Gabriela Araújo - TCC Final

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    FACULDADE DE CINCIAS SOCIAIS

    Auto do Crio: Teatro de rua na Cidade Velha

    GABRIELA DA COSTA ARAJO

    MATRICULA - 06012003301

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    BELM- 2011

  • ii

    Auto do Crio: Teatro de rua na Cidade Velha

    Monografia apresentada banca examinadora da Faculdade de

    Cincias Sociais da Universidade Federal do Par, como

    exigncia parcial para obteno do grau de Bacharel e

    Licenciado e Cincias Sociais nfase em Antropologia, sob

    orientao da Professora Dr. Wilma Marques Leito.

    BELM

    MARO - 2011

  • iii

    Banca Examinadora

    ____________________________________

    Dra. Wilma Marques Leito (Orientadora)

    _________________________________________

    Dra. Carmem Izabel Rodrigues (Examinadora)

  • iv

    DEDICATRIA

    A meus pais, Jos e Teresa, que sempre

    me ofereceram amor e educao.

  • v

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente aos meus pais, Jos e Teresa, pelo o amor e o incentivo

    de sempre. E que no mediram esforos para que chegasse a esta etapa da minha vida.

    Aos meus familiares, que acreditaram na minha capacidade e me deram fora para

    alcanar os meus objetivos. Em especial a minha irm Rita, que me deu um dos maiores

    presentes que uma pessoa poderia receber dois sobrinhos maravilhosos dos quais me

    orgulho muito.

    A minha orientadora, Dra. Wilma Leito, que acreditou na proposta do meu

    trabalho e na minha capacidade para produzi-lo. E me ajudou com conselhos e

    conhecimentos fornecidos.

    Ao Diego, que acabou virando o meu co-orientador. Agradeo pela fora dada

    na produo deste trabalho, e na compreenso pelos tempos roubados.

    A toda turma de Cincias Sociais (2006-noite), pelo companheirismo e pela fora,

    que foram precisos para se vencer os obstculos que o curso nos proporcionou. Em

    especial queria agradecer a Joice, Michel, Moises, Taritha e Thais pelo presente que me

    deram nesses cincos anos, as suas amizades.

    A grande famlia do Auto Crio, que me recebeu de braos abertos, e hoje me

    sinto parte desta famlia. Principalmente a Miguel Santa Brgida, que respondia as

    minhas dvidas mesmo estando a quilmetros de distncia (Rio de Janeiro), a Margaret

    Refskalefsky e Zlia Amador, por me disponibilizarem o seu tempo, a Beto Benone e

    Claudia Palheta, que me deram acesso a histria do Auto do Crio, e claro a professora

    Carmem Rodrigues por ter me apresentado a essas duas pessoas maravilhosas (Beto e

    Claudia).

    Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica (PIBIC/UFPA) pelo apoio

    financeiro. E pela orientao do professor Silvio Figueiredo na pesquisa de Iniciao

    Cientfica.

    E por final, mas no menos importante, a Deus que foi o responsvel por essas

    pessoas cruzarem o meu caminho, e me ajudarem a alcanar essa vitria.

    Muito obrigada!

  • vi

    Renda-se, como eu me rendi.

    Mergulhe no que voc no conhece como eu mergulhei.

    No se preocupe em entender,

    viver ultrapassa qualquer entendimento.

    Clarice Lispector

  • vii

    RESUMO

    Neste trabalho feita uma pesquisa sobre os critrios utilizados para se definir o

    formato da estrutura e o local de apresentao do Auto do Crio. Para tanto, foi feita

    uma pesquisa terica sobre o teatro de rua, para se poder compreender o evento, Auto

    do Crio como tal; sobre o espao pblico, j que o teatro de rua um movimento que

    interfere diretamente nestes espaos, procura-se compreender a participao do teatro de

    rua para a formao desse espao; uma anlise das caractersticas histrica e cultural do

    bairro da Cidade Velha (Belm Par); e juntamente a esta teoria formulada, procura-se

    desenvolver a compreenso do Auto do Crio.

    Foram feitas entrevistas de carter qualitativo com idealizadores (Margaret Moura

    Refskalefsky e Zlia Amador) e o ex-diretor Miguel Santa Brgida, a fim de coletar

    informaes referentes ao processo de criao do Auto do Crio. Os resultados mostram

    que a escolha do formato e do local de realizao, foi definida no por um, mas por

    vrios fatores, tais como o Crio e a relevncia histrica e cultural do local. E ao chegar

    aos resultados, compreende-se o porqu fazer um teatro de rua na Cidade Velha.

    Palavras-chave: Teatro de rua, espao pblico, Auto do Crio, Cidade Velha.

  • viii

    ABSTRACT

    In this work a research is conducted on the criteria used to define the format of the

    structure and location of presentation of the Auto do Crio. To that end, we made a

    theoretical research on street theater, in order to understand the event, such as the Auto

    do Crio; about public space, as the street theater is a movement that directly interfere in

    these areas, seeking to understand the share of street theater to the formation of this

    space; an analysis of historical and cultural characteristics of the Cidade velha district

    (Belm - Par), and along with this theory formulated, we seek to develop an

    understanding of the Auto do Crio.

    Interviews were held with founders of qualitative character (Margaret Moura

    Refskalefsky and Zlia Amador) and former director Miguel Santa Brigida, in order to

    collect information about the process of creating of the Auto do Crio. The results show

    that the choice of format and venue, was defined not by one but by several factors, such

    as the Candle and the cultural relevance of the site. And to achieve the results, it is

    understandable why do a street theater in Cidade velha.

    Keywords: street theater, public space, Auto do Crio, Cidade Velha.

  • ix

    SUMRIO

    DEDICATRIA....................................................................................................iv

    AGRADECIMENTOS..........................................................................................v

    RESUMO................................................................................................................vi

    ABSTRACT...........................................................................................................vii

    SUMRIO..............................................................................................................viii

    LISTA DE FIGURAS...........................................................................................x

    1 INTRODUO ..............................................................................................1

    1.1 PROBLEMATIZAO ........................................................................... 1

    1.2 METODOLOGIA UTILIZADA ...........................................................2

    1.3 O PERCURSO DO TRABALHO.............................................................4

    2 TEATRO DE RUA ............................................................................................6

    2.1 O ESPAO PBICO.................................................................................15

    2.2 A CIDADE VELHA..................................................................................20

    3 CONHECENDO O AUTO DO CRIO ...........................................................27

    3.1 POR QUE TEATRO DE RUA? E POR QUE NA CIDADE VELHA....38

    4 CONSIDERAES FINAIS............................................................................ 47

    REFERNCIA BIBLIOGRFICA.................................................................... 49

    ANEXO I O DIA DO ESPETACULO (2008)

    ANEXO II O DIA DO ESPETACULO (2010)

    ANEXO III QUESTIONARIO DOS PARTICPANTES

  • x

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Percurso do Auto do Crio........................................................................20

    Figura 2: Rplica da Virgem de Nazar.................................................................. 28

    Figura 3: ltima estao, apoteose......................................................................... 30

    Figura 4: Alegoria................................................................................................... 32

    Figura 5: Mestre-sala e Porta-bandeira................................................................... 33

    Figura 6: Relao do pblico com o evento........................................................... 35

    Figura 7: Elenco encenando na segunda estao.....................................................36

    Figura 8: Anjo de Perna-de-pau................................................................................37

  • 1

    CAPTULO 1- INTRODUO

    A proposta deste trabalho de concluso alcanar respostas aos questionamentos

    que surgiram durante o primeiro contato realizado com o Auto do Crio. Segundo

    BRYN et al, (...) as paixes e experincias dos socilogos servem de motivao para

    muitas pesquisas (...).. (BRYM, LIE, HAMLIN, MUTZENBERG, SOARES e

    MAIOR, 2006, 39).

    1.1 PROBLEMATIZAO

    O ms de outubro, na cidade de Belm do Par popularmente conhecido como

    ms do Crio, devido ao conjunto de eventos que so realizados na cidade, tendo como

    enfoque a priori o Crio de Nazar. Portanto, nesta poca na cidade no se fala em outro

    assunto, que no esteja relacionado ao Crio.

    O questionamento para o presente trabalho iniciou-se no ano de 2007, no incio

    do dito ms do Crio, outubro. Foi quando se deu o primeiro contato com o evento,

    durante uma conversa. A partir deste momento procurou-se compreender o evento, e a

    estrutura que ele possui. No entanto, ao fazer um trabalho que trata do Auto do Crio,

    seria um tanto quanto exaustivo pela grandiosidade do espetculo, portanto, procurou-se

    definir mais especificamente o que se queria trabalhar sobre o evento. Assim, seguindo

    a proposta que Umberto Eco (1994), em sua obra Como se faz uma tese, faz:

    Em suma, recordemos este principio fundamental, quanto mais se

    restringe o campo, melhor e com mais segurana se trabalha. Uma

    tese monogrfica prefervel a uma panormica. melhor que a tese

    se assemelha a um ensaio do que a uma historia ou a uma

    enciclopdia. (ECO, 1994, 10).

    As dvidas sobre o evento desenvolveram-se a partir do primeiro contato, no

    entanto, as respostas no foram sendo logo alcanadas.

  • 2

    Por que no formato de teatro de rua? J que os teatros edificados, feitos em salas,

    se tornaram to comuns. E por que no bairro da Cidade Velha? Esses questionamentos

    surgiram, devido este formato de evento ser uma novidade para a pesquisadora. E,

    portanto, partindo desse desconhecimento, procurou-se encontrar respostas para essas

    escolhas.

    Logo, o objetivo deste trabalho mostrar os motivos pelos quais os seus

    idealizadores, escolheram como formato do evento o teatro de rua, e dentro dessa

    anlise compreender melhor o teatro de rua e consequentemente o Auto do Crio como

    tal, e a escolha da Cidade Velha como local de sua apresentao.

    1.2 METODOLOGIA UTILIZADA

    A pesquisa desenvolvida para a produo deste trabalho, levando em conta os

    intervalos, teve o perodo de 2 anos. A metodologia utilizada se deu primeiramente com

    uma pesquisa bibliogrfica, com intuito de se formar conceitos sobre o assunto

    trabalhado teatro de rua, histrico e caractersticas da Cidade Velha e espao pblico -

    e encontrar relaes entre eles. Assim, procurou-se primeiramente formar uma

    bibliografia para a construo de teorias, buscando trabalhar o interesse da pesquisa.

    Com a formao terica embasada, o desenvolvimento do trabalho se voltou

    para uma pesquisa em campo (in loco), que foram sempre realizadas nos meses de

    setembro e outubro, na forma de observaes, entrevistas e a aplicao de questionrios

    com os participantes (as pessoas que fazem do elenco) nas visitas feitas aos ensaios e no

    local (Cidade Velha), onde realizado o espetculo, e no dia do evento houve, tambm,

    um registro realizado por anlise (produo de um relatrio) e fotografias (registrado

    por uma mquina fotogrfica) do Auto do Crio. Os questionrios que foram

    empregados so de carter quantitativo e qualitativo (perguntas fechadas e abertas).

