Gênese do Debate do Conceito

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    A GENESE DO DEBATE E DO CONCEITO DE QUILOMBOVera Regina Rodrigues da Silva *

    Resumo: 0 artigo "A Genese do debate e do Conceito de Quilombo" emerge nacontemporaneidade dos debates politicos-cientificos, relativos a abordagem conceitualde quilombos. Nesse contexto, tao marcado pela pluralidade de entendimentos acercada nocao de quilombo quanto a realidade concreta, debatem especialmente, mas niioexclusivamente, militantes-intelectuais do Movimento Social Negro, antropologos ehistoriadores. 0 resultado desses debates origina algumas das nocoes conceituais so-bre quilombos, com as quais se depara em instancias sociais diversas, tais como:expressoes de resistencia cultural e polit ica; grupos sociais etnica e culturalmentediferenciados; processos identitarios coletivos; novos sujeitos de direitos socio-cultu-rais, apenas para evidenciar algumas. Nesse fertil campo teorico, propoe-se percorreralgumas das contribuicoes advindas desses campos diversos do conhecimento e daal,1iiosocial, que (re)elaboram visoes e tecem discursos pertinentes para os propositosde desvelar algumas nuances da problematica conceitual de quilombos. Para melhorsituar esses debates elegeu-se como marco temporal 0 seculo XX, estabelecendocomo foco de analise as perspectivas elaboradas sobre quilombos, a partir dos anostrinta - periodo de referencia nas organizacoes negras e seus intelectuais - ate os anosoitenta - momento de eclosao da discussao contemporanea via fatores como re-demo-cratizacao social, revitalizacao academica em tomo das relacoes etno-raciais e de-mandas por efetivacao de direi tos e cidadania para a populacao negra brasileira.Palavras-chave: Conceito de quilombo. Antropologia. Identidade.

    Abstract: The article "The Genesis of debate and the Concept of Quilombo" emergesin contemporary political and scientific discussions on the conceptual approach ofquilombos. In this context, so marked by the plurality of understandings about theconcept of quilombo as reality, argue especially, but not exclusively, militants/intellectuals of the Black Social Movement, historians and anthropologists. Theoutcome ofthese discussions leads to some of the conceptual notions about quilombos,with which are found in various social bodies, such as: expressions of cultural andpolitical resistance; ethnic groups and culturally differentiated; collective identity pro-cesses; new subject of social and cultural r ights, Only to highlight a few. Inthis fertilefield theory, we propose to do some of these contributions stemming various fields ofknowledge and social action, which re (produce) visions and make speeches relevantfor the purposes of unveil ing some nuances of the conceptual problem of quilombos.Tobetter situate these discussions elected as the period the XXth century, establishinga focus of analysis prepared on the prospects quilombos, from thirty years - the periodof reference in the organizations and their black intellectuals - until the eighties -when the outbreak of discussion by contemporary factors such as social re-democratization, academic revitalization around the ethno-racial relations and demandsfor effective rights and citizenship for black people.Keywords: Quilombo concept. Anthropology. Identity.

    Doutoranda do Programa de Pos-Graduacao em Antropologia Social da Unive rsidade de Sao Paulo. E-mail:[email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected].
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    Para introduzir a reflexao sobre quilombos, convem percorrer umaconjugacao entre velhos e novos debates que vern construindo os alicercesnos quais repousa a discus sao atual, isso porque e essa conjugacao, dentroda otica de processos historicos mais amp los, que empresta sentido epluralidade ao olhar contemporaneo, Entendendo que se e tributario desselegado, trazem-se as visoes de historiadores, antropologos e militantes queressemantizam 0 conceito de Qui/ombo. Assim, inicialmente Quilombo in-terliga-se as dimensoes historiograficas e culturais, abarcando, posterior-mente, processos de identidades coletivas, pertencimento "racial", direitossocio-culturais e pleitos politicos que seguem na esteira dos "velhos" e "no-vos" debates.Para tanto, situo-se esta analise a partir de alguns marcos temporaisque dividem as secoes deste artigo. Na prime ira secao estao as representa-

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    em todas as possibilidades de ressemantizacao de simbolos identitarios epotencial politico de a~ao coletiva.Em consonancia com essa perspectiva, Linhares (2003, p. 6) observaa constante redefinicao das relacoes sociais e dos sujeitos envolvidos comofios condutores da construcao da identidade e de urn principio de autono-mia desses grupos sociais:a s g ru po s so cia is, in de pe nd en te s d o te mp o e m q ue fo ra m es tab elec id os , d ev em s ero bs erv ad os c omo ma nte nd o u rn p rin ci pio d e a uto nom ia ( ...) E s ob a o tic a d es sa s re la -9 0e s c on tin uam en te r ed ef in id as , q ue o s g ru po s d ev em s er v is to s, s em s e e sq ue ce r, q ues ao s uj eit os n es ta s r el ac oe s e st ab el ec id as , a fmn an do u rn a id en tid ad e e s e c ol oc an do ,a ss im , em opos ic ao a n 09 ao d e e sc ra vo c omo " co is a" . (LINHARES, 2003 , p .6 ).

