Fundamentos Da Edafologia

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FUNDAMENTOS DE EDAFOLOGIA AULA 1 Fundamentos de Edafologia Prof. Antonio Azevedo Acad. Juliana Guardia 1. Sistema solo: O que é e como se forma 1.1. Introdução A vida originou-se no mar, mas os organismos evoluíram e outros ambientes começaram a ser colonizados, como o ambiente terrestre. Nutrientes e água, duas necessidades fundamentais para a vida, são encontrados em condições muito diferentes na terra, em comparação com o mar, exigindo o desenvolvimento de adaptações pelos organismos colonizadores. A decomposição das rochas, se desmanchando lentamente, libera a maioria dos nutrientes de que os seres vivos necessitam, e esses elementos químicos essenciais só podem ser aproveitados porque existe o mecanismo de retenção de nutrientes pelo solo, que impede que eles sejam levados pelas águas da chuva para reservatórios subterrâneos, fora do alcance das raízes. Esse mecanismo de retenção é chamado de Capacidade de Troca de Cátions (CTC). O sistema solo também é um reservatório de água para as plantas devido à porosidade do solo, que retém, por capilaridade, parte da água que infiltra no solo. Graças a essas propriedades, uma biodiversidade fantástica pôde se desenvolver no ambiente do solo (pedoambiente), tornando-o uma imensa biblioteca de reações de transformação de materiais e substâncias, e portanto funcionando como um reator de transformações no ambiente. 1.2. O que é? Por ser um sistema complexo e existente em condições muito diferentes na superfície da Terra, é praticamente impossível construir uma definição única e universal para o sistema solo. Segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS, EMBRAPA 2006): “O solo que classificamos é uma coleção de corpos naturais, constituídos por partes sólidas, líquidas e gasosas, tridimensionais, dinâmicos, formados por materiais minerais e orgânicos que ocupam a maior parte do manto superficial das extensões continentais do nosso planeta, contém matéria viva e podem ser vegetados na natureza onde ocorrem e, eventualmente, terem sido modificados por interferência antrópica.” O solo é um sistema, isto é, uma entidade que pode ser decomposta em partes menores, e que para existir e funcionar depende da organização harmoniosa destas partes. Esse sistema é composto por matéria no estado sólido, líquido e gasoso, que se chamam fases. O solo é um tipo especial de sistema, chamado de sistema complexo. Uma das propriedades de um sistema complexo são as chamadas propriedades emergentes, que são propriedades que surgem quando o sistema está funcionando, mas que desaparecem quando “desmontamos” o sistema. Alguns autores sugerem que a própria vida é uma propriedades emergente em sistemas biológicos. Quando “desmontamos” um organismo, ele morre, mas não podemos achar um “centro”, um órgão único onde a vida “reside”. No sistema solo, a porosidade

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FUNDAMENTOS DE EDAFOLOGIA – AULA 1

Fundamentos de Edafologia

Prof. Antonio Azevedo Acad. Juliana Guardia

1. Sistema solo: O que é e como se forma

1.1. Introdução

A vida originou-se no mar, mas os organismos evoluíram e outros ambientes começaram a ser colonizados, como o ambiente terrestre. Nutrientes e água, duas necessidades fundamentais para a vida, são encontrados em condições muito diferentes na terra, em comparação com o mar, exigindo o desenvolvimento de adaptações pelos organismos colonizadores.

A decomposição das rochas, se desmanchando lentamente, libera a maioria dos nutrientes de que os seres vivos necessitam, e esses elementos químicos essenciais só podem ser aproveitados porque existe o mecanismo de retenção de nutrientes pelo solo, que impede que eles sejam levados pelas águas da chuva para reservatórios subterrâneos, fora do alcance das raízes. Esse mecanismo de retenção é chamado de Capacidade de Troca de Cátions (CTC). O sistema solo também é um reservatório de água para as plantas devido à porosidade do solo, que retém, por capilaridade, parte da água que infiltra no solo. Graças a essas propriedades, uma biodiversidade fantástica pôde se desenvolver no ambiente do solo (pedoambiente), tornando-o uma imensa biblioteca de reações de transformação de materiais e substâncias, e portanto funcionando como um reator de transformações no ambiente.

