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GEMELARIDADE – UMA ABORDAGEM PARA O NEONATOLOGISTA Márcia Pimentel/Paulo R. Margotto Capítulo do Livro Assistência ao Recém-Nascido de Risco, 3 a Edição, em preparação Francis Galton (1822-1911), que lançou as bases da Biometria cerca de 25 anos antes da redescoberta dos trabalhos do pai da Genética (Gregor Johann Mendel,1822- 1884), já participara à Anthropological Society of London que os gêmeos podem ser estudados com a finalidade de avaliar a contribuição do que ele chamou de natura e nurtura na determinação dos caracteres quantitativos (Galton, 1876). Esse binômio passou, mais tarde, a ser designado por genótipo e ambiente, mas o princípio lógico estabelecido por Galton para o estudo de gêmeos com a finalidade de investigar a participação do genótipo na variação fenotípica permaneceu, basicamente, o mesmo. Os fatores do ambiente que afetam as diferenças intrapar dos gêmeos monozigóticos, oriundos de um único zigoto, seriam comparáveis aos que afetam as diferenças intrapar dos gêmeos dizigóticos, os quais, do mesmo modo que os pares de irmãos nascidos sucessivamente, são oriundos de dois zigotos. Atualmente se sabe que a gemelaridade é um campo importante do conhecimento da reprodução humana. A maior incidência de problemas neonatais em gêmeos comparado com recém-nascidos de gestações únicas, dão suporte a noção de que gestação múltipla é um desvio do padrão humano normal. Restrição do crescimento intra-uterino, prematuridade, malformações congênitas e mortalidade perinatal aumentada são mais comuns em gêmeos do que em fetos únicos. O conhecimento sobre a embriologia da gemelaridade auxilia a compreender a ocorrência de algumas destas complicações. A FORMAÇÃO DE GÊMEOS

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Gemelaridade uma abordagem para o neonatologista

GEMELARIDADE UMA ABORDAGEM PARA O NEONATOLOGISTA

Mrcia Pimentel/Paulo R. Margotto

Captulo do Livro Assistncia ao Recm-Nascido de Risco, 3a Edio, em preparao

Francis Galton (1822-1911), que lanou as bases da Biometria cerca de 25 anos antes da redescoberta dos trabalhos do pai da Gentica (Gregor Johann Mendel,1822-1884), j participara Anthropological Society of London que os gmeos podem ser estudados com a finalidade de avaliar a contribuio do que ele chamou de natura e nurtura na determinao dos caracteres quantitativos (Galton, 1876). Esse binmio passou, mais tarde, a ser designado por gentipo e ambiente, mas o princpio lgico estabelecido por Galton para o estudo de gmeos com a finalidade de investigar a participao do gentipo na variao fenotpica permaneceu, basicamente, o mesmo. Os fatores do ambiente que afetam as diferenas intrapar dos gmeos monozigticos, oriundos de um nico zigoto, seriam comparveis aos que afetam as diferenas intrapar dos gmeos dizigticos, os quais, do mesmo modo que os pares de irmos nascidos sucessivamente, so oriundos de dois zigotos.

Atualmente se sabe que a gemelaridade um campo importante do conhecimento da reproduo humana. A maior incidncia de problemas neonatais em gmeos comparado com recm-nascidos de gestaes nicas, do suporte a noo de que gestao mltipla um desvio do padro humano normal. Restrio do crescimento intra-uterino, prematuridade, malformaes congnitas e mortalidade perinatal aumentada so mais comuns em gmeos do que em fetos nicos. O conhecimento sobre a embriologia da gemelaridade auxilia a compreender a ocorrncia de algumas destas complicaes.

A FORMAO DE GMEOS

Se no momento da ovulao forem expelidos dois ovcitos, ao invs de um, e se ambos forem fecundados, os zigotos resultantes daro origem a gmeos dizigticos (DZ). Esses gmeos, em mdia, no apresentam maior similaridade gentica entre si do que pares de irmos gerados sucessivamente porque, tanto os pares DZ quanto os pares de irmos sucessivos so oriundos de pares de zigotos distintos. Os pares DZ so, por isso, considerados como irmos da mesma idade e, em conseqncia, tambm denominados gmeos fraternos (do latim, frater = irmo). Por terem origem biovular, os pares DZ podem ter o mesmo sexo, isto , serem ambos do sexo masculino (MM) ou ambos do sexo feminino (FF) ou, ainda, discordantes quanto ao sexo (MF). Nem sempre, porm, os pares DZ apresentam duas placentas distintas, pois, em decorrncia de uma eventual proximidade excessiva dos locais de implantao dos blastocistos que do origem aos gmeos DZ, as placentas podem, aparentemente, fundir-se em uma nica. Quando isso acontece, somente o exame microscpico na regio de unio das placentas mostrar a presena da chamada zona T, composta de quatro lminas (um mnio de cada lado e dois crions no meio). Entre os dois crions ser possvel observar a presena do trofoblasto e vilosidades corinicas atrofiadas (Benirschke, 1994).