    Apesar do questionrio no ter sido direcionado (pesquisa desenvolvida na bolsa de

  • 3

    iniciao cientfica1), para este tema, parte de seu contedo foi aproveitada para o

    trabalho.

    O questionrio foi constitudo primeiramente com perguntas quantitativas,

    perguntas de carter mais fechado, no qual se deve lembrar que estas perguntas

    quantitativas foram realizadas, para se ter o perfil dos indivduos que responderam ao

    questionrio. As perguntas qualitativas, perguntas de carter mais aberto foram

    direcionadas aos participantes, para se poder compreender o evento a partir do olhar

    destes.

    A pesquisa em campo ocorreu de maneira descritiva, para ser feita de maneira

    densa e minuciosa do desenvolvimento do espetculo do seu incio at o fim, buscando

    no perder um detalhe sequer. Com embasamento no autor MALINOWSKI (1978), que

    afirma em seu trabalho, a etnografia tem que ser realizada de maneira honesta, o

    etngrafo tem que honrar o seu relato.

    Foram realizadas entrevistas de carter qualitativo com os idealizadores e

    organizadores do espetculo. O objetivo com a realizao destas entrevistas seria

    alcanar as respostas para os questionamentos mostrados no incio do trabalho, alm de

    conhecer a histria do evento a partir dos seus prprios idealizadores e organizadores.

    J na terceira etapa, procurou-se fazer a anlise dos dados recolhidos, nos

    questionrios e relatrios da pesquisa em campo, e junto a esta anlise foi realizada

    novamente uma pesquisa bibliogrfica para finalizar o trabalho.

    1 Esta pesquisa tinha com objetivo identificar o Auto do Crio, como uma expresso de cultura de rua na

    cidade de Belm PA. : Cultura de rua na cidade de Belm: O Auto do Crio e suas representaes

    culturais.

  • 4

    1.3 O PERCURSO DO TRABALHO

    A partir do exposto, neste capitulo 1, pretende-se ainda expor o percurso que

    este trabalho ter no seu decorrer. Com isso, fazendo uma breve explanao sobre os

    seguintes captulos.

    No captulo 2 o objetivo identificar o teatro de rua, a partir da compreenso de

    alguns autores como, Fabrizio Cruciani e Clelia Falletti (1999) em sua obra Teatro de

    Rua, que enxergam que o teatro de rua, um termo que envolve uma diversidade de

    caractersticas e que se desenvolve de vrias formas2. E para Patrice Pavis (1999) em

    seu Dicionrio do Teatro, enxerga o teatro de rua como a volta origem, em que

    procura libertar o teatro das salas, para um livre acesso.

    Partindo da compreenso do teatro de rua, observa-se que este proporciona o

    reconhecimento do espao em que est inserido, assim, procura-se formular a

    compreenso do espao pblico que constitudo pelo discurso e a ao, a partir da

    anlise de Hannah Arendt (2007), em A condio humana. E paralela compreenso

    desta autora, tambm realizada a noo sobre o termo espao pblico a partir da

    concepo de Rogrio Proena Leite (2004), em sua obra Contra usos da cidade:

    lugares e espao pblico na experincia urbana e contempornea, sobre o espao

    pblico, o qual compreende que o espao pblico, somente se desenvolve quando h a

    unificao das configuraes espaciais, presentes no espao urbano, junto com as aes,

    presentes na esfera pblica. Assim, seguindo do pressuposto que o teatro de rua

    possibilita a transformao do espao que est inserido, em um espao pblico. Pois

    este emprega a ao, o discurso no espao urbano, como a rua.

    E, por conseguinte a definio de espao pblico procura-se desenvolver uma

    reflexo sobre o espao em que o Auto do Crio est inserido, Cidade Velha, no qual,

    forma-se um breve histrico sobre este espao. Levantando algumas manifestaes que

    ocorrem no local, para poder caracteriz-lo como ponto de encontro de manifestaes

    culturais.

    2 Teatro de rua um termo que pode abarcar coisas bastante diversificadas. Pode-se pensar no teatro

    como conhecemos nas salas, apenas reconstitudo ao ar livre; pode-se pensar no espetculo itinerante, que

    verdadeiro somente quando verdadeiro, quando entretm as pessoas para dali tirar seu sustento; ou no

    espetculo mais ou menos espontneo como podemos ver hoje no Beauborg ou nas estaes de metr de

    Nova York ou Paris; ou ainda nas multplices artes de circo; ou nos espetculos que poderamos definir de

    difuso ou contgio nas festas. (...).. (CRUCIANI e FALLETTI, 1999, p.19-20).

  • 5

    No captulo 3, procura-se fazer a identificao do evento a partir de seu histrico

    e entrevistas feitas com os idealizadores, organizadores e participantes, em que, se tem

    como objetivo mostrar o desenvolvimento do Auto do Crio a partir do seu incio at o

    presente momento. Alm de desenvolver os resultados obtidos com o decorrer da

    pesquisa. Em que estes so as respostas alcanadas, a partir dos questionamentos

    formulados no incio deste trabalho. Neste mesmo sub-captulo, juntamente a estas

    respostas ser trabalhado a teoria que foi desenvolvida no transcorrer do trabalho.

    E finalmente no captulo 4, ser trabalhada a concluso que se chegou a partir

    dos resultados encontrados. Chegando assim a compreenso da escolha do teatro de rua

    como formato do evento, e a escolha do bairro da Cidade Velha como local de

    apresentao.

  • 6

    CAPTULO 2 - TEATRO DE RUA

    Neste captulo, procura-se fazer uma anlise sobre o significado do termo teatro

    de rua, para alguns autores, desenvolvendo um breve levantamento histrico para poder

    alcanar uma melhor compreenso. No entanto, deve ser frisado que o objetivo aqui no

    limitar a compreenso sobre o teatro de rua, mas sim trabalhar dentro da perspectiva

    de identificar o Auto do Crio como tal, e consequentemente, compreender a sua

    estruturao.

    Inicialmente, importante ressaltar, que a arte de fazer o teatro iniciou-se na rua,

    ou quase isso, j que a definio de rua ainda no existia nessa poca. voltar origem,

    de acordo com PAVIS (1999). Era um teatro que ocorria em um espao pblico3. O

    exemplo deste teatro pode ser citado os Ditirambos4, que consistia em um grupo de

    pessoas que percorriam as ruas da Antiga Grcia em homenagem a Dionsio, o deus

    do vinho.

    Os Ditirambos eram compostos por um coral (alegre e sombrio), que possua por

    volta de 50 homens. O espetculo, se assim pode ser chamado, possua uma parte

    narrativa, em sua apresentao, e os personagens se caracterizavam de faunos e stiros

    (personagens considerados companheiros do Deus Dionsio). Mas necessita se destacar

    que no o espetculo em si que deve ser salientado, e sim, que no de hoje que o

    teatro se apresenta em espaos pblicos abertos. De tal modo, no incio, o teatro era

    feito nas ruas, mas com o passar dos tempos foram sendo inseridos em espaos

    fechados, como o teatro (no sentido arquitetnico da palavra), e estes teatros de salas

    fechadas, foram se consolidando pelo mundo todo.

    Em confronto a esta forma de teatro edificado, que acabou virando o tradicional,

    o teatro de rua surge novamente, para levar a arte e a cultura que o teatro possui dentro

    de si para as pessoas que so excludas (tolhidas) deste. Como pode ser observado no

    trecho abaixo:

    3 Termo que ser explicado mais adiante.

    4 Ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_na_Gr%C3%A9cia_Antiga

  • 7

    [...] hoje, para irmos ao teatro, necessrio faz-lo deliberadamente e

    para tanto preciso pertencer a um determinado censo cultural, sob

    cujo nvel no h nem mesmo os pressupostos tcnicos. preciso

    termos uma certa escolaridade, sabermos reconhecer a grfica dos

    cartazes entre as propagandas murais, lermos os jornais e a pgina de

    espetculos, as modalidades das reservas e assim por diante. Abaixo

    desse nvel ficamos automaticamente excludos dos teatros -

    deixando-se de lado a falta de necessidade (induzida) - no temos a

    possibilidade material de ir at l. (...).. (CRUCIANI, e FALLETTI,

    1999, p. 15-16).

    Com o teatro sendo apresentado na rua, todos adquirem a possibilidade de

    assistir o espetculo, tornando-o assim, um evento bem mais democrtico. O teatro

    sendo realizado na rua proporciona as pessoas o direito de escolherem, se querem ou

    no assistir apresentao. um teatro, como j se havia dito, para todas as classes. A

    finalidade de fazer esse tipo de teatro, segundo PAVIS (1999, p. 385), : [...]

    corresponde a um desejo de ir ao encontro de um pblico que geralmente no vai ao

    espetculo, de ter uma ao sociopoltica direta, de aliar animao cultural e

    manifestao social, de se inserir na cidade entre povoao e convvio [...]..

    Com isso, o objetivo do teatro de rua no procurar aumentar o seu pblico j

    existente (burgus), mas sim, a arte e o povo que so o ponto de referncia para este

    teatro.

    O teatro de rua possui tambm como ponto caracterstico a sua funo

    transformadora. Pois um teatro que procura viabilizar a transformao do homem

    atravs do teatro, tratando assim, de temas conturbados em certas pocas, como os

    polticos e sociais. Deste modo, lutando contra as formas institudas (muitas vezes

    severamente) de poder sobre a sociedade. Seria usar o teatro como uma forma de

    comunicao e persuaso. O que fez com que o teatro de rua muitas vezes fosse

    confundido com o estilo agit-prop5

    5 O teatro de agit-prop (termo proveniente do russo agitatsiya-propaganda: agitao e propaganda)

    uma forma de animao teatral que visa sensibilizar um pblico para uma situao poltica ou social.

    (...).. (PAVIS, 1999, p. 379)

  • 8

    A verdade quando se faz um espetculo, fora do teatro edificado, procura-se

    libertar a imaginao do seu pblico, criar um pensamento revolucionrio, no qual, o

    pblico consiga imaginar uma nova situao poltica, econmica, social para a realidade

    em que vive. Assim, este busca mostrar os males em que a sociedade do espectador est

    inserida. O pblico possui o poder de desempenhar transformaes extraordinrias, mas

    para isso, preciso que sejam inspirados. E isto, o que o teatro de rua procura fazer.

    Alm de desempenhar esse papel sobre o espectador, o teatro de rua proporciona uma

    relao maior entre o espectador e o ator. Objetiva romper a relao de distanciamento,

    que as salas de teatro geram.

