1 LOGÍSTICA DE SUPRIMENTOS Tecnólogos em Gastronomia 1/2012 Jane Mafra.
Gastronomia[1]
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MADEIRA RURAL
Particularidades
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Gastronomia – A cozinha madeirense
A alimentação não é simplesmente uma necessidade fisiológica. Constitui, também
um acto cultural, se tivermos em conta a amplitude dos aspectos que lhe estão
associados.
O Arquipélago teve, ao longo dos séculos, diferentes ciclos agrícolas (cereais, açúcar e
vinho) factor que influenciou, naturalmente, os hábitos alimentares do povo
madeirense.
A gastronomia tradicional madeirense, embora não seja muito vasta, é rica e variada.
Duas classes usufruíram de grande riqueza no quadro económico madeirense: a
fidalguia, detentora das terras e a burguesia, possuidora do capital. No lado oposto,
encontrava-se o povo. Existia um grande contraste entre o modo de vida daquelas
classes e o modo de vida do povo, o que vai reflectir-se na cozinha madeirense,
podendo afirmar-se que existia uma cozinha rica e uma cozinha pobre.
Por outro lado, o madeirense é fruto de uma miscigenação que tem origem nos
primeiros colonizadores, originários de várias regiões do Portugal Continental e sofreu
influências de outros povos estrangeiros que comerciavam com o Arquipélago ou que
nele trabalhavam ou nele se estabeleceram, sendo a actual cozinha madeirense
resultado, também, dessa herança étnica-cultural.
As primeiras receitas eram simples e baseavam-se na agricultura de subsistência e
nas plantas locais, embora alguns alimentos consumidos nas épocas festivas, tenham
progressivamente vindo a fazer parte da gastronomia popular.
Com o decorrer dos tempos, a culinária madeirense sofreu aculturações sucessivas,
surgindo receitas mais elaboradas, principalmente após a evolução dos meios de
comunicação, que facilitou o contacto com o exterior e permitiu a introdução de novos
utensílios, novos produtos e o conhecimento de novas receitas.
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Particularidades
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A predominância dos produtos agrícolas e o destaque dos cereais
Os cereais constituíram, durante muito tempo, a base da alimentação do povo
madeirense, especialmente nas áreas rurais, sendo, ainda hoje, um elemento sempre
presente na dieta alimentar e na qual ocupam um lugar de destaque.
O trigo foi, de início, a base da alimentação, continuando a confeccionar-se,
actualmente, receitas que têm como base este cereal, nomeadamente, o
frangolho (papas de trigo), o cuscus (prato de origem mourisca,
confeccionado tradicionalmente na Ilha da Madeira, num recipiente de barro,
com uma morfologia adaptada para o efeito, produzido nas olarias
madeirenses), a sopa de trigo e a sopa de trigo pisado, o bolo do caco
(confeccionado tradicionalmente na pedra ou caco, uma pedra de cantaria,
circular, com um rebordo) e o bolo de noiva (pão doce), considerado um pão
“rico”, sendo por isso, oferecido tradicionalmente, nalgumas freguesias, nos
casamentos e baptizados.
O milho tem várias utilizações. A barba seca era utilizada para fazer chá
(infusão) e o caule era fermentado, servindo para fazer aguardente. As
maçarocas (espigas) são consumidas tenras, cozidas ou assadas, ou
utilizadas como ingrediente nas sopas. Com a farinha de milho fazem-se as
tradicionais papas de milho, o milho frito, a açorda de milho e o pão.
Com a cevada torrada confecciona-se um prato típico denominado gófio
(farinha de cevada, amassada com leite, mel de abelha e azeite) o qual,
segundo consta, foi introduzido no século XV por cativos guanches, originários
das ilhas Canárias. As rosquilhas de cevada são características da ilha do
Porto Santo.
MADEIRA RURAL
Particularidades
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Outros produtos agrícolas usados na alimentação
As semilhas (batatas) são tradicionalmente cozidas com casca, em água e sal
ou descascadas e cozidas, servindo de acompanhamento a diferentes pratos.
Durante muito tempo, constituíram a base da alimentação dos habitantes das
zonas rurais. A batata-doce por sua vez, é usualmente cozida com casca, em
água e sal ou assada e descascada à mão, quando é consumida.
Comem-se, ainda, outros tubérculos, nomeadamente o inhame, o qual
constitui o prato tradicional da Semana Santa. Trata-se de uma planta
assexuada e, talvez por esse facto, seja considerada pura, pois durante este
período, a religião católica preconiza o jejum e a abstinência dos seus fiéis.
