Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

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EMPADÃO À BRASILEIRA diário de um viajanTe curioso Gabriel Castaldini

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"Empadão à Brasileira - diário de um viajante curioso" é um relato cultural, resultado de uma ideia na cabeça, uma mochila nas costas e um aparelho fotográfico em mãos. A cultura, as tradições, o povo e as curiosidades de cada região visitada foram relatadas de forma bastante descontraída, a fim de alcançar todos os tipos de leitores, que, com certeza, irão se surpreender com paisagens e histórias brasileiras que sequer imaginavam existir.

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EMPADÃO ÀBRASILEIRAdiário de um viajanTe curioso

Gabriel Castaldini

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Dedico as páginas desTe livro àqueles que, assim como eu, sonHam viajar o mundo em busca de novos conHecimentos, novas culTuras, novos rosTos, novos olHares...

Gabriel Castaldini

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“Viajar é mudar a roupa da alma”Mario Quintana

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Introdução ................................................. 7

Ceará ............................................................. 12

Maranhão ..................................................... 52

Ilha dos Lençóis ....................................... 76

Amazonas ................................................... 113

Tocantins .................................................... 157

Bahia ............................................................. 200

Minas Gerais ............................................. 230

Rio de Janeiro .......................................... 255

São Paulo ................................................... 285

Epílogo ........................................................ 304

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6 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

LOUCO?! NÃO... CURIOSO!Uma boa dose de curiosidadeTalvez você deva pensar que alguém que decide embarcar sozinho numa longa viagem por

oito estados brasileiros sem ter pautado um detalhado roteiro, tampouco feito reservas em ho-téis, e tendo como bagagem uma única mochila para carregar roupa, equipamentos fotográficos

e poucos outros aparelhos, é, no mínimo, louco, ou até, quem sabe, em sentido torpe, insano!

Insano, não. Louco? Um pouco, confesso. Até porque, se pararmos para refletir, a vida não teria um pingo de graça se à ela não fosse adicionada uma boa e generosa dose de loucura misturada com curiosidade. Exatamente como manda o figurino de um doido sonhador.

E por falar nisso...

Sempre sonhei com o dia em que poderia ir a uma livraria e encontrar algum trabalho de minha autoria exposto na prateleira de lançamentos. Um livro que re-latasse as descobertas espontâneas que estamos su-jeitos a fazer quando viajamos sem nos prender aos

panfletos das agências de turismo, e que pudesse, mesmo que de forma deficiente, além de conscientizar sobre a im-portância de se conhecer e preservar as raízes culturais que dão identidade ao nosso país, abordar questões sociais e ambientais. Porém, havia algo que impedia o sonho de vi-rar realidade: a convicta certeza de que realizá-lo só seria possível quan-do estivesse empregado num grande jornal, emis-sora de TV, ou revista.

Quando terminei a fa-culdade de jornalismo, aos 21 anos de idade, fa-lava correntemente cinco

idiomas (francês, inglês, italiano, espanhol e o português), mas na minha opinião, isso não era o suficiente para en-contrar um bom emprego. Desejava ter um currículo com mais conteúdo, que fosse notável, capaz de encarar de frente o competitivo mercado de trabalho e sair bem-sucedido. Era assim que eu pensava e nada me fazia mudar de ideia. Então, com o apoio da minha família e de alguns bons amigos, juntei minhas economias e fui estudar em Paris, a bela e mágica Cidade Luz.

Na capital francesa, cursei um programa intensivo (literalmente) de aulas de francês: nada mais do que 4 horas por dia, de segunda a sexta-feira, durante 7 meses. Isso, é claro, sem con-tar as aulas externas, nas ruas, que de longe são as mais produtivas. Ainda na França, terra do

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renomado fotógrafo Henri Cartier-Bresson, fiz um breve curso de fotojornalismo, algo como a lin-guagem fotográfica e suas potencialidades expressivas, onde pude aprender algumas técnicas e curiosidades sobre o assunto.

Quando estava me acostumando com a rotina, quase um ano depois de ter desembarcado no aeroporto Charles du Gaulle, tive que deixar Paris. Digo “tive que deixar” pois foi exatamente o que aconteceu. Eu sequer havia concluído meu curso (a duração total era de 12 meses) e me vi obrigado a retornar para o Brasil, por causa de uma forte crise de psoríase.

Mesmo com o euro em queda naquela época, o tratamento não iria ficar nada barato.Para quem não conhece, psoríase é uma doença inflamatória da pele, crônica, incurável e

não contagiosa, nem mesmo por transfusão de sangue, e é caracterizada pelo surgimento de lesões avermelhadas e descamativas em várias partes do corpo. Atualmente, essa patologia atinge 3% da população mundial, vitimando indistintamente homens e mulheres na faixa etária entre 20 e 40 anos. Porém, a psoríase pode surgir antes, quando criança, e mais tarde, quando idosos. É sempre bom lembrar que essa doença ainda é um enigma aos estudiosos da área, pois eles desconhecem sua origem e sua cura. Àqueles que sofrem desse mal, assim como eu, a boa notícia é que existem muitos tratamentos que auxiliam em seu controle, e a má é que devemos ter um saco de paciência e jogo de cintura para lidarmos com o preconceito.

De acordo com a crença popular, a fiTa do SenHor do Bonfim Tem de ser amarrada ao redor do pulso

com Três nós, e para cada nó deve-se fazer um pedido, que será manTido em sigilo aTé que o

rompimenTo da mesma ocorra por desgasTe. Curiosidade! Cada cor simboliza um Orixá...

O azul claro, por exemplo, é a cor da rainHa do mar, iemanjá. PorTo Seguro/BA.

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8 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Mas, volTando ao que inTeressa...De volta ao Brasil, era preciso procurar — acredito que o verbo mais adequado seja batalhar

— por uma vaga de trabalho. “Agora eu tenho um bom currículo, isso não será problema”, era o que eu costumava pensar.

Empunhando minha mais nova arma (o CV tão quisto por mim), cheguei ao estado de São Paulo me sentindo um super-herói pronto para combater seu arquiinimigo, nesse caso, o abomi-nável e execrável mercado de trabalho. Mal sabia que o mais ferido a sair dessa luta seria eu.

Após ouvir tanto “não” — o que era muito animador, visto que eu não recebia sequer uma res-posta em 99,9% dos currículos enviados —, cheguei à conclusão de que é muito mais fácil pegar carona em um disco voador de última geração e voar rumo ao planeta Vênus do que conseguir emprego bem remunerado e com carteira assinada na área de comunicação social, sobretudo em jornalismo cultural.

Tribo Dessana, rio Negro (amazonas)

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9 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Por várias e incansáveis vezes, o desemprego me fez despertar do sonho de escrever este livro. Algo doía dentro de mim toda vez que via o sol se despedindo. Era demasiado triste saber que mais um dia chegava ao final e eu estava desempregado. “Outro dia sem respostas e quase sem mais sonhos!”, lastimava.

Por 800 benditos dias — 19 mil horas, se preferir — minha vida se resumiu a procurar empre-go, só tirando o dia de folga quando ficava doente ou acamado. No meio de tanta preocupação, encontrei uma parceira inseparável: a insônia. Com tanta ansiedade acerca da situação da qual me parecia difícil escapar, o sonho acabou se perdendo no pesadelo da vida real. Para mim, até um certo momento, a vida nada mais era do que sonhos vazios e pensamentos embebidos no amargo sabor da desilusão. As cores haviam dado lugar ao melancólico cinza que ressaltava minha pálida tristeza, e a felicidade me parecia tão frágil quanto um palito de fósforo.

Hoje, preciso dizer que acredito naquele velho e surrado clichê que diz: “Quem acredita sem-pre alcança”. E grande parte da motivação que encontrei para voltar a acreditar nos meus so-nhos e desejos profissionais partiu dos poucos e verdadeiros amigos. Porém, foram as palavras motivadoras da Núbia (funcionária que trabalha na casa dos meus pais) que me encorajaram de vez a realizar esta obra. Mas é claro que há sempre uma língua da discórdia aqui e outra ali para baldar nossa empolgação. “Para que você vai perder seu tempo escrevendo este livro, sendo que ninguém vai ler?”, perguntavam. “Vai gastar dinheiro à toa”, afirmavam. “Em tempos de best-sellers que narram histórias de vampiros e bruxinhos, você não acha que seu livro ficará invisível na prateleira?”, comparavam. Tudo bem, confesso que essa última me causou, mesmo que por poucos segundos, certo conúbio de inquietação e desconforto, mas como o que importa para mim é a realização de um sonho e minha contribuição à conscientização sobre a impor-tância da preservação da cultura brasileira, pouco me importa perder ou não para vampiros e bruxos. Além disso, fico muito grato em saber que este exemplar está sendo lido por você neste exato momento.

Faço deste livro meu diário de viagem, onde relato minha passagem por oito dos 26 estados brasileiros, quando tive a honra e o privilégio de conhecer pessoas e culturas ímpares, saborear iguarias típicas de cada região, participar de tradições folclóricas, vislumbrar portentosas paisa-gens de uma natureza ainda intocada, ouvir histórias de vida etc. Ingredientes exclusivos de um Empadão à Brasileira!

Nesta viagem você vai conhecer lugares que antes pensava existir somente em sua imagina-ção, será transportado a um Brasil que, na maioria das vezes, esquecemos ou nem sabemos que existe. Um país Tão fascinanTe quanTo encanTador espera por você!

Por meio desta leitura, você visitará locais repletos de encantarias, como a Ilha dos Lençóis (paraíso onde vive uma das maiores comunidades de pessoas albinas do mundo), se embasba-cará com o brilho do capim dourado do Jalapão, conhecerá pessoas de personalidades marcan-tes, dará risadas por causa de algumas curiosidades bastante peculiares, e muito mais.

Aproveito para informar que mais adiante haverá um imprevisto capítulo de ação. E que ação! Mas depois falo sobre isso.

PronTo para cair na esTradae redescobrir nossa culTura?

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10 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

5 de junho de 2010 — Primeiro dia

Um forte ruído dentro do meu quarto me assusta, fazendo com que eu salte da cama quase que instantaneamente. Era o despertador que lembrava que a manhã do tão aguardado dia ha-via enfim chegado. Respiro fundo. Seca, minha garganta arranha. “É hoje”, penso. O anseio e o frio na barriga fazem com que pareça existir milhares de borboletas batendo asas dentro do meu estômago. Tomo uma ducha gelada para ver se resolve o problema da ansiedade. É inútil, nada poderia acalmá-la. Toda vez que parava para pensar que faltavam poucas horas para embarcar no primeiro de muitos voos, parecia sentir uma lufada gélida tocando meu corpo. Desconhecia tal sensação, afinal, essa não era a primeira vez que partiria sozinho em viagem. Aliás, prefiro viajar sozinho! Como nada me tranquilizava, a única maneira foi mergulhar de cabeça nesta incrível aventura.

A manhã passou tão depressa que sequer sobrou tempo para um dos meus rituais de des-pedidas: almoço entre amigos. Chegada a hora, me despedi dos familiares, entrei no carro com aquela dúvida se tinha pego tudo que era necessário e dirigi até a casa do amigo que me levaria ao aeroporto.

Saí de São Simão, onde moro, no interior de São Paulo, por volta das 11 horas e segui para Ribeirão Preto. Check-in feito, bagagem despachada, hora de embarcar! Voei até Guarulhos, a primeira conexão e talvez a mais insuportável pela qual já tive que passar.

Devido ao atraso ocasionado pelo reposicionamento de várias aeronaves, descubro que seria preciso aguardar pouco mais de 4 horas para darem início ao procedimento do novo embarque, coisa que não seria nenhum problema se eu não tivesse despachado minha carteira junto com a mochila. Não há muito o que se fazer, muito menos comprar, num aeroporto quando se está sem dinheiro, a não ser sentir a fome aumentar a cada segundo e pasmar-se com o exorbitante valor de uma pequena garrafa de água mineral: cinco reais.

Nos meus bolsos, nada de grana, apenas meu celular! Logo, o que me restava era ficar tran-sitando de um lado ao outro em busca de distração.

Eu adoro carros, e para minha sorte, no mesmo saguão em que eu estava, uma garota apre-sentava a nova versão de um automóvel que acabava de ser lançado no mercado. “Pronto, agora já sei como vou passar o tempo!”, pensei. Juro que não sei onde aquela garota encontrou tanta paciência para suportar as inúmeras e repetitivas perguntas que lhe fazia enquanto andava em volta do veículo, mas sei que deu certo. Talvez ela também queria que as horas passassem mais rápido.

Quando me dei por mim, estavam anunciando que o embarque do meu voo seria realizado em um novo portão. Detalhes como esse me fazem crer que as companhias aéreas teriam lucro bem maior se parassem de imprimir passagens, levando em conta que ultimamente as informações contidas nos bilhetes aéreos não nos servem de nada. Se bem que acho que algumas empresas já estão economizando, pois quando comprei meu bilhete, não tinha nada informando que haveria duas conexões antes do meu destino final, e fui saber disso apenas quando aterrissei na capital federal. “Emputecido” com a situação, me lembrei de quando li uma frase que dizia que “a paciência é a virtude que mantém o corpo e a mente em pleno equilíbrio”. E Haja paciência! Se existisse alguma lei que obrigasse a companhia aérea a nos pagar indenização por atrasos sem justificavas plausíveis ou por inventar trajetos “al-ternativos” sem nos avisar antecipadamente, estaria rico. Se não estiver enganado, acho que existe essa lei, mas...

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11 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Lembra que eu disse que parecia haver borboletas dentro do meu estômago? Bem, no míni-mo elas foram esmagadas pelas paredes do orgão digestivo que, por causa da fome, se colaram umas nas outras.Vejamos! Acordei às 6h da manhã e não jejuei (não tenho esse hábito); às 13h peguei o primeiro voo e ainda não tinha almoçado; às 18h30 estava no segundo avião, e no final tive que aguardar em Brasilia até às 20h30. Minha refeição foi à base daquelas bolachinhas insípidas que nos são servidas durante a viagem, e me divertia ao imaginar que quando elas chegassem no meu estômago, aconteceria o mesmo que acontece ao mergulhamos uma barra de ferro quente dentro de um balde com água fria. Será que eu estava com fome?! Mas, para dizer a verdade, gostei de ter passado horas e mais horas no aeroporto internacional Juscelino Kubtschek, pois lá havia um grupo de músicos composto por jovens rapazes, que cansados de esperar a hora do embarque, sacaram seus instrumentos e deram um show digno de aplausos e pedidos de bis. O ritmado misto de MPB e rock trabalhado em pegadas e arranjos originais eco-ava pelos corredores mais próximos. Pude comprovar que Brasília ainda é, pelo menos dentro do aeroporto, território da boa música.

CaTedral de Brasilia / DF

“Dirijam-se ao portão de embarque...”Finalmente era hora de embarcar para o primeiro destino!

Seja bem-vindo ao...

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CEARÁ

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Um dos viTrais da CaTedral MeTropoliTana de forTaleza

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falésias de Morro Branco, Beberibe

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GruTa da Mãe d’água, Beberibe

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16 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Orla de Fortaleza, av. Beira Mar

23h15 marcava o relógio fixado na parede da sala de desembarque do Aeroporto Internacional Pinto Mar-tins, em Fortaleza. Pode parecer que não, mas enfrentar três aeronaves e passar horas em diferentes aeroportos num único dia é algo que realmente deixa qualquer pes-soa exausta. E por isso, tudo que eu mais desejava quan-do cheguei na capital cearense era uma boa noite de sono, mas havia um pequeno detalhe: onde dormir!

Por sorte, no dia anterior ao da partida, havia pesqui-sado por valores de diárias e tinha anotado alguns núme-ros de telefone. Feita a reserva, chamei um táxi para me levar ao hotel, e, lá chegando, quase tive um enfarte ao ver o valor piscando no taxímetro: 70 reais. Não comecei nada bem. Nunca passou pela minha cabeça que uma cor-rida de poucos quilômetros pudesse chegar a esse preço. Primeiro, era mais fácil minha carteira falar do que haver essa quantia em dinheiro dentro dela. Segundo, a soma acusada pelo aparelho adaptado no painel daquele veículo deveria estar errada.

Após conversa que mais lembrava um leilão, o taxista acabou aceitando meu lanço e fez um ótimo desconto: de 70 por 35 reais. Se o preço estivesse mesmo correto, você acredita que

alguém concordaria tão facilmente em fazer pela metade? Estava na cara que ele queria tirar vantagem.

Além de me assustar com o valor da corrida, fiquei atô-nito com as recomendações do taxista sobre os perigos do bairro onde ficava o hotel que escolhi. Ele dizia: “Não saia sozinho depois das 20h, não ouse sacar sua câmera fotográfica por aqui, tenha cuidado na praia. Boa noite e fique atento”. Como é possível, meu Deus, ter uma noite tranquila depois de ouvir isso? Exagero ou não, ele me pareceu bastante sério, pelo menos sobre esse assunto.

No meu quarTo, banHo e cama!

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17 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

6 de junho, segundo dia

Acordei com o rosto fritando por causa do sol que entrava pela janela. Eram 5 e alguma coisa da manhã e o sol estava brilhando imponente no céu. Inacreditável!

Ainda muito cansado, fechei as cortinas para tentar dormir um pouco mais. Não consegui! Me levantei e fui conversar com os funcionários do hotel para colher informações sobre a cidade e suas tradições e cultura local. Aliás, pude conhecer — e provar! — um pouco da cultura cearense logo no café da manhã: cuscuz, tapioca e bolo de aipim — ou macaxeira, como é conhecida por lá.

(...)Quando decidi fazer essas viagens Brasil afora, eu tinha prometido para mim mesmo que não

me “prenderia” nas grandes capitais, que daria maior enfoque às tradições preservadas nas pe-quenas cidades interioranas. Mas como simplesmente fechar os olhos e não se render aos encan-tos de Fortaleza? impossível, caros leiTores! E por assim ser, a promessa foi quebrada.

Antes de partir em busca da reportagem de número um, tive uma longa e amigável conversa com Bil, o recepcionista do hotel, e graças a ele, pude incluir lugares mais que interessantes no meu roteiro.

Fui logo tratando de me certificar se todos meus equipamentos de trabalho estavam dentro mochila, para que não tivesse nenhuma surpresa desagradável mais tarde.

SoliTário e remansado, o vendedor segue caminHando enquanTo assisTe ao prodigioso pôr-do-sol na Praia de iracema, em forTaleza/CE

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Em 1726, o povoado que

surgiu em

torno do forte é elev

ado à vila.

Na bandeira, Fortitudine (palavra em

Latim) significa: coragem, força e valor.

Após a retirada dos

holandeses, em 1654, o forte

recebe o nome de Forte de

Nossa Senhora de Assunção.

Em 1631, holandeses tentaram tomar o Fortim São Sebastião com apoio dos indígenas, mas a ação falhou.No ano 16

37, o Fortim ficou sob

posse dos

holandeses, e em 1644 fora

destruído pelos indíg

enas,

que também mataram e/ou expulsaram os europe

us.

Dez anos mais tarde, em 1613, o também português Martins Soares Moreno recuperou

e ampliou Fortim São Tiago, passando a chamá-lo de Fortim São Sebastião.

Em 1605, devido à uma seca devastadora, a Nova Lisboa fora abandonada.

Em 1649, uma nova expedição holandesa ergue o Forte Schoonenborch, às margens do rio Pajeú.

ANOTAÇÕESLocalizada aproximadamente a 2.855

quilômetros de Brasília, Fortaleza

começou a se desenvolver no

Nordeste brasileiro entre os

séculos XVII e XVIII, devido a

migração do povo potiguara que

habitava o Rio Grande do Norte.

Em 1603, quando os portugueses começaram

a colonizar o estado, Pero Coelho de

Sousa deu início à construção do Fortim

São Tiago, à margem do rio Ceará,

nomeando o povoado de Nova Lisboa.

A Capitania do Ceará se desmembra da Capitania de Pernambuco em 1799, e Fortaleza passa a ser a capital do estado do Ceará.

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19 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Aceitei os conselhos de Bil e iniciei o dia caminhando pela av. Beira Mar. “Ao longo da orla existem bares, restaurantes, lojas de artesanato e vários produtos típicos do estado”, dizia o recepcionista. E ele estava certo! Com certeza, aqueles que visitam Fortaleza têm a “obrigação” de reservar pelo menos meio dia para explorar de cabo a rabo essa avenida, principalmente du-rante à noite — a partir das 18h —, quando a enorme feira de artesania é organizada ao ar livre, defronte à praia de Iracema.

“OlHa que coisa mais linda / Mais cHeia de graça / É ela meninaQue vem e que passa / No doce balanço a caminHo do mar...”A famosa canção de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim, que conquistou o mundo, po-

deria ser, na minha opinião, também uma homenagem às garotas de Iracema: belas de corpos esculturais e donas de voluptuosas curvas de causar inveja a qualquer garota de Ipanema.

Enquanto eu ainda me matava de caminhar pela avenida Beira Mar, conheci um projeto au-daz, desses de encher os olhos e instigar a imaginação, o Acquário Ceará.

MaqueTe virTual do acquário Ceará

DIV

ULG

AÇÃO

O município de Fortaleza irá receber um complexo turístico-ambiental inédito no Brasil: o Ac-quário Ceará.

O projeto se baseia em tecnologia interativa de última geração e harmoniza educação com entretenimento (edutrenimento), objetivando a conscientização de adultos e crianças sobre a importância da preservação ambiental.

Acquário Ceará

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Ousadia e deslumbreIntegrado a um museu oceanográfico, o

aquário de classe mundial e arquitetura futurís-tica irá apresentar, de forma cativante, os mais variados aspectos da vida marinha e abordará a relação entre o homem e a natureza.

AtraçõesTodas as áreas de exposições serão guarne-

cidas com variados leques de atrações educa-tivas, como, por exemplo, a ala dos aquários, que apresentará espécimes marinhas de dife-rentes partes do planeta.

Entre os atrativos de maior destaque do Acquário Ceará estão: as salas de cinemas em quarta dimensão (4D), os submarinos si-muladores — os quais levarão os visitantes a uma aventura virtual pelas profundezas dos oceanos —, o teatro de personagens holográ-ficos, uma escola de mergulho, o aquário de pinguins, o túnel dos tubarões e visitas a uma estação submarina e a um navio naufragado. Tudo no interior de um dos maiores tanques de água salgada do mundo.

Turismo e economiaCedido à Secretaria de Turismo, o antigo

prédio do Departamento Nacional de Obras

Contra a Seca, localizado na avenida Beira Mar, será demolido e dará lugar ao novo complexo.

Incentivando a Indústria do Turismo e a de Prestação de Serviços (uma das mais impor-tantes atividades econômicas do estado), o Ac-quário Ceará tem como propósito estimular a revitalização de um importante ponto turístico da cidade: a praia de Iracema.

A estimativa é de que serão geradas 18 mil novas vagas de emprego e de que, anualmente, serão adicionados 43 milhões de reais à eco-nomia local. Além do desenvolvimento econô-mico, certamente o Ceará vai ganhar destaque internacional como o primeiro estado brasileiro que estabeleceu um passo decisivo para ex-pressar a importância da preservação da vida oceânica e sustentabilidade do planeta Terra.

Depois de pronto, o oceanário cearense terá quatro pavimentos (subsolo, térreo e dois an-dares), totalizando 21.500 metros quadrados. Existirão 21 aquários que, juntos, resultarão em 15 milhões de litros de água, fazendo des-se o terceiro maior aquário do mundo. Calcula--se que o valor final das obras será de, aproxi-madamente, 250 milhões de reais.

a daTa de inauguração ainda não foi divulgada!

Interior do oceanário

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21 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Após muito perambular pela av. Beira Mar, notei que passava da hora de partir para a desco-berta de outro ponto turístico. Abri o mapa para checar se o Mercado Central estava por perto e pude confirmar que sim, mas depois da surpresa que tive com o táxi, achei melhor ir de circular.

Saltei num ponto de ônibus que era praticamente a porta de entrada do centro popular de compras, porém, se não fosse pelas letras garrafais em sua fachada, pensaria, sem fazer o mínimo de esforço, que estava diante de um miniestádio de futebol. A aparência de mercado passa longe.

Para se orientar dentro do “mercadão” e não perder nada que o mesmo tem a oferecer, é interessante começar a visita pelo último andar e estabelecer um sentido, como horário ou anti-horário, por exemplo. Outra dica é levar di-nheiro consigo, pois não são todas as lojas que disponibili-zam a opção de pagamento com cartões. E não se esqueça do bom e velho jeitinho brasileiro de barganhar. Ele fará com que você consiga ótimos descontos!

Artesanatos e ervas que prometem curar todos os tipos de doença são exemplos do que encontramos no Mercado Central.

MERCADO CENTRAL DE FORTALEZAA história do centro popular de compras da capital cearense data de

1809, quando a Câmara Municipal autorizou a construção de um mercado em madeira, que serviria como quitanda e açougue.

Em 1814, a então edificação foi demolida e deu lugar a um novo prédio: o “Cozinha do Povo”, que manteve normalmente suas atividades até 1931, ano em que foi proibido o comércio de carnes, frutas e legumes dentro do estabelecimento, fazendo alavancar a produção de artigos artesanais.

A última grande reforma, que reinaugurou o Mercado Central e o deixou como vemos nas fotografias, aconteceu em 1998, devido a

falta de segurança que comprometia as estruturas do imóvel.Atualmente, no Mercado Central de

Fortaleza existem 255 lojas, distribuídas em quatro andares, numa área de 9.690 metros quadrados.

O centro comercial é gerenciado pela Asso-ciação dos Lojistas do Mercado Central (AMEC)

e atende de segunda a sexta, das 8h às 19h; aos sábados, das 8h às 17h; e aos domingos, das 8h

às 12h.

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Muito provavelmente, a enorme e imponente Catedral Metropolitana de Fortaleza, localizada ao lado do Mercado Central e próxima à capela Nossa Senhora de Assunção, será uma das mais fascinantes igrejas que você verá em toda sua vida, caso tenha a chance de visitá-la. Seu estilo eclético com predominância de elementos góticos e românicos, de inenarrável beleza, não a deixa passar sem ser percebida. A magnitude deste templo, sede da Arquidiocese de Fortaleza, pode ser traduzida pelo amplo salão de seu altar-mor, o qual é capaz de acomodar até 5 mil fiéis de uma só vez.

A construção deste faustoso edifício católico, que fora iniciada em 1838, demorou quatro décadas para ser concluída (sua inauguração aconteceu em 22 de dezembro de 1978), e sua obra foi assinada pelo arquiteto francês George Maunier.

Quem viajou pelo interior da França e esteve na pequena cidade de Chartres, ou a conhece por fotografias, terá a estranha sensação de déjà-vu (termo que se refere à reação psicológica que nos causa a impressão de já ter vivido ou visto situações que, na verdade, estamos expe-rimentando pela primeira vez). Mas este não é um mero truque do cérebro, pois a Catedral de Fortaleza e a de Chartres são parecidas, e suas semelhanças não são meras coincidências. A catedral francesa serviu de inspiração para Maunier na hora de elaborar os traços da cearense.

O fato de São José estar atrelado ao templo faz com que a Catedral Metro-politana seja também conhecida como Catedral Metropolitana de São José.

Vale a pena visiTá-la!

ViTrais da CaTedral

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as Torres da CaTedral

MeTropoliTana São josé ulTrapassam 70 meTros de

alTura...

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... e no seu inTerior Há espaço suficienTe para

acomodar cinco mil pessoas!

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Já era final de tarde, mas queria, e muito, andar por mais endereços da capital, até porque no dia seguinte iria pegar estrada rumo a outra cidade, sem saber se retornaria a Fortaleza. E não me importava o fato de estar — como dize-mos na minha terra — “quebrado” (morto de cansaço).

Mais uma vez com o mapa aberto sobre o capô de um carro, risquei o caminho que levava até o Emcetur — Centro de Turismo de Fortaleza. Ao invés de ler as informações contidas no rodapé do guia turístico, saí perguntado às pessoas o que elas sabiam sobre o endereço. Acreditava que assim seria mais interessante, divertido e inusitado. E foi!

“É bem dizer a mesma coisa que o Mercado Central, só que bem menor e mais legal. Tem até museu!”, contou D. Elza. “Nossa moço, tem cada coisa gostosa de comer, quissó, e muita coisa da região...”, disse Paloma. “Se você tem a oportunidade de ir, então vá. Não desperdice

nenhuma chance, mesmo que no final você não goste do que viu ou fez”, incentivadoras palavras do senhor Roberto, que, com paciência de monge, pajeava um batalhão de crianças.

No Emcetur, levantei mais alguns dados e soube que o prédio, onde atualmente há 104 lojas e dois museus (um voltado à Arte e Cultura Popular e outro aos Minerais) foi inaugurado em 1866 para ser a Cadeia Pública de Fortaleza, e assim funcionou até o início dos anos 1970, quando foi desativado. Na mesma época, o prédio foi reformado e adaptado para receber as lojas e os

museus com o propósito de atrair o turista e incentivar a revitalização do Centro Histórico.

Em 24 anos de trabalho, Flávio (foto) pôde acompanhar de perto o desenvolvimento do Centro de Turis-mo e, por isso, não é de se estranhar ao ver sua barraca cheia de gente pedindo para ele contar algumas das histórias que vivenciou.

flávio TrabalHa Há 24anos com a venda deproduTos regionais

no EmceTur

Exemplo de arTesanaTo à base de palHa que enconTramos no CenTro de Turismo

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26 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

LasanHa de cajuMel de caju

arroz com caju

VinHo de cajuOmeleTe de caju

Bolo de caju

friTada de caju com camarão

PaTê de cajuPasTel de caju

Rapadura de caju

Pizza de caju

pudim de caju

Quibe de caju

Bife de caju

AOS AMANTES DE CAJU, BRINDEMOS COM CAJUÍNA!

Numa conversa afável, Flávio fez com que eu ficasse obstúpido e boquia-berto ao saber que existem diversos e sofisticados pratos à base de caju. Não era para menos... Eu pensava que este fruto não tinha mais a oferecer além do suco e da castanha!

Quando o vendedor começou a enumerar as iguarias, faltaram-lhe dedos nas mãos. Eram tantas que cheguei a pensar que fosse brincadeira sua, mas não era. Pobre ignorância minha.

Dê uma olHada na lista ao lado. TenHo cerTeza que você ficará apalermado TanTo quanTo eu fiquei!Mas isso não é tudo! Obtém-se muito bagaço quando o fruto do cajueiro

passa pelo processo de extração de sua castanha, e deste resíduo é extraído um óleo que pode ser utilizado na composição dos fluidos para freio auto-motivo. “Como as sobras de bagaço são inflamáveis, nós as utilizamos em olarias”, conta o vendedor. Com profunda imperícia, perguntei a Flávio se as folhas tinham alguma serventia e segundo ele, “as folhas dos cajueiros são

armazenadas até serem utilizadas na produção de adubo”.Outra curiosidade é o método de fabricação da caju-

ína (espécie de refrigerante sabor caju). “Depois de passar por três coamentos, o suco do caju é colocado em um recipiente junto com uma cola não tóxica para separar o que sobrou da polpa. Na sequência, o suco é

filtrado em panos de algodão, posto em garrafas de vidro e levado a banho-maria por 30 minutos. Por último, basta resfriar as garrafas em água corren-te e colocá-las para gelar”, ensina Flávio.

Era óbvio que eu não voltaria ao hotel sem provar algum destes pratos típicos e, antes de me despedir do Flávio e das crianças

(Letícia e Matheus), busquei opiniões sobre os restaurantes do centro da cida-de. “Aqui pertinho tem um excelente!”, exclamou uma senhora ao ouvir minha conversa.

Deixei o Emcetur e fui conferir de perto esta culinária, que como já deu para per-ceber, é uma autêntica troca de saberes e sabores. No menu: Caju na Moranga.

Caju na moranga

Moqueca de caju

Pão de caju

Cajuína

Caju ao molHo branco

Page 27: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

No cenTro de forTaleza, na Praça do Passeio Público, esTe B

aobá marca o local

onde foram fuzilados os revolucionários da Confederação do

Equador, movimenTo

auTonomisTa e republicano que ocorreu em 1824, no NordesTe brasileiro.

Page 28: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

28 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

7 de junho, terceiro dia

Não poderia imaginar, nem se eu fosse um bidu, as belezas naturais e as surpre-sas que me aguardavam do lado de fora da minha janela no dia 7 de junho, em plena segunda-feira.

Negociei (e, desta vez, muito bem nego-ciado) com o taxista Batista o valor de uma corrida até o município de Beberibe, a cerca de 90 quilômetros do centro da capital. O mo-tivo de ir de táxi e não de transporte coletivo é simples: falta de horário que me convinha. Nenhuma das companhias de viação oferecia muitas opções de horário e, além disso, no tra-jeto entre Fortaleza e Beberibe havia cidades e lugares que eu gostaria demasiado de visi-tar, coisa que não seria possível caso estivesse “trancado” no interior de um ônibus com itine-rário preestabelecido.

Minha primeira parada foi no Complexo Ar-tesanal da cidade de Aquiraz. Aliás, você sabia que este pequeno município de 310 anos e de nome indígena, que quer dizer água logo adian-te, foi a primeira capital do estado do Ceará?

Bilro — Há quem diga que a renda de bilro surgiu a partir da criação do bordado. Mas afi-nal, o que é bilro? É uma pequena e fina haste de madeira que tem uma semente de buriti (ár-vore da mesma família das palmeiras) fixada em uma das pontas, enquanto sua outra extremida-de fica envolta em linhas. É manuseando os bil-ros que se dá forma à renda, trabalho que parece fácil quando executado pelas mãos das mulheres rendeiras.

Labirinto — Para se confeccionar este outro estilo de renda é preciso desfiar, com auxilio de agulhas, determinada área de um tecido e, então, preenchê-la com desenhos que variam entre bainha, vaseio, desfio, enchimento e paleitão.

Dani Menezes Tem 27 anos e Há 20 exerce com

prazer o TrabalHo arTesanal que aprendeu com

sua mãe. “acHei um pouco difícil no começo, mas

Hoje, depois de mais de 20 anos, é muiTo fácil.

Nada como a práTica”, conTa ela. Dani não Tem

filHas, mas afirma que “se Tiver uma menina, irei

lHe ensinar a arTe da renda de bilro...”.

ATIVIDADE ARTESANAL DE TRADIÇÃO CULTURALDocumentos comprovam que a renda nasceu em Portugal e desembarcou por aqui no século XV. Com o passar

dos tempos, e graças ao bom gosto das rendeiras brasileiras, as rendas, principalmente as de bilro, ficaram com a cara do Brasil, tornando-se o artesanato típico da região nordeste do país.

Page 29: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

Com a inTenção de enTrar para

o Guiness Book e assim

alcançar referência e noToriedade

para o arTesanaTo, as mulHeres rendeiras do

Complexo arTesanal

de aquiraz TrabalHam junTas na Tecelagem da maior renda de bilros do mundo, a Renda da

Grega, que, depois de concluída,

medirá 1.000 meTros de exTensão.

Hoje, 7 de junHo

de 2010, o TrabalHo

que começou no dia 25

de janeiro de 2006 mede

720 meTros.

Page 30: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

“as pessoas ficam impressionadas com o TanTo de arTe que exisTe na produção de uma ToalHinHa”

“Eu não sabia que as rendas eram como quebra-

-cabeças, que primeiro fossem feiTas em pedaços e só depois remendadas umas nas ouTras. É impossível

fazer uma peça muiTo larga de uma só vez”, revela.

Na infância, Célia pôde aprender truques e técnicas da produção artesanal com sua mãe. “Eu não sabia que as rendas eram como quebra-cabeças, que primeiro fossem feitas em pedaços e só depois remendadas umas

nas outras. É impossível fa-zer uma peça muito larga de uma só vez”, revela.

Acredito que você, leitor, já me conheça o suficiente para saber que comecei a vasculhar o complexo todo após ouvir isso, “fuçando” em várias peças de renda, na tentativa de encontrar algum remendo. Tentar eu bem que tentei, algumas ve-

zes aliás, mas não encontrei nada. E mesmo com Célia apontando o dedo para o remendo, era quase impossível, ao menos para olhos destreinados, enxergá-lo. Era totalmente im-

aMOR. Esse é o sentimento que os olhos de Célia (foto) expressavam quando perguntei a ela como era sua relação com o artesana-to. “Ao mesmo tempo que trabalho, batalho para manter viva esta tradição cultural que acho tão linda. Se depender de mim, esta arte nunca vai deixar de existir, ainda mais porque ela é um pedacinho da nossa identidade”, argu-menta a artesã.

Aos 49 anos de idade, Cé-lia se recorda com alegria e voz embargada de como foi seu primeiro contado com a renda de bilro. “Eu tinha apenas 7 anos quando vi o manusear dos bilros resultando em belas toa-lhas. Tente imaginar os olhos de uma criança assistindo a algo fantástico e apaixonante. Foi assim que passei a amar meu trabalho”.

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31 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

perceptível. Ao ver minhas tentativas malogradas, Célia me mostrou como se remendava e tudo se clarificou.

“Quando chegam aqui, as pessoas fi-cam impressionadas com o tanto de arte que existe na produção de uma toalha, e passam a dar maior valor no artesanato. Os olhos deles ficam brilhando da mes-ma maneira que os teus brilham agora”, me conta sorrindo. “Acho que quando vol-tam para suas casas, muitas moças vão procurar aquela toalhinha que ganharam de suas avós anos atrás, e passarão a guardá-la com mais carinho, preservando seu tecido, sua história e sua beleza”, ri ao imaginar a cena.

Célia me explica que quatro bilros cor-respondem a um ponto. “Com menos bilros eu não faria nenhum ponto e com mais de quatro seria impossível trabalhar, pois não caberiam nas minhas mãos”. E ela também me conta que antes de iniciar a renda de bil-ro, é preciso elaborar o molde que dará forma à toalha ou a qualquer outra peça. Como?

Uma figura é desenhada em um pedaço de papelão que depois é fixado em uma almofada apropria-da. Em seguida, agulhas ou espi-nhos são espetados sobre ambos os objetos, contornando o traço da imagem e concluindo o molde (a fotografia da página 29 ajuda a compreender). “São os furos das agulhas que vão me direcionar, basta obedecê-los e nunca vou me perder nos pontos. Necessita ter disciplina”, conclui a artesã. E que disciplina! Para se ter ideia, 26 bilros são utilizados na Renda da Grega, e este trabalho só está sendo possível porque todas as rendeiras do Complexo Artesanal de Aquiraz se dividiram em turnos para trabalharem exclusivamente na confecção do artesanato.

Embevecido e já sentindo saudades, me despedi de Célia e das demais artesãs.

De aquiraz para o Guiness Book: Renda da Grega com 720 meTros

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Por Trabal

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prazer,

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ilros.

Em Beberibe, dona Lourdes e dona Maria Lima da Silva são famosas pelo capricHo de seus Trabalhos. O segredo de TanTo sucesso? “Uma misTura de felicidade, carinho, dedicação e, o mais imporTanTe: amor”, revelam as amigas.

Dona Lourdes e Dona Maria Lima da Silva

Page 33: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

33 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

De Aquiraz para Beberibe!

Antes de qualquer coisa, tenho que dizer que até então, com 24 anos de vida, eu ainda não tinha visto uma rodovia com tantos radares fotográficos de fiscalização de velocidade. Batista sugeriu que eu os contasse por alguns minutos e, inacreditavelmente, em menos de 10 minutos, num trecho de maior trânsito havia 23 aparelhos e, como já era de se esperar, a maioria dos radares era móvel. Assim é a CE-040.

Após ter passado pouco mais de 1 hora e 40 minutos dirigindo com velocidade super, ultra, megacontrolada, uma paisagem indevassável surgiu à frente de nosso carro. Não estou exage-rando! Era uma explosão de belas imagens em nuances de cores, da qual se destacava o oce-ano de tom esverdeado em contraste com o azul celeste do céu. Céu de brigadeiro! O sorriso, óbvio, foi inevitável. A vontade que senti foi de saltar do carro ainda em movimento e me atirar naquele “marzão” de meu Deus e mandar às brenhas o calor de 41 graus.

O clima perfeito e o portentoso cenário convidavam, ou melhor, exigiam o mergulho imediato. E quando as ondas tocaram meus pés, eis que tive uma surpresa: a água era morna. Poderia até dizer tépida, mas por lá, a temperatura do mar é ligeiramente mais elevada que isso, porém o bastante para deixar qualquer indivíduo do Sul e Sudeste estonteado.

A fama de paraíso, aqui chamado de Beberibe, não se faz somente por causa das praias. Outro cenário insigne é o das falésias de areais coloridas (imagem abaixo), obra que a natureza encarregou-se de esculpir com insólito capricho, sem se preocupar com o tempo.

Nesta etapa, quem me acompanhou foi o menino Johnny.

LabirinTo das falésias - Beberibe

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MonumenTo NaTural das falésias de Beberibe

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35 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Objetivando a preservação da paisagem composta por du-nas e falésias, que anos atrás fora modificada pela extração

desenfreada de areia para uso no setor de construção civil, con-fecção de artesanato e depredação ocasionada por turistas, foi

desenvolvida, em 4 de junho de 2004, a unidade de conservação e proteção “Monumento Natural das Falésias de Beberibe”, que,

além de proteger e conservar, coordena o turismo de contemplação de toda a região de Morro Branco. “Dizem que antigamente as falésias alcançavam de

60 a 70 metros de altura, e que o motivo de estarem como estão é culpa do homem”, conta Johnny (foto).

Johnny começou a trabalhar como guia turístico na região de Morro Branco (Beberibe) quan-do tinha apenas quatro anos de idade. “Fui obrigado a deixar de exercer minha profissão por causa da lei que proibia o trabalho infantil. Fiquei dois anos parado, o máximo que aguentei,

e retomei meu trabalho. Ser guia de turismo era, e ainda é, minha paixão!”, relembra e afirma o garoto, que 13 anos mais tarde, aos 17, conhece cada falésia como a palma da mão. É com ele que fui conhecer o Labirin-to, corredor entre as falé-sias com um emaranhado de passagens. Apesar da palavra “labirinto” nos re-meter à imagem de um local com divisões compli-cadas, de onde é impossí-vel encontrar a porta de saída, em Morro Branco não há com o que se pre-ocupar.

As formações magnificentes e a coloração excepcional dos mor-ros resultantes de erosões me impressionaram logo de cara, e Johnny tratou de ir logo explican-do que “as tonalidades das falésias são decorrentes dos elementos químicos presentes em cada cor” e que “quando chove, as areias e seus elementos se misturam, dando origem a novas cores”. Ouvi um garrafeiro (nome dado aos artesãos que usam areia para desenhar dentro de garrafas) dizer que existem 12 cores naturais, e que de todas elas, a de cor branca é a mais cobiçada, pois é a única que pode de ser tingida. Na fotografia acima, podemos ver alguns exemplos de cores na-turais nas mãos de Johnny.

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36 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Vi e não gostei! Existem “farofeiros” (termo cearense que se refere à pessoas ignorantes e sem bom senso) que são capazes de afear a paisagem cênica do Labirinto, escrevendo seus nomes e mensagens achavascadas nas falésias, como, por exemplo: “Eu é eu, você é você, assi-nado Lú” — e ela ainda teve a audácia de assinar, mesmo assassinando o português — ; “Estive por aqui” — infelizmente —; “É nóis” — sim, vocêis que estragam tudo. Tive que experimentar vários ângulos para poder fotografar a paisagem sem que aparecesse alguma dessas frases nas imagens. Não foi nada fácil! E, por isso, é de grande valia recordar que a autorreflexão crítica é um dos primeiros passos que leva à conscientização.

A alguns quilômetros do Labirinto está a Lagoa do Uruaú (em linguagem tupi quer dizer lugar bonito), que, com mais de 18 km de extensão, é a maior lagoa de água doce do estado. Para se chegar até ela basta alugar um buggy ou fazer uma longa — porém, bela — caminhada. Caso prefira ir motorizado, dê preferência àqueles que sejam profissionais legalizados e que conhe-çam bem as dunas. E por falar em dunas, um dos esportes mais praticados nas proximidades da Lagoa do Uruaú (ou Lagoa do Cumbe, como também é conhecida) é o sandboard, que nada mais é do que o popular esquibunda. O kitesurf é outro esperte frequentemente praticado por lá.

Talvez você reconheça Morro Branco de cenários de filmes e novelas de sucesso, tais como Tropicaliente, Bella Dona, O noviço rebelde, entre outros. Lembra daquela abertura do Fantás-tico que foi ao ar no final dos anos 1980 e meados de 1990, que mostrava bailarinas saltando de um morro para o outro? Foi gravado no Labirinto (foto abaixo). Porém, o programa que mais divulgou a região foi o No Limite, tanto que a praia das Flecheiras, que serviu de locação para

a primeira edição do reality show, gravada em 2000, é ainda conhecida como praia dos Anjos, título fictício utili-zado pela TV Globo.

Na cidade, desfrute da cozinha típica, à base de frutos do mar, e conheça a arte dos garrafeiros.

“Esse é o buraco da sogra!

a genTe pede para ela dar

dois passinHos para Trás e

depois foTografa”, JoHnny

Page 37: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

LabirinTo das falésias

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“Há 12 anos, Tive meu primeiroenconTro com a arTe, me apaixoneie não vivo mais sem ela”, conta o garra-feiro Francisco de Assis (foto), revelando o amor que sente pelo artesanato que conheceu ao mu-dar-se para Beberibe.

Antes de completar 30 anos de idade e tro-car Sobral, cidade onde nasceu, pelos verdes mares do litoral cearense, Assis exerceu varia-dos trabalhos voltados para a agricultura, avi-cultura e construção civil, mas foi na arte que ele se encontrou. “Nunca imaginei que um dia eu pudesse me dedicar por inteiro a uma ativi-dade artística tão delicada, tampouco que iria gostar tanto de exercê-la”, revela o artesão.

Utilizando um palito, Assis consegue dese-nhar, e com riqueza de detalhes, impressionan-tes paisagens em porções de areias coloridas armazenadas dentro garrafas ou em outros re-cipientes de vidro. “Na hora de fazer o desenho, é preciso ter serenidade, destreza e paciência, pois dependendo da gravidade do erro, não há solução”, adverte Francisco de Assis.

“Para mim, o início foi a par-te mais complicada. Aprendi

algumas das técnicas bási-cas de tanto que observava meus amigos trabalhando, e confesso que quando

fui pô-las em prática,

ARTE ENGARRAFADA

desperdicei muito material”, traz à memória.Mesmo com toda a habilidade adquirida em

pouco mais de uma década de trabalho dedi-cado exclusivamente ao artesanato caracte-rístico de Beberibe, Francisco insiste em dizer que “ainda é necessário agilidade e conheci-mento para se tornar um bom e admirado pro-fissional”.