    Essa perspectiva de analise leva a (re) pensar alguns pontos que seencadeiam nesta proposta. 0primeiro ponto e nao ser visto como "coisa"ou "escravo", ja que nessa visao carregada de estereotipos transparece anegacao da hurnanidade do individuo e impoe 0 atrelamento a urna condi-~ao social subaltema e desprestigiada socialmente. Outro ponto a ser consi-derado e a nocao de sujeitos que tern urna existencia autonoma inserida emurn contexto relacional dinamico, Esse contexto, portanto, nao e imutavel,mas exprime correlacao de forcas e tensionamentos inerentes aos interessesem disputa. Procurando dar conta dessa realidade social, 0 conceito deetnogenese apreende esse processo de "autoconstituicao" (ARRUTI,1997,p.24) ou, em urn sentido amplo trazido pelo mesmo autor, urna "construcaode autoconsciencia e identidade coletiva que visa a ganhos politicos e pos-sui urna expectativa de autodeterminacao". A partir desse enfoque conceituale que a nocao de identidades emergentes e nao apenas remanescentes, ga-nha folego e forca na busca do entendimento dessa etnicidade. Por isso,toma-se possivel pensar essas etnicidades como processos que dialogamcom 0 ontem e 0 hoje na perspectiva do amanha,Esses "quilombos emmovimento", enquanto uma metafora dessas iden-tidades emergentes projetam-se no cenario nacional e regional como urn pro-cesso sem volta, em que ja nao e possivel ignorar essa dimensao social. Essedialogo sobre etnicidades emergentes aparece emOliveira (1998, p.47), quandoo autor questiona 0 paradoxo das lacunas etnograficas e dos silencioshistoriograficos sobre os povos indigenas do nordeste que se entendem comotal, apesar de serem considerados "misturados" ou "mesticos",Em relacao as comunidades quilombolas, encontramos uma produ-~ao etnografica, preponderantemente, focada nas regioes nordeste e centro-oeste do Brasil. 0 SuI do pais e enfocado, inicialmente, a partir dos traba-lhos do NUER-Nucleo de Estudos sobre Identidade e Relacoes Interetnicasda Universidade Federal de Santa Catarina, 0 qual vern, a partir do final dosanos 80, desenvolvendo em parceria com outras universidades da regiaoSuI, inclusive a Universidade Federal do Rio Grande do SuI, estudos que se

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    propoem, segundo Leite (1996, p.9), a "repensar as representacoes sobre osnegros e as praticas cotidianas que os constituem como sujeitos do presen-te, como integrantes do perfil etnico do sul atual".Essa invisibilizacao social e simbolica do negro, ja discutida por Oliven(1996, p.17), no caso do Rio Grande do SuI, denota as representacoes sobre 0"ser gaucho" desvinculadas de urna visao plurietnica, a qual poderia contem-plar a emergencia de processos identitarios negros nesse contexto, pois, con-forme ja proposto em Barth (2003, p.23), e preciso, para conhecer urna iden-tidade etnica em particular, levar em conta as experiencias formadoras. Nessalogica situam-se os debates teoricos e politicos sobre quilombos envolvendointelectuais e militantes, conforme se vera a seguir.

    QUI LOMBOS NA VISAO DE INTELECTUAISE MILITANTES DO MOVIMENTO SOCIAL NEGRO

    Em 1988 quando se instaura 0 debate e embate entre legisladores,constituintes, antropologos, historiadores e militantes sobre as controversi-as em tomo da categoria quilombo, esse contexto de questionamentos,ressignificacoes e interpretacoes parece algo novo, surgido da efervescenciado momento vivido no pais. Esse momento de pos-democratizacao caracte-riza-se pela retomada dos movimentos sociais na arena politica, pelo acirra-mento das demandas por cidadania e surgimento de novos sujeitos de direi-tos, no caso, as comunidades quilombolas, na legislacao brasileira.Ainda que esse quadro situacional tenha, obviamente, sua interpene-tracao com a atualidade das experiencias em foco, toma-se imperioso aten-tar para esse momento como urn processo que vern se evidenciando emrupturas e continuidades re (elaboradas) por atores divers os ao longo datrajetoria de estudos teoricos, formulacoes culturais e politicas que, ao de-sembocarem em "0que sao quilombos?" ou "Quem sao os quilombolas?",vern antecedido de "Quem sao os negros?" ou "Qual 0 papel do negro nasociedade brasileira?".Parte-se desse vies de retomada, nao com a preocupacao de construirurn quadro historico-social sobre quilombos na literatura existente, masbus cando lancar alguns elementos que contribuam para a analise da questaoquilombola contemporanea, Nessa retomada privilegiam-se atores e con-textos que, motivados por similaridades ou oposicoes, dialogam na elabo-racao de conceitos e representacoes sobre quilombos no Brasil; sendo as-sim vai-se buscar na Antropologia, na Historia e no movimento social ne-gro as vozes e olhares que vern construindo essa trajetoria, Urn caminhopossivel para comecar e 0 proposto nas analises de urn historiador (GO-MES, 1996) e um historiador/antropologo (ARRUTI, 2003),ja que em ambosha 0 dialogo com as diferentes interpretacoes sobre quilombos no Brasil.

