Gestão da Qualidade Total_A Excelência do Modelo Toyota na Prestação de Serviços

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GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL: A EXCELÊNCIA DO MODELO TOYOTA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Benhur Palini 1 Valéria Koch Barbosa 2 RESUMO Este artigo aborda a adaptação dos conceitos da Qualidade à prestação de serviços, com base nos 14 princípios de Deming, os quais são considerados os princípios fundamentais do TQC, Controle da Qualidade Total, que deu origem ao que se chama, no Brasil, de Gestão da Qualidade Total. Apesar de ter origem nos Estados Unidos, em 1950, o TQC só recebeu maior atenção no final da década de 80, com o case da Toyota. Muitos autores têm se dedicado ao assunto desde então, no entanto muitas abordagens têm se mostrado superficiais, uma vez que enfatizam a parte técnica do Sistema Toyota de Produção e negligenciam a filosofia que o sustenta. No setor de prestação de serviços, o qual tem se mostrado mais importante para a economia brasileira a cada ano, são verificados altos níveis de insatisfação dos clientes. Muitas tentativas de implementação de um Sistema de Gestão da Qualidade nessas organizações têm fracassado pela falta de compreensão dos conceitos que lhe servem de base. Portanto, este estudo reúne embasamento teórico referente aos conceitos da Qualidade praticados pela Toyota, contrastando-os com a aplicação adaptada às suas próprias concessionárias através do estudo de caso de uma das suas 132 unidades no Brasil. Palavras-chave: Gestão da Qualidade Total. Qualidade nos Serviços. Sistema Toyota de Produção. TSM. TSW. ABSTRACT This article discusses the adaptation of the concepts of Quality to service delivery, based on Deming's 14 principles, which are considered the basic principles of TQC, Total Quality Control, which gave rise to what is called in Brazil, Management Total Quality. Despite having originated in the United States in 1950, the TQC only received more attention in the late 80's, with the case of Toyota. Many authors have been devoted to the subject since then, although many approaches have been shown to be superficial, since they emphasize the technical part of the Toyota Production System and neglect the philosophy that sustains it. In the service sector, which has been more important for the Brazilian economy each year, there are high levels of customer dissatisfaction. Many attempts to implement a Quality Management System in these organizations have failed for lack of understanding of the concepts that underpin it. Therefore, this study brings together theoretical concepts relating to quality practiced by Toyota, contrasting them with the application for its own car dealerships through a case study of one of its 132 units in Brazil. Keywords: Total Quality Management. Quality in Services. Toyota Production System. TSM. TSW. 1 Acadêmico do Curso de Gestão da Produção da Universidade Feevale. 2 Professora orientadora, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, licenciada em Letras Português/Inglês. Docente da Universidade Feevale.

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GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL:

A EXCELÊNCIA DO MODELO TOYOTA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Benhur Palini1

Valéria Koch Barbosa2

RESUMO

Este artigo aborda a adaptação dos conceitos da Qualidade à prestação de serviços, com base nos

14 princípios de Deming, os quais são considerados os princípios fundamentais do TQC,

Controle da Qualidade Total, que deu origem ao que se chama, no Brasil, de Gestão da Qualidade

Total. Apesar de ter origem nos Estados Unidos, em 1950, o TQC só recebeu maior atenção no

final da década de 80, com o case da Toyota. Muitos autores têm se dedicado ao assunto desde

então, no entanto muitas abordagens têm se mostrado superficiais, uma vez que enfatizam a parte

técnica do Sistema Toyota de Produção e negligenciam a filosofia que o sustenta. No setor de

prestação de serviços, o qual tem se mostrado mais importante para a economia brasileira a cada

ano, são verificados altos níveis de insatisfação dos clientes. Muitas tentativas de implementação

de um Sistema de Gestão da Qualidade nessas organizações têm fracassado pela falta de

compreensão dos conceitos que lhe servem de base. Portanto, este estudo reúne embasamento

teórico referente aos conceitos da Qualidade praticados pela Toyota, contrastando-os com a

aplicação adaptada às suas próprias concessionárias através do estudo de caso de uma das suas

132 unidades no Brasil.

Palavras-chave: Gestão da Qualidade Total. Qualidade nos Serviços. Sistema Toyota de

Produção. TSM. TSW.

ABSTRACT

This article discusses the adaptation of the concepts of Quality to service delivery, based on

Deming's 14 principles, which are considered the basic principles of TQC, Total Quality Control,

which gave rise to what is called in Brazil, Management Total Quality. Despite having originated

in the United States in 1950, the TQC only received more attention in the late 80's, with the case

of Toyota. Many authors have been devoted to the subject since then, although many approaches

have been shown to be superficial, since they emphasize the technical part of the Toyota

Production System and neglect the philosophy that sustains it. In the service sector, which has

been more important for the Brazilian economy each year, there are high levels of customer

dissatisfaction. Many attempts to implement a Quality Management System in these

organizations have failed for lack of understanding of the concepts that underpin it. Therefore,

this study brings together theoretical concepts relating to quality practiced by Toyota, contrasting

them with the application for its own car dealerships through a case study of one of its 132 units

in Brazil.

Keywords: Total Quality Management. Quality in Services. Toyota Production System. TSM.

TSW.

1Acadêmico do Curso de Gestão da Produção da Universidade Feevale.

2Professora orientadora, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, licenciada em Letras –

Português/Inglês. Docente da Universidade Feevale.

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INTRODUÇÃO

O TQC, Controle da Qualidade Total, já é amplamente conhecido e aplicado em

organizações do mundo todo, tendo-se mostrado como um fator fundamental à sobrevivência

destas, no disputadíssimo mercado global. Os métodos e conceitos do TQC ganharam maior

atenção a partir dos anos 80, com o evidente sucesso da montadora de automóveis Toyota.

Mas, apesar dos inúmeros cases de sucesso na indústria, a Gestão pela Qualidade Total

não é tão conhecida e aplicada fora do ambiente industrial.

No Brasil, a Prestação de Serviços, especialmente, tem se tornado, a cada ano, mais

representativa para o desenvolvimento do país. Contudo, não é difícil se constatar altos índices de

insatisfação relacionados à falta de qualidade nesse setor. Grande parte das empresas parece estar

focada nos resultados (fins) de curto prazo, geralmente gerenciando seus negócios através de

metas mensais e concorrendo pela diferenciação de preço, pelas condições de pagamento e

promoções.

Assim, a filosofia da qualidade, que está focada na melhoria dos processos (meios) para

conquistar a preferência do cliente através da satisfação, apostando em resultados de longo prazo,

parece se contrapor à lógica culturalmente predominante no setor. Certamente esse fato está

relacionado com a não compreensão dos conceitos da Qualidade. Muitas tentativas de

implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade têm fracassado, por enfatizarem o uso das

ferramentas isoladamente, ou tratarem o TQC como um programa motivacional, ou ainda, como

uma estratégia de marketing.

Portanto, este trabalho estuda como os conceitos da Gestão da Qualidade Total podem

ser adaptados e aplicados ao setor de serviços, gerando resultados significativos por meio da

melhoria dos processos, a partir do envolvimento das pessoas numa nova cultura organizacional

direcionada à satisfação do cliente.

Com base nesse contexto, a relevância deste trabalho consiste no estudo e no

entendimento dos conceitos da Qualidade, portanto, a proposta não é enfatizar o mecanismo de

implantação da Qualidade nos serviços como também não é escrever um manual de ferramentas.

Dessa maneira, o estudo teve como objetivo geral descrever a adaptação dos conceitos

da Qualidade ao contexto de atuação da concessionária CarHouse. Como objetivos específicos,

pretendeu-se descrever os conceitos aplicados, os métodos de aplicação, demonstrar a evolução

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de alguns indicadores e reunir relatos sobre fatores qualitativos, a fim de fazer uma articulação

teórico-prática com os conceitos estudados ao longo do curso de graduação.

Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, com vistas a buscar um embasamento

teórico que pudesse dar suporte ao estudo de caso, o qual, posteriormente, foi realizado na

empresa escolhida.

1 GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL

A história da Qualidade Total é repleta de detalhes relevantes, impossíveis de relatar

num artigo como este, no entanto procurou-se descrever apenas alguns conceitos fundamentais

que possam retratar o assunto de maneira simples. Portanto, a parte teórica descrita nesta seção

apresenta uma breve introdução à história do TQC (Controle da Qualidade Total), em seguida, a

abordagem de Deming, considerado a principal referência no assunto, após, a aplicação desses

conceitos pela Toyota, tratada como o maior case no assunto, e, finalmente, uma sucinta

abordagem dos conceitos de qualidade nos serviços. Porém, inicialmente, observam-se alguns

conceitos preliminares.

Qualidade – A definição de qualidade é muito subjetiva. A palavra qualidade vem do

latim “qualitate”, que significa propriedade ou características que podem distinguir umas coisas

das outras, no entanto verificam-se as seguintes abordagens (NETO SHIGUNOV; CAMPOS,

2004).

Abordagem transcendente: a qualidade é sinônimo de excelência, portanto, não pode ser

medida, apenas reconhecida pelos critérios de cada indivíduo.

Abordagem baseada no produto: sinônimo de mais durabilidade, maior número ou mais

características, refere-se às propriedades físicas, portanto, pode ser medida com previsão. De

acordo com Juran (1995), qualidade é adequação ao uso.

Abordagem baseada no consumidor: é o nível de atendimento às necessidades do

consumidor, somente este pode avaliá-la.

Abordagem baseada na produção: qualidade é conformidade com as especificações do

projeto. Essa variação em relação às especificações pode ser medida por controle estatístico.

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Abordagem baseada no valor: é o valor atribuído ao produto pelo consumidor em

relação ao preço. É o que vale ou não a pena. “O verdadeiro critério de boa qualidade é a

preferência do consumidor” (CAMPOS, 2004, p. 2). (grifos do autor)

“O Controle da Qualidade são todas as técnicas e atividades operacionais utilizadas para

atender aos requisitos para a qualidade” (NETO SHIGUNOV; CAMPOS, 2004, p. 61).

Processo: é o conjunto de atividades necessárias para transformar “entradas” (insumos)

em “saídas” (produtos). Observa-se que o produto de um processo pode ser um serviço, sendo

que “[...] temos usado a palavra „produto‟ como um termo genérico para qualquer coisa que se

produza, bens ou serviços” (JURAN, 1995, p. 9). Na abordagem da Qualidade, a organização é

considerada um sistema aberto, composto do inter-relacionamento de processos, assim, todas as

ações causam efeitos com maior ou menor intensidade em todo o sistema. Na Qualidade a

entrada é a necessidade do cliente e a saída é a satisfação.

