Funerais de Rui Barbosa

download Funerais de Rui Barbosa

of 27

description

Descreve a comoção nacional pelo falecimento de Rui Barbosa e como se deram seus funerais

Transcript of Funerais de Rui Barbosa

  • Enterrando Rui Barbosa: um Estudo de Caso da Construo

    Fnebre de Heris Nacionais na Primeira Repblica

    Joo Felipe Gonalves

    Os funerais de Rui Barbosa: uma etnografia

    Quando o senador, jurista, jornalista e diplomata Rui Barbosa morreu, em 10 de maro de 1923, em Petrpolis, j era tratado como heri nacional. Em suas campanhas polticas, suas derrotas eleitorais foram compensadas simbolicamente pela inaudita aclamao das ruas; Rui havia muito acumulara os mais prestigiosos ttulos do Brasil da poca (como presidente da Academia Brasileira de Letras e do Instituto dos Advogados do Brasil), e no final da vida se tornara um nome internacionalmente reconhecido, o que aumentava ainda mais o gigantesco prestgio de que gozava em seu pas.

    Em agosto de 1918, realizara-se em todo o Brasil, mas com especial concentrao no Rio e em Salvador, o Jubileu Cvico-Literrio de Rui Barbosa, que comemorava o suposto cinqentenrio de seu primeiro discurso pblico (Gonalves, no prelo). Nunca o pas parara de tal forma para celebrar um

    135

  • 136

    estudos histricos. 2000 - 25

    personagem vivo e consagr-lo de forma to grandiosa. Consolidou-se ento a prtica de tratar Rui como "gnio", "semideus", "apstolo", "super-homem" e outros eptetos do gnero. Rui consolidara na ocasio seu prestgio de prcer da civilizao nacional e de pice da cultura brasileira, por ser o homem que trazia o Brasil para o nvel daquelas que ento se chamavam as naes adiantadas.

    Rui foi ento expressamente sagrado imortal, pois assim foi concebido o Jubileu por seus agentes: como uma cerimnia de imortalizao. E, consoante com isso, muitos de seu consagradores passaram a demonstrar certa ansiedade por sua morte. Evoco dois exemplos. Em uma conferncia no Gabinete Portugus de Leitura de Salvador sobre "Rui em face da religio", um padre jesuta clamou aos cus que abenoassem Rui, usando as seguintes palavras : "Ora bem, Senhor! Tu, que s o Sol eterno de justia, despeja os teus raios esplendorosos sobre esse sol terrestre que j vai declinando para o ocaso ( . . . ). Atrai-o para Ti ( ... ) para que adormecendo em teu seio lore trocar as misrias desta vida pelos gozos inenarrveis da celeste Jerusalm." Note-se tambm o poema que o prprio autor, o estudante Rafael Dias dos Santos, declamou em praa pblica, num concorrido cortejo cvico em Salvador :

    Prossegue, lutador sublime e forte! Com teu talento em prol da Humanidade Antes que ao nada te conduza a morte!. ..

    Morrers? No! Tua glria se no finda Oh! grande! Oh! nobre heri da liberdade! E . , . d ,2 mesmo morto VIveras am a.

    Creio ser possvel entender o gosto por esse tema pela prpria idia de sacralizao e imortalizao do homenageado. Sendo ele um ente sagrado, fora de circulao, intocvel, sua existncia manifesta como indivduo concreto, como pessoa dotada de corpo como as demais, no deixaria de ser incmoda. O prprio do sagrado precisamente no ser manifesto, sensvel - esses so os atributos definidores do profano. A manifestao corporal, perecvel, de Rui poderia ser incongruente com sua sacralidade, a eternidade de seu valor. Ademais, afirmar sua imortalidade passava por reconhecer a mortalidade de uma parte de seu eu, do corpo que se associava a uma inteligncia imortal.

    Quatro anos depois consumou-se finalmente o desaparecimento de Rui Barbosa em sua manifestao fsica. Realizaram-se ento grandiosos funerais, com honras de chefe de Estado e s expensas do governo federal. O corpo embalsamado permaneceu em Petrpolis at a tarde do dia 2 de maro e recebeu a visita de inmeros amigos e autoridades vindas do Rio especialmente para a

  • Enterrando Rui Barbosa

    ocasio.3 Foi tambm grande a movimentao de jornalistas e populares, ficando a casa da rua Ipiranga repleta de coroas de flores. Um cortejo atravessou Petrpolis pouco antes das 15 horas, quando partiu para o Rio o comboio morturio, com um dos vages convertido em cmara ardente. Alm da famlia e do esquife, o trem trazia algumas preeminentes figuras da elite carioca.4

    O local do velrio foi proposto pelo mdico, escritor e educador baiano Afrnio Peixoto: a Biblioteca Nacional. O prdio havia muito j se identificava com Rui. Em 1903, uma charge de Alfredo Cndido que se tornaria uma das mais populares de Rui identificava o homem e a instituio : sob o ttulo de Biblioteca Nacional, mostrava Rui com uma enorme cabea, repleta de escadas e estantes de livros.S E na Biblioteca se realizara uma das principais solenidades do Jubileu de 1918, organizada pelos correligionrios baianos de Rui. Na ocasio, foi inaugurado um busto do homenageado - e at hoje ele o nico personagem a merecer um busto no prdio exclusivamente devido sua condio de homem de letras.6

    Rui era celebrado por sua cultura vasta, consagrado como um depositrio do saber nacional, e por isso era como a verso humana da Biblioteca. Ambos eram a conciliao perfeita das idias de cultura e nao.

    A mesma simbologia presidiu a escolha da Biblioteca como local do velrio. O Pas (4/3/1923) saudava a escolha dizendo que a "cidadela do saber" se transformara assim "em templo, onde est se cultuando a religio do Patriotismo". No discurso que pronunciou ao final do velrio, o mdico e jornalista Constncio Alves desenvolveu o tema tornado lugar comum: a adequao do prdio ao velrio de Rui, pois "aqui vive o Brasil nos documentos da sua histria; aqui fulge no pensamento dos seus escritores; aqui palpita no sentimento dos seus poetas"? Rui e a Biblioteca Nacional eram a materializao do Brasil culto.

    O traslado do corpo de Rui da estao da Leopoldina, na Praia Formosa, at a Biblioteca foi feito num grande cortejo com muita participao popular. Antes mesmo da chegada do trem, a estao j estava repleta de membros da elite nacional : ministros, secretrios dos ministrios, deputados, senadores, altos oficiais das duas foras armadas, o corpo diplomtico nacional e estrangeiro, alm de comisses de escolas, associaes e clubes literrios. Predominava o alto mundo da burocracia, mas havia ampla participao de agremiaes de cunho

    educacional e cultural. Quatro ministros de Estado, o prefeito do Distrito Federal e o vice-presidente do Senado pegaram as alas do caixo para transport-lo para o coche fnebre, encimado por colunas envoltas em crepe que sustentavam uma cpula negra.

    O cortejo que se seguiu, ao som de bandas militares tocando marchas fnebres, tinha uma ordem hierrquica rigorosa. Duas carretas antigas, que carregaram os despojos dos imperadores do Brasil quando de seu traslado para o pas dois anos antes, iam frente carregando as coroas de flores, seguidas pelo

    137

  • 138

    estudos histricos. 2000 - 25

    coche fnebre puxado por trs parelhas de cavalos negros. Eram eles guarnecidos por um peloto de lanceiros em coluna dupla. Atrs, vinham os automveis trazendo a famlia, os ministros, o representante do presidente, as comisses das duas casas do parlamento, membros do corpo diplomtico estrangeiro e do Supremo Tribunal Federal, representantes da imprensa.

    Foi um desfile portentoso da elite para o povo, que lotou as caladas do trajeto: praas Onze e da Repblica, rua Marechal Floriano e avenida Rio Branco. Os prdios ostentavam bandeiras a meio pau e faixas negras, e um vendedor de folhetos de cordel anunciava, na porta do Colgio Pedro 11, uma trova sua sobre o falecido. A multido era grande at a praa Floriano, onde populares lotavam as proximidades da Biblioteca e as escadarias do Teatro Municipal e do Conselho

    ,

    Municipal. A chegada do cortejo, s 18 : 15h, duas bandas militares tocaram a marcha fnebre de Chopin.

    No saguo da Biblioteca o corpo seria velado at o dia 4 de maro, data de seu traslado para o cemitrio. Ainda na noite do dia 2, o presidente Artur Bernardes fez uma visita oficial ao velrio, acompanhado de todos os ministros, do prefeito da capital e de altas patentes militares. Foi recebido pela famlia de Rui e mereceu todas as pompas militares. Novo espetculo para a multido que acompanhava, de fora, o movimento.

    Mas maior cenrio a esperava depois do evento, quando a suntuosa cmara ardente foi aberta visitao pblica.8 Um severo luxo a caracterizava : do teto pendiam longas tiras de veludo preto; as paredes eram cobertas de pano preto, com as iniciais RB bordadas em prata; os lustres estavam cobertos de crepe negro; um enorme catafalco circundava a ea, coberto de veludo negro e com lgrimas de prata incrustadas. No alto da escadaria do saguo, estava o busto de Rui inaugurado em 1918, coberto de crepe e com a base envolta na bandeira nacional. Um altar de quatro metros de altura estava ao fundo do catafalco. Imensas e numerosas coroas de flores abarrotavam o recinto. Todo o tempo velou o corpo uma guarda de honra, composta por soldados da Marinha e do Exrcito, ao lado de duplas de senadores que se revezavam. A teatralidade do local era exacerbada, em uma demonstrao tanto de luxo estatus quanto de luto. O cenrio inspirava um respeito grandioso, condizente com as alturas a que chegara a glorificao do "venerando extinto". A ele acorreu grande multido, durante duas noites, um dia inteiro e a manh do dia 4.