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    Toman do p or b ase a an alise h isto rica p rim eira, Mo ura (1 98 1) se p ro -p oe a p erceber, repen sar a co nstrucao de sim bo los de iden tid ade etnica, apa rt ir de "cat egori zacoe s" , "conce it os ", " rep re sen ta coe s" e "sign if ic ados" queo term o q uilomb o su scita n o p en sam en to so cial e m ilitan te. P or essa v ia elec la ss ific a d ua s c orr en te s in te rp re ta tiv as : a c ultu ra lis ta e a ma te ria lista . N ap rim eira esta p resen te a id eia d e q uilomb os como "p ersisten cia d a cu ltu raafrican a", "recriacao d e E stad os A frican os" e " reafirm acao d a cu ltu ra e d oestilo de vida africanos" no pais so b a otica d os classicos d os an os 3 0.1Na c on tr ama o d a v er te nte c ultu ra lis ta M a e nfa se n a r es is te nc ia p ro -d uzid a n a fu ga e resisten cia ao trab alh o escrav o. N essa lin ha m ate rialista,G om es (19 96, p .201 ) destaca a o bra de C lo vis M oura (1 925 -2 003 ),2 espe-c ia lm e nte e ntre o s a no s 5 0 e 8 0, q ue , p ara fra se an do 0p rop rio Mou ra , p re te n-d e " re sta ura r a v er da de h is to ric a e s oc ia l d es fig ur ad a p or im ime ro s e stu dio -sos". Perm eando essa interp retacao, alem d a ideia d a resistencia, esta 0a qu ilombame nto c omo r ep re se nta tiv o d a n ao p as siv id ad e d ia nte d o sis temaesc rav is ta . Es se s p res supostos da res is tenci a e st arao na anal is e deArru ti (2003 ,p .1 2- 13 ) q ue tamb em e nfa tiz a a d ime ns ao d a c ultu ra , e nq ua nto u rn a p os sib i-lidade de "con tin uid ade com a A frica"; da po litica, exp ressa pelo foco nas" re la co es d e p od er " e " difu sa o d o a rc ab ou co ma rx is ta n a h is to rio gr afia e n asc ie nc ia s s oc ia ls ,'? a lem da d imen sa o da r es is te nc ia r ac ia l, tr az id a pel o mov i-me nto s oc ia l n eg ro .A ntes de se ad entrar na d im ensao da resistencia racial, cab e trazeralg um as n oco es so bre 0 que se esta entendendo por M ovim ento Social ep recisam en te po r M ovim en to N egro. P or m ovim ento so cial, assu rn e-se aid eia de fen om eno din am ico, p ro cessu al, q ue reu ne ind ividuo s de form aco ntin ua e o rg an izad a em p ro l d e p ersp ectiv as d e mud an cas so ciais. N essesen tid o, ad ota-se n o ambito d este estu do , 0 en fo qu e trazid o p or M elu cci(1 99 4), n o q ua l a id eia d e a

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    Por c on ta d is so , 0 c on fl it o i ns tau ra -s e quando, n a ord em soc ia l v ig en -te , o co rr e a resistencia o u m esmo negacao d e d ema nd as e reivindicacoes so -cia is e p olitic as q ue ten ham n a b as e esse re co nh ecim en to e p erte ncim en toor ientadoporurna d imensao e tn ic a, ja q ue n o n iv el d as relacoes institucionaise i nt er pe ss oa is e ss e p le it o e ilegitimo, s endo a ss im ha u rn a t omada d e p os i-c ionamen to t ran sg re ss or a d es sa o rd em soc ia l.Em relacao a o Mo vim en to S ocia l N eg ro , e nco ntram -s e n as co ntri-buicoes d e Ma rc os C ar do so (2 00 2) e A bd ia s d o N as cim en to (2 00 0), ambo sin te le ctuai s-mil it an t es , t alve z representan t es de duas geracoes da militancian eg ra n o p ais , o lh ar es q ue s e c ru zam , n eg am , r e (e sc re vem ) e r ev elam in te r-pretacoes c omp le xa s e d ife re nc ia da s s ob re a construcao, logic a e estrategi-a s d o M o vim en to N egro n o B ra sil, a p artir d o m arco historico da experien-c ia q uilombo la e d as lu ta s s oc ia is contemporaneas, A opcao por t raba lharapart ir d es se s au to re s, a inda que c or rendo 0 r is co d e p er so na liz ar o u d ar u rncarater d ifu sio nis ta a o tema, s e in se re n o proposito d e p er ce be r a res seman-tizacao c on ceitu al e p olitica d a ca teg oria q uilombo , a o lo ng o d as c on stru -

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    Situando essa problematica no inicio no seculo XX, mais precisa-mente nos anos 30, com 0 surgimento em Sao Paulo da FNB - Frente NegraBrasileira 7 (1931), a qual era ideologicamente nas palavras de Guimaraes(2002, p.87), "uma organizacao etnica que cultivava valores comunitariosespecificos, recrutando e identificando com base na "cor" ou "raca" e naona "cultura" ou nas "tradicoes", buscando afirmar 0 negro como "brasilei-ro" e denunciando 0preconceito de cor", ou ainda, como coloca Nascimen-to (2000, p.206), "a maior expressao da consciencia politica afro-brasileirada epoca",Nos anos 40 surge 0TEN - Teatro Experimental do Negro (1944), 0qual nao buscava arregimentar mass as como a FNB, mas organizar umaa9ao com significacao cultural, valor artistico e funcao social. Isto nao querdizer que ambas as experiencias nao partilhassem da otica do enfrentamen-to, daquilo que Nascimento (2000, p.206) chama de sistematica segregacaoe exclusao 11base de criterios raciais ou gritos de protesto. Ha dois momen-tos que refletem esse enfrentamento na trajetoria dessas entidades.o primeiro da-se em 1938, quando a FNB, ainda que consideradailegal pela ditadura do Estado Novo, nao paralisou suas atividades e mobi-lizou-se contra a proibicao policial dofooting, 0 que consistia no costumei-ro passeio dos negros paulistanos aos domingos pelas calcadas do centro dacidade, e que estava "incomodando" os lojistas locais, segundo argumenta-do na epoca, Outro momento de destaque, quase dez anos depois do evento