1.1 EVOLUÇÃO DA QUALIDADE

A partir do século XX, a administração deixou de se preocupar somente com a

produtividade e passou a dar atenção à qualidade. Na década de 20, surgiu sua primeira fase,

conhecida como “Inspeção da Qualidade”, a qual estava concentrada em inspecionar todos os

produtos, para garantir que não saíssem da fábrica com defeito. A segunda fase, nos anos 30,

denominou-se “Controle da Qualidade” dedicando-se ao monitoramento estatístico dos

processos, eliminando a causa dos defeitos (NETO SHIGUNOV; CAMPOS, 2004).

Após o fim da II Guerra Mundial, o TQC, Controle da Qualidade Total, surgiu no Japão

estimulado pela JUSE - União dos Cientistas e Engenheiros Japoneses - a partir das idéias de

Deming e Juran. No entanto, destaca Neto Shigunov e Campos (2004), estes permaneceram

quase totalmente desconhecidos no Ocidente até os anos 80.

Aspectos culturais, sociais e políticos do Japão ofereceram as condições necessárias para

o nascimento do TQC (GOUNET, 1999). O país estava destruído e sua imagem estava sendo

associada a produtos de péssima qualidade. O senso de disciplina, a escassez de recursos naturais

e um sentimento de responsabilidade pela reconstrução do país foram combinados com as

melhores técnicas de administração praticadas no Ocidente, resultando no que é considerado uma

filosofia de administração (WALTON, 1989).

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O TQC é baseado em elementos de várias fontes: emprega o método cartesiano,

aproveita muito do trabalho de Taylor, utiliza o controle estatísticos de processos, cujos

fundamentos foram lançados por Shewhart, adota conceitos sobre comportamento

humano lançados por Marslow e aproveita todo o conhecimento ocidental sobre

qualidade, principalmente o trabalho de Juran (CAMPOS, 2004, p. 13).

O TQC foi se tornando mais abrangente, surgindo, assim, novos autores, literaturas,

ferramentas e práticas. Atualmente, a evolução da Qualidade encontra-se na quinta fase, Garantia

da Qualidade, abrangendo o planejamento completo de uma organização. Muitos autores

mencionam Sistema de Gestão da Qualidade, Filosofia da Qualidade, Administração da

Qualidade Total, Gerenciamento por Diretrizes, Qualidade Total ou simplesmente Qualidade,

para se referirem ao assunto. “No Brasil utiliza-se muito o termo Gestão da Qualidade Total”

(NETO SHIGUNOV; CAMPOS, 2004, p. 110).

Já Oakland (1994) cita, além de William Edwards Deming e Joseph M. Juran, Philip B.

Crosby como “gurus americanos da qualidade”, inclusive apresentando uma comparação entre os

principais pontos em comum e de divergência. Armand Feigenbaum também é considerado

referência no assunto. Porém, Campos (2004, p. 13) destaca: “[...] os japoneses preferem usar a

sigla CWQC („Company Wide Quality Control‟) para diferenciá-lo do TQC pregado pelo Dr.

Armand Feigenbaum”.

Sob essa ótica, este artigo limitou-se a descrever, de maneira mais detalhada, apenas a

abordagem de Deming, por ser a que melhor contextualiza a essência e história do TQC e

suficiente para o objetivo deste trabalho. De acordo com Campos (2004), este é o TQC

consagrado no Brasil, o TQC ao estilo japonês.

1.1.1 Os 14 Princípios de Deming

William Edwards Deming nasceu no ano de 1900, no Oeste dos Estados Unidos. Em

1921, formou-se em Matemática, fazendo mestrado em Matemática e Física e, posteriormente, no

ano de 1924, obteve o Ph.D. em Física. Em 1940, Deming realizou o primeiro censo por amostra

dos Estados Unidos, aplicando as técnicas do controle estatístico dos processos desenvolvido por

Walter A. Shewhart. Em 1947, fora recrutado para realizar o censo do Japão. E, em 1950, a JUSE

convidou Deming para ensinar o CEQ - Controle Estatístico da Qualidade - aos engenheiros

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japoneses empenhados na reconstrução do país, conforme parte da bibliografia detalhada de

Walton (1989). Porém Deming conclui o seguinte:

É um erro supor que uma produção eficiente do produto e do serviço manterá a empresa

solvente e à frente da concorrência. É possível e, para dizer a verdade, bastante fácil para

uma organização ir ladeira abaixo e desaparecer do mercado fazendo o produto ou

prestando o serviço errado, mesmo que todos os membros da organização se

desincumbam de suas tarefas com dedicação, utilizando métodos estatísticos e todos os

demais instrumentos propiciadores de eficiência. (DEMING, 1990, p. 20).

De acordo com o autor, era necessário mudar também a forma de administrar as

empresas, principalmente mudar o pensamento, então, passou a ensinar os conceitos da

Qualidade a partir dos 14 princípios básicos da qualidade na administração (WALTON, 1989).

Esses princípios deram origem ao prêmio Deming de Qualidade em 1951 no Japão e,

posteriormente, influenciaram os critérios do Prêmio Malcon Baldrige criado em 1987 (HART,

1994). “A influência de Deming tem sido tão permanente que qualquer programa implicará,

inevitavelmente, a inclusão de alguns elementos de sua filosofia” (HART, 1994, p. 8). Aqui no

Brasil, o Prêmio Nacional da Qualidade segue a orientação do MEG, Modelo de Excelência da

Gestão da FNQ, Fundação Nacional da Qualidade, baseada nos Prêmios citados anteriormente

(FNQ, 2010). No Rio Grande do Sul, o Prêmio “Qualidade RS” do PGQP3 segue os mesmos

critérios.

Abaixo, estão descritos, resumidamente, os “14 princípios de Deming”, considerados os

fundamentos iniciais da Qualidade e citados em grande parte das obras referentes ao assunto

(DEMING, 1990) (WALTON, 1989).

1. Estabeleça constância de propósitos para a melhoria do produto e do serviço,

objetivando tornar-se competitivo e manter-se em atividade, bem como para criar emprego.

Na abordagem da Qualidade, o principal objetivo de uma organização é satisfazer às

necessidades dos clientes. Clientes “[...] são todas as pessoas afetadas por nossos processos ou

nossos produtos” (JURAN, 1995, p. 9) (grifos do autor) ou todos aqueles que, de qualquer

maneira, sejam afetados direta ou indiretamente pelas ações da organização.

3 O Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade conta com a adesão de 8.882 organizações e

1.221.825 pessoas, tornando o Rio Grande do Sul reconhecido em todo o Brasil como o Estado que mais avançou na

disseminação dos conceitos e na aplicação dos conceitos da Qualidade (PGQP, 2010)

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Dessa maneira, além dos consumidores, os fornecedores, os funcionários, a sociedade e

os próprios acionistas (proprietários ou investidores) são considerados clientes. Campos (2004, p.

11) afirma que “uma empresa honesta só pode sobreviver dentro de uma sociedade se for para

contribuir para satisfação das pessoas”.

A compreensão desse princípio é fundamental para o raciocínio da Qualidade, porque é

ele que dá sentido a essa abordagem. Ter lucro é o objetivo principal de um dos clientes, no

entanto, somente se as necessidades de todos os outros também foram satisfeitas, a Qualidade

será Total.

Portanto, a organização deve elaborar um planejamento de longo prazo, observando

todos os aspectos necessários para garantir um futuro sustentável: treinamento, conhecimento,

inovação, tecnologia, meio ambiente. A organização deve declarar publicamente seus objetivos e

os princípios que a conduzirão a atingi-los, assumindo sua responsabilidade com todos os

clientes. Este é o primeiro passo para estabelecer as condições indispensáveis à nova cultura.

Diante do contexto ambiental em que vivemos, a adoção a ISO 140014 tem se tornado

requisito obrigatório a muitas organizações, porém muitas delas têm buscado a certificação

ambiental como forma de demonstrar seu comprometimento social e até como estratégia de

marketing.

2. Adote a nova filosofia. Estamos numa era econômica. A administração ocidental

deve acordar para o desafio, conscientizar-se de suas responsabilidades e assumir liderança no

processo de administração.

Em 1950, quando esse princípio foi escrito, Deming já considerava o pensamento

predominante nos Estados Unidos ultrapassado. No entanto esse princípio não perde a relevância,

visto que sempre surgem novas necessidades e, consequentemente, novas filosofias e técnicas

eventualmente mais adequadas ao novo contexto. Contudo, até a década seguinte, não havia tanta

preocupação com qualidade, nessa época, os Estados Unidos passavam por um período de

riqueza, o consumismo estava impulsionado pelos efeitos pós-guerra e as novas técnicas de

marketing. Os produtos apenas precisavam funcionar como o prometido por algum tempo,

4 A sigla ISO refere-se à ONG International Organization for Standardization ou Organização

Internacional de Normas Técnicas sediada em Genebra na Suíça. De acordo com Maranhão (2006, p. 29), o objetivo

da ISO é “estabelecer as normas técnicas essências de âmbito internacional, seja para consolidar uma nova

tecnologia, abrindo acesso a todos, especialmente aos países mais pobres, seja para evitar abusos econômicos ou

tecnológicos dos países mais desenvolvidos sobre os países menos desenvolvidos”. A ISSO 14001 é a norma

internacional de qualidade ambiental.

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oferecer conforto e status, pois logo seriam substituídos por um mais moderno (MARAMALDO,

2000).

Naquela época, as abordagens Clássica e Neoclássica da Administração eram

predominantes. Tais abordagens foram revolucionárias em suas épocas, muitos dos seus

conceitos foram aproveitados no TQC, porém muitos aspectos negativos se destacaram. A Teoria

Científica da Administração, de Taylor, em 1909, enfatizava as tarefas. Os trabalhadores eram

considerados incapazes, preguiçosos, sendo que apenas recompensas financeiras poderiam

motivá-los. Acreditava-se que aspectos físicos eram o principal fator de produtividade. A

filosofia era produzir o máximo sem parar (CHIAVENATO, 2000).

