

como ele... O diálogo, que o senhor tanto preconiza, e que eu quero manter, não era

permitido a essa gente. Eles só queriam era conversa e não diálogo. E conversa

entre si, em torno de uma mesa, e com um copo de uísque na mão. Só admitiam

subservientes ou???. Eu nunca fui disso64.

62 Carta de Alceu à filha Maria Teresa no dia 8 de maio de 1964 63 Entrevista de Dom Paulo Evaristo Arns à autora 64 Carta de Alceu à filha Maria Teresa no dia 8 de maio de 1964

Page 38: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

38

Amoroso Lima respondeu dizendo que temia que, se perdessem a linha de

temperamento e de espírito de justiça, o comunismo poderia se tornar realmente uma

conspiração perigosa.

Mas eu me congratulo por este seu telefonema. É a primeira vez, creio eu, que um

presidente da República desce de seus cuidados para falar com um simples

jornalista. Eu escrevi isso e outras coisas para me queixar do clima de perseguição e

de abusos. Ainda há dias escrevi ao ministro Milton Campos, nesse sentido. Ainda

hoje leio que um coronel prendeu um padre na Cúria episcopal de Ribeirão Preto

por organizar sindicatos cristãos, quando suas organizações se fazem certamente

para impedir que os lavradores entrem para os sindicatos comunistas. Aquele aviso

a que me refiro no meu artigo é da Guanabara e representa uma intromissão indébita

do estado nos domínios da Igreja. Mas, marechal, o senhor me dá, com este

telefonema, uma grande honra e uma grande alegria e um grande conforto.

Alceu estava se referindo ao aviso dado aos membros da Ação Católica sobre não se

envolverem em atividades políticas. Castello Branco mostrou, em seguida, que conhecia a

trajetória de Alceu. Chamou-o de livre-atirador, sem compromisso e elogiou sua obra.

Há muito que o admiro e leio tudo o que senhor escreve. O seu livro Idade, sexo e

tempo65 tem sido um breviário de toda a minha família. Li todos os seus ensaios,

especialmente o ensaio sobre o Nordeste66, que recomendei aos meus colegas, e o

ensaio sobre o dever da riqueza paulista em relação ao Brasil67. Aprecio os homens

livres e não gosto de me cercar de aduladores. O senhor é um livre-atirador, sem

compromisso. Desejo ter a oportunidade de conversar pessoalmente com o senhor.

Na primeira oportunidade, pedirei que venha conversar comigo. Muito obrigado.

Até breve.

65 Idade, sexo e tempo: três aspectos da psicologia humana . Rio de Janeiro: José Olympio, 1938 66 Segundo o livro Cartas do Pai, trata-se, provavelmente, de Visão do nordeste (Rio de Janeiro: Agir, 1960) 67 Segundo o livro Cartas do Pai, trata-se, provavelmente, de A segunda revolução industrial (São Paulo: Fórum Roberto Simonsen em 1958)

Page 39: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

39

Aquela vontade de que o que dizia no Jornal do Brasil reverberasse de modo a

modificar, de alguma forma, o cenário político e social, de repente, parecia não estar mais

presente em Alceu nesse dia. Na mesma carta à filha, ele dizia querer continuar sendo

apenas um livre atirador, quieto em seu canto. O escritor pedia, numa falsa modéstia quem

sabe, o desejo pelo anonimato: “Como preferia que o presidente da República ignorasse

minha existência e nunca tivesse lido nenhum dos meus livros, ensaios, ou artigos!! Em

suma, uma chateação muito honrosa, se quiserem, mas... uma bela chateação!” Mas o

telefonema parece ter atingido, pelo menos naquele momento, o objetivo do presidente.

Alceu disse à madre Maria Teresa que quis lhe contar o diálogo para mostrar a ela que o

presidente era um homem de bem. E também ressaltou que, a partir daquela conversa, ele

via que existiam duas correntes no regime. Uma que chamou de aquela dos duros

(integralistas, reacionários, direitistas, sargentões, milionários, politicões, udenistas ou

não). Outra, a dos justos, na qual ele incluiu Castello Branco – aqueles que querem as

coisas feitas com justiça e eqüidade e que estarão prontos a tentar corrigir os abusos.

Interessante também observar que Alceu, ao receber esse chamado do presidente, reclama

preferir continuar sendo um mero livre atirador a ter que vir a colaborar com um regime ao

qual não era simpático. “Só peço a Deus é que não peçam minha colaboração para nada.”

Muito antes de 1964 Alceu já conhecia Castello Branco. Certa vez, encontrou-o no

aeroporto, no Rio de Janeiro, quando Castello ocupava um alto posto militar. Travaram um

breve diálogo, que Amoroso Lima conta no livro Memórias Improvisadas:

- Estive recentemente em Natal, onde Dom Eugênio Sales vem realizando um

grande trabalho de ação social. Mas creio que está errado. Esta não é a função da Igreja. A

Igreja deve-se dedicar à sua missão específica, que é cuidar dos problemas espirituais. Tudo

o mais compete ao Estado.

Alceu não concordava. “A Igreja deve ir ao Estado através da Nação e não à Nação

através do Estado.”68 Apesar de seu desinteresse pela política, dizia, durante muitos anos, a

conversão religiosa o fez se aproximar do assunto.

Não me interessei pela política como indivíduo, como pessoa humana, no

desenvolvimento natural de um temperamento, mas, ao contrário, contra o meu

68 LIMA, 1973

Page 40: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

40

temperamento, voltado unicamente para os problemas de natureza cultural e

literária. Foi precisamente depois de meu encontro com a Igreja, isto é, a partir da

convicção de haver encontrado uma filosofia da vida que me fazia crer que todos os

acontecimentos têm uma finalidade intermediária e uma finalidade última e,

portanto, tudo que é vida puramente desinteressada no sentido de uma finalidade

imediata está à margem de uma realização plena da personalidade, - é que passei a

me preocupar pelos problemas políticos. A minha participação nos acontecimentos,

meu juízo dos acontecimentos, está muito mais ligado à ação católica do que à ação

política ou à ação social. Tudo aquilo que interessava ao desenvolvimento da

cristianização da sociedade brasileira passou a figurar como centro de minhas

cogitações. Mas, pouco a pouco, a razão de ser do meu interesse pelo

desenvolvimento das instituições políticas foram assumindo uma importância

intrínseca. Comecei a compreender que não era apenas em virtude da necessidade,

digamos assim, de cristianizar o mundo que a política tinha sua vivência própria.69

O respeito que o presidente Castello Branco parecia ter por Alceu, no entanto, não

impediu que o escritor fosse poupado de uma situação, no mínimo, constrangedora em São

Paulo. Antonio Fernando De Franceschi é quem relembra o momento no prefácio de Cartas

do Pai. Pouco depois de publicar Terrorismo cultural, Alceu sofreu aquilo que pode ser

considerada uma ameaça de prisão em uma de suas freqüentes visitas à madre Maria

Teresa, na Abadia de Santa Maria. Chamada por dois homens, a freira, antes de conversar

com os homens – que identificou serem agentes do DOPS (Departamento de Ordem

Política e Social) –, voltou e pediu que o pai não saísse do local onde estava no convento.

Franceschi descreve assim o diálogo entre a religiosa e os militares70:

- A senhora é filha do Tristão de Athayde?

- Com muita honra.

- Ele se encontra aqui?

- Não.

69 Id. 70 Ibid.

Page 41: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

41

- A senhora poderia dizer onde podemos encontrá -lo?

- Perfeitamente.

A freira entregou aos militares o endereço de Petrópolis e de uma de suas irmãs, Silvia,

onde Alceu costumava ficar. Ao final, ela disse:

- Antes de encontrar meu pai, melhor vocês se comunicarem com o presidente Castello.

É possível avaliar como Alceu sentia-se mal com o que estava vendo e vivendo.

Perplexo, ele dizia no dia 5 de maio de 1964: “Ainda não consegui realizar bem o golpe.

Estou ainda naquele estado de choque, que nos deixa inibidos de pensar. Apenas sentimos

uma espécie de paralisia geral, tanto física como psíquica, que nos deixa em estado de

imobilidade, pensando e agindo de certo modo por hábito, sem sentir na raiz o que estamos

fazendo ou pensando.”71 Por outro lado, o presidente Castello Branco, ainda nessa época –

já que nos anos seguintes ele também se torno alvo de ferrenhas críticas de Alceu – estava

no grupo dos justos, na opinião do jornalista. Era o homem, dizia Alceu, que o Brasil

deveria preservar a todo custo. “Insiste nas reformas e fala com raro bom-senso. É o

presidente da República eleito de que precisamos.”72

Outro ponto que merece ser destacado neste período é a insistência de Alceu em

mostrar em sua correspondência o quão ligado ao regime autoritário estava o Jornal do

Brasil. Ele dizia que o veículo, “apesar de fazer certas restrições e exigências” 73, assumia

como sua a revolução. Também citava como incerta a sua participação como colunista no

diário, um vez que atacava a política em voga. No entanto, devia imaginar que era um

intocável. Os militares tinham receio de atacar um líder católico com seu peso - “e ele era

realmente um homem de peso”, enfatiza dom Paulo Evaristo Arns; assim como para Carlos

Alberto Libânio Christo, o frei Betto, era uma figura monumental, uma espécie de guru

intelectual do catolicismo brasileiro -, que tinha o respeito do presidente da República. “Ele

tinha uma certa impunidade por isso. Dr. Alceu era intocável não porque Roma o

defendesse, mas porque ele, como personalidade, tinha uma representação forte, uma

grande respeitabilidade”, avalia Luiz Alberto Goméz de Sousa.

71 Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 5 de maio de 1964 72 Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 5 de julho de 1964 73 Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 13 de maio de 1964

Page 42: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

42

Alceu tinha consciência disso. Ao escrever à filha em 9 de junho, dois meses após o

golpe, ele dizia que nunca esteve em tão plena torrente e no meio dos acontecimentos como

naquele breve período de abril e maio. Tinha uma explicação: dizia ser esse respeito

advindo de sua experiência, ou de sua idade. “As coisas em épocas como esta envelhecem

tão depressa... E nós com elas. Um período como o que estamos vivendo desde 30 de março

amadurece os ‘verdes’ (os brotinhos...) e apodrece os ‘maduros’. (...) O Hélcio me

perguntou como se explica que o JB tenha recusado os artigos do Antônio Callado (que se

transferiu para o C. da M. 74) e publicado os meus. Respondi-lhe: ‘Efeito dos meus 70 anos!

Já me consideram à margem’...”75

Tristão de Athayde comentava com certa freqüência em sua correspondência com

madre Maria Teresa sobre a postura do Jornal do Brasil em relação ao governo militar. E

se surpreendia em continuar tendo seus artigos publicados pelo veículo. Isso já aparecia

antes do golpe de 31 de março. Alceu ficava profundamente irritado com a postura

governista do jornal, como mostra em comentário feito no dia 26 de março de 1964, quando

diz que, se para manter a sua posição tivesse que abandonar aquela tribuna, o faria:

Fiquei tão irritado com o tom irritante do JB que acho que vou sair dos meus

cuidados e desabafar de novo com o Celso Souza e Silva 76 em carta confidencial e

pessoal. Quero, ao menos, ressalvar a minha responsabilidade, mesmo à custa de ter

de abandonar uma tribuna. Não a deixarei espontaneamente, pois por 20 anos

colaborei no O Jornal com o Chateaubriand sem nunca participar das patifarias ou

maluquices dele. O mesmo posso fazer no JB. Mas que faz pena, faz. O mais bem

feito dos nossos jornais, a serviço do fanatismo e do clero-politicismo mais

repugnante.77

Aqui ele aproveita para criticar o cardeal Jaime Câmara, dizendo que condenava a

mistura de política e religião que as Marchas com Deus pela Família e Liberdade estavam

provocando. No dia anterior, Tristão havia feito o rascunho da crônica “Deus ao alto”, que

74 Correio da Manhã 75 Carta de Alceu à madre Maria Teresa, dia 9 de junho de 1964 76 Celso Souza e Silva era diretor do Jornal do Brasil 77 Carta de Alceu à madre Maria Teresa, dia 26 de março de 1964

Page 43: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

43

seria publicada em maio. Nela, ele dizia “Deus ao alto, não à Direita ou à Esquerda”,

criticando aqueles que estavam maldizendo figuras como dom Helder. Também faz duros

comentários sobre a perseguição ideológica, os Atos Institucionais, o restabelecimento

disfarçado da censura e o fanatismo religioso. Então diz à filha que o artigo poderia lhe

render um cala-boca, inclusive de dom Jaime, “pois nas entrelinhas verão carapuças ao

próprio cardeal”. No dia seguinte, 27 de março, Sexta-feira Santa, Alceu volta com peso em

sua confissão à filha. Dizia que dom Jaime nem mesmo na Sexta-feira Santa deixava

descansar seu ódio anticomunista, referindo-se à bênção que o religioso dava naquele dia

aos cristãos via artigo publicado no JB e no qual “acha jeito de juntar a Paixão de Cristo ao

ódio antic omunista”, reclamava Alceu. “Que doença! Que obsessão!”78 Tristão dizia ter

passado a ler o Correio da Manhã , para compensar a irritação que o JB lhe causava, este

último “incomparavelmente mais sectário e fanático” que o primeiro. As Marchas da

Família, que ele tanto repugnava, estavam sendo apoiadas pelo cardeal, “o maior culpado”,

e pela grande imprensa, incluindo aí Estadão , Jornal do Brasil, Diários Associados, Diário

de Notícias e O Globo, “todos os jornais capitalistas à testa”. Logo após a deflagração do

golpe, no 1 de abril, ele considerava terem sido, entre outras vozes, incluindo a sua, os

grandes jornais, “a começar pelo Jornal do Brasil”79, os principais culpados por aquele

“desastre” 80 do dia 31 de março. No que dizia respeito a ele, dizia que a culpa era por não

ter sua voz o mínimo de ressonância, pois, se tivesse, “nem a oposição nem o governo

teriam chegado ao ponto a que chegaram” 81. Poucos dias depois, Alceu dizia estar tanto o

JB quanto o Correio da Manhã entusiasmados com a revolução, “pois a palavra ‘golpe’

ficou mal vista” 82.

Apesar de contar com o apoio da condessa Pereira Carneiro, percebe -se, pelo que

Tristão declarava à filha, que em algum momento logo após o golpe militar as relações

entre ele e o JB se estremeceram por conta da posição do jornal favorável ao governo. À

época, Tristão publicava artigos também no Suplemento Literário do Diário de Notícias e

estava vendo seu espaço minguar naquele veículo, com a diminuição ou mesmo o

desaparecimento do Suplemento. Foi então que comentou não conseguir ver outro jornal

78 Carta de Alceu à madre Maria Teresa, dia 27 de março de 1964 79 Carta de Alceu à madre Maria Teresa, dia 1 de abril de 1964 80 Id. 81 Ibid. 82 Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 4 de abril de 1964

Page 44: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

44

carioca onde pudesse publicar seus ‘dominicais’. “O JB certamente não, inclusive porque

minhas relações com eles também não andam tão francas e concordes, como andavam,

depois de minha última carta, que aliás o Celso não respondeu” 83. O golpe havia mudado

muita coisa. “Só não me mudou em nada. Talvez mudem algumas fontes de renda... Mas

são os anéis, não os dedos.”84 Claramente, Amoroso Lima dizia que preferia o Correio da

Manhã, uma vez que o Jornal do Brasil estava com “medo de perder a clientela do big

business, os anunciantes endinheirados”. A decisão de não mudar para o Correio era pelo

risco de o jornal, num futuro próximo, mudar de rumo. “Sei lá. Sempre me habituei, no O

Jornal, do Chatô, a ter minha seção independente da opinião do jornal, de modo que

preferia continuar assim, tanto no JB, como no Diário de Notícias , enquanto mantiver

minha atividade jornalística.”85

Terrorismo cultural também atingiu o eterno desafeto de Alceu, Gustavo Corção –

ou, como ele mesmo o chama va, a “jaguatirica das Laranjeiras”. Corção não se conteve e

escreveu “Terrorismo cultural?” para o Diário de Notícias, sendo o artigo transcrito em O

Globo dois dias depois. Alceu não lia O Globo – pelo menos, dizia não ler, assim como

também afirmou não ter colocado os olhos na crítica de Corção à sua coluna de 7 de maio.

Tristão diz que Gustavo Corção tinha alma de inquisidor, como todo moralista e justiceiro,

assinala.