Um outro tipo de gmeos, os pares monozigticos (MZ), formado no perodo entre um e 14 dias depois da fertilizao, quando um nico zigoto sofre desenvolvimento irregular, dando origem a dois indivduos que so considerados idnticos do ponto de vista gentico, pois possuem o mesmo patrimnio gentico, visto que so oriundos de uma nica clula-ovo ou zigoto. Os gmeos MZ so do mesmo sexo, isto MZMM ou MZFF, e, freqentemente so denominados gmeos idnticos, apesar de essa denominao no ser muito apropriada, visto que a identidade, aqui, se refere ao gentipo e no ao fentipo, havendo casos em que os pares MZ apresentam grandes diferenas fenotpicas. Segundo Benirschke (1994), cerca de 30% dos pares MZ se originam da separao dos blastmeros num perodo muito precoce, isto , at o terceiro dia aps a fecundao, quando o zigoto segmentado ainda est no estado de mrula. Em conseqncia disso, formam-se dois blastocistos e os gmeos resultantes mostraro, ao nascer, dois crions, dois mnios (diamniticos dicorinicos) e, dependendo da proximidade dos locais em que estavam implantados no tero, duas placentas bem separadas ou unidas. Os outros 70% de pares MZ so o resultado de alteraes que ocorrem entre o quarto at o 14o dia aps a fecundao do ovcito. Essas alteraes podem provocar a diviso da massa celular interna, o que propicia o nascimento de gmeos com dois mnios e um crion (diamniticos monocorinicos) e uma placenta. No caso de essas alteraes serem mais tardias, elas provocam a diviso do disco embrionrio, disso resultando o nascimento de gmeos com um nico mnio e um nico crion (monoamniticos monocorinicos) e placenta nica. Essas alteraes tardias tambm podem provocar uma repartio desigual do material embrionrio e, por conseguinte, a produo de maiores diferenas entre os pares MZ.

Dentre os partos mltiplos, os de trigmeos so menos freqentes que os de gmeos, sendo mais raros, ainda, os de quadrigmeos e de quntuplos. A exemplo do que ocorre com os pares de gmeos, tem-se que a origem dos trigmeos, tetragmeos e quntuplos pode ser monozigtica ou resultar de mais de uma clula-ovo. Assim, por exemplo, no caso de trigmeos, eles podem ser trizigticos, dizigticos ou monozigticos se oriundos, respectivamente, de trs zigotos, dois zigotos ou de um nico zigoto.1. Embriologia, zigosidade e placentao:

A gestao dizigtica causada pela fertilizao de dois vulos.Os blastocistos resultantes geram mnios separados, crions e placenta. Se a implantao delas no tero prxima, as placentas podem se fundir, no entanto, a comunicao vascular entre as duas circulaes no ocorre e a placenta pertencente a cada feto em geral facilmente identificada pela simples inspeo.

A gestao monozigtica causada pela diviso de um nico vulo fertilizado em algum momento durante as duas primeiras semanas aps a concepo. A diviso precoce resulta em gmeos dicorinicos. A diviso um pouco mais tardia d origem a placentao monocorinica, porm diamnitica, que o tipo mais comumente visto de gmeos monozigticos. Outra situao possvel a diviso um pouco mais tardia do que a anterior que resulta em gmeos monocorinicos e monoamniticos. Uma diviso ainda mais tardia do que as anteriores resulta em gmeos unidos por alguma parte do corpo, conforme veremos mais adiante.

Gmeos dicorinicos monozigticos tm diferentes placentas, que podem estar separadas ou fundidas. Assim como no caso de placentas fundidas dos gmeos dizigticos, a anastomose vascular no ocorre e a identificao de cada placenta pode ser grosseiramente feita. Gmeos monocorinicos tm uma placenta comum e, invariavelmente, existe comunicao vascular entre as duas circulaes.

Assim, fica evidente que gmeos monocorinicos devem ser sempre monozigticos, so invariavelmente do mesmo sexo e tm o mesmo grupo sanguneo. Nos EUA 1/3 dos pares de gmeos so monozigticos, e destes, 60 70 % so monocorinicos, enquanto os dois teros restantes so dizigticos.

