Gestão de bens públicos

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GESTÃO DE BENS PÚBLICOSPublic Property Management

Revista dos Tribunais | vol. 971/2016 | p. 119 - 141 | Set / 2016DTR\2016\23076

André Luiz dos Santos NakamuraMestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).Especialista Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado(ESPGE). Doutorando em Direito Político e Econômico na Universidade PresbiterianaMackenzie (UPM). Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Universidade Paulista(UNIP). Procurador do Estado de São Paulo. [email protected]

Katieli Justimiano NakamuraAcadêmica no curso de Direito da Universidade Paulista (UNIP)[email protected]

Área do Direito: Civil; AdministrativoResumo: O presente artigo pretende estabelecer uma disciplina da gestão dos benspúblicos. Trata-se de assunto pouco explorado de forma completa pela doutrina e quemerece uma análise, em razão das dificuldades práticas que suscita. Será objeto desteestudo a teoria geral dos bens públicos. Após, iremos tratar das formas como pode sedar a alienação dos bens públicos. Por fim, será objeto deste estudo a gestão imobiliáriado bem público, em especial o uso por terceiros, onde percorreremos os diversosinstitutos jurídicos que tratam do uso privativo do bem público por terceiros.

Palavras-chave: Bens públicos - Alienação - Uso privativoAbstract: This article aims to establish a discipline of management of public property. Itis underexplored subject comprehensively by the doctrine that deserves an analysis,because of the practical difficulties it raises. It will be the object of this study the generaltheory of public property. After, we will deal with the ways you can give the disposal ofpublic assets. Finally, this study will be subject to property management of the publicproperty, in particular the use by third parties where we will visit the various legalinstitutions that deal with the private use of public property by third parties.

Keywords: Public property - Alienation - Private useSumário:

Introdução - 1– Noções gerais sobre bens públicos - 2– Classificação dos bens públicos -3– Titularidade dos bens públicos - 4– Características dos bens públicos - 5– A águacomo um bem público - 6– Alienação dos bens públicos - 7 – Uso dos bens públicos - 8–Uso de bens públicos por entidades religiosas - 9Conclusões - 10Bibliografia

A gestão dos bens públicos não tem merecido uma análise abrangente e sistemática. Adisciplina da propriedade pública é marcada pela multiplicidade de instrumentosnormativos. Necessária, assim, uma análise sistemática e conjunta da forma como se dáa gestão do patrimônio público, que possa servir de ferramenta para o administradorpúblico e para o operador do direito.

Para tanto, sem a pretensão de esgotar o assunto, surgiu a necessidade da elaboraçãodo presente trabalho. Tentamos, de forma sistemática, analisar a atual disciplina jurídicado patrimônio público. Para tanto, analisamos os diversos instrumentos existentes quepermitem a alienação, bem como o uso privativo dos bens públicos.

Não nos furtamos de enfrentar as questões polêmicas que existem sobre a gestão dopatrimônio estatal. Para tanto, abordamos a possibilidade de uso de bens públicos por

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entidades religiosas e a concessão real de uso para fins de moradia, dentre outrosassuntos. Esperamos que o presente texto contribua para o aprofundamento doconhecimento da gestão dos bens públicos.1 – Noções gerais sobre bens públicos

São considerados bens públicos os bens destinados ao uso direto do Poder Público bemcomo os bens destinados à utilização direta ou indireta da coletividade. A condição debem público independe de registro formal de propriedade em nome do ente estatal.Conforme lição da doutrina,1 “os bens particulares quando afetados a uma atividadepública (enquanto o estiverem) ficam submissos ao mesmo regime da propriedadepública. Logo, têm que estar incluídos no conceito de bem público”. Assim, mesmo umbem que formalmente esteja registrado como propriedade particular é um bem público,caso esteja sendo utilizada para alguma finalidade pública.

Os bens públicos são os de titularidade dos entes com personalidade jurídica de direitopúblico, como Autarquias, Agências Executivas, Agências Reguladoras e FundaçõesPúblicas. Órgãos não podem ser proprietários de bens públicos; assim, os Tribunais,Tribunais de Contas, e Ministérios Públicos não podem ser titulares de bens públicos,devendo ser a pessoa jurídica de direito público à qual estão inseridos, como a União,Estados ou Municípios.