Homens como ele não são fariseus, não são hipócritas, são realmente algozes natos,

como todo executor cheio de uma convicção fanática. Os comunistas e os nazistas

autênticos são feitos desse estofo. Para eles, mesmo quando católicos, como eram os

inquisidores, os fins justificam os meios, embora não sujem de sangue suas próprias

mãos. Entregam aos carrascos a suja tarefa do enforcamento, do fuzilamento ou do

fogo e se colocam na atitude apenas de justiceiros, alegando que Deus também

manda os homens para o fogo eterno...

83 Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 6 de abril de 1964. A carta à qual Alceu se refere é a citada em correspondência do dia 26 de março 84 Id. 85 Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 16 de abril de 1964

Page 45: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

45

O cenário que mostrava o vínculo da Igreja com o Estado autoritário parecia

incomodar muito Alceu. Na ocasião da publicação de Terrorismo Cultural ele se mostrava

profundamente decepcionado com essa situação. Dizia o escritor estarem certos os não-

católicos e comunistas por chamar a Igreja de aliada do capitalismo. A Igreja estava aliada

aos ricos e aos poderosos, e cada vez mais distanciada do povo, fazendo com que o

comunismo se espalhasse pelo mundo e fizesse da Igreja uma instituição do passado, “ou

apenas ligada aos de cima , contra tudo que é a essência da mensagem de Cristo e do que

dizem os documentos sociais mais atuais da própria Igreja, utilizados apenas para efeitos

retóricos e oratóricos”86. Em suas palavras, a Igreja na América nunca teria coragem de

empreender nada e estaria sempre subserviente ao interesse dos ricos e ao poder dos

governos fortes.

Não espero mais nada nem de bispos, nem da Ação Católica. Se com o núncio que

tínhamos (dom Armando Lombardi), os papas que tínhamos, os documentos oficiais

que temos, nada foi possível, que dirá se amanhã vier um núncio da “Junta do

Coice”, como tantos da América Latina, e o papa, mesmo que queira, fique

amarrado pela Cúria, pela prudência, ou sei lá por que forças do mundo ou do outro

mundo...87

Alceu abre um parêntese para falar da Ação Católica e faz uma análise sobre o

direcionamento conservador da instituição após a morte de dom Sebastião Leme. Com o

tempo, para ele, a AC estava se reintegrando ao sistema da Igreja clerical, devocional e de

classe rica,

combatendo todo o processo social e firme em aliança com os proprietários, com os

ricos, com os militares, com os donos da vida, e combatendo ferozmente tudo que

cheira a reforma social, mudança de instituições, ação com o povo, o povo humilde

e pobre, que será tratado de novo paternalisticamente, com uma caridade de esmola,

86 Carta de Alceu para a filha madre Maria Teresa, em 8 de maio de 1964 87 Id.

Page 46: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

46

com creches e procissões, com histórias e bom conselhos, contanto que seja bem-

comportadozinho e obedeça de olhos baixos ao senhor vigário e ao patrão. Tudo o

mais é comunismo...88

A opinião do escritor, embora não tenha citado o caminho percorrido por dom

Helder na colocação da AC ligada aos movimentos de base, vem ao encontro ao que Luiz

Alberto Goméz de Sousa defende em seu livro A JUC – Os estudantes católicos e a

política, quando diz que Ação Católica e CNBB passam a se separar quando também

começam a tornar-se mais burocratizadas, o que coincide com o momento em que dom

Helder deixa o Rio de Janeiro e segue para a arquidiocese de Recife.

A Igreja vivia uma aliança com o regime. No dia 27 de maio, a CNBB convoca uma

reunião no Rio de Janeiro, com debates tensos e que tem como resultado um comunicado

para a opinião pública que “dá a impressão de um compromisso árduo entre os que

aplaudem o novo regime e os que indicam as exigências da justiça social” 89. Quem

conseguia se impor eram os que apoiavam o regime. O documento reconhecia que alguns

militares abusavam de seu poder, “com ‘idealismo mal aplicado’, que os teriam enganado

em sua vigilância de pastores.”90 Dizem que não são a Ação Católica ou o Movimento de

Educação de Base (MEB) de ideais comunistas: “Não aceitamos e nem poderemos aceitar

nunca a acusação injusta, generalizada e gratuita, velada ou explícita, pela qual bispos,

sacerdotes, fiéis ou organizações como, por exemplo, a Ação Católica e o MEB, são

comunistas ou comunizantes” 91. Como bem tratou o tema, Luiz Alberto Goméz de Sousa

assinala que a preocupação era sobretudo em relação aos católicos que estavam nas prisões

e não todos os que estavam sofrendo repressão. “O espírito de corporação é muito forte na

Igreja institucional, que defende seus membros acima de tudo, e ele presidirá uma boa parte

de suas tomadas de posição nos anos seguintes. Só mais tarde é que seus setores mais

abertos patentearão claramente seu posicionamento diante de toda e qualquer violação dos

direitos humanos.”92

88 Ibid. 89 Apud SOUZA, 1984. In: ANTOINE, C. L’Eglise et le pouvoir au Brésil, Paris, Desclée, 1971, p.65 90 SOUZA, 1984 91 Apud SOUZA, 1984. In: ALVES, M. L’Eglise…, p. 174-175 92 SOUZA, 1984

Page 47: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

47

Por outro lado, outros bispos, reunidos em Recife no mês anterior, por ocasião da

posse de dom Helder como arcebispo, produzem um documento com um tom bem diferente

referido acima. Eles reafirmam sua posição diante das reformas de base, advertem sobre as

restrições à liberdade e denunciam as arbitrariedades. É uma amostra das diferenças

internas da Igreja 93. Os novos caminhos percorridos pela CNBB, e já citados anteriormente,

apontavam para essa situação de clericalização.

No artigo “Mel das pedras”, Alceu segue uma linha de raciocínio coerente para esse

pacto entre Igreja e Estado. Para ele, a Igreja era uma fortaleza, na qual se refugiavam os

“bem-pensantes” para se defenderem contra os golpes dos revolucionários e com isso

manterem intactos os seus bens materiais e a sua tranqüilidade pessoal. A insegurança era,

portanto, um dos grandes motivos da popularidade das igrejas. “As guerras e as revoluções

são como as tempestades. Levam os homens a procurarem abrigo. As épocas felizes e

calmas são como dias de sol. Levam os homens a sair de casa...”94.

Marcelo Timotheo da Costa desenvolve em seu trabalho “Um itinerário no Século”

a idéia de que os textos de Alceu Amoroso Lima para sua filha Madre Teresa eram

“exercícios confessionais”. Uma confissão que o escritor fazia diariamente, através das

cartas. Pois se a forma de confissão laica de Tristão era a sua correspondência com a filha

religiosa, o seu espaço na imprensa brasileira funcionou como confissão pública - para

José Oscar Beozzo, era uma “tribuna de diálogo”, onde ele apresentava seus ideais 95. Era

ali, guardadas as proporções do que avaliava poder dizer com maior ou menor ênfase, que

ele dialogava com a sociedade, mostrando-se indignado, contente ou descontente, satisfeito

ou decepcionado, e denunciando o que lhe parecia absurdo. Foi assim ao longo dos anos

que compreenderam a presença de um Estado autoritário no Brasil. E em 1964 esse foi o

início de uma longa jornada, com uma característica considerada fundamental para os

formadores de opinião, como era o caso de Tristão: ele era habilidosíssimo em manter a sua

independência ou liberdade intelectual. Não era homem de recados da Igreja. “Nem com a

CNBB ele se deixou pôr coleira”, diz frei Betto. Tristão era um cristão, com todos os

93 Id. 94 Jornal do Brasil. Mel das pedras, abril, 1964 95 COSTA, 2006

Page 48: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

48

valores evangélicos, mas não era um articulista cristão. Sua dimensão era muito mais ampla

que isso. “Até porque o Estado tem que ser justo, não tem que ser cristão. Não tem a menor

importância se na Constituição está dito em nome de Deus. O importante na Constituição é

a defesa dos direitos humanos. Isso é o suficiente”, conclui o frade dominicano. É o que

Marcelo Timotheo da Costa definiu como um observador que se debruça sobre o cotidiano

brasileiro, mas também do mundo, e que toma posição. 96

Semanalmente, Tristão trazia impressões sobre o quadro político, social e católico.

Aqui ele não é mais, ou simplesmente, Dr. Alceu, o líder católico. É Tristão de Athayde, o

homem público livre que se renova nessa que estamos chamando de a terceira etapa de sua

vida. Ele mesmo se caracterizava não mais o Tristão mais religioso de 1928, mas o Tristão

mais político-social de hoje. Dizer que Tristão aqui poderia ser um homem de esquerda

parece não corresponder à realidade. De acordo com Goméz de Sousa, Alceu se

considerava um homem acima dessas divisões. Ele tinha posições que eram consideradas

de esquerda, mas não gostava dessas terminologias. Talvez o correto seja dizer que ele não

era de direita. “Era um moderado progressista”, diz Goméz de Sousa. Preferia que

dissessem que era um homem aberto ao novo, um homem da reforma, da transformação.

Não era nem um reacionário, nem um revolucionário. “Em relação ao marxismo, ele

sempre guardou uma certa distância crítica, que era bastante forte às vezes.” Alceu

considerava direita e esquerda posições unilaterais, temporárias e insuficientes97. Para Dom

Paulo Evaristo Arns, Alceu era contra tudo o que restringia a liberdade humana. “Podemos

dizer que ele dominou o século pela defesa da liberdade”, avalia o religioso. Mas dom

Paulo é enfático ao dizer que Alceu nunca foi comunista.

Um dos destaques que Tristão dava em seus artigos era comparar as revoluções de

1930, de tipo esquerdista, e 1964, de tipo direitista. Em “Da esquerda à direita”, publicado

em junho, ele fala desse movimento pendular. Dizia que em 1930 esquerda significava

ainda liberdade e direita representava ainda autoridade. O fenômeno extremista, diz

escritor, criou denominadores comuns nos métodos de ação política entre os pólos opostos.

“Naquele momento, a Revolução de 30 representava uma guinada à esquerda.” Segundo

Tristão, era a passagem de uma democracia liberal de tipo conservador, para uma

96 Id. 97 LIMA, 1973

Page 49: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

49

democracia liberal de tipo social. A Revolução de 1964 era um movimento oposto, no

sentido de passar de uma democracia, considerada como excessivamente liberal e libertária

– e com tendência de passar do social ao socialismo -, para uma democracia de tipo

conservador e reacionário.

Foi a opinião pública mais conservadora que denunciou as “reformas” propostas ou

iniciadas pelo governo deposto, com ameaças iminentes ao “direito de

propriedade”; foram os partidos conservadores, a UDN e a maioria absoluta do PSD

que levaram a oposição ao extremo; foram as associações de Classe conservadoras

que denunciaram os propósitos “socialistas” do governo JG; foi a luta contra a

“infiltração comunista” que favoreceu o movimento das famosas “marchas da

família”; foi a grande imprensa conservadora que fustigou impiedosamente o

governo passado, opondo-se a qualquer composição política duradoura; foi,

finalmente, a vertente conservadora das Forças Armadas que deu o golpe final, num

governo que demonstrou não ter capacidade para resolver os grande problemas

fundamentais do país, que não são nem da direita nem da esquerda, e acabou por

uma espécie de suicídio político e paralisia funcional98.

O papel da Igreja e suas nuances – ou a imagem da Igreja naquele momento –

incomodava Alceu e ele gastava artigos e mais artigos para falar disso. Poucos anos depois,

em 1973, Medeiros Lima vai analisar que se a preocupação social constituía uma das

tônicas de seu pensamento, é porque ele via aí a origem da todos os conflitos da civilização

moderna, além de ser esta a fonte do divórcio entre a Igreja e o povo.

Se cairmos de novo no trágico equívoco do século XIX, separando a Igreja do Povo,

repelindo a Democracia, combatendo os erros sociais pela força policial ou pelas

leis de exceção, e ligando a Igreja ao dinheiro, ao poder, ou aos partidos

reacionários, estaremos trabalhando para que se implantem no século XX condições

semelhantes às que desgraçadamente atentaram contra a Igreja em Bizâncio, quando

os patriarcas descansavam à sombra dos Imperadores, ou então ajudaremos a

98 Jornal do Brasil. Da esquerda à direita, junho, 1964

Page 50: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

50

consolidarem-se novos impérios anticristãos ou separados de toda inspiração

evangélica.99

A reação da sociedade brasileira ao que ele chamava de “Revolução de abril”

também foi analisada algumas vezes ao longo de 1964. Para Tristão, foi diferente para cada

uma das que ele considerava as três camadas da sociedade100. As classes altas receberam o

movimento com uma euforia transbordante e até, de certo modo, indiscreta. As classes

médias a consideraram com uma alegria inegável, mas discreta e sobretudo com desafogo e

esperança. Quanto ao povo, o que se viu foi o mais absoluto silêncio. Esse “trágico silêncio

do povo”, diz Alceu, era o que mais o impressionava. Aqui ele então defende o processo

eleitoral como o único caminho realista e democrático a ser seguido. As eleições, aliás,

foram seu tema por várias vezes. Tristão condenava o fato de o povo brasileiro não poder

dizer nas urnas o que queria. “É preciso preservar a fé no sistema político de participação

do povo nas responsabilidades do Governo. Todo regime totalitário começa por eliminar o

voto.”101

Os estudantes também freqüentavam boa parte dos textos de Tristão. Em

Peleguismo estudantil ele resume a situação do estudante brasileiro no final de 1964,

dizendo que o estudantil é um dos grupos sociais que mais tem se projetado na vida

pública.

Os moços e os adolescentes só foram considerados gente grande há pouco tempo e,

como é natural, podem se exceder ou se mostrarem canhestros no manejo dessa

nova arma.” Para Alceu, o paternalismo governamental estava pretendendo

extinguir as associações de estudantes, impedir as eleições mos diretórios

acadêmicos e isolar os estudantes em seus guetos ou dirigi-los de cima. “Pretendem

criar o peleguismo estudantil, depois do peleguismo operário?102

99 LIMA, 1973 100 Jornal do Brasil, O silêncio do povo, maio de 1964 101 Jornal do Brasil, O ceptismo eleitoral, maio de 1964 102 Jornal do Brasil, Peleguismo estudantil, outubro de 1964

Page 51: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

51

Aqui também é interessante inserir o papel da Ação Popular (AP), uma vez que já

foram citadas as Comunidades Eclesiais de Base. A Ação Popular, ou o chamado Grupão,

nasceu em 1962 e foi integrada por jovens progressistas que eram ligados à Ação Católica,

especialmente à Juventude Universitária Católica (JUC).103 Ao ser criada, a AP “definiu-se

como ‘movimento político’, inspirando-se em idéias humanistas de Jacques Maritain,

Teilhard de Chardin, Emmanuel Mounier e Padre Lebret. Em seu Documento-Base, de

1963, propõe-se a lutar por uma sociedade justa, condenando tanto o capitalismo quanto os

países socialistas existentes”. 104 Era o meio estudantil que estava sua maior força. Várias

diretorias da UNE estiveram em mãos de seus membros, assim como a AP também

esforçava-se para estar entre os operários e trabalhadores rurais. Essa inserção se dava

através do Movimento de Educação de Base, que era ligado à CNBB. Durante o governo de

João Goulart, a AP foca as suas lutas para defender as reformas de base. Com o golpe de

abril, sofre com a repressão. Nos anos seguintes, então, ela vai reorganizar a sua estrutura,

focando-se no meio universitário e iniciando um longo debate para definir, ou redefinir,

seus princípios políticos e filosóficos. A organização era influenciada pelo pensamento

marxista105.

1964 terminou para Alceu com uma boa quantidade de louça partida. Para um ano

de revolução, talvez até nem tanta assim. No dia 31 de dezembro ele escrevia em sua

coluna que aquele ano havia sido dividido em quatro partes, ou em quatro reações sociais.

A primeira, um movimento de massas aparentemente unânimes e eufóricas em torno do

movimento de 31 de março, “preparado em geral pelas famosas Marchas da Família. A

segunda reação veio ao perceberem os setores favoráveis ao regime que tratava -se de uma

ditadura, “disfarçada em nova legalidade”, das direitas. O terceiro ato da peça, segundo

Tristão, foi o período punitivo. “A violência das repressões, a caça aos ‘subversivos e

corruptos’ em geral na base de simples vinganças e delações de ordem pessoal, o

desencadeamento de um anticomunismo primário e do terrorismo cultural alcançando as

universidades, os estudantes e toda manifestação ideológica suspeita de ‘esquerdismo’ (...)”