    da proibicao do footing, foi a discriminacao sofrida pela antropologa negranorte-americana Irene Diggs (1906-1998),8 que foi barrada em urn hotelcarioca, gerando urn exemplar caso de segregacao denunciado na ocasiao,Porem, enquanto a FNB conserva, nas palavras do velho militante,urn carater de luta integracionista que buscava 0 lugar do negro na socieda-de brasileira, percebe-se que no TEN 0 discurso contem urn apelo 11denti-dade cultural do negro, atraves do reconhecimento do valor civilizatorio daheranca africana e da personalidade afro-brasileira. Juntamente com 0TEN,constitui-se outro instrumento de intervencao social dentro da experienciade urna imprensa negra." Assim 0 jomal Quilombo, que, alem de enfatizara sociabilidade e 0discurso anti-racista, agrega no olhar de Guimaraes (2003,A FNB reuniu mais de 200 mil negros, mimero consideravel para populacao do Brasil que era menos de 40milhoes de habitantes naquela epoca, Fonte: "Movimentos Negros , Sociais e Poli ticos no seculo XX" Coletaneade Obras de autores diversos, u ti lizada como material d idatico do "Projeto Universidade Livre", realizado peloCECUNE - Centro Ecurnenico de Cultura Negra, RS, 2001.Sobre Irene Diggs consta que foi ass istente de Du Bois e concentrou estudos na area de cultura latino-americanae sociedade, especialmente quanto a influencia af ricana em paises como Cuba. Para maiores dados, uma fontepossivel citada em sites biograficos e: Bolles, A. Lynn 1999 El len Irene Diggs: Coming of Age inAtlanta , Hava-na, and Bal timore. InAfr ican-American Pioneers in Anthropology. Ira E. Harri son and Faye V.Harri son, eds. pp .154-l67.Urbana: University of Ill inois Press.Por imprensa negra, estamos entendendo os veiculos de comunicacao criados e mant idos por grupos negros , emtodo 0pais , na primeira metade do seculo XX.

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    p.37-38), a insercao da intelligentzia negra brasileira no cenario nacional,tomando-se responsavel pela formacao de uma negritude brasileira enacionalista calcada em uma identidade racial e cultural singular.Nos saimos - vigorosa e altivamente ao encontro de todos aqueles que acreditam, -com ingenuidade ou malicia - , que pretendemos criar urn problema no pais. A discri-minacao de cor e de raca no Brasil e urna questao de fato (senador Hamilton Noguei-ra). Porem a luta do QUILOMBO nao e especificamente contra os que negam nossosdireitos, senao em especial para fazer lembrar ou conbecer ao proprio negro os seusdireitos Iivida e Iicultura. (Quilombo, n" 5, 1950, p.4) .

    A posicao extemada nessa apresentacao reflete urn tom de discursomais politizado e nacionalista, segundo (GU1MARAES, 2002, p.92), quese enquadra na logica de perceber 0 povo brasileiro como negro, alem de,na nossa visao, constituir urna referencia Iitradicao de luta quilombola comorefletem as palavras de apresentacao do jomal. Ainda, conforme 0mesmoautor (GU1MARAES, 2003, p.50), esta ISuma posicao adotada pelos inte-lectuais negros dos anos 50, dentre os quais Abdias e Guerreiro Ramos(1915-1981),10 que dialogam com essa perspectiva. Sendo assim, se 0 povobrasileiro ISnegro, toma-se fundamental organizar politicamente essa ca-mada da populacao, em tomo de urna ideia positiva desse pertencimento,portanto dissociada de uma ideia de africano ou escravo. Pode-se pensarque isso se constroi dentro da otica do discurso nacionalista, com a valori-zacao historica da experiencia brasileira do quilombo de Palmares.Esse sentido historico prepara 0 caminho do enfoque do quilombocomo resistencia cultural e politic a nos anos 70, pois, ao referendar a lutacontra a escravidao trara 0 conteudo politico e revolucionario que, se nessemomenta ISassociado com a retomada da liberdade, posteriormente seraagregado Iidimensao da luta contra 0 Estado opressor. Isso aparece, porexemplo, na tentativa frustrada de publicacao do livro sobre 0 quilombodos Palmares, que faz 0 intelectual Baiano, Edson Carneiro, em 1944, sen-do impedido pelo govemo Vargas, por ter sido considerado, como enfatizaArruti (2003, p.13), inoportuno para 0momento.Tambem fundamental, na construcao desse quilombo historico e suaconversao simbolica nas decadas seguintes, Arruti (2003, p.08), ou suaressignificacao pelos atores sociais, IS0 olhar que a obra do historiador Clo-vis Moura (1925-2003), ja citado anteriormente, compos ao longo de suaproducao historiografica com a enfase dada sobre os quilombos como fo-cos de resistencia ao sistema escravista, especialmente na sua primeira obra"Rebelioes da Senzala", public ada em 1959, precursora de outras que, nato Ver in teressante ent revista concedida por Guerreiro Ramos, ern 1981, na qual, dentre outras ques toes, levanta 0

    rotulo de "mulato metido a socielogo", que lhe foi imputado durante a sua cassacao pol it ica pelo regime mil itar:Oliveira, Lucia Lippi. "A sociologia do Guerreiro" , RJ , Edi tora UFRJ, 1995.