Os ganhos de produtividade conseguidos na época foram impressionantes [...]. Esta

escola atendia as necessidades do final do século XIX e início do século XX nos países

desenvolvidos, uma vez que a indústria se expandia rapidamente, empregando pessoal

com baixo nível de qualificação, sendo a maioria oriunda da zona rural. À medida que as

pessoas foram se qualificando e as disponibilidades de capital e de tecnologia aumentam,

seus princípios começam a se tornar cada vez menos importantes para as novas

necessidades. (LACOMBE; HEIBRN, 2003, p. 38)

Na abordagem da Qualidade, o pensamento é exatamente o oposto: os colaboradores são

criativos e capazes de gerar melhoria contínua. Aspectos relacionados ao Clima Organizacional

são muito mais relevantes para a produtividade do que incentivos financeiros. No TQC, as

pessoas são o fator de competitividade mais importante.

Observa-se que, em 1930, a abordagem Humanista da Administração já comprovara,

através das experiências científicas, que questões de Clima Organizacional, relacionamentos e

fatores psicológicos eram muito mais relevantes para a motivação e a produtividade do que

aspectos biológicos e recompensas financeiras. Essa abordagem nasceu da “[...] necessidade de

humanizar e democratizar a Administração [...]. O moral é uma decorrência do estado

motivacional provocado pela satisfação ou não satisfação das necessidades individuais das

pessoas” (CHIAVENATO, 2000, p. 132). (grifos do autor)

3. Deixe de depender da inspeção para atingir a qualidade. Elimine a necessidade de

inspeção em massa, introduzindo a qualidade no produto desde seu primeiro estágio.

“A qualidade não deriva da inspeção, e sim da melhoria do processo produtivo”

(DEMING, 1990, p. 22). É preferível investir recursos na melhoria do processo a investir na

inspeção final, pois o custo da qualidade é sempre menor que o custo da não qualidade.

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Heldt (apud NETO SHIGUNOV; CAMPOS, 2004, p. 134) afirma que, “para cada dólar

gasto com prevenção e avaliação da qualidade, pode-se ganhar quatro dólares na diminuição de

falhas internas ou externas”. De acordo com os estudos de Juran (1995), os “Custos da

Qualidade“ são todos os custos indispensáveis para a manutenção da Qualidade: estrutura,

treinamento, programas etc.; e “Custos da não Qualidade” são todos os custos que não ocorreriam

se o processo fosse realizado com qualidade desde o início: inspeções, retrabalho, reposição de

materiais etc. Observa-se que quanto mais próximo ao início do processo ocorrer o defeito, maior

será o prejuízo desencadeado. Existem ainda custos intangíveis, como insatisfação dos clientes ou

degradação da marca, que dificilmente são mensurados. Deming enfatiza as técnicas de Controle

Estatístico da Qualidade para eliminar a inspeção em massa, mas o CEQ utilizado como

ferramenta de inspeção e isoladamente também não gera melhoria, conforme atenta Ohno e

Antunes Júnior (apud LIKER e MEIER, 2005).

4. Cesse a prática de aprovar orçamentos apenas com base no preço. Ao invés disso,

minimize o custo total. Desenvolva um único fornecedor para cada item, num relacionamento de

longo prazo fundamentado na lealdade e na confiança.

Observa-se que os fornecedores também são considerados clientes e que têm

necessidades para realizar o seu trabalho. O primeiro fator que deve ser avaliado é a capacidade

do fornecedor em atender às necessidades da organização, pois não é possível produzir qualidade

com insumos sem a qualidade necessária. Deve-se desenvolver uma relação de confiança e

respeito mútuo. Observando o princípio anterior, conclui-se que esse comportamento reduz a

necessidade de inspeção de recebimento, reduzem-se os defeitos ao longo do processo e,

consequentemente, os custos, assim, o resultado global tende a ser sempre positivo em longo

prazo, visto ainda que a matéria-prima é a primeira parte do processo e, frequentemente,

compromete o todo.

Cada um deve contribuir para ao desenvolvimento de ambos e essa relação deve ser

estendida por toda a cadeia de valor, gerando sinergia, visto que todos são clientes e fornecedores

e todos agregam valor ao produto. Em longo prazo, é produzida uma reação em cadeia. Os

consumidores ficam mais satisfeitos, a demanda aumenta, aumentam os empregos, a qualidade de

vida melhora (DEMING, 1990).

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5. Melhore constantemente o sistema de produção e prestação de serviços, de modo a

melhorar a qualidade e a produtividade e, consequentemente, reduzir de forma sistemática os

custos.

Essa é outra diferença em relação à Abordagem Clássica da Administração. Na Teoria

Clássica da Administração, de 1916, Fayol propôs que as funções de responsabilidade da

administração são: planejar, organizar, comandar, coordenar, controlar (CHIAVENATO, 2000).

Na abordagem da Qualidade, Deming (1990) propõe uma, aparentemente, pequena

modificação, porém fundamental. As atribuições da administração são: planejar, executar,

verificar e melhorar. De acordo com o autor, esse processo é cíclico e espiral, a cada ciclo, a

organização atinge um nível mais alto. Juran (1995) reforça esse conceito com a “Trilogia de

Juran”: Planejamento da Qualidade; Controle da Qualidade; Melhoria da Qualidade.

A melhoria contínua é realizada através do método PDCA, que significa Plan (Planejar),

Do (Fazer), Check (Verificar), Action (Agir para corrigir). Esse método deve ser praticado em

todos os níveis da empresa. Em 1962, sob o patrocínio da JUSE, o prof. Kaoru Ishikawa criou as

sete ferramentas da qualidade: Gráfico de Pareto; Diagrama de Causa e Efeito; Histograma; Folha

de Verificação; Gráfico de Dispersão e Carta de Controle. Essas ferramentas facilitaram a

aplicação do PDCA no chão de fábrica. Ishikawa também criou o CCQ, Círculo de Controle da

Qualidade. O CCQ é um pequeno grupo criado com integrantes de múltiplos setores, para

resolver problemas utilizando as Ferramentas da Qualidade (NETO SHIGUNOV; CAMPOS,

2004). No Japão, os concursos de CCQs mobilizam toda a empresa. Aqui no Rio Grande do Sul,

por exemplo, acontece, anualmente, o concurso de CCQs promovido pela AGQ - Associação

Gaúcha pela Qualidade.

6. Institua treinamento no local de trabalho.

As pessoas não podem realizar o processo da maneira certa na primeira vez, se não

souberem o que devem fazer, como devem fazer e não tiveram um padrão de comparação.

Devem-se instituir programas de treinamentos sistemáticos na própria organização.

7. Institua liderança. O objetivo da chefia deve ser de ajudar as pessoas, as máquinas

e os dispositivos a executarem um trabalho melhor. A chefia administrativa necessita de uma

revisão geral, tanto quanto a chefia dos trabalhadores de produção.

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Liderança é envolver a equipe na atmosfera da Qualidade, é disseminar os conceitos e o

conhecimento, é fomentar melhorias. Ser líder é ser um modelo pelo qual a equipe se orienta, que

admira e reconhece como tal. A Qualidade não pode ser imposta, tem que ser conquistada.

8. Elimine o medo, de tal forma que todos trabalhem de modo eficaz para a empresa.

Não há Qualidade em um ambiente de insegurança. As pessoas têm muitos medos: medo

de assumir responsabilidades e fracassar, medo de errar e serem punidas, medo de se sentir

humilhadas, medo de perder o emprego, medo do futuro da organização e do futuro da própria

família. Remover o medo é o primeiro passo para estabelecer o clima organizacional necessário

para a nova cultura. Os princípios 1, 6 e 7 são fundamentais para remover o medo.

9. Elimine as barreiras entre os departamentos. As pessoas engajadas em pesquisas,

projetos, vendas e produção devem trabalhar em equipe, de modo a preverem problemas de

produção e de utilização do produto ou serviço.

Essa é outra herança da abordagem Clássica da Administração que deixou sinais

negativos como o desalinhamento de propósitos. A organização deve ser analisada como um

sistema e os departamentos, como inter-relacionamentos. Na abordagem da Qualidade, o trabalho

é organizado em processos, em vez de departamentos. Os departamentos devem trabalhar em

conjunto desde o projeto do produto. O projeto deve iniciar na pesquisa do mercado e das

necessidades do cliente. Essas necessidades devem ser traduzidas para a linguagem da

organização. Para tanto, Oakland (1994, p. 54) sugere o Desdobramento da Função Qualidade:

O Desdobramento da função Qualidade (QFD) é um „sistema‟ para projetar um produto

ou serviço, baseado nas exigências do cliente, com a participação de membros de todas

as fusões do fornecedor. Converte as necessidades do cliente em requisitos técnicos

adequados para cada estágio.

Observa-se que essa ferramenta pode ser muito complexa e inadequada em alguns casos,

como pequenos prestadores de serviço. Talvez métodos mais simples de rodadas de ideias

estruturadas (brainstorming) possam ser interessantes para estimular o envolvimento, sem gerar

atritos. À medida que os conceitos da Qualidade vão se fortalecendo dentro da cultura

organizacional, essas barreiras vão gradualmente se fragilizando. Ferramentas como

“macrofluxo” ou “fluxograma” e outros tipos de diagrama facilitam a visão global e o

entendimento da organização como um sistema.

10. Elimine lemas, exortações e metas para a mão-de-obra que exijam nível zero de

falhas e estabeleçam novos níveis de produtividade.

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De acordo com Juran (apud SCHOLTES et al, 1992), essa atitude só gera conflitos, pois

apenas 15% dos problemas podem ser evitados na produção, assim, programas do tipo “nível

zero de defeitos” para o pessoal da produção não fazem sentido algum. Não há como fazer um

produto sem defeitos com matéria-prima defeituosa, equipamentos inadequados, sem treinamento

adequado ou sem as pessoas saberem exatamente o que devem fazer e como fazer. É papel da

chefia providenciar essas condições, então, os produtos terão menos defeitos.

11. Elimine metas numéricas.

De acordo com Deming (1990), metas numéricas (fins) não melhoram a capacidade,

apenas a melhoria do processo (meios) pode fazê-la. A meta da qualidade é a satisfação do cliente

através da melhoria contínua. A melhoria é medida a partir de itens de controle. “Os itens de

controle de um processo são índices numéricos estabelecidos sobre os efeitos de cada processo

para medir a qualidade total” (CAMPOS, 2004, p. 21). Scholtes et al (1992, p. 1-5) afirma que:

O uso de metas numéricas para julgar e dir igir a performance causa uma

série de problemas:

Pensamento a curto prazo

Foco mal dirigido

Conflitos internos

Falseamento de números

Mais medo

Cegueira quanto às preocupações do cliente.