Dependendo do tamanho do re-cipiente, do tempo de trabalho, que pode variar de 15 minutos a mais de 24 horas, e do tipo de areia, os pre-ços vão de 5 a 70 reais, mas há casos que ultrapassam a barreira dos 100. A taça ao lado, por exemplo, demorou pouco menos de 20 minutos para ficar pronta, e em sua confecção foram usadas porções de areia de coloração artificial, o que a faz ser ven-dida por um menor preço: 10 reais.

Assis conta que “os preferidos são os de cores naturais” e que, mesmo sendo poucos, “os turistas brasileiros são aqueles que mais compram o artesanato”. Por conta disso, o gar-rafeiro acredita que “esta arte necessita ser divulgada tanto no Brasil quanto no exterior”.

Os artesãos estimam que a tradição de re-tratar minuciosamente belas paisagens com areia tenha surgido há meio século ou mais, e estão convictos que a arte teve origem em Beberibe.

Page 39: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

“A Taça vira Tela, o pincel dá lugar ao paliTo, a areia se Transforma em TinTa e o dom não é subsTiTuído por nada”,

Assis

Page 40: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

Tipicamente confeccionada com seis Toras de madeira leve, a jangada é um barco à vela desenvolvido para pesca em alTo mar que se Transformou em um dos símbolos do Ceará

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O Ceará possui a primeira usina eólioelétrica do mundo construída sobre dunas e também a maior da América Latina. É o estado

brasileiro com maior potencial em energia eólica.

Usina de Taíba

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PlanTação de Carnaúba, a árvore da vida

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43 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

10 de junho

O dia ainda amanhecia quando cheguei à rodoviária de Fortaleza. Por ora, meu destino é Bela Cruz, uma pequena cidade a 320 quilômetros da capital.

MonTanHas, rocHedos, cacTos, lagos e carnaúbas compunHam o cenário que por vezes me fez senTir como se TransporTado para denTro de um filme de ficção

cienTífica.É uma pena que as fotografias feitas de dentro do ônibus não tenham ficado boas. Aliás,

como deu para perceber, as fotografias estão esquisitas. Era problema na câmera, mas prometo que as imagens melhorarão nos próximos capítulos.

igreja maTriz - Bela Cruz

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44 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Bela CruzPrimeiramente batizada de Alto da Genoveva, Bela Cruz foi fundada em 23 de fevereiro de

1957 e está localizada em uma região que fora conhecida e cartografada por portugueses no século XVII. Tempos mais tarde, a cidade passou a ser chamada de Santa Cruz do Acaraú, e não faltam versões que relatam a origem destes nomes. Quem me conta uma delas é Lucas, aluno do ensino médio que me abordou no meio da rua para perguntar se eu precisava de ajuda com a bagagem. “O nome Alto da Genoveva foi adotado em homenagem a uma mulata que antigamen-te vivia por aqui. Ela era famosa porque sabia fazer benzeduras e prever o futuro das pessoas. Todo mundo a conhecia. Certa vez, Genoveva pediu para construírem sua casa num sítio que ficava no alto da colina, a noroeste da igreja matriz, e quando se mudou para lá, o município foi popularmente nomeado Alto da Genoveva”. No embalo, o aluno prova que não faltou às aulas de história: “Mais tarde, em 1798, o Frei Vidal da Penha passou a missionar no tal sítio e então, em referência à grande cruz que era erguida nos locais onde o missionário pregava a palavra, a denominação foi alterada para Santa Cruz do Acaraú. Já o nome Bela Cruz foi adotado depois de um Decreto de 1938. Minha Bela Cruz foi elevada à categoria de município apenas em 1957”.

Horas depois de ter conversado com Lucas, descobri que o Decreto ao qual ele se referia era o de número 448, de 20 de dezembro do ano mencionado, e a Lei que elevou à categoria de município é a de número 3.538, de 23 de fevereiro de 1957.

Defronte à pousada — que também era pizzaria, churrascaria, padaria e mercearia —, onde ia ficar pelos próximos dois dias, Lucas me contou que naquela noite aconteceria um inusitado desfile de jegues enfeitados. Sim, foi isso mesmo que você leu, jegues enfeitados! Não poderia perder isso por nada neste mundo. Mas antes, no quarto, aproveitei para fazer a transferência de arquivos da câmera fotográfica para o notebook e também assistir a abertura da Copa do Mundo da Fifa.

À noite, no centro de Bela Cruz, o desfile, que mais parecia invenção da mente de uma crian-ça, marcava o início das festas juninas na cidade. E quer saber?! Lucas estava certo, é mesmo muito esquisito e bastante divertido assistir a esta manifestação popular.

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45 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Com forte tradição no Ceará, principal-mente no interior, os festejos juninos atra-em todos os anos milhares de turistas, que viajam para o estado em busca de muito forró, quadrilhas, brincadeiras e diversos pratos típicos, o que faz desta tradicional comemoração um importante período eco-nômico.

A festa junina se tornou uma das maio-res festas do Nordeste brasileiro a resgatar e preservar as antigas tradições culturais espalhadas por aquela região. “É uma ma-neira de reapresentar nossos costumes à nova geração de crianças e assim manter viva nossa história”, comentou uma senho-ra enquanto eu fotografava. “Você sabia que esta alegre e colorida comemoração já se chamou Joanina?”, me perguntou a mesma senhora. Sem sequer imaginar qual seria a resposta e muito menos o motivo para ter tido esse nome, disse que não sabia, e rapidamente ela começou a me explicar que “a Festa Joanina surgiu em países católicos da Europa, em louvor a São João”. Então porque a chamamos de junina? “Porque no dia 24 de junho comemora-se o dia de São João, e muito provavelmente, com o decorrer dos anos e de forma equivocada, associaram o nome Joanina a Junho, ao invés associá--lo a João”, sugeriu a estranha senhora que desapareceu no meio da multidão que assistia o desfile de jegues.

Na época dos arraiais, o forró é o rit-mo mais tocado, ouvido e dançado nas grandes e pequenas cidades cearenses, e pelas ruas e comércios encontramos facilmente as vestimentas e os pratos tí-picos das festa juninas — Joanina, como preferir —, comemoradas em homena-gem a Santo Antônio (13), São João (24) e São Pedro (29).

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46 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

11 de junho

Por acaso você já acordou bê-bado de sono e acreditando que a Terceira Guerra Mundial tivesse acabado de ser iniciada bem debai-xo de sua janela? Pois eu já, e foi em Bela Cruz. Ainda era bem cedo quando um aglomerado de pesso-as começou a soltar rojões em co-memoração à posse do novo pre-feito. Segundo o casal que conheci na mesa do desjejum, a cidade tem um sério problema em relação à política, não sendo incomum, nas palavras do casal, a troca de prefeitos antes do término do mandato.

Aproveitando a manhã ensolarada e a fim de entrar no clima interiorano do Ceará, fui bater perna pelas ruas de Bela Cruz, e não precisei dar muitos passos para que algo chamasse minha atenção, o transporte público nadinha convencional: caminhonetes modelo D-20, da montadora GM, que tiveram suas corrocerias adaptadas artesanalmente para transportar pessoas como se

fossem minivans. “Muitos destes veículos circulam dentro da cidade fazendo o mesmo serviço de táxi e ônibus, mas a maioria é utilizada para levar o tra-balhador rural de volta para o campo e vice-versa”, me explicou um dos usuários do transporte coleti-vo. “Na minha opinião, é bem organizado e o pre-ço é mais acessível”, argumentou outro usuário. Porém, o mais impactante foi ver o pau-de-arara escolar. Para quem não conhece, pau-de-arara é um camião de carroceria coberta, na qual ripas de madeira servem de apoio e assentos aos passa-geiros, e é o meio mais utilizado por aqueles que deixam o Norte/Nordeste do Brasil rumo ao Sul/

Sudeste, geralmente em busca de oportunidades de trabalho. “Eu usava por não ter outra opção. Hoje, não preciso mais e espero nunca mais ter que usar. Tinha medo da falta de segurança. Quando passava dentro de buracos, a gente quase voava para fora”, me contou uma garotinha que durante anos via-jou no veículo escolar.

Para que os passageiros identifiquem com facilida-de qual veículo tomar no meio do trânsito, os motoris-tas inventaram códigos sonoros, ou seja, cada sequên-cia de buzina se refere a um destino.

RealmenTe me pareceu organizado,mas e a segurança, como é que fica?!

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47 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

A economia de Bela Cruz, que tem mais de 30 mil habitantes, é baseada sobretudo na pro-dução agrícola e no setor comercial. A primeira se resume no plantio de milho, caju, mandioca e carnaúba, palmeira considerada a árvore da vida, pois dela tudo é aproveitado. Para se ter ideia, da palha da carnaúba obtém-se um pó que é usado na fabricação de cera, uma das melhores e mais resistentes que existe; a pa-lha é usada na confecção de sacolas, chapéus, telhados, cestos, trançados etc.; o tronco é usado em construções; e os frutos, ricos em nutrientes, são transformados em ração ani-mal. O comércio, também de grande importân-

cia ao município, é composto por lojas especializadas em tecidos, artesanatos, eletrônicos etc., e ainda conta com pousadas, mercados, farmácias, restaurantes e muito mais.

12 de junho

A pouquíssimos quilômetros de Bela Cruz está Jericoacoara, apontada por muitos como uma das mais lindas praias do mundo.

Alguns anos atrás, tive o privilégio de visitar Jijoca de Jericoacoara e, sem som-bra de dúvidas, concordo com o título à ela atribuído. Talvez formidável seja a palavra que a melhor define. E para mi-nha tristeza, desta vez não tive o mesmo privilégio. Infelizmente, havia apenas um horário de ônibus para Jijoca, às 15h30, e o que me levaria de volta à capital sai-ria às 18h30. O jeito foi deixar para uma próxima vez, e espero que não demore!

Marco, Itapipoca e Tururu são algu-mas das cidades pelas quais passei para voltar a Fortaleza.

Segundos depois do ônibus ter para-do no trevo da primeira cidade, 13 mo-totaxistas cercaram o veículo, dispu-tando entre si para ver quem ficaria o mais perto possível da porta de saída do coletivo. Estavam tão próximos da saída que alguns passageiros sequer

Museu Emílio fonTeles

MonumenTo erguido em Homenagem à passagem de Nossa senHora de fáTima por Bela Cruz, em 5/11/1953

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48 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

tocavam os pés no chão, iam direto do último degrau da escada para a garupa da motocicleta. Foi um tanto hilário, totalmente fora da órbita do meu comum.Eram 22h35 quando cheguei no terminal rodoviário Engenheiro João Tomé, em Fortaleza, e

meu voo partia à meia noite. Ou seja, não me restava tempo para fazer mais nada a não ser ir direto para o Aeroporto Internacional Pinto Martins e aguardar.

No trajeto rodoviária/aeroporto, fui relembrando as prodigiosas paisagens e ricas culturas que presenciei no estado, e dando asas à minha imaginação, pensei: “Com tantas belezas num só lugar, Alice, que diz ter vindo de um lugar chamado O país das maravilhas, sentiria inveja se passasse pelo Ceará, inveja ao ponto de achar suas maravilhas inexpressivas e sem graça”. Acho que fadiga me faz divagar em devaneios.

após o cHeck in às pressas, era Hora dar TcHau para

o Ceará e olá para...

Praia dos anjos - flecHeirascoisas que não podemos prever!

Page 49: Gabriel Castaldini - Empadão À Brasileira

Quê?... Eu explico!As frases acima são trechos

de conversas que tive com fortalezenses. A primeira aconteceu quando perguntei ao porteiro de um prédio se era possível chegar ao município de Bela Cruz ainda com a luz do dia, caso eu saísse da capital às 16h, e a segunda, quando pedi para fechar minha conta no restaurante.

Inspirado por essas frases e guiado pela curiosidade, passei a anotar as palavras e expres-sões peculiares que escutava, e na brincadeira, percebi que tinha começado a desenvolver meu minidicionário de “cearês”. Escutar e anotar não era nada complicado, mas conseguir o signifi-cado!... Tudo era mais fácil quando eu participava da conversa, afinal, não precisava interromper o bate papo alheio para perguntar o que significava tal palavra ou expressão. Quando o fazia, todos me olhavam sem entender absolutamente nada. No mínimo, pensavam que eu era um “caba abestado”. E no final, quando explicava o motivo de minha intromissão, tudo acabava em ótimas gargalhadas. Dê uma conferida nos exemplos que separei para compor meu “dicionário”.

abestado: bobo, lerdo, idiotaaçulerador: aceleradoragarrar no sono: dormiraié: expressa surpresa, espantoalumiar: acenderamostrar: mostrar, tornar conhecidoaperreio: situação estressanteapurrinhado: irritadobife de borboleta: pessoa muito magracaba: sujeito, homemcorralinda: alguém ou algo bonitoestribado: ricoexpulsadeira: saideirafi: filhofósco: palito de fósforofuxico: fofoca

jururu: triste, cabisbaixolá nas brenha: lá longeliso: sem dinheiro; forma muito ofensiva, do inglês looser (fracassado)lustrosa: bonitamamar na égua: vida fácilmuriçoca: pernilongonegada: grupo de pessoasoxente: surpresa, espantopai d’égua: bom sujeitopomba lesa: pessoa lentaponturrái: para onde você vaiquedê: cadêquissó: muito, exagerovarapau: homem muito altoxexelento: feio, aspecto ruimxírca: xícara

ESCUTEI LÁ NO CEARÁ...

Vai a expulsadeira, amigo? É por conTa da casa, não seja abesTado!

PonTurrái? fica lá nas brenHa, mas se

não Tiver medo de pisar no

açulerador, isso vai rápido quissó... Só não pode

ficar feiTo uma pomba lesa!

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Ingredientes – 1 kg de caju picado em cubos – 1 kg de camarão sem casca – 1 moranga grande – 2 colheres (sopa) de azeite de

oliva – 2 cebolas batidas – 3 dentes de alho amassados – sal e pimenta-do-reino a gosto – 3 tomates picados sem pele e

sem sementes – 3 colheres (sopa) de farinha de

trigo – 250 mL de leite de coco – 1 lata de creme de leite – 1 colher de cheiro-verde picado – 1 xícara de chá de leite – 500 gramas de queijo tipo

catupiry

Modo de preparoFaça uma tampa na moranga e, com uma colher, elimine todas as sementes. Em seguida, passe sal em seu interior, recoloque a tampa, embrulhe a moranga em papel alumínio e leve-a ao forno por uma hora ou até que fique macia. Feito isso, passe óleo em todo seu exterior e besunte o in-terior com queijo catupiry, coloque a tampa e re-serve. Doure a cebola no azeite, acrescentando o alho e o caju. Refogue por, aproximadamente, 15 minutos e então adicione os tomates, o cheiro--verde e a farinha dissolvida no leite. Coloque o leite de coco, mexa, e deixe cozinhar até que os cajus fiquem macios. Por último, despeje o creme de leite sem deixar ferver novamente. Veja se o tempero está a seu gosto. Despeje todo o prepa-ro dentro da moranga e leve-a de volta ao forno por mais alguns minutos, somente para derreter o queijo!

cozinHa Típica

CAJU COM CAMARÕES NA MORANGA

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do ceará para...

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MARANHÃO

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53 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

São Luís, a única capital brasileira fundada por franceses, invadida por holandeses e constru-ída por portugueses, nos reserva muita história e encantos.

A oportunidade de colonizar Upaon-Açu (designação indígena tupinambá para ilha grande, local onde está situado o centro histórico da capital maranhense) aconteceu em 1534, quando João III, o décimo quinto rei de Portugal, criou a capitania do Maranhão, entregado-a às mãos do historiador e tesoureiro João de Barros. Mais tarde, em 1550, foi fundada a cidade de Nazaré, que logo foi dei-xada ao abandono por conta da resistência dos índios e, também, por causa de seu difícil acesso. Como não poderia ser diferente, tal situação ampliou a cobiça de povos estrangeiros, em especial a dos franceses, que mantinham contato direto com os indígenas que habitavam aquela região.

No ano de 1612, o francês Daniel de La Touche, experiente capitão da Marinha francesa, co-nhecido como o Senhor de la Ravardière, chegou à região acompanhado por 500 homens para estabelecer a França Equinocial e, assim, concretizar o sonho da nação francesa de se insta-

lar na América do Sul. A realização de uma missa e a construção do Fort Saint-Louis (Forte São Luís), atual Palácio dos Leões, em homenagem ao rei Luís XIII, marcaram a fundação do povoado de Saint-Louis no dia 8 de setembro do mesmo ano.

Não muito tempo depois, os tupinam-bás se aliaram aos franceses para comba-ter a invasão do povo lusitano, que partiu de Pernambuco certo de que iria retomar a posse do território. E foi exatamente o que aconteceu! Em 1615, a tropa de Ale-xandre de Moura venceu e expulsou os franceses da ilha, e Jerônimo de Albu-

SÃO LUÍSpaTrimônio culTural da Humanidade

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querque foi eleito para administrar o município. No seu comando, a cana-de-açúcar, implantada em 1620, se tornou a atividade econômica mais rentável e os índios foram obrigados a trabalhar nas lavouras. Porém, no ano 1641, foi a vez dos portugueses lutarem contra invasores: os holan-deses, que já dominavam Pernambuco e almejavam conquistar São Luís. O confronto perdurou durante três anos e os portugueses foram os vitoriosos.

Entre os resquícios da história, São Luís do Maranhão resguarda o casario colonial de origem portuguesa — algo em torno de 3 mil sobrados e casarões dos séculos XVIII e XIX —, que propala pelas vielas e praças de seu Centro Histórico, atualmente considerado um do mais ricos e me-lhores exemplos de traçado arquitetônico de origem europeia no mundo.

Tamanha importância histórica rendeu à cidade o título de Patrimônio Cultural da Humanida-de, concedido pela Unesco em 1997. E os títulos não param por aí. Em 2009, numa solenidade da ONG Capital Brasileira da Cultura (CBC) em parceira com o Ministério do Turismo, Bureau In-ternacional de Capitais Culturais, Banco Amazônia, SESC/SP e Discovery Networks, São Luís do Maranhão foi eleita a Capital Brasileira da Cultura. Popularmente, São Luís coleciona uma série de títulos, tais como: Ilha do Amor, Atenas Brasileira, Capital do Azulejo, por causa da quantida-de do material usado nas construções portuguesas, Jamaica Brasileira, devido a forte presença do reggae, e Rainha do Maranhão.

São Luís do Maranhão é uma das três capitais brasileiras localizadas em ilhas (as outras são Vitória do Espírito Santo e Florianópolis/SC) e detém, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o 12o maior parque industrial dentre todas as capitais. De acordo com pesquisa proposta pela Fundação Getúlio Vargas, a Rainha do Maranhão é uma das melhores cidades brasileiras onde trabalhar.

Óbvio que eu não poderia me esquecer de dizer que São Luís é palco de grandes manifesta-ções culturais, sendo a festa do bumba-meu-boi um dos melhores exemplos. E ainda tem a gas-tronomia, espetáculo à parte em que perfumes e cores casam-se com os sabores autênticos da tradicional arte culinária. Cuxá, bolinho de camarão e pata de caranguejo são alguns dos pratos que enchem a boca d’água.

13 de junhoColetei parte dessas informações ao caminhar da aeronave à sala de desembarque do Ae-

roporto Internacional Marechal Cunha Machado, na capital. Algumas foram obtidas por meio de painéis eletrônicos, cartazes e panfletos, mas lógico que tive de atormentar a senhora que trabalhava no único guichê de “orientações ao turista”.

Minha intenção não era parecer um tagarela chato, daqueles que fazem perguntas seguidas de outras perguntas sem nunca saber a hora correta de usar o ponto final, mas acho que foi essa imagem que passei à ela. Não tive escolha! Era madrugada e não tinha levantado nenhu-ma informação, que dirá dicas úteis. Pombas, paciência... Afinal, ela era minha única saída.

Ainda com simpatia, a funcionária do guichê me deu uma excelente notícia: “O senhor não poderia ter chegado em melhor época. Estamos em festa, comemorando o bumba-meu-boi e o Festival do Caranguejo”. Aproveitando o embalo de sua simpatia, perguntei qual era a opinião dela sobre a pousada que eu havia descoberto através de pesquisas na internet — enquanto aguardava o voo na sala de embarque do aeroporto de Fortaleza que, para variar, tinha atrasado —, e quais eram os pontos positivos e negativos do logradouro. “Não há pontos negativos, meu senhor. Esta é uma excelente pousada e sua localização é privilegiada, perto de tudo, inclusive da melhor praia”, me assegurou.

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Notei que, enquanto conversávamos, um ho-mem chegou e ficou parado ao nosso lado. Ele parecia aproveitar as respostas que a “mulher das informações” me dava. Dei de ombros e continuei a conversar.

Quando percebi que já havia torrado e aniquila-do a paciência da turismóloga — que aguentava o incômodo sem queixume —, lhe agradeci, juntei a bagagem e parti. Mas antes, precisava de algo ge-lado para dar jeito no calor de 28 graus que fazia às 2h10 da manhã.

Juro escrever qualquer dia desses um livro intei-ramente baseado nos diálogos que temos somente dentro de táxis. Alguns são tão prazerosos que por si só já fazem valer a corrida. Mas voltando ao assunto... O motorista, que dizia conhe-cer cada centímetro de São Luís, se perdeu, e com isso perdi a noção de quão longe era a pousada. Imagina se ele conhecesse cada metro! GPS, santa tecnologia! Somente com a intervenção do equipamento — que não era lá grande coisa, apenas um aplicativo do meu celular — é que conseguimos encontrar o endereço.

Às 7h30, ao abrir a janela do apartamen-to onde dormia, dei de cara com o oceano. Nada mal para começar o dia. Fiquei feito bobo por um bom tempo, só observando aquela paisagem, e achei estranho a falta de ruídos típicos de cidade grande. “Fica perto do centro... da melhor praia...”, me lem-brava da turismóloga falando. Espera aí, como estar perto do centro e não ouvir buzinas!? A au-sência desses ruídos se explicou quando soube que estava hospedado em uma chácara.

Segundo os funcionários, eu realmente esta-va perto, ou melhor, “dentro” da melhor praia e de grandes mercados e shoppings, mas o Centro Histórico, coisa que me interessava, estava longe demais. Quanto à pousada, não havia do que me queixar, era ótima!

No final da tarde, seguindo os conselhos de ou-tros hóspedes e a fim de não perder a abertura da festa do bumba-meu-boi, que começaria às 22h, tratei logo de ir para o centro.

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apresenTaçãoBoi OrienTe

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apresenTação Boi OrienTe

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apresenTaçãoBoi OrienTe

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apresenTação Boi OrienTe

TERRA DE BUMBA-BOIMaranhão, ô, meu MaranhãoLá da terra da palmeira, aonde canta o sabiáMaranhão, ô, meu MaranhãoLá da terra da palmeira, aonde canta o sabiáMas tem praia pra todo lado e avenida beira-marMas é terra de Bumba-Boi, e carnaval, e a festa de RibamarMaranhão, ô, meu Maranhão, lá na terra da palmeira Aonde canta o sabiáMaranhão, ô, meu Maranhão, lá na terra da palmeira Aonde canta o sabiáMas tem praia pra todo lado e avenida beira-marMas é terra de Bumba-Boi, e carnaval, e a festa de RibamarMas é praia pra todo lado, e avenida beira-mar Mas é terra de Bumba-Boi, e carnaval, e a festa do RibamarMaranhão, ô, meu MaranhãoLá da terra da palmeira, aonde canta o sabiáMaranhão, ô, meu MaranhãoLá da terra da palmeira, aonde canta o sabiáMas tem praia pra todo lado e avenida beira-marMas é terra de Bumba-Boi, e carnaval, e a festa de RibamarMas tem praia pra todo lado e avenida beira-marMas é terra de Bumba-Boi, e carnaval, e a festa de RibamarMaranhão, ô, meu MaranhãoLá da terra da palmeira, aonde canta o sabiáMaranhão, ô, meu MaranhãoLá da terra da palmeira, aonde canta o sabiáMas tem praia pra todo lado e avenida beira-marMas é terra de Bumba-Boi, e carnaval, e a festa de RibamarMas tem praia pra todo lado e avenida beira-marMas é terra de Bumba-Boi, e carnaval, e a festa de Ribamar

Cantídio

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NÃO TE ENGANOAdeus, moça. Até o próximo anoAdeus, moça. Até o próximo anoVou mostrar Boi Oriente para turista americanoE tu sabes que eu voltoLembras que eu não te enganoAdeus, moça. Até o próximo anoAdeus, moça. Até o próximo anoVou mostrar Boi Oriente para turista americanoE tu sabes que eu voltoLembras que eu não te enganovou mostrar Boi Oriente para turista americanoE tu sabes que eu voltoLembras que eu não te enganoAdeus, moça. Até o próximo anoAdeus, moça. Até o próximo anoVou mostrar Boi Oriente para turista americanoE tu sabes que eu voltoSabes que eu não te enganoAdeus, moça. Até o próximo anoAdeus, moça. Até o próximo anoVou mostrar Boi Oriente para turista americanoE tu sabes que eu voltoLembras que eu não te enganoAdeus, moça. Até o próximo anoAdeus, moça. Até o próximo anoVou mostrar Boi Oriente para turista americanoE tu sabes que eu voltoLembras que eu não te enganovou mostrar Boi Oriente para turista americanoE tu sabes que eu voltoLembras que eu não te enganoAdeus, moça. Até o próximo anoAdeus, moça. Até o próximo anoVou mostrar Boi Oriente para turista americanoE tu sabes que eu voltoSabes que eu não te engano

Pereira de Abreu

apresenTaçãoBoi OrienTe

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apresenTaçãoBoi OrienTe

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apresenTação Boi OrienTe

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apresentação Boi OrienTe

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64 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Teatro, danças, cores, folclore, cantos e encantos são ingredientes que resultam nesta sensacional mis-tura que diverte de forma super contagiante as noites da capital São Luís nos meses de junho e julho. A festa bumba-meu-boi é de longe uma das comemo-rações mais expressivas do estado e do país. Basta chegar julho para encontrarmos bandeirolas colori-das e barracas de palha por todos os cantos do Cen-tro Histórico. Secular, esta manifestação cultural está presente no estado do Maranhão desde o

século XVIII, e a maioria daqueles que provam da alegria e das maravilhas deste evento sequer imagina que o mesmo já fora alvo de preconceito, tendo até sido proibido entre os anos de 1861 e 1868. Por se tratar de um festejo organizado e mantido pela população negra da cidade, a eli-te e a polícia maranhense daquela época, ambas de opiniões desfavoráveis, conseguiram vetar a tradição durante anos e anos. Felizmente, o veto não durou para sempre!

DIZEM POR AÍ!“Somente para saciar o desejo de sua esposa, a

Mãe Catirina, que, quando grávida, sentia vontade de comer língua de vaca, Pai Francisco matou um dos bois da fazenda onde trabalhava. Porém, ele não sabia que o animal que morreu era o de estimação de seu senhor... Quando se deu pela falto do boi, seu senhor ordenou que o responsável fosse encontrado o mais depressa possível, e não demorou para que o capataz Francisco fosse achado escondido entre os índios e escravos. Capturado, seu senhor pediu que ele trouxesse o boi de volta ou, caso contrário, seria morto da mesma maneira com a qual matou o nelore! Após dizer que era impossível trazer o animal de volta à vida, Francisco encomendou a própria morte.

Sentindo muita pena de Pai Francisco, pajés e curandeiros conseguiram ressuscitar o boi de estimação, e em comemoração à façanha, uma festa foi celebrada: a grandiosa festa do bumba-meu-boi”, assim me contou um senhor, que dizia ser completamente apaixonado pela cultura maranhense.

SotaquesBaixada, Matraca, Variado, Orquestra, Zabumba e Costa de Mão são os diferentes modos

de brincar, ou, nas palavras dos brincantes, “diferentes tipos de sotaque”. Os participantes se organizam em grupos e cada grupo pertence a um determinado sotaque, como o Boi Oriente, por exemplo, de sotaque Baixada. E cada sotaque tem sua própria característica, a qual pode ser manifestada por meio das vestimentas, dos instrumentos musicais e/ou do jeito de dançar.

Uma das lembranças que Trouxe de SãO Luís

apresenTação do Boi OrienTe

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65 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

CURIOSIDADES SOBRE OS SOTAQUES• Baixada: usam as matracas (“tijolos” de madeira que são batidos uns contra os outros) e pandeiros como seus

principais instrumentos. Seu personagem de destaque é o Cazumbá, ser metade homem metade bicho.• Matraca: o mais popular do estado do Maranhão. • Orquestra: é famoso por apresentar grande variedade de instrumentos de sopro, como, por exemplo, o saxofone

e o clarinete. • Zabumba: além de relembrar a forte presença da música africana, este é o sotaque mais antigo que existe. • CostadeMão: o nome advém do modelo de pandeiro que é tocado com as costas da mão, típico da região de

Cururupu, também no estado do Maranhão. A pluralidade dos sotaques se encontram na singularidade da mesma tradição cultural.

Sabe o que foi o mais interessante de tudo? Poder curtir essa energia de perto, bem de perto mesmo, de cima do palco. Quando me apresentei à organização e contei meu desejo de escre-ver um livro com a temática que vocês já conhecem, fui convidado para assistir e fotografar de cima do palco, em meio aos brincantes do bumba-meu-boi Oriente. Lisonjeado e muito contente, só tenho a agradecer pelo convite ímpar.

apresenTação do Boi OrienTe

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66 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

14 de Junho, pelas ruas de São LuísA fim de absorver mais da história e cultura de São Luís, reservei um dia inteiro para gastá-lo nas

ruas do Centro Histórico. Na minha opinião, esta é a melhor maneira de se ter aulas de história.Abri o mapa da região que me interessava e com X marquei os pontos turísticos que queria

visitar. Para evitar o desconforto de ter que carregar o mapa, que era ligeiramente maior que a folha de cartolina, o fotografei — dando prioridade aos lugares em destaque — e armazenei a imagem na memória da minha câmera fotográfica.

Menos objetos, mais comodidade!Tomei o ônibus até o centro e lá saltei na rua da Alfândega, bem próximo do Centro de Criativi-

dade Odilo Casta Filho, espaço voltado para atividades culturais, e do Mercado da Praia Grande, local onde antigamente funcionava um celeiro pú-blico, o Casa das Tulhas, e que atualmente reúne inúmeros quiosques especializados em iguarias, artesanatos e produtos maranhenses em geral.

Decidi me guiar pelo mapa somente se eu me perdesse. Não queria me tornar refém de um pe-daço de papel.

Continuei a caminhada, passando pela rua do Giz, rua da Palma, do Egito... E acabei chegando na fonTe Ribeirão.

Construída em 1796 a mando de d. Fernando Antônio de Noronha, a Fonte Ribeirão é resultado da necessidade que havia em melhorar a quali-dade da água para consumo e saneamento. O adorno do monumento fica por conta de cinco carrancas esculpidas em pedra que, por meio de suas biqueiras trabalhadas em bronze, jorram a água da fonte direto para as galerias subterrâneas.

Segundo lendas, uma enorme e encantada serpente vive nessas galerias, e que de tão gran-de, sua cabeça estaria sob a Fonte Ribeirão, seu corpo estaria sob a Igreja do Carmo e seu rabo estaria debaixo da Igreja São Pantaleão. De acordo com a lenda, a serpente cresce poucos centímetros por dia, e quando sua cabeça encontrar com seu rabo, será o fim da ilha de São Luís.

Infelizmente não posso deixar de mencionar o quão enorme é o descaso com o patrimônio histórico nesta parte da ilha. Enquanto caminhava até a Fonte Ribeirão, pude ver enormes e seculares prédios às ruínas, fachadas de casarões totalmente depredadas, calçadas esburacadas e muito lixo pelas ruas. Agravan-tes que juntos davam o pavoroso aspecto de abandono ao patrimônio cultural da humanidade. Pouco-caso com nossa história. Aqui fica meu desabafo, meu alerta às autoridades responsáveis pela conservação do patrimônio.

É preciso que alguma providênciaseja Tomada urgenTemenTe!

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67 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Desci a rua dos Afogados, virei à direita no Beco do Silva e cheguei à praça Benedito Leite, de onde pude ver a Igreja da Sé (foto). A Catedral Metropolitana de São Luís do Maranhão, mo-numento de origem portuguesa que data do século XVII, está entre as edificações mais antigas da cidade. Seu altar-mor, em estilo barroco, foi tombado pelo Iphan — Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

De volta à rua do Giz e muito empolgado, pen-sei em visitar rapidamente o Museu de História Natural (Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão) e dei de cara com a porta fechada. O funcionamento era das 14 às 16 horas. Que pena! Segui na mesma rua até chegar ao Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, onde há exposição permanente so-bre todos os sotaques do bumba-meu-boi e do Espírito Santo e São José do Ribamar. Tirando o péssimo atendimento dos monitores, que me trataram como se fosse o homem-invisível, o Centro Cultural é armadilha que captura nossa atenção de tal forma que custa tê-la de volta.

NOSSA SENHORA DA VITÓRIA, IGREJA DA SÉ, CATEDRAL METROPOLITANA DE SÃO LUÍSMuitas foram as denominações no decorrer dos séculos! De acordo com os contos populares, o nome Nossa Senhora da Vitória foi a forma que os portugueses encontraram de homenagear e agradecer a Santa da Batalha de Guaxenduba que, segundo eles, apareceu para reforçar a tropa lusitana na batalha contra a invasão francesa, ajudando na conquista da vitória.

CaTedral MeTropoliTana de São Luís

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68 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Desde que tinha chegado no Maranhão, ouvia muita gente falar de um tal Crioula’s Restau-rante, e coincidentemente, na rua do Giz, próximo à praça da Pacotilha -— jardim que ocupou o terreno do extinto jornal A Pacotilha e que hoje é cenário de manifestações folclóricas —, vi a plaquinha singela, sem ornatos, que trazia estampado o nome do restaurante. Não pensei duas vezes (aliás, nem meia) e entrei para conferir este que é um dos estabelecimentos mais famosos da Ilha Grande. O olor aprazível só fez aumentar a fome!

OS RESPONSÁVEIS PELA FAMA

Neli de Oliveira, 46, é chefe de cozinha há 7 anos e responsável pela equipe formada por Tiago, Maria, Ruth e Nilza. Natural de Barreirinhas, interior do Maranhão, a chefe conta que sempre foi apaixonada por gastronomia. “Desde pequenina sou fascinada pela culinária. Certa vez, fui para o fogão a fim de descobrir se eu sabia mesmo cozi-nhar, pra ver se saía alguma coisa, e acabei descobrindo meu dom. Portanto, posso dizer que aprendi a cozinhar comigo mesma. Às vezes, eu olhava alguém preparando um prato especial, e mais tarde tentava cozinhá-lo de jeito ainda melhor. Acredito que seja mesmo dom”. A especialidade da chefe é o bolinho de camarão, responsável por atrair centenas de apreciadores todos os dias.

Sem sombra de incerTeza, o Crioula’s é parada obrigaTória àqueles que visiTam São Luís!

Neli de Oliveira

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69 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Saindo do Crioula’s, caí na rua Portugal, endereço com maior quantidade de azulejos em São Luís, onde é impossível não se surpreender com a arquitetura do prédio da Secretaria de Cultu-ra do estado do Maranhão, que tem a maior fachada conservada de azulejos portugueses em toda América Latina. Outro exemplo de encher os olhos é o Sobradão da Praia Grande (imagem abaixo), o maior exemplar da arquitetura colonial portuguesa no Centro Histórico da cidade.

Finalizar meu roteiro improvisado pe-los corredores culturais da antiga ilha Upaon-Açu sem antes ter ido ao Teatro Arthur Azevedo, construído há quase dois séculos, estava fora de cogitação.

A ideia inicial, que era a construção de uma Casa de Espetáculos, partiu de dois comerciantes portugueses (Eleu-tério Lopes da Silva Varela e Estevão Gonçalves Braga) que, saudosos dos grandes musicais e peças dramáticas que assistiam na capital portuguesa, Lisboa, e desejando um dia poder as-sistir espetáculos do gênero em plena São Luís da época do ciclo do algodão, planejaram a edificação de um espaço

de lazer, a exemplo das Casas de Ópera dos países eu-ropeus. A construção, que seria feita na rua da Paz e teria a fachada principal voltada para o Largo do Carmo, foi impedida pela sentença que favoreceu os padres carmelitas, que ale-gavam que seria antirreligioso a edificação da Casa de Espetáculos ao lado da igreja. Foi no novo endereço, na Rua do Sol, em 1816, que o teatro começou a ganhar suas primeiras pa-redes. E um ano mais tarde estava concluído o quarto e ainda maior teatro de São Luís do Maranhão.

No ano 1852, o nome de inauguração — Teatro União — foi substituído por Teatro São Luís e, por último, na década de 1920, em homenagem ao dramaturgo maranhense Ar-tur Nabantino Gonçalves de Azevedo (1855-1908), o estabelecimento recebe o nome de Teatro Arthur Azevedo.

Na Praça Maria Aragão, obra projetada pelo conceituado arquiteto Oscar Niemeyer e dedicada à médica Maria José Aragão, figura de grande importância no universo social e político do estado do Maranhão, encerrei meu dia com cHave de ouro!

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Rua do GizCenTro HisTórico

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arTesanaTo no Mercado da Praia Grande

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72 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

15 de junhoO tímido — mas impertinente — cantar dos

pássaros em plena manhã chuvosa fez-me perceber que outro dia se iniciava e que eu não havia pregado os olhos durante a noite. Preocupação de mãos dadas com a insônia! Passei a madrugada em claro, revirando o mundo virtual de pernas para o ar na ten-tativa de encontrar uma pousada, ou coisa semelhante, na Ilha dos Lençóis, e qual era a maneira mais simples de se chegar ao ar-quipélago.

Cerca de 30 dias antes de embarcar no primeiro avião, comecei a tentar contato com a única pousada que descobri existir em Lençóis, sem que nenhuma tentativa resultasse em sucesso. Eis que me lem-brei de ter visto um Posto de Informações Turísticas na Rua Portugal, e lá fui eu.

Para meu espanto, o agente de turismo conhecia apenas a mesma pousada que eu, sugerindo que tentasse ir à agências de viagens, pois possivelmente haveria “pacotes turísticos” que tivessem a Ilha dos Lençóis incluída no roteiro. Nada fei-to! Tentei três agências e nenhuma ofe-recia o passeio. Inclusive, a funcionária da última agência disse, em tom de brin-cadeira, que “só loucos têm coragem de ir à ilha”. Pois enTão sou louco!

Fui até a praça mais próxima, me sen-tei num banco, abri o guarda-chuva que comprei por R$ 1,99 para me proteger da chuva e comecei a pensar sobre o que fazer dali pra frente. Não iria embo-ra do Maranhão sem ir a Lençóis, nem que para isso eu tivesse que ir a nado. Para arrancar alguns risos, uma garoti-nha me confundiu com o apresentador Richard, do programa Selvagem ao Ex-tremo, ao ponto de me pedir autógrafo.

A solução foi lançar minha moeda imaginária de duas coroas para o ar. Se desse coroa, eu iria por minha conta e ris-co ao arquipélago, mesmo sem saber ao certo o caminho, sem ter onde ficar e sem conhecer ninguém. COROa!

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73 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Imediatamente comecei a buscar pelo telefone do Ferry Boat… Queria perguntar quais eram os próximos horários em que as balsas partiriam do Terminal da Ponta da Espera rumo à Alcân-tara. Já era tarde, e só seria possível embarcar na manhã do dia seguinte. Tentei na rodoviária e descobri que com o Ferry Boat o trajeto é encurtado em aproximadamente 350 quilômetros. Portanto, o melhor que tinha a fazer era esperar.

A fim de levar somente o necessário na viagem, acabei comprando uma mochila escolar pe-quena. Minha intenção era deixar a bagagem na recepção da pousada e pegá-la quando voltas-se, claro, se os donos concordassem.

Novamente de frente para o computador, busquei mais informações sobre o acesso até Len-çóis, e num pedaço de papel escrevi as seguintes observações:

Na minha mochila, muito protetor solar, garrafas de água, quatro trocas de roupas leves, san-dália, repelente contra insetos e minhas anotações.

Verifiquei se as baterias da câmera estavam 100% carregadas e se todos os cartões de me-mória estavam na mochila. Não podia esquecer absolutamente nada.

Querendo agilizar minha partida, que estava programada para às 6h da manhã seguinte, levei a bagagem maior para a recepção às 22h, ficando apenas com a mochila e com meus equipamentos fotográficos.

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74 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

16 de junho: 8h50, no Ferry Boat...Por sorte encontrei um micro-ônibus que ia até Cururupu e tratei logo de comprar minha pas-

sagem. Após 60 minutos de travessia, tive meu primeiro desentendimento. Depois da atracação, devíamos caminhar até o pequeno ponto de ônibus, que mais parecia com mercado de peixe a céu aberto, e algo chato tinha que acontecer. O motorista não queria me deixar embarcar. Ele jurava que eu não tinha pago pelo bilhete de embarque, e o pior: continuava a jurar mesmo de-pois de eu ter mostrado o comprovante de pagamento carimbado. Mas o mais irritante foi que o rapaz de quem eu comprei a porcaria da passagem fingia não se lembrar de mim. A discussão rolou feio, até que uma santa senhora, que já estava dentro do ônibus, levantou minha mochila e perguntou a quem pertencia. Conclusão, só pude entrar depois de comprovar que a mochila era minha.12h45 Cheguei à rodoviária de Cururupu e encontrei sem complicação uma van que tinha

Apicum-Açu como destino final (...). Sabe-se lá por qual razão, o motorista voltou quatro vezes ao terminal rodoviário.

Quatro! Quando pensava que partiríamos, retornávamos. Dizem por aí que nada acontece por acaso, não é mesmo? Na quarta vez, cinco pessoas aguardavam a próxima van para Apicum--Açu, e como não haveria mais translado naquele dia, acabaram embarcando no mesmo veículo em que eu estava. Quando entraram, notei a presença de um rosto que me era familiar. Cheguei a pensar que fosse truque da mente cansada, mas não. Era o homem que ficou do meu lado no posto de informações do aeroporto de São Luís. Começamos a bater o maior papo, como se fossemos conhecidos de longa data, e contei que estava indo a Lençóis. “Então você vai ser o primeiro hóspede da minha casa!”, exclamou Leo quando eu disse que não tinha nem ideia de onde me alojaria. “Acabo de montar minha casa de férias e você será meu primeiro convidado”, repetiu. Nem dava para acreditar, era música para meus ouvidos. “A sorte não sorriu para mim, ela gargalhou!”, exclamei em pensamentos. 16h28 Em Apicum-Açu, descobrimos que mais nenhum pescador voltaria à ilha naquela tar-

de por causa do baixo nível da maré. Combinamos com o pescador João de sairmos às 8h30, que logo avisou que era previsto 3 horas e 30 minutos de navegação até Lençóis. Por mim, es-tava tudo acertado...

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Na tentativa de conseguir dinheiro para po-der pagar o barco, ajudar nas despesas da casa de Leo — mesmo tendo sido convidado por ele,

não queria parecer um belo de um folgado — e minhas refeições, entrei no mercado que ficava bem ao lado do porto e pedi para falar com o proprietário que, após me ouvir, decidiu me ajudar. Como? Me vendendo uma lata de refrigerante por 300 reais, simples assim. Paguei com meu cartão de crédito e ele me deu o valor em dinheiro vivo. Problema resolvido!!!

No porto, Leo, os pescadores e eu embarcamos rumo ao meu principal destino no Maranhão, a Ilha dos Lençóis.

Horas mais tarde e sob leve garoa, golfinhos nos recepcionavam, dando as boas-vindas ao paraíso, que naquelas marés atende pelo nome de...

17 de junho“Estou sem dinheiro e não há muitas opções de agên-

cias bancárias em Apicum-Açu... Logo logo o barco par-tirá... E agora, Gabriel? Por que foi esquecer de sacar di-nheiro?”, conversava comigo mesmo enquanto andava de um lado para o outro.

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ILHA DOS LENÇÓIS

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“CHegamos em casa”, disse a esposa do pes-cador que comandava a embarcação. Ao ouvi-la, instin-tivamente olhei para onde ela apontava, e, aos poucos, a esplêndida paisagem foi se revelando diante de mim. Era como olhar para... como posso dizer?! Algo como... Monalisa! Exatamente isso, a Monalisa do mundo na-tural, tela assinada pela natureza, capaz de ser tão hipnotizadora e enigmática quanto a obra-prima de Leonardo da Vinci.

A luz do sol que perfurava as nuvens, iluminan-do a maior de todas as dunas da ilha, dava um tom sobrenatural ao ambiente. A cena, que pare-cia ter saído de livros de fábulas, me fazia imagi-nar qual tesouro estaria protegido atrás daquela muralha de cor branca. O sorriso surgiu como num truque de mágica, especialmente ao lembrar que, além dos nativos, pouquíssimas pessoas já estiveram em Lençóis. Sequências de encantarias que fazem compensar todos os reveses de um caminho longo e cansativo!

Com a maré baixa, desembarquei ao lado da Grande Duna (por lá chamada de Morraria), que de perto era ainda mais fas-cinante e bela. Caminhando até a praia, senti uma energia que jamais havia sentido e, naquele cenário tão místico, de paz quase palpável, pude me sentir como se minha alma se entre-gasse ao cosmo. Uma energia fantástica, que não sei traduzir em palavras, pairava no ar.

Localizada no norte do estado do Maranhão, a 220 qui-lômetros a noroeste da capital São Luís, Lençóis é uma das ilhas que formam o arquipélago do Maiaú (Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses, que compreen-de as ilhas de Lençóis, Bate-Vento, Valha-me Deus, Mirinzal, Carrapato e Guajerutiua), que está situado em Cururupu, município responsável pela administração da comunidade da Ilha dos Lençóis.

Desejoso de conhecer o cotidiano na ilha, registrar as bele-zas naturais e ter contato com os habitantes, larguei minha mo-chila na casa do Leo e voltei correndo pelas “calçadas” e “ruas” de areia branquíssima até chegar ao povoado, onde conheci Manoel Car-los Oliveira, pai de santo e um dos fundadores da biblioteca que existe por lá. Foi ele quem me contou as primeiras histórias que ouvi sobre aquele lugar paradisíaco, o qual guarda mistérios em que seres encantados se misturam com espíritos a galopar rumo à cidade subterrânea que há em Lençóis.

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“Foi graças à pesca que meus avós chegaram aqui. Naquela época, não havia ninguém, nem mesmo uma pessoa, nada além da natureza. Eles

deram início ao povoado de Lençóis. Esse foi o meu avô Boron!”

Assim começa contando, com muito orgulho e olhos marejados, o pai de santo Manoel Carlos Oliveira (foto), de 45 anos, sobre a história de seus avós.

“Vida de pescador, um dia você está em um lugar e na manhã do dia se-guinte, você está em outro totalmente diferente. Vai parando aqui e ali. Foi as-sim que meus avós acabaram descobrindo Lençóis. Quando chegaram aqui, eles, que eram de Santa Cruz, encontraram muita fartura, muito peixe, água doce para beber, frutos... Tudo isso contribuiu para que se instalassem na ilha e começassem a construir seus ranchinhos à beira-mar”, narra Manoel.