1.2. O que é?

Por ser um sistema complexo e existente em condições muito diferentes na

superfície da Terra, é praticamente impossível construir uma definição única e universal para o sistema solo. Segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS, EMBRAPA 2006):

“O solo que classificamos é uma coleção de corpos naturais, constituídos por partes sólidas, líquidas e gasosas, tridimensionais, dinâmicos, formados por materiais minerais e orgânicos que ocupam a maior parte do manto superficial das extensões continentais do nosso planeta, contém matéria viva e podem ser vegetados na natureza onde ocorrem e, eventualmente, terem sido modificados por interferência antrópica.”

O solo é um sistema, isto é, uma entidade que pode ser decomposta em partes menores, e que para existir e funcionar depende da organização harmoniosa destas partes. Esse sistema é composto por matéria no estado sólido, líquido e gasoso, que se chamam fases. O solo é um tipo especial de sistema, chamado de sistema complexo. Uma das propriedades de um sistema complexo são as chamadas propriedades emergentes, que são propriedades que surgem quando o sistema está funcionando, mas que desaparecem quando “desmontamos” o sistema. Alguns autores sugerem que a própria vida é uma propriedades emergente em sistemas biológicos. Quando “desmontamos” um organismo, ele morre, mas não podemos achar um “centro”, um órgão único onde a vida “reside”. No sistema solo, a porosidade

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é um exemplo de propriedade emergente, pois quando tomamos uma amostra de solo sem os devidos cuidados, a porosidade desaparece.

No entanto, para começarmos a entender o sistema solo, é interessante “desmontá-lo” e conhecer com um pouco mais de detalhe seus constituintes, e depois irmos entendendo as relações que se estabelecem entre estes constituintes, num crescendo de complexidade destas relações.

Assim, o solo é constituído por matéria em três estados, as chamadas fases do solo.

Fase Gasosa: responsável por permitir a respiração dos microorganismos e raízes, pois participa nos processos de obtenção de energia pelos organismos do solo através da oxidação de resíduos vegetais. Reações de oxi-redução são responsáveis pela formação de óxidos e hidróxidos no solo, que por sua vez são os principais agentes que dão cor ao solo, sendo também importantes no controle da disponibilidade de metais pesados. Esta fase se encontra nos poros do solo. A fase gasosa do solo é assim chamada pois é diferente da atmosfera terrestre. Em termos de composição, a fase gasosa do solo ou atmosfera do solo possui maior concentração de gás carbônico (até 40 vezes mais), devido à respiração dos microorganismos e das raízes, e menos oxigênio. Além disso, a umidade relativa e a temperatura também são diferentes. Em solos alagados (como os “solos de várzea” ou “de baixadas”) a maior parte dos poros permanece grande parte do tempo preenchidos por água. Esta modificação na proporção das fases do solo é suficiente para que ocorra predominância de microrganismos anaeróbios (ao invés dos aeróbios, que predominam em solos bem drenados) e condições de redução (ao invés de oxidação) nestes solos. A coloração acinzentada destes é reflexo desta situação.

Fase Líquida: A fase líquida do solo representa um

reservatório de água e nutrientes nela dissolvidos, sendo também o principal meio de reações químicas. Esta fase é importante porque basicamente todos os organismos do solo se alimentam, direta ou indiretamente, das substâncias dissolvidas na fase líquida do solo. Além disto, a movimentação de contaminantes do solo se dá bastante influenciada pelo fluxo da fase líquida nos poros do solo. Substâncias hidrofílicas (substâncias “que gostam da água”) geralmente se movimentam junto com a fase líquida do solo, enquanto substâncias hidrofóbicas (substâncias “que NÃO gostam da água”) se movimentam em direção a locais com pouca atividade de água.

Fase Sólida: A fase sólida do solo se constitui nas partículas do solo e pode ser classificada quanto à sua natureza, isto é, mineral (vindas diretamente das rochas ou através de alguma transformação dos minerais das rochas) ou orgânica (resultado da transformação de restos vegetais e animais), e quanto ao tamanho das partículas. O comportamento físico-químico do solo é praticamente controlado por esta fase. Ela controla em grande parte a composição da solução, e é a principal fonte natural dos íons que as plantas tanto precisam. Mesmo quando os nutrientes são adicionados ao solo pelo homem (como fertilizantes, por exemplo), a fase sólida se comporta como um "depósito" de nutrientes. Esta fase é subdividida em frações de tamanho (fração areia, silte e argila, Figura 1.1). Suas partículas podem ter constituição mineral ou orgânica. Os minerais do solo apresentam predomínio de ligações Si-O nos silicatos, e metal-O nos óxidos e C-O no material orgânico. A fonte principal de

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matéria orgânica é a decomposição de restos vegetais e animais pelos microorganismos do solo, processo chamado de humificação.