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    mesma linha, terao nos termos "rebeliao", "insurreicoes" e "guerrilhas"percepcoes construtoras desse olhar historico,o quilombo foi, incontestavelmente, a unidade basica de resistencia do escravo. Pe-queno ou grande, estavel ou de vida precaria, em qualquer regiao em que existia aescravidao, hi se encontrava ele como elemento de desgaste do regime servil. 0feno-meno nao era atomizado, circunscrito a determinada area geografica, como a dizerque somente em determinados locais, por circunstancias mesologicas favoraveis, elepodia afirmar-se. Nao, 0 quilombo aparecia onde quer que a escravidao surgisse.(MOURA, 1981, p. 87)

    o quilombo, visto como fenomeno nacional, tambem e outro aspectotrazido no bojo dessas analises que permite insinuar a concretude e presen-ca da populacao negra em todo 0 territorio, em contraposicao a uma logicade invisibilizacao dessa presenca, A discus sao sobre a visibilidade da obrade Moura, aparece em Mesquita (2003), quando a autora res salta 0 papelque este teve, enquanto revisionista da historia do negro no Brasil, a partirdos trabalhos sociologico-historiograficos sobre as rebelioes escravas nopais, ainda que, academicamente, sua postura de "intelectual organico"!' te-nha the trazido certa exclusao e esquecimento no seio do debate academico,Entre seguidores e criticos, havera, no decorrer dos anos 80, segundoa autora, novos olhares sobre a producao desse autor que retomam a discus-sao sobre a interpretacao e 0 pioneirismo contido na sua visao historica dasociedade escravocrata.Isso tambem ocorre em relacao ao Movimento Social Negro, quepassa a incorporar alguns pressupostos teoricos de Moura, defendidosna sua sociologia da praxis, como e 0 caso da UNEGRO - Uniao deNegros pela Igualdade, conforme se pode observar na avaliacao de umalideranca.

    Clovis Moura fez uma analise que a gente acha interessante do racismo brasileiro [ .. .l-Essa ideia que 0Estado brasileiro foi formado com base racista. [ .. .l - E tambem umahomenagem ao Clovislvloura [...j. A questao racial para Clovis Moura nao e mais urnestudo. E 0 estudo dele. E a gente acha uma injustica da academia com ele. Eu achoque ele deu grandes contribuicces, porque ele sistematizou, ele se debrucou sobre 0tema. Outros tambem se debrucaram, mas tern outros temas tambem, nao foi 0 temacentral. (MESQUITA, 2003, p.l7 apud CALDERANO, 2002, p.100).

    Essa visao de quilombo em constante dialogo com a historia formatao conjunto da producao desses intelectuais negros entre os anos 30 e 60.Alem disso, demonstra a influencia e interlocucao do movimento negro11 Essa postura de "intelectual orgsnico" traduz -se na sua c ritica as ciencias soc iais e ao papel do intelectual na

    ordem capita lista; Ver MOURA, Clovis (1978) . A sociologia posta em questiio. Sao Paulo, Livra ria EditoraCiencias.Humanas.

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    com a retomada do enfoque teorico e politico sobre 0 tema, tal qual seapresentam nos efervescentes anos 70.

    OS ANOS 70: QUlLOMBO, HISTORIA E CULTURANesse cenario que Cardoso (2002, p.14) esta qualificando como a"primavera de maio do movimento negro", 0 que se tern como movimentosocial sao as organizacoes de carater operario e popular," amparadas na

    ideia de luta contra as desigualdades sociais e solidariedade entre os opri-midos, e tendo uma base discursiva elaborada na experiencia da igreja cato-lica, dos grupos de esquerda e sindicatos.Gestado nesse contexto e de certa forma tributario dos antecedentesque marcaram os anos 30 aos anos 60, 0movimento social negro agregarao racismo ao horizonte das lutas sociais, trazendo assim para a cena politicaos debates sobre discriminacao e identidade racial como marcas distintivasem relacao aos demais movimentos:A questao da identidade racial se coloca como urn desafio etico, estetico e politicopara 0Movimento Negro (.. .) isso nos permite afirmar que a peculiaridade que dist in-gue 0movimento negro em relacao a outros movimentos sociais, esta na compreen-sao do movimento negro como urna ponte de equilfbrio entre a tradicao - nossa he-ranca cultural fundada na ancestralidade e a "modernidade". Por essa razao, a "matrizdiscursiva" do Movimento Negro esta fundada na heranca historico-cultural-negro-africana (ancestralidade) e dai a sua diferenca em relacao a outros atores socias danossa realidade politica, 0 que marca a singularidade do Movimento. (CARDOSO,2002, p.l9)

    Para 0 jovem historiador mineiro, a propria ideia de movimento so-cial e construida a partir dos movimentos operarios e populares dos anos 70e a sua referencia para pensar a luta anti-racista brasileira inscreve-se nestemesmo periodo com a fundacao do MNUCDR - Movimento Negro Unifi-cado contra a Discriminacao Racial," em 1978, na cidade de Sao Paulo.Embora nao negue a trajetoria construida anteriormente pelas entida-des da primeira metade do seculo XX, bern como os j omais que notabiliza-ram a chamada "imprensa negra,"!" sera no lastro da singularidade da ideia12 N essa denominacao, 0 autor enquadra os movimentos comunitar ios como associacoes de moradores, clubes de

    maes , comunidades ecles iais de base da igreja cato lica, grupos de jovens , etc .oMNUCDR, pos teriormente MNU, surge com a propos ta de uni ficar as diversas organizacoes negras, em tornoda luta poli tica cont ra a discriminacao racial, a qual tern seu foco, naquele momento , no repudio e demincia dosatos de discriminacao e violencia policial , entendido como atos cotidianos contra a populacao negra brasilei ra .Exemplos desse periodo sao, alem do proprio jorna1 "Quilombo", que se destaca pela constancia na periodicidade(algo dificil diante dos poucos recursos de veiculacao e manutencao), os jomais "0 Cla rim da Alvorada" (SP1924-1932) e "A Voz da Raca" (SP 1932-1937).