Mais tarde, por volta de 1900, uma segunda família ancorou na Ilha dos Len-çóis: a de dona Sebastiana, filha de português casado com uma senhora albina. Sebastiana foi a primeira mãe de Lençóis que deu à luz quatro meninas albinas. Consequentemente, as duas famí-lias começaram a se relacionar, e por causa do casamento entre primos (endogamia), o número de pessoas albinas cresceu de tal maneira que Lençóis passou a ser referência mundial no assunto. Atualmente, segundo pesquisa realizada por Manoel Oliveira, existem 160 famílias vivendo no vila-rejo. “Hoje há poucos albinos em relação ao passado. Muitos se mudaram e outros morreram. Meu pai foi um daqueles que partiram. Ele era albino e aqui não havia meios de tratar seus problemas de saúde, muitos deles causados pelo sol. Toda vez que meu pai e outras pessoas precisavam de remédio, tinham de ir à cidade, coisa que era, e ainda é, bastante complicada. Certo dia, o prefeito de Cururupu veio visitar a ilha e acabou comprando o terreno que pertencia a meu pai, que com o dinheiro da venda se mudou para Apicum-Açu. Também vendi um dos meus terrenos para o prefeito e, com o dinheiro, comprei um pedaço de terra na mesma cidade que meu pai, facilitando o acesso de meus filhos à escola. Eu, por exemplo, tenho nove filhos e 13 netos, e antigamente não tinha escola na ilha para eles. Por essas e outras razões, muitos se mudaram”, explica o nativo.

Por falar em conquistas, Manoel afirma que a escola foi construída apenas depois de protes-tos que objetivavam conscientizar o prefeito sobre a importância que a instituição de ensino teria na comunidade. “É lutando que a gente vence!”, exclama Manoel. E pelo que me contou, parece que a próxima luta será longa e exaustiva. “Agora, nosso próximo desafio será unir forças para trazer uma fábrica de gelo para cá”, fala Manoel, com empolgação de lutador que está prestes a pisar no tablado. “É preciso ter ciência de que Lençóis é o porto seguro de toda embarcação que passa por aqui e que Apicum-Açu fica muito longe de nós. Levamos horas para transportar o pescado até a cidade, tempo demais debaixo de sol escaldante, o que pode comprometer a qualidade de toda uma carga de peixe e frutos do mar”, argumenta. “Tem gente que busca gelo em Apicum-Açu, traz para Lençóis, carrega o barco e depois volta para Apicum-Açu. Assim não dá... Primeiro, o preço do combustível é caríssimo, e segundo, o gelo derrete. Pelo menos no meu modo de pensar, é por esta razão que o melhor para todos nós seria a instalação da fábrica de gelo”, acrescenta, defendendo sua opinião. “O problema é que há moradores e instituições que são contrários a essa ideia, como o Ibama e a Fundação Chico Mendes, mas se pensassem, se refletissem sobre o assunto, veriam que esta é a melhor solução. Mesmo que pequena, a produção de gelo vai contribuir de forma positiva para com a comunidade”, conclui, apostando naquilo que acredita. Entre sorrisos, Manoel relembra: “Se hoje temos escola em Lençóis, foi porque protestamos de forma civilizada. Vamos partir para outra conquista...”.

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OS MISTÉRIOS DA ILHAMuito prazer, meu menino, e seja bem-vindo a Lençóis. Espero que você goste de ouvir histórias, pois

eu tenho algumas para te contar.Meu nome é Elena Silva, tenho 57 anos e sou filha desta ilha. Nasci e me criei aqui, e daqui não vou

sair. Meus filhos querem que eu vá morar com eles em São Luís ou em Apicum-Açu. Mas por mim, eles podem continuar insistindo. Aqui é meu lugar... Lugar onde cresci rodeada de encantarias e ouvindo as histórias que minha mãe contava. Quer ouvi-las?

Minha mãezinha contava que as morrarias se moviam, iam de um lado para o outro, deixando objetos preciosos em seu rastro. Encontravam anéis, xícaras, pires... tudo em ouro! “Era tudo do rei Sebastião”, afirmava minha mãe.

Sebastião, rei de Portugal, foi o fundador de Lençóis. E por isso, muitas pessoas acreditam que ele mora aqui, numa cidade que fica debaixo da maior duna da ilha. Talvez fosse por isso que antigamente encontrávamos os objetos dourados.

Eu nunca vi o rei Sebastião! Bem, pelo menos não em sua forma humana, apenas em sua forma de ser encantado: um boi. Me lembro como se tivesse acontecido ontem...

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... Um dia, quando eu ainda era menina, fui colher frutas com minha irmã e levei o maior susto de toda a minha vida! Eu me afastei para apanhar frutos em outra árvore e dei de cara com o boi. Na verdade, eu acho que era um touro, mas sem chifres. Aí eu comecei a gritar feito louca: “Corre... Corre... O boi vai nos pegar.” Eu dizia tudo isso para minha irmã, mas ela falava que não estava vendo nada.“Você está ficando cega? Olha o boi, minha irmã, bem ali”, apontava para o animal, e mesmo assim ela não via. Era só eu quem via o bicho! E o resultado dessa experiência assustadora veio mais tarde, depois de um mês, mais ou menos, quando caí doente e só me recuperei com ajuda de uma mulher que fazia benzeduras!

Ao encher minha xícara com café, Elena sorri dis-cretamente, diz que os mistérios não param por aqui e pergunta se eu queria ouvir mais. Não precisava nem ter perguntado, era óbvio que sim.

Como eu disse anteriormente, muitas pessoas acreditam que o rei mora aqui, e eu sou uma delas. Contam que ao chegar, Sebastião vai logo pedindo sua roupa de rei: espada, coroa e manto.

Certa vez, ouvi o cavalo do rei Sebastião a galopar pela praia. Meu marido estava colhendo camarão, meu filho estava na sala e eu na cozinha, quando, de repente, ouvi o galope. Querendo ver o que era, corri para abrir a janela, e uma voz estranha dizia dentro da minha cabeça: “Não faça isso! Não abra essa janela. Você não pode olhar.” Eu fiquei foi é muito assustada e fui correndo falar para meu menino não abrir a janela. Pedi para ele ficar quietinho e expliquei que era ordem de Sebastião.

Quando meu marido voltou, fui mais que depressa contar para ele o que tinha acontecido em sua ausência. Ele não acreditou em mim, e ainda por cima disse que não existe cavalo fantasma. Meu filho concordou com ele. Só sei de uma coisa, eu não estou ficando louca, até mesmo porque eu não fui a única quem viu e ouviu o cavalão. Turistas, gente que nem mora aqui, ouviram as passadas do animal, confirmando minha história. Como posso estar ficando louca?

Tem gente que não acredita no poder do rei Sebastião e ainda sai falando um monte de bobagem por aí, fazendo o que bem entender, desrespeitando a vontade do rei. Vou contar outra história...

... Havia um jogador de tarô que morava num rancho, pertinho da maior duna de Lençóis, e ele mesmo conta que desacatou a uma ordem do rei. Segundo o jogador, Sebastião teria mandado que ele desmon-tasse seu ranchinho, pois este havia sido construído no caminho por onde o senhor do reino passaria com sua carruagem. Como não estava na ilha ao receber a mensagem, o pobre moço não pôde fazer nada, e depois de alguns dias, quando ele voltava a Lençóis, sofreu um tremendo acidente que quase lhe custou a vida. O homem quebrou todos os dentes e teve vários cortes na cabeça. Mas o espanto maior foi quando ele viu que seu rancho havia sido demolido misteriosamente.

Sebastião mora aqui e é nosso padroeiro. Sei que ele é uma alma muito boa. Sempre rezo para que ele nos traga coisas boas. Aliás, foi ele quem nos ajudou a trazer a energia elétrica e a escola.

Para você ter certeza de como o rei é bondoso com a gente, vou te contar outra história...

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... Sabe o que aconteceu no dia da estreia do Brasil na Copa do Mundo? Acabou a luz, bem quando fal-tavam poucos minutos para o início da partida. Foi um “Sebastião que nos acuda”. Muitas pessoas tinham perdido a esperança e começaram a acender velas, mas eu não! Coloquei-me a rezar e fui logo falando: “E aí, meu Sebastião, qual é? O senhor quer energia ou não? Mande a luz de volta, por favor”. E não é que a energia voltou, menino! Voltou e está aqui até agora.

Vou te contar mais uma coisa, a que me fez crer que Lençóis é mesmo mágica. Eram cinco horas da manhã quando um rapaz aprontou seu barco à vela para ir até a cidade fazer pão.

Ele mora na ilha de Bate-Vento e conta que quando estava navegando perto de Lençóis, pôde ver a ilha toda tremendo. Ele voltou e chamou outras pessoas para que vissem Lençóis, que, além de tremer bas-tante, estava toda iluminada por coloridos fachos de luz.

Em meio a tantas encantarias, há uma na qual eu não acredito de jeito nenhum. Na que dizem por aí que rei Sebastião é o pai das pessoas albinas que vivem em Lençóis. Claro que não é! Depois ainda dizem que sou eu quem estou ficando louca. Isso não é possível, até porque Sebastião é um espírito, e espíritos não fazem filhos.

Tenho comigo que isso é pura obra da natu-reza humana. Coisa que começa lá atrás e vem passando de um para o outro. De mãe pra filho, sabe?! Sou um bom exemplo disso, pois sou neta de avó branca, tenho irmã branca, sou tia de sobrinhas brancas, sou avó de netas brancas e meu filho é da minha cor. Minha mãe contava que cada integrante de nossa família botou um filho branco (albino). É mesmo coisa de família

e não do rei Sebastião. Mas diferente de mim, tem gente que acredita nisso e em outras besteiras, como minha sobrinha Telma, que certa vez, querendo justificar sua cor a um repórter de revista, confirmou o absurdo de que os albinos eram filhos da lua. Olha o que ela foi capaz de falar! Por causa disso, ficamos conhecidos como Filhos da Lua. Mas graças a Sebastião, a maioria dos nativos não aceita mais esse apelido.

Quanto aos albinos, é preciso que o senhor saiba que essa gente sofre muito por causa do forte sol. Na verdade, todos nós sofremos com isso. Alguns dias atrás, minha pele estava parecendo um couro grosso, um casco. Essa é a falta que faz o protetor solar, coisa que é rara e de preço alto por aqui. Nem todo mundo tem condições de comprar. Tente imaginar como fica a pele das crianças branquinhas!

Muitos nativos trocaram o dia pela noite, fazendo as tarefas diurnas na companhia da lua. Um jeitinho de se esconder do sol.

Às vezes, pessoas nos enviam protetores e cremes hidratantes. Um dos meus trabalhos é recolher água doce nos pés das dunas, e para eu não me torrar no sol,

improvisei meu próprio protetor solar, visto uma blusa de frio. Ainda não me acostumei, mas logo devo me acostumar.

Sou Elena Silva e essa é minha história, ou melhor dizendo, um pedacinho da minha história.

Boi pinTado pelas crianças de Lençóis

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“ISSO AQUI É ENCANTADO, MEU SENHOR”

Meu nome é Telma, tenho 45 anos e sou filha de santo. Minha mãe era da minha cor e morreu por causa do câncer que teve na pele. Não tinha como curar sua doença e acabou por falecer. Como Elena mes-ma disse, “protetor solar é muito caro”. Mas eu também abuso, viu! Na verdade, eu tenho que abusar... Meu trabalho é apanhar água nas dunas. Carrego inúmeros baldes d’água por dia. Além dos problemas trazidos pelo sol, sinto uma dor terrível na coluna. Que posso fazer?! Para minha sorte eu moro neste paraíso!

Conheço essa ilha todinha, todinha mesmo... É a minha ilha! Eu não troco ela por nenhuma cidade, meu senhor. Aqui não tem violência. E você não tem ideia de como isso aqui é encantado, meu menino. A gente está sentado em cima de uma cidade, sabia? Bem aqui, debaixo desta duna, existe uma cidade enorme. O galo canta aqui debaixo... A gente ouve o galo cantar. Tem até tambor! Muitas vezes escutei som de tambor vindo das morrarias. Era um som muito lindo. Os encantados vivem debaixo das dunas. Só visita a cidade quem o rei Sebastião deixa, pois a praia e a vila pertencem a ele. Na verdade, tudo pertence a ele, os pássaro, as dunas, os coqueiros, as conchas do mar e todo o resto das coisas, de modo que se alguém pegar alguma coisinha sem permissão e tentar levar embora daqui, a embarcação afunda, e se não afundar, fica parada no mesmo lugar! O sujeito não foge, não leva nada da ilha, pelo menos não sem permissão. O rei Sebastião é muito bom e justo, rezo sempre para ele.

Minha tia Elena e eu dançamos Mina! Durante o ritual do tambor de Mina, a gente chama o Sebastião e ele vem. Ele vem!!! Adoro dançar no ritual e na festa do boi. Dançar e cantar é minha alegria. Eu danço é muito... Adoro!

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91 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

E o senhor acredita se eu disser que mesmo no paraíso a vida tem momentos complicados? A res-peito da saúde eu já contei, falta dinheiro para comprar o protetor solar, o que acaba prejudicando nossa saúde, ainda mais colhendo água há mais de quatro anos, como Elena. A gente faz uma rodilha de pano na cabeça para equilibrar o balde e não machucar o couro, mas o sol não tem jeito. Às vezes, falta dinheiro até mesmo para pagar a energia, algo em torno de 16 reais todo mês. Para muitos pode parecer pouco, mas para nós, não. Eu não tenho televisão e nem geladeira. Nada além de um radinho, e mesmo assim, tenho que pagar o valor que todos pagam. É muito caro para mim! Para o senhor ter ideia, eu moro numa casinha bem pequenina no fundo do quintal da casa da minha tia. Como pode isso?

Tem que deixar as coisas mais baratas para gente! Falam sobre uma fábrica de gelo que pode vir para ilha, coisa que gerava emprego. Eu duvido! E se vier, tomara que não aconteça o mesmo que aconteceu com o telefone público da Oi. Uma vez, veio um pessoal instalar o telefone, cercaram tudo... Estava ficando lindo! Agora, vai lá para o senhor ver, não funciona nada. Quem tem celular consegue falar com os filhos, parentes e amigos que vivem fora da ilha, nas cidades, e quem não tem é obrigado a pedir emprestado. Nem eu nem Elena tivemos ainda condições de comprar um aparelho celular. É muito caro!

Certo dia, um senhor veio aqui e conheceu minha história. Ele viu que eu tinha que colher madeira de-baixo do sol para poder cozinhar, ficou comovido e disse que ia me dar um fogão à gás e uma geladeira. Você acredita que algum olhão (invejoso) foi dizer para ele não me dar nada, pois, segundo as más línguas, eu tinha o péssimo costume de vender tudo que ganhava? Por culpa de algum olho grande, eu fiquei foi é sem nada. Até no paraíso há momentos tristes, viu só?!

Mas o que importa é que sou muito feliz e mal posso esperar pela festa do Boi. Quero me divertir muito (...).

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92 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Quando precisam de água, os ilhéus cavam buracos nas proximidades de lagos e dunas e es-peram o líquido minar (foto), em seguida, retiram o necessário para encher seus baldes e voltam para o vilarejo. “Quando não tenho que fazer entregas de água, caminho cerca de 450 metros para voltar para minha casa”, conta Telma.

Absorvendo as águas provenientes de chuvas e lagos, as dunas desempenham a importante função de um gigantesco filtro natural, disponibilizando água fresca e, o mais importante, potá-vel, pronta para beber e cozinhar.

Assim como cuidar de casa, buscar troncos secos para fazer carvão e cuidar dos filhos, a ta-refa de buscar água é habitualmente realizada pelas mulheres da ilha. Vale ressaltar que todo trabalho, principal-mente aqueles que envolvem força física, é feito na parte da manhã e du-rante o entardecer, quando o sol está ameno.

“Das dez da manhã às quatro da tarde, é muito difícil ver gente fora de casa. Estão todos se protegendo con-tra o sol... Mas como sou teimosa, às vezes você me vê por aí”, confessa, em tom jocoso, a filha de santo.

MulHeres caTadoras de água, colegas de Telma

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93 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

D. SebasTião, neto de João III e dé-cimo sexto rei de Portugal, foi morto aos 24 anos de idade, em 4 de agosto de 1578, na batalha de Alcácer-Quibir, nas areias desertas do Marrocos, quando o exército português fora quase dizimado pelas tropas inimigas. Desastre que colocou em risco a independência do país.SebasTianismo. O fato de o corpo do

jovem rei nunca ter sido encontrado desen-cadeou uma porção de lendas. Acreditavam--se, por exemplo, que rei Sebastião estava vivo, escondido em algum lugar, planejando um contra-ataque para libertar o reinado por-tuguês do domínio estrangeiro que, por falta de herdeiros, ficou sob o poder de Filipe II, da Espanha.

O sebastianismo é, portanto, a não confor-mação com a opinião e costumes de outrem ou com qualquer situação. Neste caso, a maioria não aceitava que d. Sebastião estivesse morto, e os poucos que acreditavam em sua morte estavam convictos da ressurreição do rei, que vol-taria unicamente para salvar o povo português do império filipino.

Enquanto alguns dos moradores de Lençóis estão certos de que rei Sebastião teria chega-do ao arquipélago do Maiaú exausto, querendo se escon-

der da guerra da qual fugiu, outros creem que o rei se transformou em um ser encantado e escolheu Len-çóis como morada pelo fato de as dunas se parecerem com o cenário de sua última batalha. Já a peque-na minoria defende a ideia de que Sebastião procurava um local para descansar, pois tinha terminado seu reinado, e que foi graças à bela na-tureza de Lençóis que ele a escolheu para ser sua nova casa. Versões não faltam!

Rei Sebastião, padroeiro de Len-çóis, recebeu um oratório em sua homenagem, O Glorioso Sebastião, montado na sala Saturnino do Memo-rial Rei Sebastião, no norte da ilha.

O sebasTianismoD. SebasTião,por CrisTóvãode Morais

Rei SebasTião: PinTura feiTa pelas crianças de Lençóis

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94 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

AS REGIÕES DE LENÇÓISAtualmente, a comunidade de Lençóis está situada na zona norte da ilha, mas segundo Ele-

na, não faz muito tempo que os nativos se instalaram nesta região. “Nossa ilha era muito maior do que é hoje... A gente morava lá perto do mar da Pancada, no lesTe. Onde se vê troncos de

mangues, era onde morávamos. Se agora estamos aqui, foi por causa do avanço do mar e das dunas, que mudam sempre de lugar, principalmente no verão. Quando viemos para o norte, há alguns anos, não era preciso re-tirar areia de nossas casas, mas as dunas são teimosas, se apro-ximaram novamente, e hoje, por exemplo, é necessário tirar areia de nossas portas, coisa que a gente faz dia a dia. A escolinha

fica cheia de areia branca das morrarias”, relata a moradora.

A região sul, onde está o mangue da Enseada,

a lagoa do Jeju e o lago do Toco, é a mais pantanosa de todas. A prática de atividades pesquei-ras e avistamento de aves ma-rinhas são frequentes nesta parte da ilha, que também apresenta a maior diversida-de de plantas do arquipélago.

O oesTe é o local da ponta do Gino e do Estrondo, enorme morraria de onde os moradores afirmam ecoar som de tambores de Mina durante a madrugada.

Na região norTe está loca-lizado o vilarejo de Lençóis, o mangue da Bordada, a Morra-ria, o poço de água, os moinhos (energia eólica), a biblioteca e o Cajueiro dos Anjos, lugar onde, segundo Nango, os anjos da ilha são enterrados quando morrem.

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95 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Nango mostra rede que guarda os nomes dos primeiros

moradores de Lençóis, como o de seu bisavô Boron

adornos demonsTram a cultura da ilHaO ONTEM, O HOJE E O AMANHÃNango, filho de Manoel Carlos Oliveira, tem 25 anos e é um dos voluntariados que trabalha

na biblioteca do Memorial Rei Sebastião, pequeno museu dedicado ao passado (nos permite conhecer avelhantadas e ricas histórias, como a da fundação de Lençóis e seus findos contos), ao presente (traça um parâmetro entre o ontem e o amanhã, revelando quais foram as conquis-tas dos moradores, como a luz e a escola, e os benefícios que estas trazem para o cotidiano da comunidade) e ao futuro (por meio de documentos e livros, o memorial objetiva conscientizar e educar a nova geração de crianças).

Além disso, o Memorial Rei Sebastião nos apresenta as tradições culturais da ilha, como, por exemplo, o tambor de Mina, e nos conta histórias para lá de interessantes, como a do se-nhor Saturnino, que faleceu aos 114 anos de idade e que, de acordo com as informações da biblioteca, foi o responsável pela denominação Filhos da Lua. Certa vez, querendo se livrar de

um repórter, Saturnino disse que os albinos eram “filhos da Lua”, pois as mulheres de Lençóis ficavam hipnotizadas durante as noites de luar e mantinham relações sexuais com as areias das morrarias que mais refletiam o tom prateado do satélite, ficando grávidas e dando à luz bebês brancos, albinos.

Por falar em histórias, Nango guarda viva a lembrança do dia em que salvou seu avô de um naufrágio. “Eu tinha 15 anos e estava nave-gando com meu avô, quando, de repente, o barco bateu em um banco de areia. Com a força do impacto, meu avô foi arremessado para den-tro do mar e o casco do barco passou por cima de sua cabeça, cor-tando bastante. A primeira e talvez única reação que tive foi agarrar nos cabelos do meu avô e puxá-lo para fora d’água. Ele sobreviveu! O acidente aconteceu perto de outras pessoas, e graças a isso fomos socorridos rapidamente”, relembra o pescador, cheio de emoção.

O Memorial Rei Sebastião é parada obrigaTória àqueles que visitam Lençóis e/ou realizam pesquisa sobre a história da ilha.

VesTimenTas do riTual de Mina

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DO TAMBOR AO BOI

Não era muito tarde quando voltava de outra caminhada com Elena e Telma e en-contrei o pai de Nango, Manoel Carlos Oli-veira, trabalhando na confecção de um ar-tesanato (foto). Suas mãos se moviam de um lado para o outro com majestosa habilidade, afiadas navalhas aparavam os pelos do couro de cabra e uma faca dava os ajustes finais ao chamado tambor de Mina. Nunca ouviu falar?!Tambor de Mina é a denominação do Maranhão para os cultos de origem africana que

foram introduzidos no Brasil por meio dos negros descendentes de jeje (povo que habita Gana, Benin e Togo, na África) e nagô (nome dado a todo negro da Costa dos Escravos que falava o idio-ma iorubá) entre 1750 e 1850, quando foram trazidos para trabalhar na região Norte do país. É uma religião de possessão, onde o som dos tambores estabelece a comunicação com as entida-

des espirituais, também conhecidas como seres encantados, que são cultuadas pelo pai de san-to durante o ritual chamado tambor. Quanto à denominação tambor de Mina, esta se dá pelo fato de o instrumento ser típico da Costa da Mina, região que corresponde ao Golfo da Gui-né, reentrância na Costa Ocidental da África.

CURIOSIDADESA) Cerca de 90% dos participantes do culto são

mulheres, o que se faz acreditar na existência de um matriarca na religião.

B) Às vezes, as festas de tradições culturais, como a do bumba-meu-boi e do divino Espírito Santo, por exemplo, são comemoradas nos terreiros de tambor de Mina a pedido das próprias entidades.

Em Lençóis, comemora-se a festa do bumba--meu-boi de sotaque zabumba, evento mais aguardado entre os moradores da ilha, principal-mente por Telma, que, como ela mesma diz: “Eu danço é muito... Dançar no ritual do tambor e na festa do boi me traz muita alegria”.

Manoel TrabalHando na confecção do Tambor de Mina

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a pescaria é a principal fonte de renda de inúmeras famílias que vivem em Lençóis e também ingrediente es-sencial na culinária local.

Quem nunca viu um barco à deriva com um pescador prestes a arremessar sua rede no mar, ou crianças caiçaras que fazem da pesca uma divertida competição, como mostra a fotografia da página 94?

Cenas como essas são corriqueiras na ilha, estreitando a relação dos nativos de Lençóis com a pescaria.

A qualquer momento do dia, há sempre um pescador que deixa sua casa e parte para o mar. Alguns chegam a passar dias navegando, atividade que tem como resultado frutos do mar e pei-xes fresquinhos a toda hora. Frescos e deleitosos, ainda mais quando preparados por Laura, dona de receitas para Chef de Cuisine nenhum menoscabar. Em seu menu; camarão VG cozido ao vapor (foto), robalo com leite de coco caseiro — delicioso —, en-sopados e guisados de peixe. E você ainda pode combinar um valor que te dá direito a fazer três refeições diárias (dejejum, almoço e jantar). Esteja certo de que valerá a pena, mormente pelo sabor ímpar que Laura dá às iguarias.

Assim como os adultos, as crianças têm vasto repertório de histórias encantadas para te contar. Dê ouvidos a elas! Dê ouvidos à sua criança interior. Os “pescadores de mito” guardam fábulas que irão te surpreender.

Reserve um dia, ou to-dos, para viver e sentir a cultura deste vilarejo re-pleto de magia. Explore os quatro cantos da ilha, vá à praia da Pancada e aproveite as piscinas de águas cristalinas que se espalham pelo caminho, e em hipótese alguma deixe de assistir ao pôr--do-sol do alto das morrarias. É digno de aplausos, e com certeza absoluta ficará registrado para sempre em sua memória. Enfim, viva cada segundo com a plena convic-ção de ser alguém privilegiado, visto que nem todos têm a oportunidade de ir à mágica Ilha dos Lençóis.

Pescadores reTornam à ilHa com 6 corvinas

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Ilha dos Lençóis não é o mesmo que Lençóis Maranhenses de Barreirinhas

ilHa dos lençóis

São LuÍs

barreirinHas

Esta é uma das principais queixas entre os nativos de Lençóis. “Nossa ilha precisa ser divulgada, é preciso investir no turismo. Somente os lençóis maranhenses de Barreirinhas são divulgados”, reclama Manoel Carlos Oliveira. Concordo com Manoel, mas tenho medo daquilo que o turismo desenfreado pode causar. Já o ecoturismo consciente pode, sim, ser renda extra às famílias guardadas pelo rei Sebastião e eficaz ferramenta de divulgação e preservação do arquipélago do Maiaú em geral.

Não confunda ilHa dos Lençóis com lençóis maranHenses

de BarreirinHas!

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o pequeno roberT

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o curioso olHar de um anjo

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fuTebol em dia de Brasil na Copa do mundo

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simplesmenTe feérico!

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acampamenTo de pescadores

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eis a maior morraria de Lençóis, onde especula-se exisTir uma cidade subTerrânea!

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“a gente morava lá perTo do mar da Pancada. Onde se vê Troncos de mangues, é onde morávamos”, Elena

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esperando a água minar

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107 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

a TrisTe Hora de parTir parece sem-pre chegar de forma intempestiva, só para acabar com nossa alegria. Alguém sabe me dizer por que o relógio “tique-taca” tão velozmente quando estamos fazendo algo que nos dá prazer? Nestas ocasiões, os minutos não poderiam se transformar em horas, e essas se transformarem em dias, como acontece nos momentos de tristeza, dor ou paúra? Coisa cha-ta! Por que temos que partir?

Essas perguntas começaram a me atormentar logo que abri meus olhos pela manhã. E para fugir das questões sem respostas, tentei fixar meu pensamento no último final de tarde que pre-senciei em Lençóis, quando o pôr-do-sol, em nuances de cores que remetia às telas de Portinari, matizava o céu do rei Sebastião, um espetáculo mais-que-perfeito. Outra obra assinada pela natureza. Só tinha a agradecer a Deus e a Tião — com todo respeito — pela oportunidade única.

Da janela do meu quarto, observava o sol que ia conquistando seu espaço no céu, as crian-ças que aproveitavam as primeiras horas do dia para brincar e os pássaros que partiam em revoada. Lágrimas faceiras escorriam pelo meu rosto.

Qual imagem levo de Lençóis? Bem, suponhamos que você estivesse participando daqueles jogos que consistem em sortear uma palavra e dar seu significado para que os demais participantes possam descobrir do que se trata. Agora, vamos imaginar que a palavra sorteada foi paraíso. Qual significado você daria? Não é tão fácil quanto parece, por isso vejamos o que está escrito no dicionário Michaelis:

s. m. 1. teol. Éden, lugar onde, segundo a Bíblia, Deus pôs Adão e Eva depois de criados. 2. Lugar muito aprazível. 3. teol. Céu, bem-aventurança, lugar onde se acham as almas dos justos e os anjos.

À essas definições acrescento os sorrisos, os olhares, os abraços, o carisma e o coração das pessoas que conheci na Ilha dos Lençóis. Vou torcer para que as fotografias possam transmitir a incrível energia que senti.

Faltavam poucas horas para a maré atingir o nível que nos permitia partir (explicação: os bar-cos ficam encalhados, sendo preciso esperar que a maré suba e os faça flutuar novamente), ou

seja, não me restava nada além das despe-didas. Mas para evitar choradeiras, uma des-pedida rápida foi a solução que encontrei. Infelizmente, não consegui encontrar Telma para poder lhe dizer até logo.

Tentei não sucumbir à dor da partida, mas foi inútil. Deixei Lençóis com o coração aper-tado e com aquela estranha sensação de nós entalados na goela. Era hora de conhecer no-vos horizontes.

“Nuca me esquecerei da Terra onde o sobrenaTural é naTural!”

Sob um sol de racHar (40 ºC), o TrajeTo de volTa levou pouco mais de 4 Horas, Tempo suficienTe para almoçar em pleno aTlânTico

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PorTal de acesso a Lençóis. VolTando para apicum-açu.

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diariamenTe, Os moradores de Lençóis enfrenTam um poderoso inimigo: o Sol. O alTo preço dos proTeTores e HidraTanTes com filTro solar os deixam vulneráveis aos raios uva e uvb, causando-lHes danos à saúde.

caso você seja solidário e Tenha inTeresse em ajudá-los nesTa luTa, basTa enviar proTeTores e HidraTanTes (brinquedos e livros são bem-vindos!) para:

Manoel Oliveira (ilHa dos Lençóis)Rua MaranHão sobrinHo, casa 108bairro São BenediTo/CururupuCep 65268-000 - MaranHão

ou

Laura (IlHa dos Lençóis)avenida Gregório CasTro, 45

TabaTinga / apicum-açucep 65275-000 - MaranHão

OBS.: se você deseja enviar algo para alguém que conHeceu nesTas páginas, é preciso escrever o nome da pessoa enTre parênTeses, por exemplo:

Manoel Oliveira (IlHa dos Lençóis / para Telma)Laura (ilHa dos Lençóis / para disTribuir)

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SOPA DE CAMARÃOIngredientes

– 1 kg de camarões médios, sem cascas – 2 colheres (sopa) de suco de limão – 2 colheres (sopa) de cheiro-verde, co-

entro, salsa e cebolinha verde, picados – sal e pimenta-do-reino a gosto – 1 dente de alho amassado – 1 colher (sopa) de manteiga – 1 colher (sopa) de azeite de oliva – 2 colheres (sopa) de extrato de tomate – 4 gemas – 1 xícara de purê de batatas – 4 colheres (sopa) de farinha de trigo – 4 xícaras de água fervente – 1 copo de requeijão cremoso – 1 lata de creme de leite

Modo de preparoTempere os camarões usando o suco do limão, o alho, o cheiro-verde, o sal e a pi-menta a gosto, deixando descansar por meia hora ou mais. Em uma panela, colo-que o azeite e a manteiga; e adicione os camarões, o extrato de tomate e cozinhe por, aproximadamente, 5 minutos ou até que os camarões fiquem avermelhados. Em outro recipiente, junte o purê de ba-tatas, as gemas, a farinha de trigo dissol-vida em meia xícara da água fervente, o creme de leite e o requeijão, e misture o melhor que puder. Acrescente a mistura à panela e adicione o restante da água. Cozinhe, mexendo sem intervalos, até a sopa ficar espessa.

cozinHa Típica

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do maranHão para...

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AMAZONAS

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arara canindé

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Rio Negro e rio Solimões

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Diversão no rio Solimões

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BoTo cor-de-rosa

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Meninas da Tribo Ipixuna

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Dessanas

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ariaú

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O nome AMAZONAS faz alusão à mitologia grega que narra a história de uma sociedade rudimentar formada por mulheres guerreiras, as amazonas, que eram lideradas por Hipólita, rainha guerreira e filha de Ares (filho de Zeus, o

soberano dos deuses). De acordo com o mito, as amazonas não aceitavam a permanência de homens em suas tribos,

sendo capazes até mesmo de matar seus próprios filhos.

Ávido por encontrar ouro, em 1541, o espanhol Francisco de Orellana partiu dos Andes e navegou até o Norte do Brasil por meio de um enorme rio, naquela época denominado rio Grande, Dulce Mar e rio da Canela. Em determinado trecho de sua rota, Orellana se deparou com uma tribo composta de belas índias que, segundo seu relato, moravam em ocas de pedras, se armavam com arcos e flechas, eram brancas, altas, andavam nuas e viviam na opulência, com infinita riqueza em ouro.

De volta à Europa, Orellana contou ao rei Carlos V que as mulheres haviam derrotado toda a tropa

espanhola quando tentaram invadir o território delas. Então, influenciado pela clássica mitologia, Carlos V batizou o rio e a região de Amazonas. Fato que, no século XVI, deu origem à lenda de que as guerreiras mitológicas povoavam as margens do rio Amazonas.

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122 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Salas e conexões acabaram com outras 24 horas. Aterrissei no Aeroporto Internacional Edu-ardo Gomes, em Manaus, na madrugada do dia 22 de junho, e rapidamente fui pedir referências sobre hotéis e pousadas em um guichê customizado de selva, onde os funcionário trajavam-se como soldados do exército. Penei para identificar que aquela “base da força armada brasileira” era, na verdade, a cabine de informações turísticas!

Quase caí de costas ao segurar a lista de hotéis que me deram. Algumas diárias ultrapassa-vam o mísero valor de quatro mil reais. Totalmente fora da minha realidade. E ao explicar (em detalhes) aquilo que procurava, recebi algumas dezenas de panfletos com valores baixíssimos.

Escolhi uma pousada pela aparência e pelo preço, e pedi para que o taxista me levasse até o local. Após arregalar os olhos, me olhando pelo retrovisor, o motorista perguntou se eu era ma-luco de querer me hospedar numa casa que, nas palavras dele, “ficava completamente enfiada no meio do mato”. Aí foi a minha vez de arregalar os olhos. O senhor que estava no comando do táxi então me sugeriu um hotel que ficava no centro da capital, argumentando que as instala-ções eram ótimas e o preço acessível. Como eu não tinha nada a perder, simplesmente aceitei a sugestão. Conclusão: tudo era perfeito, desde o preço até a localização. Ah, e ainda por cima ganhei desconto nas diárias. “Maravilha!”, pensei, afinal, neste tipo de viagem, cada centavo economizado é mais que bem-vindo e quisto.

No quarto, colhi diversas informações e dicas que poderiam ser úteis no dia seguinte, e antes de dormir, explorei mais da história manauara, a começar pelo topônimo Manaus, que deriva da antiga tribo indígena que vivia na região, os Manaós.

PorTo de Manaus

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Localizado na região Norte do país, à margem esquerda do rio Negro e a 18 Km do rio Amazonas, Manaus, a capital do maior estado brasileiro (nota: a área total do Amazonas é de 11.420 km²), se estabeleceu como colônia no ano de 1669, após a construção do forte São José do Rio Ne-gro. Em 1832, o povoado que se formou em torno deste forte foi elevado à categoria de vila e recebeu o nome de Manaus. Dezesseis anos mais tarde, em 24 de outubro de 1848, a vila foi elevada à condição de cidade e adotou o nome de Cidade da Barra do Rio Negro. Por fim, em 1856 foi novamente nomeada de Manaus.

Segundo dados do IBGE, a capital abriga hoje cerca de 2 milhões de habitantes, número que faz desta a oitava cidade mais populosa do Brasil. Vale lembrar que o Ciclo da Borracha, que teve seu auge entre 1879 e 1912, foi fator de grande importância para o desenvolvimento cul-tural e econômico da capital.

No século XX, com a decadência da borracha (o que foi culpa dos ingleses, pois eles contra-bandeavam sementes de seringueira para cultivá-las em suas colônias no sul do continente asi-ático), foi criada a Zona Franca de Manaus, que tinha como objetivo manter o desenvolvimento de Manaus e suas abrangências.

Além de ser conhecida nacional e internacionalmente como palco de manifestações folclóri-cas, no mais das vezes Manaus é lembrada por muitas pessoas como sendo o “portão de entra-da” para a maior floresta tropical do mundo, a floresta amazônica.

Com o nascer do sol, minha paixão por coisas raras me levou direTo ao...

Construído em 1896, o Teatro Amazonas foi palco de grandiosos espetáculos europeus financiados por barões da borracha. Localizado no centro de Manaus, o monumento de arquitetura neoclássica é o principal símbolo do Ciclo da Borracha. Entre seus adornos destacam-se a cúpula — composta por 36 mil peças de cerâmica esmaltadas em formato de escamas e coloração em analogia à bandeira nacional —, o hall de entrada — todo em mármore português — e a escadaria — trabalhada em mármore italiano. Com capacidade para público de 701 pessoas, o Teatro Amazonas é o segundo maior teatro da região amazônica, ficando atrás apenas do Teatro da Paz, em Belém do Pará.

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RIO NEGRO E SOLIMÕES

Foi no notável Porto Flutuante de Manaus que embarquei numa “gaiola” (barco espe-cífico para passeios turísticos e também transporte coletivo fluvial) para ir ao Encon-tro das Águas, onde o rio Negro junta-se ao Solimões, dando origem ao rio Amazonas.

Além da vida que se espalha na engrena-gem da biodiversidade, é possível observar certas peculiaridades durante o trajeto de 18 Km, como, por exemplo, postos de com-bustíveis, oficinas mecânicas e até fábrica de gelo flutuando sobre as águas! Solução para que os estabelecimentos comerciais operem tanto na época da cheia (de mar-ço a final de agosto) quanto na vazante do rio Negro. Tocando no assunto...

... As grandes cheias são provenientes da água das chuvas somada ao degelo da Cordilheira dos Andes, no Peru, país onde nasce o Rio Amazonas e ao qual po-demos chegar navegando (info: são dois 2.000 km de distância até o município peruano de Iquito, viagem que em média dura 12 dias).

O rio Negro tem sua nascente em terri-tório colombiano, em uma região chama-da Vila Vicente, porém, por causa de tre-chos rochosos e diversas quedas d’água, é impossível alcançá-lo navegando.

Sim, a fotografia aqui ao lado é real, sem nada de Photoshop ou truques do gênero. Posso apostar que você está se perguntando como as águas de ambos os rios não se misturam. Acertei? Bem, são vários os fatores que con-tribuem para este fenômeno, e basta desvendar o porquê das cores para conhecermos alguns deles. Vamos lá!

Por causa da velocidade de 9 km/h (o que, segundo especialistas da área, é muito rápido), o rio Amazonas movimenta o barro concentrado em seu leito, originando a cor marrom. Já a co-loração do rio Negro é resultado de enorme quantidade de material orgânico em decomposição e da existência de uma rocha escura no fundo de seu leito. Mais lento que o Amazonas, sua velocidade varia entre 2 e 3 km/h.

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A diferença de temperatura entre os rios Negro e So-limões, que oscila de 25 a 26 graus no primeiro e de 20 a 21 graus no segundo, e a densidade da água, que é muito maior no Solimões, são outros fatores que tornam possível este espetáculo natural.

Depois de 17 quilômetros sem se misturarem, a cor barrenta do Solimões prevalece, transformando-se em um único rio, e passa a se chamar Amazonas.

A profundidade no Encontro das Águas varia entre 85 e 90 metros, o que é uma piscina infantil se compa-rarmos com a parte mais profunda do

rio Amazonas, que é de 250 metros, o equivalente a um prédio de 83 andares. Fa-lando em dimensões, a parte mais larga do rio Ama-zonas mede 95 km. Quanto ao rio Negro, sua profun-didade máxima é de 95 metros, e de uma margem a outra pode ultrapassar 24 km.

O porto flutuante de Manaus está localizado na parte mais estreita do rio Negro, onde a distância entre as margens é de “apenas” 8 km. O número de ilhas sobre este rio também impressiona, são 485 ao todo, e a última delas, Marapatá, fica a poucos metros do Encontro das Água.

ALGUMAS CURIOSIDADES – A extensão de 6.868 quilômetros rendeu ao rio Amazonas o título de rio mais longo do planeta. – O rio Amazonas representa 17% de toda água doce — em estado líquido — da Terra. – Existem três tipos de rios na Amazônia: os de água

marrom (ex. Solimões), os de água preta (ex. rio Negro) e os de água clara (ex. rio Tapajós).

– A área total da Amazônia (grande Amazônia) é de 7.584.421 Km² e abrange os seguintes países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Equador, Suriname, Venezuela, Peru e, também, a Guiana Francesa.

– No Brasil, a Amazônia Legal é composta por nove estados (Amapá, Acre, Amazonas, Pará, Tocantins, Rondônia, Mato Grosso, Roraima e parte do Maranhão) e sua área é de 5 217 423 km².

– A floresta amazônica representa 7% da superfície total do globo terrestre e é o abrigo de 50% da biodiversidade mundial.

Turismólogo compara a coloração das águas

garoTinho nagega calmamenTe pelo rio amazonas

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O conto da vitória-régia nasceu no meio da floresta amazônica, nas al-deias de etnia tupi-guarani, e narra a história do fervoroso amor não cor-respondido de Naiá por Jacy, deus do luar que brilhava no céu a iluminar as noites.

Segundo pajés e caciques, Jacy descia à Terra de quando em quan-do para buscar as jovens mais be-las e virgens das tribos e levá-las consigo para o céu, onde seriam suas eternas companheiras. Sendo assim, as índias ficavam em pol-vorosas nas noites de lua cheia, escalando o topo dos barrancos mais altos para ficarem às vistas do deus que idolatravam e ama-vam acida de tudo. Quando a Lua se escondia, levava a índia de sua preferência e, depois de namorá--la, a transformava em estrela.

Naiá, a guerreira mais linda e habilidosa de todas as tribos, so-nhava ser amada por Jacy, mal podendo esperar pelo dia em que seria escolhida por ele. Os pajés mais experientes tentavam

insistentemente alertar Naiá sobre os poderes e comportamento de Jacy, afirmando que depois do encontro ela perderia todo seu sangue e toda sua carne, pois seria transformada em uma luz condenada a viver no céu. Mas Naiá era irredutível, e sempre partia em busca de seu amor.

Lúgubre, a guerreira não tinha olhos para os índios que tentavam cortejá-la, apenas para Jacy. E em decorrência da sombria tristeza ocasionada pela paixão não correspondida, Naiá dei-xou de se alimentar, fato que acarretou em desnutrição. A obsessão da índia era tão forte que não houve curandeiro que lhe desse jeito.

Certa noite, Naiá parou à margem do maior igarapé de sua aldeia e, sem perceber, chamou a atenção de Jacy, que fez refletir a imagem da Lua sobre a superfície da água. Cega de amor, Naiá não pensou em olhar para o céu, simplesmente se atirou no igarapé na tentativa de al-cançar o deus do luar e acabou se afogando. Jacy, impressionado com o amor da índia, decidiu transformá-la em uma estrela especial, diferente de todas que estão no céu, uma estrela para abrilhantar os rios da Amazônia. Naiá passou a ser a estrela das águas: a vitória-régia.

A LENDA DA VITÓRIA-RÉGIA

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127 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Deve mesmo ter sido ideia de louco! Está vendo essa passarela aqui em cima? Quando cami-nhava sobre ela, senti imensa vontade de mergulhar no rio, no meio do jardim de vitória-régia, e sair nadando. Calma, há explicação para tudo, e neste caso, os termômetros podem tornar inteli-gível: fazia 36 graus. Temperaturas como esta são corriqueiras na cidade de Ribeirão Preto, com as quais estou devidamente acostumado, porém no Amazonas parece não existir vento. Fator que fazia com que a sensação térmica ultrapassasse a marca dos 40 graus. Chegava a dar aflição olhar para as árvores e ver suas copas imóveis, parecendo uma floresta artificial, de plástico verde.

Para minha tristeza, era proibido entrar no rio, e mesmo que fosse permitido, não sei se teria coragem. Mas havia algo que eu tinha que fazer, custasse o que custar: tocar nas plantas.

Você sabia que a vitória-régia é a maior planta ornamental do planeta? Ela pode atingir ex-cepcionais dois metros de diâmetro e suportar o peso de uma criança, caso este seja bem dis-tribuído sobre sua superfície. Esta planta amazônica é famosa também pelo tamanho, beleza e perfume de suas flores, que durante à noite são brancas e durante o dia são vermelhas. É claro que a lenda de Naiá contribuiu para que a vitória-régia alcançasse essa fama, principalmente no Norte do país, onde é mais popular.

Quanto ao nome vitória-régia, este foi o meio que os ingleses encontraram para homenagear a rainha Victória, da Inglaterra, quando o explorador alemão Robert Hermann levou uma porção de sementes da planta para o jardim do palácio inglês. Portanto, não estranhe ao ouvir nomes como jaçanã, aguapé, irupé, aguapé-açú, entre outros, pois são denominações indígenas.

Muitas amazonenses brincam dizendo que “as mulheres deveriam ser como a vitória-régia, porque elas são enrugadas quando novinhas e lisinhas quando velhas”. É brincadeira?!

Na embarcação em que eu estava, havia uma turista japonesa que parecia enxergar somente através da teleobjetiva de sua câmera fotográfica. Se mosquitos passassem voando perto dela, fotografava! Logo, puxei papo com ela, e na hora do almoço, em um restaurante flutuante, perto do lago dos aguapés, conhecemos uma jovem e simpática garçonete apaixonada pela vida sel-vagem. Para a japonesa conseguir entender, eu tinha que repetir em inglês todas as palavras que a mulher dizia. Para não perder as informações, gravei toda a conversa e fiz várias anota-ções em guardanapos improvisados. Veja:

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O peixe-boi é um mamífero aquático nativo da Amazônia que, quando adulto, pode medir 2,8 m e pesar 450 kg. Diferente de seu parente marinho, o peixe-boi não tem unhas em suas nadadeiras. Sua alimentação baseia-se em plantas aquáticas. Estudos comprovaram que este animal tem vida longa, podendo viver por até 70 anos. Sofrendo com a caça e com a degradação do meio ambiente, o peixe-boi é um dos animais da fauna brasileira que estão em risco de extinção, mesmo estando protegidos por lei.

A sucuri, ou anaconda, como também é conhecida, é a maior cobra do Brasil e uma das maiores do mundo, podendo medir até 12 metros de comprimento. Das quatro espécies de

sucuri, três são brasileiras: sucuri amarela, endêmica do Pantanal e a menor de todas; sucuri verde, típica das regiões alagadas do cerrado e da Amazônia, hábitat das maiores espécies;

sucuri malhada, comum na ilha do Marajó, no Pará; e a sucuri da Bolívia. Esta cobra choca seus ovos dentro do próprio corpo (ovovivípara), dando à luz de 40 a 70 filhotes de uma só vez.