O último ato da tragédia, como chamou, é o das dissidências dentro do próprio governo e a

103 ARNS, 1985 104 Id. 105 Ibid.

Page 52: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

52

ruptura entre o Poder Judiciário, “mantendo a Justiça com uma coragem e uma dignidade

dignas do maior respeito”, e uma linha dura, “que pretende definir o direito como sendo

tudo aquilo que convém à Revolução”. Alceu encerra dizendo que, longe de clarear, de

abril àquele dezembro, a atmosfera escureceu. É esse quadro que estudaremos a seguir.

Page 53: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

53

PARTE II

Capítulo III

De Dr. Alceu a Tristão de Athayde

“Não há democracia sem eleições. Portanto, das duas uma: ou o movimento de abril

foi feito para realizar um regime democrático, que estava sendo gradativamente ameaçado

pelas perspectivas da República Sindicalista do janguismo ou do brizolismo. E nesse caso

não pode começar negando o princípio fundamental da democracia que é o voto popular.

Ou então o que pretende fazer é neofascismo sob a capa de democracia. E nos encontramos,

então, em face de uma típica impostura política. Seria preferível adotar logo um regime

ditatorial à portuguesa ou à espanhola, com a imprensa amordaçada, o Parlamento fechado,

as cátedras silenciadas e as Forças Armadas e os Civis reacionários pastoreando, sem

oposição (mas não sem conspiração...), um Brasil adolescente, incapaz de se governar por

si próprio... Não creio em guerra civil nesse caso. O povo está tão descrente de tudo que

aceitaria uma ditadura, civil ou militar, sem protestar. Por medo. Por cansaço. Por

cepticismo. Por deixa -estar...” 106

O pessimismo com que Tristão descreve o que foi o ano de 1964 se estendeu aos

seus artigos do início de 1965. O jornalista começou o ano enfocando a necessidade das

eleições no Brasil. Para ele, a maior parte da sociedade brasileira estava completamente

descrente com o processo eleitoral. “É a prova mais patente de que a finalidade alegada

para o golpe de abril de 64 – o restabelecimento da democracia contra o perigo comunista –

foi, pelo menos até hoje, completamente frustrada.”107 Ao mesmo tempo, escrevia para a

filha que, àquela altura, já havia se deslocado da direita para a esquerda, embora sempre no

centro108. Em 3 de outubro houve eleições. Alceu vibrou. Ele, que escreveu os textos

106 Jornal do Brasil. Eleições, 22/1/1965 107 Jornal do Brasil. Eleições e anistia, fevereiro de 1965 108 Carta de Alceu para a filha Maria Teresa no dia 28 de maio de 1965

Page 54: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

54

“Vote” e “Mas vote bem”, dizendo que o povo tinha que dignificar as eleições,

colaborando, com o voto, para a saída de uma nova encruzilhada, considerou o resultado

das eleições um passo promissor no processo de redemocratização do país. Dizia que o

golpe de abril e o AI-I interromperam o processo democrático de superar as crises políticas.

“Foram atos de cúpula sem participação do povo, cometidos à sua revelia e deixando

totalmente de lado a maioria absoluta da nacionalidade, especialmente entre o proletariado,

os estudantes e os intelectuais.”109 A eleições de 1965 para o governo do Rio de Janeiro

foram disputadas por Francisco Negrão de Lima, candidato da coligação PSD/PTB e Carlos

Otávio Flexa Ribeiro, candidato lacerdista. Alceu votaria em Negrão de Lima 110, que foi

quem ganhou a disputa.

Alguns dias depois, em 15 de outubro, Tristão já dedicava um artigo para pedir

eleições diretas em 1966, com o propósito “de respeitar a voz das urnas; liquidação da fase

punitiva da Revolução; respeito rigoroso à autonomia dos Estados; manutenção estrita dos

poderes da Magistratura, especialmente do Supremo Tribunal; garantia das liberdades de

imprensa; anistia, na base de processos regulares e não facciosos contra os ‘corruptos e

subversivos’”111. Para Tristão, foram esses os pedidos do povo em seu voto silencioso do

dia 3.

O Concílio Vaticano II termina em 1965. O tema – e a figura de Paulo VI - está em

muitos de seus textos neste momento, seja o que escreve para o seu leitor semanal seja para

madre Maria Teresa. Para o escritor, o evento católico, que, em suas palavras, era

renovador e não anatematizador, promoveria “o diálogo com o mundo moderno”. Porém,

aqui também já estão respingadas no Concílio as influências das duas principais encíclicas

do papa João XXIII, Mater et Magistra, de 15 de maio de 1961, e Pacem in Terris , de 11

de abril de 1963. As encíclicas de João XXIII são importantes na história da Igreja. Com

elas, se estabelece a participação efetiva do leigo. “É a denúncia das injustiças, são os

esforços da promoção humana que acompanham o arejamento da Igreja nascido do sopro

do Espírito, através de João XXIII. É a Igreja a se atualizar, a se pôr em dia com os

problemas humanos do tempo presente. É o aggiornamento , para usar a expressão do

109 Jornal do Brasil. A voz das urnas, 15/10/1965 110 Carta de Alceu para Madre Maria Teresa, no dia 3 de outubro de 1965 111 Jornal do Brasil. A voz das urnas, 15/10/1965

Page 55: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

55

próprio João XXIII.”112 Dessa forma, analisa Marcos de Castro em seu livro A Igreja e o

autoritarismo, de conivente com o poder a Igreja passa a ser denunciadora das injustiças

que ocorrem. “E de denunciadora de injustiças a encorajadora ou agente, ela própria, da

promoção humana. Dentro desse quadro, passou à vivência de uma ação social com uma

intensidade sem precedentes na sua história, pelo menos na América Latina.”113 Mais

adiante veremos que isso logo depois vai resultar na Conferência de Medellín, um dos

marcos na trajetória dessa Igreja ligada ao povo.

Do ponto de vista da política, é instituído o AI-2 em 27 de outubro de 1965. Alceu

assim o recebe:

É possível que a estas horas já estejamos com o novo Estado Novo, isto é, com a

ditadura legalizada e portanto com a segunda revolução instalada no Brasil. Todos

os comandos estão agora, de novo, nas mãos de um comando revolucionário e com

um Ato Institucional no. 2, que renova os poderes do Ato no. 1, de 9 de abril de

1964, e coloca os destinos de todos nós nas mãos da Justiça Militar (sic). Para mim

é esta a suprema execração. A Justiça Militar sempre foi a chamada justiça de

exceção. Agora se transforma essa justiça de exceção em justiça comum,

transformando-se o Brasil inteiro num campo de concentração.”114

Fazia ele, dessa forma, a sua confissão diária. Questionava se seria respeitada a

liberdade de idéias e dizia não acreditar que cortariam essa liberdade de forma drástica,

colocando os jornais sob censura. O por que ele tinha na ponta da língua: primeiro, para

americano ver, respeitando as aparências da democracia; segundo, mais

maquiavelicamente, para poderem detectar melhor os inimigos do regime e assim poderem

processar-nos como subversivos...115

Aqui ele fala inclusive de Castello Branco, que costuma defender em suas cartas e

mesmo artigos. “(...) tudo isso é uma subversão total da Constituição que o Castello Branco

112 CASTRO, 1985 113 Id. 114 Carta de Alceu para a filha Maria Teresa, dia 27 de outubro de 1965 115 Id.

Page 56: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

56

jurou defender, quando foi eleito, ‘inconstitucionalmente’ aliás, pelo Congresso. E no

entanto é ele o primeiro a encabeçar a insurreição anticonstitucional, sob pretexto de

defender a democracia”. Para o escritor, com o AI-2, o Brasil estava vivendo em pleno

domínio da impostura moral, política, econômica e psicológica. No dia seguinte, ele

lamentava, dizendo que contra a plena ditadura militar só havia três caminhos: aceitação,

revolução e oposição.

No JB, Alceu escreveu “Extremismo antibrasileiro”. Começa dizendo que o que

mais o horrorizou no AI-2 foi o seu caráter antibrasileiro, com o Brasil caminhando em

sentido diametralmente oposto à sua tradição e ao seu temperamento.

Esse processo de descaracterização do Brasil começou com a renúncia do Senhor

Jânio Quadros, para não remontarmos além, como poderíamos fazê-lo, datando-o da

década 20 a 30, quando foram fundados no Brasil o Partido Comunista e a Ação

Integralista, já agora renascente. Introduzia-se em nossa terra, como já hoje a

distância podemos ver claramente, um vírus terrível e antibrasileiro – o do

extremismo. Desde então, o binômio Esquerda-Direita, confessado ou inconfessado,

começou a substituir aquela tradição de polinômios, que sempre fora a nossa. E a

solapar o que havia de mais precioso e insubstituível na tradição brasileira: a

cordialidade, a mansidão, o respeito recíproco, o espírito de composição, o bom

senso. Tudo isso foi pouco a pouco sendo substituído pelo autoritarismo, pelo

revolucionarismo, pelo esquerdismo, pelo direitismo, pelo antagonismo, pela

arrogância, pelo farisaísmo, em suma pelo Extremismo radicalista. O e foi

substituído pelo ou. A compreensão pela condenação. O amor pelo ódio. A

convivência pelo isolacionismo. A oposição pela conspiração. O equilíbrio dos

poderes pela hipertrofia do Executivo. O civilismo pelo militarismo. A harmonia

das classes pela luta de classes. O jeito pelo dedo em riste. O espírito moderador

pelo espírito punidor. A moral pelo moralismo.

Para Tristão, todo esse processo já estava sendo gerado no Ato Institucional no. 1,

mas foi no segundo que ele veio de modo violento e intolerante. A opinião do jornalista era

Page 57: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

57

a de que os poderes extra -constitucionais garantidos ao governo pelo AI-II representavam,

naquele momento, o mais triste dos retrocessos no caminho da democratização do Brasil.

Amoroso Lima deixa a presidência do Centro Dom Vital em 1966. Pessoalmente,

ele parecia se distanciar da Igreja, pelo menos no que dizia respeito ao clero. Confessou à

filha: “Estou cada vez mais desligado de qualquer autoridade eclesiástica. Não quero

atribuir nada a elas, mas a mim mesmo. Não procuro nenhuma delas. Não vou à

Nunciatura. Não mando meus livros ao cardeal. Recuso convite do bispo reitor de Minas.

Nem mesmo procurei dom Helder, quando passou por aqui há dias! Não creio que haja

nisso uma intenção sistemática. Mas o que deve haver é realmente uma tendência inata a

me afastar de tudo o que é oficial.”116 Aqui, quando Alceu sai do Centro Dom Vital e

Heráclito Fontoura Sobral Pinto assume a presidência por designação do cardeal Jaime

Câmara, já havia um esvaziamento no Centro. Alceu depois veio a declarar que pediu

demissão por acreditar que era necessária uma renovação dos quadros dirigentes da

instituição, mas que, ao contrário do que estava sendo noticiado, a Igreja no Rio de Janeiro

permanecia tendo interesse na continuidade do Centro Dom Vital.

No inquérito recentemente publicado no Estado de São Paulo sobre a crise atual do

catolicismo no Brasil, embora certa em suas linhas gerais a nosso respeito, diz-se

que Dom Eugênio, o atual cardeal do Rio, a quem compete, por nossos estatutos a

designação do presidente do Centro, não se interessa pelo seu prosseguimento.

Estou seguramente informado de que isso não é exato. Não só a Presidência do

Centro está hoje entregue a uma figura absolutamente ímpar em todos os sentidos,

como católico, como advogado e como homem de cultura, meu grande amigo

Heráclito Sobral Pinto, como existe muita gente interessada em revitalizar o Centro,

tal como é a intenção de Sua Eminência. A necessidade da obra permanece e se

torna cada vez mais premente, em face dos novos rumos da Igreja depois do

Concílio e da tensão existente em toda parte entre conservadores e renovadores. 117

116 Carta de Alceu à filha madre Maria Teresa, dia 3 de outubro de 1966 117 LIMA, 1973

Page 58: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

58

Na realidade, a saída de Alceu e a entrada de Sobral Pinto aconteceu num processo

conturbado. Como nos mostra o levantamento feito pelo Dicionário Histórico-Biográfico

Brasileiro (DHBB), quando Alceu se afastou da organização, o cardeal Jaime Câmara se

recusava a escolher um novo presidente e era a ele, pelos estatutos, que cabia a

responsabilidade de eleger quem exerceria o cargo. “Não podendo eleger sua diretoria, o

centro não tinha sua situação legalizada, o que implicava a suspensão dos subsídios

govername ntais.”118 Dessa forma, Alceu destinava recursos próprios para manter o Centro

nessa fase. Ainda de acordo com o DHBB, a crise que gerou a saída de Alceu e a entrada de

Sobral Pinto foi gerada pelo confronto entre a ala conservadora, liderada por Gustavo

Corção, e a outra “mais crítica”, que tinha Alceu à frente. Mas Sobral Pinto não ficaria

muito tempo como presidente do Centro – que se manteve nesses últimos anos graças ao

prestígio de nomes como Amoroso Lima e Sobral Pinto; daí em diante perdendo, o Centro,

seu prestígio. Dom Jaime Câmara demitiu Sobral Pinto e toda a sua diretoria em 1968.119

Até 1973, as atividades da instituição ficam praticamente paralisadas. Com um ato que

lembrava o aniversário de morte de Jackson de Figueiredo, em 6 de novembro de 1973, as

atividades do Centro são reativadas por Alceu e Sobral. Além de reorganizar o Centro e

seus sócios, a revista A Ordem volta a circular no ano seguinte.120

O papa Paulo VI dá uma demonstração de reconhecimento ao papel de Alceu como

leigo católico em 1967. Ele é eleito membro da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz.

Segundo Alceu, as reuniões da Comissão aconteciam na sala do consistório e as sessões

começavam e terminavam às 7h da manhã, com uma missa solene. Na primeira audiência

da Comissão com o papa, Paulo VI os recebeu dizendo:

- Vós sois como os galos do campanário da Igreja, encarregados de cantar, antes

mesmo que o Sol se levante, a fim de despertar os que dormem para a missão social da

Igreja 121.

118 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Centro Dom Vital 119 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Sobral Pinto 120 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Centro Dom Vital 121 Id.

Page 59: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

59

Ainda de acordo com um depoimento de Alceu122, entre os delegados havia os dois

extremos – reacionários e revolucionários. Para exemplificar essa composição, o escritor

cita um bispo-auxiliar de Caracas, Monsenhor Enriquez, e um padre mexicano, Jesús

García. “O bispo venezuelano, afável no trato pessoal, era implacável nas suas denúncias

anti-revolucionárias. Numa das primeiras sessões pintou a América Latina como sendo um

campo de batalha de padres revolucionários, de armas na mão, ameaçando, a ferro e fogo,

as instituições e a ordem estabelecida.” Do lado oposto, diz Alceu, o jovem padre mexicano

reagia “contra o formalismo e o convencionalismo das fórmulas jurídicas, em nome das

massas famintas e exploradas, não só de nossa América Latina, mas de todo o mundo, em

que as duas vertentes, a conservadora e a renovadora, da Igreja, que sempre existirão, se

converteu em seu ápice como nos vulcões ainda não extintos, em chamas calcinantes mas

redentoras. Daí a discussão acesa, entre a violência e a não-violência, que não deixou de

animar os debates”.

Alceu lembra que no debate sustentou a “não-violência”, propondo que em um texto

submetido ao plenário, e no qual estavam citados os nomes de Gandhi e Martin Luther

King, fosse acrescentado o de dom Helder Câmara. Mas o escritor temia reações, devido à

campanha de difamação do arcebispo de Recife no Brasil, com a qual, diz, “conseguiram

evitar que o Prêmio Nobel da Paz fosse, pela primeira vez, atribuído a um brasileiro”. Ao

contrário do que pensava, a proposta foi a única recebida com aplausos. “Os profetas só são

reconhecidos fora de sua pátria, como os Evangelhos nos dizem e como a experiência

imemorial da História o confirma”, avaliou.

Na primeira reunião da Comissão, Amoroso Lima propôs que a Comissão fosse

ampliada e abrisse espaço para jovens e trabalhadores. Teve apoio do italiano Vittorino

Veronese, que foi secretário-geral da Unesco durante alguns anos, para a inserção dos

jovens, mas estes só estiveram presentes no final dos debates, quando foi preparado um

documento para ser enviado ao Sínodo – aos eclesiásticos reunidos – no qual, graças à

colaboração desses jovens, foi incluída a expressão “não-violência”. As palavras geraram

polêmica e foram substituídas pela frase “Que se suprimam as condições que levam à

violência”.