    Nesse dia, a famlia do morto e muitas pessoas ilustres (como ministros, o corpo diplomtico, representantes de Artur Bernardes) assistiram a algumas cerimnias : uma missa de corpo presente, a encomendao do corpo, discursos de despedida. Depois disso, sob grande movimentao, levou-se o corpo at uma caneta do Arsenal de Guerra. Depois de todas as saudaes dos militares e escoteiros, formou-se um grandioso cortejo pela avenida Beira-Mar at Botafogo,

  • Enten'ando Rui Barbosa

    ao som de repetidas salvas dos navios e fortalezas da baa, e de marchas fnebres tocadas por bandas. O nmero de populares era grande em todo o percurso, como narra O Pas (5/3/1923) : "De fora a fora, num raio de crculo enorme, abrangido em cheio pelo olhar, a multido se comprimia, saindo de todos os pontos, das esquinas das ruas, repontando nas janelas ... ". As pessoas subiam aos bancos, postes e rvores, dando a "impresso maravilhosa de uma onda h1lmana sem fim, que crescesse e serpeasse pela via pblica".

    A ordem do cortejo era, mais uma vez, rgida, tendo sido anunciada pelos jornais do dia. Na frente vinham a escolta de honra, um esquadro da cavalaria em primeiro uniforme e o carro do monsenhor Rangel, seguido pela carreta puxada por estudantes, soldados e populares e acompanhada por algumas figuras de destaque, como Miguel Calmon. Atrs, vinham caminhes com as grandes coroas de flores e muitos automveis em ordem estrita - da famlia, dos embaixadores, de Azeredo e do presidente da Cmara, das comisses parlamentares, do presidente e dos membros do STF, do representante do presidente da Repblica, dos ministros estrangeiros, dos ministros do governo etc. Era mais um pomposo e cerimonioso desftle da elite que atraa o povo. No caminho, os postes estavam cobertos de crepe negro, transformando a cidade em palco fnebre. Entrando em Botafogo pela rua So Clemente, o cortejo fez uma parada silenciosa em frente ao palacete de Rui Barbosa, onde ele residira desde 1895.

    No cemitrio, muitos populares contidos por cordes de isolamento da Guarda Civil j aguardavam havia muito, debaixo de forte sol, e assistiam a discursos espontneos, ao longo do dia. A massa terminou por subir nos tmulos para ver o cortejo, que atingiu o local ao cair da noite. Desde a rua Dona Mariana a multido se convulsionava, disputando o direito de puxar um pouco a carreta funerria. Entrando o cortejo no So Joo Batista, os membros da elite oficial se misturaram multido, enquanto o caixo era levado at a capela no alto do cemitrio. Ali, ao som dos tiros disparados na baa, monsenhor Rangel abenoou o corpo e vrios oradores discursaram. Foram oito no total, incluindo o cnsul da Argentina, Joo Mangabeira e Evaristo de Morais. S depois dos discursos que entrou o caixo na capela, qual a multido continuou em romaria at que os zeladores foraram o fechamento do cemitrio, passando das oito da noite. O corpo de Rui ficou na capela at o ano seguinte, quando foi transferido para um suntuoso mausolu construdo para ele.

    Como se pode imaginar a partir das inmeras homenagens recebidas em vida pelo Conselheiro, as homenagens pstumas no se restringiram a um grandioso funeral. Na prpria capital federal, em abril, suntuosas exquias foram celebradas na Candelria pelo arcebispo coadjutor Sebastio Leme.9 Em So Paulo e Salvador foram organizados grandes cortejos cvicos com ampla participao das autoridades, dos estabelecimentos de ensino e de associaes, seguidos

    139

  • 140

    estudos histricos. 2000 - 25

    de concorridas cerimnias religiosas. lO Seria impossvel, aqui, dar conta da profuso de homenagens fnebres que se realizaram Brasil afora - inmeras sesses cvicas, missas solenes, inauguraes de retratos, de ruas com o nome de Rui eram noticiadas seguidamente pelos jornais. Delas nos chegam notcias tambm atravs de pastas do Arquivo de Rui Barbosa que contm correspondncias que contavam famlia homenagens prestadas ao "ilustre morto". Cmaras municipais de lugares como Macap, PA, Sumidouro, RJ, Jaboticabal, Sp, organizaram sesses solenes em homenagem a Rui.ll Em Franca, Sp, o dia 20 de maro foi dedicado a homenagens a ele, que incluram uma missa campal, uma passeata, a inaugurao de um busto e conferncias num teatroY Uma cidade de Santa Catarina recebeu seu nome ainda em maro de 1923Y

    Um jornal de So Paulo14 anunciava em fins de maro "Uma Surpresa Tocante". Narrava ele que a comitiva do secretrio estadual de Justia passava numa vila de umas 20 casas, a 30 km de distncia da estrada de ferro e a 500 km da capital do estado, e deparou-se com uma cmara ardente montada no pequeno hotel local. Ali se reuniam diariamente uns habitantes para rezar junto a "uma mesa coberta de negro, improvisada em altar, um retrato de Rui Barbosa, encostado parede, tambm forrado de negro, rodeado de flores, algumas das quais murchas e outras j secas". Mesmo que bastante romantizada, a notcia indicativa da penetrao da figura de Rui no interior do Brasil.

    Uma agremiao literria de Belm enviou famlia de Rui um grande cartaz com pinturas mo representando Rui, uma guia, a bandeira nacional enlutada e uma guirlanda de flores. Um texto embaixo notificava a inaugurao, em sua sala de honra, de um retrato de Rui. A Associao dos Novos dizia lutar pelo "soerguimento ltero-artstico da Amaznia" e decretava luto oficial de 30 dias para seus membros. Isso indica como era forte a ligao do culto a Rui com associaes culturais e com a mocidade.

    Alm de tantas homenagens cujo desfile poderia ser interminvel, remeto ainda s pginas e pginas dos jornais cariocas que relacionam as coroas e telegramas de psames enviados famlia, ao presidente Artur Bernardes e ao ministro Flix Pacheco. Provavelmente esses telegramas se contariam aos milhares, e as coroas que chegaram ao velrio vinham em grande parte de polticos e de associaes estudantis, grmios literrios, empresas, associaes cvicas etc. Chegaram ainda telegramas de presidentes de outros pases (inclusive da Frana), do rei da Blgica, 15 de embaixadores, de chanceleres, de parlamentos estrangeiros - o que indica que tambm fora do pas Rui foi tratado como virtual chefe de Estado.16

    A pasta DCl do Arquivo da FCRB contm 1.351 missivas dirigidas apel\as a Maria Augusta e filhos, organizadas em 26 pastas. Constam a telegramas de colgios, faculdades, institutos cientficos e literrios, associaes comerciais,

  • Enterrando Rui Barbosa

    prefeitos, conselhos municipais, juzes federais, grmios estudantis, clubes de elite, deputados, famlias ilustres (como as de Ingls de Souza e Osvaldo Cruz), empresas, associaes tnicas, instituies beneficentes etc. Como curiosidades, talvez cumpra destacar os telegramas do general Rondon e do prefeito de Juazeiro do Norte, Padre Ccero,!7 alm de poemas e msicas fnebres executadas no profundo interior do Brasil.18

    No exterior, as homenagens a Rui foram tambm notveis, incluindo uma sesso especial no Institut de France (de que Rui era scio correspondente) com a presena do presidente da Frana; discursos na abertura da sesso da Corte Permanente de Justia de Haia;19 uma rua com o nome de Rui no centro de Montevidu; um editorial especial e laudatrio do New York Times; e cinco minutos de silncio solene nas escolas pblicas da Polnia.20

    O discurso criado em torno da morte de Rui seguiu basicamente as linhas de sua consagrao em vida: ele era afilmado como o maior defensor da liberdade e do direito no Brasil, o arquiteto da Repblica, a smula da cultura e da erudio brasileiras, a perfeita unio entre o Verbo e a Moral. Era erigido como o grande homem, superior, poli valente, capaz de fazer uma nao com suas prprias foras. Era o smbolo de nossa civilizao.

    Para exemplificar a continuada deificao de Rui, evoco um artigo de Vicente de Medeiros, em O Dia de 4 de maro: "Eras bom, eras justo, e eras perfeito; eras o gnio integralizado numa criatura humana, a quem retirou todas as falhas, todos os defeitos e todas as imperfeies humanas; eras at mesmo semelhante aos deuses, porque eras um deus-criatura moral, que viver para sempre com a imortalidade dos gnios que so deuses!" E conclua assim o artigo: "Tu, Mestre augusto, Apstolo divino, Templrio da Bondade, Cavaleiro da F, Vigilante do Direito, Defensor da Ordem, Guia, Imperador, Formador e Mentor da Mentalidade Brasileira, ltimo e mais alto escalo da Mentalidade Latina, no! no morrers!"

    Menos exaltado era o jornal A Rua, que, no dia seguinte morte de Rui, escrevia: "Extinguiu-se ontem a maior luz mental do Brasil contemporneo. Desapareceu o homem que mais flgido relevo j teve no cenrio nacional, destacando-se, durante cerca de meio sculo, pelas extraordinrias irradiaes de sua mentalidade portentosa." Um breve passeio por algumas manchetes de jornal do dia 2 de maro pode ajudar a dar uma idia do discurso ento criado em torno de Rui: ''Apagou-se o Sol!" (Gazeta de Notcias); "O eclipse de um gnio" (Rio-Jornal); "A morte do maior gnio da raa" (A Ptria); ''A grande catstrofe" (A Notcia).