O jacaré é o segundo maior réptil do Brasil (só perde para a sucuri). Na bacia amazônica existem quatro espécies: jacaré-açú, jacaré-tinga, jacaré-coroa e jacaré-paguá. Existem diversos restaurantes espalhadas por Manaus que oferecem variados pratos à base de carne de jacaré. Atenção! Para poder comercializar a iguaria, o estabelecimento deve ter autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, o Ibama, caso contrário, é crime ambiental. Existem passeios noturnos pelo rio Amazonas para avistar jacarés.

Considerado o bacalhau brasileiro e geralmente encontrado na bacia amazônica, o pirarucu é um peixe de pulmão que pode atingir três

metros de comprimento e pesar 250 quilos. A parte branca de suas escamas são utilizadas

como lixas de unhas. Sua língua de osso mede 13 cm e é um excelente ralador de

coco e queijo. O bolinho de pirarucu é uma das iguarias mais apreciadas em Manaus.

Toda ariranha tem uma mancha amarelada no pescoço, cuja forma e tamanho são únicos, o que permite sua identificação (praticamente o mesmo que ocorre com nossas digitais e com as caudas das jubartes). A pele macia e veludosa colocou as ariranhas na mira da alta-costura, fato que quase acarretou sua extinção. A caça foi proibida, mas o mamífero continua na lista dos ameaçados.

Existem 23 espécies de piranhas catalogadas na Amazônia, mas nenhuma delas é tão temida quanto a piranha-caju, pois esta espécie tem a mandíbula mais forte e os dentes mais afiados do que as demais, e atacam em cardumes. A piranha-caju é pequena, tem o corpo arredondado, focinho rombudo e o peito vermelho, o que originou seu nome. Sua fama de assassina lhe rendeu filmes na terra do Tio Sam.

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BOTO COR-DE-ROSAUma criaTura esTranHamenTe fascinanTe

Outro sonho de infância realizado, viver as aventuras de explorar os encantos da floresta amazônica.

Minha estadia estava apenas começando, mas já dava para sentir as emoções que ain-da estavam por vir. A primeira aventura pelos rios Negro e Solimões durou pouco mais de 11 horas, e nenhum minuto foi tão marcante quanto aqueles que passei com os botos. Não me pergunte o porquê, mas senti medo quando tive meu primeiro contato com os cetáceos. Tal-vez tenha sido pelo jeito que eles nos olham, parecem gente. InacrediTável!

Também conhecido como boto-vermelho, o boto cor-de-rosa é o maior golfinho de água doce do planeta, podendo pesar de 100 a 200 quilos e medir de 2 a 2,8 metros. Sua coloração é cinza claro nos jovens e nos filhotes, variando para o rosa brilhante nos adultos (detalhe: os ma-chos são maiores e mais rosados que as fêmeas).

A captura acidental em redes de pesca — eles têm o hábito de roubar os peixes das redes dos pescadores — é a principal causa de sua mortandade, porém existem outras, como o tráfico de órgãos, que são considerados afrodisíacos, e a captura para servirem de isca para a pesca da piracatinga (peixe da região), e há ainda quem afirma existir os “caçadores de aluguel”, homens contratados para nunca deixar faltar isca. Tristemente, ações como estas vêm diminuindo a po-pulação de botos por toda a Amazônia. Estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) apontam a diminuição em 10% ao ano em algumas regiões deste bioma.

A União Internacional de Conservação da Natureza (UICN) listou a espécie como ameaçada de extinção.

CULTURA POPULARDe origem amazônica, a lenda do boto cor-de-rosa era muito utilizada para justificar a gravidez que acontecia

fora do casamento. Ainda hoje, é muito comum no Amazonas, principalmente no interior do estado, uma criança ser chamada de “filho(a) de boto” quando não se sabe quem é seu pai.

DIZ A LENDADurante as noites de festa junina, o boto utiliza seus poderes mágicos para se transformar em um bonito rapaz

e ir em busca de namoradas. Usando sempre chapéu para esconder o orifício por onde respira quando em forma de cetáceo, ele procura sempre a mais bela moça da aldeia. Atraente e galanteador, não há índia que resista ao convite para passear às margens do rio Amazonas, nadar e fazer amor. Após engravidá-las, o encanto termina, fazendo com que o rapaz volte a ser o boto de antes para que possa desaparecer no rio, enquanto suas namoradas voltam para as aldeias pensando em qual explicação dar para seus familiares...

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UM SORRISO A MAIS!BoToTerapia diverTe crianças enquanTo auxilia no TraTamenTo de suas necessidades especiais

Desde 2006, quando estreou com pioneirismo no Brasil, a técnica desenvolvida voluntaria-mente pelo mineiro Igor Simões Andrade, fisioterapeuta especializado em rolfing* pelo Instituto de Rolfing do Colorado (EUA), vem arrancando sorrisos e melhorando de forma significativa a vida de muitas crianças carentes e portadoras de deficiências físicas e mentais da periferia de Manaus, no estado do Amazonas.

Utilizando o potencial terapêutico dos cetáceos, a técnica da Bototerapia®, ou Fisioterapia Assistida por Golfinhos de Rio, como também é conhecida, consiste em um tratamento com-plementar na área da saúde, não dispensando, portanto, os métodos tradicionais da medicina.

Mensalmente, o Projeto Anahata, também de autoria de Igor, atende gratuitamente crianças e jovens de diversas entidades filantrópicas da capital e região, levando-os até as proximida-des do lago Ariaú, no rio Negro, a cerca de 35 quilômetros do porto de Manaus. Lá, em uma plataforma flutuante nobremente cedida pelo hotel de selva Ariaú Amazon Towers, é onde ocorrem as divertidas e proveitosas sessões de Bototerapia®.

Durante o processo terapêutico, visa-se aproveitar ao máximo o contato com o ultras-som emitido pelos botos, pois segundo pesqui-sas realizadas no exterior, esta ação resulta em efeitos positivos para os pacientes, como um nível elevado de bom humor, auto-estima e relaxamento. Em média, o tratamento com-pleto, composto por cinco sessões de rolfing e mais a interação lúdica com os cetáceos, dura de dois a três meses por criança.

Diferente da técnica estadunidense se-tentista de delfinoterapia, que é realizada em cativeiros e com animais domesticados, a Fisioterapia Assistida por Golfinhos bra-sileira acontece de maneira livre, em meio à natureza. Porém, mesmo se tratando de seres dóceis, uma metodologia fora espe-cial e cuidadosamente desenvolvida para o Anahata, garantindo que a atividade possa ser executada de forma segura, tranquila e eficaz. Além desta metodologia, que envol-

*Sistema de reestruturação corporal cientificamente comprovado.

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Uma área de 50 metros circulares é demarca com boias balizadoras para a realização das sessões de Bototerapia®, onde fica expressamente proibido o uso de motores de qualquer tipo, conforme a Lei Federal 7.643 de 1987 de Proteção aso Cetáceos. Mas antes de entrarem na água, as crianças passam por sessões de rolfing e ioga, cuja finalidade, no primeiro, é de pre-parar os tecidos do corpo, o que se obtém por meio de exercícios de alinhamento e equilíbrio energético-postural, massagens e toques profundos e precisos. Quanto ao ioga, seu principal escopo é a preparação da mente, que também é estimulada com a prática de exercícios respira-tórios e palestras educativas. Aliados à interação com os botos cor-de-rosa da Amazônia, estes recursos terapêuticos podem estimular positivamente os pacientes em diversas áreas dos seus componentes funcionais, como:

– alinhamento postural com a gravidade, auxiliando a prevenção e tratamento de escolioses, hérnia de disco, entre outros;

– ganhos na psicomotricidade (autocontrole muscular) e consciência corporal; – alívio do estresse crônico; – melhoras no equilíbrio homeostático, o que permite assegurar a integridade física e fisiológica;

ve o acompanhamento permanente dos pacientes em contato direto com os golfinhos e pales-tras educativas que expõem conhecimentos gerais e curiosidades sobre a espécie, um exclusivo treinamento lúdico foi aplicado aos botos, objetivando sempre a criação de um elo de amizade e confiança entre o homem e o animal, para que não haja estranhamento entre ambos na hora do envolvimento físico que a terapia exige.

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– melhor qualidade do sono; – aumento da troca de energia vital com

a natureza, melhorando o aporte san-guíneo e energético dos tecidos;

– facilidade para alcançar estados psíqui-cos calmos e meditativos.

Anualmente, o Instituto Anahata e o Ariaú Amazon Towers recebem inúmeras crianças portadoras de deficiências e pato-logias (ex.: leucemia, paralisia cerebral, au-tismo, síndrome de Down, depressão etc.) de cerca de 50 famílias carentes de Ma-naus, para tratamento 100% gratuito, reali-zado apenas com os recursos do autor da técnica e com o apoio do hotel citado neste parágrafo.

A equipe do Anahata (composta por Igor S. Andrade, fisioterapeuta especialista em rolfing, treinador de botos, voluntário e criador da Bototerapia® e do projeto Anahata; Ana Paula de Faria Camara, bióloga, especialista em yoga e massoterapia clínica, voluntária e cocriadora do proje-to; Vera da Silva, Phd e bióloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia; e Anselmo da Fonseca, veterinário do INPA) tem como objetivo contribuir à saúde pública, ao bem estar social e ao desenvolvimento humano. Além do mais, com a Biossincronicidade® (termo desenvolvido para agregar os efeitos terapêuticos positivos entre as espécies) e perenidade do tratamento, a sociedade poderá se beneficiar de um importante recurso complementar à ciência, a Dolphin Assisted Therapy (termo inglês para Terapia Assistida por Golfinhos), que também pode ser inter-pretado como inovadora e eficaz ferramenta de educação e preservação ambiental.

O recebimento de doações e patrocínios foi a maneira que os realizadores deste belo traba-lho encontraram para expandir o atendimento a um maior número de crianças e, também, de fortalecer o projeto, tentando suprir algumas necessidades, tais como a falta de equipamentos estrangeiros para medição dos resultados antes e depois do contato com os golfinhos, uma nova embarcação-clínica e a construção de um flutuante maior, fora outras carências.

Na minha humilde opinião, dentre todos os benefícios alcançados com a Bototerapia® há um pequeno gesto capaz de abrilhantar, nutrir e engrandecer a alma dessas crianças, um gesto que traduz melhor do que qualquer cientista a eficácia da Terapia Assistida por Golfinhos, e que comprova o processo evolutivo de todos os pacientes envolvidos: o sorriso.

Você também pode apoiar o projeto de diversas maneiras! Para isso, basta entrar em contato com Igor e dis-cutir meios de como contribuir para o projeto ou para obter mais informações sobre o mesmo. Correio eletrônico: [email protected], telefone: (92) 3877-3857.

Iniciativa encantadora e verdadeiramente humana que merece ser reconhecida por todos.

UM TANTO CURIOSO!Por meio de exames genéticos, foi possível chegar à uma descoberta no mínimo curiosa: a grande maioria dos

botos que participam da interação são adultos e machos. Ao contrário do que se costumava pensar, “as fêmeas não têm o comportamento de interagir com o ser humano da mesma forma que os botos machos têm”, conta Igor, em um vídeo explicativo.

igor em aTividade TerapêuTica

DIVULGAÇÃO/BOTOTERAPIA®

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OUTRAS CURIOSIDADES SOBRE OS BOTOSEm áreas de pouca ou nenhuma visibilidade, o boto usa seu sonar — espécie de ecolocali-

zador — para se locomover, habilidade que lhe permite circular tranquilamente dentro de uma floresta alagada (igapó), pois o ultrassom emitido, ao se chocar contra um corpo sólido, retorna ao boto como uma “imagem acústica”, fazendo com que o animal saiba, por exemplo, qual o formato e espessura do objeto e quão distante se encontra. Sua visão praticamente perfeita está aliada à psicomotricidade altamente evoluída, o que permite ao boto caçar com maestria.

Romântico ou conquistador? O boto cor-de-rosa colhe flores — plantas aquáticas, na verdade — com a boca, e ainda tem a ousadia de balançar o buquê fora d’água para dar de presente para as fêmeas. O que me diz? É ou não é uma boa forma de atrair as “garotas”?

O golfinho da Amazônia também é conhecido como boto-vermelho, pois quando ele é visto sob as águas dos rios, principalmente quando se trata do rio Negro, a luz do sol reflete uma cor avermelhada em seu corpo (muito bom exemplo na página 132).

Parecida com a dos seres humanos, a gestação do boto dura de nove a dez meses, e também como os homens, estes mamíferos alcançam o grau máximo de excitação da cópula ventral, o orgasmo. Outra peculiaridade é seu órgão reprodutor, que é semelhante ao do homem e ao da mulher. Talvez tenha sido por este motivo que surgiram as lendas que narram casos de amor entre pessoas e botos da Amazônia. Pasmem, há histórias de pescadores que capturam e estu-pram as fêmeas do boto para satisfazer seus desejos sexuais.

Segundo informações do INPA, o mergulho de um boto pode durar de 30 segundos a três minutos, e ele não dorme, apenas tira cochilos, pois necessita estar sempre em alerta para poder respirar.

foi enTernecedora a experiência de esTar com os boTos e, como milHares de pessoas, quero deixar meu pedido de conscienTização sobre a preservação e proTeção da espécie.

É TrisTe saber que seres fascinanTes esTão na lisTa de ameaçados de exTinção!

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País das áGuas

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iGarapé

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137 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Como às vezes é preciso acelerar para aproveitar as poucas horas que o dia tem a oferecer, simplesmente troquei os vagarosos 20 km/h da “gaiola” pela velocidade de uma lancha a jato. O plano era percorrer novamente os rios Negro e Solimões, mas agora em busca de tribos rema-nescentes para registrar seus costumes. Nesta etapa, tive a companhia do capitão Josué e de seu filho Romário.

Olhar para o céu do Amazonas é ter a certeza de que, em algum momento, elas vão apare-cer: as araras canindés, que, voando baixo, riscam o azul anil de vermelho. No caminho, belas paisagens e um clima indeciso nos acompanhavam. Em certos momentos fazia calor capaz de fritar ovos na areia, e quando menos esperávamos, a chuva começava a cair tímida, devagar e, de repente, o temporal caía sobre nossas cabeças. Foi o tempo todo deste jeito, até chegarmos à praia da tribo Dessana (foto abaixo).

Ao desembarcamos, uma pequena e organizada trilha pela mata nos leva ao Núcleo Cultural Indígena (NCI), onde somos recepcionados pelo cacique Domingos, que foi tratando de explicar que este é seu nome na cultura do homem branco, e que em sua tradição indígena, ele é cha-mado de “Ser Humano do Dia” (tradução para o português).

O cacique se parecia com aquelas figurinhas raras, difíceis de serem encontradas por aí... Seu rosto era diferente de todos os outros que tenho registrado em minha memória, ainda mais com aqueles traços marcantes e toda aquela pintura tribal. E o mais doido foi sentir que eu já conhecia o velho cacique de algum lugar. Mas de onde eu poderia conhecer aquele silvícola, tão à parte da minha realidade? Depois de bom tempo, me lembrei. Domingos participou da abertu-ra do programa Survivor, que em 2003 foi filmado no Amazonas, nas proximidades de Manaus.

No Núcleo Cultural Indígena, pude assistir e participar de alguns dos rituais da tribo. Na ten-tativa de descrever tudo da maneira mais fiel possível, as frases em itálico são de Domingos.

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5 ETNIAS, 2 MUNDOS, 1 MALOCAA placa escrita em língua Dessana (foto A),

fixada no alto da entrada, informa que a Malo-ca é, na verdade, Casa de Medicina Tradicional Indígena.

Amari Mahsã somos nós, os dessanos, que significa “seres humanos do dia”. Wirakuru sig-nifica “grupo”. Opinkón WI’I quer dizer “casa de amamentação” ou “casa do bem”. Tõ õ Pa WI’I se refere à mesma casa e tem como significado porto de saúde. Juntando as palavras, temos o verdadeiro significado, que é: Casa de Medicina Tradicional Indígena. As palavras seguintes, Des-sana, Tukana e Tuyuka são as nossas etnias. E além dessas, também vivem conosco outras duas etnias: Guanana e Tatuyo. Ao todo são 5 etnias, 5 idiomas diferentes. Por isso, aqui em nossa aldeia, decidimos nos comunicar somente em

língua tukana, popular do alto rio Negro. Prosseguindo, o Ser Humano do Dia nos convida para

entrar e assistir a seus ritos cerimoniais. Na Maloca, antes de darem início ao ritual, uma tocha

é acesa (fotoB), e Domingos, que estava visivelmente con-tente, dá uma autêntica palestra sobre sua cultura.

Nós, povos indígenas, temos dois mundos: o mundo de antes da transformação (Primeiro Mundo) e o mundo mudado (Mundo Atual). O primeiro é o lugar de onde vie-mos, trata-se de um mundo espiritual indígena! O segun-do é o mundo de hoje, onde nascemos, o mundo depois da transformação indígena. O espiritual mundo indígena era o Deus, era o Pai, era o Avô do Universo... Depois

da transformação do velho para o novo, o espírito do pri-meiro mundo, que pertence a nossos ancestrais, incorpo-rou nesta casa, a qual chamamos de Maloca, para poder abrigar seus filhos dentro de seu corpo e ampará-los.

Por esta razão, todas as partes da estrutura que sus-tenta a Maloca têm uma simbologia. Os caibros, por exemplo, simbolizam os braços do Avô do Universo; as vigas, a coluna vertebral; as travessas e as linhas, a cla-vícula; a palha no teto, a cabeça e os cabelos; e assim por diante. Portanto, quando se constrói a Maloca é pre-ciso colocar o espírito do Avô do Universo no centro dela.

Ao acendermos o fogo, símbolo tradicional de nossa cultura, estamos chamando pelo Deus Sol e pela alma do Avô do Universo, que descem para abraçar e receber a comunidade que nos visita.

foTo a

foTo C

foTo B

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Segundo Domingos, o fogo é espírito mais que sagrado, comum nas cinco etnias que convivem na aldeia. Para os Dessanos, que são os “seres humanos do dia”, por exemplo, o fogo representa o Deus sagrado do Sol. Já para os Tukanos, o mesmo elemento representa o espírito sagrado da Lua. Tukanos são os Seres Hu-manos da Noite. Por fim, nas et-nias Tuyuka, Guanana e Tatuyo, a chama acesa representa um úni-co espírito: o da Mãe Natureza. Tuyuka, Guanana e Tatuyo são

“Seres Humanos da Terra ou da Natureza”.Quando as explicações chegaram ao fim, todos os índios da Maloca se organizaram em fila

para cumprimentar todos os visitantes, nos dando as boas-vindas em tukano, idioma diferente de todos que já escutei até hoje, sendo impossível compará-lo com outra língua ou dialeto.

Após os cumprimentos, Domingos sacou seu instrumento de sopro (página anterior, foto C) e deu início ao ritual que teve duração de uma hora e meia. Pelo que pude perceber, somente os homens tocam os instrumentos durante o culto, e também não são todas as músicas que as mulheres dançam.

No final da apresentação, nos fora ofereci-da uma cerimônia de despedida. Os anfitriões nos convidaram para dançar em volta do Fogo Sagrado e por toda parte da Maloca (foto D). Diziam que era para nos trazer sorte em nossa viagem de volta para a casa.

Minutos depois, e ainda dançando, eles nos conduziram para fora, onde nos deparamos com paisa-gens incríveis. Em seguida, nos convidaram para entrar novamente na Casa de Me-dicina Tradicional Indígena para conhecer seus traba-lhos artesanais, tudo feito com absoluto primor e esmero.

De volta à Maloca, Domingos tem mais para contar. Quando nós, povos in-dígenas, viajamos do Primeiro Mundo para o Mundo Atual, viajamos dentro da “Cobra Grande”, que para nós é tida como “canoa de transformação”. Por meio de pinturas tribais, tal façanha é representada por uma série de losangos, aná-loga aos corpos das serpentes, e cada forma geométrica exibe um pequeno ponto vermelho no centro, que, segundo Domingos, é nosso cordão umbilical.

O cHoque culTural foi fascinanTe, mas devia seguir em frenTe...

RiTual dos Dessanos para dar as boas-vindas aos visiTanTes

foTo D

DesenHo em alusão à “Cobra Grande”

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Do alTo da Tribo Dessana

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Quando estou segurando meu aparelho fotográfico, gosto de imaginar que tenho poderes iguais aos de feiticeiros, ou algo do gênero, pois me sinto capaz de capturar a essência da alma das pessoas sem aprisioná-las; consigo congelar aquelas frações de segundos que existem en-tre a inspiração e a expiração. Através de imagens, posso reviver o ritual que assisti no Núcleo Cultural Indígena da Aldeia Dessana, em Manaus, e isso me dá plena convicção de que a foto-grafia é mesmo uma habilidade (quase) sobrenatural.

Os igarapés (explicação: igarapé é uma palavra de cultura indígena que, ao pé da letra, signifi-ca caminho para canoas, e por esta razão é usada para dar nome aos corredores que se formam naturalmente nas florestas alagadas) nos possibilitaram chegar mais rápido à pequena vila de palafitas (moradias lacustres sustentadas por estacas) localizada numa região de calmaria, que remetia meus pensamentos aos bosques por onde já passei. Um bosque sobre as águas!

Antes desta expedição, eu seria incapaz de devanear este cenário: uma “vila” sobre as águas amazônicas, onde as crianças se divertem apostando corrida em canoas enquanto o rio se fan-tasia de espelho para servir à vaidade narcisista e multicolorida do crepúsculo. Ocaso e sequên-cia de cenas que batiam à ficção.

Na estreita varanda de uma palafita, três crianças brincavam com bichos preguiça, tratando--os como se fossem cães e/ou gatos. O piloto percebeu meu deslumbre que, no mínimo, deveria estar destacado com marca texto verde-limão bem no meio da minha testa, e perguntou se eu gostaria de desembarcar para ver outros animais selvagens. “Lógico que sim”, respondi sem titubear.

No Porto de Manaus, enquanto ainda esperávamos para embarcar, comentei com Josué que tinha curiosidade de ver uma anaconda de perto, e quando entrei no cômodo ao lado da varanda do casebre, me deparei com uma enorme sucuri — na verdade, somente eu a achei grande, pois para os nativos, ela era apenas um filhotinho —, que o dono da palafita havia capturado acidental-mente em sua rede de pesca. Como tenho olhos nos dedos, tive que tocá-la! Mas não da mesma maneira que Josué, que a colocou em volta de seu pescoço, fazendo da sucuri o mais inusitado dos boás. Queria só ver se aquelas senhoras cafonas teriam coragem de agasalhar o pescoço com um cachecol destes.

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Por questão de segurança, o pescador manteve a cabeça da serpente afastada enquanto eu tocava o corpo dela. E para mim, que costumava pensar que a anaconda, assim como qualquer outra cobra, fosse gosmenta, gelada, asquerosa etc., fui surpreendido. Sua pele me lembrou a das iguanas, branda ao tato, macia e seca. A maior de todas as constritoras (cobras que matam as presas sufocadas, enroscando-se nelas e as apertando) bem na minha frente.

“Essa cobra não é peçonhenta, menino. Mas se ela te morder, pode te matar. Mesmo que por sorte você consiga se soltar, pode morrer por infecção, pois ao dar o bote, essas cobras cravam seus dentes no couro da presa, e eles [os dentes] são cheios de bactérias. Muitas vezes, quando conseguem fugir, as presas levam alguns dentes fincados na pele, e mesmo que se deem bem, conseguindo escapar sem nenhum deles, basta a mordida para contrair uma baita infecção. Em caso de acidente, é preciso cuidar depressa”, me alertou o pescador.

Depois do alerta, achei melhor deixar a sucuri quietinha no canto dela e ir conversar com as crianças, aquelas que seguravam as preguiças. No meio delas, a garotinha mais velha, muito corajosa, apareceu trazendo um pequeno jacaré nas mãos (fotos na página seguinte) e pediu para que eu o segurasse. Juro que não segurei porque fiquei com medo de deixá-lo cair no rio. Atrapalhado do jeito que sou, certamente aconteceria algo do tipo. E imagina se acontecesse! A garotinha iria ficar sem seu bichinho, triste e chateada comigo. Medo, eu?!

CapiTão josué

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Em marés amazônicas

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Monique (esQ.) e Noemi - fluTuante Ipixuna

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Luna - fluTuante Ipixuna

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alessandra e Maria (segurando o bebê) exibem o arTesanaTo àqueles que passam pelo fluTuanTe Ipixuna

Luna

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151 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Meu último dia em Manaus, o dia da correria. Para meu azar, minha teleobjetiva favorita quebrou (...). Pela manhã, fui à uma loja especia-

lizada que felizmente estava aberta. Digo felizmente pois era dia de jogo da seleção do Brasil contra Portugal, o que foi motivo de sobra para 90% das lojas abrirem somente no período da tarde. Mas o infortúnio falou mais alto que a sorte! Não havia conserto para minha lente. Pelo menos não na mesma manhã. Seriam necessárias 72 horas para que me entregassem o equipamento. Fora de cogitação! Meu avião decolaria na noite daquele mesmo dia. Não houve acordo que antecipasse a manutenção. Adivinha qual foi a solução?! Comprar uma lente nova. Que dor no coração — aliás, no bolso. O jeito foi me consolar, imaginando que seria impossível continuar este projeto sem o equipamento novo. No começo não deu muito certo, pois eu insistia em lembrar que estava desempregado e que todo centavo economizado era bem-vindo. Aconte-ce, fazer o quê?

Não me restava muito senão testar a nova objetiva (...). Saí para caminhar sem rumo pelas ruas do Centro Histórico de Manaus, a fim de conhecer

alguns de seus monumentos. E o primeiro foi o prédio da Alfândega e Guardamoria, conjunto arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, em

PonTa Negra

foTo C

foTo BfoTo a

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152 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

1987, junto com o Complexo Portuário de Manaus. O prédio da Alfândega (à esquerda na ima-gem A) foi construído com blocos de tijolos pré-moldados importado da Inglaterra e foi oficial-mente inaugurado em 1906, juntamente com o edifício da Guardamoria (à direita na imagem A).

Tentei visitar o grande e popular Mercadão da Cidade, mas devido ao processo de restaura-ção, estava interditado. Então desci uma rua aqui, outra rua ali, outra lá... e cheguei no Gymna-sio Amazonense Pedro II (imagem B). A imponente escola teve suas obras iniciadas em 1881 e foi concluída em 1886. O mais tradicional colégio de Manaus está localizado na avenida 7 de Setembro, defronte à Praça Eliodoro Balbi (imagem C). Deu até vontade de voltar a estudar.

De repente, bateu aquela fome. Que tal um prato à base de guisado de tartarugas e farofa do casco?! Fui a um restaurante em Ponta Negra (o mais moderno e luxuoso bairro da capital ama-zonense, onde em épocas de vazantes, forma-se uma praia às margens do rio Negro, a praia da Ponta Negra), especialmente para provar a iguaria amazonense. Seja lá qual tenha sido seu pré-julgamento, saiba que a refeição é deliciosa. O sabor lembra o de carne de panela, talvez “coxão-mole”. Um alerta: todo restaurante que serve tartarugas deve ter autorização do Ibama, caso contrário é crime.

Minha última visita, antes de voltar ao hotel e aprontar as malas, foi ao INPA, órgão de ad-ministração direta do Ministério da Ciência e Tecnologia criado há 56 anos, com o objetivo de realizar estudos do meio físico e das condições de vida da região amazônica para seu desenvol-vimento sustentável.

Recomendo uma tarde inteira — no mínimo — para visitar a sede do instituto, pois há muito o que ver e fazer. Entre os atrativos estão as Trilhas Educativas, a Trilha Suspensa, os tanques de peixe-boi, o Viveiro das Ariranhas, a Casa da Ciência, o Paiol da Cultura e muito mais. Nas pá-ginas seguintes, por exemplo, você confere algumas curiosidades que descobri durante minha visita ao INPA.

assim Termina nossa esTadia no amazonas e começa no...

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Nem só os inseTos são giganTes!

INTERESSAN

TE SABER

É estimada a existência de três mil espécies de peixes vivendo na Amazônia e 45% desta conjetura foram identificados pelo INPA. Quase nada... Apenas mais que 85% das espécies da América do Sul e 15% das águas continentais.

Condomíniofechado!Certa vez, em uma única

árvore da Amazônia, foram encontradas 80 espécies de formigas. Achou pouco?! Então

saiba que este é o dobro das espécies de

formigas existentes nas ilhas britânicas.

INSETOSGIGANTESO INPA divulgou uma lista

com os maiores insetos já

encontrados na floresta

amazônica. É de arrepiar!

– maior besouro: 22 cm

– maior mariposa: 30 cm

– maior libélula: 15 cm

– maior vespa: 7 cm

– maior mosca: 5 cm

- maior cigarra: 9 cm

Na Amazônia Legal existem 286 Unidades de Conservação Ambiental (classificadas como

de uso direto e indireto). Juntas, as Unidades abrangem

uma área em torno de 100 milhões de hectares que,

se somada aos 110 milhões de hectares reservados às

terras indígenas, resultam em 40% da Amazônia Legal.

Na década de 1980,

o desmatamento em Rondônia foi o equivalente a 5

campos de futebol por segundo, ou

35 mil km2 por ano.

A área total desmatada está estimada em 660 mil km². Em outras palavras, 13% da floresta original.

– Você sabia que o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia vem con-tribuindo de forma importante para o desenvolvimento tecnológico da Amazônia e para a formação de recursos especializados? – E com isso resultou...?! – No maior e mais importante banco de informações científicas da Amazô-nia, o qual se tornou indispensável nas formulações de políticas públicas regionais. O instituto é reconhecido e respeitado mundialmente.

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Na floresta amazônica existe uma semente que se destaca de todas as outras, a jarina. O que ela tem de tão especial? Sua beleza é comparável ao marfim. Depois de polida (imagem A), a jarina revela cor e textura semelhantes a do marfim animal. Motivos de sobra para ter

sido apelidada de “marfim vegetal”. Nas mãos dos artesãos, esta bela semente resulta em peças de valor comercial, como as bijuterias e as biojoias, podendo esta última atingir altos valores. Na imagem B, vê-se um

colar com jarinas semipolidas.

GANGUE DO TERRORO candirú-mirim (A) é um dos peixes mais temidos da Amazônia. Praticamente invisível na água, este parasita é

atraído pelo fluxo da urina e pode penetrar no canal da uretra, onde abre suas afiadas barbatanas que tomam a

forma de um guarda-chuva, não permitindo que o peixe saia da mesma maneira que entrou e tampouco que seja

retirado sem intervenção cirúrgica. Segundo biólogos, ele se alimenta do sangue e do tecido de seu hospedeiro.

Para acontecer não é preciso estar dentro d’água. Se um homem estiver de pé sobre a canoa e urinar no rio, o

candirú-mirim é capaz de nadar contra o fluxo da urina e penetrar no pênis. E a tortura não para por aqui... Assim

como o candirú (B), o candirú-mirim pode alojar-se em outros orifícios, tais como ânus, vagina, boca, olho etc. Em

outros peixes, os parasitas penetram nas guelras. Quando um animal entra em estado de decomposição (para ficar

mais interessante, vamos imaginar que o animal tenha sido morto pelos peixes anteriormente mencionados),

é a vez do candirú-açú (C) roubar a cena deste filme de terror. Ele estoura e invade a

barriga da vítima, começando a comê-la pelo estômago.

Tem coragem de encarar esta gangue?

a

cb

acrediTa-se que 6 milHões de índios viviam

no Brasil na época do descobrimenTo, e

que Hoje esse número TenHa caído para 280 mil. Outra esTimaTiva

é de que exisTiam 1.300 línguas indígenas

quando os porTugueses desembarcaram por aqui. Hoje, exisTem apenas 170.

As cerâmicas mais antigas que

foram encontradas na Amazônia

datam de 7.000 a

8.000 anos! Aliás, a

cerâmica indígena

é excelente opção

de artesanato para

trazer como suvenires.

a b

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GUISADO DE TARTARUGA E FAROFA DO CASCO

Ingredientes – 1 tartaruga própria para con-

sumo (de cativeiro e com au-torização do Ibama)

– 1 quilo de batata – 2 cebolas picadas – 2 tomates picados – 3 dentes de alho amassados – 2 colheres de sopa de man-

teiga – 1 maço de cheiro-verde (co-

entro e cebolinha picados) – 5 folhas de alfavaca – Azeite – Pimenta-do-reino a gosto – Sal a gosto

Modo de preparoDentro do casco colocar a carne, metade do cheiro--verde, alho, pimenta do reino e sal a gosto. Deixe descansar por 15 minutos. Em seguida, coloque a carne em uma panela com manteiga e azeite e refogue. Assim feito, adicione o tempero que ficou no casco à panela. Adicione um pouco de água fer-vendo sobre o refogado. A carne deve cozinhar por mais 20 minutos e quando estiver macia e dourada, acrescente o restante do cheiro-verde e do tomate. Misture. As batatas são adicionadas quando a car-ne já está cozida.

A farofaBesunte o casco com manteiga e azeite e leve no forno até que a carne presa nele se solte. Em segui-da, adicione farofa típica do norte e misture bem.

cozinHa Típica

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do amazonas para...

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TOCANTINS

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jalapão

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arTesanaTo em capim dourado

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Terras alTas do TocanTins

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rio novo

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CapricHo dos venTos

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163 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Estranhando minha insônia ter me abandonado repentinamente, só consegui pensar em uma única coisa para me distrair, mergulhar num “mar de café preto”. E pela primeira vez, ao invés de ficar rodando feito uma “barata tonta”, decidi perguntar onde ficava a cafeteria mais próxima. Mas às vezes, a vida se encarrega de nos pregar algumas peças — ou zoar com a nossa cara, como você preferir — em momentos que não nos convém, apenas pelo simples prazer de sacanear, não é mesmo?

A primeira pessoa que passou na minha frente foi a primeira pessoa para quem perguntei onde ficava a bendita cafeteria, e a garota que parou diante de mim vestia um colant preto, bastante vulgar — na verdade, acho que aquilo era maiô de praia —, sapatos vermelhos e uma tiara enfeitada com enorme laço preto que lembrava duas orelhas. Pronto!... Foi o suficiente para minha mente fértil criar a imagem da Miney Mouse bem louca no final de uma micareta univer-sitária. E quando ela abriu a boca, tive certeza de que conversava mesmo com a Miney, sua voz era idêntica à da personagem de Walt Disney. Quase aproveitei para perguntar qual era o segre-do que a fazia não sentir frio, mas pensando na resposta que ela poderia me dar, simplesmente agradeci, me calei e saí “rindo com a boca do estômago”.

Praticando meu francês (...).Sentado à mesa da cafeteria, na ilustre companhia de duas xícaras brancas, pude notar

quando duas senhoras pomposas se aproximavam de mim. Numa mistura de português com espanhol e um certo érrrrre, tipicamente francófono, elas tentavam perguntar se as demais ca-deiras de minha mesa estavam livres. Acertei! Eram mesmo francesas. Para surpresa delas, dei

“Por que, meu Deus, escalas e conexões demoram TanTo em Brasília?”, pergunTinHa

que não queria calar.

Estava cercado de músicos promissores, logo, só poderia estar em solo brasiliense, de novo. Mas precisei confirmar isso com alguém, pois eu estava inteiramente dominado pela embria-guez de um sono interrompido, aliás, sono tão profundo que não sei até agora como saí do avião e cheguei à sala de desembarque.

Qualquer dia, quando eu for bilionário, juro que comprarei um avião. Tudo porque minha insô-nia parece proibida de embarcar em aeronaves e eu posso dormir.

Brasília, me lembrei... Era mais outra escala no meu caminho. “No meio do caminho tinha uma escala, no meio da escala tinha um caminho”, ficava paro-

diando a poesia de Carlos Drummond de Andrade em pensamento.Tive que aguardar 5 horas para embarcar no próximo voo com destino a Palmas, capital do

Tocantins, e o pior: sem ter nada para fazer. E para melhorar ainda mais, dar aquela pitadinha especial, fazia muito frio, de lascar. “Bem feito, quem mandou reclamar do calor de Manaus”, debochava de mim mesmo.

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a resposta em francês e as convidei para um café. Adoro conversar com senhoras parisienses. Elas são educadas, elegantes e simpáticas. Muito diferente do que dizem por aí, que franceses são mal-educados e rudes. Óbvio que para tudo há desvios de regras.

Nada como uma boa conversa para nos distrair (...).Fazia dois meses que aquelas senhoras estavam viajando pelo Brasil e naquele dia estavam

indo para o último destino da viagem, o Rio de Janeiro. Chegaram a ensaiar a canção Garota de Ipanema para o “tão aguardado momento” — em suas palavras — em que ficariam cara à cara com o Cristo Redentor.

Conversamos sobre assuntos variados, tais como músicas, gastronomia brasileira, dança e belezas naturais. Ao mesmo tempo em que via o fascínio em seus olhos, também via a tristeza que sentiam em ter que partir dali uma semana. Elas contaram que acharam nosso país “mo-derno em diversos aspectos”, o que fez-me lembrar de um episódio cômico que vivi quando estudava em Paris...

...Certo dia, na escola, antes de iniciarem as aulas, meus colegas de sala — gente do mundo inteiro, inclusive brasileiros, aliás, brasileiros são como Gremlins na França, basta uma gota d’água para surgirem outros mil — e eu trocávamos curiosidades sobre nossos países, até que surgiu — sabe-se lá o porquê — um assunto sobre a avenida Paulista. E então, um garoto da Suíça disse que tinha muita vontade de conhecer São Paulo, mas que não o fazia por sentir muito medo. Todos, e principalmente os brasileiros, queríamos saber qual era o motivo que causava tanto pavor no garoto. Para indignação geral, aquele que se dizia superior por viver em um país de primeiro mundo revelou que seu medo era o de encontrar cobras. Cobras?! Na avenida PaulisTa?! São Paulo virou uma selva e esqueceram de me avisar. Mas pior do que esse foi Niklaas, da Alemanha, que perguntou se existia carros no Brasil. Chegamos a pensar que fosse brincadeira, de péssimo gosto, mas brincadeira. Não era! Ele ainda acreditou quando uma brasileira disse que não existia carros, e que por isso, para chegarmos mais rápido à universidade, era preciso alugar elefantes, porém, era preciso muita cautela, pois era necessário atravessar inúmeros lagos repletos de crocodilos bem no centro de São Paulo. Pelo visto, esqueceram de contar ao garoto que o mercado automotivo do Brasil ultrapassou o da Alemanha. Voltando ao nosso assunto...

Aquelas senhoras eram diferentes — se bem que bastava um átimo a mais de inteligência para ser diferente daqueles dois garotos preconceituosos e/ou ignorantes ao extremo — e foi uma pena terem anunciado o voo delas. Antes de partirem, prometeram tomar uma “caipirrri-nhá” bem gelada na praia de Ipanema em minha homenagem.

(...)Desembarquei às 00h45 no Aeroporto Brigadeiro Lysias Rodrigues, em Palmas.Aproveitando que cheguei cedo, pesquisei onde ficar e quais eram os meios de acesso ao

parque estadual do Jalapão, o PEJ. Mas como fazer isso de forma tranquila e relaxada? Simples, com mais café.

Todas locadoras estavam fechadas e no balcão de informações turísticas não havia ninguém. Mas sobre uma prateleira, bem ao fundo, pude ver uma caixa repleta de anúncios de pousadas, mapas e locadoras de veículos. Estava fora do meu alcance. Olhei para um lado, para o outro e pulei para dentro do guichê a fim de apanhar alguns mapas e panfletos.

Imaginando a possibilidade de alugar um veículo direto no aeroporto, e de lá jornadear para o Jalapão, me hospedei na pousada mais próxima. Tinha que começar o dia seguinte ganhando tempo.

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8h De volta ao Aeroporto Brigadeiro Lysias Rodrigues.“Caro... Muito caro... Nem pensar... Supercaro... Mais barato, por favor...”, problema não resol-

vido. O aluguel de carro em Palmas é muito caro. Talvez, 35 centavos por quilômetros rodados mais 560 reais de diária possam ser acessíveis para quem viaja em grupos ou para quem tenha muita “grana” no bolso. Eu, para variar, não me encaixava em nenhum dos casos, me restando pedir apoio à Secretaria do Turismo.

Por telefone, consegui marcar uma reunião para as 15h daquele mesmo dia. Detalhe, eu já tinha saído da pousada, estava com minha bagagem no aeroporto e ainda eram 10 horas da manhã. Porém, como eu tinha esperança de conseguir apoio no órgão estadual para ir ao Jala-pão na mesma tarde, fiquei “enrolando” no aeroporto até o horário agendado com o secretário de Turismo. Desta maneira, pude evitar gastos desnecessários com transporte e acomodação. Sei como ser tacanho com maestria nas horas que me convêm.

Na reunião, que começou com uma hora e quarenta e cinco minutos de atraso, fui recebido com afabilidade e ouvido com bastante entusiasmo. Após a exposição sucinta de minhas pro-postas e objetivo, recebi sinal verde: “Gostamos do seu projeto e vamos contribuir com todo nosso apoio”. Acho que meu organismo nunca viu tanta serotonina de uma só vez.

Fui para um hotel no centro de Palmas para aguardar o retorno da Secretaria de Turismo, que aconteceria no dia seguinte. Ficaram de me telefonar para dizer a que horas partiríamos — assim mesmo, no plural, pois além do veículo, iriam mandar o motorista e um guia para me acompanharem — e quantos dias passaríamos no parque estadual do Jalapão.

11h Até então, nenhum telefonema

14h Nenhum sinal

15h Não queria parecer insistente, mas não tive outra escolha senão telefonar de volta à Secretaria. Telefonei e pediram para eu aguardar ate às 18h. Lá se ia outra diária no hotel.

20h Comecei a desconfiar que não receberia apoio nenhum!

No terceiro dia sem resposta — e não foi por falta de insistência —, comecei a procurar por em-presas de ecoturismo que oferecessem passeios ao Jalapão. Para variar, não encontrei nenhu-ma com preço acessível. Aquela velha história, se fosse para dividir, o valor seria perfeitamente adequado, mas para encarar sozinho era impossível, pelo menos no meu caso.

Os funcionários do hotel me ajudaram a encontrar uma empresa que ficava em Ponta Alta do Tocantins, cidade conhecida como Portal de Entrada para o PEJ, que oferecia rota turística de acordo com o interesse do cliente, hospedagem e mais veículo 4x4 com guia. Ótimo! Telefonei o mais rápido possível para combinar valores e tudo mais. Para compensar o gasto inesperado que tive em Manaus, quando tive que comprar outra teleobjetiva, o proprietário da pousada Ve-redas das Águas me deu um excelente desconto no valor total da tarifa a ser paga.

Tudo combinado!... Partiria do Terminal Rodoviário de Palmas às oito da manhã. Até lá, tinha o dia inteiro para conhecer a capital estadual mais nova do Brasil (...).

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PALMAS - A CAPITAL PLANEJADA DO TOCANTINS

A maior cidade e capital do estado, Palmas, foi fundada em 20 de maio de 1989, logo após a Constituição de 1988, que resultou na emancipação do norte de Goiás, quando este passou a se chamar Tocantins.

Antes de sua fundação, Palmas foi planejada pelos arquitetos Walfredo de Oliveira Antunes Filho e Luiz Fernando Cruvinel Teixeira e, a partir de então, a cidade começou a ser construída pelas mãos dos trabalhadores que migraram de diversas regiões brasileiras. Não obstante, Pal-mas se tornou a capital definitiva do estado somente em 1o de janeiro de 1990, quando adquiriu estrutura física capaz de sediar o Governo Estadual.

Bandeira de Palmas

Memorial Coluna PresTes - Obra do célebre arquiTeTo Oscar Niemeyer, inaugurada em 5 de ouTubro de 2001, em Palmas

A cidade planejada para abrigar dois milhões de habitantes (atualmente, 20 anos depois de sua fundação, a população de Palmas gira em torno de 200 mil) encanta com seu paisagismo de deixar até Burle Marx orgulhoso e por suas largas avenidas. À noite, a capital fica ainda mais bela, quando a silhueta da Serra do Carmo ganha destaque no horizonte, dando aquele toque de charme e elegância ao cenário palmense.

As enormes praças guarnecidas com árvores e flores, a arquitetura, o clima e o melhor da vida moderna fazem desta cidade um destino inconfundível.

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MOCHILA NAS COSTAS, HORA DE CAIR NA ESTRADA!

No ônibus das 15 horas — o das 8h não circulou naquela manhã —, conheci uma senhora de alma iluminada e muito aventureira, dona Elza, que assim como eu, estava viajando por vários estados brasileiros, tendo até escalado o monte Roraima — confesso que fiquei com uma ponti-nha de inveja. Naquele dia, ela também iria se aventurar pelo interior do Tocantins.

Elza se sentou do meu lado e fomos conversando durante toda a viagem — trajeto de três horas e meia —, dentro de um ônibus tão cheio, que dado certo momento, só faltava sair gente pelo ladrão.

Em Ponte Alta do Tocantins, descemos praticamente na varanda da pousada Veredas das Águas, e fomos recepcionados pelo mais belo pôr-do-sol que vi na vida. Se não me engano, acho que disse isso outras vezes, mas acredite, este é de longe o entardecer mais incrível que presen-ciei, e tenho certeza que continuará sendo.

(...)Para selar o início de uma nova amizade, Elza e eu fomos a um pequeno barzinho no centro

da pequena Ponte Alta do Tocantins, onde pudemos conhecer o principal ponto de encontro da cidade, uma prainha à margem do rio Ponte Alta.

(...)Esta região oferece alguns atrativos naturais, e entre eles destacam-se a cachoeira da Sus-

suapara, fenda que se assemelha a um pequeno cânion, a cachoeira do Lajeado, a cachoeira da Fumaça e a Pedra Furada. Lugares que deixei para visitar somente quando voltasse do PEJ.

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Bastaram poucos quilômetros para começarmos a sentir o verdadeiro espírito jalapoeiro. No meu caso, bastaram poucos metros na árida estrada de terra avermelhada para eu agradecer o alto valor das tarifas cobradas pelas locadoras palmenses de veículos, pois, caso contrário, teria alugado qualquer carro de passeio e, muito provavelmente, teria ficado atolado logo nos primeiros metros, só me restando pedir socorro às poucas emas e siriemas que por lá transitam, já que a densidade populacional é de 0,8 habitantes por km². Dirigimos por mais de três horas ininterruptas sem cruzarmos com absolutamente nenhuma pessoa.

É muito fácil se perder no parque estadual do Jalapão, e as esburaquentas estradas, ora repletas de pedras e outrora encobertas por densa camada de areia fofa, ostentam o perigo de acidente. Por isso, estar acompanhado de um guia profissional, trilheiro com anos de experiên-cia no ramo, me tranquilizava bastante.

ao visiTar o Jalapão, leve uma porção exTra de disposição no bolso. Você vai precisar dela para enfrenTar um clima capaz de derreTer qualquer empolgação!