De acordo com Deming (1990), metas para o pessoal da produção só geram inimizades,

quando se estabelecem padrões a partir da média de um grupo, obviamente, metade ficará abaixo

da média e a outra metade, acima. Os que estão acima, frequentemente, pressionam os debaixo

para não perderam premiações. Em outros casos, os que querem manter um padrão confortável

pressionam novatos dispostos a mostrar trabalho para não elevar o padrão. Quando se paga por

peça ou produtividade, então, a tendência é a qualidade piorar cada vez mais. Metas para

departamentos são incompatíveis com a abordagem da Qualidade. As metas devem ser globais e

de qualidade, declaradas conforme o primeiro princípio.

12. Remova as barreiras que privam as pessoas de se orgulharem de seu trabalho.

Deming refere-se a avaliações de desempenho de curto prazo. De acordo com autor, tais

avaliações forçam situações em que as pessoas são obrigadas a produzir produtos ou serviços sem

qualidade, para atingirem boas avaliações. Certamente, um vendedor não pode se orgulhar de ter

um comportamento antiético com o cliente, para seguir o procedimento da organização, atingir

sua meta e obter uma boa avaliação. Normalmente, as pessoas preferem fazer um serviço bem

Page 13: Gestão da Qualidade Total_A Excelência do Modelo Toyota na Prestação de Serviços

13

feito e orgulham-se quando alguém reconhece esse produto, fazendo questão de dizer que faz

parte daquela organização. O papel dos líderes é criar as condições para que isso aconteça.

13. Institua um forte programa de educação e autoaprimoramento.

Deming (1990, p. 39) observa que: “Um gerente japonês inicia sua carreira como um

longo estágio (quatro a doze anos) no setor fabril [...]” e que “[...] qualquer progresso na posição

competitiva terá suas raízes no conhecimento” (DEMING, 1990, p. 64).

De acordo com Campos (2004), se forem considerados somente os fatores que a

empresa controla (fatores internos), a produtividade apenas pode ser aumentada de duas

maneiras: aporte de capital e aporte de conhecimento. O aporte de capital tem retorno de curto

prazo, mas é inseguro e variável (10% a 20% ao ano). O aporte de conhecimento traz benefícios

de longo prazo, no entanto muito superior ao aporte de capital, conforme o seguinte relato:

“fizemos junto com companheiros de duas empresas brasileiras uma avaliação do retorno do

aporte de conhecimento em um programa de Qualidade Total e encontramos algo em torno de

30.000%” (CAMPOS, 2004, p. 6).

14. Engaje todos da empresa no processo de realizar a transformação.

Significa envolver todos no processo de transformação, contagiá-los com os novos

conceitos, criar constância e unidade de propósitos. De acordo com Campos (2004), isso deve ser

feito através de programas de qualidade: inicialmente, o 5S, para melhorar o ambiente de

trabalho, estabelecer organização visual e abrir caminho para as mudanças (limpar a mente);

após, o Gerenciamento da Rotina do Dia-a-Dia, para que todos saibam usar o PDCA e todas as

atividades; em seguida, o Programa de Gerência Pelas Diretrizes, que orienta as pessoas a partir

das diretrizes estabelecidas no primeiro princípio; e, finalmente, o Programa de Melhoria

Contínua.

O Gerenciamento pelas Diretrizes é um sistema administrativo, praticado por todas as

pessoas da empresa, que visa a garantir a sobrevivência da empresa à competição

internacional: a. Por meio da visão estratégica estabelecida com base em análise do

sistema empresa-ambiente e nas crenças e valores da empresa e que fornece o rumo para

o estabelecimento das diretrizes [...] (CAMPOS, 2004, p. 75) (grifos do autor).

Observa-se que “visão estratégica” ou “visão de futuro” são termos usados para referir-

se à situação na qual a organização deseja estar no futuro, com base na análise do contexto

presente e em conseqüência de seu planejamento de estratégico. Frequentemente encontram-se

placas divulgando a “missão, visão e princípios” nas organizações, no entanto, apesar de serem

belas frases, muitas vezes não são reflexo de análise e tão pouco de planejamento.

Page 14: Gestão da Qualidade Total_A Excelência do Modelo Toyota na Prestação de Serviços

14

1.2 TQC AO ESTILO TOYOTA

A Toyota, sem dúvida, é o case de sucesso mais conhecido do TQC. Muitos estudos

foram realizados para entender como uma organização numa situação tão desfavorável conseguiu

se transformar na maior montadora de automóveis do mundo e num modelo de gestão. Contudo,

percebe-se que muitas abordagens dão ênfase ao sistema de produção, esquecendo-se da filosofia

da Qualidade, o “Modelo Toyota”. Dennis (2008) descreve o resultado de utilizar as ferramentas

do STP, isoladamente, como um Frankstein, esperando que algo lhe dê vida.

Então, o TQC complementa o STP e a própria filosofia administrativa da Toyota, da

mesma maneira que muitos elementos destes foram incorporados ao TQC em outras

organizações. Mas essa não é uma tarefa fácil, a própria Toyota tem dificuldades para manter a

essência do “Modelo Toyota” em todas as unidades (OSONO et al, 2008). Dessa forma, observa-

se ainda que “O Sistema Toyota de Produção não é não é o Modelo Toyota. O STP é o exemplo

mais sistemático e mais altamente desenvolvido daquilo que os princípios do modelo Toyota

podem atingir” (LIKER; MEIER, 2005, p. 47) e essa combinação é chamada de “DNA Toyota”.

O Sistema Toyota de Produção é um sistema flexível e enxuto, desenvolvido para

atender às necessidades impostas pelo contexto do Japão a partir de 1945. O país estava em crise,

havia escassez de recursos e o mercado era muito limitado para o modelo de produção em massa

da Ford. Do início das atividades, em 1937, a 1950, a Toyota consegue produzir apenas 2.685

automóveis, enquanto a Ford produzia 7.000 por dia (DENNIS, 2008). Em 1945 o presidente da

Toyota, Kiichiro Toyoda (apud GOUNET, 1999, p. 25) declara que é vital “alcançar os norte-

americanos em três anos, sem o que será o fim da indústria automobilística japonesa”. Em 1950 a

Toyota faz um acordo sindical e demite um quarto do seu pessoal. Nesse acordo, trabalhadores

que permaneceram, passaram a ter contrato vitalício e a ocupar instalações da própria empresa

para moradia, em contrapartida, assumiram o compromisso de se dedicar ao novo modelo de

produção (LIKER; MEIER, 2005).

Nesse contexto, a Toyota estabelece sua estratégia e diretrizes. Abaixo estão descritos os

14 princípios administrativos do Modelo Toyota, conforme o autor Liker e Meier (2005).

1. Basear as decisões administrativas em uma filosofia de longo prazo, mesmo em

detrimento d e m e t a s f i n a n c e i r a s d e c u r t o p r a z o .

2. Criar um fluxo de processo contínuo, para trazer os problemas à tona.

Page 15: Gestão da Qualidade Total_A Excelência do Modelo Toyota na Prestação de Serviços

15

3. Usar sistemas puxados, para evitar a superprodução.

4. Nivelar a carga de trabalho.

5. Usar somente tecnologia confiável totalmente testada.

6. Usar controle visual, para que os problemas não passem despercebidos.

7. Padronizar tarefas para melhoria contínua.

8. Parar quando houver problema de qualidade (autonomação).

9. Respeitar, desafiar e auxiliar os fornecedores.

10. Respeitar, desenvolver e desafiar o pessoal e as equipes.

11. Desenvolver líderes que vivenciem a filosofia.

12. Tomar decisões lentamente, através de consenso, considerando completamente

todas as opções; implementá-las com rapidez.

13. Ver por si mesmo, para compreender a situação

14. Aprendizagem organizacional contínua através do Kaizen.

Esses princípios representam a própria adaptação dos conceitos do TQC às necessidades

da Toyota no contexto da época e que permanecem até hoje. Devido à proposta deste trabalho e

às limitações já observadas anteriormente, este estudo se limitou à descrição de alguns conceitos

que sustentam o Sistema Toyota de Produção e o caracterizam, porém não dependem dele. De

acordo com Liker e Meier (2005), a produção enxuta é o “resultado” da aplicação do STP. Ou

seja, uma organização pode aplicar tais conceitos e obter um resultado “enxuto” sem usar as

ferramentas do STP.

Um sistema enxuto é um sistema sem excessos, que utiliza apenas os recursos

indispensáveis para atingir o objetivo a que se destina. Do ponto de vista de um sistema enxuto,

“[...] a única coisa que agrega valor em qualquer tipo de processo – de produção, de marketing

ou de desenvolvimento – é a transformação, física, ou de informações, do produto, serviço ou

atividade em algo que o cliente deseja” (LIKER; MEIER, 2005, p. 31) (grifos do autor), o resto

são perdas. Conclui-se que o valor é aumentado na proporção em que as perdas são reduzidas.

Nesse contexto, Lead Time ou tempo de atravessamento é a linha de tempo entre o

pedido e a entrega ao cliente. O lead time é determinado pela eficiência dos processos. Numa

primeira análise, pode-se concluir que quanto menor for o lead time, mais rápido o investimento

se transformará em retorno. Também se pode concluir que o cliente ficará mais satisfeito.

“Lead time = tempo de processamento + tempo de retenção” (DENNIS, 2008, p. 41).

Page 16: Gestão da Qualidade Total_A Excelência do Modelo Toyota na Prestação de Serviços

16

Parece claro que o tempo de processamento representa o “valor” e que o tempo de

retenção representa as “perdas”. Porém aumentar o tempo de processamento implica aumentar

lead time, portanto, conclui-se que excesso de processamento também pode representar perdas.

Reduzi-lo implica redução de lead time, todavia, eventualmente, também implica perda de

qualidade. Assim, a melhor aplicação é determinada pela necessidade do cliente.

Os principais objetivos do sistema enxuto são: gerar valor, reduzir o lead time, eliminar

perdas, reduzir custo e satisfazer o cliente, simultaneamente, através da melhoria contínua.

