Gepeja Roda de Conversa Narrativas de Estudantes Da Educação de Jovens e Adultos Elementos Para a...

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Mini Curso 06 NARRATIVAS DE ESTUDANTES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO HUMANIZADORA Marcos Gonzaga Rede Estadual e Municipal de Ensino de Itabirito / MG [email protected] Resumo Este trabalho reúne estudos que utilizam narrativas de estudantes da EJA. Privilegia as observações sobre as condições de retorno e permanência desses estudantes na escola. Objetiva compreender como as questões cotidianas enfrentadas por esses alunos em seu trajeto até a escola configuram temas para uma educação humanizadora a serem trabalhados na escola. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Narrativas. Educação Humanizadora. Introdução Um dos aspectos enfatizados no que diz respeito à educação de jovens e adultos (EJA) é a criação de condições para que seja reconhecida a história dos sujeitos educandos dessa modalidade de educação. A história desses sujeitos não é a de qualquer jovem ou qualquer adulto, mas daqueles que vivenciaram ou “vivenciam situações de opressão, exclusão, marginalização” e que buscam, “horizontes de liberdade e emancipação no trabalho e na educação” (ARROYO, 2006, p. 23). O uso de narrativas nas pesquisas relacionadas à Educação de Jovens e Adultos tem trazido contribuições importantes ao entendimento das experiências formadoras dos alunos da EJA através de suas histórias. Este trabalho reúne os estudos de Berger (2009), Da Cruz (2011), Faria (2008), Santos (2003), que contemplam narrativas de estudantes da EJA. Privilegia suas observações sobre as condições de chegada e permanência desses estudantes na escola e como esses fenômenos são por eles percebidos. Tem como objetivo compreender de que modo as questões cotidianas

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ARTIGO. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. SIMPÓSIO GEPEJA, UNICAMP.2014

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  • Mini Curso 06

    NARRATIVAS DE ESTUDANTES DA EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS:

    ELEMENTOS PARA A CONSTRUO DE UMA EDUCAO

    HUMANIZADORA

    Marcos Gonzaga Rede Estadual e Municipal de Ensino de Itabirito / MG

    [email protected]

    Resumo

    Este trabalho rene estudos que utilizam narrativas de estudantes da EJA. Privilegia as

    observaes sobre as condies de retorno e permanncia desses estudantes na escola.

    Objetiva compreender como as questes cotidianas enfrentadas por esses alunos em seu

    trajeto at a escola configuram temas para uma educao humanizadora a serem

    trabalhados na escola.

    Palavras-chave: Educao de Jovens e Adultos. Narrativas. Educao Humanizadora.

    Introduo

    Um dos aspectos enfatizados no que diz respeito educao de jovens e adultos

    (EJA) a criao de condies para que seja reconhecida a histria dos sujeitos

    educandos dessa modalidade de educao. A histria desses sujeitos no a de qualquer

    jovem ou qualquer adulto, mas daqueles que vivenciaram ou vivenciam situaes de

    opresso, excluso, marginalizao e que buscam, horizontes de liberdade e

    emancipao no trabalho e na educao (ARROYO, 2006, p. 23).

    O uso de narrativas nas pesquisas relacionadas Educao de Jovens e Adultos

    tem trazido contribuies importantes ao entendimento das experincias formadoras dos

    alunos da EJA atravs de suas histrias. Este trabalho rene os estudos de Berger

    (2009), Da Cruz (2011), Faria (2008), Santos (2003), que contemplam narrativas de

    estudantes da EJA. Privilegia suas observaes sobre as condies de chegada e

    permanncia desses estudantes na escola e como esses fenmenos so por eles

    percebidos. Tem como objetivo compreender de que modo as questes cotidianas

  • enfrentadas por esses alunos em seu trajeto at a escola configuram temas para uma

    educao humanizadora a serem trabalhados na escola.