A exuberância da paisagem desértica, ataviada com oásis e combinada ao clima, às dunas vermelhas, às serras (terras altas) e à vegetação particular colocará você em êxtase, fazendo crer que tudo aquilo diante de seus olhos nada mais é do que uma complexa miragem.

Esqueça todo tipo de conforto e encare a viagem ao Jalapão como autêntico desafio no cora-ção do Brasil, mantendo os olhos sempre atentos às belezas da natureza quase intocada que se espalha por todo o parque. Não se espante com a salada mista de cenários que pode fazer você se sentir nas savanas africanas, no pantanal ou nos lençóis do Maranhão. Será em momentos ímpares como estes, em meio às paisagens que beiram o sobrenatural, que você passará a ser grato ao fatigante e custoso caminho de acesso à reserva ambiental. Afinal, este é um dos elementos que contribui, e de forma inestimável, à preservação de todo aquele frágil e impor-tantíssimo ecossistema: o cerrado.

jalapão, somenTe para quem Tem espíriTo avenTureiro!

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O PRIMEIRO PASSO PARA MUDAR É A INFORMAÇÃO

Criado em 19 de janeiro de 2001, com o interesse de conservar e preservar o meio ambiente, e medindo cerca de 159 mil hectares, o parque estadual do Jalapão, situado na zona leste do Tocantins, é considerado uma das regiões remanescentes de cerrado mais bem conservadas do país.

Perdendo somente para a floresta amazônica, o cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, e assim como a mata atlântica, se transformou — ou será que o melhor seria dizer foi transfor-mado? — em um hotspot, termo criado em 1988 pelo naturalista inglês Norman Myers para denominar as áreas de maior importância para a preservação da biodiversidade do planeta Terra. Ao todo, Myers identificou dez hotspot ao redor do globo e, para chegar a este resultado, o naturalista levou em consideração as regiões que apresentavam maior diversidade biológica e necessitavam urgentemente de proteção para que não fossem extintas. Estudos posteriores aos do autor do termo revelaram novos hotspot, totalizando 34 zonas ameaçadas, o equivalente a 2,3% da superfície terrestre.

Para se ter ideia do tamanho do desastre ecológico, originalmente o cerrado se estendia por uma área de aproximadamente dois milhões de km2. Hoje, estima-se que restem apenas 20% do total desta área. E entre as principais causas do desmatamento deste bioma estão a expan-são da produção agrícola e as queimadas (criminosas e espontâneas).

Lar de belas e raras espécies, a ampla fauna do Jalapão abriga, também, animais que ainda correm risco de extinção, como é o caso do pato-mergulhão e da águia cinzenta. Já a flora do parque, adaptada morfológica e fisiologicamente à vida em lugares secos, é caracterizada por pequenas árvores de galhos tortuosos, mata de galeria (estreita faixa de plantas e árvores que margeiam lagos e riachos) e campos recobertos por uma rala e rasteira vegetação, o que é re-sultado do solo pobre em nutrientes e rico em ferro e alumínio.

Calcula-se que 10 mil espécies de vegetais, 837 de aves, 161 de mamíferos e tantas ou-tras de invertebrados habitem este ecossistema. “Portanto, a conservação do Jalapão, como de qualquer outra área de cerrado, é essencial para a manutenção da biodiversidade característica do habitat”, explica Isabel B. Schmidt, analista ambiental do Ibama e pesquisadora da ONG Pe-qui (Pesquisa e Conservação do Cerrado).

O engajamento de órgãos como o Naturatins (Instituto Natureza do Tocantins), por exemplo, é uma forma mais que eficaz de contribuir à conservação ambiental. E na minha opinião, se planejado e desenvolvido com inteligência e respeito, o ecoturismo, seja este de aventura ou de contemplação, pode ser de grande valia para a educação das pessoas sobre a importância e necessidade do respeito à natureza. Isso, claro, sem mencionar que esta atividade pode gerar diversos benefícios às comunidades que vivem nos arredores do Jalapão, como melhorias na economia, preservação da cultura, geração de emprego etc. Muito diferente do turismo em mas-sa e descontrolado, que nitidamente é uma ameaça para qualquer patrimônio natural.

O PEJ, que é administrado pelo Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), abrange os municípios de Ponte Alta do Tocantins, Mateiros (onde está a maioria dos atrativos), Novo Acordo, Lagoa do Tocantins, Santa Teresa do Tocantins, Lizarda, Rio da Conceição e São Félix do Jalapão.

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POR UM JALAPÃO MAIS VERDEPequiCriada no ano 2000 por estudantes de pós-graduação em ecologia da Universidade de Bra-

sília e por profissionais da área de conservação, a associação sem fins lucrativos Pequi tinha como objetivo inicial promover a preservação do cerrado por meio de pesquisas científicas e atividades que interferissem diretamente em políticas públicas voltadas à conservação da bio-diversidade. De acordo com Isabel B. Schmidt, “uma das primeiras atividades organizadas pela Pequi foram manifestações contra um projeto de lei apresentado em 1999, o qual modificaria o Código Florestal em favor dos interesses de grandes empresários do agronegócio”. Situação que, diga-se de passagem, se repete atualmente.

Dentre as maiores conquistas desta organização destaca-se a criação da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, nas proximidades do Jalapão. “A Pequi teve um papel crucial na gera-ção do conhecimento científico que convenceu os tomadores de decisão sobre a importância dessa região para a conservação da biodiversidade”, ressalva Schmidt. Desde então, a Pequi vem desenvolvendo diversos trabalhos, como os estudos específicos que abordam a sustentabi-lidade do uso do capim-dourado do PEJ.

NaturatinsCom o propósito de promover a sustentabilidade e projetos de pesquisa e experimentação no

setor de proteção e controle ambiental, em 21 de abril de 1989, mediante a Lei nº 29, nasceu a Fundação Natureza do Tocantins. Sete anos mais tarde, durante o terceiro Governo do estado e como resultado da edição da Lei Estadual nº 858 de 26 de julho de 1996, a então Fundação foi substituída pelo Instituto Natureza do Tocantins, cabendo a este a execução de políticas públicas direcionadas à conservação dos recursos naturais e ao desenvolvimento sustentável, suprindo as necessidade atuais sem comprometer o futuro das próximas gerações.

Área de Proteção Ambiental — APAA APA-Jalapão, criada em junho de 2000 pela Lei de número 1172, estende-se sobre uma

área de 461.730 hectares, abrangendo os municípios de Mateiros, Novo Acordo e Ponte Alta do Tocantins, e desempenha a função de Zona de Amortecimento, local onde as ações do homem estão expostas à normas e restrições específicas, cuja intenção é minimizar os impactos negati-vos sobre uma área de conservação.

Por estar em um posto estratégico, a APA-Jalapão faz parte do Corredor Ecológico Jalapão/Chapada das Manga-beiras, extensão de 31 km2 que une as Unidades de Conservação de 17 municípios, que abrangem os estados do Tocantins, Maranhão, Bahia e Piauí. Um dos pontos positivos mais notáveis destes corredores é o fato de possibilitar aos animais o livre trânsito entre as áreas de proteção ambiental vizinhas.

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Jalapa

O topônimo Jalapão advém da jalapa-do-Brasil, planta do gênero Ipomea purga Hayne.

Em meio à vegetação xerófita do Parque Estadual do Jalapão, os arbustos de flores viçosas e nada habituais seduzem nossos olhos.

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Cachoeira da Velha

Formada pelas águas do rio Novo, afluente do rio Tocantins, a cachoeira da Velha tem aproximadamente 100 metros de largura, o que faz dela a maior queda d’água de todo o PEJ e um de seus cartões postais mais visitados. A textura sobre a superfície da água é resultado das quedas de 25 metros.

A Passarela Suspensa - em ótimo estado de conservação - é o único acesso permitido à cachoeira e à trilha rio Novo, que leva os visitantes à praia da Velha. É desta passarela que temos melhor noção de quão grande é a Cachoeira da Velha e de onde podemos ver nitidamente seu formato de ferradura.

Essa cachoeira me lembrou - não por causa de seu tamanho, mas sim por sua beleza - as Cataratas de Foz do Iguaçu, no Paraná.

Visita mais que obrigatória!

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Praia da Velha

Diferente da cachoeira da Velha, onde as águas são revoltas e perigosas, a praia da Velha é o local perfeito para nadar, brincar e curtir aquele momento relax. O amplo espaço

de areia é excelente para a prática do camping.

Pode-se chegar à praia da Velha pela trilha rio Novo ou de carro.

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Cachoeira da Formiga

Depois de quase três horas sacolejando dentro de um veículo 4x4 e de ter comido quilos e mais quilos de poeira, finalmente chega-se à trilha de acesso à cachoeira da Formiga. Lá, devemos seguir a pé por um curto caminho, onde é necessário bastante atenção para não tropeçar nos tocos e raízes.

Durante o trajeto, temos a impressão de que vamos conhecer uma cachoeira como outra qualquer, mas ao chegar, vislumbra-se um lugar de rara beleza, onde está escondido um lago límpido como cristal.

Refletindo em nuances o verde das folhas sob suas águas transparentes, esta piscina natural obtém coloração verde-esmeralda, o que arranca expres-sões como: “Meu Deus, O QUE É ISSO?!”

A forte queda d’água fez a cachoeira da Formiga ficar conhecida como a “ba-nheira natural de hidromassagem do PEJ”. E para desfrutar da “hidro”, basta vencer a correnteza.

Este pedacinho de Jalapão ficará para sempre na memória daqueles que o visitarem.

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Entre dunas e serras

O inopinado cenário, composto por dunas avermelhadas, buritis e serras, é esplendido e inesquecível.

A serra do Espírito Santo, no fundo da fotografia, é a grande responsável por essas elevações de areia, pois a ação dos

ventos causa sua decomposição. Trabalho de séculos!

De longe, pode-se observar o vento transportando delicadamente a areia da serra e depositando-a sobre as dunas. O sutil movimento da poeira se parece com um enorme véu de seda a tremular no ar.

As dunas estão localizadas em propriedade particular, sendo assim, é necessário pagar cinco reais pelo ingresso.

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177 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

“Quando disserem que vocês estão no meio do caminho, você ainda vai estar muito longe de chegar”, me alertou o garoto que trabalhava no hotel em que me hospedei, em Palmas, quando comentei que iria explorar o Jalapão. No início, não vi lá muito sentido em suas palavras, mas não precisou mais que cinco horas para eu compreender o que ele dizia. A distância entre os principais atrativos do PEJ é excessivamente longa, e as estradas não facilitam em nada. Sem mencionar o sol, de esturricar miolos! As poucas e ralas nuvens eram o mesmo que nada. Mas era preciso muito mais que esses lances adversos — se é que posso chamá-los assim — para me fazer desistir. Meu bolso transbordava disposição.

Visto a hora, nosso guia acelerou para chegarmos o mais cedo possível em outra praia à margem do rio Novo.

No caminho, dezenas de gafanhotos gigantes — que ultrapassavam facilmente a medida da palma da minha mão — sobrevoavam de forma deficiente nossa caminhonete. Alguns entravam no veículo, caindo sobre o painel e sobre nossas cabeças. Detalhes que tornam qualquer expe-dição mais ádvena e interessante. Sabia que isso me fez pensar na minha prima Alice?! Se ela estivesse conosco, teria saltado pela janela logo que o primeiro gafanhoto tivesse ameaçado entrar na cabine. Em meio aquela harmonia de formas e cores do cerrado, os insetos saltado-res, até então de tamanho anormal para mim e parecido com fadas, contribuíam para deixar o ambiente mais e mais feérico.

imagem a

imagem c

imagem b

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Com suas colorações exuberantes, as araras pintavam os tortuosos e secos galhos das árvo-res. Aos montes, as jalapas me faziam sentir dentro de uma animação gráfica, arquitetada por algum cientista que tenta desvendar como seriam as flores de outros planetas. Vaidosa e per-feccionista, a natureza manteve minha atenção aprisionada durante todo o tempo. Só lamento não ter visto um dos meu animais favoritos, o lobo-guará!

Sombra?!... A expressão de surpresa foi geral quando chegamos à pousada rio Novo, à mar-gem do rio homónimo. Estacionamos sob a copa de uma árvore que, por causa de seu tamanho, se destacava das demais.

Você sabia que o rio Novo (imagens A e B da página 177) é um dos últimos rios de água po-tável do mundo? Aliás, suas águas cristalinas e correntezas são mais que um convite à prática de esportes radicais, tais como canoagem, rafting e boia-cross, que consiste em descer as cor-redeiras sentado ou debruçado sobre boias apropriadas.

Após ter caminhado pela praia e bebido muita água do rio, fui me encontrar com meus com-panheiros de viagem para almoçarmos, mas lá chegando... “Onde foi parar todo mundo?”, per-guntei a um pássaro que parecia me olhar com curiosidade. Não havia ninguém além das duas moças que terminavam de preparar o almoço num rústico fogão à lenha (imagem C, página 177). Nem sinal do guia, nem da Elza e nem dos oito expedicionários que conhecemos ao che-gar à pousada. “Foram assistir o jogo da seleção, lá na televisão da sala”, gritaram de dentro da cozinha. Brasil jogando na Copa do Mundo... Estava explicado o sumiço de todos! A seleção que me perdoasse, pois não me “desconectaria” daquela natureza por nada, muito menos por um aparelho de televisão. Queria aproveitar cada segundo como se fosse o último.

Ao terminar o almoço, desejosos de chegar o quanto antes à comunidade do Mumbuca (vila-rejo fundado por remanescentes de quilombos), onde é cultivado o capim dourado do Jalapão, retomamos a estrada sob agradabilíssima brisa de 41 graus.

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O Jalapão foi escolhido como cenário da décima oitava temporada do reality show estadunidense Survivor, programa que leva compe-tidores para lutar pela sobrevivência em meio a paisagens de locais ermos em busca do prêmio de 1 milhão de dólares (versão original

de No Limite, da rede Globo).Intitulado de “Survivor Tocantins - The Brazilian Highlands”, a série da rede CBS de televisão foi fil-

mada de novembro a dezembro de 2008, estreando em janeiro do ano seguinte, quando foi transmitida para 128 países.

Dos 16 concorrentes, inicialmente divididos em duas tribos (Timbira e Jalapão), apenas dois chegaram a final do desafio que durou 39 dias. O campeão do prêmio milionário, James Thomas, ou J.T., como ficou conhecido, disse, em entrevista para um canal americano de TV, que pretende voltar ao parque estadual do Jalapão com sua família. “É um dos lugares mais bonitos onde já estive”, justificou ele.

Para que Survivor fosse gravado no Tocantins, os produtores do programa tiveram que concordar ple-namente em proteger o meio ambiente e seguir as leis e diretrizes vigentes no Brasil. O acampamento da produção era regularmente inspecionado pelo Naturatins.

DO BRASIL PARA O MUNDO!

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capim douradoBrilho sob o

céu do Jalapão

josilene cosTurando o capim dourado. foi nesTe exaTo

momenTo que soubemos que o

brasil esTava fora da copa do mundo

Nativo das veredas e campos úmidos (local de vegetação rasteira, sem árvores nem arbus-tos) do Jalapão, o Capim Dourado, cientificamente denominado Syngonanthus nitens e popular-mente chamado de o ouro do Jalapão, tem sido o grande responsável por famílias de diversas comunidades jalapoeiras trocarem suas atividades tradicionais, como a pecuária e a lavoura, por um novo trabalho, ou melhor dizendo, por uma nova arte, o artesanato.

De acordo com a pesquisa proposta pela Pequi, já existem mais de 15 associações de coleto-res e artesãos espalhadas pelo parque estadual do Jalapão, o que significa mais de 600 traba-lhadores cadastrados. E segundo a Naturatins, a estimativa é de que existam cerca de duas mil pessoas trabalhando diretamente com a confecção de artesanatos em capim dourado, além, é claro, das outras pessoas ligadas à colheita, ao transporte e ao comércio do produto final.

O artesanato que reluz como ouro não se limitou apenas ao interior do Tocantins, tampouco aos estados brasileiros, e foi brilhar em outras terras, na Europa!

Aliada ao crescente número de turistas, a fama nacional e internacional da artesania tipica-mente tocantinense, que inicialmente era confeccionada para uso próprio e ocasionalmente comercializada, foi enxergada por muitos como atividade de grande potencial econômico que poderia amenizar suas necessidades e ainda se tornar lucrativa fonte de renda.

“Me lembro de quando eu era bem pequena, ainda criança, e vi pela primeira vez aquele monte de capim dourado nas veredas. Logo que bati o olho, pensei que fosse ouro. Parecia uma plantação de ouro. Brilhava muito! Um brilho muito bonito sob a luz do céu. Nunca me esqueço daquele dia. Hoje, como quase todo mundo de Mumbuca, eu costuro as hastes do capim com a palha do buriti. Demorei três dias para terminar minha primeira fruteira. Comecei costurar desde que era criança. Aprendi a costurar com minha mãe, que aprendeu com minha avô, que aprendeu com minha bisavó... E assim vai, ou melhor, assim vem. Vem passando das mãos

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das mães para as mãos dos filhos. Há décadas é deste jeito. Mas foi dona Miúda, matriarca da comunidade, que fez o trabalho ficar conhecido. Nosso artesanato tem conquistado cada vez mais os olhos dos turistas. É olhar para se encantar. A gente tem vendido até para o exterior, acredita?! É trabalho que não acaba mais. Trabalho consciente, posso afirmar. Trabalhamos respeitando o ciclo de vida do capim dourado. A gente só colhe na época certa, quando o capim está seco e com brilho mais intenso, jeito que comprova que está maduro, e deixamos as se-mentes na terra. Fazemos tudo direitinho para garantir que nunca falte nossa matéria-prima”, ufana Josilene, neta de dona Miúda.

Em 2001, conscientes da fragilidade do capim dourado e reconhecendo que o extrativismo feito de forma desordenada poderia causar a extinção do “ouro do Jalapão”, a Associação Ca-pim Dourado do Povoado de Mumbuca foi à sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Brasília, para pedir a realização de estudos que pudessem garantir o manejo sustentável da planta.

No decorrer dos anos, as pesquisas revelaram importantes informações sobre o ciclo de vida do capim, principalmente levando em consideração que não existiam estudos prévios sobre o assunto. Verificou-se, por exemplo, que a espécie é perdurável. Todos os anos, após o dia 20 de setembro e antes do dia 20 de novembro (temporada das chuvas), acontece a colheita do capim dourado. É nesta época que as plantas estão “maduras”, prontas para serem costuradas. Quan-do sazonadas, suas hastes ficam secas e mudam de cor, ganhando o charme do tom dourado.

As flores do capim dourado se abrem entre julho e agosto e, depois de polinizadas, começam a produzir as sementes (curiosidade: uma única flor produz até 250 sementes), que amadure-cem no mês de setembro. Portanto, fazer a colheita antes desta data é crime previsto por lei. ExaTamenTe, é crime!

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O Naturatins, por meio do PEJ, criou a “Lei para colheita do capim dourado” (portaria 09/2005). E de acordo com esta Lei, o capim só pode ser colhido depois do dia 20 de setembro, e no momento da colheita, as flores devem ser arrancadas e jogadas de volta às veredas ou campo úmido, para desta forma garantir sua dispersão e consequentemente o nascimento de novas plantas no local. A Lei também proíbe a comercialização do capim dourado in natura, ou seja, antes de ser transformado em artesanato, para fora do Jalapão.

O extrativismo sustentável busca equilibrar a necessidade de preservação da espécie com os interesses da população que vive dos recursos naturais. Mas para que a atividade artesanal agregada a este capim possa ser passível de bom êxito social, ambiental e econômico, é indis-pensável que as características quanto ao ciclo de vida do Syngonanthus nitens sejam respeita-das rigorosamente.

fama conquisTada aos poucos...A fama da artesania jalapoeira não se tornou vedete da noite para o dia! São muitos os mo-

radores de Mumbuca a contarem que o artesanato de capim dourado começou a ser confeccio-nado há mais ou menos oito décadas, quando índios xerentes ensinaram a seu Firmino, um dos mais anciãos moradores da comunidade quilombola, as técnicas de como se costurar as finas e brilhantes hastes.

Sucessivamente, seu Firmino passou as técnicas para suas sobrinhas. Entre elas, dona Lau-rina, mãe de dona Laurentina e dona Miúda, sendo esta última a grande responsável pela di-vulgação e reconhecimento do artesanato e também por ensinar várias gerações de crianças a como transformar a planta em objetos estilizados.

No mundo das celebridades, a esTrela do capim dourado não é a única a brilhar...

É quase óbvio a necessidade de uma linha para costurar os filetes dourados, mas se engana quem pensa se tratar de algum tipo de barbante, produto sintético ou coisa no gênero. Para dar aquele toque especial ao artesanato, é utilizado fios advindos da seda de buriti (árvore típica do cerrado pertencente à família das palmeiras).

Essa tal seda, que depois de seca é desfiada e utilizada no coser das peças, é extraída do “olho” do buriti, que nada mais é que uma folha nova, que por nascer enrolada e ser fina e longa também é chamada de “folha-flecha”.

Este “olho” é colhido das palmeiras que medem entre quatro e dez metros de altura e que ainda não produziram frutos nem flores; são os chamados buritis jovens. Entre estes, os me-lhores para a colheita são aqueles que apresentam uma grande quantidade de folhas grande e verdejantes.

Cada um desses buritis chega a produzir até cinco “olhos” a cada 12 meses, e, claro, como as folhas são essenciais para a vida das árvores, não é permitido apanhar duas folhas-flecha seguidas de um mesmo pé. Sendo assim, na hora da colheita, é preciso verificar com bastante atenção se há algum talo cortado. Se tiver, o “olho” só poderá ser retirado caso houver uma folha mais nova que este talo, o que prova que a árvore teve tempo de se recuperar, tempo de guardar uma folha para ela.

Uma folha para o extrativista e outra para o buriti! Caso este esquema não seja respeitado, ocorrendo a colheita descontrolada do “olho”, o buriti passa a produzir menos folhas, podendo até mesmo morrer.

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Quando tratado com seriedade, o extrativismo sustentável é, além de um método incrível de conservação do cerrado (e outros biomas), uma excelente maneira de gerar renda para as comu-nidades jalapoeiras, exatamente como acontece em Mumbuca, onde os recursos da natureza são utilizados de maneira consciente, atendendo as necessidades do agora sem comprometer o amanhã.

Por falar em Mumbuca, quando for ao Jalapão não deixe de visitar este simpático povoado e conhecer de perto a confecção desta arte com brilho de ouro. E aproveite para conversar com os moradores de lá... Eles adoram contar as histórias que viveram no passado.

aTenção!Se desejar comprar alguma peça de capim dourado para levar para casa como recordação —

e tenho certeza todos irão querer isso —, dê preferência às associações de artesãos, pois isso significa apoiar grupos de pessoas que respeitam a importância extrativismo sustentável.

Ah!, como eu disse anteriormente, leve uma porção extra de disposição em cada bolso, decer-to você precisará dela. Dizem que se conselho fosse bom a gente não dava, vendia, mas mesmo assim vou deixar outra dica. Se você não tiver bastante experiência com mapas, bússolas e veículos 4x4, contrate uma agência de ecoturismo especializada, pois é preciso muito conheci-mento para se aventurar no gigantesco Jalapão. Pode até parecer exagero da minha parte, mas é sério.

josilene, maureni, kelly e daiane

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Portentos jalapoeiros

O anil do céu refletido nos lagos, a grama verdinha, o aroma da natureza espalhado pelo suave sopro do vento que

balança e convida as flores para um voo colorido, o brilho de um capim que sonhava ser ouro, serras... Particularidades que expõem o ânimo da natureza praticamente intocada.

Quando eu voltar ao Jalapão, e espero que não demore, prometo levar uma placa com os dizeres: “Atenção! Alto Índice de Cartões

Postais”, e fixá-la na saída de Ponte Alta do Tocantins.

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Do topo de 40 metros

O topo da maior duna do parque estadual do Jalapão atinge 40 metros de altura. Lá de cima, temos uma vista panorâmica, excepcionalmente privilegiada, e

podemos ter ideia do tamanho da reserva.

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O deserto do Jalapão

As altas temperaturas, o solo arenoso e as dunas são alguns dos fatores que contribuíram para o Jalapão ficar conhecido como deserto brasileiro.

Na minha opinião, a única característica que poderia justificar esta denominação - se pensarmos

exclusivamente na ausência de pessoas - é a densidade populacional, que é de 0,8 habitantes por km2.

Que é uma região erma é, e isso ninguém pode negar, porém, se fosse para escolher um “subtítulo” para o Jalapão, eu o

chamaria de “santuário das águas”, em consideração ao número de nascentes, ribeirões, riachos, lagos e oásis que pontilham o parque. Isso sem mencionar a diversidade da fauna e flora,

o que faz do Jalapão um verdadeiro paraíso ecológico.

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O fervedouro

Devo concordar que o fervedouro não é lá muito fotogênico!

Em meio à mata fechada - muitas bananeiras, como deu para notar - e com margens pantanosas, o fervedouro causa, quando visto pela primeira vez - tanto pessoalmente quanto por fotografia -, certo grau de aversão, mas basta que um braço de sol atravesse as árvores que o circundam para ele se revelar muito atraente. E não há quem fique só olhando. O divertido mesmo é cair na água!

Na realidade, o fervedouro é a nascente de um rio subterrâneo que, impedido por uma rocha impermeável localizada abaixo do lençol freático, jorra, e com bastante pressão, a água para a superfície, empurrando para cima tudo e todos que estiverem em seu caminho. Por este motivo, é impossível afundar nesta “piscina”. O visitante é literalmente lançado para o alto.

Preste atenção no som que as areias produzem quando caminhamos sobre elas. Parecem resmungar por causa do nosso peso.

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SEIS QUILOS MAIS LEVETerceiro e último dia!Eu tinha que voltar à pequena Ponte Alta do

Tocantins, onde deveria pernoitar para, na ma-nhã seguinte, às 6h30, pegar o ônibus de volta para Palmas.

Na tentativa de aproveitar meu último dia de expedição no Jalapão, pedi ao guia para que saíssemos de Mateiros logo que o primeiro raio de sol surgisse no céu. Por conta desta deci-são, a correria não nos deixou tomar o café da manhã sossegados. Deu tempo apenas de be-liscar alguma coisinha.

Paramos em vários pontos do PEJ para eu conhecer e vislumbrar o que a natureza tinha de melhor (páginas anteriores), como, por exem-plo, a cachoeira do Lajeado (imagem A) e o câ-

nion da cachoeira da Sussuapara (imagem B). Óbvio que sempre parávamos para fitar as belas paisagens do cerrado, ação que felizmente nos tomou bastante tempo.

Já era noite quando chegamos em Ponte Alta do Tocantins. Estava morto de cansaço, quebrado em mil pedaços e com o corpo dolorido por causa do tombo que levei. Achei que tivesse quebrado algumas costelas, mas não. Como se não bastasse, eu não podia podia sequer tocar no meu rosto, de tão queimado que ficou por causa da exposição excessiva ao sol. O protetor tinha acabado, e eu não deixaria de curtir o PEJ só por isso. Sei que é grave, mas só Deus sabia quando eu voltaria lá. Queria aproveitar tudo, mesmo que para isso eu tivesse que virar um boto cor-de-rosa.

Me despedi de Elza — despedida rápida, porém o bastante para provocar aquele nó na gar-ganta — e voltei à pousada Veredas das Águas.

Enquanto tomava banho, pensava: “termino a ducha, tiro um cochilo e em seguida vou ao centro da cidade, para comprar algo de comer”. A fome que sentia era absurda!

Após cochilar por pouco mais de duas horas, levantei-me, com muito esforço, e lá fui eu para o centro.

Não encontrava nadica de nada para comer. Nem mesmo um “espetinho de gato”, acredi-te. Não havia nenhum estabelecimento aberto, pelo menos não no centro da cidade. Na pousa-da não era servido jantar, apenas o desjejum, sempre posto à mesa às 7h da manhã.

Uma senhora que zanzava de um lado ao outro da rua me recomendou uma lanchonete (não vou dizer o nome, e logo você vai enten-der o motivo), que, segundo ela, era muito boa e que estaria aberta com certeza. Não tinha nada a perder, pelo menos até então, e por isso fui conferir.

B

a

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“Por favor, um lanche de frango, para viagem”. Nem mesmo no meu mais louco delírio poderia imaginar o que me aguar-dava, e o frango foi apenas a ilusória es-perança de comer algo leve e saudável.

Sabe quando comemos algo já com a certeza de que vamos passar mal? Ao abrir a embalagem do x-frango banha de porco, tive certeza de que isso, e apenas isso, poderia acontecer. DiTo e feiTo!Passei a madrugada toda sentado no

chão do banheiro, abraçado ao vaso sa-nitário, colocando tudo para fora.

Às 6h meu despertador começou a berrar, todo desvanecido. Minha cabeça parecia que ia explodir, sentia uma dor magistral. E como tudo aquilo que está ruim ain-da pode piorar, estava ardendo em febre. Mas, até aquele momento, pensava que era resultado das queimaduras provocas pela exposição ao sol.

Esvaziei o galão de água que ficava na recepção da pousada. Antes de partir, bebi dois litros de água. Em seguida, me despedi do guia, o senhor Ari, e fui para o ponto de ônibus.

Entre Ponte Alta do Tocantins e Palmas, me dei conta de que aquela quentura era febre. Como? Um senhor perguntou se estava tudo bem comigo, e o fez depois de ter trombado no meu braço.

Tentei dormir para perder a noção do tempo e por sorte agarrei no sono. Me lembro de um garotinho me cutucando com o canudinho de seu refrigerante quando já estávamos no Terminal Rodoviário de Palmas.

Bem que tentei comer algo por lá, mas não descia nada sólido, apenas líquido. Voltei para o hotel onde fiquei hospedado antes de ir ao PEJ para apanhar meu notebook e

minha mochila com roupas. Havia feito o mesmo que em São Luís do Maranhão.Minha intenção era pegar meus pertences e correr para o aeroporto a fim de embarcar para o

próximo estado. Mas depois de muito pensar, concluí que aquele não era um bom dia para voar. Para minha alegria, havia somente um apartamento vago. Os sinais não negavam.

A febre não parava de aumentar. Tentei dormir mais algum tempo e novamente consegui, o que é raro. De duas, uma: ou era um milagre, ou realmente algo seríssimo estava acontecendo comigo.

Horas mais tarde, tentei tomar uma ducha e comecei a vomitar incessantemente. Minhas vistas esbranquiçaram-se, como se eu tivesse mergulhado em um oceano de leite. Senti que ia desmaiar! Saí correndo do box do chuveiro e pulei na cama. Assim, caso eu desmaiasse, não correria o risco de bater violentamente a cabeça contra objetos do quarto ou do banheiro.

Não tenho noção de quanto tempo fiquei desacordado ou dormindo. E quando voltei a mim, quando recuperei a consciência, estava assustado demais para raciocinar, que dirá para checar que horas eram.

Havia uma quantidade alarmante de vômito espalhado pelo chão e sobre a cama. Quanto a mim, estava coberto de vômito, dando até para me camuflar entre a cama e o chão. Mas havia algo ainda mais estranho: fezes. Simplesmente rolei na m... Literalmente! Pode imaginar minha expressão de pânico?

foi neTte riozinHo que escorreguei e quase me quebrei!

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Tentei outro banho, aliás, eu tinha que me lavar, afinal, estava fedendo a esgoto. E em meio ao fedor, era capaz de sentir o cheiro daquele lanche maldito. Deveria ter sido aquele o pão que o diabo amassou!

As gotas d’água tinham peso de paralelepípedos caindo sobre minha cabeça. Maldita era a enxaqueca.

Quando me vestia, achei que fosse desmaiar outra vez e consegui controlar por meio da res-piração.

Engoli um remédio na expectativa de aliviar ao menos a dor de cabeça. Deu certo! Corri até a recepção para pedir socorro, talvez um táxi que me levasse ao hospital. Não pre-

cisei dar muitas explicações. Na hora em que viram minha situação, já sacaram que havia algo errado comigo.

Qual era o problema? Infecção alimentar. A não ser que eu esteja equivocado, isso ocorre quando ingerimos alimentos e bebidas contaminados com micróbios causadores de doenças.

Foram receitados quatro remédios para o tratamento, além de repouso e muito repositor hi-droeletrolítico. Penso que ficou claro o porquê de eu preferir omitir o nome daquela lanchonete infernal. Tenho todos os motivos possíveis e imagináveis para destacá-lo aqui, mas prefiro dar de ombros.

Devido ao repouso, prolonguei em dois dias minha estadia em Palmas. (...)Recuperado, subi na balança de uma farmácia que ficava no caminho do Aeroporto Interna-

cional de Palmas e me surpreendi ao ver que tinha emagrecido seis quilos por causa da infec-ção. Minha cara era a típica de um moribundo cabisbaixo.

No avião, fechei os olhos e divaguei nas lembranças do longínquo Jalapão. À propósito, faço minhas as palavras de J.T., vencedor do Survivor Tocantins.

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“Cuide bem do planeTa Terra. Ele não lHe foi dado por seus pais, lHe foi empresTado por seus filHos”

provérbio queniano

Muito ouvimos e raramente praticamos! Abaixo segue uma lista com ideias simples de como colaborar com a preservação do meio ambiente. Não há nenhuma que esteja além de sua capacidade humana. Lembre-se que pequenos gesto fazem enormes diferenças:

FAÇA SUA PARTE... CONSCIENTIZE-SE E PRESERVE!

– Denuncie queimadas ilegais – Compre produtos recicláveis – Denuncie o tráfico de animais – Não polua – Não jogue óleo e/ou restos de comida na pia – Não desmate – Ao fazer compras, não pegue sacolas além do necessário – Tenha sempre um saco de lixo dentro do seu carro – Lembre-se sempre de apagar a luz

– Plante uma árvore – Faça lavagem a seco nos carros – Não mate e nem maltrate animais – Separe os lixos (plásticos, papeis, metais, vidros...) – Preserve a mata nativa – Conheça o trabalho de ONGs ambientais – Esteja atualizado com as notícias envol-vendo meio ambiente – Use menos veneno nas lavouras – Não jogue pilhas e baterias no lixo

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PEIXE NA FOLHA DA BANANEIRAIngredientes

– 1 tucunaré ou pacu (grande) – suco de um limão – sal a gosto – pimenta de cheiro – alho a gosto – 1 cebola grande – folhas de bananeira

Modo de preparoTempere o peixe de sua escolha com sal e limão e deixe-o descansar por, aproximadamente, 25 minu-tos. Depois, tempere por dentro e por fora com alho, sal e cebola. Por último, enrole o peixe na folha da bananeira, a qual deve estar untada com azeite, e leve ao forno por cerca de 50 minutos. Quando es-tiver assado, desenrole da folha e, se quiser, unte mais algumas folhas para enfeitar.

cozinHa Típica

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do TocanTins para...

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BAHIA

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arara da aldeia imbiriba

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praia do espelHo

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os arredores de porTo seguro nos reservam graTas surpresas, como esTa visTa de sanTa cruz cabrália

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nas praias disTantes das cidades, a paz e a espiriTualidade são grandes e melHores amigas

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cosTa do descobrimento

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Brasília, de novo não!... Ao menos desta vez foi escala e não conexão, mas em com-pensação, tivemos que fazer quatro escalas: Brasília-São Paulo, São Paulo-Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-Salvador, Salvador-Porto Seguro. Gastamos pouco mais de seis horas na viagem de Palmas até a terra de Cabral, trajeto que não demoraria nem duas horas caso o voo fosse dire-to. Finalmente, e exaustos, aterrissamos no minúsculo Aeroporto de Porto Seguro, oficialmente chamado de “Aeroporto de Porto Seguro”.

De cara, a impressão foi de que os furacões Katrina e Dean tinham atravessado o saguão do aeroporto de mãos dadas. Era terra para todo lado, pedaços de concreto, ferros retorcidos, gran-des vigas de madeira, caminhões de entulho, placas de Atenção!, corredores improvisados... um verdadeiro caos. Contudo, o que parecia ser vestígios de um acontecimento lastimoso era, na ver-dade, um grande canteiro de obras... Obras de ampliação das pistas e do terminal de passageiros.

Depois da transformação, o aeroporto porto-segurense poderá receber voos internacionais, fator que impulsionará a economia da cidade, dado o aumento do turismo nacional e internacio-nal. Além da nova pista, com 250 metros a mais do que a atual, o terminal ganhará novos equi-pamentos de fiscalização e controle, novas lojas, amplos toaletes e ala exclusiva para embarque e desembarque internacional.

Será que essa reforma Também foi moTivada pela Copa do Mundo da fifa de 2014?Até desembarcar na Bahia, vi várias reformas, restaurações e construções motivadas por

este evento mundial. Falando sério... Mesmo que seja somente por isso, para mascarar algumas de nossas realidades — o famoso tapa aqui, descobre ali —, vou torcer para que possamos co-lher bons frutos destes investimentos durante e principalmente depois da Copa. E para ser bem sincero, levando em consideração a vocação turística de Porto Seguro e de todo seu entorno, a ampliação chegou atrasada. O aeroporto deixava a desejar, era tenebroso!

Engolindo mais poeira que no Jalapão, sentei-me ao lado de um amontoado de entulhos a fim de encontrar alguma pousada, liguei meu notebook e comecei a vasculhar os sites de busca. Geralmente, o valor das diárias fortalece minha preferência por pousadas, mas desta vez, o Ho-tel da Praia superou todas as minhas expectativas. O preço era ótimo e a localização perfeita, a poucos metros da Passarela do Álcool, um dos cartões postais da cidade e movimentado ponto turístico. É, como o que é bom não dura para sempre, desta vez não tive desconto, mas para abalançar a situação, o traslado aeroporto/hotel foi cortesia.

porTo seguro visTa da cidade alTa

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Como seria o reencontro do escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Cami-nha, com a atual Porto Seguro da Ilha de Vera Cruz? Como descreveria o cenário imortalizado por ele em carta escrita para Vossa Alteza em 1o de maio de 1500?

Bom, eu imagino que seria mais ou menos desta maneira:

Senhor,Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a

Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que — para o bem contar e falar — o saiba pior que todos fazer.

Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui nada mais do que aquilo que vi e me pareceu... Antes de prosseguir, meu senhor, quero que perdoe e releve os erros de por-tuguês que eu possa vir a cometer no decorrer desta, pois já passo do quinto copo de caipirinha. Vamos por partes.

Quando estava me aproximando de Porto Seguro, houve o sobressalto improveniente de um caso imprevisto. Vi algo que roubou toda minha atenção, e desta vez não fora o Monte Pascoal, mas um gigantesco M de cor amarela, todo iluminado, de onde um olor estranho, porém tentador, exalava. Era o M mais hipnotizador que já vi na vida. Por isso, quando em terra pisei, fui correndo conferir que coisa era aquilo, e um letreiro dizia: McDonald’s. As pessoas que lá trabalhavam disseram que eu merecia um BigMac pela excelente fantasia que eu trajava. Será que gozavam de minha vestimenta?

Era tarde, meu senhor, e cansado eu estava. Logo, acampei na calçada, bem ao lado de outros quatro homens, uma mulher e duas crianças. Dormimos sobre o toldo de uma velha banca de jornais. Descobri que muitas famílias fazem o mesmo por aqui.

O sol do dia seguinte - talvez ainda fosse o efeito da caipirinha - me pareceu muito mais forte do que antigamente. Na praia da cidade, senti que a água já não é a mesma, e ao caminhar pela areia, rasguei meu pé em cacos de vidro.

Senhor, à beira-mar, as mulheres continuam lindas e nuas. Na realidade, quase nuas. Agora elas usam um pedacinho de pano colorido para cobrir suas vergonhas. Alguns são o mesmo que nada e as deixam ainda mais vulgares.

como pero vaz de caminHa descreveria a aTual porTo seguro?

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Os índios - ou o que restou deles - se comunicam sem problemas com os nossos des-cendentes. Em suas aldeias, eles usam um sapato que é chamado de Nike, escutam um tal de iPod e incrivelmente sabem pedir “one dollar”. Muitos ainda sofrem com o preconceito, é verdade, mas outros recorreram ao Facebook na tentativa fugir do osrtacismo social. Aliás, este Facebook deve ser um sujeito superbondoso, visto que ele acolhe gente de toda raça e credo. Para a sorte da história, as tribos remanescentes ainda preservam suas tradições culturais, as quais continuam fascinantes.

O casario do século XVII - se eu não me engano - até que está muito bem conservado e se parece com um mosaico de cores vibrantes. Além disso, o conjunto arquitetônico divide espaço com avalanches de barracas, onde são vendidos diferentes tipos de bebidas alcoólicas, tais como hi-fi, red bull com red label, sex on the beach, entre outros. Só não entendo porque o inglês predomina. Há ainda outras bebidas, essas com nomes bizarros, como xixi da Xuxa e mijo de virgem, por exemplo.

Pessoas do mundo inteiro se encontra na chamada Passarela do Álcool para dançar ao som do axé, estilo de música muitas vezes inarmônico aos ouvidos. No seu verdadeiro sentido, axé é o alicerce mágico da casa do candomblé, religião africana onde se cultuam os orixás, divindades que são atraídas pelo cântico e ritmo dos tambores.

Já ia me esquecendo! Há também o funk, outro estilo de música mais inarmônico ainda, cujas letras deixam a vergonha de lado.

Lojinhas de suvenires ocupam o casario ao longo da Passarela da Promiscuidade, do Álcool, quero dizer. Antecipo, portanto, que comprei presentes para o senhor, Vossa Alteza. Com-prei camisetas com os dizeres “I Love Porto Seguro” e um cartaz de agência de turismo, no qual está estampado uma bela mulata seminua, que pede para que retornemos ao Brasil.

Outras coisas que pude notar: a violência aumentou em escalas estratosféricas e as armas de fogo evoluíram. Tem gente que lida com certa naturalidade ao assistir a uma cena de violência à mão armada. Eu mesmo quase fui assaltado no meio da multidão.

Me contaram que assim acontece por todos os cantos do Brasil e do mundo. Infeliz-mente, me pareceu que muitos se conformam com esta lamentável situação. Mas sejamos justos: ainda existem pessoas de boa índole por estas terras.

Termino esta carta dizendo que não retornarei. Ainda não decidi se gosto mais do nosso passado ou deste presente planejado de forma a esperar por um futuro desordenado.

Junto com vossos presentes, envio um BigMac.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.Deste Porto Seguro, 1o de maio de 2010.

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BEM-VINDOS ONDE TUDO COMEÇOU!Localizado no extremo sul do estado da Bahia, o município de Porto Seguro, oficialmente

fundado em 1534, divide com Santa Cruz Cabrália a importância de ser o local da chegada dos portugueses no Brasil.

A rica história desta cidade baiana teve início em 1500, quando a frota de navios portugue-ses, sob comando de Pedro Álvares Cabral, chegou à terra nova.

E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam bo-telho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-bruxos. Neste dia, às horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande porte, mui alto e redondo, e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chá, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome o de Monte Pascoal e à terra, Terra da Vera Cruz.

Pero Vaz de Caminha, em trecho de sua carta enviada ao rei de Portugal, d. Manuel I

Coroa VermelHa

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210 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

– A carta que relatava a desco-berta de Cabral e os primeiros dias em terra firme, escrita por Caminha, é considerada o pri-meiro documento da história brasileira e o primeiro texto lite-rário do país.

– Cabral e sua tripulação avistaram Santa Cruz Cabrália, mas não an-coraram de imediato. Era preci-so encontrar uma baía que fosse mais calma. Então, após navegar alguns quilômetros rumo ao sul de Santa Cruz Cabrália, o capitão Pe-dro Álvares Cabral pode encontrar o local ideal para lançar sua ânco-ra, o qual chamou de Porto Seguro. “E velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos na-vios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com mui larga entrada”, parágrafo da carta de Caminha.

Inicialmente, a economia de Porto Seguro baseava-se na exploração do pau-brasil, hoje, séculos mais tarde, a mesma é mantida por meio do turismo, sendo esta uma das cidades a receber mais turistas no Brasil, sobretudo quan-do se trata de viagens em comemoração à formatura do ensino médio.

Durante os meses de alta temporada (julho, dezembro e carnaval), Porto Seguro pode ser facilmente comparada aos corredores de qualquer escola, e quando o assunto é balada, as noites porto-segurenses são as mais agitadas do litoral brasileiro, não tenha dúvida. Logo, se você é apreciador da paz e do sossego, e prefere programas noturnos que poupem você de ter que ficar ouvindo adolescentes berrando, fazendo algazarras e enchendo a cara com bebidas alcoólicas numa estúpida competição que tem como principal objetivo descobrir quem fica ébrio por último para, então, conquistar a mão da linda, meiga e inteligente donzela do colégio, não vá a Porto Seguro nestas datas.

Mesmo com o ligeiro crescimento da atividade turística, os monumentos, quase todos tom-bados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e as características cul-turais de Porto Seguro foram bem — gostaria de dizer magistralmente — conservadas. O charme colonial mantido na cidade, por exemplo, se deve à proibição da existência de prédios e casas verticais que ultrapassem dois andares.

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211 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Caminhar pelas ruas de Porto Seguro é envolver-se em cultura, diversão e axé mãe baHia!O município está mergulhado na primitiva história brasileira, por isso, meus queridos, não se

limitem em desfrutar apenas do sol e das praias paradisíacas. Ingira do conhecimento que o município nos proporciona!

Esta, assim como tantas outras cidades coloniais da costa brasileira, seguiu a tradição por-tuguesa de cidade de dois andares. A parte alta, protegida por canhões estrategicamente posi-cionados na ladeira de acesso, era onde ficava a Sede do Poder.

A Cidade Alta, como era e ainda permanece conhecida, é um dos pontos turísticos mais visi-tados de Porto Seguro por aqueles que buscam arte e história. Quanto ao acesso ao segundo

andar da cidade, bom, este é bastan-te tranquinlo e pode ser feito de duas maneiras: de carro ou a pé. Caso você prefira a segunda opção, esteja prepa-rado para encarar a escadaria de 248 degraus (imagem ao lado). Após o últi-mo degrau, chega-se ao local onde está guardado um dos primeiros núcleos ha-bitacionais do nosso país. Conhecê-lo é o mesmo que entrar numa máquina do tempo e viajar pelos primeiros anos de Brasil.

Na Cidade Alta, declarada monu-mento nacional no ano de 1973, as casas, as igrejas e algumas ruínas demonstram como a nobreza daquela época vivia.

Na praça Pero Campo de Tourinho, encontramos a Igreja Matriz Nossa Senhora da Pena, construída no XVIII sobre os restos de uma igreja do século XVI; a igreja Nossa Senhora da Misericórdia, que foi erguida em 1526, data que lhe dá o crachá de igreja mais antiga do país; a capela São Benedito e as ruínas do Colégio Jesuítico, que funcionou até 1759, quando Marquês de Pombal expul-sou os jesuítas do Brasil.