122 Ibid.

Page 60: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

60

As mulheres também estavam representadas na Comissão. Eram elas Irmã Inês –

que havia sido professora no Ginásio Des Oiseaux, em São Paulo e, naquele momento,

estava se preparando para trocar Roma pelo Nordeste brasileiro -, Bárbara Ward –

economista inglesa e catedrática da Columbia University – e Madame Klompé – por vários

anos, ministra do Bem-Estar Social da Holanda.

Segundo palavras de Alceu, todos os continentes estavam representados na

Comissão. “Mas os big four, que dirigiam os trabalhos, eram um belga, dois franceses e um

italiano”, considerou o escritor. Em 1968, numa entrevista a Clarice Lispector, o escritor

diz que a Comissão estava naquele momento ainda resolvendo mais problemas de

organização interna que de ação exterior. Tratava-se, dizia, de uma comissão de estudiosos,

dos problemas de Justiça e de Paz, Commissio Studiosorum Justitia et Pax e não de ação

imediata.

Esta caberá às comissões nacionais, já em vias de organização, como entre nós,

embora ainda no papel, ou já em função, como na França, nos Estados Unidos, na

Holanda, na Alemanha, na Venezuela. A função de todas, inclusive da central em

Roma, é procurar, ao mesmo tempo, estudar os problemas concretos de patologia

social, no tocante à Justiça e à Paz, e disseminar, nas consciências, nas legislações e

na prática social, os princípios consubstanciados nas grandes Encíclicas Sociais,

especialmente a Populorum progressio.123

Na mesma ocasião, a escritora questiona Alceu sobre as dissensões entre os

católicos. Ele responde dizendo que elas são uma prova da liberdade que gozam os

católicos dentro da Igreja – e aí ele aproveita para se colocar entre os progressistas.

Enquanto houver essa tensão entre conservadores e renovadores, ou, como dizem

por aí, entre reacionários e progressistas, e eu pessoalmente me coloco entre esses

últimos, é prova da vitalidade da vida católica. O perigo seria se uma dessas

vertentes se arvorasse em montanha, tentando dominar a outra e suprimir o convívio

123 LISPECTOR, 2007

Page 61: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

61

dos contrários ou dos diferentes dentro de uma Casa comum, que é o próprio

universo.

Paulo VI era um homem que Alceu admirava muito. Dizia, nos idos de 1965, que se

sentia mais com João XXIII, mas que, levando em conta o temperamento, era mais Paulo

VI. Explicava:

em João, era a criança piedosa que dominava tudo. Em Paulo, é o intelectual

piedoso. E queira ou não, fui picado pela mosca da intelligentsia e até morrer

sofrerei do mal. De modo que os buts do nosso Paulo VI na realidade estão mais

próximos do meu próprio ‘penso, logo hesito’, do que daquela luminosa

simplicidade do nosso pai João, que via tudo tão claro e dizia tudo tão

simplesmente, por uma intuição verdadeiramente angélica.124

No contexto católico, o ano de 1968 é marcado pela realização da Conferência de

Medellín, pensada já no final do Concílio Vaticano II, em 1965, pelo presidente do

Conselho Episcopal Latino Americano, Manuel Larraín, a fim de divulgar e aplicar as

orientações do concílio. O processo burocrático do Vaticano só permitiu que a conferência

fosse realizada três anos depois. O evento foi considerado uma abertura ao conceito de

libertação, que pouco depois surgiu como Teologia da Libertação, termo que eriçava os

pelos de bispos latino-americanos mais conservadores, assim como muitos religiosos

europeus, especialmente os italianos. A Conferência de Medellín serviu como um ponto de

partida para uma nova etapa da vida da Igreja: a opção preferencial pelos pobres. Com a

idéia de que cada homem deveria tomar a sua história na mão, esse encontro também

representou o início de uma série de repreensões com a prisão, tortura e morte de muitos

religiosos125. Para Alceu, a Teologia da Libertação também foi um caminho para melhor

compreender o que estava acontecendo na Igreja e suas bases. “Ele era uma pessoa que

vinha de uma formação muito burguesa, sempre foi um homem rico, mas foi descobrindo

124 Carta de Alceu à filha Maria Teresa, dia 31 de março de 1965 125 SYDOW; FERRI, 1999

Page 62: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

62

aquilo que a Teologia da Libertação sempre disse: que o marxismo nos serviu enquanto

método de amostra da realidade”, analisa Frei Betto. “Nós nunca adotamos o marxismo

como doutrina de fé, como também não queremos que adotem a Teologia da Libertação

como análise da realidade.” Como exemplo ele cita São Tomás, utilizando-se de Aristóteles

para fazer a sua teologia126. Para Betto, ao estabelecer contato com as Comunidades

Eclesiais de Base (CEBs), Alceu também se encontra com a Teologia da Libertação, e aí

passa a ter uma visão mais clara do marxismo, ainda que isso nunca o tenha feito um

marxista. Muito pelo contrário. Amoroso Lima manteve-se distante, analisando o que

capitalismo e comunismo representavam para as sociedades.

Dom Helder Câmara era um teólogo da libertação e foi interpretando e se

embrenhando na obra do arcebispo de Recife e Olinda que Alceu também circulou pelas

entrelinhas da teologia da libertação. Não usava com freqüência esse termo para fazer

análises da Igreja, mas seguia o exemplo de dom Helder para conceituar essa nova face do

catolicismo na América Latina. São vários os artigos de Tristão que têm enfoque em dom

Helder e sua importância nessa Igreja que quer chegar ao povo. Vamos aqui ficar em três

deles. O primeiro é “O novo Júlio Maria”, no qual Tristão traça o paralelo entre o arcebispo

de Recife com o padre redentorista, que defendia essa força entre a Igreja e o povo.

Se Dom Vital desligou a Igreja de suas amarras com o Império, padre Helder a está

desligando de suas amarras com a alta burguesia. Está desemburguesando o nosso

cristianismo. Não que faça qualquer campanha antiburguesa, como apregoam os

seus inimigos, ao acusá-lo puerilmente de comunista (o qualificativo, aliás, já se

desmoralizou tanto, entre nós, que ultimamente tem sido evitado, pois estava-se

convertendo em... louvor. Ser chamado de comunista passou a ser um título de

honra...). (...) Mas o que padre Helder vem fazendo é desligar ou tentar desligar a

Igreja de seus laços classistas. E como esses laços anda são predominantemente

burgueses, é o desemburguesamento da Igreja e sua “ida ao povo”, como pedia Júlio

Maria, que vem sendo, consciente ou inconscientemente, a tarefa desse grande

bispo, o mais respeitado (salvo entre nós...) de todo o nosso episcopado. (...) Para

126 Entrevista de Frei Betto à autora

Page 63: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

63

alcançar renome mundial faltou a Júlio Maria uma boa difamação. É o que sobra em

padre Helder.127

Para Alceu, as diferenças entre as autoridades militares e as autoridades eclesiásticas

era o melhor sinal da vitalidade da Igreja no Brasil.128 Em “Não queremos, mas”, de 22 de

dezembro de 1967, Tristão argumenta que a Igreja precisa ter liberdade para promover e

praticar sua doutrina social, conforme as últimas encíclicas e as resoluções do Concílio

Vaticano II defendem.

(...) a ação do padre Helder e da coroa de bispos que o rodeiam, ao mesmo tempo

que prossegue na linha de Dom Vital, opondo-se a toda restrição à liberdade da

Igreja por parte do Estado ou dos elementos radicais e direitistas que o dominam, na

sombra, também diverge da oposição em que Dom Vital se colocou há um século.

Se este, no espírito do Vaticano I, ou antes na concepção “escorialesca” de Felipe II,

queria uma Igreja cercada de “fortalezas”, como deviam ser “as Ordens Religiosas”,

segundo expressão textual da gloriosa vítima do cesarismo imperial, o novo Dom

Vital e todos os bispos, sacerdotes e leigos que o acompanham em seu apostolado, o

que querem é uma Igreja sem fortalezas que a impeçam de ir ao povo diretamente,

como Jesus o fazia. E aberta à renovação profunda de uma ordem social esclerótica

e “caiada” como os “sepulcros” do Evangelho... E estão sendo vítimas do cesarismo

republicano dos extremistas da direita e dos interesses e privilégios ameaçados de

uma burguesia egoísta, para quem a Igreja continua a ser apenas um baluarte para

defesa das suas propriedades e posições sociais.

(...) é essencial não só a liberdade teórica da Igreja, mas a liberdade concreta, dos

fiéis ou dos infiéis, de promoverem e praticarem sua doutrina social, tal como vem

sendo expressa nos mais recentes documentos pontifícios ou conciliares. O choque

entre conservadores e renovadores, entre os fiéis, é hoje é um fenômeno universal e

até sadio. Mas a pretensão dos revolucionários direitistas e reacionários em se

arvorarem em juízes da atitude dos bispos ou dos cristãos contrários a essas

127 Jornal do Brasil, O novo Júlio Maria, 13 de julho de 1967 128 Jornal do Brasil, A nova questão religiosa , 21 de dezembro de 1967

Page 64: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

64

colocações políticas e ideológicas, essa é realmente indefensável e perigosa para a

solução sem violências do nosso futuro. 129

Tristão dedicou, como tantas vezes o fez, o artigo de 19 de abril de 1968 aos

estudantes. Intitulou-o “O estudante, esse subversivo”. Provavelmente - já que não

menciona o nome - se referindo a Edson Luís de Lima Souto, estudante de 16 anos mosto

no Rio de Janeiro pela ditadura militar com um tiro à queima roupa, no dia 28 de março,

enquanto participava de um protesto contra o aumento de preços de um restaurante que

atendia alunos carentes, Tristão pedia à mocidade universitária que não seguisse o caminho

da violência para enfrentar as forças da ditadura. Era uma carta. Um apelo.

Meus jovens amigos

Estou, de todo coração, com vocês com a sua mais que legítima revolta contra a

violência de que foram e continuam sendo as primeiras vítimas e que já custou a

vida pelo menos a um dos seus companheiros.

Mas não é pela violência que se combate a violência. E sim pela inteligência, pela

serenidade, pela união e pela perseverança.

Nada façam que possa oferecer pretexto a novos abusos de força por parte dos

defensores da chamada “ordem pública”. O que vocês pretendem, bem sei, é a

verdadeira Ordem, a ordem pública que não se baseia na injustiça mas na liberdade

e no reconhecimento dos direitos intangíveis dos cidadãos. É por essa Ordem que

vocês se batem. E esse combate tem de ser feito em Ordem, sem violência, para

atingir os resultados que todos almejamos, pela prática efetiva de uma democracia

social autêntica.

Para alcançar esse resultado é preciso, no momento delicado que atravessamos, não

dar pretexto a que, sob alegação de manterem a ordem pública, venham a cercear,

pelo Estado de sítio, o exercício das últimas liberdades de que dispomos.

Por isso, e por tudo mais que está na consciência de cada um de vocês, eu lhes peço,

com a pequena autoridade que me vem de quatro anos de luta incessante contra a

129 Jornal do Brasil, Não queremos, mas, 22 de deze mbro de 1967

Page 65: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

65

marginalização de que vocês, estudantes, vêm sendo vítimas, que se mantenham

unidos, em perfeita ordem, sem mesmo revidar às provocações com que tentam

arrastá-los a praticar atos impensados, respondendo, ao contrário, pela serenidade de

atitudes e pela firmeza de caráter, à violência a que os pretendam forçar os arautos

da impostura ou mesmo os falsos amigos.130

Tristão finaliza o artigo com a idéia que defendeu em várias colunas: a de que o

golpe de 1964 errou feio no modo de tratar a juventude e o operariado, os que mais

sofreram, de acordo com Amoroso Lima. Em agosto de 1964 ela já dizia isso no Jornal do

Brasil. E continuou assinalando essa característica de ataque a esses grupos sociais. “(...) o

mesmo ódio destruidor que eliminou os sindicatos operários, no campo do trabalho,

também deu cabo das associações estudantis, no campo educativo. O operário e o estudante

foram os dois espantalhos da Revolução, no triênio inicial (...) Qual foi então a tática do

pensamento revolucionário para anular essas forças? Fracioná -las ao extremo.”131

Em maio de 1967 Alceu viajou a Roma e, ao chegar ao Brasil, escreveu “O medo da

liberdade”, uma coluna na qual compara a liberdade na Itália, tanto na vida cívica do país

quanto na vida religiosa da Igreja, e o medo da liberdade que encontrou no Brasil. A

violência das polícias estaduais, especialmente a mineira, chama a atenção de Tristão, que

as define como de “triste memória antiestudantil” e que espancava jovens e impedia suas

passeatas. “Pois o que fui ver de perto, em Roma, é que a liberdade é que gera a ordem. Ao

voltar, o que vim rever de perto é que o medo da liberdade gera a desordem.”132

A indignação de Tristão causada pela perseguição do governo contra os estudantes

se estendeu por vários momentos em sua tribuna. Em “Tecnologia e humanismo” ele

criticava as atitudes implacáveis de atormentar qualquer tentativa de reorganização da UNE

(União Nacional dos Estudantes), quando esta se encontrava convocando um novo

Congresso. Para Alceu, essas atitudes endossavam as agressões da primeira fase do golpe

contra os jovens e endossavam também tudo aquilo que causou o fracasso desse primeiro

período, “em divórcio com a mocidade e com o povo”133. Tristão avaliava que esse divórcio

130 Jornal do Brasil, O estudante, esse subversivo, 19 de abril de 1968 131 Jornal do Brasil, Uniões proletárias, 27 de abril de 1967 132 Jornal do Brasil, O medo da liberdade , 25 de maio de 1967 133 Jornal do Brasil, Tecnologia e humanismo , 27 de julho de 1967

Page 66: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

66

só aumentaria enquanto o Governo continuasse tendo com os estudantes a mesma política

disciplinadora do governo anterior. Ele falava da importância do desenvolvimento

tecnológico que as autoridades políticas estavam valorizando, desde que houvesse a

restauração das liberdades públicas.

E no campo dessas liberdades está, naturalmente, a dos grupos intermediários,

sejam sindicatos operários, sejam uniões estudantis, com autonomia suficiente para

serem um elemento autêntico de dinamismo democrático.

Ora, está mais do que provado que os estudantes universitários, e mesmo os

secundários, não se reúnem de modo efetivo senão em grupos suficientemente

livres, para não serem apenas uma forma estudantil de peleguismo. A UNE

adquiriu, na história do movimento estudantil brasileiro, um significado, uma

tradição e até um apelo passional que nenhuma lei conseguirá eliminar nem

substituir. Dar-lhe liberdade de ação, coibindo os abusos que possam provir de atos

subseqüentes e não de palavras ou demonstrações coletivas, é um dos meios de

restaurar os laços rompidos entre o regime atual e a mocidade, e de modo indireto,

mas efetivo, entre tecnologia e humanismo.134

Da mesma forma que trazia à pauta os estudantes, Tristão também fazia questão de

analisar a situação dos operários e de que forma estavam estes sendo tratados pelo governo

militar. Como dito acima, Alceu considerava estes dois grupos os mais perseguidos pelo

golpe de 64, ao mesmo tempo em que o escritor os considerava “corpos intermediários”

entre o Governo e o povo. Para ele, a democracia dependia da autonomia desses “corpos

intermediários”, sendo que, do ponto de vista do trabalho, os sindicatos eram os mais

importantes e representativos desses grupos. No entanto, avaliava Tristão, o Brasil vivia

com meio século de atraso em matéria sindical, com o histórico do processo pelo qual

passou o quadro sindical, como a força dos sindicatos patronais para que os patrões

defendessem seus próprios interesses em 1917, assim como a situação sindical com a

revolução de 30, que manteve os sindicatos ligados ao governo de forma corporativa.

“Agora é preciso recomeçar da estaca zero, não só dando liberdade aos sindicatos, mas

134 Id.

Page 67: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

67

recriando os próprios sindicatos. Pois o vendaval revolucionário (e como se sabe essa

palavra passou a significar no Brasil, a partir de 64, o oposto do que consignam os

dicionários) destruiu não só a liberdade sindical mas os próprios sindicatos.”135

Do ponto de vista do religioso, 1968 foi um ano importante para o intelectual, uma

vez que este representava o Brasil e a América Latina na Comissão Justiça e Paz, em Roma,

quando aconteceu a Conferência de Medellín. E o conceito de libertação já é uma das

tônicas de seus artigos no Jornal do Brasil.