Conforme a literatura, as principais perdas podem variar, dependendo da aplicação do

sistema, no entanto Liker e Meier (2005) destacam:

Estoques: é o principal sintoma de ineficiência de um sistema, onde tem estoque, há

oportunidade de melhoria. Além, é claro, de representar custos de manuseio, manutenção e

investimento parado na linha de tempo. Muitas vezes, o assunto é tratado com superficialidade.

Geralmente, quando há problemas, instabilidade de demanda ou de abastecimento, ou ainda,

imprevisibilidade de paradas para manutenção, aumentam-se os estoques para a produção não

parar. O principal objetivo de se eliminar estoques é fazer os problemas aparecerem, para

promover a melhoria e aumentar a eficiência.

Superprodução: é considerada a pior perda, pois o excesso de produção aumenta todas as

outras fontes de desperdício. Frequentemente nessa abordagem, é preferível deixar a mão-de-obra

e as máquinas ociosas a produzir antes do tempo. Talvez esse seja o maior paradoxo em relação à

abordagem clássica. Se há pessoas ou máquinas ociosas é porque não são necessárias ou porque o

sistema não é eficiente. Observa-se o caso da Ford, que produzia 7.000 unidades do Ford T preto

por dia, em 1949 (DENNIS, 2008). O que será que aconteceu quando a GM começou a produzir

um modelo para cada classe social, além de colorido, nos anos seguintes?

Espera: essa perda normalmente acontece quando a demanda é agrupada em lotes.

Quanto menores forem os lotes, menor será o intervalo de espera entre um processo e outro.

Nessa abordagem, o fluxo perfeito é o fluxo unitário. Uma estratégia operacional decisiva para o

STP foi a organização das máquinas em grupos (ou células), em vez de seções. Por exemplo: em

vez de ter cinco seções com 100 máquinas executando a mesma função, é preferível ter 100

células com cinco máquinas cada. O layout das máquinas é em forma de “U” ou “L”. Esse

esquema permite fabricar a peça inteira num único lugar, estabelecendo um fluxo unitário e

eliminando a espera de lotes (LIKER; MEIER, 2005). Um fato significativo foi que, em 1945, os

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17

sindicatos, nos Estados Unidos, eram organizados em categorias, os operadores não podiam ser

multifuncionais e cada seção tinha suas próprias regras. Em uma única área, poderia haver 100

tornos (GOUNET, 1999). Esse exemplo poderia ser interessante em “repartições” públicas.

Desperdício de transporte: o transporte pode ser surpreendentemente reduzido

simplesmente reorganizando o layout. E o transporte externo pode ser reduzido aproximando os

fornecedores da fábrica. Muitas vezes, fornecedores e clientes podem ocupar a mesma área. O

layout em células também implicou redução de espaço, redução de empilhadeiras e de pessoas

para esse trabalho. Um bom exemplo nos serviços públicos são os centros administrativos.

Desperdício de movimento: movimentos humanos que não são necessários para a

realização de uma operação. Estes podem ser reduzidos através da melhoria contínua e com a

padronização dos processos. Taylor contribuiu muito com o estudo de “tempos e movimentos” e

economia de movimentos, contudo, ele pressupôs que só havia uma maneira certa de realizar uma

tarefa, a qual, uma vez determinada por um profissional capacitado, o padrão deveria ser

estabelecido. No entanto a padronização, na abordagem da Qualidade, tem sentido de referência à

melhoria. E o padrão de tempo de execução é determinado pelo próprio sistema.

Desperdício de Processamento: processos que não transformam o produto são

desnecessários. Máquinas desreguladas e ferramentas gastas aumentam o tempo de

processamento desnecessário para a mesma operação. Mais qualidade do que o especificado para

um determinado produto também pode representar perda.

Defeitos: Como observou-se anteriormente na abordagem de Deming, defeitos geram

retrabalho, desencadeando uma série de custos relacionados à reposição do produto.

Desperdício de Criatividade: quando não se aproveita a criatividade das pessoas, essa é

uma perda incalculável. Frequentemente, as pessoas têm ideias úteis, mas têm medo de falar. A

criatividade pode ser estimulada através dos CCQ, “equipes Kaizen” no STP.

De acordo com os autores consultados, Liker e Meier (2005), Dennis (2008), Ohno e

Antunes Júnior (1997) e Osono et al (2008), o fundamento principal desse sistema é o fluxo, do

ponto de vista da gestão da produção, sua forma ideal é alcançada quando se torna contínuo.

Isso significa que o fluxo deve ser: “unitário”, “puxado”, “nivelado” e “sincronizado”.

Fluxo unitário significa produzir um de cada vez. Nesse estado, não há lotes nem

estoque e os problemas são rapidamente localizados. Se o fluxo sofre qualquer tipo de restrição,

logo se formam pequenos estoques e os gargalos são atacados. Se o fluxo for interrompido, o

Page 18: Gestão da Qualidade Total_A Excelência do Modelo Toyota na Prestação de Serviços

18

sistema pára imediatamente, pois não há estoque de segurança, então, o problema tem que ser

resolvido. À medida que os problemas vão sendo eliminados, o fluxo vai ficando mais eficiente.

Fluxo “puxado” ou “produção puxada” significa produzir somente a quantidade certa no

momento certo. A quantidade a ser produzida é determinada pela demanda do cliente.

Combinado com o fluxo unitário, quando o cliente puxa “um”, o fornecedor abastece “um”,

eliminando espera. Isso elimina o superprocessamento. Esse conceito se aplica desde o cliente

consumidor até o fornecedor. Ou seja, só se produzem pedidos confirmados (que já foram

vendidos).

Nivelamento do fluxo significa distribuir as quantidades de itens a serem produzidos

pela linha de tempo de forma proporcional e homogênea. Dessa maneira, não há sobrecarga

(muri, em japonês) das pessoas nem das máquinas num período, como também não há

ociosidade. Denniz (2008) relata que ele demorou em perceber outro conceito muito importante

para a estratégia da Toyota. Por exemplo: se uma empresa produz quatro modelos, um em cada

mês, a fim de evitar longas paradas para adaptação da linha de montagem e troca de ferramentas.

Nesse caso, um cliente poderia ter de esperar quatro meses pelo produto. No caso do

nivelamento, todos os dias, produz-se um pouco de cada modelo, proporcionalmente, à

quantidade total. Assim, todos os dias, qualquer um dos clientes poderá ser atendido.

Sincronizar o fluxo significa fazer com que tudo seja realizado no tempo certo, nem

antes nem depois. Somente se todos os conceitos são aplicados com sincronia é que geram

sinergia, caracterizando um sistema de produção realmente “enxuto” e revelando seu incrível

potencial. Deve-se ressaltar que a aplicação isolada dos conceitos pode gerar benefícios

consideráveis, todavia, também podem causar um desastre. Talvez a sincronização seja o aspecto

mais difícil de ser alcançado e é justamente aí que a Toyota revela uma das suas ferramentas mais

impressionantes: o Kanban (LIKER; MEIER, 2005).

O Just-in-time, ou JIT, pode ser traduzido como “apenas-a-tempo”, sua descrição mais

comum é: o produto certo, na hora certa e na quantidade certa, pois é essa a sua função. O JIT é

composto por um conjunto de métodos, técnicas e ferramentas utilizadas em conjunto para

colocar o conceito de enxuto em funcionamento. Abaixo, seguem as principais ferramentas:

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19

Kanban5: é o sistema nervoso do JIT, é um sistema de cartões que permite o controle

visual das operações, da sincronização e do nivelamento. É ele que indica os níveis e os limites

de estoque mínimo entre os processos, indica a solicitação de abastecimento e puxa o fluxo.

Observa-se que o Kanban não teria muita utilidade fora de um sistema enxuto. No sistema

tradicional (“empurrado”), o fluxo é determinado pela capacidade produtiva e acionado pela

programação. Nesses casos, o controle visual é usado apenas para sinalizar o que já foi feito.

Também se observa que, numa prestadora de serviços, esse sistema pode ser aplicado por outras

ferramentas, como computadores ou mensagens sonoras. Um bom exemplo seria o semáforo que

controla e sincroniza o fluxo de automóveis.

Setup Rápido: é a ferramenta utilizada para reduzir perdas com a troca do ferramental das

máquinas. Setup é o tempo de parada, ele pode ser interno ou externo. Setup interno é aquele que

só pode ser realizado com a máquina parada, pode ser reduzido fazendo adaptações nas máquinas

e nas ferramentas, como encaixes no lugar de parafusos. O setup externo é toda a preparação que

pode ser realizada antes da parada, como reunir todas as ferramentas necessárias para a operação

próximas da máquina momentos antes da parada. À primeira vista, é difícil imaginar a utilização

dessas ferramentas nos serviços. No entanto, se forem esquecidas as ferramentas e focar-se nos

conceitos, fica mais fácil. O objetivo é reduzir o setup. Por exemplo: em um supermercado, um

momento crítico é o da troca da fita da impressora do caixa. Formam-se filas de espera e o cliente

fica insatisfeito. Reduzir o setup de troca da fita significa reduzir perdas. A aplicação é muito

mais simples e, mesmo assim, pode significar um grande diferencial, pois é muito difícil de

encontrar um caixa sem fila. Outro exemplo é o aquecimento de pneus no pit stop da formula 1.

A Autonomação ou automatização com um toque humano é o pilar humano do STP,

porém, muitas vezes, é abordada com superficialidade. Numa primeira abordagem, significa que

cada operador tem a autonomia para parar o processo. Justamente ao contrário da abordagem

tradicional. Porém, numa abordagem mais ampla, pode-se perceber que é a parte responsável por

aplicar as ferramentas do Just-in-Time. Propõe-se a seguinte abordagem:

Autonomia para interromper o fluxo: a qualidade é verificada em cada estação de

trabalho. Cada operador verifica a qualidade da operação anterior e, após, sua própria operação.

5 A palavra japonesa “kanban” pode ser traduzida como “cartão” (DENNIS, 2008). Neste trabalho,

“Kanban” com a primeira letra maiúscula, refere-se ao sistema de controle visual desenvolvido pela Toyota,

enquanto “kanban”, com letra minúscula, refere-se ao cartão utilizado neste sistema.

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20

Se ele perceber qualquer não conformidade com o padrão estabelecido, ele aciona o andon6 e

interrompe o fluxo. Nesse caso, o líder de equipe tem alguns minutos para resolver o problema,

se isso não for possível, o processo é paralisado até que o problema seja resolvido. Isso evita

perdas (desperdício ou reprocessamento) e garante a qualidade.