    O teatro de rua, alm de procurar transformar o seu pblico com o seu

    espetculo, ele muita das vezes acaba transformando o prprio espao em que se

    apresenta, pois, ao utilizar um espao aberto urbano, como cnico, o teatro apropria-se

    da arquitetura daquele espao. Alm de contribuir para a relao do pblico com o

    espao, j que uma vez que o indivduo prestigia um espetculo que ocorre neste

    espao, ele estar tambm usufruindo do espao. Assim sendo, o teatro de rua renova ou

    revive o significado do espao, alm de torn-lo propcio ao gozo.

    Segundo Andr Carreira, ao colocar-se no espao pblico aberto o

    grupo teatral transgride e tambm re-significa a rua ou a praa,

    tornando-os locais de fruio e naquele momento, o espectador deixa

    de ser um passante e adquire a condio de espectador. Esses dois

    aspectos, transgresso e resignificao, so importantes tambm para

    observarmos, como o teatro de rua se conflita com as instituies

    burguesas (CARREIRA, 2007, p 37), j que estas devem regular

    (zelar) e fiscalizar para que seu uso venha ser adequado: escoadouro

    do capital, isto , circulao de bens e servios.. (CARREIRA, 2007,

    37, apud TEIXEIRA, 2008, p. 21)6.

    6 CARREIRA, Andr. Teatro de Rua: (Brasil e Argentina nos anos 1980): uma paixo no asfalto,

    2007. In: TEIXEIRA, Adailtom Alves. A rua como palco: o teatro de rua em So Paulo, seu

    pblico e a imprensa escrita. So Paulo: UNICSUL, 2008. 72 p. Tese (Monografia) Pr- Reitoria de

    Ps Graduao e Pesquisa da Universidade Cruzeiro do Sul, So Paulo, 2008. p. 21.

  • 9

    A este caso pode-se citar o Auto do Crio como exemplo, j que este se utiliza da

    arquitetura das ruas do bairro, Cidade Velha, como espao cnico. Assim,

    transformando aquele espao.

    A festa um trao essencialmente marcante, no teatro. E estes dois sempre

    caminharam juntos, em alguns casos, se unem em um s. Houve momentos em que a

    festa foi reconhecida como outra forma de teatro, em outros como o teatro do futuro.

    Hoje, pode-se dizer que a festa e o teatro de rua so um s, pois, se observa essa

    realidade no prprio Auto do Crio, que a juno do teatro de rua com a festa. Eles se

    igualam e do vida a vrias formas de experincias.

    Com o teatro de rua, se criou novas possibilidades. Pois, agora se tem uma

    realidade diferente, da qual os profissionais do teatro (atores, diretores, produtores e

    etc.) estavam acostumados. Com a volta do teatro de rua, percebeu-se que o teatro pode

    ser realizado em qualquer lugar (Igrejas, mercados, praas, ruas, feiras e etc.). No

    entanto, foi preciso que se formula-se novas tcnicas de produo e representao,

    novos temas e novos atores, que se adqem a nova realidade. Os atores, diretores, etc.,

    devem ter em mente, que agora iro trabalhar com um espao diferenciado, com um

    pblico heterogneo, com mulheres e homens diversificados, portanto, devem procurar

    alcanar a visibilidade e a aceitao maior que o teatro de rua pode possuir.

    Mas importante se frisar, que com essa formao de teatro (teatro de rua), o

    que se tem de mais importante o pblico, o espectador. Pois este pblico no mais

    conhecido pelos profissionais do teatro, um pblico que no se deixa subordinar as

    regras das salas fechadas. Mas sim, um pblico que questiona, reconhece, gosta, ama,

    odeia, um pblico que se sentir livre para expressar o que sente sobre o espetculo.

    Assim, o pblico pode ser visto, em alguns casos, como um problema para os

    profissionais que preparam e realizam o espetculo. Porm, devem ser reconhecidos

    como algo diferenciador ao espetculo, pois o pblico constitudo como expectador e

    ator ao mesmo tempo. O grupo Galpo, de Belo Horizonte, define como esse

    envolvimento que os atores possuem com o pblico:

  • 10

    [] A rua nos leva ao encontro de um pblico mais vivo, presente,

    um pblico que interfere, que joga, que no tem o menor

    compromisso com o espetculo. E o embate com esse pblico nos

    traz, como atores, uma enorme sensao de liberdade, com todo os

    perigos advindos da mesma. Isso porque no teatro de rua tudo

    possvel... ns atores, somos colocados numa situao de perigo

    eminente, que fascinante e, temos certeza, representa para o ator

    uma arma poderosssima. Estar diante de uma catstrofe iminente ou

    pelo menos possvel, acaba te dando, no mnimo, um grande jogo de

    cintura. Alm disso, nos fascinava a possibilidade de romper com o

    isolamento do teatro convencional, aprisionado nas casas de

    espetculos, com um pblico reduzido quantitativamente e

    qualitativamente.'.. (CRUCIANI e FALLETTI, 1999, p. 152-153).

    Produzir o teatro de rua, no uma tarefa fcil. Com o desenvolvimento do

    teatro de rua, criaram-se vrias formas de fazer o teatro, em que, se tem o teatro que se

    estabelece em praas (o programado), o que ocorre como peregrinaes, o que feito

    pelo improviso, os que levam cenografia a rua, os que utilizam a arquitetura da rua

    como palco, etc. No entanto, vale ressaltar que de acordo com Cruciani e Falletti (1999,

    p. 139), [...] o teatro de rua no outro teatro: outra situao do teatro []..

    No Brasil, o teatro de rua possui uma grande representao nas atividades

    (cirandas, maracatus, quadrilhas e etc.) que se identificam por manifestaes culturais.

    E essas atividades se caracterizam por projetarem as diversas linguagens dentro de si,

    linguagens que se anulam ou se integram. A exemplo destas linguagens se observa: a

    dana, o canto, o teatro de bonecos, a presena de atores, fantasias etc. Encontra-se toda

    uma presena de linguagem teatral, que passa de gerao para gerao, e acaba tendo

    uma importante influncia no princpio do andamento do teatro de rua no Nordeste. Mas

    bom observar, que com o passar dos anos, o teatro de rua brasileiro no se prendeu

    somente a esta fonte de linguagem, foi em busca de uma linguagem mais moderna.

    O Teatro de Rua no Brasil procurou incorporar novas caractersticas para a base

    popular, diferentes das que possua na sua formao inicial. Assim, incorporou algumas

  • 11

    tcnicas de representao do teatro, como clown7 (circo-teatro,) e a commedia dell'arte

    8

    (famoso pelo uso de mscaras que identificavam os personagens).

    A partir da compreenso dos autores Grinsburg, Faria e Lima (2006), na obra

    Dicionrio de teatro brasileiro: temas, formas e conceitos, observa-se como ocorre o

    desenvolvimento do teatro de rua no Brasil, em que um dos primeiros registros do teatro

    de rua no pas, foi no ano de 1946, no qual os seus precursores foram Hermilo Borba

    Filho e Ariano Suassuna. Os jovens artistas e escritores criaram o projeto Teatro

    Ambulante, que percorria praas, ruas, feiras, diversos lugares de Recife. E logo aps,

    nos anos 60, surge em Recife o MPC (Movimento Cultural Popular) - que vinha a ser

    criado por Paulo Freire, Ariano Suassuna, entre outros - e o CPC (Centro Popular de

    Cultura) no Rio de Janeiro - comandado por Oduvaldo Vianna Filho. O MPC tinha

    como premissa, desenvolver no povo (a massa de oprimidos) a capacidade de formar a

    sua conscincia poltica e social atravs de aes educacionais e artsticas. O CPC era

    ligado a Unio Nacional dos Estudantes (UNE), e tambm surgiu com o objetivo de

    fazer uma arte revolucionria, com uma interveno na conscientizao das camadas

    populares. Ambos possuam como forte caracterstica o uso, mais frequente, do Teatro

    de Rua como um meio para alcanarem os seus objetivos, apesar de possurem outras

    formas artsticas e educacionais. Mas em 1964, com o golpe militar (a tomada do

    governo do Pas pelos Militares) que empregou a ditadura no Brasil, ambos foram

    dissolvidos. No entanto, estes conseguiram caracterizarem-se como o smbolo da unio

    do teatro de rua com o teatro de resistncia.

    Mas alm desses, surgiram outros grupos com a necessidade de buscar um

    pblico, e no esper-los em uma sala, entre esses: o Teatro Ventoforte (1974), o Grupo

    Imbuaa (1977), a Tribo de Atuadores i Nis Aqui Traveiz (1978) e o Grupo T na

    7 (...) No universo circense, ele o artista cmico que participa das entradas e reprises, explorando o

    desajuste e a tolice em suas aes. (...).. (GUINSBURG; FARIA e Lima, 2006, p. 84).

    8 A commedia dellarte se caracteriza pela criao de atores, que elaboram um espetculo improvisando

    gestual ou verbalmente a partir de um canevas, no escrito anteriormente por um autor e que sempre

    muito sumrio (indicaes de entradas e sadas e das grandes articulaes da fbula). Os atores se

    inspiram num tema dramtico, tomado de emprstimo a uma comdia (antiga ou moderna) ou inventada.

    Uma vez inventado o esquema diretor do ator (o roteiro), cada ator improvisa levando em conta os lazzi

    caractersticos de seu papel (indicaes sobre jogos de cena cmicos) e as reaes do pblico, (PAVIS,

    1999, p. 61).

  • 12

    Rua (1974), de Amir Haddad, o qual foi o primeiro diretor do Auto do Crio,

    participando das suas primeiras montagens durante os anos de 1993 e 1994.

    Diretor de teatro nascido em Minas Gerais, especialista em teatro de rua, Amir

    Haddad introduziu o Auto do Crio como um evento cultural que ocorre na rua, no qual

    se criou um elo entre a rua e a manifestao cultural presente no espetculo. Para o

    teatrlogo, o Auto do Crio deveria ir de encontro ao costume burgus, que aprisionou o

    teatro em salas, assim tendo como inspirao os teatros medievais, que eram encenados

    em praas centrais das cidades, assim, voltando a sua origem. Como pode ser observado

    em uma entrevista cedida ao escritor Joo Luiz Pacheco Mendes9, Amir Haddad,

    enxerga a necessidade de romper esta fronteira:

    [...] O que ns queramos era ocupar a cidade, revelar novos

    espaos, sair do confinamento ideolgico que a sala italiana

    tradicional significava; romper com tudo. [...] Em minhas

    inquietaes, eu percebia que o palco no estava bom. Vendo que o

    problema no era a dramaturgia ou o ator, j tendo mexido em todo o

    espetculo, eu acabava chegando, sempre, concluso de que era

    necessrio repensar o espao, no mais como sala fechada, sob as

    restries ideolgicas de uma sociedade burguesa branca e

    protestante, do Atlntico Norte, que ela representa; mas como rea de

    atuao e insero social, aberta e sem limites (Amir Haddad,

    entrevista cedida ao escritor Luiz Pacheco, 2005).