No centro da Cidade Alta está fi-xado o Marco de Posse, escultura possivelmente trazida em 1503 por Gonçalo Coelho, com o objetivo de definir a posse da coroa portugue-sa sob as terras descobertas. De um lado, a pedra fundamental do Brasil tem lavrado a Cruz de Avis

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e, do outro, as Armadas de Portugal. Por simples questão de segurança, o marco está protegido por estruturas de vidro e correntes, fazendo com que as pessoas mantenham certa distância.

O casario e o Museu do Descobri-mento, alojado na antiga Casa da Câ-mara e Cadeia, completam o histórico conjunto arquitetônico, que felizmen-te preserva os ares e a arquitetura do período colonial.

Não vá com pressa à Cidade Alta e, quando estiver lá, faça uma visita às lojas de produtos típicos, assista à apresentações de danças e capo-eira, deixe-se levar pelo som ritmado do berimbau (instrumento de corda, de origem angolana). Ah, e em hipó-tese alguma pense em ir embora sem antes provar algumas das iguarias da culinária baiana, nacionalmente co-nhecida por levar azeite de dendê e fortíssimas pimentas. Desta rica, so-fisticada e variegada cozinha, que tem como principal tempero a combinação de ingredientes indígenas, africanos e portugueses, recomendo o acarajé.

Mas, que tal comer uma bola de fogo?! Calma... eu explico.

De acordo com as cozinheiras baianas, o acarajé recebeu este nome por dois motivos: a cor similar à do fogo e o ardor das pimentas que chegam, dependendo da dosagem, a queimar a língua daqueles que não têm o costume de comê-lo. Ainda de acordo com aquilo que dizem as baianas, esta especialidade gastronômica da cozinha afro-brasileira é a comida ritual do can-domblé. “Como é de tradição, sempre oferecemos o primeiro acarajé para o orixá Exu, devido sua importância no candomblé, e em seguida oferecemos a outros orixás”, me explicou uma divertida senhora que vendia o bolinho na Passarela do Álcool.

Ficou com água na boca? Então fique sabendo que vai ser na Cidade Alta que você poderá comer saborosos acarajés. Estando lá, procure por dona Neuza (foto), pois acarajé como o dela é difícil de encontrar. Lembrando que o verdadeiro bolinho deve ser frito no dendê!

akàrà é uma palavra de origem africana, que significa bola de fogo, e a Tradução de je é comer. Logo, akàrà je (acarajé) é o mesmo que comer bola de fogo.

Dona Neuza do CenTro Histórico de PorTo Seguro

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TIA LU NA PASSARELA...... do álcool. É fato que ao longo do caminho sempre encontramos pessoas que deixam

marcas positivas ou negativas em nossas vidas. Sortudos são aqueles que encontram a tia Lu. Quando se trata de amor — no sentido mais puro da palavra —, estranhamente nos entregamos por completo a uma amizade que inexplicavelmente acontece!... Não somos capazes de dizer quando ou como este sentimento começou a surgir. E o que dizer das amizades que acontecem instantaneamente? Seria uma amizade à primeira vista?! Ainda mais vivendo em tempos que, lamentavelmente, por causa da violência e “bandidagem”, preferimos fugir e/ou nos esconder a conversar com pessoas que não conhecemos. Então, como explicar, ou melhor, como compre-ender o nascer de uma amizade sincera com alguém que jamais havíamos visto na vida?

Tenho certeza que quase todo mundo já passou por experiência igual ou parecida. Não é mesmo verdade? Comigo aconteceu várias e várias vezes, mas há uma que merece destaque. Trata-se de um sorriso ambulante que vive e trabalha em Porto Seguro. O endereço não tem como errar e não há quem não o conheça: Passarela do Álcool — Barraca da Brisa. Neste logra-douro, você terá o prazer de conhecer a mineira mais baiana, divertida e arretada da cidade, ou quem sabe do Brasil.

Maria de Lourdes tem 55 anos e há 18 trabalha na rua mais boêmia de Porto Seguro, mais especificamente, na badalada Passarela do Álcool, ponto de encontro noturno preferido dos turistas. “Comecei a trabalhar na Passarela em 1992, quando meu irmão estava decidido a fe-char a barraca que ele tinha no local. Eu nunca tinha me imaginado trabalhando no lugar dele. Já tinha trabalhado com revenda de roupas íntimas, em restaurantes, lojas... Diversos setores, mas este, que envolve turismo e muita gente nova, jamais imaginei”, começa contando dona Maria. “Todo mundo aqui é meu sobrinho... Aqui eu sou a tia Lu. Deixo a Maria de Lourdes em casa! Tenho uma enorme relação de amizade e carinho com meus clientes”, diz com um sorrido de orelha a orelha estampado no rosto. “Bem, lá no começo de tudo, pensei que não fosse dar conta do recado! Eu chegava para trabalhar — aliás, ainda chego —, às 16h, e quando é alta temporada, volto para minha casa por volta das 4 ou 5 da manhã. Mas foi aqui, pão-de-mel

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(pão-de-mel é o apelido que tia Lu me deu), que encontrei a cura para minha depressão. Isso aqui é uma terapia constante. Há vezes em que eu nem mesmo tomo meus remédios”, revela tia Lu, exaltando o cari-nho que sente pelo trabalho que exerce.

“Há turistas que chegam perguntando onde fica a Barraca da Brisa, e isso me deixa muito feliz. Me dá novas cargas de energia. Só tem uma coisa chata, pelo menos na minha opinião: são os guias de agências que não deixam os turistas escolherem a barraca onde beber”, desabafa. Para lidar com esse tipo de situação, tia Lu, assim como muitos outros que trabalham na Passarela do Álcool, tenta atrair os clientes no grito e nas brincadeiras. “Eu brinco, grito, saio correndo atrás das pessoas e peço para elas provarem as bebidas que eu faço. Quando são gringos, basta que provem minha caipirinha”, conta Maria de Lourdes, orgulhando-se da boa qualidade de seus drinks.

Além das receitas tradicionais, na Barraca da Brisa há uma variedade enorme de coqueteis, e os nomes são pra lá de criativos: xixi da Xuxa, beijo de virgem, orgasmo etc. “O campeão de vendas é o capeta e, em segundo lugar, vem a caipirinha”, revela a tia mais querida da cidade.

Esteja certo que conhecer Maria de Lourdes será uma das melhores surpresas que você le-vará da terra de Cabral. Portanto, quando desembarcar em Porto Seguro, não se esqueça de ir à Barraca da Brisa.

Podemos afirmar que a Passarela do Álcool, que compreende a av. Portugal, situada no centro de Porto, é um shopping ao ar livre. Em seu colorido casario colonial estão abrigados inúmeros restaurantes, que variam do mais simples ao mais requintado, lojas de suvenires, artesanatos e produtos regionais. Numa simpática travessa chamada de O Beco e em toda sua mediação, por exemplo, encontramos inúmeras cantinas que apresentam cardápios únicos, não encontrados em nenhum outro estabelecimento. Aos amantes de frutos do mar, recomendo o camarão no abacaxi. É de comer rezando!

Com muito som e regada à bebida, a Passarela do Álcool é frequentada por jovens que bus-cam fazer o famoso esquenta antes de partirem para as baladas, como a Ilha do Aquários, Axé--Moi (alusão à expressão francesa chez moi, que significa lá em casa), Tôa Tôa e Transilvânia. Mas vale lembrar que a Passarela do Álcool tem mais a oferecer...

Em toda a extensão da avenida Portugal há artistas expondo seus trabalhos. São telas que retratam as faustosas paisagens da região, folhas de coqueiros metamorfoseadas em animais e flores (imagem acima), teatros de marionetes dançarinas, pichadores que fazem da tinta em aerosol matéria-prima de pinturas futurísticas, enfim, belas artes.

Se quiser levar uma recordação bastante divertida, procure pelo cartunista Daniel Viana. Ele faz caricaturas engraçadíssimas. Veja na próxima página como fui visto pelos olhos do artista.

E para terminar, um surrado clichê: “Se for beber, não dirija”. Vi muitos acidentes em Porto Seguro!

TIA LU DÁ A RECEITA!A carismática Maria de Lourdes ensina como fazer a bebida de maior sucesso entre os turistas: o capeta.Ingredientes: uma boa dose de cachaça, outra generosa de leite condensado, uma colher de sopa

de canela em pó, uma colher de sopa de mel, uma colher de sopa de guaraná em pó, uma colher de chocolate ou achocolatado em pó e gelo à vontade.

Modo de preparo: basta colocar todos os ingredientes dentro do liquidificador — se preferir, pode colocá-los em uma coqueteleira —- e bater. Pronto! Está pronta a mais famosa e energética bebida de Porto Seguro.

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minHa caricaTura. obra do arTisTa daniel viana

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Pela estrada aforaAlugar veículos é a melhor opção para aque-

les que desejam se aventurar em busca das fabulosas e longínquas praias da região e da emoção de vislumbrar parte de mata atlântica onde a natureza ainda se mantém intocada. Para isso, existem inúmeras franquias de gran-des empresas locadoras de automóveis no aeroporto e espalhadas por toda Porto Segu-ro. Mas se sua intenção for economizar, então, pode esquecê-las. A solução é alugar carros de empresas porto-segurenses. São mais baratos e não colecionam uma infinidade de burocracias. Muito provavel-mente, você será abordado nas ruas por pessoas que irão oferecer aluguéis de carros e buggy por preços tão acessíveis que fogem da realidade. Cuidado! Antes de fechar negócio, procure obter mais informações sobre a empresa ou pessoa que oferece tal serviço. Em hotéis e pousadas, por exemplo, peça referências que possam comprovar a credibi-lidade do anunciante.

Ainda eram dez horas da manhã quando aluguei um Fiat Uno e parti com destino à Caraíva, vilarejo de pescadores a 75 quilômetros de Porto.

Enquanto aguardava a balsa que me levaria para o outro lado do rio Buranhém, aproveitei para fazer algumas anotações no surrado mapa que ganhei ontem, presente de um rapaz que trabalhava na Passarela do Álcool. Nele, destaquei algumas praias e aldeias indígenas que pre-tendia visitar, caso houvesse tempo!

Depois de 40 e poucos quilômetros, chega-se ao trevo que dá acesso à rodovia de Trancoso, antigo vilarejo português elevado à categoria de cidade em 9 de dezembro de 2004, e é neste ponto que trocamos o asfalto pela terra.

Havia chovido a madrugada toda. Fiquei ciente de que não foi uma chuvinha qualquer, mas um temporal.

o caminHo aTé caraíva não é nada fácil, ainda mais com cHuva!

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E para deixar a estrada ainda mais agradável, já fazia alguns dias que chovia em toda região de Trancoso. Resultado: mistura de lama com buracos, pedras e água em excesso. Deslizando de um lado para o outro, meu carro afigurava-se ao leigo patinador em sua primeira vez sobre o gelo.

Quanto mais seguia em frente, mais ermo tudo parecia ficar. Não se avistava ninguém na estrada! Acho que eu era o único que tinha perdido o senso da razão.

A distância não me importava mais. Até porque não fazia sequer ideia se estava mais próxi-mo do destino final ou de origem. Deste modo, não sabia se era melhor voltar ou prosseguir. Só tinha a sensação que, devido às péssimas condições da estrada e do clima, um quilômetro se tornava mais longo e cansativo do que 100.

A estúpida e excêntrica certeza de que o carro poderia quebrar ou atolar a qualquer momen-to — o que seria ainda pior por eu estar sozinho — me apavorava. E quando esquecemos que as coisas podem piorar, elas fazem questão de nos lembrar. A chuva voltou a cair!

Eis, então, que recebo a bela notícia de que não estava sozinho. Um caminhão de grande porte havia atolado num lamaçal, bloqueando a estrada, e dois carros — três, se contarmos com o meu — aguardavam a solução do problema. Quando o caminho foi liberado, deixei que os veículos seguis-sem na minha frente. Assim, caso eu me perdesse ou precisasse de socorro, teria a quem recorrer.

Algum tempo depois, e sem chuva, avistamos Imbiriba, aldeia composta por descendentes de índios Pataxós e local da minha primeira parada.

Esta bucólica aldeia, que teve sua origem nos anos 1920, é considerada, junto com sua vizinha Itaporanga, um dos principais e maiores núcleos de tradições e culturas indígenas da Costa do Descobrimento, zona de natureza tombada como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, que compreende os municípios de Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Belmonte, estendendo-se entre a Costa do Cacau e a Costa das Baleias.

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Basta andar pelas ruas de Imbiriba e Itapo-ranga para sentir o resgate cultural na pele.

Esta era minha segunda vez nestas aldeias. Na primeira, cheguei à aldeia por obra do aca-so, quando um casal de amigos e eu procu-rávamos pela praia do Espelho. E foi lá, na-quelas terras, que conheci os irmãos Arytana (rara árvore da flora brasileira), Agapé (gato selvagem) e a pequena Arara (ave que todos nós conhecemos).

Desta vez, reencontrei apenas Arytana (imagem página 217) na tenda de artesanatos de sua família. E por sinal, há artesania nos quatro cantos de ambas as aldeias, mas se desejar alguma peça que seja a sua “cara”, saiba que é possível encomendar diretamente com os artesãos.

Os ecos do passado são umas das coisas que mais me encantam nessas terras indígenas... Os idosos, por exemplo, têm muitas histórias para nos contar, algumas alegres e outras tristes, como a do lutuoso episódio de 1951, quando polícias opressores cometeram o massacre da al-deia de Barra Velha. Lembranças como essa são, vez ou outra, narradas por vozes embargadas e olhos marejados. Não hesitei em ouvi-las.

Na hora de partir, achei que o melhor a fazer era não perguntar quão distante estava Caraíva. “Não devia estar tão longe”, inocente pensamento meu. Longe eu sabia que não estava… o pro-blema era o clima chuvoso, a estrada e o final da tarde que se aproximava. Não demoraria para escurecer, e isso me preocupava bastante.

se anTes de imbiriba Tudo parecia ermo, depois enTão... quanTo mais eu dirigia, mais perTo esTava de lugar nenHum!

Barro, mata fechada, estrada esburacada, chuva, vendaval e o pior: vidro embaçado e de-sembaçador quebrado — talvez fraco, não sei ao certo. E para deixar a situação ainda mais ten-sa, em determinado percurso do rali, havia uma ladeira tão íngreme que até hoje não entendo como foi que o Fiat Uno conseguiu encará-la. Ah, e o medo, evidentemente, me fazia companhia.

Depois da subida, a descida. Descida que me levou à uma parte onde a floresta era incrivel-mente mais densa. As copas das árvores ausentavam a luz do sol — que já não era muita —, deixando o ambiente um tanto sombrio.

O cenário mais sinistro de todo o trajeto deixava o Crystal Lake (do filme Sexta-Feira 13) parecido com o jardim do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Tratava-se de uma cabana de madeira (se-melhante àquela que ilustra a capa do livro A cabana, de William P. Young) erguida numa área pantanosa e de frente para um lago, do qual gravetos apontavam para fora de sua superfície. A névoa, que não se limitava em pairar somente sobre o lago, alcançava a porta da cabana e se perdia entre as árvores. Quando o vento a assoprava, deixando ainda mais visível os gravetos do lago, era hora da pareidolia atacar. A partir das formas não definidas dos galhos e junto com minha imaginação, este fenômeno fez minha mente criar imagens de mãos e braços, como se fossem pessoas pedindo por socorro. Juro que gostaria de ter feito uma fotografia, mas faltou coragem para sair do carro. Se bem que, para não morrer afogado na lama, seria necessário um escafandro ou algo do tipo.

Depois do susto, a recompensa: estrada plana e céu limpo, com direito a pôr-do-sol (página 216). E tendo comprovado a habilidade do piloto e a qualidade do veículo, finalmente cheguei em Caraíva.

anéis de coco e madeira confeccionados na aldeia imbiriba

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Bem-vindos ao vilarejo mais antigo do BrasilDe acordo com um mapa encontrado no Museu do Descobrimento, em Porto Seguro, Caraíva

foi fundada em 1535 por colonos portugueses. Todavia, os moradores do vilarejo decidiram escolher o ano de 1536 como o de fundação oficial.

No decorrer de 474 anos de história, o vilarejo desenvolveu sua identidade cultural harmo-nicamente moldada nos costumes indígenas e portugueses, além do toque mais que especial de paz e amor dos hippies, que frequentavam essas bandas na década de 1970.

Por muitos e muitos anos, a economia de Caraíva so-breviveu da pesca, da extração de madeira e do cultivo de piaçava (palha de palmeiras para fazer vassouras, espanadores etc.), mas atualmente, a mais importante fonte de crescimento econômico é o turismo.

Em 2007, algo inédito e desejado há muitos anos chegou às 270 casas da graciosa península: a luz elétrica, completando a alegria dos moradores e em especial dos donos de pousadas, porquanto o movi-mento de turistas aumentou graças ao conforto trazi-do com a novidade.

Após substituir os geradores pela eletricidade, Ca-raíva tornou-se o primeiro município brasileiro a ter um sistema de fiação 100% submerso, nada de pos-tes e fios à mostra para afear a paisagem. Desta ma-neira, o vilarejo mantém-se rusticamente charmoso e moderno. Segundo moradores, a ausên-cia de postes nas alamedas preserva o mais belo espetáculo da região, que é o céu abarrotado de estrelas.

Bares e restaurantes que oferecem mesas à luz de vela (para manter o charme de sempre), MPB e forró complementam a noite. Que pena não ter ficado até mais tarde, mas para quem vai e fica, deixo a dica.

Quando estiver em Caraíva, desacelere o marchar e os pensamentos, e não deixe de ir à praia do Espelho, que além de não ficar longe, foi apontada pelo Guia Quatro Rodas (editora Abril) como a quarta praia mais linda do litoral brasileiro. Devo concordar! Envolvida por uma atmos-fera de tranquilidade, a praia do Espelho reúne piscinas de águas cristalinas, arrecifes, falésias, coqueirais e riachos. Programe o dia todo para desfrutar desta preciosidade.

Na hora de voltar, tive outra surpresa. Soube que Caraíva é servida por uma linha de ônibus que faz traslados para Trancoso, Arraial e Porto. Fiquei intrigado só por pensar como que um ônibus passaria em certos trechos daquela estrada, e por isso aproveitei a carona, seguindo-o de volta a Porto Seguro. Desta forma, o retorno foi muito mais tranquilo, mesmo sendo noite.

panorâmica de caraíva

a recompensar as dificuldades, caraíva reservou boas surpresas

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Turismo de Contemplação e ConscientizaçãoHoje, troquei a terra pela água. A bordo de um barco da Cia. do Mar, empresa com mais de 25

anos de tradição e pioneira no turismo náutico de Porto Seguro, saí à procura de baleias jubar-tes, atividade ainda incipiente no Brasil.

Em 2006, também com pioneirismo, a Cia. do Mar deu início ao Turismo de Observação de Baleias na Costa Sul da Bahia, e durante dois anos verificou-se a viabilidade do projeto, bus-cando, em 2008, parceria com a bióloga marinha Thais Melo, que em 2002 havia iniciado esta mesma atividade no município de Cumuruxatiba, onde trabalhou por cinco anos levando turistas para observar os cetáceos. Assim, a Cia. do Mar uniu seus anos de experiência em turismo com o conhecimento de uma qualificada profissional da área que, além de passar informações e tra-balhar com a conscientização ambiental durante todo o passeio, também desenvolve pesquisas científicas com coletas de dados a cada saída de barco.

“Crendo na conscientização ambiental adquirida através desta atividade ecoturística, a em-presa Cia. do Mar faz questão de ter sempre a bordo um biólogo educador ambiental para infor-mar e responder a qualquer questão, além do mais, a empresa buscou parceria com o Instituto Baleia Jubarte, ONG que tem como missão conservar as baleias jubartes e outras espécies do Brasil. Portanto, desta forma, trabalha-se com total segurança, respeitando todas as normas de avistagem de baleia, garantindo e contribuindo à proteção das mesmas”, explica a bióloga marinha Thais Melo.

Os passeios acontecem anualmente de julho a meados de outubro, pois, segundo Thaís, é neste período do ano que as jubartes buscam nosso litoral como área de procriação. “É nas águas mornas da Bahia que as mamães jubartes dão à luz um filhotinho de quatro metros de comprimento e cerca de duas toneladas. Apesar deste tamanho todo, o filhote ainda não tem gordura suficiente para suportar o frio da Antártica, zona de alimentação dos mamíferos”, eluci-da a bióloga. “Sendo assim, as fêmeas migram para a costa da Bahia para terem seus filhotes e amamentá-los. É também em nossa costa que os solteiros da espécie namoram e copulam”, continua. “As baleias não se alimentam no período que estão por aqui, mas somente quando voltam à Antártica, onde elas irão repor toda energia que gastaram na viagem de cinco mil qui-lômetros, distância que percorrem em mais ou menos dois meses. No quesito alimentação, o fato curioso é que as jubartes não possuem dentes, mas sim barbatanas, as quais são utilizadas para filtrar seu principal alimento, o krill, que nada mais é que um minúsculo camarão que ocor-re nas águas geladas”, conclui a bióloga.

O turismo de contemplação de baleias, o famoso whalewatching, é uma forma de ecoturismo que vem tornando-se popular em inúmeros países, e é tida por várias instituições, inclusive pelo Instituto Baleia Jubarte, como eficaz ferramenta de sensibilização da opinião pública contra o retorno da caça comercial de baleias, além de geração de benefícios econômicos, ambientais e culturais às comunidades situadas nos locais de execução da atividade ecoturística. Com otimis-mo, a equipe de profissionais do Cia. do Mar acredita no crescimento do whalewatching também no Brasil, e está ciente de que isso deve ocorrer de maneira ordenada. “Caso o trabalho não seja bem executado, muitos podem se prejudicar, e caso haja embarcação que não respeite as leis criadas para evitar o estresse e molestamento destes animais, as baleias jubartes e outros cetáceos podem ter sua reprodução prejudicada”, alerta Thais.

Acontecem três passeios por semana (terças, quintas e sábados) e cada saída — sempre em embarcações apro-priadas, importante ressaltar — conta com média de 25 pessoas, entre as quais se encontram turistas (brasileiros e estrangeiros), moradores locais, biólogos, repórteres etc., pessoas que adoram a interação com a natureza.

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“Muitas pessoas navegam em busca da realização de um sonho: o sonho de ver uma baleia de pertinho. É muito bacana, pois observá-las traz grande felicidade para as pessoas. Imagine trabalhar realizando sonhos! Isso é muito gratificante para nossa equipe”, enaltece a bióloga.

É realmente impactante e singular poder observar as baleias em seu hábitat natural, ainda mais quando as ouvimos cantar, por meio de um microfone mergulhado nas profundezas do oceano. O som nos transmite uma emoção indescritível. Só presenciando para entender!

Por se tratar de animais livres, é necessário ter consciência de que o oceano é infinitamente maior do que qualquer tanque de qualquer aquário do mundo, por isso é quisto que haja com-preensão no caso de nenhuma baleia aparecer, o que não é impossível de acontecer.

Conselho de amigo: se você sente enjoos em embarcações, não ouse fazer este passeio. Não há Dramin que resolva. Eu mesmo pude assistir a um festival de vômitos. Vi pessoas que paga-ram pelo passeio que tinha tudo para ser um dos mais inesquecíveis e interessantes de suas vidas, e quando as jubartes apareceram, sequer conseguiram vê-las, estavam todos mareados e ocupados demais vomitando. Fora a tripulação, apenas cinco pessoas não se sentiram mal no dia em que fiz o passeio, e eu, ainda bem, fui uma delas.

A bordo do Caramuru (nome da embarcação da Cia do Mar) há um livro onde podemos deixar nossas impressões, críticas e comentários. A empresa ainda conta com o site www.ciadomar.com e uma página no Facebook. “Procuramos manter contato com nossos clientes por meio de uma lista de e-mails, enviando fotografias, notícias e protestos para que as pessoas possam integrar à nossa luta contra o retorno da caça às baleias e de sua preservação como um todo”, informa Thais Melo.

A caça indiscriminada reduziu quase todas as espécies de baleias, em especial as jubartes, que estão a 15% de seu total, e por esta razão, em 1986, o Brasil aderiu à medida proibitiva pela Comissão Internacional Baleeira (CIB), e desde 1987 vigora a Lei Federal de número 7.643, que proíbe a caça comercial de cetáceos no nosso oceano. Graças a essa medida, a população vem aumentando, mas segundo Thais Melo, “ainda não atingiu sequer 50% da população original”.

Face aos fatos, o whalewatching é um dos mais fortes argumentos contra a reprise da impie-dosa caça às baleias. Não há dúvidas quanto a isso.

“AcrediTamos naquela frase que diz: conHecer para conservar”, finaliza a bióloga.

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Resumindo meu último dia na terra de Cabral!Devolvi o carro pela manhã, e de ônibus fui conhecer

Coroa Vermelha, local onde foi rezada a primeira missa em solo brasileiro, em 26 de abril de 1500, e de cara me deu um tremendo ataque de riso ao ler os nomes dos licores que são vendidos por lá (imagem ao lado). Isso, evidente, sem contar os suvenires pra lá de exóticos: cobras curti-das na pinga. Segundo o vendedor, há quem beba desta pinga. Eu duvidei... Mas pensando melhor, em tempos de padres voadores, não devemos duvidar de nada nem de ninguém.

Em Coroa Vermelha pode-se visitar uma “oca shopping cultural” de etnia pataxó, na ativa desde 1972, onde en-contramos desde artesanatos a formulas milagrosas à base de plantas para emagrecer. Acabei comprando um frasco do tal emagrecedor, e seguindo à risca o “modo de

tomar” que o cacique prescreveu —aquecendo uma colher de sopa do remédio —, experimentei o líquido mais amargo da face da Terra. Se o capeta tem um gosto, estou certo de que o gosto é este.

Ao deixar Coroa Vermelha, fui direto para Arraial d’Ajuda, vila nada pacata e que tem tudo para ser confundida com a carismática Armação dos Búzios, no Rio de Janeiro. O centro de Arraial é repleto de atrativos turísticos, tais como casa de shows ao vivo, bares, sofisticados restaurantes e vielas que cheiram a dinheiro, as quais são altamente chiques, elegantes e endereços de caros estabelecimentos. Além dos vários hoteis e condomínios de luxo, o bairro Quintas do Arraial, localizado na vicinal Estrada da Balsa, abriga o segundo maior parque aquático do país, o Eco Parque, perdendo apenas para o BeachPark Fortaleza, no Ceará.

Programas de cunho cultural não faltam em Arraial, a começar pela Praça da Igreja, no centro histórico, onde fica a Igreja da Nossa Senhora d’Ajuda, local de encontro de fiéis, que teve sua construção iniciada em 1550, pouco depois da chegada dos jesuítas.

Almoçar ou mesmo caminhar pela rua do Mucugê — apontada por muitos como a rua mais charmosa do Brasil — ao som da boa música popular brasileira é magia pura.

Se fosse possível parar o mundo, mesmo que por algu-mas horas, Arraial seria o lugar ideal para se fazer isso. Mas como isso é impossível, o jeito foi arrumar as mochi-las e partir.

coroa vermelHa e arraial d’ajuda

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agapé, irmão de aryTana e arara, um dos pequenos moradores da Terra indígena de imbiriba, na região de porTo seguro.

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O Marco do Descobrimento, ou Pedra Fundamental, como também é chamado, foi esculpido em pedra de cantaria, e ostenta a Cruz de Avis de um lado e as Armadas de Portugal do outro.

Segundo os povos antigos, o nome pedra de cantaria surgiu por causa dos escravos, que cantavam por descontração enquanto lavravam as pedras.

Marco do descobrimento

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Como podemos observar na fotografia, o Parque Municipal de Preservação Marinha de Coroa Alta é um banco de areia e corais, localizado ao norte de Cabrália.

Anos atrás, o banco de areia era muito maior que hoje, e contava com barraquinhas de petiscos para receber os turistas.

Depois do Arrecife de Fora, Coroa Alta é o parque que recebe maior número de visitantes, ultrapassando dois mil por dia em épocas de alta temporada.

Coroa alta

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Como andar pelas vielas de Arraial D’Ajuda sem notar o colorido da artesania local? Mesmo que se faça esforços hercúleos, é simplesmente impossível não notá-lo. Há artesanato para os diversos gostos. São conchas, búzios, palhas, madeiras, lascas de coco seco, folhas de palmeira... uma infinidade de matéria-prima que, nas mãos certas, se transformam nas mais variadas peças de artesanato, as quais podem ir de pequenos mimos, os quais custam poucos reais ou até mesmo centavos, até artigos de decoração, que devido ao design elaborado e ao material utilizado, podem sair bem caro.

Artesanatos em Arraial D’Ajuda

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Segundo a lenda, que no mais das vezes é tida como verdadeira pelos moradores de Porto Seguro, o rio dos Frades recebeu este nome devido ao afogamento de um frade franciscano italiano, que teria desembarcado na terra de Cabral em 1515.

Vários trechos de manguezais e águas calmas são algumas das características mais notáveis do rio dos Frades. No período das cheias, quando as águas deixam o leito do rio e inundam as planícies que o margeiam, o cenário assemelha-se ao do pantanal mato-grossense.

Rio dos Frades

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ACARAJÉIngredientes

– 1 litro de azeite de dendê para fritar

– 1 colher (sobremesa) de sal – 1 dente de alho – 1 colher de chá de gengibre ralado – 300 g de cebola em pedaços – 1 quilo de feijão fradinho quebrado

Para o recheio – 1 cebola picada em pedaços bem

pequenos – 1 xícara (chá) de caldo de peixe – coentro a gosto – 1/2 xícara de chá de azeite de

dendê – 100 g de camarão seco sem

cabeça

Modo de preparoLave o feijão até não sobrar nenhuma cas-ca e deixe de molho por três horas. Escorra o feijão e coloque no liquidificador junto com a cebola, o gengibre o alho e bata até obter uma pasta homogênea. Antes de fritar, com auxílio de colher, bata a massa até que fique bem fofinha. Em uma panela grande, de pre-ferência um tacho, aqueça bem o azeite de dendê. Com ajuda de duas colheres gran-des, modele os bolinhos e frite-os no dendê. Sirva-os recheados com camarões, vatapá e caruru. Preparo do camarão: Coloque todos os ingredientes em uma panela, misture e co-zinhe por 5 minutos. Vatapá: papa de farinha de mandioca com peixes e crustáceos, com bastante pimenta. Caruru: papa à base de quiabo, dendê e pimenta.

cozinHa Típica

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da baHia para...

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MINAS GERAIS

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231 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Ouro PreTo: PaTrimônio CulTural da Humanidade

O OURO PRETO DAS MINAS GERAISMinha mente gorda precisa fazer um regime severo, ou muito em breve vou ver a Vênus de

Willendorf quando me olhar no espelho. Estava dentro do avião e pensava nos pães de queijo que comeria assim que chegasse em Ouro Preto.

Aterrissei (desta vez, sem passar por Brasília) no Aeroporto Internacional de Confins, de onde segui direto para Beagá (Belo Horizonte), a 26 km de distância. Na rodoviária da capital, foi pre-ciso esperar por algumas horas até a saída do ônibus com destino a Ouro Preto.

Fazia pouco mais de um mês que eu viajava sem intervalos, e por isso, acredito, o peso do cansaço começa a me deixar baqueado, tanto que dormi os 140 quilômetros que separavam Beagá de Ouro Preto, despertando apenas no terminal rodoviário desta última.

Estar em Ouro Preto não significa simplesmente estar em uma cidade, mas sim dentro de uma obra de arte. Arte que no ano de 1933 foi declarada Monumento Nacional pelo presidente Getúlio Vargas, e tombada em 1980 como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a Unesco. Título que antes daquela década era inédito no Brasil.

A descoberta de ouro em Minas Gerais, no final do século XVII, atraiu gente de todos os cantos do Brasil Colônia e do exterior. Os bandeirantes — os sertanistas exploradores do sertão brasileiro — embrenhavam-se nas selvas, aprisionando povos indígenas, procurando jazidas do precioso metal dourado e semeando novas aldeolas, que com o passar dos tempos se transfor-maram em ricas e importantes cidades, as quais são donas de autênticos costumes culturais que nasceram em meio a uma história marcada por descobertas e sonhos de fortunas.

As cidades da antiga Rota do Ouro (Diamantina, Sabará, Congonhas do Campo, Tiradentes, São João Del Rei, Mariana e Ouro Preto) são nomeadas históricas e se destacam na rota do tu-rismo nacional e internacional.

Os artistas, talentosos filhos dessas terras, são uma riqueza à parte. Quem é que nunca ouviu falar de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que desenhou e esculpiu para inúmeras igre-jas? Talvez, o que muitos não saibam é que o artista ganhou este apelido por volta dos seus 40 anos de idade, quando passou a caminhar com dificuldade. Consequência da misteriosa doença que deformou diversas partes de seu corpo.

Entre as montanhas, a arquitetura colonial de Ouro Preto reconta, à primeira vista, uma boa parcela da história do Brasil. O vilarejo, que surgiu com a bandeira de Antônio Dias, teve origem próximo ao rio que corre aos pés do Pico do Itacolomi, onde antigamente encontrava-se o ouro preto (ouro revestido por uma camada de óxido de ferro), metal que mais tarde daria nome ao município.

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Vila Rica, a atual Ouro Preto, surgiu em 1711 e cresceu de forma espantosa, para não dizer ini-maginável. Estima-se que, em meados do século XVIII, sua população tenha ultrapassado 100 mil habitantes. E não é nada difícil entender o moti-vo que gerou este crescimento acelerado: o de-sejo de riqueza. Milhares de pessoas foram para as Minas Gerais e lá se fixaram, dando início a um processo de urbanização nunca visto igual.

Naquela época, inúmeras minas foram aber-tas, visando unicamente encontrar ouro. Atual-mente, toda a região guarda uma grande cole-ção de minas de ouro, e algumas delas ficam abertas à visitação, como é o caso da Mina da Passagem, no pequeno município de Mariana, bem pertinho de Ouro Preto.

Nesta mina, uma máquina do século XIX (de 1883, mais precisamente) funciona como uma enorme carretilha de pesca, recolhendo metros e metros de cabo de aço para trazer o trolley (este carrinho da fotografia) de volta à superfície.

Quando os 16 passageiros (capacidade máxima) se acomodam nos bancos de ma-deira, a carretilha é liberada para que o trol-ley percorra os 315 metros que o levam de volta às galerias subterrâneas da Mina da Passagem, a 120 metros de profundida-de. “Este é o máximo permitido aos turistas”, explica o guia Rômulo, deixando bem claro que mineradores e mergulhadores (nos dias atuais) já foram a 409 metros abaixo da terra, numa

área de 11 km2.“Se hoje a mina está inundada, foi por

causa da desativação das 30 máquinas que bombeavam a água da chuva e do lençol fre-ático para fora, durante 24 horas sem inter-valo”, explica o guia. E se no final do percurso somos surpreendidos por um lago de águas cristalinas, muito se deve à essa desativação.

O trabalho de exploração teve início em 1819, e seus primeiros exploradores foram in-gleses e alemães, os mesmos que trouxeram as técnicas e a engenharia necessárias para a execução do trabalho. “Durante o auge do extrativismo, três mil homens chegaram a tra-balhar nesta mina, divididos em quatro turnos de seis horas cada”, relata Rômulo.

CarreTilHa do século XIX

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233 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Para manter o clima ameno aos 750 mineiros de cada turno, foram construídas sete entradas de ar, que segundo o guia, “além de melhorar a qualidade do ar e manter a temperatura entre 17 e 20 graus, eram utilizadas para transportar o ouro mais velozmente à superfície”.

De 1819 a 1985, quando a mina foi desativada, estima-se que 35 toneladas registradas de ouro tenham sido extraídas das galerias, fora tantas outras toneladas que saíram clandestina-mente.

Na Mina da Passagem também era encontrado outro metal precioso, a prata. Ainda hoje é possível encontrar ouro, turmanilito, arsênico, sulfato de cobre, grafite e pirita, conhecida como ouro dos tolos e autora da expressão que diz que “nem tudo que reluz é ouro”.

Não tem como não notar! Em um dos corredores há um pequeno altar dedicado à Santa Bárbara, protetora dos mineiros e padroeira dos trabalhos subterrâneos. Porém, o que muitos não imaginam é que no candomblé esta santa é a deusa da beleza, e por essa razão, batons, esmalte e vários outros produtos cosméticos são deixados nos pés da imagem. São oferendas de seus devotos.

Enquanto caminhamos no interior da Mina da Passagem, nossos olhos captam imagens de todos os ângulos, que juntas rodam um filme de época em nossa mente, deixando fácil imaginar como era difícil a sina do mineiros que lá trabalhavam, em meio a explosões de dinamites, pica-retas e condições lastimáveis.

Hoje em dia, a Mina da Passagem é a maior mina de ouro do mundo aberta à visitação pú-blica. O passeio é imperdível.

Para chegar à mina, pegue a rodovia MG-262 no sentido à cidade de Mariana e fique atento às placas. Não tem como errar, é bastante simples.

O horário de funcionamento é o seguinte: de segunda e terça, das 9h às 17h, e de quarta a domingo, das 9h às 17h30.

“nem Tudo que reluz é ouro”

PiriTa, o ouro dos Tolos

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O nome Ouro Preto, que foi adotado em 1823, quando Vila Rica foi elevada à categoria de cidade, advém de um tipo de ouro escuro que era facilmente encontrado na região. Este ouro, como mostra o exemplar à direita, era recoberto por camadas de óxido de ferro.

esTima-se que do início aTé a desaTivação foram exTraídas, aproximadamenTe, 35 Toneladas de ouro da mina da passagem.

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Santa Bárbaraprotetora dos mineiros e padroeirados trabalhos subterrâneos

Além da expressão “nem tudo que reluz é ouro”, há quem diz que o famoso “santo do pau oco” também tenha nascido em terras mineiras, o que teria ocorrido entre o final do século XVII e início do século XVIII, no auge da mineração.

Segundo a voz do povo, para burlar o pagamento do imposto que a coroa portuguesa cobrava dos metais preciosos garimpados em nosso país, imagens de santos eram esculpidas em madeiras

ocadas, e, então, recheadas com ouro e/ou outros metais. Desta forma, conseguia-se passar “invisível” pelos postos de fiscalização, não tendo que prestar contas às Casas de Fundição, órgão que existiu outrora e que era responsável pela arrecadação dos tributos sobre a mineração.

semelHanTe a de um brinquedo de parque de diversões, a descida que leva à enTrada da mina da passagem Também causa aquele Típico friozinHo na barriga.

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“enTão é o seguinTe: isso é um assalTo!

calado, não griTa, não corre e não cHame a polícia, a menos

que você queira morrer!

passa Tudo e conTinua andando...”

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Prisão e apreensão de menor leva policiais ao comércio ilegal de Cytotec, remédio abortivo

Jornal Ponto Final

A guarnição da Polícia Mi-litar no último dia 15 de julho se deslocou até o

coreto na entrada da Mina de Passagem, onde a vítima Ga-briel Castaldini de 24 anos foi abordada por um indivíduo e três menores, sendo que um deles estava com um pedaço de pau e ameaçava-o caso não en-tregasse a bolsa. Diante das cir-cunstâncias, a vítima entregou a bolsa e acionou a PM logo em seguida que os autores evadi-ram. Iniciado um rastreamen-to pelos policiais receberam in-formações de que os autores da extorsão seriam Luíz Fernan-do da Silva de 26 anos e o me-nor 16 anos. Ao se deslocarem até a residência do autor, a avó do mesmo franqueou a entrada e o Luiz que ao perceber a pre-sença policial tentou evadir, sendo alcançado e posterior-mente confessou participação no delito, levando os PMs até onde os objetos estavam escon-

didos, enterrados próximo de uma árvore, no terreno da casa vizinha.

Os policiais militares levaram o autor na residência dos outros envolvidos, porém não foram lo-calizados. A guarnição no des-locamento do Distrito de Pas-sagem de Mariana até Mariana deparou com o Menor de 16 anos próximo ao trevo de Passagem de Mariana. Ao ser indagado, relatou que passou a bolsa para um indivíduo de nome Eduardo numa barraca de camelô, próxi-mo ao Sacolão Center. Ato contí-nuo, Policiais militares desloca-ram até a barraca e o Eduardo que não foi encontrado. Ao pro-ceder às buscas no interior da barraca, foi localizada dentro de uma caixa enrolado num cha-péu de bruxa, cor preta um in-vólucro contendo uma pedra de substância semelhante ao cra-ck, um revólver, marca Taurus de calibre 38 sem munições, sendo localizados também vá-

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rios aparelhos eletrônicos e CDs falsificados, talões de cheques, cartões de crédito, 60 comprimi-dos de Pramil e 21 comprimidos de Cytotec, remédio abortivo de comércio ilegal, telefones celu-lares e aproximadamente R$ 302,00 em dinheiro. Em tem-po foi recuperado uma câmera para filmagem, uma câmera fo-

tográfica e um aparelho iPho-ne. Diante dos fatos, ao autor foi dada voz de prisão em flagrante delito, ao menor foi dada voz de apreensão em flagrante por ato infracional e ambos conduzidos à Delegacia de Polícia civil, para as providências subseqüentes, juntamente os materiais apre-endidos.

1 comentárioCláudio Di Pietra Necessário se torna elogiar a agilidade e a eficiência com que a Polícia Militar atendeu ao chamado, conseguindo localizar os marginais, reaver grande parte do roubo e restituí-lo ao turista/estudante que havia sido roubado. Lamentavelmente, os roubos a turistas, de objetos em carros e ônibus de turistas tem se acentuado em Mariana, o que preocupa um turismo já meio enfraquecido pela falta de investimentos. Os receptadores são bastante conhecidos na região, bastando pequena investigação para erradicar de Mariana estes elementos indesejáveis. Gostaria também de ressaltar que as condições de trabalho da Polícia Militar e Polícia Civil poderiam ser melhoradas, tanto física quanto em recursos humanos. A sociedade precisa discutir mais com os órgãos de segurança, que são subordi-nados ao governo estadual, como melhorar a segurança para os moradores da cidade, dos distritos e da periferia. Não há motivos para que o cidadão honesto e trabalhador tenha qualquer receio de se comunicar com os policiais que são os responsáveis pela segurança da cidade, logicamente, pela segurança da população.

Postado julho 26, 2010 at 6:01 PM

Você acaba de ler o artigo e o comentário, na íntegra, que foram publicados no site do Jornal Ponto Final, que se referem ao assalto que sofri em Passagem de Mariana, o único episódio triste desta viagem.

Vou sublinhar que, em nenhum momento, fui procurado pelos profissionais do jornal supraci-tado para comentar o ocorrido, mesmo eles sabendo — assim imagino — que estive ao lado dos policiais de Mariana durante todos os segundos desta operação, a qual tomei a liberdade de chamar de “O errado que deu certo”.

Sendo assim, conto passo a passo tudo que aconteceu comigo no dia 15 de julho de 2010, em Passagem de Mariana, Minas Gerais.

ConTra minHa vonTade, ganHei um capíTulo de ação!

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240 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

No interior da Mina da Passagem, a 120 metros abaixo da superfície, um casal de namora-dos, dois garotos e eu nos separamos acidentalmente do restante do grupo ao pararmos para fazer algumas fotografias do lago que tem lá embaixo e das antigas marcas de explosão pro-vocadas por dinamites, que ainda estão impressas nas paredes. Quando nos demos conta de que estávamos longe das demais pessoas, fomos às pressas ao ponto final do trilho, a fim de aguardar o próximo trolley que nos levaria à superfície.

Assustando todo mundo, um guia — que deveria ter saído do centro da Terra — apareceu per-guntando se queríamos que ele chamasse o trem para nós. Era evidente que sim, ainda mais depois daquele susto que fez minha alma correr cinco quilômetros para longe do meu corpo.

Poucos minutos depois, podíamos ouvir o barulho das rodas de ferro sobre o vetusto trilho, som que ia ficando cada vez mais alto. Comecei a pensar em vários filmes de terror que daria para rodar no interior daquela mina, e isso me fazia sentir calefrios. Tentava ocupar a mente com outras coisas.

Um lufada gélida desceu pelo túnel e nos atingiu em cheio, resultando na contração súbita dos músculos superficiais e arrepios rastejantes. Nos entreolhamos, mas não houve comentá-rios. Finalmente podíamos avistar o trem. Ainda longe, mas podíamos.

Quando o trolley estava bem próximo de nós, tive a impressão de ver o vulto de um homem sentado no primeiro banco. Pensei que fosse o maquinista, mas quando o veículo parou diante de nós, ficou claro que não havia ninguém. Todos os pelos do meu corpo se ouriçaram — exa-tamente como agora, ao descrever a cena. Imaginei que pudesse ser algum truque do cérebro ou sei lá o quê. Só sei que não gosto nada disso. Até porque, na maioria das vezes que algo do gênero me ocorreu, algo de ruim aconteceu comigo ou com pessoas próximas a mim.

Acomodado no vagão, tentei cantarolar alguma música na tentativa de esquecer o que vi, mas não adiantou de muita coisa. luz!!! Cheguei à saída da Mina de Ouro com meu estômago gritando de fome. Entrei numa

joalharia que expõe e vende pedras preciosas iguais às que eram antigamente extraídas da Mina da Passagem. A balconista me contou algumas histórias ligadas às pedras e também me deu uma ótima notícia: “O restaurante do complexo da Mina, do lado da entrada, está servindo almoço”. Comprei duas piritas e me mandei.

Após caminhar cerca de 150 metros — talvez pouco mais —, cheguei ao restaurante. E aquele vulto não saía da minha cabeça. Por mais que eu tentasse pensar em outras coisas, era impos-sível apagá-lo da mente.

— Almoço com ou sem sobremesa, senhor?— Sem, por favor.Montei meu prato: tutu de feijão, couve na manteiga, frango com quiabo e arroz. Tudo de

muito bom grado. À mesa, e consciente de que meu dinheiro estava acabando, comecei a fazer cálculos e mais

cálculos para ter certeza de que teria o suficiente para cumprir o roteiro. Depois de Minas, iria ao Piauí, e lá o destino seria os cânions do rio Poty. No meio das contas, montes de dúvidas e uma única certeza: a de que tudo estava se saindo um prazeroso teste cultural.

De acordo com os cálculos, foi possível comprar algumas das barras de chocolate caseiro que são produzidas no próprio restaurante, só não sabia se iriam resistir ao calor. Comprei algumas e acabei me sentando novamente para tomar uma xícara de café.

— Tem certeza que não aceita sobremesa, senhor?— Sim, tenho.Juntei minhas coisas para voltar a Ouro Preto e, ao sair do restaurante, fui direto a um coreto

que fica bem próximo à entrada do complexo. Conforme eu caminhava, podia ver dois garotos

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241 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

sentados sob o mesmo coreto, que aparentemente esperavam por algum ônibus. Do outro lado da rua, que na realidade era uma vicinal, havia outro rapaz sentado sobre um banco de cimento. “Bem, não estou sozinho, assim é mais seguro”, estúpido pensamento.