Autonomia multifuncional: a Toyota prefere investir em pessoas, ao invés de

robotização. Os operadores estão sempre aprendendo novas habilidades. Eles são capacitados a

operar várias máquinas e executar várias funções. Os operadores têm a responsabilidade de fazer

a manutenção preventiva das máquinas, bem como manter o local de trabalho limpo e organizado

(5s).

Automação com um toque humano: as máquinas são equipadas com dispositivos à prova

de erros, que interrompem seu funcionamento em caso de falhas, evitando que uma operação

automática seja realizada centenas de vezes antes que se perceba. Isso interrompe o fluxo e evita

perdas. As máquinas também param no final da operação. Assim, só é necessária a presença

humana quando as máquinas param.

É a combinação dessas características com o esquema de layout em células que permite

adaptação dinâmica e imediata a qualquer situação, dando a flexibilidade do STP. A flexibilidade

da Autonomação com processo enxuto do Just in Time complementa o STP.

1.3 QUALIDADE NOS SERVIÇOS

O setor dos serviços vem crescendo ano a ano no Brasil, representando, em 2009, 68,5%

do PIB brasileiro (ÉPOCA NEGÓCIOS, 2010). No entanto, verifica-se que muitos prestadores de

serviços não perceberam que se está numa nova era, que é necessário adotar uma nova filosofia e

que somente a satisfação do cliente pode garantir a sobrevivência nesse novo contexto.

“Hoje não se pode mais dizer de produtos independentes ou separados dos serviços,

porque o consumidor sabe, que ao comprar um produto, está na realidade comprando um serviço”

(MARAUMADO, 2000, p. 24).

6 Alerta que permite interromper o fluxo. Ex.: uma corda ou botão que aciona uma luz ou campainha

(LIKER e MEIER, 2005).

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Administração de Serviços é o termo referente à administração com foco na qualidade

do ponto de vista do cliente. Nessa perspectiva, o cliente é considerado o principal ativo da

organização, sendo que seu valor para a empresa vai aumentado ao longo do tempo. Dessa

maneira, a administração deve fazer um planejamento de longo prazo com vistas no ciclo de vida

do cliente. Todas as pessoas que entram em contato com a organização são consideradas clientes

e devem sentir-se satisfeitas, pois, nesse momento, começam a projetar a imagem da organização

que será levada em conta quando estas assumirem o papel consumidor.

Excelência de Serviço: Um nível de qualidade de serviço, comparado ao de seus

concorrentes, que é suficientemente elevado, do ponto de vista de seus clientes, para lhe

permitir cobrar um preço mais alto pelo serviço oferecido, conquistar uma participação

de mercado acima do que seria considerado natural, e/ou obter uma vantagem de lucro

maior do que a de seus concorrentes (ALBRECHT, 2003, p. 13).

De acordo com o autor acima referido, “a qualidade dos serviços está nos detalhes”

(ALBRECHT, 2003, p. 26), pois o serviço é fabricado na hora da entrega, não há como

inspecionar previamente a sua qualidade, sendo o próprio evento do contato entre a organização e

o cliente o produto da prestação de serviços. A “Hora da Verdade” (H.D.V.) é “qualquer episódio

no qual o cliente entra em contato com qualquer aspecto da organização e obtém a impressão da

qualidade de seu serviço” (ALBRECHT, 2003, p. 27) e a soma das H.D.Vs. forma a imagem da

Organização.

A Administração de Serviços apoia-se no chamado “Triângulo do Serviço”: Visão

Estratégica do Serviço; Pessoal da linha de frente orientada para o cliente; Cultura.

Visão Estratégica do Serviço. Toda a organização deve ter uma Visão global orientada à

relação com o cliente e ver cada H.D.V. como decisiva para o sucesso da organização, pesquisar

e analisar o comportamento e as tendências do público e dos grupos de relacionamento, conhecer

seus desejos e suas necessidades, a fim de planejar uma estratégia eficaz e superar suas

expectativas. Muitas organizações investem seus recursos em ações que, do seu ponto de vista,

parecem ter valor para o cliente e acabam não tendo o retorno esperado, enquanto ações simples,

como um atendimento simpático e atencioso, podem ser o que o cliente gostaria de receber.

Pessoal da linha de frente orientada para o cliente. O pessoal que tem contato direto com

o cliente é fundamental para a excelência nos serviços. Cada funcionário é o administrador das

H.D.Vs. e precisa entender a importância que ele tem no “ciclo de serviço”. “Um ciclo de serviço

é a cadeia contínua de eventos pela qual o cliente passa à medida que experimenta o serviço

prestado por você” (ALBRECHT, 2003, p. 34).

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Sistema voltado para o cliente. Normalmente, os sistemas são planejados para atender às

necessidades da organização. Quando acontece algo inesperado, os clientes são empurrados de

um departamento para o outro e ninguém está preparado para resolver o seu problema. O sistema

existe em função do cliente (ALBRECHT, 2003).

Apesar de esses conceitos parecerem simples, a sua implementação se mostra bastante

complexa. A adaptação da organização depende do comprometimento dos profissionais de todos

os níveis e da quebra de paradigmas, para se assumir a postura de Administração de Serviços com

foco no cliente. Essa nova postura está fundamentada em três eixos chamados de “Triângulo de

Serviço Interno”, descrito a seguir.

Cultura: é preciso compreender a cultura organizacional, “o modo pelo qual os

funcionários se sentem é o modo pelo qual seus clientes vão se sentir” (ALBRECHT, 2003, p.

68). Os funcionários precisam ser educados antes de treinados, eles precisam entender os novos

conceitos, perceber a importância dessa nova postura e acreditar no comprometimento da

organização, para que se sintam seguros e tenham condições de assumir o papel de

administradores de “horas da verdade”.

Se seus funcionários não estiverem convencidos da qualidade do serviço proporcionado

por sua organização na importância de seus papéis na prestação de serviços, então eles

nunca serão capazes de convencer seus clientes (ALBRECHT, 2003, p. 123).

É importante lembrar que os funcionários são clientes internos e também precisam ter

suas necessidades satisfeitas, pois, “quando as pessoas sofrem, qualquer que seja o motivo,

encontram dificuldades para se entusiasmar com qualquer coisa, muito menos por algo tão

abstrato e tênue como „serviço excelente‟” (ALBRECHT, 2003, p. 67).

Liderança: esse é um aspecto muito importante. A gerência deve se transformar em

liderança. Em vez de simplesmente controlar o desempenho dos funcionários, deve lhes dar

suporte, para que possam desempenhar, adequadamente, a função de administradores das

H.D.Vs. Os líderes devem se mostrar engajados no projeto e ser referência ao pessoal da linha de

frente.

Organização: a organização é simbolizada por uma pirâmide de cabeça para baixo. Na

parte mais alta e mais larga da pirâmide, estão os clientes; na segunda parte, vem o pessoal de

frente, que deve satisfazer às necessidades dos clientes; em seguida, na parte menor e inferior,

vem a liderança, responsável pelo suporte ao pessoal de frente.

De acordo com Barros (1999), estes são os principais princípios dos serviços:

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23

1. Seja um exemplo de Qualidade. O exemplo deve vir de cima.

2. Avalie constantemente o atendimento das necessidades básicas. Recomenda-se

manter um relacionamento próximo com os funcionários, demonstrando interesse.

3. Incentive para que os funcionários criem. Desafie-os.

4. Agregue conhecimento sistematicamente. Faça rodízios, avaliações, estabeleça um

calendário de treinamentos.

5. Reconheça e incentive os talentos.

6. Promova uma comunicação eficaz.

7. Demonstre comprometimento.

8. Fomente a melhoria contínua.

9. Mobilize todos sem exceção.

2 METODOLOGIA DA PESQUISA

Pesquisar é o ato de realizar atividade que contribua para o entendimento de um

fenômeno. Toda pesquisa deve apresentar a sua metodologia. Nesse sentido, “metodologia” é

técnica de pesquisa e geração de conhecimento. De acordo com Prodanov e Freitas (2009, p. 20),

a palavra tem origem grega “„meta’=ao largo; „odos’=caminho; „logos’=discurso, estudo”. E

método pode ser definido como o caminho seguido para se atingir a meta.

Método de pesquisa é definido como um conjunto de atividades sistemáticas e racionais

que orientam a geração de conhecimentos válidos, indicando um caminho a ser seguido

(LAKATOS; MARCONI, 1991).

Em relação ao método, Prodanov e Freitas salientam (2009, p. 35):

Por método podemos entender o caminho, a forma, o modo de pensamento. É o conjunto

de processos ou operações mentais empregados na pesquisa. [...] Esses métodos

esclarecem procedimentos lógicos que deverão ser seguidos no processo de investigação

científica dos fatos da natureza e da sociedade.

Os métodos são classificados de acordo com os diferentes tipos de pesquisa. Um

processo de classificação usual é o que divide a pesquisa entre básica (também chamada de

pesquisa pura) e aplicada. A primeira tem como objetivo principal gerar conhecimento novo e útil

para o avanço da ciência e, a priori, não tem pretensão de aplicação prática. Já a pesquisa

aplicada objetiva gerar conhecimento para aplicações práticas e objetivos específicos.

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24

Outro critério de classificação utilizado é quando à abordagem, que pode ser qualitativa

ou quantitativa. A pesquisa qualitativa ocorre quando os dados são analisados indutivamente e há

um processo de interpretação dos fenômenos estudados. Para Sellitto (2007), a pesquisa

qualitativa é aquela que opera dados resultantes de julgamentos e opiniões de especialistas no

objeto em estudo. Não são utilizados dados estatísticos como o foco da análise do problema. Já a

pesquisa quantitativa é decorrente de estudos estatísticos que visam à quantificação do objeto de

estudo, sendo que seus dados estatísticos são originados de cálculos e medições. Para Prodanov e

Freitas, esse tipo de pesquisa “considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir

em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las” (2009, p. 80).

As pesquisas também podem ser classificadas quanto ao seu objetivo. Um deles pode ser

a pesquisa explicativa; outro é a descritiva, isto é, objetiva-se descrever as características de uma

determinada população ou fenômeno. Visa a responder perguntas do tipo “o que é?”. E há a

prescritiva, a qual se propõe a apresentar soluções para uma situação específica e responde a

questões do tipo “o que pode ser feito?” ou “como pode ser feito?”