    Mas nem tudo era re etio da retrica consagratria que se dera em vida

    tindo a especificidade do momento de homenagens fnebres. O primeiro trao

    14 1

  • 142

    estudos histricos. 2000 - 25

    especfico, que era apenas residual na glorificao em vida, foi a afirmao da sobrevivncia de Rui ao falecimento de seu corpo. Bem como, na monarquia inglesa medieval e renascentista, a doutrina dos dois corpos do rei visava a assegurar a continuidade simblica da vida do soberano para alm do perecer de seu corpo de indivduo biolgico (Kantorowicz, 1957), tambm quando da morte de Rui fizeram-se esforos nesse sentido. A superposio de fenmenos ento verificada talvez tenha sua base primeira no dualismo ocidental entre corpo e alma. Oposto por Lucien Lvy-Bruhl (1963) dualidade entre matria e esprito verificada nos "primitivos", o dualismo de base crist coloca como rito de passagem central nos funerais ocidentais modernos a desconstituio do eu entre esses dois elementos constituintes bsicos. Van Gennep, em seu clssico livro sobre os ritos de passagem (1992), comenta como, em outras sociedades, se realiza nos funerais uma separao entre vrias "almas"; no Ocidente, esse processo foi substitudo pela separao dos destinos que devem ter o corpo e a alma. Afirma-se a imortalidade da ltima contra a finitude do primeiro.

    No caso de Rui, um problema adicional se colocava: o que se queria imortalizar no era apenas a alma de um cristo, como se pretende para os mortos em geral. Tratava-se de imortalizar uma figura poltica, um heri cvico e li terrio. Como no caso dos soberanos ingleses, havia que se afirmar a sobrevivncia de um verdadeiro smbolo coletivo personificado. Mas, se o pensamento poltico ingls optou por proclamar a existncia de um outro corpo do rei, distinto de seu corpo perecvel de indivduo biolgico, os celebradores de Rui se serviram do dualismo entre corpo e alma para associar a esta muito daquilo que queriam fazer viver: a obra de Rui, suas lies morais, seu gnio. Era uma dimenso de Rui que se proclamava "espiritual" e que cumpria assim tornar imortal, tal qual sua alma.

    Assim, entende-se que um trao formal dos funerais j verificado por Van Gennep - a preeminncia, em comparao com outros ritos de passagem, dos ritos de incorporao - tenha sido exacerbado no funeral de Rui. Este foi sobretudo um ritual que reforava a incorporao de seu nome ao templo dos imortais brasileiros, dos Grandes Homens da nao. Todos os discursos fnebres enfatizavam essa dupla imortalidade de Rui Barbosa, pois a construo da imortalidade de Rui era objetivo expresso, consciente, dos que se reuniam para dele se despedir.

    Veja-se, por exemplo, o que afirmou em discurso no cemitrio o cnsul da Argentina: "Rui Barbosa no desaparece, senhores, ficam suas obras, seus discursos, seus escritos forenses, suas conferncias, sua ao parlamentar ... "ZZ E disse Constncia Alves ao final do velrio: "O teu nome no dos que se apagam ou dos que se riscam. Para que desaparecesse, seria preciso suprimir quase 50 anos do nosso sculo de vida nacional."Z3

  • Enterrando Rui Barbosa

    o deputado baiano Joo Mangabeira, o ltimo a discursar no cemitrio, foi particularmente dramtico ao afirmar a imortalidade de Rui, que para ele se daria principalmente pela continuao de sua obra poltica por seus seguidores. Afirmou: "E agora, e sempre, ns te vemos luzir liberto das tbuas do esquife, pelo espao infinito, e pelo tempo sem fim!" Depois de dizer que a prpria Igreja no realizava cerimnias fnebres para pessoas como ele, mas sim "festividades ruidosas" que marcariam "o momento divino da santificao", entrava a tergiversar sobre o crepsculo que caa, afirmando que o poente "para ns, para a Ptria, o crepsculo dourado da manh, em que tua imortalidade alvorece!" Afinal, a seu ver, "o gnio d apenas por algumas horas a impresso da morte, para ressurgir, como Jesus, do sepulcro vazio".24

    Outro aliado baiano de Rui, o ministro Miguel Calmon, liderou uma interessante iniciativa. Calmon mandou confeccionar um corao de cravos de 3 m de altura, com a inscrio: ''A cidade de Salvador ao maior de seus filhos".25 Esse que se tornou ento conhecido como "o corao da Bahia" foi carregado em prstito por Calmon e outros baianos ilustres do centro da cidade at o So Joo Batista. Isso expressou visualmente um dos temas mais recorrentes dos funerais de Rui: as emoes de seus admiradores e as do prprio homenageado.

    Todos os discursos e quase todos telegramas enfatizavam com dramaticidade a tristeza da perda de Rui; abundavam frases como gigantesco pesar,

    ,

    profunda tristeza etc. E claro que isso faz parte do ritual fnebre brasileiro, mas merece ser destacado porque distingue bastante a consagrao fnebre daquela feita em vida. Tratava-se de verdadeira construo social da dor, do luto.A Notcia de 2 de maro fornece um exemplo dessas afirmaes, ao dizer que a morte de Rui chegara "oprimindo-nos os coraes, fazendo-nos sangrar nas torturas de uma dor sem limites e nos enchendo de uma tristeza infinita".

    A fala de um juiz de direito na sesso especial do Pao Municipal de Macap em homenagem a Rui revela como se conectavam as corriqueiras manifestaes de dor da parte dos admiradores de Rui e os sentimentos atribudos a ele prprio. Dizia o juiz que, "como um redentor, morreu justo. Os seus discpulos, os seus amigos de sempre, estiolados com to cruel acontecimento, vivem acabrunhados, faltos como os apstolos da escritura, chorando o seu Mestre. Morreu ( ... ) cercado do carinho de seu povo, ministrando-o os ltimos afetos de seus bons sentimentos".26

    Ou seja, depois de morto os elogios a Rui passaram a enfatizar bastante a sua singularidade do ponto de vista afetivo. Os sentimentos se associavam queles campos em que Rui j era antes celebrado: a moral, a inteligncia, as letras. O corao se adicionava ao crebro e ganhava cada vez mais importncia para traar seu perfil de homem acima dos demais. Porque seus sentimentos, como seus dotes cerebrais, no eram afirmados apenas como singulares, mas

    143

  • 144

    estudos histricos. 2000 - 25

    como superiores. Se os brasileiros o cercavam de "carinho" e o "pranteavam com saudade", porque sua vida fora marcada "pela candura e pureza da [sua] alma de apstolo", como escreveu o jornal O Dia, em 4 de maro.

    Que a venerao a Rui se fundamentava tambm em crenas sobre sua vida afetiva singular revela-se ainda no discurso que Jos Joaquim da Palma preparou para ler no cemitrio.27 O autor comeava dizendo que as flores da saudade que depositava sobre o caixo de Rui estavam "molhadas das lgrimas de meu corao, despedaado por uma dor to funda, quanto imenso era o amor que a ele me prendia". E entrava a descrever longa e laudatoriamente os sentimentos que animavam a Rui: ''Aqueles que, como eu, conheceram a riqueza inesgotvel de afetos e de bondade que entesoirava a sua alma, sempre inclinada prtica do bem e felicidade dos outros, manifestando na simplicidade e doura de sua vida ntima todos os sentimentos que constituam a generosidade sem limites de seu esprito, feito de ternura e de valentia, de ternura para os oprimidos, os vencidos e os fracos, de valentia para combater o mal ( ... ) podem bem aquilatar da grande dor que me enluta o corao com o seu desaparecimento."

    O trecho, alm de mais uma vez conectar as emoes que se atribuam a Rui e as que se afumava sentir em torno de sua morte, mostra como aquelas eram quase as de um santo - bondade, prodigalidade, compaixo, amor pelos oprimidos etc. As emoes so tambm elencadas como fatores de sua glorificao porque remetem invariavelmente s virtudes crists por que Rui fora celebrado em vida. E mais palavras de Palma corroboram o ponto. Dizia ele: "E, como era justo, sabia tambm ser clemente. No guardava dios, tendo sempre a penderlhe dos lbios o perdo para os que o ofendiam. Por essas duas virtudes - ser justo e ser clemente - ele se aproximava da divindade ... "

    Cumpre lembrar que os necrolgios de Rui Barbosa formaram verdadeiras bases de mitos a seu respeito, pois o mostravam como virtual heri civilizador que construra o Brasil de ento. Muitos artigos faziam expressamente coincidir a vida de Rui com a prpria trajetria poltica do pas. Ele era repetidamente afumado como heri da abolio e da Repblica. O prprio Brasil moderno era tido como a obra de Rui, o legado pelo qual ele merecia ser consagrado. O Jornal de 2 de maro o apontava como "nica verdadeira escola de educao cvica que jamais conheceu nosso povo".

    Lus Murat, em artigo noJornal do Brasil de 8 de maro, advogava a idia de que Rui era um desses Grandes Homens capazes de intervir de fato no destino das sociedades, por ser marcado por uma "vontade coordenadora e impulsora" que lhe permitia enfrentar sozinho a sociedade conservadora e prepar-la para a transio para uma nova fase. Isso exemplifica a associao de Rui com umafase da1vida nacional - a modernizao a partir do fim da monarquia. A idia defase aparece tambm, por exemplo, em O Dia de 4 de maro, que mostra Rui Barbosa

  • Enterrando Rui Barbosa

    como "figura tutelar do ciclo poltico [atual]", por ter atuado diretamente e com amplas responsabilidades "na orientao dos destinos nacionais".

    O Gnio fizera a Ptria - eis o que diziam, em suma, as narrativas mticas em torno de Rui. Ele era como um heri solitrio, capaz de civilizar um pas com seu prprio talento. N o dizer de O Pas (3/3), ele realizara as "maiores campanhas renovadoras e dinamizadoras da nossa civilizao", e suas "cinzas augustas sero sempre a representao simblica da Ptria".

    Para alm disso, importante observar que a morte de Rui ocasionou uma enxurrada de anedotas, memrias e curiosidades a seu respeito nos jornais, a maior delas revelando traos excepcionais de seu carter e talento. Um jornal narrava impressionantes casos reveladores de sua memria prodigiosa, contando ainda que ele lera todos os dicionrios de portugus existentes e que era um leitor universal Goethe.28 Outro contava que Rui era sempre assediado nas caladas, e que "se detinha bondosamente" p'ara receber homenagens de populares, sem . . Ih ' h ' 29 permlt1r que e tirassem o c apeu.