    O objetivo de Amir Haddad, que o teatro no fique preso somente em certos

    grupos sociais (grupos com maior poder aquisitivo), mais sim, que seja um evento para

    qualquer grupo, um teatro ao ar livre e democrtico, e essa uma das propostas do

    Auto do Crio.

    9 Ver: http://www.blocosonline.com.br/entrevista/pop_artistas/Haddad.htm. Acesso: 28/02/2011.

  • 13

    [...] A vontade de deixar o cinturo teatral corresponde a um desejo

    de ir ao encontro de um pblico que geralmente no vai ao espetculo,

    de ter uma ao sociopoltica direta, de aliar animao cultural e

    manifestao social, de se inserir na cidade entre provocao e

    convvio. [...].. (PAVIS, 1999, p. 385).

    Fazer o teatro na rua uma forma de obter uma platia viva, onde se encontra

    um teatro mais democrtico. Na rua se pode chegar mais facilmente a um dilogo com o

    pblico, pois o teatro a cu aberto proporciona uma grande interao do pblico

    residente e circulante com a arte e a cultura.

    [...] Na rua, cruzamento obrigatrio da comunidade, encontram-se

    passando o pblico conhecedor e os que esto abaixo do nvel: donas-

    de-casas e contadores, adolescentes e avs, leitores de ensaios e

    analfabetos. Podem parar ou ir embora [...]. E aqui, talvez pela

    primeira vez, largas camadas do gueto da poltrona das TVS privadas

    tero um encontro com o fenmeno teatral. [...].. (CRUCIANI E

    FALLETTI, 1999, p. 16).

    Na rua, o pblico escolhe se quer ou no assistir ao espetculo, assim o que faz o

    pblico selecionar um evento, o interesse que o espetculo desperta nele. Alm, de

    fazer com que os espaos (espaos pblicos) utilizados no evento, se tornem em espaos

    vivos que se relacionam com a comunidade presente (o pblico) atravs das atividades

    realizadas pelo Auto do Crio.

    Como pode se notar o teatro de rua est presente em vrias regies brasileiras, e

    estes so realizados com caractersticas especficas e divergentes, em cada regio.

    Portanto, seria difcil e extensivo demais, procurar falar de todos eles. Mas o

    interessante a se ressaltar, que o termo teatro de rua possui uma vasta definio.

    Buscar uma definio exata para essa atividade to diversificada, que o teatro

    de rua, no uma tarefa fcil. J que fazer uma conceituao fechada pode ser um risco,

  • 14

    devido ele possuir uma enorme diversidade em sua estruturao. Com isso, somente se

    trabalhar com duas definies sobre o teatro de rua.

    Para Fabrizio Cruciane e Clelia Falletti, o teatro de rua est ligado ao rito, arte

    e a festa, e devido a estes fatores eles compreendem a uma gama de coisas bastante

    diversificadas (1999, p.19). Como foi mostrado no decorrer de seu desenvolvimento, o

    teatro de rua, se tornou com o tempo, uma juno de tcnicas teatrais, manifestaes

    populares tradicionais, intervenes scio-polticas, entre outros.

    J para Patrice Pavis, o teatro de rua uma volta s fontes, no qual um

    teatro que se produz em locais exteriores as construes tradicionais (1999, p.385).

    Para este autor, o teatro de rua uma volta origem do teatro que surgiu no Ocidente,

    nos espaos abertos. , portanto, a vontade de levar o espetculo a quem nunca assistiu.

    O teatro de rua um processo que surgiu para quebrar as barreiras que eram

    impostas pelas salas fechadas. um teatro que busca divulgar a arte e a cultura para

    todos, sem distino, utiliza ou no a paisagem urbana como cenrio, d a liberdade ao

    expectador, a juno de vrias linguagens (populares e teatrais), uma interveno

    scio-poltica, democrtico, e enfim volta a origem do prprio teatro.

    Assim, observa-se que no teatro de rua h uma heterogeneidade de fatores que o

    classificam como tal. Em que, notam-se claramente no Auto do Crio estas

    caractersticas que foram citadas acima.

    O Auto do Crio se caracteriza por: utilizar a rua como palco e, portanto,

    apropria-se da arquitetura destas ruas como cenrio, um teatro feito para todas as

    classes, o expectador participa do espetculo (expectador-ator), possui vrias linguagens

    (circo, manifestaes populares, commedia dell'arte e etc.) dentro da sua encenao,

    uma interveno scio-poltica (acesso cultural livre, trabalha temas sociais, por

    exemplo: a paz10

    etc.) e um evento democrtico que veio para ir de frente contra o

    costume burgus das salas fechadas.

    Deste modo, o Auto do Crio um teatro que tem a sua origem na rua, pois ele

    comeou na rua, e necessita do espao da rua para existir. E este evento exige uma

    concentrao de um pblico em volta dele, sem nenhuma discriminao, sem nenhuma

    10

    Tema trabalhado no espetculo de 2008, relatrio que est em anexo.

  • 15

    condio para o espectador estar l, onde ele, o espectador, se sente libertado diante do

    espetculo.

    Com isso, deve-se entender que o Auto do Crio, um evento que se classifica

    como um teatro de rua, no somente porque acontece na rua, mas pelos diversos fatores

    que o classifica.

    por sua vez um movimento que possibilita ao cidado vivenciar a sua cidade,

    j que uma vez que o indivduo assiste ao espetculo est tambm usufruindo daquele

    espao. O teatro de rua, o Auto do Crio, acaba promovendo este local a um espao de

    todos, em um espao pblico.

    2.1 O ESPAO PBLICO

    O conceito de espao pblico um assunto que foi e ainda trabalhado por

    muitos autores. E atualmente definir, de forma exata o termo espao pblico, no uma

    tarefa trivial, j que dentro de sua configurao, o espao pblico veio sofrendo

    transformaes com as mudanas que as cidades vieram passando com decorrer do

    tempo.

    Tendo conhecimento sobre a dimenso (terica) que o conceito de espao

    pblico possui, e que no caberia aqui fazer um amplo levantamento das formas de

    defini-lo, pois no esta inteno deste trabalho, ser adotado o conceito que Hannah

    Arendt (2007), em sua obra A condio Humana, e Rogrio Proena Leite (2004), em

    sua obra Contra usos da cidade: lugares e espao pblico na experincia urbana e

    contempornea, que ambos utilizam para conceber a noo de espao pblico.

    O motivo para se escolher o conceito definido por estes autores se d pelos

    mesmos, melhor se encaixarem com as caractersticas do espao em que o evento, Auto

    do Crio, ocorre.

    Mas antes de se chegar concepo de espao pblico para Arendt, preciso

    que seja retratada a anlise que a autora faz sobre vita activa. Vita activa, a vida

    humana, est fundamentada na transformao que o homem faz da natureza para formar

  • 16

    o mundo. E dentro dessa perspectiva, a autora, trabalha trs atividades fundamentais da

    condio humana: o labor, o trabalho e a ao. Tais atividades so utilizadas pela autora

    para se compreender a distino, pblico e privado.

    O labor corresponde sobrevivncia biolgica do ser humano, sendo ento a

    dimenso das necessidades vitais. Portanto, o homo laborans est condicionado a

    preocupar-se com si prprio. O trabalho corresponde produo de produtos artificiais

    que superam o ciclo da vida. Esta dimenso no est vinculada ao interesse coletivo,

    mas apenas com a produo, sendo ento um homo faber. E por fim a ao corresponde

    h uma atividade que est diretamente ligada vida poltica, portanto, uma atividade

    que exercida entre vrios homens, a condio humana da pluralidade. Preocupa-se

    com o interesse coletivo, um bem comum. Arendt (2007, p. 31) observa que, Todas as

    atividades humanas, so condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos; mas a ao a

    nica que no pode sequer ser imaginada fora da sociedade dos homens. [...]..

    E como se pode perceber do exposto acima, a ao a atividade humana que

    est diretamente ligada ao homem, pois somente o homem pode exerc-la.

    A condio humana da ao est totalmente voltada poltica, devido a sua

    pluralidade, assim como na esfera pblica. J o labor e o trabalho se enquadram dentro

    do contexto da esfera privada, no ambiente familiar. No que estes no possuem alguma

    relao com a poltica, mas, a ao uma atividade humana que esta mais direcionada

    ao interesse comum. Assim, a distino entre esfera pblica e esfera privada nada mais

    que a distino entre a esfera da poltica e a da famlia.

    Dentro da perspectiva principal da esfera pblica, a ao, Arendt (2007) formula

    o princpio do surgimento do espao pblico.

    O espao pblico surge da necessidade de um espao prprio para a execuo da

    condio humana: ao, onde este ser um espao para o desenvolvimento da ao

    discursiva, que tornar o homem um ser visvel ao mundo, levando em conta a

    pluralidade humana.

    A ao precisa de um espao com visibilidade, para poder ocorrer. Um espao

    onde o homem possa se relacionar com outros homens, atravs da ao e do discurso. J

  • 17

    que para um homem, com uma vida sem ao e discurso, faz deste um ser inexistente

    para o mundo.

    Ao contrrio do da fabricao, a ao jamais possvel no

    isolamento. Estar isolado estar privado da capacidade de agir. A

    ao e o discurso necessitam tanto da circunvizinhana de outros

    quanto a fabrica necessita da circunvizinhana da natureza, da qual

    obtm matria-prima, e do mundo, onde coloca o produto acabado.

    [...].. (ARENDT, 2007, p. 201).

    O espao pblico o lugar, para o homem praticar a sua condio humana, a

    ao. Pois com as palavras e com os atos, que sero desenvolvidos nesse espao, que

    o homem ir se inserir no mundo. J que na ao e no discurso que este homem se

    revelar ao mundo, atravs das relaes humanas que ele produzir. O espao pblico,

    para Arendt (2007), o lugar da excelncia humana, onde o homem possui a

    capacidade de ver e ser visto, sem ter que ficar somente na privao da vida. Um espao

    pblico necessrio.

    [...] Arendt desenvolveu uma defesa clssica sobre a liberdade

    humana, traduzida na existncia de um espao pblico da

    visibilidade, do discurso e da ao poltica. Para Arendt, as

    experincias pblicas compartilhadas no mundo comum so

    constitutivas da noo de vida pblica, segundo a qual a esfera pblica

    muito mais do que o local de visibilidade do real: o local da

    excelncia humana, na medida em que permite ao homem conhecer-

    se e firmar sua existncia, superando a privao de no poder

    realizar algo mais permanente do que a prpria vida. [...].. (LEITE,

    2004, p. 134).

    Com isso, nota-se que para Arendt (2007), o espao pblico um espao onde

    os sujeitos atuam atravs da ao e do discurso, um espao de visibilidade. um espao

  • 18

    que necessrio, para promover a fora de experincias, para tornar o homem visvel ao

    mundo, extraindo-o da privao.