Quando chegasse ao coreto, telefonaria para o taxista que me levou para lá e pediria para que ele fosse me apanhar. Mas no caminho, entre as árvores, de soslaio, vi novamente aquele vulto. Desviei meu olhar e acabei avistando uma mesa esculpida em pedra em meio a um ambiente bastante arborizado, elemento que me fez lembrar certo cenário que vi no interior da França. Achei que valeria a pena fotografá-lo para mandar aos amigos que fiz em Paris, além do que me distrairia.

Desviei do coreto e segui margeando a vicinal.A cada passo que eu dava, sons de ferramentas sendo manuseadas ficavam mais auditivos.

Mais à frente, alguns mecânicos trabalhavam no conserto de um carro. Na verdade, eu não po-dia vê-los, mas era nítido que o som vinha do terreno que ficava paralelo à parede, numa espécie de esquina. A única coisa que conseguia ver era a parte traseira do carro, mas os sons deixavam claro que a poucos metros de mim funcionava uma oficina mecânica.

Continuei a caminhar e percebi quando o rapaz que estava sentado no banco de cimento se levantou. Atravessando a vicinal, ele vinha em minha direção. Senti alívio quando ele passou por mim e continuou a seguir sua caminhada. Desconfiei do pior quando ele parou para urinar — ou fingir a urinar — na parede que mencionei. Em seguida, o sujeito veio novamente em minha dire-ção, na mesma calçada, bem na minha frente. Ele parou a um palmo de distância de mim, e de forma cínica e gesticulando, perguntou em sussurro audível: “Você fuma? Tem fogo?”. Com toda educação e já percebendo o que estava prestes a acontecer, respondi que não tinha nem um, nem outro, sem me espantar ao ouvir:

“Ah, não! Você está falando sério ou está me zoando?”. Só não sei onde estava com a cabeça para ter feito essa pergunta a ele. O que eu podia esperar? Talvez que ele dissesse: “Não, não estou falando sério, só quero tomar sorvete com você e ser seu amigo”. Que estupidez! Essa deve ter sido a pergunta mais idiota que fiz até hoje. Mas mais criativa que minha pergunta, foi a resposta dele: “Infelizmente, é sério. Não estou te zoando!”, disse o assaltante, que em seguida acrescentou: “Não pensa em correr. Chega aí!”.

Quando disse “chega aí”, mexendo as mãos como se chamasse outras pessoas que estavam atrás de mim, olhei sobre meu ombro e vi mais três garotos que se aproximavam, e, dentre eles, havia um que segurava um pedaço de pau — penso que deveria ser o cabo de alguma enxada — da mesma maneira que se segura o taco de beisebol para rebater a bola. Só que, neste caso, era minha cabeça.

Antes do indivíduo ter chamado seus amiguinhos, eu tinha pensado em acertá-lo — talvez no rosto ou sobre a nuca — com as piritas que havia comprado. As pedras estavam dentro de uma sacola, o que aumentaria a velocidade e a força do impacto. Acreditava que seria o bastante para desorientá-lo e correr até os mecânicos ou, ainda, correr de volta ao restaurante e chamar a polícia. Mas com a chegada da trupe, não foi possível. Hoje, prefiro pensar que foi melhor deste maneira.

Não quero parecer piegas, mas senti medo, muito medo de ser espancado na cabeça e, por isso, acabei entregando minha bolsa. O que tinha dentro? Duas câmeras fotográficas digitais

“enTão é o seguinTe: isso é um assalto! calado, não griTa, não corre e não cHame

a polícia, a menos que você queira morrer. passa Tudo e conTinua andando...”

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(uma profissional e outra portátil), duas teleobjetivas (lentes para fotografar), uma filmadora digital portátil, um gravador de áudio digital, um iPhone e minha carteira, onde estavam todos meus documentos, cartões de bancos e o que me restava de dinheiro.

Tentei pedir os cartões de memória de ambas as câmeras e o gravador de volta, afinal, nestes estavam diversas fotografias e sonoras de meus entrevistados. Não teve acordo. Ameaçaram me espancar. Com pavor de levar uma(s) paulada(s) no meio do rosto, consenti e continuei andando como me mandaram. Pudi ouvi-los correr, e ao perceber, graças ao som das passadas sobre o asfalto, que já haviam tomado certa distância, fui até os mecânico e acabei não tendo reação. Não me conformava em ter sido assaltado novamente.

Voltei ao restaurante, e no meio do caminho pedi socorro a um senhor que passava de moto. O sujeito parou, ouviu meu ofegante desabafo, acelerou a moto e seguiu em frente, dando de ombros.

Continuei a correr. Detalhe: seguia na mesma direção pela qual os assaltantes fugiram. Pen-sar nisso, naquela hora, me fazia sentir medo do possível reencontro.

Entrei no restaurante alarmando a todos. Os donos do estabelecimento e a senhora que trabalha-va na bilheteira da Mina da Passagem acionaram imediatamente a polícia e tentaram me acalmar.

Pouquíssimos minutos depois, uma viatura da polícia militar estacionava diante de nós. Tentei descrevê-los da forma mais detalhada possível. Mas como descrever as cores das

vestimentas quando se é daltônico? Situação tão irônica quanto ganhar o prêmio acumulado da Mega Sena e morrer no dia seguinte. Você não acha?

Meu cérebro é incapaz de reconhecer várias cores, mas para minha sorte, o sujeito que me abordou (a partir daqui vou me referir a ele como AA) estava usando óculos de sol com armação branca e lentes amareladas, calça azul escuro e camiseta branca, cores que enxergo muito bem. Todavia, os policiais encontraram um jeito mais fácil de identificá-los: me levando na viatura.

Queria ter aguardado no restaurante, mas não teve jeito. Quando me dei por mim, estava dentro da Blazer da PM de Mariana, na companhia de três

policiais fortemente armados, rondando as ruas de uma comunidade.No interior do veículo, comecei a ouvir avalanches de sermões disfarçado de conselho. “Nes-

sas ocasiões, devemos sempre prestar atenção nos mínimos detalhes, como, por exemplo, repa-rar se o sujeito tem alguma cicatriz, marca de nascença. Também decorar a roupa... essas coisas. Por que a gente faz nossa parte, mas sem os detalhes fica difícil encontrar o ladrão”, dizia o PM que aparentava ser o mais velho. Mas tudo bem, sem problemas... Juro que na próxima ocasião vou pedir também os números do CIC e RG e comprovante de residência, cópias autenticadas e originais, mesmo que haja um enorme taco de beisebol a poucos centímetros de minha cabeça.

À direita, à esquerda, sobe e desce, vielas aqui, vielas ali, aborda um cá e outro acolá, quem sabe em tal endereço. Do nada, uma senhora pediu para que os policiais parassem a viatura. “Vocês estão procurando os moços que assaltaram o jornalista na estrada da Mina da Passa-gem?”, perguntou. Seria uma chance de recuperar meus pertences? Não, era só uma velha curiosa que não tinha o que fazer. “Eu não tenho pista alguma, e vocês, descobriram alguma coisa?”, indagou.

Pouco mais tarde, encontramos outra viatura da PM de Mariana circulando na comunidade. Também procuravam pelos autores do assalto. Troquei de viatura. Saí da Blazer e entrei no VW Gol, onde estavam dois policiais militares. Coincidência ou ato zombeteiro do destino, o PM que conduzia o VW se chamava Gabriel.

Passaram-se pouco mais de duas horas para eu ter a ideia de voltarmos à Mina da Passagem e perguntar se alguém por lá conhecia alguns dos integrantes da gangue, ou se já tinham ouvido algo sobre eles.

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Voltando ao local do incidente, passamos por uma casa onde havia algumas câmeras de vi-gilância fixada no portão. “Por que não paramos e pedimos para assistir as gravações? Se eles fugiram mesmo para esta região da cidade, as câmeras registraram”, sugeri, na esperança de ouvir sim, mas ouvi não. As câmeras eram falsas.

Surpresa para mudar o rumo das buscas...A gerente do restaurante da Mina conhecia dois dos assaltantes. Com o nome em mãos, os

PMs conseguiram facilmente o endereço de AA. Pelo rádio, meu xará passou as coordenadas para a outra viatura, e lá fomos nós de novo.

As viaturas chegaram juntas, por pouco não em sincronia. Estacionamos na porta da casa dos avôs de AA. “Você espera a gente dentro do veículo”, me ordenou o policial. Fiquei sozinho enquanto os cinco PMs entravam na casa. “Se eu for baleado aqui fora, ninguém vai me ouvir pedindo socorro”, pensava ao imaginar a escabrosa cena.

Pelo retrovisor, pude ver que um policial voltava à viatura. “Gabriel, você reconhece este sujei-to”, perguntou ao mostrar a foto que fez com um celular. Reconheci de imediato, era AA. Então, o PM se afastou, partindo novamente em direção à casa. Continuei na viatura, mas desta vez com a porta entreaberta, qualquer movimentação suspeita era só sair correndo. Pouco depois, na companhia do avó de AA, o mesmo PM trouxe meu iPhone, minha câmera digital portátil e minha filmadora digital.

“Saia da viatura e veja se você reconhece aquele rapaz”, ordenou o policial. Claro que reco-nheci, era AA, e estava acompanhado dos demais PMs. Não havia dúvidas, era o indivíduo que me assaltara.

Os PMs o colocaram dentro do porta-malas da Blazer. “Vou tentar fazer ele entregar onde estão os outros bandidos”, disse o PM, afastando-se da viatura onde eu estava. Já o avô de AA ficou lá, testando minha paciência. Ele começou uma série de ladainhas, um lengalenga fasti-dioso. Dizia que se aposentou na PM de São Paulo e que já tinha trabalhado na PM de Ribeirão Preto, e como se não bastasse, pedia para eu ficar tranquilo, pois entendia daquele assunto. “Vão recuperar suas coisas, pode ficar sossegado. Sei muito bem o que estou falando, sou aposentado pela PM de SP. Nada acontecerá com você”, falava, e falava e falava. Mas era aí que estava o problema. Nada iria acontecer comigo porque o que tinha para acontecer já tinha acontecido. E me desculpe a franqueza, mas dividir o mesmo teto, acolhendo um neto que age contrariamente às leis morais e sociais, assaltando, ameaçando de morte e de espancamento as pessoas, me faz crer que de nada adiantou ele ter se aposentado na PM. Deveria, no mínimo, ter se comiserado com a situação em que seu próprio netinho me colocou, ou que apenas calas-se aquela “matraca” intolerável.

Segundo os PMs, AA entregou seus “maninhos” de boa índole. Dirigimos até outra casa, e outra vez fiquei dentro da viatura enquanto os PMs conversavam com a família de um dos meno-res (irei me referir a este como BB). A mãe de BB jurou que seu filho não estava em casa. Disse ainda que ele estava trabalhando. Dada as circunstância, era evidente que eu era seu trabalho, eu e outras pessoas mais. Meu xará pediu uma foto do garoto. Com a fotografia sobre o painel do carro, fomos à terceira moradia, que ficava num local afastado e despovoado. Não tivemos sorte, BB não estava lá.

Sem sucesso, os PMs e eu pegamos a estrada que nos levaria à delegacia, onde deveria dar meu depoimento. Cabisbaixo, avistei um garoto no trevo da vicinal de acesso à Mariana. Ele não me era estranho. Ao chegar no trevo, e sem que desse tempo de eu dizer que era o assaltante, os PMs saltaram para fora do carro, imobilizando o indivíduo. BB tinha sido encontrado e insistia em dizer que era inocente, que jamais teria feito aquilo e que era trabalhador. Atuação merece-

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244 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

dora de estatueta do Oscar na categoria de melhor ator. Após conversa “educada” e bastante “carinhosa”, BB confessou que haviam roubado meus

equipamentos para vender no camelô da cidade. Camelô! Além de tudo eram ladrãozinhos sem o mínimo de noção. “A gente roubamo e levamo prum camelô vender numa barraca que fica perto do Sacolão Center, no centro de Mariana”, declarou BB. Foi muito revoltante ter que ouvir isso e não poder fazer nada. “Se quisé a gente busca tudo agora mesmo”, propôs o ladrão.

A Blazer encostou e mais um foi parar no porta-malas.Numa rua do centro de Mariana (primeira vila, cidade e capital do estado de Minas Gerais,

que, no século XVII, foi a maior produtora de ouro), onde funcionavam várias bancas de camelô, assemelhando-se a uma micro 25 de Março (maior centro popular de compras a céu aberto da América Latina, localizado na capital paulista), era para onde íamos.

Com as sirenes e giroflex ligados, os PMs prepararam a emboscada. A viatura em que eu es-tava entrou pela contramão, enquanto a outra deu a volta no quarteirão. Deste jeito, os policiais cercaram as suas únicas saídas da via pública. Não havia como ninguém fugir, a não ser voando.

Estacionamos defronte ao Sacolão Center.Senti-me como alguém importante sendo escoltado por policias, sobretudo por causa da-

quela multidão de curiosos que tentava descobrir quem estava dentro da viatura e o que estava acontecendo.

Segundo a garota que trabalhava nas duas lojas do camelô que iria revender meus equi-pamentos (chamarei este de XX), fazia aproximadamente 20 minutos que XX tinha deixado o comércio.

Já dizia minha avó: “Aqui se faz, aqui se paga”. Todos os CD’s e DVD’s piratas, dinheiro e cheques que estavam nas lojas de XX foram apreendidos pelos PMs. Tudo foi apreendido, abso-lutamente tudo, sobrando apenas os azulejos nas paredes.

No meio da busca e apreensão, os PMs de Mariana encontraram Cytotec, remédio abortivo proibido no Brasil desde 1998, e arma de fogo sem registro.

A funcionária — inocente, ao menos isso estava evidente — foi levada à delegacia para prestar depoimento.

Ainda no centro popular de comércio, um rapaz foi tirar satisfações com os PMs. Ele queria saber o que estava acontecendo, e pelo visto não aceitava que os PMs apreendessem a mer-cadoria do camelô sem seu consentimento. Além do desacato, os PMs o identificaram. No dia anterior, este mesmo sujeito havia roubado a câmera fotográfica digital de um casal de turistas. Para piorar a situação dele, o aparelho estava em seu bolso. Outro no porta-malas!

“Você veio para trazer sorte para nós”, comentou meu xará. Infelizmente, sem recuperar todos meus equipamentos — provavelmente nunca mais os verei

—, fomos todos à delegacia de Mariana. Eram mais de 18h30 quando chegamos ao departamento de polícia. Tivemos que esperar as

famílias dos assaltantes para só depois começar os depoimentos. Mas antes disso, os policias precisavam arquivar tudo aquilo que foi apreendido. Curiosamente, o nome que estava escrito na única folha cheque apreendida era — pasmem — Gabriel. O terceiro Gabriel da história.

De repente, uma mulher enlouquecida entrou na sala onde estávamos. Ela trazia um garoto pelos braços, dizendo: “Esse é aqui é meu irmão, Gabriel. Ele participou do assalto ao jornalis-ta. O assalto na Mina da Passagem”. Sim, outro Gabriel, e sim, ainda existem pessoas de bom caráter no mundo.

BB resolveu sair com um dos PMs para buscar minha carteira. “Eu joguei no meio do mato. Vamo lá buscar”, disse com a voz embargada. Poucos minutos depois, voltaram com minha car-

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245 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

teira. Os cartões e o dinheiro, lógico, não estavam mais lá, mas em compensação, todos meus documentos estavam. Sorte! Pelo menos agora teria os documentos para embarcar sem compli-cações no próximo voo. O problema passou a ser o dinheiro. De onde tirá-lo?

Acredite ou não, acabei dividindo a mesma sala com os familiares dos assaltantes, e como se não bastasse, após certo período, também dividia o cômodo com os próprios assaltantes. Só podia ser pesadelo, aquilo não podia ser verdade... Total desrespeito à vítima.

Dos quatro que me assaltaram, três estavam na delegacia. Não tivemos nem sinal do último membro da quadrilha.

No meio disso tudo, conheci a avó de AA, senhora de coração gigante que não merecia passar por aquela situação tão desagradável.

Era mais de meia-noite e meia quando a primeira pessoa, a gerente do restaurante da Mina da Passagem e minha testemunha, começou a depor. Na sequência, foi a vez da funcionária de XX, seguida de meu xará policial e seu companheiro de viatura. Eu seria o próximo.

“Pô, mano da câmera, foi mal aí. Você estava no lugar errado e na hora errada”, disse AA com tom sarcástico e bastante jocoso. “E você está no lugar certo, pena que em hora atrasada”, res-pondi à desavença no mesmo tom.

O relógio da delegacia marcava mais de 4 horas das manhã quando fui dar meu depoimento.A irmã do meu xará assaltante me deu 50 reais para eu poder voltar a Beagá. No começo não

queria aceitar, mas como realmente não tinha nenhum centavo no bolso para poder comprar a passagem ou pagar pelo táxi, aceitei sem muita cerimônia.

Quando cheguei em Ouro Preto, ouvi o badalar de algum sino que estava por perto e olhei para o meu relógio, 6h da manhã. Ao todo, foram pouco mais 15 horas na companhia de poli-ciais militares.

Resultado: além da agressão moral que sofri, perdi meu equipamento profissional, algumas entrevistas e inúmeras fotografias. Por sorte, a maior parte do trabalho estava no meu notebook. Caso não estivesse, muito provavelmente teria levado aquela paulada, pois não deixaria que acabassem tão fácil com aquilo que custei a conseguir.

A essa altura, os menores infratores devem estar soltos e fazendo novas vítimas. Mas coita-dinhos, sejamos compassivos, afinal, um rapaz de 17 anos não tem consciência do que faz, não podendo responder por seus atos. Piada!!!

“Pode ir tranquilo pegar o ônibus para Ouro Preto. O raio não cai duas vezes no mesmo lu-gar”, afirmou um dos PMs que sequer havia participado do meu caso. O que ele não sabia é que o “raio” já tinha me acertado duas vezes. Aquela não era a primeira vez que era assaltado. A primeira aconteceu há seis anos, quando uma quadrilha do PCC invadiu minha casa, em São Simão, no interior de São Paulo, agredindo toda minha família. Fiquei mais de 45 minutos com uma arma no pescoço e até hoje não sei como ela não disparou, pois o rapaz que me fazia refém estava bêbado. Vi meu pai e meu irmão sendo agredidos moral e fisicamente e minha mãe na mira de espingardas calibre 12. Mas isso não vem ao caso.

Apesar de tudo, jamais faria dessas entrelinhas um poema de adeus a todos os meus sonhos e desejos. Até mesmo porque, quando a vida mata um de nossos sonhos, só nos resta sonhar um novo sonho e torcer para que este não vire pesadelo.

Lembrei-me das orações que as rendeiras Maria Lima da Silva e dona Lourdes, do Ceará, fizeram quando se despediram de mim, e isso me trouxe luz e conforto.

Não sinto raiva, apenas tristeza passageira, pois ainda gosto de acreditar que haverá o dia em que o amor e a misericórdia irão triunfar sobre o ódio e a violência, quero crer que tempos

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áridos de amor estão por acabar. Ao entrar no quarto da pousada, em Ouro Preto, e sem sono, liguei o sistema aleatório de

seleção de músicas do meu aparelho celular. A faixa selecionada, Allo Le Monde, da cantora Paulline, expressava exatamente aquilo que sentia. Abaixo, parte da letra traduzida.

“Parece que as notícias não são nada boas. A moral está em baixa e a força acabando. Ouço as pessoas contarem suas histórias e discutirem o futuro que fora atirado no fio da navalha. Mas e quanto ao amor? Onde está a paz serena? Olá, meu mundo! Como vão as coisas? Eu não compreendo mais nada. Será que é melhor cada um cuidar de si, hem, Mundo? Não deixe que as coisas sigam assim. Me diga qual é o nome da febre que te faz sofrer, dos estranhos ideais e das histerias fúnebres. Diga o que posso fazer de onde estou.”

No dia seguinte, voltei à Mina da Passagem para agradecer o apoio de todos.

Paguei minha hospedagem via depósito bancário e acabei ficando dois dias além do previsto — na verdade, nada foi previsto —, na esperança de receber o telefo-nema que dissesse que encontraram minha câmera fo-tográfica, mas nada aconteceu, para variar. Apenas tive que pagar duas diárias a mais.

Nesses dois dias sem dinheiro, eu tomava um super-café da manhã e jantava os chocolates que havia com-prado para presentear uma amiga.

Sabendo de toda minha história, um jovem taxista me levou à rodoviária sem cobrar absolutamente nada. Com o dinheiro que recebi na delegacia, comprei a passagem para Belo Horizonte. Lá, outro taxista também não cobrou nada para me levar ao Aeroporto da Pampulha, onde consegui comprar meu bilhete de embarque via internet, com cartão de crédito emprestado por meu amigo.

Sem dinheiro para dormir em hotel ou pousada, a solução foi acampar no jardim do aeroporto. Eram 23h quando cheguei, e para aumentar minha irritação, o avião decolaria às 8h da manhã seguinte. As turbinas dos aviões que decolavam e aterrissavam quase me matavam de susto e não me deixavam dormir.

Devo parabenizar o trabalho dos policiais militares de Mariana, executado com enorme ma-estria. Pena o sucesso não ter sido completo.

Também tenho que dizer que não guardo rancor de ambas as cidades. De jeito nenhum! Aliás, muito pelo contrário. Ouro Preto e Mariana foram lugares que adorei conhecer e que mal posso esperar para rever.

Toda a região é incrivelmente bela. Só é triste saber que esses assaltos são corriqueiros, como me disseram alguns dos moradores.

Como continuar daqui para frente sem meu equipamento profis-sional? Pois é... Boa pergunta!

Moral da história: se eu tivesse aceitado a sobremesa, possivelmente não teria sido assaltado. “Agora me responde: quem tem inveja de quem?”, imagino perguntar Alice, do País das Maravilhas.

“o mundo é perigoso não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa daqueles que veem e deixam o mal ser feiTo”Albert Einstein

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Matriz Nossa Senhora do Pilar em processo de restauração

Construída durante o Ciclo do Ouro, a Igreja Matriz N. Sra. do Pilar, na praça Monsenhor Castilho Barbosa, é uma das edificações católicas mais visitada em Ouro Preto, Minas Gerais.

Ainda sem ter sido concluído, o templo foi inaugurado em 1773, e hoje abriga o Museu da Arte Sacra, que reúne documentos, imagens e vestimentas utilizadas na celebração do Santíssimo Sacramento.

Além de sua arquitetura imponente, a Matriz impressiona por ter sido construída com cerca de 434 quilos de ouro e 400 quilos de prata. Os ornamentos e detalhes de seu interior exprimem o exemplo máximo da arte barroca no país, obra de Francisco Xavier de Brito, suposto mestre de Aleijadinho. O salão principal se parece mais com um grandioso teatro, e devido a roubos, é expressamente proibido fotografá-lo. Esta é a segunda igreja mais rica em ouro no Brasil, atrás apenas da Igreja e Convento São Francisco, em Salvador, Bahia.

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São Francisco de Assis

Esta, que é considerada obra prima da arquitetura e escultura de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, teve sua construção iniciada em 1766. Sua fachada

em estilo rococó, esculpida em pedra sabão, submete-se ao talento genial de seu mestre.

Em seu interior, a pintura de Manuel

da Costa Ataíde impressiona todos os

fiéis e visitantes.

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Igreja Nossa Senhora da Conceição

Localizada entre as praças Barão de Queluz e Tiradentes, a Igreja Nossa Senhora da Conceição foi construída entre os anos 1727 e 1746, com projeto e execução sob a responsabilidade do pai de Aleijadinho, Manuel Francisco Lisboa. Mais tarde, a igreja tornou-se a sepultura do pai e do filho.

O templo N. Sra. da Conceição tem o Museu Aleijadinho em suas dependências.Somando as igrejas, as capelas e os oratórios, Ouro Preto totaliza 19 templos

católicos.

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Museu da Inconfidência

Situado na Praça Tiradentes, este casarão, que já funcionou como Câmara e Cadeia de Ouro Preto, abriga desde 1944 o Museu da Inconfidência, responsável por trazer à memória a história da Inconfidência Mineira, por meio de documentos e objetos.

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ouro preTo

PaTrimônio CulTural da Humanidade e MonumenTo Nacional

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PÓ PÔ UM CADIM?Dicionário “mineirês” para turista de primeira viagem!

Assim como os cearenses, os mineiros têm uma maneira bastante peculiar de falar.O famosíssimo jeitim minerím deste sotaque sensibiliza qualquer pessoa de coração rude, sô.

Ainda mais com o modo cantado de se falar, uai.

prestenção!

Segundo historiadores, o dialeto mineiro surgiu no século XIX, após a decadência da extração dos minérios, o que fez o estado de Minas Gerias ficar esquecido e isolado. Com o decorrer dos anos, a migração levou o sotaque carioca e o acento caipira do interior de São Paulo para Minas. Logo, a soma das três diferentes formas de pronúncia do português resultou no típico mineirês, um dos sotaques mais gostosos de se ouvir, pelo menos na minha opinião.

Curiosamente, além do acento singular do dialeto, algumas palavras são simplesmente engolidas pela metade, ou, ainda, uma frase é transformada em uma única palavra.

Sentado em um banco do mercadím de artesanatos de Ouro Preto, fiz uma lista com alguns exemplos especialmente procêis.Ispia!

Dicionário MineirêsExemplos de palavras e frases do dialeto mineiro

Prestenção: presta atenção Cadiquê: por causa do que Pondiôns: ponto de ônibus Massadim: amassadoUmez: o mesmoNimim: em mimÉmêz: é mesmoTrem: substitui qualquer palavra. Ex. Que trem é esse?Gosd’ocê: gosto de vocêMinerím: mineirinho Quan zan: quantos anosMinerr: mineiroCabô: acabou Ispia: veja

Magrelim: magreloPó pô pó: posso por o pó Denduforno: dentro do fornoNossinhora: Nossa SenhoraOncotô: onde que eu estouSapassado: sábado passadoTradaporta: atrás da porta Proncovô: para onde vouProcê: para vocêOnquié: Onde éAntionti: Antes de ontem Cadim: pouquinhoCêtabom: você está bem Cocê: com você

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FRANGO COM QUIABOIngredientes

– 1 quilo de quiabo – 1 frango inteiro,

cortado em pedaços (se preferir; coxa e sobrecoxa)

– 5 dentes de alho amassados

– 1 cebola grande picada

– 1 xícara (chá) de óleo – 1 colher (sobremesa)

de colorau – pimenta a gosto – sal a gosto – cheiro verde a gosto

Modo de preparoTempere o frango com sal, pimenta, alho amassado e co-lorau. Deixe marinar, de preferência dentro da geladeira, por 30 minutos.

Enquanto isso... Lave o quiabo e seque com um pano. Pi-que em pedaços razoavelmente grandes. Refogue o quia-bo em uma panela com uma xícara de óleo até que não te-nha mais nenhuma baba. Cuidado na hora de mexer para o quiabo não desmanchar. Quando estiver sem baba, coe para retirar o óleo. Doure a cebola em duas colheres de óleo. Junte o frango e deixe fritar. Confira o tempero, adi-cione três xícaras de água fervente e deixe cozinhar por mais 20 minutos ou até que o frango fique macio. Depois, acrescente o quiabo e deixe ferver até encorpar, use o fogo alto, se necessário. Por fim, coloque o cheiro-verde.

cozinHa Típica

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de minas gerais para...

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RIO DEJANEIRO

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Rocinha“...não vivemos só de lágrima, a gente também sorri...”

No morro Dois Irmãos, entre São Conrado e Gávea, dois dos bairros com IPTU mais caros da cidade do Rio de Janeiro, está situada a Rocinha, comunidade conhecida nacional e internacionalmente por ser a maior favela das Américas, com população superior a 200 mil habitantes, e palco de conflitos entre policias e traficantes, que a faz estampar frequentemente as páginas dos jornais.

Contam os moradores que a comunidade teve início na década de 1930, quando sitiantes ocuparam os terrenos da antiga fazenda Quebra-Cangalha, local onde ergueram os primeiros barracos e algumas chácaras.

Nos quintais das propriedades, eram cultivados diferentes espécies de hortaliças e legumes, que mais tarde eram vendidos na praça Santos Dumont, na Gávea. Os vendedores diziam à sua clien-tela que os produtos da feira eram cultivados em suas “rocinhas”, que ficavam no alto da Gávea.

A partir de então, o nome Rocinha se popularizou. Mas existem várias outras versões de como o topônimo possa ter surgido, como, por exemplo, a que sugere ter sido forma de home-nagear dona Russinha, belíssima e popular mulher que vivia naquela região. “Eu tenho comigo que essa é a verdadeira versão”, sugere Rita, cabeleireira moradora do subúrbio.

Desde 1993, quando foi transformada em bairro, a favela da Rocinha não parou mais de crescer, e hoje a comunidade conta com vasto campo comercial. “Aqui tem de tudo, rede de fast-food, como o nacional Bob’s, serviço de TV à cabo, internet, além de várias lan house, casas de show, rádios comunitárias... muita coisa mesmo”, me conta Rita. A Rocinha dispõe ainda de próprio canal de televisão, a TV ROC, que surgiu como tentativa de unir propagandas às ques-tões sociais e levar informações específicas aos moradores, elemento que não obteriam através da grande imprensa. Da NetBrasil, a TV ROC® obtém os canais Discovery, Fox e Cartoon Network, e da NetRio recebe a licença para transmiti-los, porém, com circulação restrita aos moradores, que pagam 25 reais ao mês pela assinatura.

Atualmente, o bairro conta com posto de saúde, agências bancárias (Itaú, Bradesco e Caixa Econômica), uma agência dos Correios, Cia. de Teatro, três escolas públicas, várias creches comu-nitárias, escola de música e a iniciativa do mircrocrédito do Banco Popular, que empresta quantias de até mil reais com baixa taxa de inadimplência aos pequenos comerciantes e ambulantes.

Quanto ao transporte público, o bairro é servido por cinco linhas de ônibus, cooperativas de vans e empresas de mototáxi.

Mas bem que o correto seria dizer de Minas para São Paulo e de São Paulo para o Rio de Janeiro, porque foi exatamente assim que aconteceu. Depois do assalto, nada de Piauí, e sem meus equipamentos, voltei para a minha cidade, onde fiquei até levantar boa quantia de dinheiro — acabei vendendo coisas que não me eram mais úteis e fiz alguns créditos — para comprar uma nova câmera fotográfica profissional e dar sequência à série de viagens que você vê aqui.

Chega de avião, agora vou de carro... Dirigindo na Via Anhanguera, me veio à cabeça que esta seria uma das raras vezes que iria ao estado do Rio de Janeiro sem dar um pulinho à Cidade Maravilhosa, que amo de paixão, e me lembrei de quando visitei a Rocinha e a Região dos Lagos. Sei que foram outros trabalhos, mas acho bacana dividi-los com vocês.

Desenhos artísticos de d. Mery retratam a vida quotidiana no morro

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A fama da Rocinha, que já foi cenário de filmes nacionais e hollywoodianos, despertou o inte-resse pelo turismo, não demorando quase tempo algum para que começassem a “pipocar” em-presas especializadas no ramo. E enquanto algumas delas vendem o passeio com o pejorativo nome de safari, outras investem parte da renda gerada com o turismo em projetos sociais, como centros de reforços escolares, escolas de artesanatos e cursos de técnico em turismo, sempre objetivando o bem-estar social.

O sorriso cativante dos moradores mesclado ao carisma e à receptividade acolhedora difi-cilmente é encontrado em renomados bairros cariocas, como no Leblon. Pelo menos foi assim que me senti! E por isso, vou repetir algo que sempre digo para meus amigos: “Dispa-te de teus preconceitos e agasalhe-te com amor e respeito!”.

“muita gente tem medo das favelas e de seus moradores. Há quem faça um caminHo mais longo só para evitar passar perto das comunidades. isso tem nome: preconceito. aqui existem pessoas Honestas e trabalHadoras, como em qualquer outro lugar. quanto aos bandidos, eles existem... do mesmo jeito que há um mote de bandido engravatado e até fardados vivendo no leblon, ipanema, lagoa... nos bairros finos e sofisticados. a gente não vive só de lágrimas, a gente também sorri”.

RocinHa, rio de Janeiro

Desabafo de uma moradora da Rocinha que não quis ser identificada.Sempre me lembrarei de suas palavras.

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Armação dos BúziosArmação dos Búzios, ou apenas Búzios, como é conhecida por todos, é uma pequena cidade

litorânea do estado do Rio de Janeiro, onde vivem 23 mil habitantes. Este paraíso, localizado na Região dos Lagos, é apelidado por muitos, em especial pelos franceses, de Saint-Tropez brasilei-ra. Quais são as semelhança? Ambas as cidades foram fundadas por pescadores e atualmente são um dos pontos brasileiros e franceses mais badalados do veraneio. Quer mais?

A grande exploração turística que transformou Armação dos Búzios e Saint-Tropez em desti-nos de fama mundialmente conhecida ocorreu graças à ilustre visita de Brigitte Bardot.

Em 1964, a atriz francesa — uma das mais belas, famosas e cobiçadas da década de 1960 —, cantora e ativista dos direitos dos animais esteve em Búzios, atraindo toda a atenção da mídia global para a cidade.

A curiosidade da imprensa em registrar passo a passo a viagem da atriz acabou levando a isolada e desconhecida vila de pescadores às páginas de jornais ao redor mundo, fato que des-pertou em várias pessoas o desejo de também visitá-la. Exatamente o mesmo que aconteceu com a cidade de Saint-Tropez, quando BB passou a viver no balneário francês.

Quando esteve no litoral fluminense, Brigitte Bardot namorava o marroquino Bob Zaguri, e jun-tos se hospedaram na casa do então representante da Organização das Nações Unidas (ONU) no Rio de Janeiro, André Mouriaev.

Sem nada escapar dos olhos da imprensa e com a fama repentina, Armação dos Búzios não atraiu somente novos turistas, mas também novos moradores, particularmente argentinos e franceses.

jK acenando para o mar, e, à esquerda, os Três Pescadores.

EsculTuras da brasileira CHrisTina MoTTa.

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259 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

O impacto alcançado com a estadia de BB foi notoriamente positivo, sendo que até hoje podemos encontrar referência à “musa inspiradora” em diferentes pontos da cidade e em camisetas de suvenires. Há até mesmo uma estátua trabalhada em bronze que eterniza sua passagem pela cidade (foto ao lado), uma das vá-rias obras de arte da escultora brasileira Christina Motta que se encontram inse-ridas na paisagem buziana.

Esta bela península do litoral norte fluminense tem, aproximadamente, oito quilômetros de extensão e conta com 23 praias, das quais algumas são exce-lentes para a prática do mergulho, como é o caso da praia do Fernandinho, onde temos a sensação de nadar dentro de um aquário lotado de estranhos e mul-ticoloridos peixes ornamentais.

Outro item diverso é que de um lado a península recebe correntes maríti-mas vindas do Equador e, do outro, correntes marítimas que chegam do Polo Sul, fator que faz com que algu-mas praias de Búzios sejam mornas e outras geladas, muito geladas.

Antigamente, essas praias eram lo-cal de grande concentração de búzios (espécie de concha do mar) e foi de-vido a esta abundância que a vila re-cebeu o nome de Búzios. Mais tarde, com a chegada dos portugueses, os nativos aprenderam novas técnicas de pesca, entre elas, a da “armação dos peixes”. Logo, com toque de cria-tividade, não demorou para que os moradores trocassem Búzios por Ar-mação dos Búzios.

Nos dias atuais, a economia da cidade se mantém graças ao turismo e à pesca.No final da tarde e durante à noite, a rua das Pedras, no centro da cidade, se transforma em

agitado ponto de encontro. Galerias de artes, lojas, restaurantes, creperias e boates dividem o mesmo espaço. Zanzar por esta rua te deixa em contato com gente de todas as tribos de todos os cantos do planeta. A extensão da rua das Pedras, a Orla Bardot, também merece sua atenção.

Ainda não nasceu quem não sinta vontade de retornar a Búzios depois da primeira visita!

brigiTTe anne-marie bardoT

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músico do Raymikuna, do Equador “Três Pecadores”, de C. MoTTacapoeira na Rua das Pedras

enTardecer na praia da armação(búzios, rio de janeiro)

pescadora por naTureza

enseada da armação dos Búzios

praia da foca

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provavelmente deixado por um

dos romeiros, este singelo sinal

de devoção à nossa senHora de

aparecida estava em local protegido da chuva, próximo ao posto de serviços.

Se as coisas continuarem como estão, logo logo no estado de São Paulo será mais acessí-vel e viável viajar de avião às cidades vizinhas do que de carro. Nunca vi tantos pedágios — e a maioria caros — noutro lugar como vejo nas rodovias do meu estado. Pagamos um absurdo e ainda há estradas que deixam a desejar na qualidade da pavimentação e das placas de si-nalização. Lembro de quando era criança e costumava dizer que um dia pegaria meu carro e sairia sem destino, como um explorador. Que jeito? Se ousasse tal façanha, iria à falência logo na segunda divisa de estado. Isso sem somar o preço do combustível! Juro que minha intenção não era comparar, mas já comparando... Certa vez, paguei 15 euros (algo em torno de 45 reais) para transitar por mais de mil quilômetros na França. Será que não tem algo anormal com os valores que nos são cobrados nas infinitas praças de pedágios, sobretudo naquelas que ficam no território paulista? (...)

Acho que deve existir alguma lei ou vodu que impede as estações de rádios brasileiras de transmitirem músicas nacionais. Liguei o rádio do meu carro e em três emissoras estava tocan-do Lady Gaga. Por quê? Respeito quem gosta, mas viajar ao som desta cantora, para mim é tortura chinesa. Assim sendo, função mudo ativada! (...)

Do nada, comecei a ver um monte de gente caminhando paralelamente à rodovia, debaixo de forte chuva. Dois homens e três mulheres seguiam na dianteira, carregando bandeiras e faixas brancas, aparentemente conduzindo a multidão que os seguia logo atrás. Mais à frente, pesso-as dormiam debaixo de árvores e em barracas improvisadas à margem da rodovia Presidente Dutra, no Vale do Paraíba.

Reduzi a velocidade para entrar em um posto de serviços e pude ver nitidamente os pés de uma senhora que descansava perto das bombas de combustíveis. Estavam cortados, sujos de sangue, e alguns dedos não tinham mais unha. Aquela mulher, que aparentava ter 50 e poucos anos de idade, caminhava sozinha e descalça sobre o asfalto. Não aguentei e tive que lhe per-guntar o que estava acontecendo. “Somo romeiros”, respondeu ela. “Mas que fé é essa, capaz de suportar tanta dor?”, eu pensava, e antes que ela me explicasse, me dei conta de que era 11 de outubro, véspera do dia de Nossa Senhora de Aparecida, a Padroeira do Brasil, e por este motivo, milhares de fiéis marchavam movidos por aquela fé avassaladora até o santuário da cidade de Aparecida.

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262 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

“cores sobre tela”as belezas naturais de um

lugar chamado rio de janeiro

Deixando o posto de serviços e seguindo em frente, o número de devotos aumentava a cada quilômetro rodado. Era algo fora do comum e bonito de se admirar. Pessoas levando imagens da Padroeira, mensagens de agradecimento à benção alcançada, enormes cruzes de madeira, velas com metros de comprimento etc.

Dominado por aquele clima de afeição à religiosidade, meu coração acelerou quando avistei a basílica de Aparecida. Aproveitei para agradecer por todas viagens que fiz e por todos os luga-res e pessoas que conheci. E se eu fiquei emocionado, como não terá ficado quem caminhou quilômetros a perder de vista, que enfrentou dias e mais dias para chegar ao santuário?! (...)

Distraído, passei a entrada que dava acesso à rodovia que me levaria a Paraty, no estado do Rio. Parei em um restaurante para perguntar onde ficava o retorno mais próximo e se existia al-gum atalho. “Você só vai conseguir chegar em Paraty se estiver dirigindo um veículo com tração nas quatro rodas, caso contrário, ficará atolado ou levará horas para atravessar nove quilôme-tros de barro”, me advertiu o senhor que trabalhava no caixa. Surpresinha nada agradável!

Havia duas alternativas à minha escolha. A primeira era dirigir até Angra dos Reis e, então, pegar a rodovia Rio-Santos para retornar até Paraty, ou, a segunda, voltar a Ubatuba, e de lá, seguir na mesma rodovia até meu destino final. Ubatuba! Essa foi minha escolha. Decisão que rendeu 210km a mais no meu percurso. De qualquer forma, este era o meio mais rápido.

Após curto espaço de tempo, um mar de gente se formou em frente à Basílica de Nossa Se-nhora de Aparecida. Diminui a velocidade e pedi bastante proteção. Afinal, descer a serra do mar pela rodovia Oswaldo Cruz é algo tenebroso. (...)

Cheguei em Ubatuba — ou “Ubachuva”, visto que peguei chuva em todas as ocasiões que estive nesta cidade — tarde da noite e muito cansado. Com presteza, tratei de encontrar onde dormir. Precisava descansar para voltar à estrada o mais cedo possível. Desejava chegar o quan-to antes em Paraty.

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Minha querida Paraty

Também conhecida como Capelinha, a igreja Nossa Senhora das Dores foi construída em 1800 por mulheres da aristocracia paratyense.

Este é um dos mais belos ângulos pelo qual podemos admirar e fotografar Paraty!

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Paraty - Igreja Santa Rita

Em louvor ao Menino Jesus, à Santa Quitéria e à Santa Rita, os homens pardos libertos iniciaram a construção deste templo no

ano 1722. A igreja, o consistório, o cemitério e o pátio ajardinado compõem o conjunto arquitetônico feito de pedra e cal.

Em 1952, todo o conjunto foi tombado pela Secretaria do Patrimônio Nacional, e sua restauração foi realizada entre 1967 e 1976. A partir de

então, o prédio passou a abrigar o Museu de Arte Sacra de Paraty.

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Históricas ruas

Charmosas e estratégicas! Com objetivo de dificultar a fuga dos saqueadores atraídos pela importância de Paraty como porto na época colonial, as ruas da cidade foram planejadas para exercer a função de um enorme labirinto a céu aberto.

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Paraty: patrimônio do Brasil

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267 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Tiago almeida corrêaO Homem-Borboleta

Ele não é o Homem-Aranha, tampouco o Ho-mem-Morcego; ele é o Homem-Borboleta. Seus superpoderes são a cultura, a filosofia e a experi-ência de vida. E que vida!

Tiago Almeida, Homem-Borboleta, ou “O Vende-dor de Borboletas”, como também ficou conhecido pelas ruas do Centro Histórico de Paraty, tem 66 anos de idade e conhece 25 países (contando com o Brasil), número que resulta em 1.743 cidades visitada, fazendo deste senhor um colecionador e também exímio contador de histórias, como, por exemplo, as que narram os seis meses que viveu na Ilha de Páscoa (Chile), seu trabalho na Tailândia, a sua estadia na Venezuela, e sua passagem pela mística Índia e pelo Camboja.

Corrêa estudou no Centro Educacional Manuel Pereira, no Colégio Dr. Pedro Jorge, no municí-pio de Queimados, e pelo Colégio Agrícola de Campos dos Goytacazes concluiu o segundo grau como técnico agrícola. Em seguida, Tiago passou pelo Mepes (Movimento Educacional e Promo-cional do Espírito Santo), onde trabalhou como monitor para filhos e netos de italianos. Borbo-leta também já trabalhou como vendedor de flores, verduras e cachaça na BR-101, a caminho do Espírito Santo, próximo ao município de Iconha. Em Paraty, comercializava pedras preciosas e semipreciosas. Como professor, deu aulas de história, português e geografia. Também cursou Direito e caminhou muito por este mundo afora e, segundo ele, não pretende parar nunca mais de explorar o desconhecido.

Escritor, Tiago divide suas histórias conosco em dois livros: Crônicas de um viajante, volumes I e II. As crônicas retratam um dos momentos mais dolorosos da vida do Homem-Borboleta, quando viveu por dois anos na Ásia, sem dinheiro, sem saber os idiomas e dialetos, em depres-são, com fome e morando debaixo de bancas de verduras. Já o segundo volume foi inteiramente escrito dentro das delegacias de polícia tailandesas.

Por ser, em suas próprias palavras, “um menino inquieto aos quase 67 anos”, Tiago já foi de-tido oito vezes, tendo sido sete no Brasil e uma na Tailândia, que por desconhecimento da língua inglesa, não compreendeu aquilo que dizia o policial que o abordou quando vendia borboletas pelas ruas de Pattaya. Tiago acredita que o policial deva ter pensado que ele o desacatou. Aven-turas não faltam na vida deste simpático senhor.

“Me consagrei como Homem-Borboleta no dia 5 de maio de 2008, quando fui à rede Globo, ao Programa do Jô”, revela o vendedor de borboletas. Nesta entrevista, Corrêa contou ao apre-sentador Jô Soares que seu interesse por borboletas surgiu ainda quando trabalhava vendendo pedras na Tailândia, logo após uma senhora lhe propor uma troca. Em Bangkok, a tailandesa ofereceu um saco que continha 12 borboletas douradas em troca de uma pequenina pedra semipreciosa. O negócio foi aceito. Ao Jô, o escritor contou que em sua adolescência adorava capturar borboletas para colecioná-las. “Ficou gravado para sempre”, completou.

Tiago fantasiado de Homem-Borboleta, em Paraty

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“não dê ouvidos às baixas vibrações... sinTa a brisa do mar! ela suavizará sua caminHada...”

Tiago Almeida

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Todos os meses, pegando o total de seis ônibus, Borboleta deixa Queimados/RJ e parte rumo à Paraty, município que diz amar. Lá, nas charmosas ruas do Centro Histórico de Paraty, Tiago vende pregadeiras de borboleta, pulseiras, pedras, seus livros de crônicas e seu gibi, “As aven-turas do Homem-Borboleta: o encontro com o bagre africano”. A propósito, o gibi e os livros têm formato de borboleta, como convém.

Adepto do kardecismo (forma de espiritismo codificada por Alan Kardec), sereno e muito in-teligente, não há quem não se emocione com as palavras, conselhos e histórias deste senhor. Portanto, não se assuste se por acaso você se deparar com incomum aglomerado de pessoas em alguma viela paratyense, decerto elas estão atentas em volta do querido Homem-Borboleta.

Basta olhar para Tiago para sentirmos que estamos de frente para uma pessoa altruísta e nada arrogante. Ele tem sempre sorrisos e gestos para dividir conosco, deixando claro o prazer que sente em nos receber. Por conseguinte, se você tiver a mesma sorte de se encontrar com o Homem-Borboleta como eu tive, não hesite, vá trocar algumas palavras com ele e aproveite para conhecer seus livros e seu divertido gibi. Após conhecê-lo, você passará a entender quão pomposo é o autêntico sentido daqueles que mostram-se humanos com seus semelhantes, e saberá porque Tiago se tornou tão famoso e amado em Paraty e por onde quer que passe.