No cenário político, o Ato Institucional número 5 é decretado em 13 de dezembro

daquele ano. A tentativa de cassação do mandato do deputado Márcio Moreira Alves, por

conta de um discurso proferido no plenário, no qual atacava os militares, foi tema de artigo

de Tristão de Athayde intitulado “Volta à República Velha”. Alceu chamou a atitude do

governo de “descalabro de duas revoluções”. O jornalista considerou um retrocesso aos

processos políticos anteriores a 1930, caracterizados pela “desmoralização do sistema

eleitoral, pelo uso e abuso do arbítrio das situações oligárquicas vigentes, contra a vontade

manifestada pelo povo nas eleições”136. Aquilo que Alceu chamou de “a morte civil da

liberdade em nosso país”, também em suas palavras, não tinha data para terminar. “Durará

enquanto durar a veleidade ditatorial dos nossos militares, que empalmaram a revolução

que fizeram, pela virulência e pela violência vão permanecendo nela, com ela, e para ela.” 137

Interessante observar que os artigos assinados por Tristão de Athayde no JB não

eram censurados, mesmo enquanto textos de outros jornalistas eram sistematicamente

vetados. Nessa época, quando o jornalista Alberto Dines era editor, o JB tinha como

colunistas, além de Tristão, Manuel Bandeira, Barbosa Lima Sobrinho e Josué Montello.

Essa presença refletia a tradição do jornal em acolher os acadêmicos, herança do conde

Ernesto Pereira Carneiro, proprietário do jornal desde 1919, que era bastante ligado à

Academia Brasileira de Letras (ABL), uma vez que, sob sua administração, foram

valorizadas as seções literária e artística, nas quais escreviam membros da ABL, como o

135 Jornal do Brasil, Uniões proletárias, 27 de abril de 1967 136 Jornal do Brasil, Volta à república velha, 6 de dezembro de 1968 137 Carta de Alceu Amoroso Lima para a filha madre Maria Teresa , dia 14 de dezembro de 1968

Page 68: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

68

conde Afonso Celso, Carlos de Laet, Luís Murat, Medeiros e Albuquerque, Múcio Leão e

Aníbal Freires138. Mesmo depois da morte de Pereira Carneiro, em 21 de fevereiro de 1954,

sua mulher, a condessa Beatriz Correia de Araújo Pereira Carneiro, manteve amizade e

respeito por Tristão, a ponto de não permitir que a pressão dos militares para que Alceu

saísse do jornal fosse levada adiante. Os Pereira Carneiro foram pressionados diretamente –

mas de forma elegante – pelo ministro chefe da Casa Civil João Leitão de Abreu. Otto Lara

Resende, amigo de Alceu e membro da direção do jornal, se posicionou firmemente. Disse

que se tirassem Alceu, ele também deixaria o JB. Juntou-se esse fato à amizade que a

condessa Pereira Carneiro tinha por Alceu e os militares não conseguiram tirar Tristão do

jornal139.

Para o jornalista Wilson Figueiredo, calar Alceu ou fazer com que ele se calasse

àquela altura era pedir demais. “Quando um pensador como Alceu se cala, parece que ou

está com medo ou se rendeu a ele mesmo, e ele não era homem para isso. Ele já tinha idade

suficiente para não admitir se calar e continuou escrevendo da maneira possível de

escrever, até que percebeu também, com o tempo, que ele tinha adquirido uma imunidade

por ser um homem idoso, católico, militante. Alceu passou a ter uma autoridade que

incomodava o regime”, analisa.

Essa fortaleza na qual Alceu vai se transformando só se solidifica nos anos

seguintes. Ápice desse processo de radicalização no período de 1964 a 1968, o artigo que

escreve em defesa do deputado Márcio Moreira Alves e de que forma ele analisa o final

daquela década e o início da próxima são os temas a seguir.

138 FERREIRA; MONTALVÃO. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Jornal do Brasil. 139 Entrevista de Wilson Figueiredo à autora

Page 69: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

69

Capítulo IV

A radicalização

Politicamente é hoje um dia negro para o Brasil. Na Câmara, o governo, à custa de

manipulações as mais indecentes (substituição de nove deputados governistas (sic)

que iriam votar na Comissão de Justiça contra a licença para processar o Marcito140,

por outros tantos deputados tipo boi manso, que fazem tudo quanto seu mestre

mandar), o governo vai dar uma bofetada no poder Legislativo e com isso marcar

mais um ponto no processo de autotransformação de um regime mascaradamente

constitucional num regime cinicamente totalitário ou policial. É uma evolução

lógica, sem dúvida, mas nem por isso menos lamentável para quem ainda preza a

liberdade, como único regime político capaz de assegurar o mínimo dessa segurança

de viver que os regimes securitários como o nosso pretendem assegurar e não fazem

senão desmentir e realizar precisamente o oposto. 141

Eram essas as impressões que Alceu tinha do país no 28 de novembro de 1968. Em

seu diálogo epistolar com Madre Maria Teresa, o pensador estava pessimista porque o

deputado federal Marcio Moreira Alves – e outros 10 deputados - estavam na iminência de

serem cassados.

A admiração de Alceu por Marcio Moreira Alves vinha de longa data. Logo após a

deflagração do golpe, Amoroso Lima dizia que Marcito era o jornalista que o golpe havia

revelado. Tristão era seu leitor assíduo. Dizia sobre o jovem jornalista em 6 de novembro

de 1964:

O outro exemplo tirado dos acontecimentos recentes, já agora no plano da

inteligência em ação, é a figura do jovem jornalista Marcio Moreira Alves. Não

começou a escrever agora, bem o sei, e anos atrás já se notabilizara durante aqueles

140 Deputado federal Márcio Moreira Alves 141 Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, dia 28 de novembro de 1968

Page 70: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

70

tristes acontecimentos de Alagoas, de que saiu até ferido fisicamente. Fora,

entretanto, mais uma demonstração de um sensacionalismo informativo do que

mesmo de personalidade como forma de expressão intelectual. Agora não. Seus

artigos posteriores ao movimento representam uma verdadeira afirmação

intelectual, não só pela coragem de atitudes, mas ainda pela lucidez do pensamento

e pela elegância autenticamente literária da expressão. Foi realmente uma revelação.

Não sei que futuro político terá o Sr. Miguel Arraes, nem que futuro jornalístico

terá o Sr. Marcio Moreira Alves. Mas cada um a seu jeito – um no mais mortífero

embate dos fogos políticos entrecruzados e outro na difícil encosta dos

comentadores imediatos dos acontecimentos – ambos passaram pela prova, ou

antes, pela provação, com grau dez. 142

Marcio Moreira Alves filiou-se ao partido político Movimento Democrático

Brasileiro (MDB) logo que este foi criado, em 1966. Na verdade, Marcito foi um de seus

fundadores.143 O MDB era o partido de oposição ao governo federal. Estavam ali reunidos

parlamentares contrários ao regime imposto em março de 1964 e “que, sobretudo,

discordavam dos rumos que os militares no poder imprimiam à condução da política

nacional”. 144

No dia 2 de setembro de 1968, Marcio fez um discurso na Câmara, no qual

protestava pela invasão da Universidade de Brasília pela Polícia Militar e o fechamento da

Universidade Federal de Minas Gerais. Em sua exposição, ele conclamava o povo a

boicotar os desfiles de 7 de setembro, Independência do Brasil. Foi considerado um

discurso ofensivo “aos brios e a dignidade das forças armadas”.145

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Todos reconhecem ou dizem reconhecer que a maioria das forças armadas não

compactua com a cúpula militarista que perpetra violências e mantém este país sob

142 Disponível em http://www.marciomoreiraalves.com/testemunhos.htm. Acesso em 10 de agosto de 2007 143 Entrevista de Marcio Moreira Alves a Américo Oscar Freire e Marly Silva da Motta. Rio de Janeiro: CPDOC/ALERJ, 1998 144 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Movimento Democrático Brasileiro (MDB) 145 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Marcio Moreira Alves

Page 71: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

71

regime de opressão. Creio ter chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande

momento da união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães

brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por este repúdio à

polícia. No entanto, isto não basta. É preciso que se estabeleça, sobretudo por parte

das mulheres, como já começou a se estabelecer nesta Casa, por parte das mulheres

parlamentares da ARENA, o boicote ao militarismo. Vem aí o 7 de setembro. As

cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do

povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria

necessário que cada pai, cada mãe se compenetrasse de que a presença dos seus

filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas

ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile. Esse boicote pode passar também,

sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e

namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de

1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à

porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas. Recusassem aceitar aqueles que

silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta.

Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e agindo

em seu nome. Creia-me Sr. Presidente, que é possível resolver esta farsa, esta

democratura, este falso impedimento pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem

os silenciosos, todo e qualquer contato entre os civis e militares deve cessar, porque

só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia. Só assim

conseguiremos fazer com que os silenciosos que não compactuam com os

desmandos de seus chefes, sigam o magnífico exemplo dos 14 oficiais de Crateús

que tiveram a coragem e a hombridade de, publicamente, se manifestarem contra

um ato ilegal e arbitrário dos seus superiores.146

O discurso de Marcito não teve nenhuma repercussão na imprensa, com exceção

de uma pequena nota na Folha de S. Paulo , e foi, segundo o próprio deputado, enviado a

todos os quartéis do Brasil147, já num sinal de fomento ao golpe chamado AI-5. Para

146 Disponível em http://www.marciomoreiraalves.com/quem.htm. Acesso em 10 de agosto de 2007 147 Entrevista de Marcio Moreira Alves a Américo Oscar Freire e Marly Silva da Motta. Rio de Janeiro: CPDOC/ALERJ, 1998

Page 72: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

72

Marcio, o fato de sua declaração ter vindo da tribuna foi usado pelos militares como

estratégia – um pretexto - para fechar o Congresso pouco tempo depois. “A minha

intervenção tinha ainda outra vantagem para os golpistas: tinha sido feita da tribuna e,

como a imunidade parlamentar da tribuna é um dos fundamentos da existência do

Parlamento, é uma imunidade absolutamente inquestionável, os militares imaginavam

que a Câmara recusaria a licença para me processar. E fizeram tudo para isso. Realmente

a Câmara, apesar da grande maioria de deputados a favor do governo, recusou a licença,

e por isso foi fechada.”148

Era desse clima tenso que Alceu falava na carta com a qual iniciamos este capítulo.

Para o líder católico, aquele momento político despertava a sua “indignação e tristeza por

ver a degradação dos homens, mais triste ainda do que a corrupção dos regimes e a perda

crescente da liberdade”.149 Recorremos às informações que constam no Dicionário

Histórico-Biográfico Brasileiro para, brevemente, relatar essa situação à qual Alceu se

refere, ou seja, o que se passou na Câmara após o discurso de Marcito e até a instauração do

AI-5, passando pela cassação do deputado, o que levará Tristão a publicar o artigo “Volta à

República Velha”, um dos poucos registros públicos à época sobre a situação.

Diante das reações nos círculos militares, o procurador-geral da República Décio

Meireles de Miranda, com base no parecer do ministro da Justiça Luís Antônio da

Gama e Silva, deu entrada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 12 de

outubro, ao pedido de cassação do mandato do deputado emedebista e de seu

enquadramento no artigo 151 da Constituição, por “uso abusivo do dire ito de livre

manifestação e pensamento e injúria e difamação das forças armadas, com a

intenção de combater o regime vigente e a ordem democrática instituída pela

Constituição”.

Apesar de o presidente Artur da Costa e Silva ter declarado que o governo aceitaria

as decisões dos poderes Judiciário e Legislativo, o pedido de cassação do mandato

provocou grande apreensão na Câmara. No dia 4 de novembro, o STF enviou à

Câmara pedido de licença para processar o deputado, e o pedido foi encaminhado à

148 Id. 149 Carta de Alceu para a filha madre Maria Teresa, dia 28 de novemb ro de 1968

Page 73: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

73

Comissão de Justiça. No dia 11 de dezembro, esta comissão, após a substituição de

nove deputados arenistas que se haviam manifestado contrários à violação das

imunidades parlamentares, concedeu, com uma diferença de oito votos, licença para

processar Márcio Moreira Alves, o que deu motivo para que todos os representantes

do MDB na comissão dela se demitissem. No dia seguinte, porém, contando com o

concurso do próprio partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o

pedido foi recusado pela Câmara, por uma diferença de 75 votos (216 votos contra e

141 a favor). 150

O Ato Institucional de número 5 foi, então, editado no dia 13 de dezembro de 1968.

O presidente era Costa e Silva. O ato foi enérgico. A primeira lista de cassações saiu no dia

30 de dezembro. Alguns dias depois, em 16 de janeiro de 1969, em reunião do Conselho de

Segurança Nacional, ficaram decididos quatro tipos de punição - cassação de mandato,

cassação de mandato com suspensão de direitos políticos, suspensão de direitos políticos e

aposentadoria compulsória – que atingiram 2 senadores, 35 deputados federais, 3 ministros

do Supremo Tribunal Federal e 1 ministro do Superior Tribunal Militar.151

Alceu lamentava a bomba da morte civil da liberdade em nosso país naquela sexta-

feira 13, lembrando que o AI-5 não tinha data para terminar. “’A revolução é nossa’, como

o petróleo... E com esse petróleo irresponsável e devastador vão tocando fogo no Brasil,

sob o pretexto, como sempre fazem os tiranos, de o salvar.”152

Na mesma ocasião, e num raro momento de ver atuação positiva em dom Jaime

Câmara, pelo menos em troca epistolar com Madre Maria Teresa, Alceu elogia o que

chamou de bomba em sentido contrário – na verdade, uma homilia de dom Jaime “(sic, sic,

sic)” em defesa dos padres franceses Michel Le Vem, François Xavier Berthon e Hervé

Croguennec e do brasileiro José Geraldo da Cruz, que foram presos, acusados de subversão.

Houve protestos em várias partes do país e dom Jaime escreveu uma homilia, na qual

defendia a liberdade de pregar o Evangelho, para ser lida em todas as igrejas cariocas no

dia 15 de dezembro. “Vou telegrafar-lhe!”, dizia Alceu à filha.

150 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Marcio Moreira Alves 151 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Verbete Atos Institucionais (AIs) 152 Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 14 de dezembro de 1968

Page 74: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

74

Nunca imaginei que o pudesse fazer do fundo do coração. Essa homilia,

francamente, me fez remorsos, pois afinal vejo em dom Jaime o homem de Deus, na

hora precisa em que seus amigos generais em companhia tomam conta do poder

absoluto e foram logo a ele, pensando que o intimidavam, pois os padres eram

acusados de comunistas. E essa palavra mágica, na mente obtusa do general

Sarmento (que o Lacerda tinha convidado para ser chefe de polícia de seu governo,

e não o foi por ter tido um enfarte, que infelizmente não o levou...), levou o general

a correr logo ao Palácio São Joaquim ou ao Sumaré para levar os furos da revolução

dos padres. E o cardeal teve a dignidade de responder: não, quem tem de julgá-los

somos nós, Igreja, e não vocês, estado.

Confesso a Deus a minha culpa: nunca o julguei capaz dessa atitude. Penitenciei-me

e como prova disto logo mais lhe telegrafarei trazendo-lhe a minha comovida

solidariedade. E não houve uma reticência na homilia.153

No início de 1968, Alceu já analisava que o que viria pela frente era mais linha

dura. Em 28 de janeiro, dizia: “(...) se o Costa e Silva ceder à linha dura, o que vamos ter é

mais ditadura, mais insegurança, menos liberdade, embora – e isso é um exemplo das

contradições em que nos debatemos – embora, repito, várias coisas do que pedem os

milicos duros sejam justas, como o aumento do salário dos operários.” 154 Para ele, no

entanto, esses pedidos eram mais gestos demagógicos do que qualquer outra coisa, uma vez

que o povo assistia ao congelamento dos salários. “No mais, o que essa milicagem quer é

apenas mais ditadura, mais arrocho, menos liberdade de pensamento e de crítica.”

Às cassações de mandatos e suspensão dos direitos políticos, na véspera da edição

do AI-5, Alceu reagia dizendo que aquele era o início do processo de caça às bruxas e que,

às custas de manipulações indecentes, o governo substituiria os nove deputados que

votariam na Comissão de Justiça contra a licença para processar Moreira Alves por, nas

palavras do escritor, outros tantos deputados “tipo boi manso, que fazem tudo o que seu

153 Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 14 de dezembro de 1968 154 Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 28 de janeiro de 1968

Page 75: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

75

mestre mandar”. Avaliou que essa era mais uma prova de que o regime estava se

transformando de mascaradamente constituciona l para um regime totalitário ou policial.