    A ao dialgica, que os homens assumem no espao pblico, faz com que ele

    adquira um carter de espao potencial da aparncia, um espao onde se tem como

    caracterstico a mediao das relaes de poder. No entanto, Arendt (2007) afirma que

    este espao no possui um lugar fixo, ele desaparece com a separao dos homens que

    ali estavam reunidos. Assim, o espao potencial surge do momento em que as pessoas

    se renem para um propsito em comum, atravs da ao e do discurso mediadas pelas

    relaes de poder, e quando estas pessoas se dispersam aquele local no se qualifica

    mais como um espao potencial.

    [...] De modo semelhante a Hannah Arendt, Habermans reafirma o

    princpio da interao sobre o da localizao em sua concepo de

    esfera pblica, na qual o espao potencial da fala e da ao no

    necessariamente tem lugar predeterminado: onde quer que ocorram as

    interaes mediadas pelas relaes de poder, que possibilitem a

    expresso da fala e do agir, existir um espao onde se materializaria a

    esfera pblica. [...].. (LEITE. 2004, p. 198).

    Leite (2004), a partir da anlise dos autores, Arendt e Habermas, que projetam

    uma relao entre o espao e ao, formula a sua idealizao de um espao pblico. E,

    esta compreenso parte do pressuposto que a noo de espao pblico est associada

    esfera pblica e o espao urbano.

    [...] uma noo de espao pblico que no inclua as prticas

    interativas entre os agentes envolvidos na construo social do seu

    espao seria apenas uma noo que se estaria referindo a um espao

    urbano. Inversamente, uma noo que prescinda de uma referncia

    espacial para essas aes interativas pode ser entendida como uma

    esfera pblica. Quando, portanto, h uma convergncia entre

    categorias espao e ao, podemos entender que se tem um espao

  • 19

    pblico, formado da interseco entre espao urbano e a esfera

    pblica, construtos dos quais retira, respectivamente, as categorias que

    lhe so constitutivas: espao e ao. [...].. (LEITE, 2004, p. 287).

    Para o autor um espao urbano somente se estabelece como um espao pblico

    quando nele se unificam certas configuraes espaciais (caracterstica do espao

    urbano) e um conjunto de aes (caracterstica da esfera pblica). Pois, segundo o Leite

    (LEITE, 2004, p. 198), [...] a partir dessa relao entre espao e ao, as prticas interativas

    atribuem sentidos aos lugares, que por sua vez contribuem para a estruturao dessas aes

    [...]..

    Assim, compreende-se o espao pblico a partir dos usos e das aes que

    atribuem sentido ao espao.

    No entanto, Leite (2004) ressalta que embora o espao pblico se estabelea, em

    muitos casos, no espao urbano, deve-se compreend-lo como uma categoria

    sociolgica que ultrapassa a rua. J que, como um espao social, este no existe

    somente na rua, mas sim, compreende-se pelas aes que lhe do sentido, tornando-o

    lugares. Por lugares Leite (2004, p.284) compreende, [...] estou entendendo aqui uma

    determinada demarcao fsica e/ou simblica no espao, cujos usos o qualificam e lhe atribuem

    sentidos diferenciados, orientando aes sociais e sendo por estas delimitado reflexivamente

    [...]..

    Com isso, sabe-se que nem todo espao urbano um espao pblico, j que para

    ser definido como tal, o espao urbano precisa que as aes lhe proporcionem sentidos.

    A partir dessa compreenso de Leite (2004), sobre o espao pblico, pode-se

    notar que espao em que o teatro de rua est inserido, caracteriza-se como um espao

    pblico. Pois como pode ser observado, as aes que so produzidas pelo evento,

    naquele espao, o promovem assim a um espao pblico. E partindo da anlise de

    Arendt (2007), sobre a formao de um espao pblico, o teatro de rua emprega neste

    espao a ao do discurso, caracterstico da esfera pblica que empregado no espao

    urbano, como a rua. O espetculo proporciona ao homem excelncia humana, a

    oportunidade de ver e ser visto.

  • 20

    Essa excelncia humana, que o evento proporciona ao indivduo possibilita

    que este passe a enxergar o espao em que o evento ocorre. No caso do Auto do Crio, o

    indivduo, passa a enxergar e vivenciar o bairro da Cidade Velha. Que ser identificado

    no prximo sub-captulo.

    2.2 - A CIDADE VELHA

    A Cidade Velha o bairro mais antigo da cidade de Belm, e mais precisamente

    o local de origem da cidade. Hoje este bairro tradicionalmente conhecido como

    centro histrico de Belm.

    Segundo o Jos Valente (1993), em sua obra A histria nas ruas de Belm:

    Cidade Velha, foi neste bairro, que as primeiras ruas de Belm surgiram, como a rua

    Esprito Santo (atualmente Dr. Assis) e a rua do Norte (atual Siqueira Mendes), entre

    outras. bom ressaltar que o Auto do Crio, faz boa parte de seu percurso na rua Dr.

    Assis, como pode ser visto na Figura 1.

    Figura 1- Percurso do Auto do Crio. Fonte: google maps.

    O bairro abarca dentro da sua estrutura grandes representaes da Belm

    Colonial e da Belm da Belle poque, momento do perodo da Borracha. Os quais

  • 21

    deixaram como caractersticas importantes na Cidade Velha, a sua imponncia histrica,

    apresentada em sua arquitetura e histria, bastante visvel em suas praas, Igrejas, casas,

    prdios antigos, etc., que segundo Carlos Fortuna (2006) em sua obra, Centros

    Histricos e Patrimnios Culturais Urbanos: Uma avaliao e duas propostas pra

    Coimbra, so reconhecidos como patrimnios culturais urbanos.

    [...] So patrimnios histricos edificados, mas tambm patrimnios

    scio culturais, artsticos, lingsticos e humanos que encontram

    expresses diversas nas cidades de hoje, embora no exclusivamente.

    Estes patrimnios, tanto dos tangveis como os intangveis, enunciam

    modos de viver passados e actuais que, no seu conjunto, constituem a

    memria social e, em muitos casos e por isso mesmo, revelam e

    significam o prprio esprito dos lugares.. (FORTUNA, p. 3, 2006).

    Constatada a importncia da arquitetura deste bairro, foram tomadas medidas

    que o preservassem com tal.

    No Par, as primeiras medidas oficiais com relao preservao do

    patrimnio ocorreram na dcada de 60, quando foi publicada a Lei n

    6.307 de 03 de abril de 1967, que Limita a rea da Cidade Velha para

    sua preservao histrica e d outras providncias. [...]. No Art. 6, a

    Lei determina que todas as obras de construo nova ou de reforma,

    obedecero ao estilo tradicional do Bairro em suas caractersticas

    peculiares, cor, propores, forma, sempre em equilbrio com o

    conjunto arquitetnico existente. E acrescenta no artigo 8 que as

    intervenes devero estar vinculadas ao esprito colonial

    predominante no bairro.. (MIRANDA, 2006, p. 55).

    Partindo desta primeira interveno em relao preservao do patrimnio,

    muitas outras intervenes ocorreram. Em que, alguns prdios histricos do bairro,

    passaram por esse processo, renovando as suas estruturas que j estavam degradas. No

  • 22

    entanto, estas intervenes no foram imediatas, foi um processo demorado, no qual, at

    hoje se observa o descaso em alguns desses monumentos histricos do bairro.

    A Cidade Velha abriga o bero das principais igrejas da cidade como a Catedral

    Metropolitana da S, de Nossa Senhora do Carmo, So Joo, de Santo Alexandre e

    tantas outras. Em que, vale ressaltar que duas dessas Igrejas (Catedral da S e Igreja

    Santo Alexandre) so utilizadas como espao cnico para as estaes do Auto do Crio.

    O bairro possui muitos casares antigos, no qual, nota-se a presena destes, por um

    rpido caminhar pelas ruas do bairro.

    A Cidade Velha um local de grande expresso cultural que varia entre as

    atividades religiosas, como o Crio, e as carnavalescas, como o carnaval de rua. E estas

    atividades culturais, so reconhecidas como cultura paraense.

    A cultura da cidade a dos cidados que fazem parte da cidade [...]

    As maneiras de ser de seus habitantes talvez tambm tenham sido

    modeladas segundo os acasos da histria vivida pela cidade. [...] A

    cidade tambm feita de lutas e acordos locais inscritos nos lugares:

    tal casa, tal sala de reunio, tal rua, tal bairro, onde pronunciaram-se

    palavras, desenrolaram-se acontecimentos que impregnaram as

    memrias. A cultura da cidade tambm feita deste passado, presente

    atravs dos lugares. [...].. (CLAVEL, In: JEUDY e JACQUES, 2006,

    p.70).

    Essa caracterstica cultural que o bairro possui, est relacionada prpria cultura

    da populao paraense. Como pode ser observado a partir da identificao de algumas

    atividades que ocorrem no bairro.

    O Crio que caracterizado neste bairro, uma das maiores amostras da devoo

    religiosa, catlica, que se encontra no Estado do Par, em homenagem a N. Sra. de

    Nazar. Foi no ano de 1792 que o vaticano autorizou que se fizesse uma procisso em

    homenagem a Virgem de Nazar,11

    mas foi somente em 1793 que ela foi realizada. E

    11 Histria. http://www.ciriodenazare.com.br/v2.0/?action=Menu.detalhe&id=29. Acesso em: 02/03/2011.

  • 23

    hoje uma das festas mais tradicionais do Brasil. Como o Isidoro Alves, em sua obra

    Carnaval devoto: Um estudo sobre a festa de Nazar, em Belm, compreende: [...]

    Trata-se de uma festa devocional, [...].. (ALVES 1980, p.17).

    Este evento sempre celebrado no segundo domingo do ms de outubro atravs

    de uma procisso, que tem como local de partida a Igreja da S, no bairro da Cidade

    Velha, at a sua chegada na Baslica de Nazar, no Bairro de Nazar, no qual, pode-se

    afirmar ser o maior cortejo realizado com a Virgem de Nazar no ms de outubro.

    Entretanto, este no o nico, j que durante o ms h uma grande celebrao de

    eventos como a Transladao, a Romaria Fluvial, a Moto- romaria, o Recrio (que

    finaliza a quadra Nazarena), entre outros. Isidoro Alves retrata que apesar desses muitos

    cortejos realizados com a Santa Padroeira, a procisso do Crio a mais importante: O

    acontecimento mais importante, segundo o consenso geral, a Procisso do Crio..

    (ALVES, 1980, p.30).

    O Crio o momento do encontro, pois muitas famlias, se no dizer todas, se

    utilizam deste momento para se reunirem em suas casas, atravs do tpico almoo do

    Crio 12. o momento que muitos se renem para prestar suas homenagens a Santa

    Padroeira.