Os bens de pessoas da Administração Indireta com natureza privada (empresas públicas,sociedades de economia mista) não são bens públicos, sendo privados, com exceção dasFlorestas Públicas (Lei 11.284/2006) que podem existir em área de propriedades dosentes da Administração Indireta.

Todos os bens podem ser apropriados pelo Estado. Trata-se da teoria do domínioeminente que informa a existência de um poder político que permite ao Estado submeterà sua vontade todos os bens situados em seu território. O poder eminente não significa apropriedade do Estado sobre todos os bens, significa, apenas, disponibilidade potencialem razão do poder soberano.

Segundo a disciplina legal dos bem públicos constante do Código Civil (LGL\2002\400),art. 98, são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas dedireito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a quepertencerem.2 – Classificação dos bens públicos

Bens de uso comum do povo são os que se destinam ao uso geral da coletividade, taiscomo rios, mares, estradas, ruas e praças. Não existe a propriedade pelo ente público,existe a administração do bem. O critério para – o critério é a destinação pública. Nessesentido é a lição da doutrina:2

Os bens de uso comum do povo pertencem ao domínio eminente do Estado (lato sensu),que submete todas as coisas de seu território à sua vontade, como uma dasmanifestações de soberania interna, mas seu titular é o povo. Não constitui um direitode propriedade ou domínio patrimonial de que o Estado possa dispor, segundo asnormas de direito civil. O Estado é gestor desses bens e, assim, tem o dever de suasuperintendência, vigilância, tutela e fiscalização para assegurar sua utilização comum.

Os bens de uso especial são bens utilizados pela Administração Pública para suasfinalidades, ou seja, estão afetados a uma finalidade pública. Podem ser de qualquerpessoa de direito público. Também se enquadram nessa categoria os bens utilizadospelos particulares em virtude de delegação, bem como os bens dos concessionários deserviços públicos que serão revertidos ao patrimônio do poder concedente. Por fim, osbens das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviçospúblicos, por estarem afetados a uma utilidade pública, também são bens públicos deuso especial.

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Os bens dominicais constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público,como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Abrangem todosos demais bens públicos que não são de uso do povo e nem de uso especial, ou seja, osbens de propriedade dos entes públicos sem uma destinação pública. Segundo oparágrafo único do art. 99 do CC, também são bens públicos os dominicais os benspertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura dedireito privado.

Segundo Silvio Luiz Ferreira da Rocha, os bens públicos também devem cumprir a suafunção social.3 Toda propriedade, inclusive a pública, deve cumprir a sua função social.Não é admissível que o Estado, cuja única razão de existir é a busca do interessepúblico, possa ter uma propriedade que não atenda a função social. O Estado, tal como oparticular, não pode ser um especulador imobiliário; não pode ter um patrimônioimobiliário sem que o mesmo tenha uma finalidade de proporcionar satisfação aointeresse coletivo; deve alienar, na forma da lei, o seu patrimônio imobiliário que nãotenha finalidade pública, sob pena de grave descumprimento do princípio constitucionalda eficiência administrativa.3 – Titularidade dos bens públicos

Quanto à titularidade, são bens da União, conforme art. 20 da CF (LGL\1988\3), alémdos que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos: i) – as terrasdevolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construçõesmilitares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;ii) – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou quebanhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam aterritório estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praiasfluviais; iii) as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praiasmarítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sedede Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambientalfederal; iv – os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômicaexclusiva; v) – o mar territorial; vii – os terrenos de marinha e seus acrescidos; viii – ospotenciais de energia hidráulica; ix – os recursos minerais, inclusive os do subsolo; x –as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; xi – asterras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

São bens dos Estados, conforme dispõe o art. 26 da CF (LGL\1988\3): i – as águassuperficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, nestecaso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; ii) – as áreas, nas ilhasoceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio daUnião, Municípios ou terceiros; iii – as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes àUnião; iv) – as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

São bens dos municípios as ruas, praças, jardins públicos, logradouros públicos,conforme dispõe a Lei 6.766/1979. As vias terrestres, como estradas e ruas, são bens deuso comum do povo, nos termos do art. 99, I, do CC. Um imóvel, após se tornar umaestrada, torna-se um bem público em razão da sua destinação, independentemente dapropriedade tabular que eventualmente constar do Cartório de Registro de Imóveis.Nesse sentido, é a lição de Hely Lopes Meirelles:4

Tais áreas ou são originariamente do Poder Público que as utiliza com a rodovia, ou lhesão transferidas por qualquer dos meios comuns de alienação (compra e venda, doação,permuta, desapropriação), ou são integradas no domínio público, excepcionalmente, porsimples destinação, que as torna irreivindicáveis por seus primitivos proprietários. Estatransferência por destinação opera-se pelo só fato da transformação da propriedadeprivada em via pública sem oportuna oposição do particular, independentemente, paratanto, de qualquer transcrição ou formalidade administrativa. Isto, todavia, não impedeque o particular despojado de suas terras obtenha a justa indenização do dano causadopelo Poder Público por essa desapropriação indireta.