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    de resistencia negra, absorvida na experiencia historica dos quilombos comoa metafora do Estado livre dentro do Estado escravocrata, que parece aten-der Iilogica dos anos 70, em que a liberdade e garantias individuais plenasnao fazem parte do cenario socio-politico,Assim como nao faz parte a inclusao do negro na sociedade, confor-me era a perspectiva das organizacoes negras pre-anos 70. Toma-se preci-so, entao, de acordo com Cardoso, (2002, p.35), urn discurso e uma praticade auto-afirmacao e recuperacao da identidade etnica e cultural. Tambem seconfigurara em urna reivindicacao crescente de urna cultura "negra" (GUI-MARAES, 2003, p.37), nao mais mestica, mas calcada numa apropriacao eressignificacao de simbolos identitarios etnicos, como a no

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    contextos dispares em que estao inseridos, quanto Iivisibilidade da popula-

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    urn seculo todo como territorio livre e com aquela importancia toda, nao deixavamduvida a esse respeito. Entao, no momenta em que pude confirmar a data de 20 denovembro eu sugeri ao grupo que entao fizessemos urn... que ai nesse caso estavamosformando urn grupo em fun~ao disso. E ai coloquei algumas sugestoes de nomes e 0pessoal foi unanime na escolha do nome Palmares, ja que nossa passagem mais im-portante t inha sido Palmares, por isso ficou assim. Agora a relacao com quilombos, eudigo os quilombos de Palmares, que na verdade Palmares era formado por variesquilombos, mais de 10, e com territ6rio muito extenso que ocupava parte de Alagoasde hoje e penetrando, ainda, no estado de Pernambuco atua!. Entao era urn territoriomuito vasto e que nao se limitava a Serra da Barriga, a capital que era 0Macaco, erabern maior, muito maior. Born, na epoca nos estavamos muito presos a ideia dequilombo como ... aquela organizacao de resistencia, bastante mili tar , e depois ela foise ampliando, mas para nos, na epoca entao, essa ideia da resistencia, da reuniao, doagrupamento para resistir, lutar junto, era muito ... muito significativo. Na verdade,era a grande simbologia para nos! Nos estavamos vivendo urn outro momento, claro,outra epoca, mas urna epoca ern que nos precisavamos fazer coisas similares ao queos quilombolas faziam, ou seja, nos organizarmos para enfrentar as dificuldades ofe-recidas pelo racismo, pela discriminacao racial , as condicoes sociais todas do nossopovo, entao e nesse sentido que 0 nome grupo Palmares foi adotado.

    Na fala de Oliveira Silveira, 0 olharrepousa sobre 0 quilombo histo-rico em concomitancia com 0 presente que incorpora a otica e a logic a daresistencia politica, do quilombo como uma fortaleza militar enquadrando-se no momento vivido pelo pais e, mais tarde, ecoando no final da decada,mais precisamente em 1978 quando em Sao Paulo, 0MNUDCR incorporaa proposta do 20 de novembro no conjunto de sua pauta politica. Alemdis so, no ano seguinte, e lancado urn documento pelo MNUDCR que traz aideia de resistencia como foco de reflexao e atuacao critica, sendo que deacordo com Cardoso (2002, p.61) sao ressaltadas como formas de resisten-cia as revoltas e insurreicoes negras ocorridas no periodo escravista e aorganizacao em comunidades quilombolas.

    A analise historica do significado politico de quilombo da experiencia coletiva deorganizacao dos quilombos como sistema altemativo ao regime escravocrata, consti-tui-se como urn sfmbolo principal na trajetcria do Movimento Negro. Para 0Movi-mento, se antes 0 quilombo serviu como resistencia ao processo de escravizacao dopovo negro-africano, nos anos 70, a ideia do quilombo volta como urn simbolo deresistencia e de maneira mais ampla, como rea9ao ao neocolonial ismo cultural , atra-yes da reafirmacao da heranca africana e da busca de urn modelo brasileiro capaz dereforcar a identidade etnica e cultural . (CARDOSO, 2002, p.62).

    Aqui, parece que a ideia de quilombo vai compondo 0 cruzamentodessas diferentes experiencias do movimento negro, expondo fissuras e con-tinuidades que embasam 0 sentido atribuido a cada momento, seja ele poli-tico ou cultural como se apresenta ao longo dos anos 70. Nessa construcaode sentidos, 0 bloco Afro H e Aiye insere no espetaculo do carnaval Baianode 1974, urn discurso identitario de auto-afirmacao cultural referenciado na

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    cultura negra de matriz africana, (CARDOSO, 2002, p.36), traduzido naletra da rmisica "Que bloco e esse", Iiqual pelo seu conteiido, sera alvo decriticas da imprensa local que a rotulara como apologia ao "racismo" e"comunismo", bern como setores conservadores da sociedade que confe-rem ao bloco 0 titulo de "bloco do racismo".Que bloco e esseEu quero saber (bis)E 0mundo negroQue viemos mostrar pra voceSomos crioulos doidosSomos bern legal (bis)Temos cabelo duroSomos black pauBranco se voce soubesseo valor que 0 preto ternTu tomava banho de picheFicava preto tambemEu nao te ensino a minha malandragemNem tao pouco minha filosofiaQuem da luz a cegoE bengala branca e Santa Luzia. !6As acoes dos grupos "Palmares", "MNUDRC", e "Ile Aiye", terncomo pano de fundo os debates sobre os usos e sentidos da cultura e dapolitica, (CUNHA, 2000), que incidirao na postura adotada pelas organiza-I(oesnegras e na visao de seus intelectuais. Pois 0 que esta em tensionamentoe a enfase na sociabilidade ou na politizacao como estrategia de mobilizacaoe conscientizacao das massas. Pois, ate que ponto 0vies politico da propos-ta do 20 de novembro nao dialoga com a proposta cultural do Ile Aiye?Essa linha tenue, entre uma rigida separacao ou polarizacao dos dis-cursos, movera 0 debate protagonizado por intelectuais negros, como BeatrizNascimento" (? - 1995), Lelia Gonzalez" (1935-1994) e Eduardo de Oli-veira e Oliveira.'? Encontra-se no pensamento de Nascimento (1985) uma

    reflexao acerca desse debate nos anos 70, interligada com 0 significado de"quilombo" para 0movimento social negro naquele contexto:

    16 Musica de autor ia de Paul inho Camafeu, constante do CD "Ile Aiye", NatashaRecords, 1999.17 Historiadora, mi li tante do rnovimento negro, autora de "0 Concei to de Quilornbo e a Resistencia Cultural" .18 Historiadora, Fi16sofa, ant rop6loga, mi lit an te do rnovimento negro , autora de "0 lugar do Negro" .I' Soci6logo, autor de "Mulato - Urn Obstaculo Episterno16gico", 1974.