    E nessa poca, a cidade de Belm fica completamente ocupada por uma

    multido de pessoas, que vem de todos os lugares do mundo para conhecer, agradecer,

    pedir, etc., a N. Sra. de Nazar. tambm o momento em que se presencia a juno de

    vrias homenagens.

    [...] a Santa recebe as homenagens daqueles que , ou dos ficam nas janelas de suas casas. A passagem da

    Santa um momento de grande emoo conforme pudemos observar.

    O gesto de respeito e a lgrima formam muitas das vezes um mesmo

    quadro de emoo que se volta para o centro da devoo. [...].

    (ALVES, 1980, p. 42).

    12

    [...] Trata-se de um almoo onde se rene a famlia e, em alguns casos amigos mais ntimos e compadres.. (ALVES, 1980, p. 62).

  • 24

    Em caracterstica ao retrato carnavalesco que o bairro possui, pode ser destacado

    que o movimento carnavalesco, segundo dados encontrados, est presente no bairro

    desde dcada de 40.

    O movimento carnavalesco no bairro vem de muito longe. Por volta

    da dcada de 40, existiam no bairro ncleos de concentrao de blocos

    carnavalescos, como na casa da Dona Branca, na Gurup entre

    Camet e Rodrigues dos Santos e na casa dos Mangabeira, na

    Camet. O filho da D. Branca conhecida doceira cantor de

    boleros e participava ativamente desses blocos [...].. (MIRANDA,

    2006, p. 152).

    Houve tambm, nos anos 80 a criao do bloco de rua, Afox do Guarda-Chuva

    Achado que procurava produzir tema que estivessem relacionados preservao da

    memria da cidade de Belm, assim como o prprio Auto do Crio, e alm retratar os

    carnavais de bairros.

    O Afox surgiu por volta de 1987, quando um grupo de pessoas

    ligadas fotografia e ao jornalismo se reunia no Bar Garagem, situado

    na Travessa ngelo Custdio, prximo ao Largo do Carmo. [...] Tudo

    comeou quando um dos integrantes do grupo, o Tonico, encontrou

    um guarda-chuva perdido no meio da praa e o trouxe at o bar e foi

    criado o termo guarda-chuva achado, fazendo referncia ao modo

    chiado caracterstico do falar paraense, que da passou a ser o nome do

    bloco. O Afox saiu pela primeira vez com 13 ou 14 pessoas, dentre

    os quais o fotgrafo Geraldo Ramos, a Ana Catarina tambm

    fotgrafa e o marido Tonico, Celso Elluan, Abdias Pinheiro, Iolanda

    Costa, Mrcia Freitas, a arquiteta Elna Trindade, Fernando Lobo,

    Esther Bemerguy.. (MIRANDA, 2006, p. 151).

    O bloco de rua procurava resgatar o simbolismo histrico que o bairro da Cidade

    Velha possui para a cidade, ao retratar a sua arquitetura abandonada. Em suas msicas o

    seu propsito, era difundido. O bloco Afox sai do Largo do Carmo at a Feira do Aa.

    No entanto, devido aos contratempos enfrentados (brigas, arruaas e etc.), a sua

    continuidade foi interrompida.

  • 25

    O bloco era uma tentativa de chamar ateno para o descaso com

    relao ao Patrimnio Arquitetnico de Belm, revitalizando a prpria

    movimentao cultural no bairro da Cidade Velha, que ento era visto

    como local obsoleto e parado. Eram idias que estavam implcitas no

    evento, porm colocadas de forma satrica e bem humorada..

    (MIRANDA, 2006, p. 152).

    Hoje, a Cidade Velha caracterizada por apresentar em suas estreitas ruas,

    vrios encontros de blocos de rua que esto presentes no bairro, onde se observa blocos

    como: Jambu do Kaveira e o Fof de Belm. Se tornando assim, um bairro

    caracterstico de carnaval de rua. No entanto, bom ressaltar, que estas no so as

    nicas atividades culturais que ocorrem no bairro, o Arraial do Pavulagem, que procura

    valorizar a msica de raiz feita na regio Amaznica, promove dois eventos no bairro

    em pocas divergentes: o Cordo do peixe-boi13

    e o Arrasto do Crio14

    , em que ambos

    seguem o seu percurso passando pelo o bairro, onde finalizam a sua apresentao.

    O bairro est fortemente ligado cultura paraense, devido em seu ambiente

    ocorrerem vrias atividades culturais, como as que foram citadas acima, alm do prprio

    Auto do Crio. E observa-se que ambas as atividades procuram promover no bairro a

    sua caracterizao cultural. o que os autores Vaz e Jacques retratam, na obra

    Territrios culturais na cidade do Rio de Janeiro. In: Jeudy e Jacques. Corpos e

    cenrios urbanos: territrios urbanos e polticas culturais, [...] Certas manifestaes

    culturais, independentes de quaisquer polticas pblicas podem vir a caracterizar os

    bairros ou mesmo cidades inteiras.. (2006, p. 76).

    Observada essa caracterstica histrica e cultural do bairro, acredita-se que a

    proposta feita por Carlos Fortuna (2006) a cidade de Coimbra, caberia perfeitamente a

    Cidade Velha, que promover-ser a um Centro Internacional de Cultura Urbana.

    13

    (...) Sua concepo est ligada memria dos antigos Cordes de Bichos, que demonstravam um elo fortalecido de unio do ser humano com a natureza e a representao-ritual da morte e ressurreio, em

    consagrao da vida.. http://www.arraialdopavulagem.com.br/. Acesso em: 02/03/2011. 14 o cortejo que homenageia o smbolo maior da religiosidade paraense, a Nossa Senhora de Nazar, destacando o lado profano do sacro ritual.. http://www.arraialdopavulagem.com.br/. Acesso em: 02/03/2011.

  • 26

    [...] Tratar-se-ia de um Centro catalizador de diversas expresses

    culturais, artsticas, polticas que poderiam funcionar como alavanca

    da redinamizao cultural do centro histrico e que, articulado com

    outros equipamentos e valncias culturais da cidade que vo

    definhando mo da incria poltica local e nacional, alargue e

    diversifique as condies de produo, circulao e consumo de bens

    culturais, ao mesmo tempo que multiplica e diversifica a oferta

    turstico-cultural da cidade e amplia as trocas culturais e a viso

    alargada e cosmopolita do mundo.. (FORTUNA, 2006, p. 8).

    Assim, fazendo do bairro um local de visibilidade cultural para a cidade de

    Belm, e at nacionalmente, em que a populao passaria a reconhecer a sua prpria

    cultura, e tendo uma maior acessibilidade. Mas sempre usufruindo dos recursos

    ofertados localmente, e como Fortuna diz: [...] Temos de saber modernizar a histria e

    a memria dos lugares, sem as descaracterizar [...]. (2006, p.12).

    A Cidade Velha pode ser identificada como um territrio de encontros, em que

    se observam vrias atividades culturais que se encontram, alm de promover para os

    cidados Belenenses essa possibilidade de ir ao encontro da sua prpria cultura, que

    para muitos estava esquecida.

    Hoje pode se dizer que o bairro reconhecido por apresentar caractersticas

    importantes na sua arquitetura histrica e nas atividades culturais, presentes em suas

    ruas. Na Cidade Velha encontram-se as mais antigas ruas, praas e Igrejas de Belm.

    Este bairro guarda em sua memria a histria da cidade de Belm. um bairro de

    grande expresso cultural

  • 27

    CAPTULO 3 - CONHECENDO O AUTO DO CRIO

    O Auto do Crio, conhecido como um teatro de rua que ocorre na cidade de

    Belm/PA surgiu no ano de 1993. Foi criado pelo Ncleo de Arte (Nuar) da

    Universidade Federal do Par (UFPA) 15

    , que hoje o Instituto de Cincias da Arte

    (ICA). Este evento foi um projeto sugerido pelo Reitor na poca, Marcos Ximenes as

    professoras Zlia Amador de Deus (que naquele momento era vice-reitora da UFPA) e

    Margaret Moura Refskalefsky, que ocupava o cargo de diretora do Ncleo de Arte da

    UFPA.

    A proposta surgiu, quando o professor Marcos Ximenes, voltando de uma

    viagem, que havia feita ao Estado de Pernambuco, onde conheceu o projeto Paixo de

    Cristo em Nova Jerusalm16

    , sugeriu as professoras Zlia Amador e Margaret

    Refskalefski que produzissem um evento com mesma dimenso religiosa na cidade de

    Belm. Como pode ser observado pela fala de Zlia Amador, quando questionada sobre

    o surgimento do Auto do Crio:

    O Auto, ele surge de um desafio, feito pelo professor Marcos

    Ximenes que era o Reitor da poca a mim e a Margaret. Ele sabendo

    que a gente era de teatro, e eu tava na vice-reitoria e a Margaret estava

    na direo do ICA, que naquele tempo no era ICA (era Ncleo de

    Artes). E a ele fez um desafio. Poxa o Nordeste conseguiu afirmar!

    Pernambuco conseguiu afirmar, em Nova Jerusalm a Paixo de

    Cristo, a gente tem aqui a Nossa Senhora de Nazar com tanta fora

    porque a gente no afirma alguma coisa. A ns ficamos pensando a

    partir do desafio feito. Ns ficamos pensando, e pensamos em um

    grande teatro de rua. Da que surgiu o Auto. [...].. (Zlia Amador,

    comunicao pessoal, 2011).

    15

    Ver: http://www.ufpa.br/beiradorio/arquivo/beira13/noticias/noticia3.htm 16

    um evento realizado no Estado de Pernambuco, que retrata as ltimas horas de Cristo antes a sua

    ressurreio, e considerado o maior teatro a cu aberto. Ver: http://www.novajerusalem.com.br/2011/.

    Acesso em: 02/03/2011.

  • 28

    Assim, o Auto do Crio surgiu, tendo como enfoque as caractersticas religiosas

    e culturais da festa do povo paraense, o Crio de Nazar, e consequentemente

    proporcionando uma grande homenagem dos artistas (amadores e profissionais) a Nossa

    Senhora de Nazar, Santa Padroeira do Estado. Na Figura 2 pode ser observada a

    referncia feita a Virgem de Nazar.

    Figura 2 - Rplica da Virgem de Nazar. Fonte: Gabriela Arajo, 2008.

    O Auto do Crio nasceu, segundo as informaes recolhidas (em jornais,

    entrevistas, organizadores e etc.), tendo como objetivo fazer a reinterpretao do Crio

    de Nazar (manifestao religiosa e cultural Paraense) atravs do teatro; desenvolver a

    valorizao das manifestaes populares; gerar a integrao das vrias linguagens

    artsticas (o teatro, a dana, a msica e etc.); proporcionar a prtica de extenso17

    com

    os alunos da UFPA (j que este um evento realizado pelo prprio rgo); contribuir

    para o calendrio cultural da cidade (gerando o turismo); promover uma homenagem

    dos artistas a Nossa Senhora de Nazar; promover a valorizao dos espaos histricos

    do bairro Cidade Velha (como palco artstico e cultural da cidade); etc.