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Arnaldo Rizzardo,5 em relação aos bens de uso comum do povo, esclarece que “atitularidade do domínio é da União, ou dos Estados, ou dos Municípios, ou do DistritoFederal, ou dos Territórios, conforme quem exerce o dever de vigilância, tutela efiscalização para o uso público”. Tal domínio decorre da soberania estatal. Dessa forma,a titularidade pública da estrada é atribuída pelo uso a que se destina (estradas públicas“quoad usum”), não somente pela titularidade do solo onde foi implantada. Entende JoséAfonso da Silva6 que:

As estradas públicas são, por princípio, construídas em solo público e pertencem àentidade que as tenha construído. O modo de aquisição dessas áreas é qualquer dosprevistos em direito para a aquisição da propriedade, com particularidades decorrentesdo regime de direito público a que está sujeita.

A finalidade do registro de imóveis é constituir e dar publicidade às propriedadesparticulares. Para o Estado, como o domínio decorre de seu poder soberano e apublicidade é cumprida, no caso dos bens de uso comum, pela notoriedade do uso dobem, dispensável o registro para a constituição da propriedade. Nesse sentido:

Os bens públicos integram o patrimônio da União, dos Estados e dos Municípios. Odomínio público é uma das formas de exercício da soberania, nem confundível com apropriedade, nem a ela equiparável. Por isso não é sujeito ao registro imobiliário,destinado às modificações dos direitos reais sobre imóveis.7

Existem estradas e rodovias que podem ainda não ter um registro imobiliárioregularizado, com matrícula individual. Da mesma forma, podem existir estradas que,por não terem ainda sido concluídas as ações expropriatórias, ainda estejam com asáreas registradas em nome de particulares. Por fim, pode, inclusive, haver estradas ondeapesar da afetação consolidada, não existam quaisquer títulos em nome do Estado.Entretanto, mesmo nessas situações, as estradas são bens públicos.

A condição de bem público de uso comum do povo independe da formalidade doregistro. O determinante para a configuração de um bem como público é a sua afetaçãoa uma finalidade pública. Tal conclusão decorre do ordenamento jurídico que prevê aimpossibilidade de reivindicação de bem afetado ao patrimônio público.8 Assim, o bemafetado a uma finalidade pública é um bem público, independentemente de quem constedo registro imobiliário como titular do domínio:

Modernamente, considera-se que não é o título de aquisição civil, nem o registroimobiliário que conferem ao bem o caráter público. É a destinação administrativa,possibilitando o uso comum de todos, que afeta o bem de dominialidade pública.9

4 – Características dos bens públicos

Os bens públicos são impenhoráveis. O fundamento da impenhorabilidade dos benspúblicos é o art. 100 da CF (LGL\1988\3). A execução contra a Fazenda Pública não sefaz da mesma forma que se processa perante os credores comuns, devendo seguir adisciplina constante do art. 910 do CPC (LGL\2015\1656). A finalidade daimpenhorabilidade é proteger o patrimônio público, e, consequentemente, o princípio dacontinuidade dos serviços públicos. Decorre a impenhorabilidade a não onerabilidade, ouseja, não é possível que o bem público seja dado em garantia de dívidas.

A imprescritibilidade é uma característica dos bens públicos. Os bens públicos nãopodem ser adquiridos por usucapião, conforme disciplina dos arts. 183, § 3.º e 191 daCF (LGL\1988\3) e art. 102 do CC. Assim, entendo que padece do vício deinconstitucionalidade o art. 60 da Lei 11.977/2009 que previu a conversão dalegitimação de posse em propriedade em bens públicos.5 – A água como um bem público

Reza a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 8.º: “(...) incluem-se entre

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os bens do Estado os terrenos reservados às margens dos rios e lagos de seu domínio”.