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    Foi a ret6rica do qui1ombo, a analise deste como sistema a1temativo que serviu deslmbolo principal para a trajet6ria deste movimento. Chamamos isto de correcao denacionalidade. A ausencia de cidadania plena, de canais reivindicat6rios eficazes, afragilidade de urna consciencia brasileira do povo, implicou nurna rejeil,11iodo que eraconsiderado naciona1 e dirigiu este movimento para a identificacao da historicidadeher6ica do passado. Como antes tinha servido de manifestacao reativa ao co1onialismode fato, em 70 0 quilombo volta-se como c6digo que reage ao co1onialismo cultural,reafirma a heranca africana e busca urn modelo brasi leiro capaz de reforcar a identi-dade etnica, (NASCIMENTO, 1985, p.47)

    o quilom bo aqui surge com o resistencia cultural e etnica sob urnenfoque que (G om es da C unha, 2002, p.34), cham a a atencao com o sendocul tu ra li za nt e e n ao c ul tu ra li st a, p o is , p ar a Na sc imento (1985 ), 0 referencialde quilom bo deveria se prestar ao reconhecim ento de um a cultura negra,p erceb id a como d e "resisten cia" e p oten cializad ora d e mob ilizacao p oliti-ca. E sse en fo qu e tam bem rev ela uma ap ro xim acao co nceitu al com "cu ltu rahegemonica" e "cu ltu ra d e resisten cia" , as q uais g an hav am e sp aco n os cir-c ui to s in te le ctu ai s-m ili ta nt es do per iodo em f oco, c omo demonst ra Gonz al ez(2 00 3) a o id en tificar a n ecessid ad e d a co nstru cao d e in strumen tal teo ricoem con jun to com a a< ;:aopoliti ca. "N ao estam os m ais n o tem po de so ficarfa ze nd o ma nife sta co es d e r ua . T emo s q ue n os v olta r p ara d en tr o d o q uilomboen os o rg an iza rm os m elh or p ara d ar um in strumen tal ao s q ue v ao co ntin uaro nosso trabalho" (G ON ZA LE Z, 2003, p. 7).N ess a o tic a, a s p er sp ec tiv a c ultu ra is e p olitic as s ao c omp leme nta re s, afim d e garantir a eficacia da co nstrucao de um m ovim ento n acion al, forte eso lid ario d e aco rd o com G omes d a C un ha (2 00 2, p .3 39 ), u nificad o n a d iv er-sid ad e como d em arcacao d e atrib uto s h isto rico s, cu ltu rais e etn ic os, 0 quee nc on tr a n a c ultu ra , e n a re fe re nc ia a os q uilombo s, um lo cu s p riv ile gia do d ereafirm acao da presenca negra e d a ideia de resistencia, A in da, segu ndo 0a ut or , e ss a r ea firmac ao e sta ra p re se nt e no pen samen to s oc io log ic o de Edua r-do de o. e O liv eir a ( 1974) , qu e c on sid er ar a n ec es sa ria a po la ri za ca o das r ela -< ;:o esa cia is , e xp re ss a n a c ultu ra c omo in str ume nto p olitic o n a c on stru ca o d euma n eg ritu de , ma rc ad a p ela a lte rid ad e d o se r n eg ro , fr en te a um s is tema q uen eg a o u n ao a ss ume in te gra lmen te e ss a id en tid ad e n eg ra .E ssas posturas intelectuais, bern com o a dinam ica do m ovim entosoc ia l reelaboram 0 c on ce ito d e q uilombo , p romov en do uma in te rfa ce e ntreh istoria e cultura, po rem m uito m ais aten ta para 0 momen to v iv id o, comoque ensaiando os prim eiros passos em direcao a contem poraneidadeco nceitu al e p olitic a d o tem a.ENTRE OS ANOS 80 E 90: QUlLOMBO, CONTEMPORANEIDADE E IDENTIDADE

    Po r cu rio so ou parado xal qu e seja as ultim as decadas do secu lo XX,assim com o as p rim eiras sao m arcad as pelas iniciativas de um m esm o per-

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    sonagem: Abdias do Nascimento. Se, entre os anos 30 e 60, a Frente NegraBrasileira, 0Teatro experimental do Negro e 0jomal Quilombo foram partedas matrizes geradoras dos debates e acees da epoca, agora dentre os rele-vantes marcos para se pensar quilombos, interligado as demandas da con-temporaneidade, entre elas a (re) configuracao de uma identidade etnico/racial, esta a tese do Quilombismo.Essa proposta de Abdias buscava ser urn modelo de articulacao ideo-logica e politica para a sociedade brasileira em geral. Essa proposta e apre-sentada por ocasiao do II Congresso de Cultura Negra das Americas, reali-zado no Panama em 1980, tomando como ponto de partida a experienciahistorica dos povos Africanos nas Americas, em especial 0Brasil. Tida comoum conceito cientifico emergente do processo historico-cultural das massasafro-brasileiras, tal qual se refere Cardoso (2002, p.78), esta se orienta nodiscurso que engloba a sociedade brasileira e nao apenas a parcela negra dapopulacao em tomo de temas como identidade, multiculturalismo, acoesafirmativas e cidadania, pois entende que a partir do legado da experienciaquilombola e possivel articular uma proposta afro-brasileira para 0 EstadoN acional contemporaneo que contemple urn Brasil multietnico epluricultural.Nessa linha e que 0 quilombo de agora nao perde 0 referencial da lutahistorica, mas quer dialogar com as lutas contemporaneas que emergem nasociedade brasileira, como indicam alguns principios do Quilombismo."