    17

    A extenso um processo educativo, cultural e cientfico que articula o ensino e a pesquisa em prol da

    sociedade.

  • 29

    Para se dar incio ao processo de reconstruo (espetculo), o projeto recebeu a

    orientao do teatrlogo Amir Haddad, como diretor. Em que ficou na direo somente

    por 2 anos (1993 e1994).

    Com a sada de Amir Haddad da direo, Miguel Santa Brgida, o seu assistente

    de direo na poca, assumiu a coordenao do espetculo. Miguel Santa Brgida

    professor da UFPA ficou na direo do ano de 1995 a 2009, e com a sua entrada o Auto

    do Crio sofreu algumas mudanas.

    O evento passou por modificaes em sua estrutura, pois com Amir Haddad, sua

    representao era mais idealizada no formato que evidenciava, bem mais, um estilo

    baseado nas mscaras e os jogos de linguagem, trazendo tambm, uma referncia aos

    carnavais de baile. Com a entrada de Miguel Santa Brgida na direo, houve como ele

    mesmo diz (em entrevista feita com ele): uma carnavalizao, o que seria a introduo

    dos elementos das escolas de samba no evento, como: alegorias, mestre sala, porta-

    bandeira, samba enredo e etc.

    O que fiz foi torn-lo carnavalesco mesmo ao inserir elementos do

    universo esttico espetacular das escolas de sambas: bateria, samba

    enredo, carros alegricos, mestre-sala e porta-bandeira, etc. Este foi o

    meu jeito de entender, produzir e fazer o espetculo. Carnaval e

    procisso so dois corpos espetaculares que os entendo com grandes

    identificaes. (Miguel Santa Brgida, comunicao pessoal, 2008).

    A esta ltima compreenso que Miguel faz sobre o carnaval e a procisso pode

    ser salientada pela anlise que o autor Isidoro Alves (1980), faz comparando a procisso

    do Crio de Nazar ao carnaval.

    [...] a procisso do Crio de Nazar, pode identificar nos movimentos

    da massa que a integra, no vaivm constante, nas modulaes, nas

    gestualidades, no clima da festa, de algazarra, no despojamento do

    sacrifcio dado pelo na procisso, ou ainda no clima

  • 30

    festivo proporcionado pelo durante quinze dias, uma

    franca experincia prxima ao carnaval [...].. (ALVES, 1980, p. 15).

    O que o autor trabalha neste trecho, que as categorias do Crio por mais que se

    diferenciem das categorias do carnaval, da festa, elas no so totalmente opostas, e em

    alguns casos caminham simultaneamente, como as prprias caractersticas, sagrada e

    profana presente em ambos, pois, de acordo com Isidoro Alves:

    A natureza ambivalente, onde os termos opostos se neutralizam,

    permeia todo o desenrolar do evento. Assim, podemos analisar toda a

    performance ritual, em vrias etapas e momentos, operando essas

    categorias que primeira vista so opostas, mas que funcionam como

    agentes neutralizadores e equilibradores dos fatos e agentes em ao..

    (ALVES, 1980, p. 26).

    Assim como o Crio, o Auto do Crio possui como uma caracterstica muito

    marcante, a mistura do sagrado com o profano, como j se sabe, algo que j

    caracterstico em eventos que retratam a manifestao religiosa.

    O Auto do Crio uma forma de exercitar a prtica de teatro de rua, o qual

    possui como enredo a festa religiosa, o Crio de Nazar. Este possui como trajeto o

    bairro da Cidade Velha, centro histrico da cidade de Belm, onde este trajeto se inicia

    com a concentrao na Praa do Carmo, seguindo para Largo da S, com paradas nas

    estaes (palcos) que se encontram em frente Catedral Metropolitana da S (1

    estao) e a Igreja Santo Alexandre (2 estao). Seguindo o percurso, o cortejo se

    direciona para frente do Instituto Histrico e Geogrfico de Belm - PA (3 estao) que

    se localiza em frente Praa Dom Pedro Segundo. Terminada a apresentao desta

    estao, o cortejo prossegue para a ultima estao que se encontra entre a Praa Dom

    Pedro Segundo e o Palcio Antonio Lemos (4 estao, a Apoteose), e nesta estao

    que se finaliza o cortejo com grandiosas apresentaes finais, como pode ser observada

    pela Figura 3, em uma das apresentaes realizada na apoteose, uma das estaes.

  • 31

    Figura 3 - ltima estao, apoteose. Fonte: Gabriela Arajo, 2008.

    Todo esse trajeto realizado por um cortejo que feito pelas estreitas ruas do

    bairro, no qual, bom ressaltar, que este caminho seguido, tambm, pelo pblico que

    acompanha tudo bem de perto.

    O interessante, que antes o Auto do Crio no possua os palcos (as estaes)

    no seu trajeto, mais com o grande aumento dos espectadores eles foram inseridos no ano

    de 2001 para gerar uma maior visibilidade para o pblico que assiste, assim como

    tambm houve a insero dos carros alegricos, que facilitaram a visibilidade, como

    pode ser observado na Figura 4.

    Cada estao representa uma caracterstica do evento, onde a 1 estao

    classificada como a estao da msica e da exortao, pois nessa estao se tem a

    apresentao de alguns cantores e a exortao, que o pedido de permisso, Virgem

    de Nazar, para que o cortejo siga; j na 2 estao ocorre a apresentao do teatro,

    onde os artistas que participaram da oficina que oferecida a comunidade (de forma

    gratuita) encenam os textos (que retratam histrias comuns entre os paraenses), que so

    produzidos pela organizao do evento; na 3 estao acontece uma apresentao

    folclrica, em que remetem ao folclore Paraense e na 4 e ltima estao (Apoteose),

  • 32

    Figura 4 - Alegoria. Fonte: Gabriela Arajo, 2008.

    presencia-se a cultura popular, com o carnaval, que culmina na apoteose carnavalesca

    em que o teatro, a msica, a dana e a arte em geral, se fundem em um grande

    espetculo.

    Com j foi dito, o evento foi adquirindo uma carnavalizao com o passar dos

    anos para mostrar a forte mistura (sagrado e profano) que se encontra presente nas

    comemoraes do Crio. Os aspectos carnavalescos, ditos profanos, foram ampliados na

    estrutura do Auto do Crio, como a insero dos carros alegricos, porta-bandeira,

    mestre-sala, comisso de frente e samba enredo, podendo assim ser sintetizado como

    um carnaval devoto, como at hoje conhecido. Dentre esses aspectos carnavalescos,

    pode ser observado na Figura 5 o mestre-sala e a porta-bandeira.

  • 33

    Figura 5 - Mestre-sala e Porta-bandeira. Fonte: Gabriela Arajo, 2008.

    Alm destas caractersticas o Auto do Crio possui ainda um vis circense que

    est presente no evento com apresentaes de malabaristas, os pernas-de-pau, palhaos,

    etc. Assim, pode se compreender o Auto do Crio como um projeto que possui a juno

    de trs festas: o teatro, o carnaval e o Crio, que tambm, segundo Isidoro Alves

    (1980) identificado por muitos como uma festa.

    O Auto do Crio um evento que j faz parte da quadra Nazarena e, junto com

    outros eventos ligados ao Crio de Nazar, foi reconhecido como Patrimnio Imaterial

    Brasileiro pelo IPHAN (Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional) no ano

    de 200418

    . Com o reconhecimento, o Auto do Crio foi firmado como um evento de

    importncia cultural e artstica na cidade. Foi devido a este fator, tambm, que o Auto

    18Ver: http://www.ufpa.br/beiradorio/novo/index.php/2007/22-edicao-55/242-auto-do-cirio-encanta-a-cidade-velha, em 23/02/2011.

  • 34

    do Crio passou a receber maiores incentivos para a sua produo, se torando um evento

    de grande importncia para rgos pblicos como a SECULT Secretria Estadual de

    Cultura e a FUMBEL Fundao Cultural do Municpio de Belm, alm de alguns

    rgos privados.

    A parceria entre a UFPA e os demais rgos mantenedores da cultura Paraense,

    muito importante para que o evento ocorra. Pois, hoje com a grandiosidade que se

    tomou o Auto do Crio, fez com que ele acabasse virando um projeto de alto custo. E

    este, pode ser afirmado, ser o maior impasse que o projeto enfrenta, j que a dificuldade

    para conseguir patrocinadores grande, segundo os seus organizadores. E os mesmos

    afirmam, que a nica instituio pblica que sempre permanece como incentivadora do

    evento, a UFPA, que foi a sua idealizadora, no entanto, h momentos em que o

    espetculo devido ter se tornado to grandioso, no consegue o incentivo financeiro

    necessrio. Observa-se pelo comentrio que o Miguel Santa Brgida faz sobre a falta de

    incentivo financeiro:

    A Universidade a grande idealizadora, produtora e diretora do

    evento. Pela sua mega infra-estrutura e estrutura cnica de grande

    complexidade, a maior dificuldade nem sempre contarmos com

    parceria a altura da magnitude do espetculo para o pas. (Miguel

    Santa Brgida, comunicao pessoal, 2011).

    Amir Haddad, ao responder o questionamento do escritor Joo Luiz Pacheco

    Mendes, quando questionado sobre os problemas enfrentados sobre levar o teatro a

    rua, tambm classifica a falta de incentivo como uma das maiores dificuldades

    enfrentadas:

    Botar um espetculo desses, na rua, difcil. H o interesse de quem

    paga, quem no paga, das pessoas comprarem ou no. So muitos

    atores, transporte, alimentao, roupa, som. noite ou tarde, o

    espetculo tambm precisa de iluminao. Tudo custa dinheiro e no

    encontramos estmulo financeiro para sairmos. [...]. (Amir Haddad,

    entrevista cedida ao escritos Luiz Pacheco, 2005).

  • 35

    realizado todo um trabalho pela equipe do evento, em busca de patrocinadores,

    no qual, a equipe trabalha meses antes na formulao do projeto, para atravs deste

    conseguirem mostrar para os possveis patrocinadores como ser realizada a estrutura

    do evento e os benefcios que este trar. Entretanto, muitos destes possveis

    patrocinadores s querem dar a resposta do incentivo em cima da hora, provocando

    assim, quase a inviabilizao do projeto.

    No ano de 2006 o evento no aconteceu por falta de recursos financeiros. Com

    isso, neste ano ao invs do espetculo, houve um protesto dos artistas nas ruas do bairro,

    pois o evento no havia conseguido incentivo financeiro para a sua realizao. Devido a

    este fato, os artistas realizaram uma marcha fnebre pelas ruas em resposta ao

    cancelamento do evento, surgindo ento um sentimento de revolta. Mas, vale ressaltar

    que este foi o nico ano em que o evento no ocorreu.