Nessa perspectiva, este estudo, do ponto de vista da natureza, é uma pesquisa aplicada, a

qual, conforme a definição de Prodanov e Freitas, “objetiva gerar conhecimentos para aplicação

prática dirigidos à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses locais” (2009,

p. 62). Ou seja, a ideia é produzir conhecimentos que se destinem à efetiva aplicação dos

conceitos de qualidade aos serviços.

Quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, a qual, conforme Prodanov

e Freitas (2009), “assume, em geral, as formas de pesquisa bibliográfica e estudos de caso” (p.

63). Trata-se, assim, de uma pesquisa que, a princípio, faz uma revisão bibliográfica acerca do

tema proposto e, ainda, um estudo de caso na empresa CarHouse. A revisão bibliográfica objetiva

reunir o máximo de informações para um efetivo embasamento teórico, com busca em livros,

reportagens, revistas, artigos e sites que tratem do tema ora em análise. O estudo de caso consiste

em coletar e analisar informações variadas sobre um indivíduo ou empresa, com objetivo de

aprofundar-se num determinado assunto, seguindo os seguintes aspectos: severidade, objetivação,

originalidade e coerência (PRODANOV; FREITAS, 2009). Nesta pesquisa, o estudo de caso

também foi feito por meio de entrevista não estruturada, contatos por e-mail, análise dos

documentos da empresa etc. Nesse sentido, “entendemos por documento qualquer registro que

possa ser usado como fonte de informação [...]” (PRODANOV; FREITAS, 2009, p. 70). Os

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25

dados obtidos através da entrevista serão analisados, buscando-se construir um texto que

evidencie as percepções do entrevistado, de forma a verificar como está sendo desenvolvido o

processo na empresa, permitindo confrontá-lo com os referenciais estudados.

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa. Esta não requer o uso de métodos

e técnicas estatísticas, “o ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é

o instrumento-chave” (PRODANOV; FREITAS, 2009, p. 81). Ainda nessa perspectiva, vale

lembrar as lições de Freitas e Prodanov, quando dizem: “A interpretação dos fenômenos e a

atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. [...] Tal pesquisa é

descritiva. [...] O processo e seu significado são os focos principais da abordagem” (2009, p. 81).

Objetiva entender, descobrir e generalizar, podendo ser feita com uma amostra pequena

(PRODANOV; FREITAS, 2009), como é a situação proposta para este estudo.

3 ESTUDO DE CASO NA EMPRESA CARHOUSE

Com o objetivo de descrever uma aplicação prática mais próxima possível do

embasamento teórico, buscou-se realizar o estudo de caso em uma concessionária da própria

Toyota. Essa oportunidade permitiu descrever a adaptação dos conceitos da Qualidade pela

Toyota através dos seus programas, TSW (Toyota Sales Way) e TSM (Toyota Service

Management).

3.1 DESCRIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO

O estudo foi realizado na Matriz da CarHouse, em Porto Alegre, uma das 132

concessionárias da Toyota no Brasil. A CarHouse foi fundada em 1992, com apenas 20

funcionários. Atualmente, conta com 450 funcionários distribuídos em cinco unidades: em Novo

Hamburgo, Passo Fundo e Santa Maria, além da Matriz e da unidade Praia de Belas, em Porto

Alegre.

Em 2002, a Matriz da CarHouse obteve pela primeira vez o certificado TSM,

posteriormente, em 2007, as demais unidades também certificaram-se nos sistemas de qualidade,

TSM e TSW, tendo a marca homologada junto à Toyota. Em março de 2008, a empresa obteve o

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26

certificado de qualidade ambiental ISO 14001. Nesse mesmo ano, recebeu o prêmio de destaque

ambiental de Porto Alegre, concedido pela SEMAM, e o prêmio de reconhecimento “Distribuidor

Padrão A” da Toyota do Brasil.

Abaixo, observam-se as diretrizes da CarHouse.

Visão: “Ser o melhor e mais bem sucedido grupo empresarial do setor de distribuição de

veículos automotores da América Latina”.

Missão: “Comercializar veículos e serviços que superem as necessidades de mobilidade

dos clientes, agregando valor aos acionistas e respeitando a sociedade e o meio-ambiente”.

VALORES CARHOUSE OBSERVAÇÕES

1. O cliente é nossa razão de ser. Foco no Cliente (consumidor)

2. Comprometimento com resultados. Comprometimento (cliente acionista)

3. Espírito de Equipe. Remover Barreiras – Sinergia

4. Desenvolvimento de nossos colaboradores. Liderança – Treinamento – (cliente interno)

5. Melhoria Contínua nos processos. Kaizen

6. Respeito aos parceiros e fornecedores. Cadeia de Valor – (cliente fornecedor)

7. Respeito ao meio ambiente e à qualidade de vida. Sustentabilidade – (cliente sociedade)

Quadro 1: Comparação dos valores da CarHouse com o embasamento teórico.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Aqui, já se podem observar os primeiros sinais dos conceitos da Qualidade. Observa-se

claramente a preocupação da organização com todos os tipos de clientes e com a melhoria

contínua. A visão de futuro é desafiadora e pressupõe planejamento de longo prazo, semelhante à

da Toyota. Também se verifica, claramente, o foco direcionado ao cliente consumidor.

Outro fator que reforça sua responsabilidade social e planejamento de longo prazo é a

preocupação com o crescimento sustentável e a qualidade de vida. Em 2008, quando a CarHouse

obteve a certificação da ISO 14001, esta não era uma exigência da Toyota. Entre as melhorias

obtidas, destacam-se:

o uso da água da chuva em todas as lavagens, com economia de 120 mil litros por mês;

o uso de gerador de energia no horário de pico, com economia de 18% no consumo;

reciclagem de 60% de todos os resíduos.

De acordo com o responsável ambiental da organização, o processo de implantação

levou um ano e meio. A principal dificuldade foi implementar uma verificação sistemática do

atendimento das legislações municipal, estadual e federal. Ele descreve alguns detalhes, como o

sistema de descarte de óleo, que é coletado por dutos em cada posto de trabalho e transportado

diretamente ao local de reciclagem, evitando qualquer tipo de contado com o meio ambiente. A

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27

água usada nos postos de lavagem também é diretamente direcionada ao sistema de tratamento.

Além disso, o sistema de coleta da água da chuva pode ter a capacidade dobrada no caso de

necessidades futuras.

3.2 DESCRIÇÃO DA ABRANGÊNCIA DO ESTUDO

O principal ponto de estudo foi o sistema de atendimento dos serviços de pós-vendas,

por ser neste que se concentra a maior parte dos conceitos abordados, representando um dos

grandes diferenciais que caracterizam o atendimento da CarHouse e a própria Toyota,

conferindo-lhes identidade reconhecida pelos clientes consumidores e pela sociedade em geral.

Contudo, como se observou anteriormente, na abordagem da Qualidade, a orientação é por

processos, portanto, focou-se na descrição dos processos e, consequentemente, no inter-

relacionamento entre os setores envolvidos.

A aplicação dos conceitos estudados acontece através do TSW - Toyota Sales Way

(Qualidade Toyota em Atendimento) e do TSM - Toyota Service Management (Gerenciamento

de Serviço Toyota). A implantação desses sistemas é pré-requisito para a homologação da marca

Toyota junto às concessionárias. A Toyota realiza auditorias de dois em dois anos nas unidades

para renovação do certificado. Para tanto, essas devem atender a 100% dos requisitos, a fim de

manter a certificação.

De acordo com o representante da CarHouse, em síntese, esses sistemas têm como

principal objetivo “estabelecer padrões superiores de atendimento da equipe de vendas e pós-

vendas da rede de distribuidores Toyota, em todos os momentos de contato com os clientes,

buscando proporcionar-lhe a melhor experiência durante todos os processos”.

Observa-se a presença dos conceitos de “Horas da Verdade”. Nota-se que as definições

apresentadas referem-se à de melhoria dos “meios” (processos), não mencionando nada sobre os

“fins” (resultados), pressupondo entendimento do conceito de causa e efeito. Essa análise é

complementada pelo principal indicador desses sistemas, o ISC, índice de satisfação do cliente.

Retomando-se a definição de índice como medida dos efeitos e não como meta numérica,

percebe-se, claramente, que o objetivo é a satisfação do cliente. Para melhor compreensão, faz-se

necessária a observação da estrutura do TSW e do TSM, brevemente abordadas a seguir.

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28

O TSW abrange questões referentes aos processos de vendas e marketing a partir de três

pilares descritos conforme seguem.

PVT (Processo de Vendas Toyota): esse pilar descreve as melhores práticas para o

processo de vendas, como etapas, procedimentos e padrões. Em resumo: atender prontamente no

tempo estabelecido; estabelecer um clima de confiança; em seguida, captar a real necessidade do

cliente e conduzi-lo a um test drive no veículo apropriado e na rota predefinida. Portanto, esse é

um exemplo em que o conceito de lead time deve ser adaptado, pois a satisfação aumenta junto

com o lead time. Eventualmente, encontram-se situações em que a meta é atender o cliente no

menor tempo possível, evitar o test drive e oferecer-lhe o produto mais caro. Então, os esforços

são na redução do tempo de espera e entrega, enquanto o tempo de atendimento deve ser

adequado às necessidades de cliente. Ou seja, o produto certo no tempo certo.

ISC (Índice de Satisfação dos Clientes): esse índice determina a qualidade do

atendimento do ponto de vista do cliente, através de pesquisas regulares realizadas pela própria

Toyota. De acordo com o entrevistado, “A análise do resultado da pesquisa possibilita a

elaboração de Planos de Ação, reforçando a cultura de Melhoria Contínua (Kaizen)”. Atualmente,

a matriz da CarHouse está na 32ª posição entre as 132 concessionárias Toyota do Brasil. Vale

destacar que a 6ª posição é ocupada pela filial de Novo Hamburgo.

SVT (Sistema de Vendas Toyota): sistema apoiado pelo Software de Gestão que permite

a concentração e o gerenciamento das informações dos clientes. Nesse sentido, o entrevistado

relata as dificuldades superadas: “Quando implantamos o STV, a principal dificuldade enfrentada

foi com a troca de sistema, pois tivemos alguns contratempos até ensinar toda a equipe como

proceder com os registros”. E prossegue: “O TSW impactou significativamente em duas frentes

fundamentais para a Concessionária: o primeiro e mais imediato é a evolução da satisfação dos

clientes, que percebem uma "identidade" no atendimento da CarHouse; segundo, com o

complemento do TSW avançado, enriquecemos o planejamento das vendas e das ações de

marketing, com base em sólidas informações sobre as variáveis externas que atingem o nosso

negócio”.

