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  • OS FUNDAMENTOS DA PERIODIZAO DO DESENVOLVIMENTO EM VIGOTSKI: A PERSPECTIVA HISTRICO-DIALTICA EM PSICOLOGIA PASQUALINI, Juliana Campregher UNESP Araraquara [email protected] GT: Psicologia da Educao / n.20 Agncia Financiadora: FAPESP

    OS FUNDAMENTOS DA PERIODIZAO DO DESENVOLVIMENTO EM VIGOTSKI: A PERSPECTIVA HISTRICO-DIALTICA EM PSICOLOGIA

    Vigotski (1983) postulou que a cultura origina formas especiais de conduta e modifica a atividade das funes psquicas, como resultado do desenvolvimento

    histrico do homem em sociedade. Nesse sentido, considerava inteiramente equivocada a perspectiva da psicologia tradicional, que estudava a criana e seu desenvolvimento psquico in abstracto, isto , margem de seu meio social e cultural, desconsiderando as formas de pensamento, concepes e idias produzidas historicamente.

    contrapondo-se a essa perspectiva que o autor abordar a questo da periodizao do desenvolvimento psicolgico. Neste trabalho, pretendemos apresentar os princpios que, na perspectiva de Vigotski, devem sustentar tal periodizao, apontando o carter histrico-dialtico das proposies do autor.

    Para Vygotski (1996), os fundamentos da periodizao das idades no devem ser buscados nos sintomas ou indcios externos, como em geral procedem os pesquisadores, mas nas mudanas internas do processo de desenvolvimento infantil. O autor buscava uma periodizao baseada na essncia do processo de desenvolvimento psicolgico.

    Essa preocupao do autor revela sua perspectiva de que a apreenso da realidade pelo pensamento no se realiza de forma imediata, pelo contato direto com a aparncia dos fenmenos. Em consonncia com o mtodo histrico-dialtico (KOSIK, 1976), Vygotski (1983) considera que as manifestaes externas do fenmeno no expressam as verdadeiras relaes entre as coisas. Nesse sentido, defende uma anlise

    psicolgica explicativa e no meramente descritiva, que revele os nexos dinmico-causais que determinam sua origem e desenvolvimento. A verdadeira tarefa na investigao das etapas do desenvolvimento psicolgico consiste, portanto, (...) em investigar o que se oculta por trs dos sintomas, aquilo que os condiciona, isto , o

    prprio processo de desenvolvimento infantil com suas leis internas (VYGOTSKI,

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    1996, p.253)1. Cumpre ressaltar que o carter interno desse processo no remete a um carter biolgico:

    (...) o desenvolvimento interno se produz sempre como uma unidade de elementos pessoais e ambientais, ou seja, cada avano no desenvolvimento est diretamente determinado pela etapa anterior, por tudo aquilo que surgiu e se formou na etapa anterior (VYGOTSKI, 1996, p.385).

    Dessa forma, Vigotski (1996) postula que devem se investigar as novas formaes de cada estgio do desenvolvimento o novo tipo de estrutura da personalidade e da atividade da criana, as mudanas psquicas e sociais que se produzem pela primeira vez em cada idade e determinam a conscincia da criana e sua relao com o meio.

    Assim, um conceito fundamental para o estudo do processo de desenvolvimento infantil na perspectiva vigotskiana a noo de estrutura da idade: em cada idade, a multiplicidade dos processos parciais que integram o processo de desenvolvimento constitui um todo nico e possui uma determinada estrutura. A estrutura de cada idade

    especfica, nica e irrepetvel e determina o papel e o peso especfico de cada linha parcial do desenvolvimento. Isso significa que no se verificam modificaes em aspectos isolados da personalidade da criana, mas, ao contrrio, modifica-se a estrutura interna da personalidade como um todo. Vigotski (1983) contrape-se, assim, anlise atomstica em psicologia, que decompe os processos psquicos em elementos que so estudados isoladamente. Para ele, a tarefa fundamental da anlise psicolgica (...) no decompor o todo psicolgico em partes ou fragmentos, mas destacar do conjunto psicolgico integral determinados traos e momentos que conservam a primazia do

    todo (p.99-100). Esse princpio remete relao todo-parte e categoria de totalidade no mtodo dialtico, conforme Kosik (1976):