    Consideraes sobre a narrativa

    A histria ou narrativa contada apresenta uma determinada viso de mundo, uma

    manifestao das vrias formas de ao do sujeito narrador, refletindo sua condio

    histrica. Ela revela o sujeito em seu envolvimento com a realidade social, suas relaes

    familiares, de trabalho, escolares, etc. Assim, embora a experincia narrada seja muito

    particular, reflete aspectos compartilhados com os outros significativos em contextos

    sociais diversificados. Aquilo em que o sujeito da narrativa acredita e que o impele agir

    elaborado biograficamente e expresso em uma viso particular dos fenmenos sociais,

    tornando a narrativa uma expresso cultural de sua realidade. O ato de narrar a prpria

    vida compartilha vivncias privadas a um pblico, permitindo ao sujeito atravs de sua

    voz estar presente entre os outros homens. A narrativa possui uma dimenso poltica.

    Exposio das narrativas nos trabalhos de Berger (2009), Da Cruz (2011), Faria

    (2008), Santos (2003) e breves comentrios.

    Meus parentes dizem que macaco velho no aprende. Dizem que estou

    perdendo meu tempo estudando. Que estou perdendo de ganhar dinheiro. J

    tive que escutar muita gente dizer para eu no estudar. At mangaram da

    minha cara. Voc t perdendo seu tempo na escola, porque no vai aprender

    nada. O que que esse velho quer na escola, depois de idoso. Em vez de ir a

    uma festa, se divertir.

    Veja bem, para eu chegar escola no era fcil. Eu fazia a linha do Village

    (um bairro da cidade) e era um horrio pesado. No incio eu chegava escola

    quase 20h (o horrio de entrada era 19h). Os primeiro dois anos eu s fiquei

    porque tive coragem, no foi fcil no. Ento assim, como no trabalho,

    muitas vezes, no tinha hora certa para sair. Eu pegava no servio s 5h da

    manh e ia at as 18 ou 19h (DEZINHO, 50 ANOS).

    Quando me matriculei, fiz a matrcula dele (do marido). Mas ele s foi

    escola trs vezes, depois desistiu. Ao desistir, tentou me tirar tambm,

    dizendo que na escola eu no ia aprender nada que presta (com cimes). Mas

    eu no desisti. Uma semana depois a gente ganhou os livros. Eu, toda feliz,

    os primeiros livros que ganhei na minha vida, quando cheguei em casa ele

  • tomou os livros da minha mo, rasgou e pisou em cima (risos) (ISABELA,

    47 ANOS). (DA CRUZ, 2011, p. 64)

    Meu pai raspava e aplicava sinteco, s que o que ganhava era para beber.

    Minha me lutou muito, com muita dificuldade. A que parei de estudar, por

    causa de problema familiar mesmo, com meus doze anos. Pelo fato de ter

    assim, de no ter caderno, livro direito, ter que ficar pegando emprestado e

    tudo, com esses problemas da famlia que veio mesmo a parar de estudar.

    (Solange) (SANTOS, 2003, p. 113)

    [...] Eu sempre fui incomodado com minha voz. Sempre falei pouco, sempre

    fui tmido. Os professores achavam que eu era malandro, que eu no gostava

    de participar. (BERGER, 2009, p. 76)

    Infelizmente as pessoas que estudaram comigo no AJABahia no tiveram

    condies de concluir (emoo), chegar at onde eu cheguei devido s

    dificuldades que encontraram: doenas, trabalho, cuidar de casa, da famlia.

    Graas a Deus, eu tive essa vontade e consegui chegar at o final, conclui o

    terceiro ano do ensino mdio. Eu penso que a situao difcil para a pessoa

    sem um estudo, sem um conhecimento, ela no vai a lugar nenhum. Estudar,

    mudou minha vida sim, abriu mais o mundo, cresci um pouco; minha viso

    veio mais alm por causa do estudo. Eu estou pensando no prximo ano que

    vem tentar logo um cursinho, num projeto que tem a chamado Universidade

    Para Todos, para da quem sabe, num futuro eu possa cursar uma faculdade,

    isso para mim muito importante. (Joo, 09/12/2006, Laginha) (FARIA,

    2008, p. 109-110)

    De acordo com Da Cruz (2011), a luta pela sobrevivncia, as questes

    domsticas e de trabalho so barreiras a ser transpostas pelos indivduos da classe

    popular, sobretudo quando desejam retomar os estudos interrompidos. Consideramos

    que esta realidade assola alunos da Educao de Jovens e Adultos expressando-se em

    suas vivncias pessoais. Os relatos acima revelam elementos dificultadores no processo

    de chegada e permanncia na escola. Tais elementos so explicados pelos sujeitos das

    narrativas dentro de suas possibilidades de compreenso dos problemas. Para Santos