Foi a “fé de ofício” desses nove títeres que ontem os paus -mandados do governo na

Câmara conseguiram colocar nos lugares que os decentes foram forçados a

abandonar, para que o governo conseguisse maioria na patacoada parlamentar com

que procuram esconder a humilhação do Costa e Silva em face de meia dúzia de

oficiais duros, verdadeiros rebeldes (se não fosse insultar com isso a dignidade da

expressão rebelde que significa sempre, ou quase sempre, uma atitude heróica ou

pelo menos digna). Vê a “fé de ofício” desses pobres-diabos é uma desolação. São

os deputados mais apagados, mais medíocres, mais malandros, mais omissos, mais

sem-caráter que se possa imaginar. E esses é que vão decidir a sorte de um deputado

como o Marcito – e, mais ainda, do que a sorte de um deputado, a sorte da própria

dignidade da Câmara. É um espetáculo realmente deprimente. E por isso é que não

pude deixar de extravasar, logo de saída, a minha indignação.155

O tom indignado de suas correspondências pessoais aqui também já aparecia nos

artigos publicados no Jornal do Brasil. Como mencionado no capítulo anterior, no dia 6 de

dezembro de 1968, portanto, pouco mais de uma semana antes do AI-5, Tristão publica

“Volta à República Velha”, outro ponto fundamental na trajetória de Alceu nessa primeira

fase do regime militar, uma vez que tem muita repercussão e é uma das únicas

manifestações na imprensa contra os desmandos do governo naquele clima de apreensão. O

escritor viu aquele quadro como um retrocesso aos processos políticos anteriores a 1930,

tendo como característica principal a ausência da vontade do povo nas eleições.

O desencanto progressivo do sistema eleitoral proveio, precisamente, do desrespeito

às urnas, das atas falsas, das cassações de mandatos, das depurações. Tudo isso é

que foi lentamente corrompendo a chamada República Velha, e levando o regime a

um plano inclinado de desmoralização pública, que fez com que o desmoronamento

155 Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 28 de novembro de 1968

Page 76: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

76

da República Velha em 24 de outubro fosse recebido pelo povo, não apenas com a

indiferença de 15 de novembro de 1889, mas até com justo entusiasmo.156

Chamando as atitudes duras do governo de “hara-kiri”, Tristão lamenta que

estivesse sendo interrompida a “marcha crescente da democracia para passar do esboço da

democracia coroada do Império às esperanças de uma democracia social autêntica, que até

hoje representa o ideal, consciente ou subconsciente, do nosso povo, de alto a baixo da

famosa escala social”. Atentar contra a consciência do povo era o que mais incomodava o

intelectual. Para ele, este era um erro primário de qualquer país que se pretendesse

democrático.

Ora, o que representa esta pá de cal na confiança do voto popular, com a

perseguição violenta do Poder Executivo aos deputados cujas críticas lhe são

incômodas demais, é realmente um retrocesso à República Velha. Mais grave do

que a injustiça que se pretende praticar contra dois eminentes cultos de eleitos do

povo (dois, por ora...) é o crime que se comete contra a consciência do povo,

desmoralizando um dos ramos do Poder pelo outro. E justamente por aquele que

dispõe da força física, do comando das armas da nacionalidade.

(...) Pode o Governo, com as armas da violência política de que dispõe, cassar dois

ou 200 deputados. E julgar, com isso, estar vitorioso das insurreições. Na verdade

não faz senão solapar o próprio terreno em que se julga tão seguro. A História não

respeita os que apagam os seus próprios passos. 157

O artigo “De volta à República Velha” pode não ter tido para o intelectual,

pessoalmente, o mesmo impacto que teve “Terrorismo cultural”, no sentido de apontar para

uma nova direção em sua trajetória. Em 1968 Tristão já tinha clareza sobre o tipo de

governo estávamos vivendo – não havia mais nenhum sinal de expectativa sobre o poder

vigente. No entanto, podemos traçar um paralelo entre esses dois marcos, tendo em vista

156 Jornal do Brasil, Volta à República Velha , 6 de dezembro de 1968 157 Id.

Page 77: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

77

que, se o primeiro serviu para despertar um Tristão de Athayde rebelde, o segundo marcou

uma fase de radicalização de sua postura, uma vez que também se consolidou a linha dura

do regime político. Isso vão mostrar os textos que publica ao longo dos próximos tempos. E

também as cartas que continuava a escrever para a filha. Para ambos os artigos –

“Terrorismo cultural” e “Volta à República Velha” – poderíamos pensar na idéia de

“evento criador”, tratada por Marieta de Moraes Ferreira no artigo “A reação republicana e

a crise política dos anos 20”, ao analisar o conceito de cultura política. “A focalização de

eventos particulares pode ser fundamental não pelo que eles expressam em si mesmos, mas

pelo que podem revelar da cultura política em que estão inseridos.” 158 São determinados

momentos, no caso de Tristão a posição que toma publicamente nos dois momentos

mencionados em 1964 e 1968, em que o evento é tão significativo que permite “captar o

comportamento e a cultura política de um sistema no seu todo ou de alguns de seus

segmentos sociais específicos” 159.

A interrupção de direitos e garantias constitucionais – como o habeas corpus, cuja

suspensão permitia manter presos acusados de delito político em regime de

incomunicabilidade por dias -, as cassações, demissões e transferências de funcionários

civis e militares caíam como uma pedra sobre Amoroso Lima. Era um homem encolerizado

com uma situação que parecia cada vez mais tensa. E era.

A censura foi instituída nas redações dos jornais, das rádios e televisões de vários

Estados. Naquele dia 13, o jornal O Estado de S.Paulo foi proibido de circular e o Jornal

da Tarde, em São Paulo, teve parte de sua edição apreendida. No Rio de Janeiro, os leitores

não encontravam jornais nas bancas e quando os achavam estavam censurados. No dia da

edição do AI-5, o Jornal do Brasil teve uma edição histórica.

O editor do jornal era Alberto Dines. Ao ouvirem pelos alto-falantes da redação a

notícia da instituição do AI-5 e da censura, os jornalistas ficaram alertas e, poucos instantes

depois, militares já estavam na portaria do diário, procurando por Dines. O jornalista viu

que a situação era de censura e decidiu avisar ao leitor sobre o que estavam passando.

Usando metáforas, o jornal saiu recheados de previsões do tempo. Eram coisas como “o céu

158 FERREIRA, Marieta de Morais. “A reação republicana e a crise política dos anos 20”. In: Estudos Históricos 11. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1993 (janeiro -junho) 159 Id.

Page 78: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

78

está escuro”, além de fotos estranhas, como uma de Garrincha sendo expulso de campo. O

fato é que a edição deu o seu recado – mesmo tendo sido revista pelos militares. No dia

seguinte, os censores foram tirar satisfação com o editor, mas o jornal já estava nas

bancas.160

Antonio Fernando De Franceschi traz, no prefácio do livro Cartas do Pai, a

informação de que apenas dois artigos de Tristão foram suspensos no Jornal do Brasil,

ambos logo após a decretação do AI-5. No entanto, não foi possível confirmar quais eram

essas colunas. Alberto Dines afirma não ter lembrança de nenhum artigo do pensador

católico censurado. Até porque o jornal fez um acordo com o regime e passou a se auto-

censurar. “Nesse período não tinha censor no JB. A censura vigiu no JB – depois houve a

auto-censura – em alguns dias de 1968. Depois, eu fui preso e, na minha prisão, o jornal fez

um acordo com militares e o jornal passou a fazer a auto-censura. Eu estava preso, quando

eu voltei, encontrei essa situação nova. Mas, que eu me lembre, até 1968 não houve

nenhum artigo dele que tivesse sido suprimido.” É possível, no entanto, que o próprio

Jornal do Brasil tenha censurado alguns dos artigos de Tristão. Isso porque no final daquele

ano, em 31 de dezembro, Alceu escreveu para a filha que Dines havia lhe dito que os

colaboradores continuariam sendo remunerados “como se os artigos fossem publicados”161.

Ao que Tristão diz: “O que mostra, ainda mais, a elegância do gesto! Continuarei a mandar-

lhes os meus dois artiguetes semanais, para mostrar que, ao menos se não for cassado...,

continuo a escrever, para o dia em que voltar a liberdade, se ainda voltar em vida do

autor.”162

Para Amoroso Lima, ouvir o “presidente sargentão” – como ele se referia ao general

Arthur da Costa e Silva – falar em democracia era inaceitável. “É o cúmulo da

desfaçatez” 163, reclamava. Chegou a dizer estar envergonhado por não estar preso, “pois

são os melhores que estão presos de fato” 164, referindo-se à prisão do jurista Sobral Pinto.

Aqui, Alceu até levanta a possibilidade de ser preso também, uma vez que o Ato

160 Fonte: Memória da imprensa carioca/UERJ. Entrevista a Maria Aparecida Costa e Antony Devalle. Disponível em: http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/sobre_dines/memoria.htm. Acesso em 22/2/2007 161 Carta de Alceu para a fi lha Madre Maria Teresa, 31 de dezembro de 1968 162 Id. 163 Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 17 de dezembro de 1968 164 Id.

Page 79: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

79

Complementar número 39 fora assinado – o AC39 referia -se a medidas e sanções sobre

pessoas privadas de seus direitos políticos. “É aí que poderei figurar, se antes não me

prenderem.”165 Alceu tinha sido prevenido por Nelson Paes Leme, marido de sua neta

Heloisa Maria Senise, que o escritor figurava na lista da Marinha ou Aeronáutica como

ameaçado de prisão.

Não o prenderam. No entanto, o escritor avaliou aquele como um ano catastrófico

para o Brasil. Estamos passando por um dos momentos mais tristes e soturnos de nossa

História, sem lei nenhuma, dizia ele.

No dia 16 de dezembro, Costa e Silva, o “sargentão” havia “soltado o verbo” ao

falar na TV. Alceu estava indignado, pois, de acordo com o que escreveu, ainda julgava que

Costa e Silva “’fosse o mais importante dos milicos’ e que o golpe foi dado por seus

generais e gorilas e pelo seu ministro da Justiça cujo nome até me dá calafrios de

pronunciar e por isso calo”. Após o discurso do presidente na televisão, Alceu concluiu que

o general era tão culpado como os outros. “Seja por covardia, seja por outras razões, o fato

é que o criminoso número 1 não pode fugir à condenação.”

Na mesma carta em que comenta o clima de terror, Alceu fala do brigadeiro João

Paulo Moreira Burnier, chefe de gabinete do ministro da Aeronáutica, que havia proposto

em uma reunião com seus subordinados que presos políticos culpados de insurreição

fossem jogados de aviões em alto-mar. O escritor se horrorizou, principalmente porque,

lembrou à filha, havia falado por ele em um comício. “Como os tempos mudaram! (...) Esse

o clima de terror em que estamos vivendo, com os Corções e companhia tomando

champagne e os homens de nem nas grades.” 166

A partir daí também se acirraram os conflitos da Igreja com o Estado. Membros da

Igreja – padres, freiras e leigos - estavam sendo acusados pelo regime de praticar atividades

subversivas. Padres foram presos, bispos foram processados e a tortura estava instalada.

Dessa forma, houve uma ruptura da Igreja com o regime político vigente. Em seu livro “O

que é Igreja”, o cardeal dom Paulo Evaristo Arns destaca que, daí até meados dos anos 70,

a tortura e os abusos contra os direitos humanos se constituíram no centro das atenções da

165 Ibid. 166 Carta de Alceu para a filha Madre Maria Teresa, 17 de dezembro de 1968

Page 80: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

80

Igreja. Com o aumento das preocupações sociais por parte da instituição, ela se distancia

das autoridades políticas, posicionando-se de forma crítica e tendo como uma de suas

bandeiras a defesa dos direitos humanos. Perseguição, repressão e confronto com o Estado

são as conseqüências desse quadro167.

A 2a. Conferência do Episcopado da América Latina – conhecida como Conferência

de Medellín – foi realizada no final de agosto e início de setembro de 1968. O papa Paulo

VI abriu a reunião dos bispos, trazendo o conceito de libertação não dizer que os religiosos

deveriam tomar as decisões de acordo com a realidade de seus países. No que dizia respeito

à educação, por exemplo, o documento preparado pelo grupo destacado para pensar a

situação educacional da América Latina trazia a necessidade de uma educação libertadora,

o que muito incomodou o clero conservador presente. O conceito de libertação, aliás, era

comum às 16 comissões organizadas para a conferência, com temas como, além de

educação, justiça, família, meios de comunicação social e juventude. Foi dali também que

saiu – ou que se divulgou pouco depois – o termo Teologia da Libertação, que assustava a

hierarquia católica na Europa.

Na resolução final, os bispos mostram o que estava em jogo na Igreja latino-

americana e que perseguirão enquanto durarem aqueles anos de repressão: “Não basta

refletir, obter maior clareza e falar. É preciso agir. Esta não deixou de ser a hora da Palavra

mas tornou-se, com dramática urgência, a hora da Ação.”168

Os religiosos também discutiram o papel das Comunidades Eclesiais de Base e do

leigo na ação da Igreja. Nesse sentido, os religiosos defenderam que “é dever dos

sacerdotes dialogar com eles, não de maneira ocasional, mas de maneira constante e

institucional”.169

A repressão contra membros da Igreja não fugiu aos olhos de Tristão. Ele foi

enfático, por exemplo, no caso do assassinato do padre Antônio Henrique Pereira Neto,

jovem sacerdote pernambucano, braço direito de dom Helder Câmara. “Em “Crime por

tabela”, além do padre Antônio Henrique, Tristão lamenta “o quadro dantesco das centenas

de vítimas do tenebroso Esquadrão da Morte, no Rio e em São Paulo, ainda encoberto com

167 ARNS, Paulo Evaristo. Brasil: Nunca Mais . Petrópolis: Vozes, 1985 168 Id. 169 Apud SYDOW; FERRI, 1999. In: PADIN, Dom Cândido; GUTIÉRREZ, Gustavo; CATÃO, Francisco. Conclusões da Conferência de Medellín - 1968.

Page 81: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

81

o manto protetor do anonimato”. 170 Aproveita para responsabilizar as autoridades pelo

ambiente de violência no qual estávamos vivendo. “Sejam, porém, quais tenham sido as

mãos que levaram diretamente a termo os atentados que silenciaram essas grandes vozes da

consciência humana, em plena luta contra as forças do mal, os autores reais foram aqueles

que criaram o ambiente de violência e de fanatismo que está envenenando, cada vez mais, a

vida contemporânea.”171

Tristão contava que o padre Antônio Henrique era professor de sociologia e não

participava da vida política partidária. Apenas expunha em suas aulas, dizia Alceu no

artigo, a doutrina social católica, “que combate categoricamente toda injustiça social e

proclama a necessidade de uma transformação profunda das instituições capitalistas e da

sociedade burguesa, no sentido de um humanismo realmente cristão, e de uma democracia,

não apenas nominal, mas real”172. Alceu protestava que o jovem sacerdote mostrava o que

era dever da Igreja: “promover o progresso social e a transformação dessas estruturas,

certamente pela não violência, mas nunca se acumpliciando com os erros e os vícios das

estruturas da situação social dominante”.173

Para Tristão isso foi suficiente para que o jovem padre fosse considerado “um

elemento nocivo, um perversor de consciências e destinado a ser eliminado sumariamente,

como perigoso para a ordem social vigente”.174

O intelectual não economizava farpas para atingir o regime. Era como que chamasse

para a briga quem quisesse enfrentá-lo. Encontrou espaço no mesmo “Crime por tabela”

para dizer que o regime não calaria seus críticos. “Atentados, como esse, são visivelmente

cometidos por tabela, para intimidar os que estão empenhados na mesma cruzada

evangelizadora a que se entregava o jovem sacrificado. Se os autores do crime julgavam

poder abafar essas vozes, tudo indica que se enganaram. O sangue dos mártires é a melhor

sementeira de colheitas abundantes.”175

170 Jornal do Brasil, Crime por tabela, 10 de junho de 1969 171 Id. 172 Ibid. 173 Ibid. 174 Ibid. 175 Ibid.

Page 82: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

82

Ao entrar em 1970, mais especificamente no dia 6 de fevereiro, Tristão resolve fazer

uma análise do que foi a “vida político-social do Brasil em torno do semi-século central de

1930 a 1970”.

Em “A recuperação da liberdade” ele propõe que esse semi-século seja dividido em

descontinuidade com o passado (20 a 30), dicotomia extremista (30 a 70) e superação do

dilema, pela recuperação da liberdade (a partir de 70).