    A edio especial de O Tempo de 15 de janeiro de 1924 apresentava uma verdadeira coleo de casos similares, cabendo talvez destacar dois artigos que falavam sobre duas grandes virtudes atribudas a Rui - o trabalho e a bondade. O primeiro contava como Rui era capaz de trabalhar doente e mesmo com febre, tendo escrito em tais condies alguns de seus trabalhos mais famosos. O segundo, intitulado ''A grande alma de Rui", narrava a vez em que Rui, recmmudado para a Corte, dera o nico dinheiro que ele e a esposa tinham a um rapaz que precisava de fundos para se preparar para os exames da faculdade. Com tais casos, ia-se construindo a imagem pstuma de um Rui prodigioso, genial e caridoso.

    O ltimo ponto a destacar quanto s idias e valores relacionados aos funerais de Rui Barbosa a grande atrao exercida pelo corpo do morto. Antes de mais nada, cumpre observar que jornalistas e oradores tinham um cuidado muito grande em separar Rui Barbosa em si mesmo, sua "individualidade", de seus restos mortais. Em nenhum momento se diz, por exemplo, que Rui seria enterrado, ou que Rui estava no caixo. Sempre se referiam aos "despojos sagrados", aos "venerandos restos", ao "corpo frio e inerte" de Rui. Rui Barbosa era aquele que desaparecera, que falecera com a sada da vida daquele corpo. Tome-se como exemplo dessa distino as palavras de um jornalista ao definir o cadver: "despojos sagrados da mais genial, complexa e perfeita individualidade que jamais passou pela superfcie do nosso planeta. ,,30

    Esses dois eram alis os grandes protagonistas dos funerais - o corpo frio e inerte e a individualidade, o vulto de Rui Barbosa. O contraponto constante da imortalizao desta ltima, do seu esprito e da sua obra, era a referncia ao fsico

    145

  • 146

    estudos histricos. 2000 - 25

    que perecia. Todos os discursos o mencionam a qualquer pretexto e os artigos dissertativos se referem a ele todo o tempo.

    O jornalista Lemos Brito, por exemplo, em seu discurso sada do corpo da Biblioteca, para falar da tristeza geral dos presentes, disse: "Soergue a cabea de sobre o teu sarcfago, e vers que no h, neste mundo de povo, uma alma que no chore a tremenda desgraa de perder-te. , ,31 A impresso de uma generalizada morbidez barroca, que alguns certamente exacerbavam. Foi o caso do colunista Chrysantheme, que, em O Pas de 4 de maro, comentava o enterro e as virtudes de Rui a partir de seu fsico, descrevendo o triste fim daquele corpo

    ,

    que tantos prodgios efetivara: "A passagem do leito sombrio, onde, sobre o travesseiro de cetim descansa aquele crebro forte, de idias maravilhosas, de ambies naturais ( ... ) Em vo, as flores, que ele tanto amou, se amontoam sobre seu cadver, abafando-o do seu perfume que tantas vezes, ele vivo, o embriagou. Debalde, lgrimas mornas e amargas lhe roam pelos dedos, que tanto trabalharam, e pela fronte cor de cera, que tanto se franziu no ardor do pensamento e na nsia da clera humana.( ... ) Com os olhos cerrados, o grande brasileiro dorme o sono de que jamais se desperta e, da sua boca de lbios tristes, nunca mais sair uma frase de vitria para a Ptria, de afeio para a Famlia, nem de consolo para os amigos!"

    O contraste forte entre o corpo morto e as aes grandiosas que seu antigo ocupante realizara, entre a potncia cerebral e sua presente inatividade. Esse contraste era uma derivao, na verdade, de algo que sempre chamara a ateno dos contemporneos de Rui, o contraste entre seu "gigantismo" cvico e literrio e seu corpo mirrado, diminuto. A desproporo entre a individualidade e o fsico que a portava, entre o grande vulto e seu corpo, fora objeto de comentrios durante toda a sua vida. Os caricaturistas haviam fartamente explorado o tema durante toda a vida de Rui. Mas essa desproporo nunca foi to comentada como no funeral, sendo ela agora dramatizada pela oposio entre uma "individualidade" imortal e um corpo perecvel.

    Lus Murat, em seu mencionado artigo noJornal do Brasil de 8 de maro, comentava que o fato "assombra os que nunca acreditaram que em um corpo to exguo se ocultasse o maior esprito do seu tempo". No mesmo artigo contrapunha ainda os dois outros plos que a esses se sobrepunham: "Com a gelidez

    ,

    do corpo nada tenho que ver. E no esprito, que revive e se agita, ainda na mortalha das dores, que reside o meu culto."

    Mas ainda no plano fsico havia um compensador simblico para o corpo ,

    minguado. E o que se v, por exemplo, em O Brasil de 2 de maro, em que se l um artigo sobre "esse velhinho, cujo corpo a natureza reduzira a um mnimo fsico, para transmudar todos os valores materiais na espiritualidade da grande cabea". E o articulista desenvolve o tema daquilo que um dia se chamou "o maior

  • E1Iterra1ldo Ru Barbosa

    coco da Bahia, ,:32 "E quem no se descobria, como diante de um dolo, ante essa grande cabea, por sob cujos cabelos, j cobertos de neve, crepitava o lume do gnio, tal nas entranhas dos altos montes de cimos gelados arde o fogo vulcnico?" O grande tamanho da cabea de Rui fora a festa dos caricaturistas ao longo de sua vida, e pretexto para vrios exerccios de poesia laudatria. Ela permitia uma sede fsica condizente com as fenomenais inteligncia e cultura que se atribuam a Rui.

    Mas no funeral a grande preferncia foi pelos contrastes, que se poderiam definir em alguns pares de homlogos: individualidade : corpo :: vigor : morte :: cabea : corpo : : gigante : franzino :: calor : frio :: ao : inrcia : : mente : fsico.

    Esses pares no eram separados, mas sim cruzados todo o tempo, em jogos de contrrios que aumentavam o sabor barroco da retrica. O Pas de 4 de maro evocava um evento ocorrido no velrio de Jos do Patrocnio, para dizer que frases semelhantes pronunciada ento devem ter passado pela mente de muitos dos que viam Rui morto. O caso era o de um popular que en trara no velrio do jornalista e3 pondo as mos sobre a testa do cadver, dissera: "Como est frio este vulco!,, 3

    J Coelho Neto, em artigo publicado no Jornal do Brasil de 4 de maro, referia-se a Rui como "a Fora Humana, que jaz na Biblioteca Nacional, lar do Pensamento ... " e dizia que ele efetivara, alm dos conhecidos milagres de essncia, um de substncia. E justificava: "De substncia, por ser o corpo desse ente prodigioso um quase nada e suportar nos Ombros todo o Destino de uma nao, toda a responsabilidade de uma era ... " (o artigo era intitulado "O Atlante"). Mas fixava-se mais na cabea, que estava do lado gigantesco de Rui Barbosa: ''A cabea desse homem predestinado, pelo que continha, lembrava esses globos geogrficos, imagens do mundo, nos quais se congregam, flutuando nos oceanos e reticulados de rios, todos os continentes da terra e as ilhas que deles se aberram, porque todas as grandezas do mundo tinham ali seu lugar assinalado ... " Mesmo sendo o trecho exemplo do estilo de metforas caras ao escritor, seu contedo no era fortuito num repertrio onde o corpo e o crebro de Rui eram assuntos privilegiados.34

    Os anticarnaJJais da morte: ritos de instituio e de reforo

    Esta rpida etnografia dos funerais de Rui Barbosa certamente se pretende uma contribuio para o estudo do processo de transformao desse indivduo em heri nacional, processo do qual tais funerais so parte importante. Contudo, o principal objetivo deste artigo no mostrar como Rui se consolidou como heri da nao no momento de sua morte, e sim apresentar um caso

    147

  • 148

    estudos h istricos . 2000 - 25

    especfico capaz de revelar traos importantes da consagrao fnebre de heris ,

    nacionais, muito especialmente durante a Primeira Repblica. E como revelador de prticas cvicas mais gerais da poca que interessa o enterro de Rui Barbosa.

    ,

    E claro que esse gnero de consagrao fnebre-cvica antecedia de muito a poca da morte de Rui (tendo inclusive forte inspirao em eventos fora do Brasil) e sobreviveu muito alm de 1930. Atenho-me primordialmente Repblica Velha por no querer generalizar as caractersticas do caso estudado para outros perodos, e j que este o recorte natural do qual o caso em questo pode ser legitimamente considerado representativo. Ademais, creio que o perodo pode ser particularmente interessante por ter certo carter de intenegno simblico entre os perodos de predomnio de dois chefes de Estado vistos como heris mximos da Nao: dom Pedro II e Getlio Vargas. O Imperador, como mostra Schwarcz (1998), fora como um "grande pai" para o Brasil, e seu lugar simblico s viria a ser plenamente ocupado, com semelhante carisma e premncia, pelo presidente de origem gacha. Entrementes, os chefes de Estado no se marcaram por elevada popularidade e estiveram longe de se constituir em heris nacionais to ardente e amplamente venerados como o velho ocupante do trono. Assim, pululavam candidatos posio simblica de dom Pedro na Repblica Velha, sem que nenhum a alcanasse de modo pleno. Ou seja, esse interregno se coloca como importante laboratrio para o estudo da tentativa de construo de heris nacionais, por ter servido como um celeiro de "grandes homens" que no foram subsumidos, na poca, por nenhuma figura hierarquicamente superior, como nos perodos anterior e posterior.35

    De qualquer forma, a Repblica Velha foi marcada por uma abundncia de faustosos funerais cvicos de homens que ento se afirmavam como heris nacionais. Notadamente homens de letras e polticos eram assim celebrados no momento de sua morte. Para tentar entender esses rituais fnebres-cvicos, abordarei alguns funerais ocorridos no Rio de Janeiro na Repblica Velha.