    (2003), a percepo que os sujeitos tm a respeito da interrupo ou entraves aos

    estudos apresentada como resultado das suas opes e limitaes pessoais ou das

    limitaes encontradas no seio familiar. Deste modo silenciam-se as ressonncias da

    condio de excluso social (GIOVANETTI, 2003, p. 17) e os fenmenos que so

  • provocados pelo sistema educacional e pela estrutura social da qual ele deriva. Berger

    (2009) aponta o fato de que a escola demonstra dificuldades em reconhecer os jovens

    para alm da condio de aluno. Este autor argumenta sobre a necessidade de que se

    compreendam as trajetrias especficas e as situaes em que estes sujeitos da EJA se

    constituem como jovens.

    Concluso

    A despeito de toda uma trajetria de negaes a busca por escolarizao

    constitui-se em um projeto de vida. Relembrando a narrativa recolhida por Faria (2008),

    a pessoa sem um estudo, sem um conhecimento, ela no vai a lugar nenhum (Joo,

    09/12/2006, Laginha). Nestas trajetrias narradas, poderamos falar no retorno e

    permanncia ao ambiente escolar como uma prtica dotada de uma lgica transformada

    em ato de resistncia (CHAU, 1987). As situaes cotidianas pautadas no

    enfrentamento dos constrangimentos vividos nas relaes familiares e na comunidade, o

    cansao na escola aps um dia exaustivo de trabalho, so questes de ordem para uma

    educao emancipadora. O sujeito da EJA, atravs de sua experincia de idas e vindas,

    ingressos e desistncias (BRASIL, 2006, p.08), traz para a escola uma crtica do

    modelo de uma formao que na maioria das vezes no leva em conta suas vivncias

    formadoras e os saberes que lhe so correspondentes. O prprio sujeito, que tem/no

    tem conscincia, reivindica uma mudana no quadro de sua situao histrica de

    excluso. Sua narrativa se apresenta como uma atividade poltica trazendo em seu

    interior os elementos para a construo de uma educao humanizadora.

    Referncias Bibliogrficas

    ARENDT, Hannah. A condio humana. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007.

    ARROYO, Miguel. Formar educadores e educadoras de jovens e adultos. In:SOARES,

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    BRASIL. Trabalhando com a Educao de Jovens e Adultos Alunas e Alunos da EJA. Braslia, SECAD, 2006.

  • CHAU, Marilena. Conformismo e Resistncia Aspectos da cultura popular no Brasil. So Paulo, Brasiliense, 1986.

    DA CRUZ, Neilton Castro. CASOS POUCO PROVVEIS: trajetrias ininterruptas de

    estudantes da EJA no Ensino Fundamental. Dissertao de mestrado, Belo Horizonte:

    UFMG/FaE, 2011. DENZIN, Norman. The reflexive interview and a performative social Science.

    Qualitativa Research. SAGE Publications, vol. 1(1): 23-46.

    FARIA, Edite Maria da Silva de. Trajetria escolar e de vida de egressos do Programa

    AJABAHIA: herdeiros de um legado de privaes e resistncias: Laginha Conceio do Coit Bahia. Dissertao (mestrado) Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educao, 2008.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. So

    Paulo: Paz e Terra, 1998.

    GIONVANETTI, Maria Amlia Gomes de Castro. A relao educativa na educao de

    jovens e adultos: suas repercusses no enfrentamento das ressonncias da condio de

    excluso social. In: XXV REUNIO ANUAL. Poos de Caldas. Associao Nacional

    de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao, 2003.

    SANTOS, Geovnia Lcia dos. Educao ainda que tardia: a excluso da escola e a

    reinsero de adultos das camadas populares em um programa de EJA. Revista

    Brasileira de Educao, (24), 105-125. Disponvel em http://www.scielo.br . Acesso em

    03/04/2014. WHITE, Hyden. A QUESTO DA NARRATIVA NA TEORIA HISTRICA

    CONTEMPORNEA. In: NOVAIS, F. A.; SILVA R. F. (ORGS.). Nova histria em

    perspectiva. So Paulo: Cosac Naify, 2011.