Para o escritor a dissociação direita-esquerda foi o que marcou nossa vida político-

social de 30 a 70. A guinada à esquerda da Revolução de 30 e à direita, da Revolução de

64, fez aparecer o comunismo e o integralismo, como opção. “Com ela, a decadência do

espírito moderador, tradicional, de dentro para fora, e a supremacia do espírito radical,

implantado de fora para dentro.” As críticas para a oscilação direita-esquerda e o

extremismo dão o tom da análise de Tristão. Falava ele da importância da recuperação da

liberdade. “Vista do alto, a Revolução de 30 foi tão exótica como a de 64, e ambas

resultaram no espírito artificial, que golpeou a base de ambas e nos conduziu,

politicamente, ao engarrafamento em que nos encontramos. É menos que um beco sem

saída, mas muito mais que um simples acidente de trânsito... É a imposição histórica de

sairmos de uma fase artificial de oposicionismo, em que foi crescentemente sacrificada a

liberdade em nome de autoritarismos contraditórios, para tentarmos o que deve ser a meta

política dominante deste novo decênio: a superação da dicotomia direita-esquerda.”176

Alceu Amoroso Lima encerra os anos 60 e entra na década de 70 sem conseguir

deixar de ter discípulos, que era o que ele dizia querer nos idos dos anos 50.

Desconfio muito de mim mesmo para me atribuir essa missão de caudilho espiritual

de quem quer que seja. Para proceder de outro modo, seria necessária ver terminada,

o que não creio venha a suceder nunca, esta luta que travo dentro de mim em busca

da inteligência final das coisas. Nesse sentido é que se explica o estilo didático que

se reconhece em tudo o que escrevo; admito que teorizo também para mim mesmo,

176 Em busca da liberdade. Jornal do Brasil, 6 de fevereiro de 1970

Page 83: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

83

ansioso de realizar através de minha obra o esclarecimento de meu próprio espírito

em face da verdade.177

Aqui, o pensador já não pode mais pedir que lhe faltem os discípulos. É sua

presença de tamanha dimensão que não é possível saber se há identificação por

convergência de idéias simplesmente ou porque o indivíduo – Alceu – construiu, ele

próprio, os becos de saída de um longo túnel. E a multidão veio atrás.

A trajetória de Alceu Amoroso Lima como um homem progressista a partir daqui só

se intensifica. Se esta dissertação foi iniciada com a idéia de Pierre Bourdieu, da não

linearidade da história de vida dos indivíduos, no qual Alceu tão bem se encaixava, ele está

nesta fase – e nos anos seqüentes – vivendo de forma muito coerente com o que

desenvolveu neste período que chamamos de sua terceira vida.

Os que conviveram com ele – no caso, os entrevistados neste trabalho - foram

cuidadosos ao dizer que não se tratava de um homem de esquerda. Sinto-me à vontade para

seguir a linha de pensamento, nesse sentido, de frei Betto. Amoroso Lima pode ser

considerado um homem de esquerda, sim, a partir do momento em que não se encontra

nenhuma crítica contundente dele a quem estava resistindo à ditadura. Muito pelo contrário.

O que aparece de Alceu é sempre muito apoio aos revolucionários, ainda que houvesse uma

ou outra discordância em relação ao método.

Alceu era um renovador. E pôde assistir, no final dos anos 1960 e início de 1970, os

católicos em seu momento de maior amadurecimento na América Latina. Alceu é aquele

que encarna e simboliza a emancipação do leigo católico brasileiro. Essa valorização do

leigo para ele é fundamental, motivo pelo qual deve ter vibrado com resoluções, por

exemplo, da Conferência de Medellín.

Se a Igreja estava intensificando sua doutrina social na prática, era o oposto que

Alceu via no quadro social e político. O homem que vai nascer da década de 1960 e viver

nas de 1970 e 1980 é alguém que vive um dos piores momentos da história de seu país no

que diz respeito à liberdade, justamente o conceito que ele atravessa o século defendendo.

177 MARTINS, Hélcio. Alceu Amoroso Lima não . Diário Carioca, 1 de dezembro de 1957

Page 84: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

84

BIBLIOGRAFIA

Fontes Primárias

ATHAYDE, Tristão de. Policialismo pedagógico. Jornal do Brasil, 22 de setembro de 1956 _____. Novas esperanças. Jornal do Brasil, fevereiro de 1963 _____. Estado de guerra. Jornal do Brasil, abril de 1963 _____. Seráficos. Jornal do Brasil, abril de 1963 _____. Suicídio e renascimento da burguesia. Jornal do Brasil, maio de 1963 _____. O distributismo. Jornal do Brasil, agosto de 1963 _____. Golpismo à vista. Jornal do Brasil, agosto de 1963 _____. Três grandes gestos. Jornal do Brasil , agosto de 1963 _____. Penso, logo hesito. Jornal do Brasil, setembro de 1963 _____. Encontro inesperado. Jornal do Brasil, outubro de 1963 _____. O que é democracia. Jornal do Brasil, novembro de 1963 _____. Felipe II ou Paulo VI? Jornal do Brasil, novembro de 1963 _____. Interpelações. Jornal do Brasil, novembro de 1963 _____. A Igreja, o socialismo e o comunismo. Jornal do Brasil, novembro de 1963 _____. Diálogo da Igreja com o mundo moderno. Jornal do Brasil, dezembro de 1963 _____. A cortina da fome. Jornal do Brasil, janeiro de 1964 _____. Os cupins. Jornal do Brasil, janeiro de 1964 _____. Convivência ou morte. Jornal do Brasil, janeiro de 1964 _____. Apelo ao bom senso. Jornal do Brasil, fevereiro de 1964 _____. As revoluções invisíveis. Jornal do Brasil, fevereiro de 1964

Page 85: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

85

_____. O indiferentismo. Jornal do Brasil, março de 1964 _____. 30 de março. Jornal do Brasil, 16 de abril de 1964 _____. Polarizações. Jornal do Brasil, 17 de abril de 1964 _____. Métodos de luta. Jornal do Brasil, abril de 1964 _____. A revolução branca. Jornal do Brasil, abril de 1964 _____. Terrorismo cultural. Jornal do Brasil, 7 de maio de 1964 _____. Deus ao alto. Jornal do Brasil, maio de 1964 _____. A voz do alto. Jornal do Brasil, maio de 1964 _____. O silêncio do povo. Jornal do Brasil, maio de 1964 _____. O ceptismo eleitoral. Jornal do Brasil, maio de 1964 _____. Contrastes. Jornal do Brasil, junho de 1964 _____. Da esquerda à direita. Jornal do Brasil, junho de 1964 _____. Para lá da encruzilhada. Jornal do Brasil, junho de 1964 _____. Revolução dos bem-pensantes. Jornal do Brasil, 25 de junho de 1964 _____. Liberdade em crise. Jornal do Brasil, 10 de julho de 1964 _____. À luz de Minas. Jornal do Brasil, setembro de 1964 _____. Peleguismo estudantil. Jornal do Brasil, outubro de 1964 _____. Protesto impertinente. Jornal do Brasil, novembro de 1964 _____. Os dois Natais. Jornal do Brasil , dezembro de 1964 _____. 1964. Jornal do Brasil , 31 de dezembro de 1964 _____. 1965. Jornal do Brasil , janeiro de 1965 _____. Eleições. Jornal do Brasil, 22 de janeiro de 1965 _____. Demagogia reacionária. Jornal do Brasil, 28 de janeiro de 1965

Page 86: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

86

_____. Vita Nuova. Jornal do Brasil, 29 de janeiro de 1965 _____. Provincianismo e decepção. Jornal do Brasil, 25 de fevereiro de 1965 _____. Consagração da espionagem. Jornal do Brasil, 18 de março de 1965 _____. O novo Estado Novo. Jornal do Brasil, março de 1965 _____. O manifesto. Jornal do Brasil, 8 de abril de 1965 _____. Clama, ‘ne cesses’. Jornal do Brasil, 9 de abril de 1965 _____. Pontos nos II. Jornal do Brasil, 21 de maio de 1965 _____. Protestos. Jornal do Brasil, maio de 1965 _____. Os pequenos partidos. Jornal do Brasil, junho de 1965 _____. SSSS. Jornal do Brasil, 8 de julho de 1965 _____. Vitória de pirro. Jornal do Brasil, 22 de julho de 1965 _____. Justiça e autonomia. Jornal do Brasil , 30 de julho de 1965 _____. Obscurantismo cultural. Jornal do Brasil, julho de 1965 _____. Cigarras na berlinda. Jornal do Brasil, julho de 1965 _____. O trigo e o joio. Jornal do Brasil, 5 de agosto de 1965 _____. Quanto pior melhor?. Jornal do Brasil, 12 de agosto de 1965 _____. Quanto melhor, melhor. Jornal do Brasil, 13 de agosto de 1965 _____. Jogo de cartas marcadas. Jornal do Brasil, agosto de 1965 _____. Revisão da disponibilidade. Jornal do Brasil, 9 de setembro de 1965 _____. A indisponibilidade fanática. Jornal do Brasil, 10 de setembro de 1965 _____. No vértice do triângulo. Jornal do Brasil, 16 de setembro de 1965 _____. À esquerda. Jornal do Brasil, 17 de setembro de 1965 _____. Revolução de nervos. Jornal do Brasil, setembro de 1965 _____. Vote. Jornal do Brasil , 31 de setembro de 1965

Page 87: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

87

_____. Mas vote bem. Jornal do Brasil, 1 de outubro de 1965 _____. A voz das urnas. Jornal do Brasil, 15 de outubro de 1965 _____. O mineirinho do Pomba. Jornal do Brasil, 22 de outubro de 1965 _____. Lembrai-vos de 37. Jornal do Brasil, 28 de outubro de 1965 _____. Novo Estado Novo. Jornal do Brasil, 29 de outubro de 1965 _____. À brasileira ou não?. Jornal do Brasil , outubro de 1965 _____. Um homem. Jornal do Brasil, 5 de novembro de 1965 _____. AI-II. Jornal do Brasil, 11 de novembro de 1965 _____. Textos que falam. Jornal do Brasil, 12 de novembro de 1965 _____. Extremismo antibrasileiro. Jornal do Brasil, 18 de novembro de 1965 _____. Democracia semântica. Jornal do Brasil, novembro de 1965 _____. As contradições de 65. Jornal do Brasil, 30 de dezembro de 1965 _____. Cara ou coroa. Jornal do Brasil, dezembro de 1965 _____. O ativo. Jornal do Brasil, 6 de janeiro de 1966 _____. O passivo. Jornal do Brasil, 7 de janeiro de 1966 _____. Ainda o passivo. Jornal do Brasil, 13 de janeiro de 1966 _____. Sonho ou antevisão. Jornal do Brasil , 14 de janeiro 1966 _____. O estudante, esse inimigo. Jornal do Brasil, 10 de fevereiro de 1966 _____. Pedagogia negativa. Jornal do Brasil, 11 de fevereiro de 1966 _____. Peça em três atos e um epílogo. Jornal do Brasil, 3 de março de 1966 _____. Volta a 1910. Jornal do Brasil, 10 de março de 1966 _____. A demagogia antipovo. Jornal do Brasil, 13 de maio de 1966 _____. Os caminhos noturnos. Jornal do Brasil, 1º de julho de 1966

Page 88: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

88

_____. Ariel e Caliban. Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1966 _____. A ofensiva dos entorpecentes. Jornal do Brasil, 16 de setembro de 1966 _____. Da UNE à MUDES. Jornal do Brasil, 23 de setembro de 1966 _____. Misereor Supra Turbam. Jornal do Brasil, 30 de setembro de 1966 _____. A insegurança nacional. Jornal do Brasil, 13 de abril de 1967 _____. O medo da liberdade. Jornal do Brasil, 25 de maio de 1967 _____. Direitismo e neofascismo. Jornal do Brasil, 8 de junho de 1967 _____. O terceiro mundo. Jornal do Brasil, 16 de junho de 1967 _____. As implacáveis verdades. Jornal do Brasil , 12 de julho de 1967 _____. O novo Júlio Maria. Jornal do Brasil, 13 de julho de 1967 _____. Tecnologia e humanismo. Jornal do Brasil, 27 de julho de 1967 _____. O taciturno. Jornal do Brasil, 3 de agosto de 1967 _____. Dos dragões aos DOPSES. Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1967 _____. Os santos e os heróis. Jornal do Brasil, 26 de outubro de 1967 _____. A nova ‘questão religiosa’. Jornal do Brasil, 21 de dezembro de 1967 _____. Não queremos, mas... Jornal do Brasil, 22 de dezembro de 1967 _____. A censura censurada. Jornal do Brasil, 3 de março de 1968 _____. O estudante, esse subversivo. Jornal do Brasil, 19 de abril de 1968 _____. O porta-voz do terceiro mundo. Jornal do Brasil, 9 de maio de 1968 _____. A nova independência. Jornal do Brasil, 1 de agosto de 1968 _____. O descalabro de duas revoluções. Jornal do Brasil, 5 de dezembro de 1968 _____. Volta à república velha. Jornal do Brasil, 6 de dezembro de 1968 _____. Os novos bárbaros. Jornal do Brasil, 29 de fevereiro de 1969 _____. Os novos horizontes. Jornal do Brasil, abril de 1969

Page 89: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

89

_____. Pela correção da nossa imagem. Jornal do Brasil, 13 de agosto de 1970 _____. Os três grandes. Jornal do Brasil, 8 de outubro de 1970 _____. A inversão semântica. Jornal do Brasil _____. Peça em três atos e um epílogo. Jornal do Brasil _____. A guerra revolucionária. Jornal do Brasil _____. A missão da JOC. Jornal do Brasil _____. Aviso aos cegos. Jornal do Brasil _____. A direita católica. Jornal do Brasil _____. A esquerda católica. Jornal do Brasil

BETTO, Frei. Vida Cristã e Compromisso Político em Alce u Amoroso Lima – Entrevista a Frei Betto. In: Encontros com a Civilização Brasileira, vol. 6, 6 de dezembro de 1978 CARNEIRO. M. Luiza Tucci. Sob a mascara do nacionalismo - Autoritarismo e anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945). In: Estudios Interdisciplinarios de America Latina y el Caribe. Instituto de Historia y Cultura de América Latina. Enero-Junio 1990 HOLLANDA. Heloisa Buarque de. Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ. Entrevista de Alceu Amoroso Lima a Heloisa Buarque de Hollanda. Rio de Janeiro, janeiro de 1977 MARQUARDT, Eduard. As páginas de “Tendências e Cultura” (1972–1977). In: Cultura em Opinião MORAES, Dislane Zerbinatti.’E foi proclamada a escravidão’: Stanislaw Ponte Preta e a representação satírica do golpe militar. In: Revista Brasileira de História , vol.24 nº 47. São Paulo, 2004 NOVAES, Washington.Tuquinha do meu coração. In: O Popular. Goiânia. 15 de janeiro de 2004 SCHWARTZMAN, Simon. Gustavo Capanema e a educação brasileira: uma interpretação. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Maio-Ago 1985

Page 90: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

90

Fontes Secundárias

ALVES, Márcio Moreira. O Cristo do povo. Sabiá: 1968 ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e Revolução – O integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987 ARNS, Paulo Evaristo. O que é Igreja. Abril Cultural/Brasiliense: São Paulo, 1985 ATHAYDE, Tristão; MOTA, Lourenço Dantas. Diálogo – Tristão de Athayde/Lourenço Dantas Mota. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983 BARBOSA, Francisco de Assis. Intelectuais na encruzilhada – Correspondência de Alceu Amoroso Lima e Antônio de Alcântara Machado (1927-1933). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2002 BARBOSA, Francisco de Assis. Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) – Memorando dos 90. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. São Paulo: Editora Unesp, 1996 AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (coord.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996 CARDOSO, Pe. José. Traição à Igreja. Nordica: Rio de Janeiro, 1989 CARPEAUX, Otto Maria. Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Graal, 1978 CASTRO, Marcos de. A Igreja e o autoritarismo. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 1985 COSTA. Marcelo Timotheo da. Um itinerário no século: mudança, disciplina e ação em Alceu Amoroso Lima . São Paulo/Rio de Janeiro: Loyola/PUC-Rio, 2006 Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001 FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1972

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Editora Vozes, 1975

GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de Si. Escrita da História. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004

Page 91: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

91

KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI -5 à Constituição de 1988. São Paulo: Boitempo, 2004

LIMA, Alceu Amoroso. Cartas do Pai – De Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa, São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2003 LIMA, Alceu Amoroso. Os Direitos do Homem e o Homem sem Direitos. Petrópolis: Editora Vozes, 1999 LIMA, Alceu Amoroso. Revolução, Reação ou Reforma? Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1964 LIMA, Alceu Amoroso. A experiência reacionária Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968 LIMA, Cláudio Medeiros. Memórias Improvisadas. Petrópolis: Editrora Vozes, 1973 LOBO, Claudia dos Santos Lagame. Na corda bamba – o Jornal do Brasil em tempos de abertura 1977-1985. Rio de Janeiro, 2005 (tese de mestrado UERJ) PILETTI, Nelson; PRAXEDES, Walter. Entre o poder e a profecia. São Paulo: Ática, 1997 REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais, história e política (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000 RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Editora FGV, 1996 SERBIN, Kenneth. Diálogos na sombra: Bispos e militares, torturas e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 SOUZA, Luiz Alberto Gómez de. A JUC – Os estudantes católicos e a política. Petrópolis: Vozes, 1984 SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns – Um homem amado e perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999 VILLAÇA, Antonio Carlos. O desafio da liberdade: A vida de Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1983

WEBER, Max. Ciência e Política – Duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2005

Page 92: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

92

ANEXOS

Cronologia – Alceu Amoroso Lima178

11 de dezembro de 1893 Alceu Amoroso Lima nasce na Rua Cosme

Velho, filho de Camila da Silva e Manoel

José Amoroso Lima (industrial)

27 de janeiro de 1894 Batizado de Alceu. Recitados versinhos

escritos por Machado de Assis para o

batizado de Alceu

1898 Alfabetizado pela mãe pelo método do

professor João Köpke179, com quem Alceu

vai estudar nos anos seguintes

1900 Na Europa com a família, é matriculado em

uma escola de Paris para aprender francês

1902 Estuda com Alexandre Barreto e João Köpke

para prestar exame para o Ginásio Nacional

(hoje Colégio Pedro II), no qual entra, aos 9

anos, no curso de Humanidades.