Figura 1.1. Frações granulométricas do solo.

A distribuição da fase sólida do solo nas classes de tamanho é chamada de

granulometria do solo ou textura do solo. Por exemplo, dizemos que um solo que possui 780 g kg-1 de argila (equivalente a 78% de argila), 60 g kg-1 de silte (6% de silte) e 160 g kg-1 de areia (16% de areia), tem textura argilosa.

Em geosistemas, como formações rochosas e solos, duas propriedades importantes e sempre observadas são a textura (tamanho de grãos) e estrutura (organização, disposição, dos grãos). Estrutura será discutida na aula 2.

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1.3. Como se forma?

1.3.1. Como as rochas se transformam em solo

A maior parte da massa do solo está concentrada em sua fase sólida, que portanto tem a maior influência no comportamento deste sistema. Como visto, a fase sólida do solo é composta por materiais minerais e orgânicos. No entanto, na grande maioria dos solos, as partículas minerais são a quase totalidade, geralmente em torno de 95% da massa do solo seco. Essa matéria mineral provém dos minerais das rochas que, ao longo do processo de alteração da rocha (intemperismo) e formação do solo (pedogênese), podem ser completamente destruídos, podem se transformar em outros minerais ou resistirem a esses processos e permanecerem o mesmo mineral.

No entanto, é bastante errado acreditar que, porque são uma fração pequena do solo, as partículas orgânicas são de menor importância. Na matéria orgânica também encontram vários macronutrientes de plantas (P,N,S) e os colóides orgânicos possuem capacidade de retenção de água e nutrientes muito superior que os colóides minerais, apenas para citar duas das muitas contribuições da matéria orgânica do solo.

1.3.2. Intemperismo

As condições em que as rochas se formam são geralmente muito diferentes do ambiente na superfície do planeta, e os fatores que agem sobre essas rochas expostas, desagregando-as e desestruturando-as, são chamados de intempéries, e por isso esse processo é denominado Intemperismo. O intemperismo pode ser divido em intemperismo físico e químico.

A-) Intemperismo físico: são os processos que levam à fragmentação da rocha, sem modificação significativa em sua estrutura química ou mineralógica. Ex.: variação de temperatura, gelo, crescimento de raízes, precipitação de sais.

B-) Intemperismo químico: são as reações que levam à modificação dos minerais que compõem a rocha. Ex.: hidratação, solução, hidrólise, oxidação e redução, complexação.

HIDRATAÇÃO: É a primeira reação a ocorrer, não mudando a estrutura do mineral, mas servindo como um pré-requisito para a hidrólise, daí sua importância. Por exemplo: CaSO4 + H2O CaSO4.2H2O (anidrita) (gipsita)

SOLUÇÃO: É a reação através da qual os íons das estruturas cristalinas passam para a solução, gerando perdas e ganhos locais. O depósito final destes íons é o oceano, mas seu acúmulo em algum local neste trajeto (que pode durar séculos até milênios) pode gerar depósitos geológicos, como minas de potássio, por exemplo.

HIDRÓLISE: É a reação do H+1 e o OH-1 da dissociação da água com os minerais, rompendo as ligações silício/metais da sua estrutura. O H+1 substitui o metal, colapsando a estrutura e desintegrando-a. É uma reação tão importante para silicatos e carbonatos que, baseado na sua intensidade de hidrólise e da lixiviação, existem três estádios de dessilicação (dessilicação = perda de silício durante a transformação dos minerais).

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Estes estádios são usados como indicadores do grau de intemperismo de um solo. Alitização (dessilicação forte), monossialitização (dessilicação média) e bissialitização (dessilicação fraca).

OXIDAÇÃO E REDUÇÃO: É o processo de transferência de elétrons, onde o íon receptor de elétrons é reduzido (porque têm seu número de oxidação diminuído) e o que doa o elétron é oxidado. Sua importância em solos se refere principalmente ao fato de que elementos modificam seu comportamento, como solubilidade em água e absorção por membranas biológicas, em função do número de oxidação. Elementos importantes para a formação do solo e manutenção do fluxo de nutrientes em ecossistemas, como o Ferro, o Manganês e o Nitrogênio tem este comportamento, assim como alguns metais pesados, como o Cromo.