    Os fatos so conhecimento da realidade se so compreendidos como fatos de um todo dialtico isto , se no so tomos imutveis, indivisveis e indemonstrveis, de cuja reunio a realidade seja constituda se so entendidos como partes estruturais do todo (p.36)

    Dessa forma, Vygotski (1996) postula que em cada etapa do desenvolvimento infantil encontra-se sempre uma nova formao central, a qual constitui uma espcie de guia para todo o processo de reorganizao da personalidade da criana. O autor diferencia nesse processo as linhas centrais do desenvolvimento que se referem aos

    processos diretamente relacionados a essa nova formao especfica da idade das linhas acessrias, as quais estariam ligadas aos processos secundrios. Cabe ressaltar

    1 As citaes das obras de Vigotski foram por mim traduzidas a partir dos textos em espanhol.

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    que, nessa perspectiva, os processos que constituem linhas principais de

    desenvolvimento em uma idade convertem-se em linhas acessrias na fase seguinte e o oposto tambm verdadeiro.

    Assim, as funes psquicas no se desenvolvem de maneira proporcional e uniforme, mas cada idade tem sua funo predominante sendo que as funes mais

    importantes que servem de fundamento a outras se desenvolvem primeiro. A funo bsica de cada idade encontra-se em condies sumamente propcias para seu desenvolvimento. Nesse sentido, a psicologia pode subsidiar a organizao do ensino ao identificar o que Vygotski (1996) denomina de prazos timos da aprendizagem o perodo mais propcio e produtivo para determinado tipo de aprendizagem. Esse conceito remete a outro de extrema importncia na obra de Vigotski (1996): a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que definida como a esfera dos processos imaturos, mas em vias de maturao (p.269). O perodo mais propcio para o desenvolvimento de uma determinada funo psicolgica justamente aquele em que ela se encontra em processo de maturao.

    Nesse sentido, torna-se importante compreender a dinmica do aparecimento das novas formaes. A dinmica do desenvolvimento refere-se ao conjunto de todas as leis que regulam a formao e as mudanas das novas estruturas em cada idade. A compreenso da dinmica de cada idade implica a compreenso das relaes entre a personalidade da criana e seu meio social naquela etapa do desenvolvimento: trata-se do conceito de situao social de desenvolvimento. Para Vygotski (1996), a psicologia comete um grande equvoco no estudo do desenvolvimento infantil quando

    (...) considera o contexto [social] como algo externo em relao criana, como uma circunstncia do desenvolvimento, como um conjunto de condies objetivas, independentes, sem relao com esse processo, que pelo simples fato de existir acaba por influenciar a criana. (...) a realidade social a verdadeira fonte de desenvolvimento (...) (p.264)

    A situao social de desenvolvimento se refere relao que se estabelece entre a criana e o meio que a rodeia que peculiar, especfica e irrepetvel em cada etapa

    do desenvolvimento. Pode-se afirmar, para Minick (1997), que em cada estgio o desenvolvimento da criana se caracteriza por diferentes modos de atividade social. A situao social de desenvolvimento constitui o ponto de partida para todas as mudanas dinmicas que se processaro durante aquela idade, na medida em que determina

    plenamente e por inteiro as formas e a trajetria que permitem criana adquirir novas propriedades da personalidade.

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    A lei fundamental que rege a dinmica das idades, para Vygotski (1996), consiste em que as foras que movem o desenvolvimento da criana de uma idade a outra acabam por negar e destruir a prpria base do desenvolvimento da idade anterior, determinando, como necessidade interna, o fim da etapa vigente em direo etapa seguinte.