1908 É bacharel em Ciências e Letras pelo

Ginásio Nacional

1909 Entra para a Faculdade de Ciências Jurídicas

e Sociais, aos 15 anos. Viaja para a Europa

1910 Primeiro contato com Silvio Romero, aos 17

anos

1911 Estágio em advocacia com João Carneiro de

Souza Bandeira

178 Fontes: Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade e LIMA, Alceu Amoroso. Cartas do Pai – De Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa , São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2003 179 João Köpke ficou conhecido como defensor do método analítico para o ensino da leitura, mas a utilização desse método foi motivo de divergência entre os republicanos. Köpke, então, o readaptou e o divulgou em livros escolares.

Page 93: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

93

1912 Diretor da Revista A Época, da Faculdade de

Direito. Publica seus primeiros contos. Viaja

para a Europa

1913 Freqüenta, na Europa, cursos de Henri

Bérgson (também freqüentados por Charles

Péguy e Jacques Maritain em 1903). Recebe

o diploma de bacharel em Ciências Jurídicas

e Sociais. Viaja para a França. Encontra-se

com Graça Aranha

1914 Quando começa a Primeira Guerra Mundial,

volta ao Brasil e trabalha no escritório de

Souza Bandeira

1916 Viaja a Minas Gerais, onde fica sabendo da

morte de Afonso Arinos, o qual homenageia

com um artigo publicado no Jornal do

Commercio. Visita Ouro Preto, cidade que o

fascina. A visita rende o texto “Pelo passado

nacional”, publicado na Revista do Brasil, no

qual defende o patrimônio histórico e

artístico brasileiro

1917 Adido no Ministério das Relações

Exteriores. Conhece sua futura esposa,

Maria Thereza, filha de Alberto de Faria e

Maria Thereza Almeida Faria

1918 Diretor da Companhia Cometa, tecelagem de

seu pai. Primeiro encontro com Jackson de

Figueiredo. Casa-se com Maria Tereza de

Faria no dia 27 de agosto

17 de junho de 1919 Nasce Tristão de Athayde, em O Jornal, na

coluna “Bibliografia”

1919 Nasce sua primeira filha, Maria Helena

Page 94: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

94

1922 Publica o primeiro livro, Afonso Arinos.

Nasce sua segunda filha, Silvia

1923 Morre o pai, Manuel José Amoroso Lima

1924-1928 Corresponde-se com Jackson de Figue iredo

1927 Conhece o Padre Leonel Franca. Publica

Estudos, 1a. série

15 de agosto de 1928 Conversão ao catolicismo, que muda o rumo

de sua vida. Nesse mesmo dia, publica o

artigo “Adeus à disponibilidade: carta a um

amigo”, endereçado ao historiador Sérgio

Buarque de Holanda

1928 Jackson de Figueiredo morre num acidente

1928 Com a morte de Jackson de Figueiredo,

Alceu o substitui à frente do Centro Dom

Vital e da revista A Ordem

30 de março de 1929 Nasce sua filha Lia, que depois torna-se

Madre Maria Teresa

1929 Publica Freud e Estudos, 2a série

1929 Conhece dom Sebastião Leme, arcebispo do

Rio de Janeiro

1929 Vota em Clóvis Monteiro para a vaga de

professor de literatura brasileira pela Escola

Normal, concorrente de Cecíla Meirelles, no

que desde logo se manifestava forte

incompatibilidade de espírito, pois a tese de

Meirelles era “um trabalho francamente

liberal”, diz Valéria Lamego. Cecília guarda

tristeza por Alceu ter votado em seu

adversário.180

180 LAMEGO. Valéria. A farpa na lira . Rio de Janeiro, UFRJ

Page 95: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

95

1930 Publica o livro Introdução à Economia

Moderna e Estudos, 3a série

1930 Manifesta-se publicamente contra o

movimento revolucionário deflagrado pela

Aliança Liberal, sob a liderança de Getúlio

Vargas

17 de julho de 1931 Nasce seu filho Jorge Alceu

1931 Publica o livro Preparação à Sociologia ,

Estudos, 4a série e Debates pedagógicos

1932 Instalação do Centro Dom Vital na Praça

XV. Publica O problema da burguesia ,

coletânea de conferências, e As repercussões

do catolicismo. Classifica-se em segundo

lugar no concurso para a cátedra de

Economia Política da Faculdade Nacional

com a tese “Economia pré-política”

1933 Torna-se secretário-geral da Liga Eleitoral

Católica

1933 Classifica-se em terceiro lugar no concurso

para a cátedra de Introdução à Ciência do

Direito da Faculdade Nacional de Direito

com a tese “Introdução ao Direito Moderno”

1934-1945 Presidente da Ação Católica

1934 Publica Fragments de Sociologie

Chrètienne, com prefácio de Jacques

Maritain

1935 Publica os livros No limiar da Idade Nova ,

Da tribuna e da imprensa e Pela Ação

Católica. Nasce Alceu Filho.

1935 Nomeado membro do Conselho Nacional de

Educação, onde fica até 1968

Page 96: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

96

29 de agosto de 1935 Eleito para a Academia Brasileira de Letras

na vaga de Miguel Couto (cadeira no. 40)

1936 Publica o livro O espírito e o mundo e

Indicações po líticas

1937 Nasce seu filho Paulo Alceu. Alceu

Amoroso Lima vibra com a vitória de

Franco na Espanha 181. Recebe o título de

doutor honoris causa da Universidade do

Chile. Nomeado membro da Academia

Argentina de Letras. Recebe e recusa convite

para assumir o Ministério do Trabalho.

1938 Publica o livro Idade, Sexo e Tempo

1938 Nomeado Reitor da Universidade do Distrito

Federal/Catedrático interino de Sociologia

na Faculdade de Sociologia da Universidade

do Distrito Federal

1938 Publica o livro Elementos da Ação Católica.

Nasce seu filho Luiz Alceu.

1939 Eleição do Papa Pio XII

1939 Morre sua mãe, Camila da Silva Amoroso

Lima. Publica o livro Contribuição à

história do Modernismo – Vol. 1: Pré-

Modernismo

1940 Catedrático interino de Literatura Brasileira

na Faculdade Nacional de Filosofia /

Catedrático de Literatura Brasileira na

Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro. Colabora com a filha Mari ahelena

na tradução de Damião, o leproso (John

181 LIMA, Cláudio Medeiros. Memórias improvisadas. Petrópolis: Editora Vozes, 1973

Page 97: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

97

Farrow)

1941 É um dos fundadores da Universidade

Católica do Rio de Janeiro e lá torna-se

professor de Literatura Brasileira

1942 Morre, no Rio de Janeiro, Dom Sebastião

Leme.

1942 Publica Meditação sobre o mundo moderno

e Pela união nacional. Traduz O Cristo , de

Georges Goyau

1943 Em 3 de julho, Dom Jaime Câmara assume a

Arquidiocese do Rio de Janeiro, após esta

ficar um ano sem um líder, desde a morte de

Dom Sebastião Leme

1943 Publica o livro O cardeal Leme e Mitos de

nosso tempo

1944 Participa da fundação da Livraria Agir, com

o objetivo de ampliar as publicações

católicas 182

1945 Tomou parte no I Congresso Brasileiro de

Escritores, marco decisivo na

redemocratização do país. Pede demissão da

Junta Nacional da Ação Católica

1946 Publica Pela cristianização da ação

católica: teoria e Pela cristianização da

idade nova

1947 Início da colaboração no Diário de Notícias,

com a seção Letras e Problemas Universais /

1o lugar no Concurso para Catedrático de

Literatura Brasileira na Faculdade Nacional

182 CPDOC/ Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro

Page 98: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

98

de Filosofia. Membro da Academia Nacional

de Letras do Uruguai. Participa da fundação

do Movimento Democrático Cristão na

América Latina. Publica O problema do

trabalho

1948 Publica Primeiros estudos: contribuição à

história do modernismo literário – O Pré-

Modernismo, de 1919 a 1920

1949 Publicada sua tradução de O santo cura

da’Ars (Henri Gheón)

1950 Publica Mensagem de Roma e Manhãs de

São Lourenço

1949-1953 Viveu na França e nos Estados Unidos

1951-1953 Diretor do Departamento Cultural da União

Pan-Americana em Washington (hoje, OEA)

1952 É agraciado com o Sierra Award da

Academia Franciscana de História

Americana, de Washington. Publicada sua

tradução de O homem e o Estado (Jacques

Maritain)

1953 Recebe o título de doutor honoris causa da

The Catholic University of Washington

1954 Publica os livros A realidade americana e

Meditação sobre o mundo interior

1955 Publica o livro Pela América do Norte – Vol.

1

1956 Participa da Reunião do Conselho Cultural

Americano, no México. Publica Introdução

à literatura brasileira, Quadro sintético da

literatura brasileira e A vida sobrenatural e

o mundo moderno

Page 99: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

99

1958-1959 Professor visitante no Brazilian Institute da

New York University

1958 Eleição do Papa João XXIII

1958 Início da colaboração no Jornal do Brasil e

na Folha de S. Paulo

1958 Publica o livro Integração econômica, social

e política na América Latina

1959 Publica o livro O trabalho no mundo

moderno , O espírito universitário e O teatro

claudeliano. Recebe o Prêmio Moinho

Santista de Literatura

1960 Publica o livro A família no mundo moderno ,

O jornalismo como gênero literário ,

Problemas de estética e Visão do Nordeste

1961 Traduz Diário secular, de Thomas Merton

1962 Começa o Concílio Vaticano II, em Roma

1962 Participou, como representante brasileiro, do

Concílio Vaticano II. Publica A missão de

São Paulo , Cultura interamericana , Da

inteligência à palavra, Europa e América:

duas culturas e O gigantismo econômico

1963 Aposenta-se como professor. Publica suas

traduções de Marta, Maria e Lázaro

(Thomas Merton) e Tratado de filosofia

moral (Jacques Maritain). Escreve a

introdução da encíclica Pacem in terris, de

João XXIII, para um volume que inclui

também Mater et magistra

1963 Eleição do Papa Paulo VI

31 de março de 1964 Alceu se mostrava descontente com Jango e

temia que o golpe viesse do próprio governo

Page 100: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

100

com propósitos “continuístas”.183 Acontece o

golpe militar.

1o de abril de 1964 Alceu lamentava o rompimento da

continuidade civil do governo e a

transferência para a área militar184

9 de abril de 1964 Instituído o Ato Institucional 1

7 de maio de 1964 Publica o artigo “Terrorismo Cultural” no

Jornal do Brasil. O artigo é um marco em

sua nova postura contra o regime militar185

31 de dezembro de 1964 Alceu publica o artigo “1964” no Jornal do

Brasil, dizendo que de abril a dezembro a

atmosfera escureceu186

1964 Eleito “Intelectual do Ano”, recebe o troféu

Juca Pato, da União Brasileira de Escritores.

O jornalista Carlos Heitor Cony pede a

Alceu que testemunhe a seu favor no

processo que o ministro da Guerra, Arthur da

Costa e Silva, movia contra ele. Publica o

livro Revolução, reação ou reforma

1965 Termina o Concílio Vaticano. Publica Pelo

humanismo ameaçado. Traduz Ofensiva de

paz (Thomas Merton)

27 de outubro de 1965 Instituído o Ato Institucional 2

1966 Publica o livro João XXIII

1967 O Papa Paulo VI o escolhe como membro da

Pontifícia Comissão de Justiça e Paz. Eleito

membro associado estrangeiro da Academia

183 LIMA, Alceu Amoroso. Cartas do Pai – De Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa . São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2003 184 Ibid. 185 BARBOSA, Francisco de Assis. Intelectuais na encruzilhada – Correspondência de Alceu Amoroso Lima e Antônio de Alcântara Machado (1927-1933). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2002 186 Jornal do Brasil, 31/12/1964

Page 101: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

101

de Ciências Morais e Políticas do Instituto

da França

1967 Publica o livro O trabalho no mundo

moderno

1968 Realização da Conferência de Medellín, na

Colômbia

1968 Deixa a Presidência do Centro Dom Vital

1968 Publica o livro A experiência reacionária

13 de dezembro de 1968 Decretado o Ato Institucional 5

1969 Comemoração do cinqüentenário de Tristão

de Athayde. É agraciado, pela Columbia

University, com o Prêmio de Jornalismo

Mary Moors Cabot; pelo governo francês,

com a comenda da Legião de Honra; pelo

governo de Portugal, com a Ordem de San

Thiago; pela Santa Sé, com a Ordem de São

Gregório; no Chile, com a comenda da

Ordem Nacional do Condor. Publica Adeus à

disponibilidade e outros adeuses

1969 Publica o livro Comentário à Populorum

Progressio

1970 Publica o livro A fé e o tempo. Credo para

amanhã

1971 Reconheceria na poeta Cecília Meirelles

“uma grande figura feminina do

modernismo”187. Publica o livro

Companheiros de viagem

1973 Publicado o livro Memórias improvisadas -

Diálogos com Medeiros Lima

187 LAMEGO, Valéria. A farpa na lira . Rio de Janeiro, UFRJ

Page 102: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

102

1974 Publica o livro Os direitos do homem e o

homem sem direitos. Recebe o título de

doutor honoris causa da PUC/SP. Publica o

livro Em busca da liberdade

1976 Publica o livro Verdades incômodas

Janeiro de 1977 Lê o romance Os Distraídos, de Maria Lília

Gouveia de Oliveira, sobre a situação da

nova geração, e o considera “magnífico”

1977 Recebe o prêmio do XI Congresso de

Literatura de Brasília, da Fundação Cultural

do Distrito Federal. É eleito sócio honorário

do Pen Club

Maio de 1978 Afrânio Coutinho realiza a conferência

“Alceu Amoroso Lima e o globalismo

crítico”

27 de agosto de 1978 Alceu faz 60 anos de casamento

1978 Eleição do Papa João Paulo I

1978 Eleição do Papa João Paulo II

1979 Participa com um artigo no livro O golpe de

64: a imprensa disse não

1979 Realização da Conferência de Puebla, no

México

23 de maio de 1980 Recebe o sacerdote e monge beneditino Dom

Marcos Barbosa para a cadeira no. 15 da

Academia Brasileira de Letras, na sucessão

de Odylo Costa, filho. Dom Marcos Barbosa

participou da Ação Universitária Católica e

do Centro Dom Vital, quando travou

Page 103: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E … · como a Igreja e a sociedade, é um exercício que pretende-se realizar nesta dissertação. Serão três os temas principais

103

conhecimento com Alceu, de quem tornou-

se secretário particular.188

1980 Heloísa Buarque de Hollanda finaliza um

longa metragem sobre Alceu Amoroso Lima

– com o apoio da TVE e da Embrafilme,

iniciado em 1977189

22 de outubro de 1981 Morre em Petrópolis a mulher, Maria Tereza

14 de agosto de 1983 Alceu morre em Petrópolis

1983 Publicado o livro O desafio da liberdade, de

Antonio Carlos Villaça, sobre Alceu

5 de dezembro de 1983 É criado o Centro Alceu Amoroso Lima para

a Liberdade

188 Academia Brasileira de Letras. Disponível em www.academia.org.br 189 HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro, janeiro de 1977. Disponível em http://www.pacc.ufrj.br/heloisa/amoroso.php. Acesso em 30 de julho de 2005