    A referncia bsica aqui so os funerais cariocas, sobre os quais realizei rpida pesquisa em peridicos como O Pas, A Razo e o Correio da Manh, de personalidades que foram enterradas na capital federal (Machado de Assis, em 1908; Afonso Pena e Euclides da Cunha, em 1909; Baro do Rio Branco em 1912; Osvaldo Cruz em 1917) e de outras que, embora enterradas alhures, por alguma razo tiveram funerais no Rio Qoaquim Nabuco, em 1910; Pinheiro Machado, em 1915; Rodrigues Alves, em 1921). 36 Trabalhos acadmicos que me forneceram importantes subsdios sobre enterros na Primeira Repblica foram os de Regina Abreu (1998), sobre a "imortalizao" de Euclides da Cunha; de Valria Costa e Silva (1999), sobre a consagrao de Machado de Assis, e de Luiz Antnio Simas (1994), sobre o enterro de Floriano Peixoto.37

  • Entcn-alldo R ui Barbosa

    Outro caso que investiguei em jornais da poca deve ser agregado aos j citados: o traslado dos despojos dos imperadores Pedro II e Teresa Cristina para o Rio, em 1921. Fez-se ento urna festa impressionante, ocorrida no seio de um processo de reabilitao de Pedro II corno heri nacional.38 O episdio foi marcado por verdadeiro delrio popular no centro do Rio, com cenas de velhos sditos desmaiando e chorando diante dos corpos de seus venerados imperadores, que passaram a ficar em exposio numa capela da Catedral. 39

    Vrias caractersticas unem os diversos rituais fnebres citados. Longos cortejos com urna rgida ordem hierrquica, a assistncia de numerosos populares e a participao de autoridades e pessoas de destaque da mais elevada elite carioca so os traos mais evidentes. Com maior ou menor concorrncia, mas sempre com grande pompa, repetiam-se em todos os casos os luxuosos carros fnebres, os carros com figuras importantes, as bandas militares tocando marchas fnebres, os tiros de canho dos navios e fortalezas, os batalhes militares em trajes de honra, os postes cobertos de crepe negro e as ruas repletas de populares.

    Vrios, corno Machado de Assis e Osvaldo Cruz, tiveram os funerais pagos pelo Estado. Mas, dos casos citados, apenas Rui e Rio Branco tiveram honras de chefe de Estado sem o ser - Afonso Pena, que morreu no Catete, e Rodrigues Alves, presidente eleito, tambm as tiveram. Isso deu a seus funerais especial pompa e circunstncia, j que, inclusive nos demais casos, era a presena de autoridades e figuras de destaque que dava o tom de urna festa nacional. Com as honras de chefe de Estado, esse componente aumentava - a comear pelas numerosas e literalmente estrondosas saudaes militares que se faziam.

    Os cortejos transcorriam tipicamente entre o local da morte e o do velrio, e entre este e o do enterro. Mas o grande lugar era o do velrio, objeto de cuidadosas escolhas simblicas por parte dos celebrantes - deveria haver uma grande identidade entre o morto e o local. Assim, Rio Branco foi velado no Itamarati; Machado e Euclides na Academia Brasileira de Letras; Pinheiro Machado na sua casa do Morro da Graa e no Senado; Afonso Pena no Catete, e Rodrigues Alves em seu palacete da rua Senador Vergueiro. Todos se cobriam de muito fausto - veludos negros cobrindo paredes e fachadas inteiras, crepes sem fim, lgrimas e iniciais em ouro e prata, ricos altares e catafalcos, dossis de cobre, guardas de honra. Alm de expressar a prpria especificidade das vidas e obras dos extintos, essas instituies eram verdadeiras manifestaes materiais de setores da elite nacional, que subitamente se abriam visitao pblica.

    No surpreende a fenomenal acorrida da populao a esse locais, no necessariamente para adorar seus mortos, mas tambm para poder ver espaos normalmente a ela interditados. Nessas ocasies a elite se mostrava em verdadeira performance pblica. Quando, seno a, poderiam "pessoas modestas" entrar livremente na mtica manso do Morro da Graa, no Itamarati, ou na casa do

    149

  • 150

    estudos histricos . 2000 - 25

    chefe da oligarquia paulista, e ver tantas fardas e casacas reunidas, para no falar de to abundante luxo funerrio? O assim chamado "povo" era convidado a penetrar nos recintos da elite e a se extasiar com a circunstncia, com o fausto e

    o respeIto. Certamente, uma grande demonstrao dos membros da elite para si

    mesmos e para o povo, nesses momentos, residia nos grandiloqentes e laudatrios discursos fnebres. Os funerais eram grande ocasio para a osten tao da verborragia complicada e do vocabulrio difcil, grandes smbolos de superioridade social. Os discursos eram to numerosos quanto longos, e visavam explicitamente imortalizao do "preclaro morto" e a seu ingresso no panteo da Nao.

    Com isso, entra-se em outra dimenso onde se encontram elementos comuns a todos os funerais citados, uma dimenso mais cognitiva e valorativa, menos ligada prtica ritual propriamente dita. Que idias e valores se expressavam nos grandes rituais fnebres-cvicos, nos discursos que neles se faziam, nos artigos jornalsticos por eles suscitados?

    Nota-se, como j foi dito, um tom grandiloqente muito prximo daquele que se verificou em torno de Rui Barbosa. Isso no significa que todos os "ilustres defuntos" recebessem os mesmos graus de louvao conferidos a Rui. A julgar pela comparao dos textos dos jornais, que sempre reproduziam os discursos feitos nos velrios e enterros, creio ser possvel dizer que apenas o Baro do Rio Branco recebeu eptetos to grandiosos quanto os atribudos a Rui. Ambos foram chamados de "o maior dos brasileiros" e alados a patamares de verdadeiros santos da Nao. Frases ditas a respeito do chanceler aproximam-se das ditas sobre Rui: "era uma glria humana"; "era um prodgio na intensidade fenomenal do trabalho, como era o mais doce e o mais ameno no convvio da amizade".40

    Nenhum dos outros mortos foi to celebrado assim; basta notar o nmero de pginas dedicadas nos jornais a homenagens ao Baro e a Rui, muito superior ao daquelas dedicadas a qualquer dos outros falecidos. Nenhum se identificava, ademais, to abstratamente com a Nao, de que os dois foram ditos ser a prpria encarnao e o ponto mximo da inteligncia. Ambos eram vistos como os verdadeiros construtores do Brasil, seja em seu arcabouo jurdico liberal, seja em seu territrio e fronteiras.

    Mas grandes ttulos no faltaram aos outros nomes, erigidos como heris nacionais, ainda que num patamar inferior, com uma venerao menos exaltada e mais limitada a uma ou outra esfera. Todos eram "insignes mortos", seus despojos eram sempre venerandos ou excelsos, ou, em casos como Machado e Nabuco, sagrados. Suas mortes eram sempre descritas como catstrofes. Necrol,gios mticos, semelhana dos que descrevi sobre Rui, eram sempre repetidos em artigos e discursos, louvando as obras e as qualidades inatas dos extintos.

  • Enterralldo Rui Barbosa

    o cultivo retrico da dor, do pesar dilacerante, estavam sempre presentes, em graus diversos, geralmente inferior quele manifestado em relao a Rui e a Rio Branco. O desejo expresso de imortalizao era tambm constante - em todos os casos, afirmava-se a sobrevivncia alm dos corpos inertes. Isso era explcito; tratava-se sempre de demonstrar reto ricamente que os heris sobreviveriam alm de seus corpos.

    O mais notvel, porm, a recorrente associao de todos aqueles nomes com a Nao, com a Ptria. Os enterros estudados eram invariavelmente celebraes da Nao, e o Brasil era a referncia mais presente. A retrica era toda cvica. Todos os falecidos eram descritos, no mnimo, como grandes patriotas, e seus trabalhos nas mais diversas reas eram sempre remetidos ao engrandecimento da nao - ainda que de uma nao estrangeira, como no caso de Del Prete. Por isso chamo esses enterros de rituais cvicos.

    Destarte, Osvaldo Cruz teria sido um heri da civilizao brasileira, contribuindo para o respeito das outras naes pelo Brasil ao livr-lo da febre amarela e sanear sua capital. Joaquim Nabuco tambm teria sido um exemplo de "bem servir humanidade e Ptria".41 O cadver de Floriano Peixoto era descrito como "relquia sagrada da repblica"; 42 Machado de Assis era o "chefe incontestado da nossa literatura", "o primeiro homem de letras que o Brasil tem produzido"; 43 em Afonso Pena a nao teria perdido "um dos seus mais dignos filhos e um dos seus mais dignos guias".44 No dizer de Joo do Rio, Pinheiro Machado, alm de ser a "mais empolgante, mais incisiva, mais poderosa" das grandes "individualidades" brasileiras, era a "encarnao da Repblica, Defesa, Baluarte do Regime. Era a Ordem.".45 Rodrigues Alves tambm teria feito uma contribuio especfica para o Brasil, sendo tanto o "elo que manteve contnua a cadeia da evoluo constitucional da Nao" quanto, "em toda a histria brasileira, o homem que tem revelado maior poder de adaptao s circunstncias. ,,46 Regina Abreu (1998) salienta como nos elogios fnebres a Euclides da Cunha apareciam constantes referncias a suas virtudes morais e cvicas, s quais era amide remetido seu mrito literrio.

    Assim, era antes de tudo a Ptria que se via em cada um dos heris celebrados, fossem eles literatos ou polticos. Quando no encarnavam esferas ou aspectos do Brasil, procedia-se a um corte diacrnico, e o morto passava a representar a Nao em um de seus momentos histricos. Era isso inclusive que possibilitava a celebrao republicana do monarca deposto: ele era o smbolo de um Brasil passado que, embora no devesse voltar, merecia ser comemorado por ter contribudo para a formao da Ptria.