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Fundada em 28 de fevereiro de 1667, quando sua emancipação política foi decretada pelo rei de Portugal, Paraty, situada no litoral sul do estado do Rio de Janeiro, teve sua ascensão econômica devido aos engenhos de cana-de-açúcar, mas ganhou notoriedade como importante porto marítimo, de onde todo o ouro trazido de Minas Gerais era enviado para Portugal. E por falar em ouro!... Naquela época, as pedras e os metais preciosos que chegavam a Paraty através da Estrada Real de Ouro Preto quase não tinham valor comercial, inclusive o ouro, o qual era negociado com os portugueses em troca de pedras. Praticamente toda aquela riqueza foi dada em troca das pedras que entre os séc. XVIII e XIX foram utilizadas pelas crianças escravas na construção do calçamento das ruas do Centro Histórico da cidade e esculpidas em fontes, cape-las e fachadas. Imagine só a quantidade de ouro que foi necessária para formar uma única rua e quão árdua era a tarefa dessas pobres e frágeis crianças.

Aliás, meu caro leitor, saiba que é preciso mega habilidade para caminhar sobre essas ruas. Basta um simples descuido, como piscar os olhos de forma mais demorada, por exemplo, para cairmos por terra, e mesmo que você não caia, no final do dia sentirá seus pés latejando por causa da dor. Ainda mais se abusar na caminhada. Não quero parecer aquelas tias chatas que aparecem em nossas casas apenas em época de final de ano, e enquanto ficam apertando nossas bochechas nos dão um monte de conselhos que para elas parecem os mais corretos e valiosos do mundo, mas ao visitar essa região da cidade, recomendo que vá de tênis e que este seja bem confortável e antiderrapante.

Simplesmente Paraty

avenida beira rio

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Se você for bom observa-dor e detalhista, irá notar que a maioria das telhas que com-põem as centenárias cobertu-ras das históricas edificações de Paraty não se encaixam perfeitamente umas às ou-tras, e a explicação para isso está na maneira como elas foram feitas: nas coxas das negras escravas. Aquelas que tinham pernas mais grossas eram escolhidas como moldes. Determinada quantidade de ar-gila (barro) era colocada sobre suas coxas e as telhas eram modeladas. Diversas pernas, diversos tamanhos de telha!

Estrategicamente posiciona-dos, os canhões que hoje nada mais são que adornos enferrujados relembram o cotidiano da vila, quando era preciso estar sempre atento contra os ataques piratas que poderiam acontecer a qualquer momento (imagem no rodapé desta página). Ao todo, havia sete fortes para comba-ter os ataques inimigos, e um deles era o Forte Defensor Perpétuo, localizado na parte alta da cidade e que se encontra aberto ao turismo.

Cercada por ilhas e belas praias, Paraty, cidade de vida pacata considerada Patrimônio Histó-rico Nacional, resguarda marcas de séculos passados. Os traços antigos de sua rica arquitetura nos convidam a viajar no tempo. Os desenhos geométricos em alto e baixo relevo nas fachadas de algumas casas e sobrados, por exemplo, são as marcas deixadas pela maçonaria (sociedade secreta de origem remota que se encontra espalhada por todo o mundo e cujos membros, que professam os princípios da fraternidade e da igualdade, se reconhecem por meio de sinais).

Havia uma tipologia básica em termos de construção, e as posturas (ordens que eram ema-nadas da câmara municipal de Paraty) do século XVIII e XIX orientavam os moradores a cons-truírem suas casas de acordo com determinada característica. Na época, a medição era feita

Em ParaTy, aTé uma poça d’água se

revela arTísTica

Panorâmica do porTo de ParaTy

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em palmos e era preciso obedecer a altura das portas, das fachadas, das janelas etc. Seguir o ordenamento fez com que as edificações ficassem parecidas, quase padronizadas. O resultado desta tipologia pode ser perfeitamente entendido quando vamos à Igreja Matriz Nossa Senhora dos Remédios, templo construído em estilo neoclássico e um dos principais pontos turísticos da cidade, pois fica fácil observar o casario colonial.

Para proteger e preservar seus encantos e todos seus fatores históricos, o centro de Paraty é, em partes, cercado por correntes que impedem a passagem de carros, motos e similares.

No final da tarde, quando a maré fica alta, a água do mar passa por três pequenas comportas e invade algumas ruas do Centro Histórico na região da igreja Santa Rita. O motivo para isso acontecer se dá ao fato de que, antigamente, as seculares casas do centro da cidade não ti-nham sistema de esgoto, e, por isso, fezes e urina eram jogadas nas ruas. Logo, a descarga era dada somente quando o nível do mar subia.

Outro fato bastante curioso é que o local onde está o centro da cidade pertencia à fazenda particular de dona Geralda. Esta senhora doou suas terras aos portugueses que desejavam es-paço para ampliar o então vilarejo, mas Geralda impôs uma condição; a de que os índios nunca mais fossem maltratados e que construíssem uma capela para ela. Assim foi feito! Mas ao invés de uma singela capela em sua homenagem, foi construída a Igreja Matriz, que foi inteiramente dedicada a esta generosa senhora.

Além da cultura, Paraty oferece variado leque de atrações, e entre elas estão passeios de jipe pela mata atlântica, banhos em cachoeira e mergulho. Para o último é preciso alugar um barco, o que não é nenhum bicho de sete cabeças. Experimente ir ao porto da cidade... Lá você encontrará inúmeros modelos e tamanhos de barco para aluguel. Muitas empresas oferecem passeios com monitores, refeições e brincadeiras a bordo. Há até uma réplica de navio pirata!

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273 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Por um preço mais acessível, ou em busca de privacidade e sossego, você pode alugar uma embarcação menor (como as da página 271) e explorar toda a região na companhia de pilotos experientes. Alguns dos locais onde é possível realizar a prática do mergulho são a ilha Compri-da, ilha da Cotia e Pouso da Cajaíba. Perto de Paraty, existem praias como a do Cepilho, na vila de Trindade, que são ideais para o surfe, e outras que são perfeitas para quem curte uma boa tarde de pescaria.

E como esquecer a gastronomia de Paraty, que é, sem exagero, outro capítulo que merece destaque? Restaurantes que misturam temperos genuinamente italianos, franceses, portugue-ses, africanos e brasileiros dão sabor especial às noites paratienses. Isso sem contar que os ventos que sopram do mar, a água batendo contra as pedras e o confuso rumor das vozes dos turistas não são os únicos sons nas ruas de Paraty. A cultura do povo caiçara que nasceu em berço multicultural é muita fã de música, e por isso, tudo aquilo que se faz em Paraty se faz em-balado pelas mais diversas melodias.

Mas afinal de contas, o que significa Paraty? Arrisca um palpite? Há quem diz que é o mesmo que “para você”, a explicação favorita dos gringos e possivelmente a mais poética. Porém, cau-sos há de monte, e um deles narra que o topônimo vem da língua tupi, que em português quer dizer “peixe branco”. Seja lá qual for a história verdadeira, escolha uma, ou invente a sua própria versão, e se entregue a esta majestosa vila

Com o passar dos anos, a grafia foi alterada para Pira’ty e depois para Paraty, podendo ser escrita também com a vogal i no final. Mas quem é que se importa com essa “bobagem” quando se está numa das cidades mais charmosas do Brasil?

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OS 3 GRANDES EVENTOSA cada ano, Paraty é sede de três grandiosos e importantes eventos, todos de alcance nacio-

nal e internacional: o Paraty em Foco, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e o Festival de Cinema Internacional de Paraty.

Festa Literária Internacional de ParatyÉ a rara oportunidade para o público en-

trar em contato com seus escritores favoritos e suas respectivas obras.

A Festa Literária Internacional de Paraty teve sua primeira edição em 2003, inserindo rapidamente o Brasil no circuito internacio-nal de literatura, graças à ilustre presença de autores mundialmente conhecidos e o mais importante, respeitados. No decorrer de suas edições posteriores, a brasileiríssi-ma Flip já era apontada como um dos prin-cipais festivais literários do mundo, distinta não apenas pela qualidade dos trabalhos dos autores convidados, mas pelo nosso jei-tinho brasileiro de hospitalidade e pela no-

tável excitação e alegria ruidosa do público que frequenta o festival.Durante os 5 dias dedicados exclusivamente à literatura, as pacatas ruas de Paraty são to-

madas por uma multidão de amantes dos livros, e, neste espaço de tempo, a Flip realiza mais de 200 eventos, como, por exemplo, shows, oficinas, debates, exposições, exibição de filmes, entre outros, todos divididos entre as Flip Casa da Cultura, Flip Programação Principal, Flipinha e FlipZona. A primeira, que ocorre na Casa de Cultura, é uma programação que marcha a par e complementa a principal. A segunda acontece em uma enorme tenda, a Tenda dos Autores, que possui 850 lugares e onde todos os eventos são transmitidos ao vivo e com tradução si-multânea na internet e na Tenda do Telão, esta com capacidade para receber 1.400 visitantes. Flipinha, a terceira, é o apelido dado ao programa educativo da Flip, que se transformou em uma ação contínua, movimento que objetiva a formação de leitores mais assíduos, críticos e reflexi-vos. Sendo assim, o programa acontece durante todos os meses do ano, envolvendo alunos e professores da rede escolar privada e pública de Paraty em variadas atividades de incentivo à leitura e à conscientização, valorização e preservação do patrimônio cultural da cidade. A Fli-pZona, que nasceu no ano de 2009, é especialmente dedicada ao público mais jovem da Festa Literária Internacional e visa promover a inclusão digital e o incentivo à leitura.

Assim como a Flipinha, a FlipZona é um projeto que acontece durante o ano todo, e fazem parte de sua programação: oficinas de fotografia, produção de texto, áudio e vídeo, teatro, video-games e debates sobre filmes e outros assuntos.

Nos dias em que acontece a Flip, autores, turistas e artistas trombam uns nos outros, e a cada ano que se passa o público é maior e o sucesso é absoluto. Não foi por simples acaso que a Flip se tornou o maior evento literário da América Latina.

casarão onde são realizadas as sessões de filmes durante o festival internacional de cinema de paraty

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Paraty em FocoO Festival Internacional de Fotogra-

fia, o Paraty em Foco (PEF), nasceu do amor que fotógrafo italiano Giancarlo Mecarelli sentia por Paraty.

Em 2004, quando esteve no Brasil a trabalho, Mecarelli fez uma breve visita a Paraty e foi amor a primeira vista. O fo-tógrafo se encantou com a cultura local e com as belezas naturais que circun-dam o centenário município fluminense a ponto de deixar Milão para vir viver no Centro Histórico paratyense, estabelecer a Galeria Zoom de Fotografia e dar início ao PEF.

De lá para cá, com a notável capa-cidade de reunir fotógrafos de diferen-tes nacionalidades e possibilitando que amadores e leigos no assunto tenham a oportunidade de trocar suas experiências com os mais renomados profissionais da área, o Paraty em Foco vem se consoli-dando como grandioso evento e um dos mais influentes voltado à fotografia.

Atualmente, o festival acontece no mês de setembro e é realizado em parceria en-tre a Galeria Zoom, o Estúdio Madalena, a francesa Fnac e a Fototech, todas em-presas do ramo fotográfico. Se você tiver a oportunidade de ir ao PEF, não pense duas vezes, vá correndo.

Ah, a fotografia!... A mais bela arte que pintamos com luz. Com ela podemos nos expressar em linguagem universal, migrar de um país ao outro em frações de segundos e viajar para o passado, por toda nossa história. E há quem diz não existir máquina do tempo! Numa fotografia, seja ela analógica ou digital, an-tiga ou atual, há emoção... Há expressão! Ainda mais quando se trata da imagem de um rosto.

Que incrível é a fotografia. Quando tiver um álbum fotográfico em suas mãos, não tenha pres-sa para virar a página. Observe calmamente os detalhes de cada imagem, desfrute e deixe-se levar pelas histórias metamorfoseadas em imagens. Que fantástica magia, não acham?!

Hoje, é muito fácil ter acesso a equipamentos fotográficos. Há uma infinidade de câmeras a bom preço e que fotografam com excelente qualidade. Já parou para notar que no placar do custo benefício está um a zero para as câmeras digitais? Então... Que tal passar a fotografar tudo que acontece no seu dia a dia, seus amigos, sua família, festas e outras coisas do gênero?

Rua do Fogo, no Centro Histórico de Paraty

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Tenho certeza que num futuro nada distante você sentirá enorme alegria, dará risadas e se emocionará ao rever suas fotografias. Portanto, se você tiver uma câmera fotográfica, carregue-a para todos os lados, tenha-a sempre com você e a transforme em parte de sua vestimenta, em hipótesa alguma a deixe em casa. Conselho de um cara que ama fotografia!

Festival Internacional de Cinema de ParatyIdealizado por Suzana Villas Boas, o Festival Internacional de Cinema de Paraty, que teve sua

terceira edição entre os dia 9 e 12 de outubro de 2010, tem como principal objetivo unir todas as formas do cinema nacional e mundial, colocando em contato novos diretores e cineastas já consagrados.

Além dos longas e curtas metragens que são lançados exclusivamente no festival, o público, cinéfilo ou não, tem a oportunidade de assistir a sucessos nacionais e internacionais, documen-tários e projeções infantis.

O valor do ingresso é um quilo de alimento não perecível. Em Paraty, a “sétima arte” caminha de mão dada com a solidariedade.

Poxa, quando pensava que tinha chegado, já era hora de partir, de novo. Mas não sem antes fazer duas coisas: nocautear o calor com muito açaí na tigela e assistir ao encontro do sol com o mar. No coração, a saudade da minha querida Paraty ia procurando um lugar onde se acomodar para, então, me incomodar.

e a próxima parada é em...

Praia do CepilHoTrindade/Rj

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Nossa Senhora do Rosário

Localizada na Rua do Comércio, no centro do centro, a igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito foi construída em

1725, quando era considerada a igreja dos escravos.

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Nossa Senhora dos Remédios

Em 1646, Maria Jácome de Mello doou um pedaço de suas terras para os portugueses ampliarem Paraty e construírem uma capela dedicada a Nossa Senhora dos Remédios. Logo, não demorou para que a primeira capela de pedra e cal fosse erguida. No ano 1668 a mesma capela foi demolida para dar es-paço à uma igreja maior, a qual foi inaugurada em 1712. Todavia, tempos mais tarde, a nova igreja ficou pequena demais para suportar o número de devotos paratyenses, e, então, iniciou-se uma nova edificação. No dia 7 de setembro de 1873, um templo novinho em folha abriu as portas para o primeiro culto.

A conclusão das obras teve apoio de Dona Geralda, mulher que, no séc. XIX, dedicou-se à vida pública de Paraty, ajudando as famílias mais necessitadas. Quando faleceu, suas terras foram doadas à Santa Casa, e em sua homena-gem, em 1882, a Câmara inaugurou uma rua com seu nome no centro histórico de Paraty.

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Casa de Cultura de Paraty

Desde março de 2004, este casarão, que data do século XVIII, passou a abrigar a Casa de Cultura de Paraty.

Em parceria com a Rede Globo, a Fundação Roberto Marinho e a Eletronuclear, a Casa da Cultura possui exposição permanente que retrata

o quotidiano do povo paratyense. Imagens, objetos e computadores contendo informações e dicas para os turistas fazem parte desta

exposição, que é administrada pela diretora teatral Bia Lessa.

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FEIJOADAIngredientes

– 200 gramas de carne seca bovina – 200 gramas de costela de porco – 200 gramas de pé de porco salgado – 100 gramas de rabo suíno salgado – 100 gramas orelha de porco

salgada – 150 gramas de lombo de porco

defumado – 100 grama de paio fatiado – 100 gramas de calabresa fatiada – 50 gramas de bacon cortado em

cubos – 1 quilo de feijão preto (tem que ser

preto) – 3 cebolas picadinhas – 100 gramas alho picado – folhas de louro a gosto – 2 laranjas com casca e cortadas ao

meio

Modo de preparoLimpe bem todas as carnes, removendo gordura, nervos e o que mais for preciso. Deixe de molho por 24 horas, trocando a água de duas a três vezes. Fer-va as carnes em fogo alto para retirar o que sobrou da gordura. Jogue a água fora. Pique as carnes. Em seguida, coloque a carne seca, o pé e a orelha para cozinhar com o feijão e com a laranja. Depois de 30 minutos, adicione a costela e o rabo. Meia hora mais tarde, coloque o lombo, o paio, o bacon e a calabre-sa. Lembre-se de eliminar a gordura que subir com a fervura. Doure a cebola e o alho em uma frigideira e despeje na panela. Retire as laranjas (usadas para eliminar a gordura). Deixe cozinhar e vá checando o cozimento de cada tipo de carne, retirando e reser-vando as que foram ficando prontas primeiro. Depois pique as carnes em pedaços menores e coloque no-vamente na panela com o feijão e deixe cozinhar por mais 15 minutos. Sirva com arroz branco, farofa, couve e laranja.

cozinHa Típica

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do rio de janeiro para...

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SÃO PAULO

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É engraçado... Quando viajam, a maioria das pessoas encara os desafios e problemas que possam surgir nas “estradas” como uma caixinha de surpresas. Embora, o que muitos esquecem, ou fingem esquecer, é que a cai-xinha pode virar a Caixa de Pandora. Em outras palavras, problemas graves! É a falta de revisão do veículo que pode causar acidentes — somente entre São Paulo e Rio de Janeiro passei por quatro capotagens —, as visitas indesejáveis a hospitais e a delegacias de polícia, perder o caminho etc. e tal. Temos que estar atentos e prepa-rados para qualquer imprevisto, essa é a verdade e não tem o que se discutir.

Eu chego a perder a conta de quantas pessoas per-guntaram se eu teria “coragem de prosseguir com esta viagem interestadual, sobretudo após ter sido assalta-do”, e daquelas que afirmavam que “só a ideia de rela-tar viagens pelo Brasil já era uma tremenda insanida-de”. Agora, meus queridos, faço a seguinte pergunta: De qual janela eu poderia presentear meus olhos e minha alma com as imagens que você vê im-pressas nesta e em todas as outras páginas deste livro??? Olhando através da janela da minha sala enquanto sentado no sofá é que não seria. Além do que, como sentiria o choque cultural na pele? Os empecilhos aconteceram, mas não foram fortes o bastante para me jogar de volta numa poltrona empoeirada, desejando nunca ter dado o primeiro passo além da porta da minha casa. Mais do que nunca eu queria terminar esta viagem... E toda vez que eu me deparava com locais como a Cachoeira da Escada (imagem A), em São Paulo, onde tinha contato direto com a natureza, era como receber dosagens de revigorante físico e mental. Parar?! Não, vou até o final e com a certeza de que o melhor não foi a partida e nem a chegada, mas o caminho!

E é preciso saber que, infelizmente, qualquer indivíduo está sujeito a passar pelos problemas que passei.

Em se tratando de caminho, o meu me levou direto a um vilarejo inglês de nome indígena, que no bom e velho português quer dizer “lugar de onde se vê o mar”. Será que você conhece

ou já ouviu falar desta cidadezinha localizada na Serra do Mar, em São Paulo? Bem-vindos à...

vou por aí...

a

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287 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

Minha curiosidade por Paranapiacaba surgiu quando me perdi nos arredores da Grande São Paulo (atenção: para quem acha que não é nada demais se perder em São Paulo, lembre-se de que estamos falando da quinta maior megalópole do mundo). Recordo-me como se tivesse acontecido ontem! Passei horas e horas pedindo informações de como chegar à avenida Paulis-ta. Rodava quilômetros seguido de quilômetros que não me levavam a lugar algum, e toda vez que olhava para o marcador do nível de combustível levava um tremendo susto, a gasolina deve-ria estar esguichando para fora do tanque. Quando parei para abastecer e calibrar os pneus, vi algumas placas, todas grandes, que indicavam as direções até Paranapiacaba. Farto de receber dicas de atalho que não me ajudavam em absolutamente nada, comecei a segui-las. Mais tarde, encontrei duas placas: Paranapiacaba à direita e av. Paulista à esquerda. Escolhi a da esquerda. E desde aquele dia fiquei me questionando sobre quais seriam os atrativos daquela cidade para haver tantas placas, algumas enormes, com cores chamativas e em locais de fácil visibilidade.

Algumas semanas mais tarde, a curiosidade amenizou e eu acabei me esquecendo de Parana-piacaba. Entretanto, quando surgiu a hipótese de escrever este livro, o anseio de desvendar a vila inglesa que eu desconhecia, e que anos atrás me despertara tamanho interesse, voltou à tona.

Desta vez, uma das raras vezes onde tudo havia sido roteirizado atentamente e com alguns dias de antecedência, não havia nada que pudesse sair do controle, mas saiu. Eu seguia calma-mente o GPS do meu celular quando, de repente, num surto de bestice, desliguei o aparelho e

Paranapiacaba

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comecei a seguir as placas. Resultado: “Alguém, por gentileza, poderia me dizer como faço para chegar à avenida Paulista?”.

Mais desanimador que isso, só a resposta: “Nossa! Você está longe pra caramba”. Seis Horas! Esse foi o tempo que gastei tentando encontrar Ribeirão Pires, município vizi-

nho de Paranapiacaba. Quando me dei conta de que estava perdido em um local barra pesada (explicação: cheguei a esta dedução em razão da quantidade de viaturas e PMs fortemente armados que transitavam pelas ruas de maior movimento), e ponderando minha aspiração a para-raios de encrenca, achei que tinha passado da hora de avisar alguém sobre o que aconte-cia. Telefonei para minha prima Alice (a mesma que mencionei no capítulo do Tocantins), que me intimou a pernoitar em seu apartamento. Eis que surgia um novo desafio: encontrar o caminho até seu trabalho, que fica no Jardins, que fica perto da av. Paulista, que: “Nossa! Você está longe pra caramba”.

Com muita sorte cheguei ao Museu do Ipiranga (informação: este é o mais importante museu da Universidade de São Paulo, responsável por grande acervo de objetos, mobiliário e obras de arte com relevância histórica, como, por exemplo, o quadro Independência ou Morte, mais conhecido como O Grito do Ipiranga, de Pedro Américo, datado de 1888), onde pude me situar com clareza.

O plano era chegar em Paranapiacaba na quinta-feira, mas o jeito foi sair de São Paulo na manhã de sexta-feira. Por incrível que possa parecer, cheguei ao meu destino antes do meio-dia e sem errar nenhuma rua. Como sempre, precisava encontrar onde me hospedar, mas isso, ao contrário da minha curiosidade, que aflorou ao colocar os pés no vilarejo, podia esperar. Para ser sincero, encontrar ou não onde dormir não me preocupava mais, qualquer coisa era só acampar dentro do carro.

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289 Empadão à brasileiraGabriel Castaldini

O que é que Paranapiacaba tem?Localizada no alto da Serra do Mar, a 64 quilômetros do centro da capital

paulista, perto de Santo André (município ao qual pertence), Paranapiacaba, vi-larejo fundado por ingleses, guarda interessantes capítulos de uma história que começou ser escrita em meados do século XIX e que está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico de São Paulo e à política na-cional de transportes.

Na época, falava-se em um novo e notório investimento no sistema de transportes que, face à expansão da produção agrícola (coluna de sustentação da economia brasileira), visava a implantação de meios mais modernos e eficazes de locomo-ção, trabalho que até então era executado sobre lombos equinos.

Nestas circunstâncias, au-mentava também o desejo por produtos manufaturados im-portados da Europa e, conse-quentemente, aliados a este episódio, havia ingleses que se interessavam por investir em determinadas áreas e negócios que garantissem a escoadura de sua produção industrial.

Pode-se dizer que, naquele século, a economia brasilei-ra baseava-se principalmente na produção e exportação do café, produto que se transfor-mou em grande bem de valor comercial. O êxito alcançado com o plantio de café no Vale do Paraíba e no interior do es-tado de São Paulo fez com que

os cafeicultores e o governo se vinculassem ao compromisso de buscar soluções tanto para o porto de Santos quanto para as estradas e meios que transportassem os produtos agrícolas até o porto mencionado.

Neste cenário, nada poderia ser mais interessante, viável e quisto do que a construção de uma ferrovia. Assim sendo, em 1856, após algumas tentativas sem sucesso, foi concedida permissão ao Marquês de Monte

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Alegre e ao Barão de Mauá para buscarem fora do país a incorporação de uma empresa para a construção de uma estrada de ferro ligando Santos a Jundiaí. Desta maneira, as principais regiões produtoras de café teriam acesso ao seu terminal exportador: o porto santista. Surge, então, a companhia The San Paulo (Brazilian) Railway Company Ltda., constituída com tecnolo-gia inglesa e com capital brasileiro e inglês.

A pedra fundamental, que daria início à construção da estrada Santos-Jundiaí (denominada São Paulo Railway desde sua inauguração, em 1867), foi fincada em Santos no dia 15 de maio de 1860.

No caminho, o declive da Serra do Mar era o maior problema que a execução das obras en-frentaria. A solução exigiu tempo e muito capital (bancado pela Inglaterra), mas a transposição da serra assegurou a São Paulo o benefício do desenvolvimento econômico e cultural, que se

intensificou durante o século XX.

consTruído em 1899, o anTigo mercado abrigava o empório de secos e molHados de paranapiacaba, Hoje é local de exposições e eventos

Durante o período de preparação do corpo da via férrea, em que assentam os dormentes e os trilhos, e do trabalho de instalação da linha, a qual media 139 quilômetros, foi preciso montar um acampamento no alto da Serra do Mar, algo em torno de 800 metros de altitude em relação ao nível do mar. Por questões estratégicas, a área escolhida para receber o alojamento de maior importância avizinhava-se das obras principais. Assim sendo, as equipes administrativa, técnica e operacional do conjunto ferroviário instalaram-se no local, e o vale cercado por imponentes morros passou a se chamar “Alto da Serra”.

É impossível precisar a data em que o povoado do “Alto da Serra” foi fundado. O que se sabe, e com certeza, é que o mesmo nasceu por meio da implantação da ferrovia e que, quando esta foi inaugurada, já havia um pequeno vilarejo naquele local. Portanto, pode-se afirmar que foi como centro operacional e residência dos funcionário da São Paulo Railway que Paranapiacaba surgiu no mapa.

Quanto ao atual nome, este foi adotado em 15 de julho de 1945, quando a Estação Alto da Serra foi denominada Estação Paranapiacaba.

Atualmente, os moradores da cidadezinha anglo-brasileira fazem do turismo sua principal fonte de renda, a qual contribui diretamente à preservação da história de Paranapiacaba. O vilar pode até ser pequeno, é verdade, mas seu leque de atrações é grande!

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O castelinHo, que tranquilamente poderia ser chamado de A Casa da Colina — por que não? —, é a “residência” que mais chama nossa atenção, podendo ser avistado de qualquer parte do vilarejo.

Localizado no alto do morro e cercado por natureza, o Castelinho foi edificado por volta de 1897 e foi lar do engenheiro-chefe da São Paulo Railway. Lá de cima, com janelas estrategicamente po-sicionadas, que lhe permitia 360 graus de vista panorâmica, ele podia supervisionar e gerenciar o tráfego de trens, os trabalhadores, as oficinas, enfim, tudo. Nada escapava a seus olhos.

Quando entramos na residência, que hoje funciona como museu da SPRW e de Paranapia-caba, temos a leve impressão, pelo menos eu tive, de que o todo autoritário engenheiro-chefe sofria de TOC (transtorno obsessivo compulsivo), porque cada cômodo — o que, aliás, são muitos — tem uma cor. A sala, onde as visitas eram recebidas, é pintada de vermelho, o escritório de verde, os quartos de azul, e o restante dos cômodos em tons claros. Estranho?! Ao perceber o ponto de interrogação estampado sobre minha cabeça, o guia logo explica que “cada cor reflete um sentimento”. Segundo ele, a cor vermelha “causa a sensação de sufocamento, infalível para mandar a visita indesejada embora o mais rápido possível”. E é mesmo verdade, pude compro-var. Experimente ficar em algum lugar fechado e todo vermelho. “O verde tranquiliza, por isso o escritório é verde, pois era onde o chefe passava a maior parte do seu dia”, completa o guia. O mais incrível é que as cores que parecem frescas, como se tivessem sido pintadas no máximo há uma semana, são as originais daquela época. O processo de restauração as deixou em per-feito estado.

Várias lareiras (antigo e eficaz sistema de calefação), inúmeros e amplos cômodos e uma banheira, na qual dá para praticar mergulho de tão profunda que é, são alguns demonstrativos do poder aquisitivo de outrora.

Na função de museu, o Castelinho remonta o quotidiano das pessoas envolvidas na constru-ção da linha da São Paulo Railway. Os objetos históricos, assim como as fotografias e documen-tos, enriquecem a aula dada pelos guias de Paranapiacaba.

– Pode-se chegar ao vilarejo com o Expresso Turístico Luz-Paranapiacaba, que sai da capital São Paulo. – O Castelinho abre todos os dias, exceto às segundas.

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Com arquitetura e clima inglês, Paranapiacaba fantasia-se de pequena Londres

Com certeza você notou o tom acinzentado nas fotografias, como na imagem da maria-fuma-ça (página 288), não é verdade? O problema não é sua vista e nem minha câmera fotográfica; este é o clima de Paranapiacaba. Aliás, algumas dessas imagens, acredite se quiser, foram feitas ao meio-dia. Agora, a este clima adicione um balde de arquitetura tipicamente inglesa, com direito a uma réplica em miniatura do Big Ben importada da Inglaterra, e o que temos é um efeito (especial) natural que origina a fantasia londrina. Cenas corriqueiras que mexem com a imaginação dos turistas e moradores do lugar de onde se vê o mar.

Em Paranapiacaba é assim, de repente e do nada, uma densa névoa cai sobre o vilarejo, deixando impossível enxergar a pessoa com quem conversamos e/ou que está a pouquíssimos metros de distância. Quase não há meios de se dirigir com os faróis acesos durante a madru-gada. E como já é de praxe, o nevoeiro chega na ilustre companhia do frio. É fora de série como a temperatura cai de forma tão brusca entre um minuto e outro, que eu jamais acreditaria se alguém me contasse. Rajadas molhadas e respiração gelada no meio da estação das flores, quando a primaveril alegria das cores cede espaço ao funesto cinza, dando maior ênfase ao apelido de Pequena Londres.

cachorros de raças genuínas de países gelados intensificam a fantasia

de clima europeu e deixam paranapiacaba ainda mais

cinematográfica

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paranapiacaba às 12h45

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Feche seus olhos e imagine-se dentro do cinema enquanto o locutor de trailers anuncia o título supracitado, e diga, com toda sinceridade, se parece ser ou não a chamada de um filme trash, daqueles bem toscos. Com certeza parece, e como um trash que se preze, A noiva de Paranapia-caba tem sua originalíssima história de terror. Quem nos conta é a moradora Silvana Silva Soares.

“Esta lenda urbana narra o triste romance entre a filha de um operário com um rapaz da alta elite social. Segundo a lenda, há muito tempo, na época do Império, dois jovens começaram a viver uma história de amor proibido, se apaixonaram perdidamente um pelo outro e se amavam mais que tudo no mundo. Se amavam perdida e loucamente e decidiram se casar, mesmo que para isso tivessem que mover céu e terra. A cerimônia fora planejada para acontecer na Igreja Bom Jesus (essa que vemos no topo da fotografia), na parte alta de Paranapiacaba.

Como era muito humilde, a mulher ficou preocupada, pois não sabia como faria seu vestido de casamento. Ela queria apresentar-se à altura de seu noivo e da sociedade a qual ele perten-cia. Então, comovidos com a história da noiva, todos os moradores do vilarejo se juntaram para costurar o maior e mais belo vestido que já existiu. Mas havia problema maior: os pais do rapaz eram contra o casamento. Não aceitavam que o único filho, herdeiro de toda riqueza, se casas-se com alguém pobre. Enxergando a felicidade de seu filho como ofensa e movidos pelo desejo de vingança, os pais aprisionaram o próprio filho no porão de sua casa no dia da cerimônia.

Acreditando ter sido abandonado por seu amor, a noiva deixou a igreja e correu até o quinto patamar (nível mais alto do morro, onde fica a descida para Santos), e de lá se atirou. Após o sui-cídio, a moça teria se transformado na névoa que paira sobre Paranapiacaba, originando a lenda.

Há moradores que dizem que o vestido era do tamanho da névoa, e que a noiva passeia pelo vilarejo em busca de seu amor. Outros contam que a noiva em forma de névoa vaga em busca de vingança, livrando-se dos descendentes da família de seu noivo, e que a cor cinza do nevoeiro é reflexo de sua tristeza. Mas essa não é a única história a assombrar o vilarejo. Existem tantas outras envolvendo atividade paranormal, fantasmas, choro de crianças e recém nascidos em plena madrugada e Transcomunicação Instrumental (TCI), fenômeno que torna possível a comu-nicação entre encarnados e desencarnados por meio de aparelhos eletrônicos (nota: o termo

A noiva de Paranapiacaba

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TCI foi desenvolvido durante a década de 1980, na Alemanha, pelo físico Ernst Senkowski, para denominar a comunicação com o mundo extrafísico).

Uma vez, quando o Castelinho ficava iluminado durante à noite, tentei fazer um vídeo. O ca-sarão estava lindo com a iluminação especial e a noite estava perfeita. Peguei minha câmera di-gital, selecionei a opção filmadora e comecei a registrar, quando apareceu um borrão de luz no meio do monitor do aparelho. Cheguei a pensar que fosse por causa das lâmpadas, mas quando mirei o foco na vila, onde havia muito mais luz, nada aconteceu, ocorreu tudo normal. Era só mirar no Castelinho para que o borrão voltasse a aparecer. Era estranho, mas não dei muita im-portância e continuei a filmar por mais alguns instantes. No dia seguinte, pedi para uma amiga transferir a filmagem para seu computador e gravá-la num CD para mim. Quando me entregou o CD, ela perguntou se eu havia escutado o que tinha gravado. Respondi dizendo que era noite e não que tinha ninguém na rua, portanto, nada de ruídos, apenas o silêncio. Curiosa, fui ver o que tinha acontecido na filmagem e me espantei ao ouvir que uma risada macabra havia sido gravada. Toda vez que eu mirava para o Castelinho, aparecia o borrão e a risada! Como sou um tanto incrédula, não me deixei abalar”, conta Silvana S. Soares, que logo frisa que essa não foi sua única experiência. Segundo ela, houve uma vez em que passava ao lado do Castelinho na companhia de uma amiga, e puderam ouvir quando o choro de uma criança começou a ecoar dentro do casarão.

“Os fantasmas do balanço” (capturados em fotografias), “O trem fantasma” e “A cidade mal assombrada” são alguns dos títulos que as lendas — ou fatos reais, nunca se sabe — de Parana-piacaba receberam. Coincidência ou não, José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão, é visitante assíduo do vilarejo, tendo até rodado alguns de seus filmes no local. Seria Paranapiacaba sua inspiração sobrenatural?

Se os fatos são reais ou fictícios, não sei dizer, mas há algo que posso afirmar: durante a ma-drugada, as ruas de Paranapiacaba tem um certo quê de Alfred Hitchcock e Zé do Caixão.

dá só uma olHada no visual da pousada onde me Hospedei!

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moTivos para visiTar paranapiacaba

– Sentir o gostinho de ir a um vilarejo europeu sem ter que sair do Brasil.

– Embrenhar-se em paz e tranquilidade, esquecendo o caos da cidade grande.

– Usar aquele sobretudo que está perdido no fundo do guarda-roupas. – Para quem curte aventura, a mata atlântica (hotspot) oferece mais de dez trilhas, mirante com vista para o mar, arborismo, tiroleza e rapel.

– Ter uma magistral aula de história ao visitar o Castelinho, onde os turistas têm acesso a documentos, fotografias e objetos da época da São Paulo Railway.

– Conhecer a Noiva de Paranapiacaba e se arrepiar com as demais lendas. – Experimentar o sistema bed and breakfast (B&B), por lá chamado de “cama e café da manhã”, que consiste em uma alternativa econômica e interessante de hospedagem domiciliar. Funciona da seguinte forma: ao invés ficar em hotéis e pousadas, o turista se hospeda na casa de um habitante local, que lhe oferece café da manhã e um quarto onde dormir. Desta forma, o viajante pode conhecer a cidade de um jeito mais pessoal e ainda fazer amigos locais.

– Saborear uma excelente culinária, a qual, aliás, já rendeu importantes prêmios do setor gastronômico a restaurantes e moradores de Pa-ranapiacaba.

– Fazer a alegria de seus filhos. Nos finais de semana, um parque de diversões é montado na principal praça do vilarejo, onde ocorre vários tipos de brincadeiras, música, dança e teatro. Além do mais, com um pouco de imaginação, as crianças irão se sentir personagens do filme Harry Potter, principalmente depois de verem o antigo trem e a réplica do Big Ben.

– Curtir inúmeros festivais, como, por exemplo, o maior deles, o Festival de Inverno, que no decorrer de dez edições reuniu grandes nomes da MPB, tais como Maria Rita, Ed Motta, Zeca Baleiro, Ana Cañas entre outros. A entrada é franca, mas a organização do evento sugere a doação de vestimentas, que são entregues à Cam-panha do Agasalho. Outro badalado festival é a Convenção de Bruxas e Magos de Paranapiacaba, organizado pela Universidade Livre Holística Casa de Bruxa, quando, além da comercialização de produtos místicos e esotéricos, cursos holísticos e terapêuticos são promovidos. E se você pensa que isso é tudo, se enganou. O vilarejo apresenta uma grande lista de eventos: Festival de Comida de Botequim, Festa do Padroeiro Bom Jesus, Semana da Cultura e Memória Ferroviária, Festival de Cinema e o Festival do Cambuci, fruto típico da região.

– Além de todos esses motivos, visitar novos destinos é sempre uma razão para sair de casa. Mas quer outro motivo?

– Paranapiacaba é o berço do futebol nacional. Isso mesmo! Charles Miler, que aos 10 anos foi estudar na Ingla-terra, onde aprendeu o futebol, retornou ao Brasil em fevereiro de 1894 para trabalhar na SPRW, trazendo na bagagem bolas e surrados uniformes. O primeiro campo com medidas oficias de Paranapiacaba e supostamente do Brasil continua inteiro. Porém há controvérsia! Historiadores contestam o pioneirismo de Charles, afirmando que o esporte mais popular do país já era praticado antes de sua volta da Europa.

pau da missa. anTigamente, as pessoas deposiTavam nesTa árvore os bilheTes relacionados às missas de 7o dia. mais Tarde, o Tronco foi Transformado no “mural de recados do vilarejo”.

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Casas de engenheiros

As casas de engenheiros, construídas com o mesmo padrão de plantas e com madeiras da época da São Paulo Railway, eram habitadas por famílias de alto padrão social.

Levando o tempo em consideração, muitas dessas construções passaram por repetitivos processos de restauração, e hoje são utilizadas como pousadas e centros turísticos que resguardam capítulos da história do povoado.

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Casa Fox - A Casa da Memória

Este típico exemplar de casa de tipologia A, edificado no final do século retrasado, entre 1897 e 1901, que atualmente abriga uma sala de exposição e registros da história de Paranapiacaba, foi restaurado em 2005 pela prefeitura de Santo André em parceria com a American Express, por meio da World Monuments Watch, programa da Organização Internacional Não-Governamental World Monuments Fund, que em 1999 incluiu Paranapiacaba entre os cem monumentos mais importantes do mundo.

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LASANHA À MODA DO BRÁSIngredientes

– 1 de quilo massa para lasanha

– 2 latas de molho de tomate – 2 quilos de tomate sem pele

e sem semente – 300 gramas cebola picadinha – 1 quilo de calabresa cortadas

em fatias – 1 maço de manjerona – 1 copo de requeijão cremoso – 1 lata de palmito de 500

gramas – 2 colheres de sopa de azeite

Modo de preparo

Molho: Em uma panela, colocar o azeite, a cebola, o alho, todo o tomate (sem pele e sem sementes) e cozinhar por 10 minutos. Em seguida, acrescentar o molho de tomate e deixar no fogo por mais 40 minutos. Logo após, adicione al-gumas folhas de manjerona e os palmitos em rodelas finas. Obs.: Derreta o requeijão e reserve.

Montagem: Colocar um pouco do molho no fundo de uma forma e, sobre o molho, colocar a massa de lasanha e so-bre esta; tiras de linguiça calabresa, requeijão derretido e folhas de manjerona. Em seguida, outra camada de massa, e assim sucessivamente. Quando terminar, coloque lascas de parmesão por cima e leve ao forno para gratinar.

cozinHa Típica

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de paranapiacaba para...

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Minha casaOito estados, uma ilha, lugares e pessoas

incríveis... Tanta história para contar que cus-tou organizá-las em minha cabeça!

Para ser bem franco, ainda estou naquele processo de digerir as coisas que vi, vivienciei e aprendi durante esses meses de trabalho. Tanto que, no final dos três primeiros capítu-los, tentei abordar os principais assuntos des-sas aulas de história, mas talvez pelo fato de que eu ainda estava no meio delas, recebendo informações de todos os lados, não consegui fazê-lo. E, então, fui empurrando com a bar-riga, até que cheguei em São Paulo, o último destino do meu roteiro.

Sentado à mesa do Café do Lyra Serrano (clube que surgiu em 1930 com a união da So-ciedade Recreativa Lyra da Serra e o Serrano Atlético Clube, e que é uma das últimas edifi-cações da época da São Paulo Railway), em Paranapiacaba, tentei novamente esboçar o desfecho desta aventura. Sem sucesso, acabei empurrando este dever mais para a frente, até chegarem as páginas que costumamos chamar de epílogo.

Confesso, porém, que mesmo agora não en-contrei as palavras adequadas para traduzir o que tudo isso significou para mim.

Há pouco me perguntava: que surto de loucu-ra foi esse que me levou a gastar minhas econo-mias, pegar meu aparelho fotográfico e sair via-jando pelo Brasil? Melhor seria substituir o verbo viajar por aventurar, principalmente se levarmos em consideração que, por várias vezes, os valo-res dos bilhetes aéreos foram os responsáveis por definir qual seria o próximo estado para onde eu iria, coisa que, aliás, deixava para resolver na última hora.

Por que essa loucura? Por que arriscar os últimos centavos de uma poupança quando se está desempregado e com o futuro incerto? Seria pelo enorme prazer que tenho em conhecer novas culturas, gente e lugares diferentes? Se eu tivesse essas respostas!... A única coisa que tenho é um saco cheio de esboço, ideias, tentativas de traduzir em palavras aquilo que absorvi ao longo desta experiência ímpar.

Lembro-me de como estava nervoso e ansioso quando embarquei no primeiro voo, no aero-porto Leite Lopes, em Ribeirão Preto, e como exaltei, logo ao chegar no Ceará, a paixão que sinto

Parque Estadual de VassunungaNo caminho de volta para casa, uma parada no parque

de Vassununga, localizado à margem esquerda da rodovia Anhangüera, no sentido São Paulo-Ribeirão Preto.

Esta reserva ecológica abriga uma senhora de 3 mil anos, a árvore mais antiga das que se tem registro no Brasil. O imenso jequitibá-rosa mede pouco mais de 60 metros de altura e são necessários 14 homens

adultos para poder abraçar seu tronco! Um dos fatores mais emocionantes é lembrar que esta árvore já estava por aqui quando Jesus Cristo veio ao mundo.

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305 empadão à brasileiraGabriel Castaldini

pela minha profissão, a de reportar, mergulhando de cabeça e deixando de lado toda atitude emotiva concernente ao futuro.

Estar com Elena e Telma (Ilha dos Lençóis, no Maranhão) e me emocionar com sua histórias, capturar o sorriso da rendeira Célia (Aquiraz, no Ceará), ouvir os conselhos do sábio Tiago Al-meida Corrêa (Paraty, Rio de Janeiro), estar com as crianças do flutuante Ipixuna (rio Amazonas, no Amazonas), assistir Josilene costurando o capim dourado enquanto relembrava sua infância (comunidade Mumbuca, Tocantins), foram alguns dos momentos que contribuíram para eu me tornar mais humano, feliz e realizado. E olha que isso foi só a azeitona do empadão!

Quanto ao recheio — a natureza, as cores, os sabores, as culturas, as tradições etc. —, este con-tribuiu para aumentar meu desejo de fazer outro livro como este, explorando novos destinos e co-nhecendo novas pessoas, um livro muito mais consistente e maduro, já que este é o meu primeiro, o qual, diga-se de passagem, foi feito no susto de tentar algo novo. Justamente por este motivo, gos-taria de me desculpar pelas possíveis falhas que este possa conter, até porque estou ciente delas.

Tocando no assunto, que tal você, que leu todas as páginas do meu livro, me ajudar a montar o roteiro da próxima viagem? Lembrando que, pelo menos por ora, não vou repetir os estados. Mande sugestões de lugares, curiosidades, culturas e tradições — críticas são bem-vindas — para meu e-mail: [email protected]

e é nesta Hora que eu gostaria de inventar a profissão de vendedor de vírgulas, só para eu poder comprar todo o estoque de algum profissional

da área e substituir os pontos finais, que às vezes enxergo como verdadeiros déspotas, como este que vem a seguir (ponto final).

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AgradecimentosDevo agradecer a todos que dividiram suas histórias comigo. Sem essas pessoas, este livro seria apenas mais um conjunto de páginas vazias. Também agradeço aqueles que, de qualquer for-ma, contribuíram para que um dos meus sonhos se concretizasse. Gostaria de agradecer a você também, que tem o livro em mãos. Muito obrigado!

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ObservaçãoTodas as informações contidas neste livro foram obtidas através de entrevistas com profissio-nais de diversas áreas, nativos dos locais visitados e turimólogos, além de conversas informais e balcões de informação.

ExceçãoDevido ao assalto em Passagem de Mariana, na Mina da Passagem, muitas informações co-lhidas no Jalapão, Tocantins, a respeito do Capim Dourado, foram perdidas. Para me orientar, tomei como referência bibliográfica as seguintes obras:

– SCHMIDT, Isabel Belloni. Etnobotânica e ecologia populacional de Syngonanthus nitens: sem-pre-viva utilizada para artesanato no Jalapão, Tocantins;

– FIGUEIREDO, Isabel B.; SCHMIDT, Isabel B.; e SAMPAIO, Maurício B. Manejo sustentável de capim dourado e buriti no Jalapão, TO: importância do envolvimento de múltiplos atores;

– SCHMIDT, Isabel Belloni; e FIGUEIREDO, Isabel B. Extrativismo de capim dourado no Jalapão: potencialidades e perigos;

– SCHMIDT, Isabel Belloni; FIGUEIREDO, Isabel B.; SAMPAIO, Maurício B.; e CARVALHO, Fábio. Capim dourado e buriti: práticas para garantir a sustentabilidade do artesanato.

Fotos e textosGabriel Castaldini

Revisão e diagramaçãoPaulo Gallo

Fundação BIBLIOTECA NACIONALEscritório de Direitos Autorais

No Registro: 526.480Livro: 1.000 – Folha: 8