O TSM abrange as questões referentes aos processos de pós-vendas a partir de cinco

pilares:

1. Estrutura: é definida no manual de instalações fornecido pela Toyota. Esse manual

define como deve ser a fachada, as dimensões e as quantidades das vagas, demarcações e

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29

dimensões em geral, o padrão da área de recepção, os padrões de sanitários e todos os padrões

técnicos relacionados à mecânica, entre outras especificações.

2. Operação: descreve os procedimentos referentes aos processos do setor de

mecânica. Observa-se que cada concessionária deve ter, no mínimo, um técnico “Nível Master”,

com certificado TSA21-TSM, emitido pela Toyota. Para atingir o nível master, o técnico precisa

passar por 20 treinamentos. Esse processo leva cinco anos e custa, aproximadamente, cem mil

reais.

3. Recursos Humanos: esse abrange, principalmente, a Matriz de responsabilidade,

que define requisitos e responsabilidades de cada função, bem como o plano de qualificação e

liderança. Atualmente, a CarHouse conta com nove consultores técnicos, todos certificados. Cada

unidade também deve ter um responsável ambiental certificado. As qualificações são realizadas

pela própria Toyota num centro de treinamento em São Paulo.

4. Peças: descreve os padrões de estocagem, logística e abastecimento.

5. Procedimentos: descreve os métodos e os procedimentos do atendimento dos

serviços de pós-vendas e de utilização do painel visual. Esse é o principal ponto de semelhança

com as práticas do Sistema Toyota de Produção, pois é justamente nele que se estabelece o inter-

relacionamento entre o fluxo dos processos dos outros pilares. Normalmente, é exatamente nesse

ponto que acontecem as principais “Horas críticas da Verdade”. Muitas vezes, um cliente pode

estar plenamente satisfeito com a compra do produto e, na hora de uma revisão, ele se sente

desamparado ou inseguro. Muitas dessas situações acontecem justamente em momentos

importantes da vida do cliente, como a revisão para uma viagem que passou muito tempo

planejando. Os relatos de situações desagradáveis nesses momentos são cotidianos e de

conhecimento comum. Descrita a relevância desse contexto, observa-se como a adaptação do

controle visual pode colaborar para a satisfação do cliente.

A parte principal desse sistema é um quadro que demonstra a sua capacidade disponível,

representada em forma de matriz muito semelhante a uma agenda de atividades do dia. As

colunas representam as horas disponíveis no dia e cada coluna, um técnico disponível. À medida

que os clientes ligam a para agendar revisões, o quadro vai sendo preenchido com “chips”

semelhantes a imãs de geladeira, conforme a carga horária necessária para cada tipo de

atendimento. Isso evita que sejam agendados mais serviços do que a capacidade disponível,

eliminado a “sobrecarga” e as perdas do tipo “espera”. Automaticamente, o fluxo é nivelado.

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30

Observa-se que o conhecimento da capacidade disponível de cada técnico, dos padrões e tempos

de atendimentos do processo é indispensável para o sucesso desse sistema. A experiência

acumulada nos atendimentos mostra que é necessário reservar 20% da capacidade de atendimento

para clientes “passantes” (aqueles que aparecem sem marcar hora).

A segunda etapa desse processo é acionada (“puxada”) pela primeira. A atendente

realiza duas ações: primeiro, verifica a necessidade e a disponibilidades de peças indispensáveis

para operação, se for preciso, solicita reposição ao setor de peças, pelo computador, e coloca a

ordem “kanban” no quadro “Aguardando Peças”; segundo, imprime as ordens de serviço

“kanban” com todas as informações referentes ao serviço e coloca no segundo quadro

“Aguardando Serviço”, para informar o consultor. Quando o responsável tiver realizado todos os

procedimentos pertinentes, sinaliza com o “kanban” de recebimento que as peças estão

disponíveis. Dessa forma, evita-se a “dessincronização” entre os processos.

Os outros controles visuais são diretamente relacionados com o quadro principal,

representando cada etapa do fluxo e sendo acionados respectivamente, como o sistema descrito

anteriormente. O quadro “Aguardando Trabalho” indica os serviços que estão na fila da

mecânica. O quadro “Aguardando Inspeção” indica os serviços que estão prontos. Observa-se

que todos os carros são revisados pelo consultor, para verificar se todos os procedimentos foram

realizados adequadamente. Em seguida, os “kanban’s” referentes aos serviços aprovados na

inspeção são repassados para o quadro “Aguardando Lavagem” e, finalmente, é acionada a última

etapa “Aguardando Entrega”, em que todo o procedimento realizado no veículo é descrito ao

cliente. Existe ainda outro quadro “Aguardando Serviço”, que indica os serviços agendados para

as próximas três semanas, ele não é detalhado, mas serve para a previsão de demanda.

A perfeita sincronização desse sistema, combinada com a qualificação técnica e os

procedimentos do setor de mecânica, permitiu reduzir o lead time para um quarto do tempo

médio de atendimento praticado no mercado.

A seguir, ao se proceder às considerações finais, apresentam-se mais algumas

conclusões advindas da realização deste estudo de caso, bem como são apresentadas algumas

sugestões de melhorias.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início deste artigo, estabeleceram-se os seguintes objetivos: descrever a adaptação do

Modelo Toyota aos serviços através do estudo de caso da concessionária CarHouse; descrever os

conceitos aplicados e os métodos de aplicação; evidenciar os efeitos desses conceitos na

satisfação dos clientes; e reunir relatos sobre fatores qualitativos, a fim de fazer uma articulação

teórico-prática com os conceitos estudados ao longo do curso de graduação.

Para tanto, buscou-se sustentação teórica em vários autores. No entanto a principal

referência foi a abordagem de Edward Deming, a partir dos seus 14 princípios, que, de acordo

com Campos (2004), deram origem ao TQC - Controle da Qualidade Total - praticado no Japão e

no Brasil. Buscou-se ainda descrever a prática do TQC pela montadora Toyota e alguns conceitos

específicos da Administração de Serviços.

Todavia algumas dificuldades limitaram a abrangência deste trabalho. Uma dessas

dificuldades foi conseguir autorização de uma organização adequada aos objetivos do trabalho. A

disponibilidade da CarHouse oportunizou uma ótima combinação entre a teoria relacionada à

Toyota e a prática, através do TSM e do TSW, no entanto a limitação de tempo não permitiu uma

análise aprofundada.

Considerando-se o contexto citado, concluiu-se que, apesar de os conceitos da Qualidade

terem fundamento num ambiente industrial de grandes organizações e em condições históricas

relevantes, menciona-se, frequentemente, a abrangência dos serviços. Portanto, não há dúvidas de

que tais conceitos podem ser aplicados a qualquer tipo de organização com as devidas

adaptações. Também ficou evidente que o Modelo Toyota está fundamentado nos conceitos do

TQC e que o sucesso de seu sistema de produção depende de tais conceitos. Assim, não é

possível replicar o Sistema Toyota de Produção sem o entendimento e aplicação dos conceitos.

Esse fato é reforçado, também, em obras consultadas, embora talvez não tenha ficado bem

explícito neste trabalho devido às limitações já mencionadas.

Quanto ao estudo de caso, constatou-se perfeitamente o relacionamento da teoria

contemplada pelo Curso de Formação Específica em Gestão da Produção. O alinhamento entre o

TQC, o Modelo Toyota e as diretrizes da CarHouse é evidente, embora não seja possível afirmar

a prática de todos os aspectos devido à natureza deste trabalho. Contudo é indiscutível a redução

dos impactos ambientais e o forte investimento na qualificação do pessoal. Embora as

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32

informações relacionadas a indicadores tenham sido restritas devido à sua confidencialidade, a

32ª posição da unidade pesquisada entre as 132 unidades da Toyota no Brasil é suficiente para

constatar um altíssimo nível de satisfação. Fato esse, reforçado pela sexta posição da unidade de

Novo Hamburgo.

Quanto aos métodos de aplicação dos conceitos, trata-se dos próprios pilares do TSW e

do TSM. Talvez a comparação desses com o STP, para efeito de exemplo de adaptação, seja

considerada insatisfatória, no entanto, por tratar-se de programas desenvolvidos e auditados pela

própria Toyota, considerou-se como satisfatória.

Ainda é pertinente trazer constatações sobre a cultura da Qualidade, ponto que não foi

possível analisar consistentemente, devido às limitações de tempo dentro da organização, visto

que cultura é algo do dia-a-dia. Porém percebeu-se o ciclo PDCA implícito nas ações da

organização, também se verificou a presença de equipes Kaizen de melhoria contínua, no entanto

não foi possível verificar a intensidade de suas ações nem melhorias específicas decorrentes da

atuação desses grupos. Essa perspectiva pressupõe que o fato de o TSM e o TSW terem um status

de requisito e serem desenvolvidos fora da organização dificulta o desenvolvimento da cultura

organizacional genuína da CarHouse.

Assim, seguindo a metodologia do estudo de caso, que, por natureza, prevê sugestões de

melhoria, resta comentar os aspectos relacionados à cultura organizacional, que tende a ser o

ponto de maior dificuldade na manutenção de um Sistema de Gestão da Qualidade consistente.

Portanto, sugerem-se iniciativas como adesão ao Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade

como complemento à cultura da organização, semelhantemente à combinação do TQC com o

Modelo Toyota. Essa iniciativa pode dar um toque regional, além de ajudar a fomentar o

movimento no Rio Grande do Sul. Sugere-se, ainda, a participação em congressos e concursos de

CCQs anualmente realizados pela AGQ, Associação Gaúcha de Qualidade e Produtividade.

Finalmente, sugere-se que novas pesquisas sejam feitas acerca do tema, pois ainda se

trata de uma área que carece de pesquisas aprofundadas, embora os serviços sejam de extrema

relevância e integrem o cotidiano de boa parte das empresas. No cenário de extrema competição

em que se vive, a qualidade dos serviços pode e deve ser o grande diferencial, mas, para isso, há

um longo percurso a ser trilhado, que não se faz com base em improvisações, mas que requer,

sim, um olhar direcionado e devidamente embasado em pressupostos teóricos e experiências bem

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33

sucedidas. Nesse sentido, espera-se que esta pesquisa possa contribuir, integrando-se ao rol dos

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