    Deve-se contudo notar que essa singularizao dos aspectos ou momentos da Ptria nas homenagens fnebres associa-se intrinsecamente com a construo de grandes figuras individuais singulares, especficas. Todas eram tomadas

    151

  • 152

    estudos histricos . 2000 - 25

    como tendo contribudo para a nao, mas com obras e qualidades prprias que as distinguiam umas das outras.

    Na verdade, percebe-se uma dupla diferenciao dos personagens imortalizados. Primeiramente, sua separao em relao aos "mortais" era a base comum das vrias celebraes - antes de mais nada, eles se distinguiam das pessoas no glorificadas. Todos se destacavam porque eram superiores aos demais. Num segundo plano, distinguiam-se internamente dentro do panteo cvico porque demonstravam valores e faculdades distintos uns dos outros. Desse ponto de vista, os funerais eram local privilegiado de afirmao de um individualismo da singularidade. E a singularidade, no caso, supunha uma desigualdade tida por natural que separava os grandes heris da prpria humanidade. Eles eram super-homens, naturalmente predestinados a cumprir um papel na histria.

    A construo dessa singularidade hierarquizante marcava toda a retrica fnebre-cvica. O esforo dos que celebravam os mortos era no sentido de traar perfis psicolgicos que demonstrassem a unicidade da contribuio de cada um deles. Isso se fazia geralmente pela atribuio de qualidades extraordinrias inatas, dadas na constituio dessas individualidades, para usar o termo nativo recorrente. A traetria de cada um era narrada como o desenvolvimento dos

    alis consoante num universo discursivo em que toda a nfase dada construo da singularidade individual. O individualismo a claramente do tipo qualitativo (Simmel, 1993).

    ,

    E importante observar que o forte individualismo evidenciado nos funerais cvicos da Primeira Repblica corrobora a idia de Louis Dumont (1990) de que h uma afinidade eletiva entre os fenmenos modernos do individualismo e do nacionalismo. Segundo o antroplogo, a Nao concebida como um indivduo coletivo, idealmente constitudo por uma associao de indivduos biolgicos. Ora, o discurso das celebraes fnebres aqui analisadas sustenta precisamente que os grandes homens enterrados construram a Nao, literalmente fizeram -na com seus dotes inatos e nicos. O Brasil era visto como um grande artifcio dessas vontades individuais, como um produto desses homens com qualidades acima do normal.

    Cada um desses indivduos era alis tido como materializao de uma idia, valor ou instituio. Eles davam literalmente um corpo a noes abstratas que os sobreviventes queriam celebrar. Pinheiro Machado era a Ordem; Rodrigues Alves, a Conciliao; Rui, a Liberdade e o Direito; Machado de Assis, a

    ,

    Literatura; Osvaldo Cruz, a Cincia; Rio Branco, o Territrio etc. E claro que esses so meros exemplos, e no so atribuies exclusivas, consensuais e unvocas - ada morto podia representar mais de uma idia, e havia mltiplas interpretaes possveis sobre cada um. Ademais, a mesma idia poderia estar sem

  • En terrando Rui Barbosa

    contradio em vrios corpos: Rui, Rio Branco e Osvaldo Cruz eram corno que facetas distintas de nossa civilizao; Rui, Machado de Assis e Euclides representavam a nossa cultura; Rui e Rio Branco eram o prprio Brasil.

    O que importa, menos que estabelecer uma espria tabela de correspondncias, verificar qual o esforo subjacente a to cultivadas associaes. Todas exploravam as singularidades atribudas aos indivduos falecidos para torn-los espcies de alegorias s avessas. As alegorias faziam parte do repertrio cotidiano da poca - em anncios, prdios, monumentos, jornais, caricaturas, ilustraes, peas de teatro, livros, apareciam os mais variados substantivos abstratos tornando formas humanas. Era assim com a Msica, a Glria, a Paz, a Poesia, a Inteligncia, o Estudo, a Repblica, a Nao, o Carnaval etc.; todos eram representados a toda hora corno pessoas concretas, dotadas de corpo. Ora, os ilustres falecidos de que falo aqui eram mobilizados quase corno alegorias, como indivduos especficos que passavam a representar, por seus atributos e por sua vida, idias, coletividades ou pocas. S que, ao invs de caber imaginao dar um corpo inexistente s idias, corpos reais j estavam disponveis - bastava transform-los retoricamente em manifestaes dessas idias. Ganhando corpos, essas idias podiam efetivamente se individualizar. Assim corno a pessoa moderna tem seu fulcro na noo de um corpo que a porta, que lhe d limites e a singulariza (corno observou Maurice Leenhardt em seu Do Kamo), tal noo permite a corporificao de noes abstratas, lidas assim num vis individualista.

    Destarte, os funerais acabavam quase constituindo uma espcie de politesmo cvico, com vrias figuras sagradas "abenoando" uma ou outra virtude, urna ou outra "fase da evoluo nacional". Isso enfatizado pela onipresena da linguagem religiosa na consagrao dos heris cvicos. A idia de que se tratava de estabelecer-lhes um culto, de que eles so semideuses ou apstolos aparece com freqncia em quase todos os casos. E mesmo se nem todos fossem, corno Rui, expressamente identificados corno santos pelos cultuadores, sua imortalizao tendia a torn-los sagrados, fora de circulao, porque estavam acima dos demais homens, que no se imortalizariam da mesma forma.

    No toa que as vidas desses personagens se tornavam amide vidas exemplares, similares s vidas de santos, publicadas em biografias consagratrias. Os cultos a vrias dessas figuras no eram incompatveis, mas complementares. Todos podiam ser heris nacionais ao mesmo tempo, embora, bem entendido, com algumas imprecisas e inarticuladas hierarquias. Poucos, corno Rui Barbosa e Rio Branco, chegaram ao nvel mximo de se identificar com a prpria nao.

    Para completar a interpretao desses funerais, cumpre desenvolver o fato de serem eles desfiles da elite para o povo. Eles eram urna demonstrao pblica e teatral do mundo das letras e do poder poltico, dois dos maiores smbolos da elite de ento. Sua firme associao simblica e ritual com os poderes

    153

  • 154

    estudos histricos . 2000 - 25

    militares apenas salientava o carter de reforo das hierarquias que tinham essas festas.

    Na clebre trade ritual brasileira analisada por DaMatta (1990) - carnaval, dia da Ptria, procisso -, os enterros cvicos estavam duplamente ligados ao segundo plo, o da solenidade, da afirmao de hierarquias. Para comear, os enterros comuns j fazem parte dessa segunda categoria ritual, devido ao ambiente de respeito e de ordem que os caracteriza. Os funerais cvicos tm esse carter redobrado, por terem como objeto os Grandes Homens, encarnaes dos setores sociais superiores a que se conectam. Tratando-se de heris cvicos, o respeito redobrado. Afinal, ali repousa uma personificao da Ptria. Esta identifica-se, assim, com seus estratos superiores e cultos. Era naqueles homens de fala difcil e vestimentas taciturnas que devia repousar a Nao.

    Os enterros eram ento aquilo que pretendiam ser: verdadeiros dias da Ptria, devido nfase na ordem, na hierarquia, na solenidade, no respeito. Que houvesse contato entre vrias camadas da populao no significava sua comunho, ou sua mistura temporria. Ao contrrio, elas estavam juntas reforando as diferenas entre elas, as hierarquias que as separavam. Mais uma vez, nas prticas e na retrica rituais, faltavam dimenses que enfatizassem a communitas; eram festas da estrntura, no sentido de Turner.

    O discurso sobre o morto era menos para separ-lo da vida do que para separ-lo da humanidade normal. Menos que um rito de passagem, era um rito de instituio, para usar o conceito de Pierre Bourdieu (1992). Esse conceito designa aqueles rituais que tm o poder de separar definitivamente categorias de pessoas, atribuindo a elas essncias, tidas por naturais, radicalmente distintas. Transformando continuidades em descontinuidades, ou criando diferenas arbitrrias naturalizadas pelos participantes, os ritos instauram e legitimam hierarquias simblicas que tendem a se tornar reais. So, a rigor, ritos de separao: "The separation brought about by the ritual (which itself enacts a separation) brings about a consecration. (. . .) In this case to institute is to consecrate, that is, to sanction and to sanctifY, a state of affairs, an established order . . . " (1992: 82). A crena na naturalidade das essncias atribudas aos agentes crucial para a eficcia simblica do ritual. Esta reside na criao de uma categoria dos melhores, do mistos; no caso, dos grandes homens da nao.

    O que se salientava no era a humanidade do morto, sua matria-prima comum aos outros (que a morte biolgica poderia pr em evidncia, poder-se-ia pensar), mas sua supra-humanidade, seu carter excepcional. A retrica fnebre os alava a um nvel superior ao resto da humanidade e afirmava como natural sua posio hierarquicamente superior, no fundo a posio de todo o setor social de que faziam parte os "excelsos defuntos". Ademais, a prtica das cerimnias

  • Enten'ando Rui Barbosa

    fazia delas verdadeiras ostentaes de luxo, de dinheiro, de fora, de saber, de retrica difcil. A dimenso da sociedade brasileira ali enfatizada era a hierarquia.