COMPLEXAÇÃO: É a ligação de um íon metálico com um composto orgânico, podendo aumentar a solubilidade do metal. Quando o composto se liga ao metal formando um anel, chama-se QUELATO (do grego khelas = pinça). Este último tipo de ligação também aumenta a solubilidade do metal. Os compostos orgânicos resultantes do metabolismo anaeróbios são os mais abundantes em moléculas formadores de quelatos, favorecendo a saída da de metais no ambiente.

O intemperismo físico e químico são quase que simultâneos, pois à medida que o intemperismo físico ocorre, o intemperismo químico fica mais acelerado, devido o aumento da ASE (Área Superficial Específica). A ASE é uma propriedade relacionada ao tamanho das partículas, é a medida da superfície exposta de um objeto em relação ao seu volume ou massa. Ela é importante porque as reações químicas no solo são influenciadas pelas propriedades destas superfícies. Perceba que as reações no solo sempre são influenciadas pelas propriedades químicas da FASE SÓLIDA. Quanto maior a ASE maior a influência da fase sólida sobre o comportamento do solo.

Tanto intemperismo físico como o químico ocorrem porque os minerais estão sempre tendendo para uma forma de maior equilíbrio com as condições do ambiente. Entretanto, mesmo quando estas diferenças são muito grandes, estas reações ocorrem em uma velocidade bastante lenta, do ponto de vista humano.

1.3.3. Pedogênese

Pedogênese é o conjunto de reações que dão origem ao solo, ela está estreitamente associada à ocorrência do intemperismo. Ambos os processos são ativos na superfície da litosfera, em outros planetas ocorre intemperismo, mas não pedogênese. Isso se dá porque no solo é necessário haver atividade biológica. Os solos são formados através da combinação de pelo menos cinco fatores: Material de origem, Relevo, Clima, Organismos e Tempo. Resultando em diversas características do solo (cor, profundidade, quantidade de argila e etc).

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Figura 1.2: Conceituação dos fatores de formação do solo. É comum, no cotidiano, as pessoas confundirem solo e rocha. No entanto, as propriedades destes dois sistemas, embora relacionadas, são bem contrastantes, conforme mostra o quadro 1. Quadro 1.1. Comparação entre as propriedades das rochas e solos.

Rocha Solo

Geralmente meio consolidado. Algumas rochas sedimentares podem apresentar porosidade

Meio poroso

Partículas minerais Partículas minerais e orgânicas

Minerais anidros Minerais hidratados

Meio não reativo ou pouco reativo Meio reativo: CTC

Atividade biológica inexistente ou insignificante

Atividade Biológica

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FUNDAMENTOS DE EDAFOLOGIA – AULA 2

2. Sistema solo: Como funciona?

2.1. Estrutura

Já vimos o que é textura, na aula (distribuição de tamanho de grãos). A estrutura do solo se refere ao arranjamento destes grãos no sistema. Isto é muito importante pois a formação dos poros do solo ocorre nos espaços deixados entre os grãos.

No solo, os grãos não estão dispersos, misturados aleatoriamente. Os grãos do solo se organizam em unidades estruturais, também chamadas de torrões, agregados ou peds. Estes arranjos são resultados de muitos processos que ocorrem no solo, como ciclos de umedecimento e secagem, atividade biológica, crescimento de raízes, etc, e é chamado de estrutura do solo (Figura 2.1.). Os processos que formam e transformam a estrutura do solo ocorrem em escalas de tempo razoavelmente rápidas no solo (meses e anos). Portanto a estrutura é considerada como uma propriedade dinâmica do solo, que pode ser modificada pela ação humana. Isto é importante, pois o fluxo de gases e líquidos no solo é controlado pela porosidade, que por sua vez é controlada pela estrutura do solo. Assim, na agricultura, por exemplo, há uma grande preocupação em se manter ou mesmo melhorar a estrutura do solo, pois o trafego de máquinas pesadas no solo molhado destrói irreversivelmente os agregados, compactando o solo. A compactação do solo diminui a infiltração de água, causando aumento na erosão e não abastecendo o reservatório de água do solo. Com isto, nos períodos em que a chuvas diminuem, as plantas rapidamente apresentam sinais de estresse hídrico.

Figura 2.1. Vista em microscópio da estrutura do solo.