A Lei 9.433/1997, regulamentando o inc. XIX do art. 21 da CF (LGL\1988\3) passou aconsiderar a água um bem de domínio público, recurso natural e limitado, dotado devalor econômico. Dessa forma, toda água, é de domínio público.

A Constituição Federal, em seu art. 20 III estatui que são bens da União os lagos, rios equaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de umEstado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro oudele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. Por sua vez o art.26, I, da Magna Carta estatui que incluem-se entre os bens dos Estados as águassuperficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito.

Das disposições legais acima, percebe-se que as margens dos rios pertencem ao seurespectivo titular, sendo, assim, terras públicas, independentemente de qualquer critériode navegabilidade. Assim, não foi recepcionado pela Constituição Federal o critério denavegabilidade que determinava se um curso de água seria público ou particular,constante do art. 2.º do Dec. 24.643/1934 (Código de Águas). Sobre o assunto assimmanifestou-se a doutrina:10

Os rios públicos, na partilha constitucional, desde 1946, ficaram repartidos entre a Uniãoe os Estados-membros, sem se atribuir qualquer domínio fluvial ou lacustre aosmunicípios, o que já importava derrogação do art. 29 do Código de Águas, que osdistribuía entre as três entidades estatais. Outra observação que se impõe é a de que nadistribuição das águas internas foi abandonado o critério tradicional da navegabilidadeou flutuabilidade, só se levando em conta a condição territorial das correntes e lagos. Noatual sistema constitucional os rios e lagos público ou pertencem à União ou aosEstados-membros, conforme o território que cubram.6 – Alienação dos bens públicos

Os bens públicos não são inalienáveis. Os bens públicos são alienáveis, porém, medianterequisitos especiais, em razão do interesse público que representam. Conforme previsãodo art. 100 do CC, os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial sãoinalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Para a alienação de um bem público, primeiramente, faz-se necessária a suadesafetação. Os bens públicos, quando aplicados a uma finalidade pública, estãoafetados. A desafetação é a cessação do uso do bem público em uma finalidade pública.Em razão da desafetação, o bem passa da categoria de bem público de uso comum oude uso especial para a categoria de bem dominical. A afetação e desafetação é um fatoadministrativo, ou seja, ocorre sem a necessidade de um ato formal declarando oocorrido e pode se dar mediante um ato formal, proveniente do Chefe do PoderExecutivo ou mediante um fato administrativo, ou seja, o fim do uso do bem para afinalidade pública a que se destinava, como, por exemplo, o fechamento de umestabelecimento de ensino que foi transferido a outro imóvel.

Decorre do acima exposto que os bens de uso comum do povo e de uso especial sãoinalienáveis. Se houver desafetação, podem ser alienados, mediante autorização legal.Todos os bens dominicais podem ser alienados mediante autorização legislativa, salvo aprevisão do art. 225, § 5.º, da CF (LGL\1988\3).

A atual disciplina legislativa da alienação dos bens públicos é prevista dos arts. 17 a 19da Lei 8.666/1993. Alienação é toda a transferência da propriedade a terceiros. A Lei8.666/1993 estabelece regras gerais sobre a alienação de bens públicos, na forma doart. 22, XXVII, da CF (LGL\1988\3), competindo aos Estados e Municípios estabeleceremas regras específicas. A ADIn 927-3 declarou a inconstitucionalidade do art. 17, I, b e c e17, II, b, em relação a Estados e Municípios.

Em regra, a alienação de um bem público exige autorização legislativa, demonstração de

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interesse público motivado, avaliação prévia e licitação. Esta é dispensada apenas noscasos previstos no art. 17, I, e alíneas, quais sejam, dação em pagamento, doação,permuta, investidura (art. 17, § 3.º, e 23, II, a, da Lei 8.666/1993) e venda a outroórgão da administração.

A doação de bem público não se reveste da liberalidade que o contrato tem quando sedá perante particulares.11 Na doação de bem público, a liberalidade é funcionalizada emrazão do interesse público decorrente da alienação. Somente se torna justificável adoação de um bem público quando não existir outra forma de satisfazer o interessepúblico. A doação deve ser subsidiária, devendo a Administração dar preferência poroutras formas de cessão de uso que não impliquem em transferência de titularidade.Apenas justifica a doação de um bem público a existência de manifesto interesse públicoresultante da transferência gratuita da propriedade que ultrapasse, inclusive, avantagem patrimonial que seria obtida mediante a alienação onerosa do referido bem eaplicação do valor obtido em outras finalidades públicas.