    Assim, elas se aproximavam de outras grandes manifestaes pblicas da poca que tambm eram espetculos da elite para o povo. Bons exemplos foram o j citado Jubileu de Rui Barbosa e as recepes grandiosas - centradas em solenidades pblicas e imensos cortejos - aos reis dos belgas, em 1920, e ao presidente de Portugal, em 1922. Essas festas, os funerais e o 7 de Setembro eram espcies de celebraes do respeito s autoridades e elite num universo cultural marcado por uma ampla carnavalizao das relaes com o poder. Eram a afirmao das distncias contra a licena, das separaes contra a mistura, dos caxias4 contra os malandros, do respeito contra a brincadeira. O que a anlise dos enterros demonstra que, no primeiro plo, encontrava-se o indivduo, o ser singular, contra a massa, supostamente senhora do carnaval. O individualismo entrava do lado da separao, do reforo, da hierarquia.49

    Este no era um desafio simblico de pouca importncia no Rio de Janeiro da Primeira Repblica, pois a carnavalizao no era trao secundrio das atitudes populares para com a elite, especialmente a elite poltica. Esta era objeto privilegiado da chacota popular. Jos Murilo de Carvalho (1996) reconhece a importncia do fenmeno. Depois de investigar os limites de outras variveis que poderiam dar conta da especificidade da vivncia poltica popular no Rio da Primeira Repblica - como a tradio ibrica, o familismo, o legado escravista, a onipresena da burocracia - conclui: "O que marcava, e marca, o Rio antes a carnavalizao do poder como, de resto, de outras relaes pessoais" (1996: 157). Associando isso com a convivncia fluida entre as classes sociais (o velho hibridismo freyreano) e as possibilidades de "desordem" a contidas, fala ele sobre a poca: ''A lei era ento desmoralizada de todos os lados, em todos os domnios. Esta duplicidade de mundos, mais aguda no Rio, talvez tenha contribudo para a mentalidade de irreverncia, de deboche, de malcia. De tribofe" (1996: 159).

    Para a elite propriamente poltica, Isabel Lustosa (1989) nos d uma preciosa coleo de manifestaes dessa generalizada atitude irreverente e de licena. Os exemplos so de vrios tipos: caricaturas, piadas, canes carnavalescas, filmes, depoimentos etc. No devem eles ser tomados como folclore poltico presente em qualquer parte e tempo, mas como um importante documento sobre uma forma carioca de conviver com o poltico, que estava logo ali na esquina. Era uma forma de troa, gozao, licena.

    A autora mostra, por exemplo, como a tradio do corso de carnaval surgiu de um passeio automobilstico da senhora Afonso Pena e filhas, e como o grande tema do carnaval de 1915 foi uma certa figura de nome Dudu, de que as pessoas se fantasiavam e brincavam nos blocos e msicas. Dudu no era ningum

    155

  • 156

    estudos histricos . 2000 - 25

    seno o presidente Hermes da Fonseca. E todos os outros presidentes tiveram apelidos brincalhes: Biriba (Prudente de Morais), Baiacu e Pavo (Campos Sales), Soneca (Rodrigues Alves), T ico-T ico (Afonso Pena), Moleque Presepeiro (Nilo Peanha), Seu Lal ou Mineirinho (Venceslau Brs) etc. Demonstraes de insatisfao tomavam s vezes formas como a chuva de caroos de jaca que Venceslau Brs recebeu ao passar pelo Campo de Santana chegando cidade para tomar posse - o que s foi possvel pelo trnsito usual dos polticos pelo espao promscuo e livre do centro da cidade. No longe dali ficavam, por exemplo, o Itamarati e o Senado.

    Exemplos de carnavalizao no faltariam, inclusive com alguns dos citados "mortos ilustres". O que cabe enfatizar aqui que a esse clima a elite contrapunha, de forma no necessariamente consciente, rituais de reforo que eram, a rigor, anticamavais. Entre esses rituais, certamente estavam os grandes enterros, ocasies de extremado respeito e reafirmao simblica de hierarquias. A nao, para a elite, no podia residir num carnaval, e sim em cerimnias de respeito e de reforo da estrutura. Contra as brincadeiras que transgrediam as hierarquias, cortejos, discursos, homenagens e funerais que as enfatizavam. Contra os carnavais, enterros solenes e paradas militares. Contra a festa do povo que seduzia as elites, as festas das elites que deslumbravam o povo. E, muito importante: contra a festa da massa, a festa do indivduo, do indivduo nico, singular.

    Concluso

    O que se quis destacar aqui foram alguns elementos centrais dos rituais fnebres de construo de heris cvicos na Primeira Repblica, a partir da etnografia dos funerais de um dos mais celebrados heris da poca, o senador Rui Barbosa. Entre tais elementos figuram a construo e a naturalizao de hierarquias, o reforo da estrutura social, o desenvolvimento de um individualismo da distino.

    Esta anlise deve valer como uma defesa da necessidade de se tomar rituais de consagrao (como os enterros cvicos) em seu conjunto, e no apenas interpret-los caso a caso. Cada etnografia de enterro cvico vale, sem dvida, para a compreenso da construo de um heri nacional em particular. Mas apenas tomando os rituais em conjunto, ou tomando cada um como exemplo de um fenmeno mais amplo, pode-se realmente compreender o sentido desses rituais. No se deve isolar a interpretao de cada evento em si mesmo, como se no fitesse parte de uma prtica costumeira que tem um sentido comum em suas vrias manifestaes.

  • E1I terra1ldo Rui Barbosa

    Menos que consagrar tal ou tal personagem, o que se faz na Primeira Repblica um movimento geral de criao de heris. Talvez um perodo sem um grande "pai" simblico como Pedro II ou Vargas seja particularmente interessante para enfatizar a necessidade de se compreender tal movimento de uma perspetiva mais ampla.

    E a maior lio a se retirar da construo desses heris na Repblica Velha talvez seja a de que cultuar um heri no necessariamente implica adotar seus valores polticos e compartilhar sua viso bsica de mundo. Provavelmente importa mais em um heri celebr-lo enquanto tal do que realmente imortalizar

    ,

    suas idias e bandeiras. E isso que permite a convivncia fluida de vrios heris em um s politesmo cvico: importa mais que sejam "grandes homens" do que que sejam militaristas ou civilistas, concebam a civilizao como empreendimento moral ou tcnico, defendam a vida da metrpole ou a do serto. Importa mais construir um amplo panteo do que dot-lo de uma suposta coerncia "ideolgica". Indivduos que em vida se opem fortemente deixam de estar em conflito quando acedem imortalidade. A, so s Grandes Homens, que encar-

    ,

    nam valores diversos mas nunca incompatveis. Seu culto os une a todos. E ingenuidade esperar dos cultuadores de um heri completa adeso ao pensamento e aos valores do dolo.

    Por isso, so os traos formais da construo dos heris que cabe compreender, em lugar de nos limitarmos ao estudo isolado de um ou outro heri. Sem uma perspectiva mais ampla, qualquer um deles parecer mais venerado do que realmente foi. Trata-se antes de ver o que est envolvido na construo dos heris em geral, e para isso que este estudo de caso pretende ter contribudo. Rui Barbosa, sob esta tica, foi um ruibarbosa entre outros.

    Notas

    1. Citado no jornal baiano O Imparcial, 1 3/8/19 1 8. 2. Idem, 14/8/ 1918. 3. Estiveram ali, por exemplo, o grande aliado de Rui, Miguel Calmon (ento ministro da Agricultura), Aurelino Leal (interventor no Estado do Rio, ex-chefe de polcia do DF), o deputado Joo Mangabeira, o chanceler Flix Pacheco, o deputado Pedro Lago, representantes do

    presidente da Repblica, o jornalista baiano Lemos Brito, Dunshee de Abranches, o ministro Viveiros de Castro e outros.

    4. A famlia decidiu que o corpo seria enterrado na capital federal, embora chegassem telegramas da Bahia natal exigindo que Rui fosse enterrado ali. Os protestos vinham de jornais e de nomes como Otvio Mangabeira, mas a famlia

    157

  • 158

    estudos histricos . 2000 - 25

    resistiu a eles. No centenrio de nascimento de Rui, em 1 949, seus despojos foram transferidos com grande pompa para sua cidade natal, Salvador.

    5. Essa charge, publicada na revista Larva de 1 8/9/1 903, est disponvel em Herman Lima ( 1 950: 1 2).

    6. Os demais bustos presentes na Biblioteca so de pessoas a ela ligadas institucionalmente: seu fundador, dom Joo VI; um de seus principais diretores, frei Camilo de Montserrat ( 1 8 1 8-70) e o construtor do edifcio que a abriga, Francisco de Souza Aguiar (ver site da Biblioteca, http://www.bn.brl).

    7. Citado na revista O Tempo, n. 1 3, ano 3, 1 5/1/1924, dedicado inteiramente a Rui Barbosa e sua morte.

    8. Note-se a separao das categorias: os populares entravam e saam pelas portas laterais da entrada principal, sendo a porta do meio reservada a visitas oficiais.

    9. Ver Gazeta de Notcias, 1 0/4/1923. A igreja, ricamente decorada, era dominada por um retrato em tamanho natural de Rui em p, rodeado de cravos e hortnsias. No veludo roxo, liam-se em letras douradas "Ao Sol", epteto j antigo de Rui, e suas datas de nascimento e falecimento. Ao lado ficavam o busto da Repblica e os escudos da Justia, da Liberdade, da Eloqncia, das Letras e das Cincias. Foi uma grande festa da elite carioca, com a presena do presidente e de bandas militares frente do templo. Uma grande orquestra tocou durante a cerimnia, a que se seguiu um longo discurso de monsenhor Rangel.

    1 0. Ver, sobre a capital paulista, O Estado de S. Paulo, 26/3/1 923 ; e, sobre Salvador, a Gazeta de Notcias, 1 3/3/1923 e A Ptria, 5/4/1923. Note-se que o governador baiano era o antigo adversrio poltico de Rui, J. J. Seabra, que decretou luto oficial e maI1dou celebrar exquias pelo arcebispo primaz do Brasil.