Grão de quartzo (fração areia)

Grão de magnetita (fração areia)

Agregados de argila, silte

e areia fina

Material orgânico

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2.2. Organização

Olhando o sistema solo numa escala um pouco menor, isto é, olhando “mais de longe”, podemos observar sua organização em camadas ou zonas, geralmente paralelas à superfície (Figura 2.2).

Figura 2.2. Exemplos da disposição de horizontes em perfis de Argissolos Brunos (Rodrigo B. de Oliveira, 2012; Dissert. Mestrado, UFSM)

Estas zonas são chamadas de “Horizontes do solo” e representam o

predomínio de processos que atuam e atuaram na formação do solo. Estes horizontes são importantes, pois todo estudo do solo e as técnicas para seu melhor uso estão baseados no tipo, disposição, espessura, textura, estrutura, etc. de cada um destes horizontes. O estudo morfológico (textura, estrutura, cor, consistência, etc.) destes horizontes é central na ciência do solo. Todos os sistemas de classificação de solos do mundo se baseiam nestes horizontes para agrupar os solos. È com base na classificação de solo que são feitos os mapas de solo, a determinação das classes de uso de solo, etc.

O quadro 2.1. resume os tipos de horizontes de solo.

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Quadro 2.1. Conceituação dos principais horizontes do solo.

2.3. Dinâmica Os sistemas, do ponto de vista termodinâmico, podem ser abertos, fechados ou

isolados. Quando um sistema troca energia e matéria com o meio ao redor, é um sistema aberto; quando troca apenas energia é um sistema fechado e quando não troca energia nem matéria, é um sistema isolado.

O solo é um sistema aberto pois troca energia e matéria. É importante entender estes aspectos, porque suas funções ambientais estão baseadas nas relações de troca de energia e matéria com os sistemas que estão no seu mesmo nível hierárquico (hidrosfera, litosfera, atmosfera, biosfera...), no nível superior (planeta Terra) e inferior (fase sólida, líquida e gasosa).

Na escala de tempo mais interessante para o uso cotidiano do solo, dois fenômenos são importantes para entender o funcionamento do solo e suas trocas com os sistemas ao redor.

A primeira é a porosidade, pois através dela ocorre todo o fluxo de fluídos (gases e líquidos) do exterior para o interior do solo (por exemplo, infiltração de água e ar), dentro do solo (movimentação de soluções) e do solo para fora do sistema (por exemplo, drenagem profunda do solo para os lençóis freáticos).

A segunda é a reatividade. O solo possui vários sítios microscópicos onde ocorrem uma infinidade de reações químicas, físico-químicas e bioquímicas. É daí que vem a função ambiental do solo como um imenso reator de transformação.

Obviamente não poderemos nos aprofundar no estudo destas propriedades do solo nestas três aulas. O objetivo então é fornecer uma percepção fundamentada de como estes processos atuam.

Principais horizontes e camadas do solo O – essencialmente orgânico em diversos graus de decomposição. Ocorre

sobre um horizonte mineral e em condições de boa drenagem. H - Ocorre sobre um horizonte mineral e em condições de má drenagem. A – Horizonte mineral superficial ou logo abaixo O ou H. E – Horizonte logo abaixo do horizonte A. Apresenta cores claras e textura

mais arenosa. B – É um horizonte abaixo de um horizonte A ou E e que sofreu intensa

transformação pedogenética. C – É um horizonte abaixo do horizonte B ou abaixo do A. Pouco

influenciado pelos processos pedogenéticos. R – Camada: corresponde ao substrato rochoso Horizontes de transição: AB ou A/B Sufixos: a - z

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3. Sistema Solo: Dinâmica I: Fluidos

O estudo dos gases no solo é bastante difícil do ponto de vista metodológico. Recentemente tem havido uma grande evolução devido ao interesse de uso do solo como um compartimento importante no ciclo dos gases de efeito estufa.

Basicamente, os gases circulam nos poros que não estão preenchidos por água, isto é, geralmente os poros maiores (macroporos, maiores que 50 µm).

A fase líquida e a fase gasosa são complementares, isto é, a máxima presença de uma implica na ausência da outra. Sempre a porção do espaço poroso não ocupado pela fase líquida será complementada pela fase gasosa, implicando no grau de saturação do solo. De modo geral, os solos se encontram não saturados de água, mas mesmo assim armazenam considerável quantidade de água, parte da qual deve ser utilizada pelas plantas.