    1.0Quilombismo e urn movimento politico dos negros brasileiros,objetivando a implantacao de urn Estado Nacional Quilombista, inspiradono modelo daRepublica dos Palmares, no seculo XVI, e em outros quilombosque existiram e existem no Pais.11. A revolucao quilombista e fundamentalmente anti-racista,anticapitalista, antilatifundiaria, antiimperialista e antineocolonialista.Apesar da relevancia que 0 documento traz em termos de instrumen-talizacao teorica e politica para 0movimento negro, conforme reconhecemseus interlocutores, essa e uma proposta que nao avanca na sua consolida-cao , Isso porque, segundo as critic as trazidas por (Cardoso, 2002,p.80), aimplantacao do Estado Quilombista configurou-se como uma "utopia" deruptura com as estruturas sociais vigentes, alem de nao tomar explicito seesta vinha como uma altemativa ao movimento ja instaurado ou se integra-va 0mesmo.A nao adocao efetiva da tese Quilombista nao significou 0 fim dosmarcos emblematic os dos anos 80, pelo contrario, outros vieram. Em 1988,pensando na interface entre identidade etnica, quilombos e cultura, LeliaGonzalez propoe a categoriaAmefricanidade para definir a experiencia co-mum dos negros nas Americas. Nessa proposta, discutida por Bairros (2000,20 Ve r www.ipeafro.org.br

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    p.50-51), a centralidade teorica reside na compreensao da amefricanidadecomo um processo historico, cultural, mo1dado na experiencia africana nasAmericas e que nos remete a construcao de uma identidade etnica, ja osquilombos no Brasil e organizacoes similares nas Americas, incorporam ospilares de formas alternativas de organizacao social, trazidos comoreferenciais miticos-historicos para a sociedade contemporanea,A elaboracao dessas premissas teoricas e politicas, desenvolvidas noambito do trabalho de intelectuais como Lelia" e Abdias sao reflexos datentativa de retomar fazeres e saberes que conjuguem olhares sobre 0Brasilou os Brasis que desafiam as Ciencias Sociais ao longo da sua constituicaocomo campo de conhecimento. Por isso, esse desafio abracado por essesintelectuais e pertinente para a compreensao desse trans ito de ideias quecircunda a problematica da identidade etnica e quilombola, pois pode-seperceber que em diferentes momentos esses temas aproximam-se, afastam-se, sao ressignificados, mas nao deixam de fazer parte dos encontros edesencontros travados no periodo.Outro destaque e dado aos embates entre governo e militancia, porocasiao do "Centenario da Abolicao" (1888-1988), ja que entre as come-moracoes oficiais havia a expectativa de ganhos para a luta social, em fun-

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    ou "das reminiscencias" de urn quilombo para fazerem a sua historia, opon-do-se a visoes estaticas e estereotipadas que conferem estritos limites a abor-dagem do tema. Essa ressemantizacao conceitual e politica de quilombo seinserem na logica dos anos 90, em que intelectualidade e movimento socialampliam e diversificam sua atuacao, encadeando a praxis com discus sao ereflexao teorica, sendo 0 termo "quilombo" instigante para todos e dialo-gando cada vez mais 0 presente e a nocao de identidade.Em 1995, por ocasiao do "Tricentenario da Morte de Zumbi dosPalmares" e "Marcha Nacional Zumbi dos Palmares,"" ocorre 0 I EncontroNacional de Comunidades Negras Rurais, momento em que comunidades emovimento negro elaboram urn conjunto de reivindicacoes e diagnosticosocial da populacao negra para 0 Estado. Em relacao a enfase nopertencimento rural, ha de se perceber que ainda esta em curso a visibilida-de desses territories negros, quanto a sua localizacao ou formas de organi-zacao, 0 que vern a se tomar mais factivel em funcao da realidade social quetraz as "terras de preto", "terras de santo", "quilombos urbanos" como ex-pressoes dessa pluralidade do fen6meno quilombola.Por fim, esta aproximacao entre as comunidades quilombolas e 0movimento negro, faz parte do intrincado jogo de relacoes que operam nopleito de reconhecimento etnico e territorial, que nos faz chegar em 2008,cenario dos 120 anos da abolicao da escravidao dos povos africanos noBrasil, repensando e ampliando novos e velhos debates.

    CONSIDERA

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    fatos, fulguram as estrategias de oposicao Iiordem vigente, em que a nocaode quilombo vai ser empregada no enfoque da resistencia. 0 final do seculoXX, no entanto, vai revelar a pluralidade de contextos e estrategias desen-volvidas pelos sujeitos para alem da resistencia, mas tambem na oticareconfiguracoes da organizacao social.Por conta disso os quilombos urbanos e rurais, os quilombos organi-zados em tomo da ocupacao, compra ou doacao de terras, os quilomboslocalizados do Norte ao SuI do pais; enfim toda uma gama situacional quedesafia conceitos e preconceitos e que instiga a, minimamente, buscar com-preender em toda sua complexidade.

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