    Nesse sentido, o desenvolvimento caracteriza-se pela alternncia de perodos estveis e crticos. Nos perodos estveis, o desenvolvimento se deve principalmente a mudanas microscpicas da personalidade da criana, que vo se acumulando at um certo limite e se manifestam mais tarde como uma repentina formao qualitativamente

    nova. Nos perodos de crise, produzem-se mudanas e rupturas bruscas e fundamentais na personalidade da criana em um tempo relativamente curto. Verifica-se aqui novamente a adoo do princpio do mtodo dialtico da transformao da quantidade em qualidade: o acmulo quantitativo culmina no salto qualitativo. Conforme Prado Jr.

    (1969), a dialtica concebe o processo de desenvolvimento dos fenmenos (...) como um desenvolvimento que passa de mudanas quantitativas insignificantes e latentes a mudanas aparentes e radicais, a mudanas qualitativas; onde as mudanas qualitativas no so graduais, mas rpidas e sbitas, e se operam por saltos, de um estado a outro; estas mudanas no so contingentes, mas necessrias; resultam da acumulao de mudanas quantitativas insensveis e graduais (p.602)

    Fica claro, nesse sentido, que na perspectiva de Vigotski o desenvolvimento infantil um processo dialtico, no qual a passagem de um estgio a outro se realiza no por via evolutiva, mas revolucionria. Em relao natureza das crises que se

    constituem ao longo do processo de desenvolvimento infantil, Vigotski (1996) afirma: (...) a essncia de toda crise reside na reestruturao da vivncia anterior, reestruturao que reside na mudana do momento essencial que determina a relao da criana com o meio, isto , na mudana de suas necessidades e motivos que so os motores de seu comportamento (p.385, traduo minha).

    A partir de suas investigaes, Vigotski prope, ainda que provisoriamente, uma

    periodizao das fases do desenvolvimento psicolgico, composta pelas seguintes idades: crise ps-natal; primeiro ano de vida; crise do 1 ano; primeira infncia; crise dos trs anos; idade pr-escolar; crise dos sete anos; idade escolar; crise dos 13 anos; puberdade e crise dos 17 anos. Tais estgios, conforme Facci (2004, p.76), possuem uma certa seqncia no tempo mas no so imutveis, na medida em que

    (...) as condies histrico-sociais concretas exercem influncia tanto sobre o contedo concreto de um estgio individual do desenvolvimento como sobre o curso total do processo de desenvolvimento psquico como um todo.

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    Consideraes finais As proposies de Vigotski sobre a periodizao do desenvolvimento

    psicolgico tm carter declaradamente inacabado. No foi possvel ao autor, em funo de sua morte prematura, concluir sua teoria sobre o desenvolvimento psquico. Tais proposies constituem, contudo, um evidente esforo de construo de uma

    metodologia para o estudo do desenvolvimento infantil na perspectiva histrico-dialtica.

    Na anlise de Minick (1997), Vigotski lana as bases para o desenvolvimento da teoria da atividade por seus colaboradores Leontiev, Elkonin e Davydov, entre outros,

    em especial na medida em que atribui aos pesquisadores a tarefa de esclarecer como as novas formaes psicolgicas emergem e se desenvolvem em conexo com a forma como a vida da criana organizada pelos diferentes modos de atividade social.

    Referncias bibliogrficas FACCI, M. A periodizao do desenvolvimento psicolgico individual na perspectiva de Leontiev, Elkonin e Vigotski. Cadernos Cedes, v.24, n.62, p.64-81. So Paulo: Cortez; Campinas: CEDES, 2004.

    KOSIK, K. Dialtica do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

    MINICK, N. The early history of the Vygotskian school: the relationship between mind and activity. In: COLE, M, ENGESTRM Y & VASQUEZ, O. (orgs) Mind, culture and activity. USA: Cambrigde Press University, 1997.

    PRADO JR., C. Dialtica do Conhecimento: Tomo 2 Dialtica Materialista. So Paulo: Editora Brasiliense, 1969.

    VYGOTSKI, L.S. Obras escogidas. Madrid: Visor, v.3, 1983.

    VYGOTSKI, L.S. Obras escogidas. Madrid: Visor, v.4, 1996.