A dinâmica da água no solo é muito mais estudada e entendida que a dos gases.

O solo geralmente recebe água por infiltração da água das chuvas. O solo retém água em poros capilares. A capilaridade é um fenômeno físico através do qual poros muito pequenos (microporos, menores que 50 µm) conseguem reter água mesmo contra a força de gravidade. Este fenômeno ocorre devido à polaridade da água, e à atração das moléculas de água por superfícies silicatadas (como a parede de um tubo de vidro, ou a superfície das partículas do solo, que em sua maioria são formadas por minerais silicatados). Para que a capilaridade ocorra é necessário a presença de interfaces liquido-sólido-gas. Portanto, em um solo saturado de água, não existe capilaridade.

Através da capilaridade, o solo pode reter água. O excesso de água infiltrado durante uma chuva prolongada, por exemplo, é transferido por gravidade para os reservatórios subterrâneos.

Da água retida por capilaridade no solo, pode haver movimento interno de redistribuição, em função de diferenças nos potenciais da água. O potencial da água no solo (desde que não saturado) é fortemente influenciado pela capilaridade. A água armazenada no solo também pode evaporar-se através da superfície do solo (evaporação) ou ser absorvida pelas raízes das plantas, atravessar o sistema fisiológico da planta e eventualmente ser transpirada pelos estômatos das folhas ou por outras superfícies do vegetal. Este processo é chamado transpiração. A perda de água do solo por evaporação somada à água perdida pela absorção-transpiração das plantas, é chamada evapotranspiração.

Quando o volume de água que infiltra no solo é maior que o volume de poros do solo, o excesso de água tende a migrar para baixo, em direção aos reservatórios subterrâneos. Quando este fenômeno ocorre, íons que estão dissolvidos na solução do solo, como o Si+4, Ca+2, etc. são retirados do sistema solo. Este mecanismo é chamado LIXIVIAÇÃO e constitui parte do intemperismo químico.

A fase líquida do solo pode ser abordada em dois aspectos. O primeiro é o aspecto quantitativo, e se preocupa com a quantidade de água existente no solo, seu movimento em função de gradientes de energia, permeabilidade de solo, sendo neste caso com freqüência chamada de água do solo.

No segundo aspecto a fase líquida do solo é abordada qualitativamente, procurando-se analisar os íons nela dissolvidos e os efeitos de sua concentração no

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comportamento do solo e das plantas. Sob este aspecto é chamada de solução do solo.

O fato de que a quase totalidade dos nutrientes que a planta absorve estão na fase líquida do solo fornece uma idéia da importância deste fenômeno para o fluxo de nutrientes em um ecossistema. Se o solo não fosse um meio reativo (através da Capacidade de Troca de Cátions- CTC, e que será discutida mais adiante), a sobrevivência das formas de vida e o estabelecimento de ecossistemas terrestres provavelmente não seria possível. Além disto, substâncias tóxicas podem atingir os lençóis de água subterrâneos desta maneira. Portanto, o descarte de resíduos no solo requer estudos prévios para determinar a capacidade de retenção de cada solo, e mesmo de horizonte. Como vimos, a porosidade é uma propriedade dinâmica do solo, e portanto, o monitoramento nestes casos também é essencial, pois a capacidade de retenção do solo pode diminuir.

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4. Sistema Solo: Dinâmica II: Reatividade

O sistema solo é um sistema fundamental para a sobrevivência e evolução das espécies nos ecossistemas terrestres. O solo é peça-chave no fluxo de elementos químicos, da água e de calor.

Grande parte destas características tão especiais é resultado da REATIVIDADE do solo. A reatividade do solo é composta por uma infinidade de tipos de reações (oxidação, redução, dissolução, precipitação, ciclos metabólicos, etc). Estas reações podem ser agrupadas em reações de adsorção, absorção e transformação (Figura 3.1.). No entanto, a principal reação do solo é a adsorção.

Figura 3.1. Concepção dos tipos de reação que ocorrem no solo.

4.1. Adsorção A fase líquida do solo está repleta de elementos químicos dissolvidos. Estes

elementos estão, em sua maiorias, na sua forma iônica, isto é, carregados eletricamente (os ânions com excesso de elétrons e portanto carga negativa, e os cátions com escassez de elétrons e portanto, carga positiva).