O povo alimentava-se também de leguminosas e hortaliças, nomeadamente
a pepinela (chuchu), a abóbora, a couve, o agrião, o tomate, a cebola, o
feijão, a fava, a ervilha, o chícharo, utilizados como ingredientes nas sopas
ou como acompanhamento, e o tremoço, tradicionalmente muito consumido
na Semana Santa.
As especiarias, ervas aromáticas e outros condimentos, têm um papel de
destaque na culinária, valorizando e caracterizando a gastronomia madeirense.
Os mais utilizados são o louro (essencial na confecção da tradicional
espetada), a segurelha (que caracteriza a açorda madeirense), o orégão
(muito utilizado no tempero das semilhas e do peixe), o alecrim, a salsa, o
alho, a canela (utilizada por exemplo, como tempero da canja de galinha), o
cravo-da-índia, a erva-doce, a noz-moscada e o perrixil.
O perrixil é uma erva um tanto carnuda e glauca, muito vulgar em toda a costa e
existente em rochedos marítimos. É abundante na costa norte da ilha da Madeira, na
Ponta de S. Lourenço e na ilha do Porto Santo. No entanto, parece ter sido nesta
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última, que o seu uso na gastronomia se generalizou. Eram não só utilizadas como
condimento, mas também consumidas frescas ou curtidas. A conservação dos
alimentos, como se sabe, consiste num conjunto de operações que permitem retardar
o consumo dos produtos alimentares. Por esse motivo, o processo de curtimento em
vinagre foi muito difundido. Ao que parece, o perrixil, em escabeche, já era
utilizado na época dos Descobrimentos, para evitar o escorbuto, doença provocada
pela falta de alimentos frescos. Na ilha do Porto Santo, segundo temos conhecimento,
as plantas são colhidas verdes, nas rochas, e são fervidas inteiras, numa grande
panela com muita água. Depois de escorrida a água são colocados em escabeche, ou
seja, curtidos em vinagre, sal, alho e pimenta. Era muito comum consumir-se esta
planta, como acompanhamento de pratos de peixe, na Sexta-Feira Santa.
O consumo de peixe e carne
O peixe foi desde sempre, um alimento importante para os madeirenses,
sendo consumido cozido, assado, frito, salgado ou seco. A secagem de
várias espécies de peixe é uma actividade muito comum na ilha da Madeira,
nomeadamente em zonas piscatórias, como Câmara de Lobos, Caniçal e
Machico. A Ilha possui aliás uma fauna marítima muito variada e importante.
Contudo, pode afirmar-se que na gastronomia madeirense se destacam os
pratos confeccionados com o atum, o peixe-espada, o gaiado, o chicharro,
a cavala, a gata, o bodião e o pargo. Entre os mariscos, destacam-se as
lapas (grelhadas ou em escabeche) e os caramujos, petiscos tradicionais
muito apreciados. O arroz de lapas constitui um prato típico da gastronomia
madeirense.
As carnes (galinha, cabrito, carneiro, porco, vaca), nas zonas rurais,
faziam e fazem parte da alimentação festiva e constituíram durante muito
tempo privilégio de alguns. A espetada tradicional (carne de vaca cortada
aos cubos, temperada com sal, louro e alho e assada em espeto de louro)
constituía a refeição dos romeiros, sempre presente nos arraiais, a que nos
referiremos mais à frente, constituindo hoje um dos pratos principais da
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gastronomia madeirense. A carne de porco e derivados, conservados usando
diferentes processos, era também consumida, destacando-se a carne de
vinha-d’alhos que constitui, também, um prato típico, confeccionado,
tradicionalmente, na época natalícia.
A natureza da mesa madeirense: factores económicos, sociais e
culturais
A mesa madeirense popular foi, no entanto, sempre simples, situação que era apenas
quebrada nos momentos festivos, nomeadamente no Natal e noutros dias santos.
Esta frugalidade está associada a motivações naturalmente, económicas que são
obviamente preponderantes, mas também a factores sócio-culturais muito curiosos.
Com efeito, os alimentos eram alvo de preconceitos, conferindo-se-lhes um valor
social, o que traduz a mentalidade de uma época. Os tratados de culinária do século
XVI recordavam que a “superioridade” da camada mais requintada da sociedade
dependia, pelo menos em parte, do seu modo de alimentação. Acreditava-se que
quem consumia carnes de aves e carnes delicadas, como a de vitela ou carneiro,
possuía uma inteligência e sensibilidade superior à dos que se alimentavam de carne
de vaca e de porco e que tinham necessidade de uma alimentação mais fortificante.
As classes trabalhadoras podiam consumir um pouco de carne, mas considerava-se
que gozavam de melhor saúde, comendo grandes quantidades de legumes.