    Hoje, na cidade de Belm, no ms de outubro observa-se toda uma expectativa

    para os eventos da quadra nazarena, e o Auto do Crio um desses eventos. Ele ocorre

    toda sexta-feira que antecede o domingo do Crio de Nazar, pelo horrio da noite. E

    comum a todos os outros eventos da Quadra Nazarena, h sempre um grande pblico

    em sua espera, para assisti-lo e acompanh-lo. Como pode ser observado na Figura 6, o

    pblico se espremendo entre as ruas e caladas.

    Figura 6 - Relao do pblico com o evento. Fonte: Gabriela Arajo, 2010.

  • 36

    O seu elenco composto por atores, bailarinos, msicos, cantores, artistas

    circense e tambm conta com a participao ativa da comunidade que se integra ao

    projeto atravs de oficinas e cursos que so realizados para este fim. O interessante

    dessa participao da comunidade que muitos, se no dizer todos, no possuem

    experincia alguma com a vida artstica (a encenao), como pode ser observado na

    Figura 7.

    Figura 7- Elenco encenando na segunda Estao. Fonte: Gabriela Arajo, 2010.

    Assim, o projeto d a essas pessoas a oportunidade de poder subir ao palco e

    encenar, no qual para muitos a realizao de um sonho e a sua forma de homenagear a

    Virgem de Nazar, como pode ser notado pela resposta de um participante ao ser

    questionado de por que participava do Auto do Crio?:

    (...) o momento de homenagem a N. Sra. atravs do meu

    trabalho.. (Annimo, 2008).

    No ano de 2010 o Auto do Crio no estava mais sob a direo de Miguel Santa

    Brgida, mas sim, sob a direo de Beto Benone (professor da UFPA e participa h 7

    anos como assistente de direo) e Cludia Palheta (Professora da UFPA). Com a

    entrada dessa nova direo, pode ser notado atravs das observaes (observao in

  • 37

    loco) feitas que o Auto do Crio sofreu algumas transformaes, no qual, o evento

    modificou-se em sua estrutura. Como a substituio de elementos do carnaval, que se

    encontravam muito presentes, por outros elementos. Como exemplo pode ser citado

    substituio dos carros alegricos por elementos cnicos e circenses, como estandartes

    de maior visibilidade e anjos que andam de perna-de-pau, como pode ser observado na

    Figura 8. Alm de procurar formar, nas palavras dos organizadores, um cortejo nico,

    sem que o elenco se dispersasse no decorrer das apresentaes.

    Figura 8- Anjo de perna-de-pau. Fonte: Gabriela Arajo, 2010.

    O interessante desta nova produo a participao da comunidade do bairro,

    Cidade Velha, pois neste ano a comunidade fez reivindicaes por uma maior

    participao no evento, segundo os coordenadores, atravs da sua produo. Assim, essa

    nova coordenao procurou fazer com que a comunidade participasse mais ativamente

  • 38

    do evento, atravs das oficinas (teatro de rua e cenografia) que foram oferecidas para a

    comunidade, oficinas estas que foram realizadas na sede da Escola de Samba do bairro

    Deixa Falar. Com isso, a comunidade da Cidade Velha teve a oportunidade de ter uma

    participao maior na produo do espetculo.

    Nesta nova estrutura, que o evento adquiriu, teve como objetivo tratar a

    diversidade (tnica, cultural e religiosa), que se encontra nos bairros da cidade de Belm

    e no interior do Estado at mesmo no prprio bairro da Cidade Velha, como tema

    central.

    3.1- POR QUE TEATRO DE RUA? E POR QUE NA

    CIDADE VELHA?

    Este sub-captulo pretende atravs da anlise das entrevistas, de carter

    qualitativo, alcanar as respostas para os questionamentos apresentados no incio deste

    trabalho, como: por que a escolha do formato de teatro de rua para o Auto do Crio? E

    por que o bairro da Cidade Velha como local de apresentao? Assim, gerando uma

    melhor compreenso sobre a sua estrutura.

    A escolha dos entrevistados teve como critrio de maior relevncia, a

    participao dessas pessoas na formao do Auto do Crio, como os seus idealizadores e

    diretores, j que se acredita que, nada mais justo, do que ir buscar essas respostas com

    os principais formadores do evento.

    Como j foi dito, apesar do teatro edificado ter se tornado to comum na

    sociedade, os primeiros organizadores do Auto do Crio escolheram o teatro de rua

    como formato do evento. Esta escolha props uma nova realidade de teatro para a

    sociedade paraense. Uma realidade que na poca no era to presente, j que a proposta

    de teatro de rua, como o Auto do Crio, no era to difundida entre os paraenses.

    Pelo Auto do Crio se apresentar em formato de teatro de rua, levou-se a querer

    compreender os motivos para esta escolha. O que os seus idealizadores e diretores

  • 39

    queriam com essa proposta de evento, teatro de rua? Por que a Cidade Velha como

    palco? Qual o motivo pela escolha deste bairro?

    A escolha do teatro de rua como formato do Auto do Crio, se deu

    primeiramente, por estes quererem fazer uma retratao dos Auto Medievais. Pois,

    como j foi relatado no incio deste trabalho, o Auto do Crio surgiu a partir da

    experincia do professor Marcos Ximenes com o evento Paixo de Cristo de Nova

    Jerusalm, um Auto da Paixo19

    . Tendo este evento como modelo, o projeto do Auto do

    Crio seguiu a proposta de fazer um Auto,20

    como pode ser observado pela fala de

    Miguel Santa Brgida:

    A Idia desde a primeira edio do Auto em 1993 era justamente

    reviver os autos medievais, com estaes nas frentes das igrejas, temas

    religiosos, a multido caminhando etc. [...].. (Miguel Santa Brgida,

    comunicao pessoal, 2011).

    Fazer essa referncia aos Autos Medievais um ponto caracterstico, j que o

    Auto do Crio possui como proposta fazer uma homenagem Virgem de Nazar,

    tratando assim de um tema religioso, que um trao bastante caracterstico dos Autos

    Medievais.

    No entanto, esta no foi nica questo que influenciou a escolha do teatro de

    rua como formato, como j havia sido retratado. A escolha deste formato para o evento

    ocorreu tambm, para que este se caracterize com o Crio, atravs da peregrinao que

    caracterstica do evento. Em um teatro edificado, no se teria como representar com

    tanta exatido esta caracterstica, j que a estrutura de um teatro edificado limitada a

    um palco, em que este o nico espao que o ator tem para desenvolver o espetculo.

    19

    Denominado sucessivamente mistrio, auto e drama, a teatralizao dos episdios do ministrio, do julgamento e do martrio de Cristo , desde o sculo XIV, revivida durante o tempo litrgico da

    Quaresma. Na relao de obras de teatro jesutico do sculo XVI, predominam os motivos hagiogrficos

    (vidas de santos) e representaes associadas Igreja triunfante, em razo do empenho sedutor da

    catequese. O assunto do sacrifcio de Cristo, solene e contaminado de tragicidade, expressa-se com maior

    freqncia pela forma processional durante os sculos XVII e XVIII nos aldeamentos e pequenas cidades

    onde a populao desempenha os papeis dessa cena magna do cristianismo. Essa forma de cortejo, que

    atravessa as cidades rememorando os quatorze incidentes da travessia de Jesus at o Calvrio, revivida

    at hoje em todo o pas, sendo uma das ltimas manifestaes do teatro catlico ritual.. (GRINSBURG; FARIA e LIMA, 2006, p. 48). 20

    (...) Aplicava-se indistintamente s composies dramticas de carter religioso, moral ou burlesco. (...).. (GRINSBURG; FARIA e LIMA, 2006, p. 47).

  • 40

    Na rua, se encontra uma maior liberdade para desenrolar uma pea itinerante, como o

    Auto do Crio. Pois, como pode ser notado, o evento faz paradas em estaes,

    mostrando os pontos simblicos do bairro, fazendo tambm, uma comparao as

    paradas21

    que so realizadas durante a procisso do Crio. A proposta era reconstruir o

    prprio Crio, segundo Margaret Refskalesfski:

    [...] porque a gente no queria fazer um negcio centrado num lugar,

    a gente queria, como que se diz? Reconstituir o mito, tambm.

    Porque, presta ateno a procisso do Crio ela vai parando, ela v os

    lugares importantes [...], cada um com o seu simbolismo. Ento isso a

    gente queria fazer em termo de teatro, fazer uma cena, e depois

    avanar com o pblico para uma cena mais adiante. Em que havia ator

    e expectador. Voc tinha que ter o expectador funcionando como

    participante do Auto.. (Margaret Refskalefsky, comunicao pessoal,

    2011).

    Assim, a escolha do teatro de rua, tambm est relacionada com o formato que o

    Crio de Nazar possui (um formato itinerante), caracterstica que retratada no Auto do

    Crio. Pois como pode ser observado o Auto do Crio procura fazer um sincronismo

    com o Crio, atravs de seu cortejo. No Crio, as pessoas seguem o cortejo, a procisso,

    para fazer uma homenagem a Santa Padroeira. No Auto do Crio esta caracterstica

    fortemente representada, pois o elenco, em sua maioria, enxerga a sua participao no

    evento, como uma homenagem a Virgem de Nazar. a homenagem dos artistas. Fazer

    um cortejo um que se incorpora o sentido da procisso do Crio:

    O cortejo, que um pouco o Crio n? O Crio isso. O Crio um

    grande cortejo que todos participam, cada qual ao seu modo. Mas

    todos vo homenagear a Nossa Senhora de Nazar.. (Zlia Amador,

    comunicao pessoal, 2011).

    21

    Estas paradas que a procisso faz durante o trajeto, ocorrem devido s homenagens que a Virgem de

    Nazar recebe durante a procisso e para poder controlar a multido que acompanha. Ver Isidoro Alves.

  • 41

    Alm de tambm, atravs do cortejo se recriar a realidade itinerante que

    caracterstica dos Autos Medievais, segundo Miguel Santa Brgida:

    [...] a formatao mesmo como o Auto itinerante, que revivesse essa

    estrutura dramtica do teatro medieval, com parada nas estaes das

    Igrejas, foi idia do Amir Haddad [...].. (Miguel Santa Brgida,

    comunicao pessoal, 2008).

    Observa-se que alm de tentar projetar o Crio atravs das suas encenaes, a

    escolha do teatro de rua, teve ao mesmo tempo, o intuito de promover o pblico, de

    expectador a ator. Pois, atravs do teatro de rua, se consegue fazer com que o

    expectador (o pblico) passe a ser o ator, participando ativamente do espetculo, esse

    foi um dos motivos segundo Zlia Amador:

    Pra gente um Auto feito num lugar fechado, no um Auto em toda

    sua dimenso. O Auto na verdade ele tem que ser um cortejo na rua.

    Compor as diversas estaes. um caminho n?! So as estaes que

    voc vai seguindo, ento esse c