Por outro lado, na fase sólida, os minerais secundários do solo possuem altíssima ASE (área superficial específica), o que resulta em um número muito grande de oxigênios com valências insatisfeitas, isto é, excesso de elétrons e portanto, carga negativa.

Deste modo, a fase sólida do solo ( mas só a fração ARGILA) possui cargas negativas que atraem os elementos químicos da solução do solo que possuem cargas

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positivas (cátions). Esta atração entre a fase sólida e os cátions provenientes da solução do solo é fraca, de natureza eletrostática.

Como a ligação entre os cátions da solução do solo e os colóides da fração argila é fraca, ela também é reversível e, é claro, obedecem ao equilíbrio químico. Este mecanismo, conhecido como adsorção, é que permite ao solo funcionar como um reservatório de nutrientes. Os elementos ligados fracamente à fração argila do solo não sofrem lixiviação, e portanto não saem dos horizontes de solo explorados pelas raízes das plantas e microrganismos do solo. Mas como obedece a um equilíbrio químico, estão sempre abastecendo a solução do solo. Assim, por exemplo, após uma chuva intensa, em que houve excesso de água infiltrada e a solução do solo foi lixiviada para o lençol freático (fora do alcance das raízes), a água que permanece no solo (retida por capilaridade) é recebe os íons que estão se dessorvendo (dessorver é a reação contrária de adsorver) da fase sólida, restabelecendo a nutrição das plantas e microrganismos do solo.

Se não fosse este mecanismo, a vida em ecossistemas terrestres seria provavelmente impossível.

4.2. CTC

A reação de adsorção que ocorre constantemente sendo controlada pela fração

argila do solo, controla o fluxo de elementos químicos para a planta e em todo o ecossistema. Esta reação é reversível, isto é, mesmo após um íon ser adsorvido ao solo, ele pode retornar para a fase líquida do solo pela dessorção, que é o inverso da adsorção, obedecendo ao equilíbrio químico entre a fase sólida e a fase líquida, o qual é mais deslocado para a fase sólida. Como na fase sólida há o predomínio de cargas negativas, os cátions da fase líquida são adsorvidos. A quantidade de cátions que um solo pode adsorver pode ser medida e é chamada de capacidade de adsorção de cátions (CTC). A CTC é extremamente importante para entender a interação do solo com as plantas e com o fluxo de elementos em (agro)ecossistema como, por exemplo, aplicação de adubos ou deposição de resíduos no solo. A CTC é então a medida da quantidade de cargas elétricas no solo e ela mede a capacidade que o solo tem de trocar (adsorver e desorver) cátions, funcionando como um reservatório de nutrientes, pois evita que os nutrientes sejam lixiviados durante e após uma chuva. Propriedades importantes da CTC:

Ligação fraca, portanto reversível. Varia entre solos diferentes e no mesmo solo em profundidades

diferentes. O CTC pode aumentar se aumentar o pH e/ou a matéria orgânica do solo. Pode-se assumir que quanto mais argiloso, quanto maior o conteúdo de

matéria orgânica e quanto maior o pH do solo, maior será a CTC. Dois solos com a mesma quantidade de argila e de matéria orgânica, e

mesmo pH, podem ter CTC diferentes se o tipo de argila for diferente. Veja o quadro 2.2. Quadro 2.2. Frações do solo e diferentes tipos de argila, ASE e CTC.

Partícula ASE (m2g-1) CTC (Cmolckg-1)

Argila – Caulinita 10-20 3-15

Argila – Vermiculita 300-500 100-150

Argila – Esmectita 700-800 60-150

Silte <1 Pequena

Areia Fina <0,1 Muito pequena

Areia Grossa <0,01 Praticamente nula

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Lembre-se: Quanto menor o tamanho da partícula, maior será a sua ASE, e

quanto maior a ASE maior a influência da fase sólida sobre o comportamento do solo, assim maior será sua CTC. Isso explica o fato de solos mais argilosos possuírem CTC mais elevada.

A CTC pode ser permanente ou variável dependendo de qual colóide da fração argila se trata. Na fração argila existem partículas minerais (os filossilicatos de alumínio e os óxidos), que são mais abundantes, e partículas orgânicas, que são mais reativas mas encontram-se em quantidade muito menor.

Você aprofundará seu entendimento sobre CTC e reatividade do solo nas próximas aulas, com a Profa. Jussara Regitano.

Grande abraço e sucesso na disciplina !

Prof. Antonio Azevedo

Acad. Juliana Guardia