    11. Ver srie DC 2 do Arquivo Rui Barbosa, da Fundao Casa de Rui Barbosa (FCRB), respectivamente docs. 3, l -a e 4. 12. Srie DC 2, doc. 7. 13. Ver O Pas, 24/3/1 923. 14. Esse jornal no est identificado, mas consta a notcia na pasta de recortes da Biblioteca da FCRB referente ao ano de 1 923. O caso foi tambm publicado em O Pais de 1 5/3/1923. 15. O rei Alberto da Blgica fizera questo de conhecer Rui Barbosa quando de sua visita ao Brasil, em 1 920, mesmo no tendo sido tal encontro programado pelo governo de Epitcio Pessoa. 16. O Tempo de 1 5/1/1 924 faz um resumo dos principais telegramas recebidos pelo presidente e pelo chanceler. 1 7. Respectivamente, DC 1/7, doc. 3 1 5 e DC 1/2 1 , doc. 1 070. 18. Ver, por exemplo, DC 2, doc. 5, 6 e 9. 1 9. Em 1 92 1 , Rui fora eleito membro da citada Corte Internacional, com a mais elevada votao, mas no pde assumir seu lugar devido sua m condio de sade (ver FCRB, 1 995: 1 82). 20. Esses exemplos foram retirados do nmero especial da revista O Tempo ( 1 5/1/1924), que traz um grande painel de homenagens a Rui no exterior. 21. At o fim da vida, Rui Barbosa foi designado por esse ttulo imperial, que recebera em 1 884. A constante utilizao do ttulo demonstra a persistncia de hierarquias simblicas imperiais ainda na Repblica. 22. Citado em O Pas, 5/3/1923. 23. Citado em O Tempo, 1 5/1/1924. 24. O Pas, 6/3/1923 e Arquivo da FCRB, DC2, doc. l 25. Ver O Pas, 4/3/1 923. 26. Srie DC2, doc.3.

  • 27. O discurso est transcrito em O Tempo de 1 5/1/1924, que muito interessantemente dizia que o autor no pudera pronunci-lo "em virtude da grande comoo de que estava possudo". Palma era um poltico baiano que J. J. Seabra havia pouco propusera a Rui Barbosa como candidato de ambos ao governo da Bahia, como possibilidade de reconciliao. 28. Jornal do Comrcio, 8/3/1923. 29. A Notcia, 9/3/1923. 30. Rio-Jornal, s.d., pasta de recortes de 1 923 da FCRE. O articulista, Antnio Maciel, se referia ao crebro de Rui como "relicrio divino". 31. Citado em O Tempo, 15/1/1924. 32. A expresso foi utilizada em uma caricatura de Vieira da Cunha na revista O Malho de 5/4/1919, reproduzida em Herman Lima ( 1 950: xxi). 33. No deixa de ser curioso que o prprio Patrocnio tivesse dito em 1 885: "Deus acendeu um vulco na cabea de Rui" (apud Herman Lima, 1950: xxv). 34. Valria Costa e Silva ( 1999) conta que quando da morte de Machado de Assis sua cor escura levantou problemticas similares s levantadas pelo fsico franzino de Rui. No universo racista de ento, a pele do escritor no parecia maioria de seus admiradores condizente com seu talento e espiritualidade. Seu atestado de bito, por exemplo, descrevia-o como de cor branca. 35. Isso no significa que presidentes no fossem apresentados como possveis heris nacionais. O que ocorreu foi o insucesso parcial de tal empreitada. Abaixo cito enterros de trs presidentes como momentos de tentativa de sua consagrao como heris nacionais. 36. Nabuco morreu em Washington, mas seu corpo foi pomposamente velado no Rio antes de seu enterro no Recife, concluindo um grandioso priplo que

    EJlterrando Rui Barbosa

    demonstra a importncia dos funerais cvicos. Pinheiro Machado e Rodrigues Alves morreram na capital federal, mas foram depois enterrados, respectivamente, em Porra Alegre e Guaratinguet. 3 7. Este ltimo, ocorrido em 1 895 no bojo da agitao jacobina contra Prudente de Morais e o modelo liberal de Repblica que supostamente representava, parece ter sido de fato sensacional, alimentado pela efervescncia simblica e poltica da poca da consolidao da Repblica. Alm dos costumeiros discursos verborrgicos, dos grandiosos cortejos e velrio que se tornariam to freqentes no perodo que se iniciava, os funerais do ditador compreenderam uma exposio do cadver em cmara ardente durante trs meses (Simas, 1994: 93). O ritual se prolongava para garantir maior durabilidade ao culto quele que os jacobinos tomavam como "o Salvador da Repblica".

    38. O captulo 19 de Schwarcz ( 1 998) d importantes indicaes sobre esse fenmeno, completado no governo Vargas. Porm, comete o importante erro de dizer que o traslado dos restos ocorreu em 1922. No h dvida de que eles chegaram ao Rio em fevereiro de 1 92 1 , quando foram depositados na Catedral para exposio pblica, depois de cortejo na cidade a partir da praa Mau. Ademais, ao contrrio do que afirma a autora, o Conde d'Eu chegou ao Brasil acompanhando os corpos, o que causou grande comoo popular (a viagem em

    que morreu, no ano segulllte, mencionada por Schwarcz, seria sua segunda visita ao Brasil republicano). Acompanhava o Conde seu filho, o prncipe dom Pedro. Ver A Razo, 8 e 9/2/1 922. 39. Note-se alis que Rui Barbosa, nico sobrevivente dos signatrios do decreto de banimento da famlia imperial, foi

    159

  • 160

    estudos histricos . 2000 - 25

    grande defensor de tal reabilitao, tendo em duas ocasies discursado na Liga da Defesa Nacional a favor do traslado e de homenagens pstumas (ver A Razo, 16 e 22/ 12/1920). Essas foram as primeiras ocasies em que Rui foi Liga, em que ocupava cargos de honra nunca realmente exercidos; Rui presidiu a primeira dessas sesses, no dia 1 5 de dezembro de 1 920. 40. Ver O Pas, 14/2/1912 . 41. Idem, 1 2/4/ 1910. 42. Dirio de Notcias, apud Simas ( 1 994: 92). 43. O Pas, 30/9/1 908. 44. Idem, 1 5/6/1909. 45. Idem, l l/9/19 15 . 46. Idem, 16/1/19 19. 47. Isso est bem analisado, no caso de Euclides, por Regina Abreu ( 1998).

    R efern c i a s b i b l i ogrfi cas

    ABREU, Regina. 1 998. O enigma de "Os sertes". Rio de Janeiro, Rocco/Funarte.

    BOURDIEU, Pierre. 1992. "Rites as acts of institution", in PERISTIANY, J. G. e PIlT-RIVERS, Julian (eds). Honor and grace in anthropology. Cambridge, Cambridge University Press.

    CAMPOS, Humberto de. 1 95 1 . Perfis (crnicas) - Segunda srie. Rio de Janeiro/So Paulo/porto Alegre, W M. Jackson Editores.

    CARVALHO, Jos Murilo de. 1 996. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Reblica que no foi. So Paulo, Cia. das Letras.

    48. O termo ganha assim conotao metonmica, tendo-se originado de um heri cvico mais antigo.

    49. Fao aqui um uso bastante livre do termo "hierarquia", que no se refere categoria analtica de Dumont ( 1990), sua definio de "englobamento do contrrio". Hierarquia tem aqui um sentido mais usual, no se opondo portanto a "individualismo". Fao minhas as palavras de Gilberto Velho: "No caso em pauta sugiro que estamos lidando com um sistema que apresenta hierarquia e individualismo como ordens simblicas alternativas, ora complementares, ora contraditrias. Por .

    " -ISSO mesmo, as propnas nooes hierarquia e individualismo passam a ter conotao especfica, diferente, creio, de situaes estudadas por Louis Dumont" ( 1987: 53). Nesses teIIIlOS, um individualismo que cause desigualdades visto como hierarquizante.

    COSTA E SILVA, Valria Torres da. 1 999. "Os segredos da imortalidade: uma emografia da Academia Brasileira de Letras". Rio de Janeiro, PPGAS/Museu NacionallUFRJ (dissertao de mestrado).

    DUMONT, Lolls. 1 990. Homo hierarchicus: le systerne des castes et ses implications. Paris, Gallimard.

    -

    FUNDAAO CASA DE RUI BARBOSA, 1995. Cronologia da vida e obra de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Edies CRB.

    GONALVES, Joo Felipe. no prelo. "'As Imponentes Festas do Sol': o jubileu cvico-literrio de Rui Barbosa em

  • -19 18", in FUNDAAO CASA DE RUI BARBOSA. Coletnea de estudos histricos sobre Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Edies CRB.

    KANTOROWICZ, Ernst H. 1 957. The king's two bodies: a study in medieval political theology. Princeton, Princeton University Press.

    LEENHARDT, Maurice. 1 979. Do Kanw: person and myth in the Melanesian 7J.XlTld. Chicago, Chicago University Press.

    LEVY-BRUHL, Lucien. 1 963. Eme pri.mitive. Paris, PUF.

    LIMA, HerIllan. 1 950. Rui e a caricatura. Rio de Janeiro, Grfica Olmpica Editora.

    LUSTOSA, Isabel. 1 989. Histrias de presidentes: a Repblica no Catete. Petrpolis!Rio de Janeiro, Vozes/FCRB.

    MA TI A, Roberto Da. 1 990. Camavais, malandros e heris: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro, Editora Guanabara.

    SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1998. As barbas do Imperador: D. Pedro 11, um

    Enterrando Rui Barbosa

    monarca nos trpicos. So Paulo, Cia. das Letras.

    SIMAS, Luiz Antnio. 1994. "O Evangelho segundo os jacobinos: Floriano Peixoto e o mito do Salvador da Repblica Brasileira". Rio de Janeiro, IFCS/UFRJ (dissertao de mestrado).

    SIMMEL, Georg. 1993. On individuality and sociall07ms. Chicago and London, Chicago University Press.

    TURNER, Victor. 1 995. The ritual process: structure and anti-structure. New York, Aldine de Gruyter.

    VAN GENNEp, Arnold. 1992. The rites 01 passage. Chicago, Chicago University Press.

    VELHO, Gilberto. 1987. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contempornea. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.

    (Recebido para publicao em dezembro de 1 999)

    161