2. Mortalidade perinatal:

A mortalidade perinatal em gmeos 4 vezes maior do que em produtos de gestao nica. A mortalidade perinatal em gmeos monocorinicos aproximadamente 2 a 3 vezes maior que em dicorinicos. Dados sugerem fortemente os efeitos da placentao, muito mais do que o da zigosidade, sobre a mortalidade perinatal em gmeos. Embora correspondam a apenas 1,5% de todos os gmeos, os monozigticos e monocorinicos tm uma mortalidade perinatal de aproximadamente 30 50%. Este risco pode ser explicado por problemas envolvendo o cordo, incluindo: estrangulamento, n de cordo e entrelaamento ao redor do outro gmeo.

3. Prematuridade, baixo peso e desenvolvimento intra-uterino:

Revisando a mortalidade perinatal em gmeos, Chaurasia et al notaram que 80% dos bitos ocorriam em menores de 37 semanas, e 90% estavam associados com baixo peso ao nascer ( 25%, do maior para o menor. Na populao estudada por Manlan et al, a incidncia de RCIU (restrio de crescimento intra-uterino) - definida como peso ao nascimento > 2 desvios padro abaixo da mdia para o feto nico de mesma idade gestacional - foi 10 vezes maior em gmeos do que em fetos nicos. RCIU ocorre mais freqentemente entre gmeos monocorinicos do que dicorinicos.

Corroborando a noo de que gestao mltipla um desvio da normalidade humana, a maioria dos pesquisadores usa a curva padro para fetos nicos, mais do que curvas para gmeos, para avaliar crescimento intra-uterino em gestaes gemelares. Marivat et Norman definem RCIU quando o peso de nascimento (PN) < P10 para aquela idade gestacional, numa curva para fetos nicos, ou quando o PN menor que 85% do peso do outro gmeo, mesmo que esteja acima do P10.

Anomalias congnitas so muito mais freqentemente reportadas em gmeos do que em fetos nicos, com alta incidncia em gmeos monozigticos. A taxa de anomalias congnitas, como foi demonstrado por Hendricks, maior em gmeos com PN < 1 desvio padro da mdia normal para IG, independente de pr-termo ou a termo.

Considerando-se alta taxa de mortalidade e anomalias congnitas entre gmeos, esforos tm sido feitos para detectar discrepncia de tamanho entre pares de gmeos e RCIU diagnosticados por exame de ultrassonografia antenatal. Estimativas podem ser feitas como a medida dos dimetros biparietal e abdominal, com apenas 62% de chance de firmar o diagnstico. Outra possibilidade seria a medida da velocidade do fluxo sanguneo na artria umbilical com Doppler contnuo.

4. Sndrome de Transfuso Fetal:

As maiores diferenas entre os elementos de um par MZ, ocorrem naqueles que so monocorinicos, porque neles mais provvel a manifestao da sndrome da transfuso entre gmeos idnticos, em conseqncia de anastomoses placentrias artrio-venosas, que podem permitir o estabelecimento de um fluxo sangneo preferencial de um gmeo para outro. O feto receptor passa a ser hipervolmico e a produzir um excesso de fluido amnitico, enquanto o doador, ao contrrio, se torna hipovolmico e com pouca quantidade de fluido amnitico. Se a sndrome da transfuso entre os gmeos MZ se iniciar antes de 26 semanas de gestao haver alto risco de mortalidade fetal. Atualmente o melhor recurso para enfrentar essa situao a interrupo da comunicao circulatria placentria pela utilizao de laser durante fetoscopia (Ville et al., 1992).A anastomose vascular encontrada exclusivamente e provavelmente em todas as placentas monocorinicas responsvel pelas altas taxas de morbidade e mortalidade associadas a gmeos monocorinicos. O tipo de anastomose mais comum ocorre entre as artrias das duas circulaes. Quando um cotildoco suprido pela artria de um gmeo e drena para a veia de outro, existe o risco potencial de transferncia de quantidades significativas de sangue do gmeo do lado arterial (doador), para o gmeo do lado venoso (receptor). Os efeitos da transfuso feto-fetal em cada gmeo dependem, muito provavelmente, do perodo em que a transfuso ocorreu.

Clinicamente, a sndrome da transfuso feto-fetal diagnosticada quando existe uma diferena de hemoglobina > 5g/100 ml entre os gmeos.Pode ser suspeitada quando um dos gmeos parece pletrico e o outro plido ao nascimento. Em alguns casos pode existir tambm discordncia entre os PN, sendo o gmeo receptor bem maior, o que indica transfuso intra-uterina crnica, resultando em significativo RCIU no gmeo doador. Quando a diferena de PN pequena (