A Administração não pode fazer doações puras. Somente é permitida a doação modal,com cláusula de reversão em caso de descumprimento da finalidade pública dada aobem doado.

O descumprimento do encargo de interesse público que justificou a doação não ocasionaa reversão automática da propriedade doada à Administração Pública doadora. Estadeve, no prazo máximo de 10 anos da ciência inequívoca do descumprimento doencargo, promover a reversão do bem, por meio de escritura pública de reversão ouação judicial. É possível a doação de um bem público a um particular ou pessoa jurídicade direito privado. Contudo, referida doação deve respeitar os princípios que regem aAdministração Pública, em especial, os da impessoalidade e moralidade.

A natureza da doação pode afastar a necessidade de licitação para escolha do donatáriodo bem público. Entretanto, sempre que houver possibilidade de competição, ou houvermais um interessado em receber o bem doado em razão da vantagem que pode advir dadoação, bem como se esta ocasionar escassez de mercado que interfere na atividade deoutros particulares, necessária a licitação. Se, no caso concreto, existir algumacircunstância ou fato que resulte em prejuízo à Administração decorrente da abertura deprocedimento licitatório ou qualquer outro interesse público relevante justificado, podeser feita a doação direta, sempre devendo a Administração agir de forma impessoal.7 – Uso dos bens públicos

Em regra, os bens devem ser usados pela pessoa jurídica de direito público ao qualpertence o bem. Particulares podem utilizar bens públicos; entretanto, deve haverinteresse público demonstrado que justifique esse uso. O uso normal do bem público nãoaltera a vocação normal do bem (exemplo: cadeiras e mesas de restaurante emcalçada). O uso anormal do bem público altera a vocação natural do bem (fechamentode uma rua para realização de uma feira livre).

O uso privativo de bem público consiste na outorga para uma pessoa utilizar um bempúblico de forma exclusiva, por prazo temporário.

Em regra, o uso privativo do bem público deve ser remunerado. Não se pode aceitar umuso privativo de bem público por entidade particular, sem que ocorra a necessáriacontrapartida pelo proveito econômico obtido. É a aplicação do princípio da igualdadenos ônus e benefícios decorrentes da ação do Estado. Se este beneficia alguém com umbem de sua propriedade, deve haver um pagamento que irá reverter em prol de todos.12

Também cumpre ressaltar que nos casos de outorga de uso de imóvel público, a licitaçãoé necessária quando há possibilidade de competição, como forma de evitar favoritismospor parte da Administração, conforme lição de Carvalho filho,13 “quanto à exigência delicitação, deve-se entender-se necessária sempre que for possível e houver mais de um

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interessado na utilização do bem, evitando-se favorecimentos ou preterições ilegítimas”.A Lei 8.666/1993, em seu art. 2.º, estabelece que as obras, serviços, inclusive depublicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da AdministraçãoPública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas delicitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. A contratação direta somente épossível nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação.14 Sempre que o uso dobem trouxer vantagens econômicas para a Administração ou para o particular, não setrata de ato administrativo e sim de ato negocial que deve ser realizado por meio de umprocedimento prévio de seleção objetivo do interessado, sob pena de ofensa ao princípioda impessoalidade:

Nos casos em que a Administração pode obter receita (ou, mesmo, vantagens indiretas– como a economia de recursos para a conservação do bem ou a respectivaimplementação de benefícios), conjugada com a viabilidade de competição entre osinteressados, instala-se o dever de promover a licitação para o uso do bem público...não mais se estará diante da clássica autorização unilateral via ato administrativo, mas,sim, de contrato administrativo a ser celebrado entre a Administração e oconcessionário/permissionário (ou, quando muito, de ato administrativo negocial).15

7.1 Autorização de uso

A autorização de uso16 é ato pelo qual a Administração permite, de modo precário, queparticular utilize bem público, para seu próprio interesse. O caráter precário do usoinforma que a Administração pode, a qualquer momento, reaver o imóvel do particular,não cabendo a este qualquer direito a continuar usando o bem público ou indenizaçãopela restituição. O ato é discricionário porque a autoridade administrativa pode decidirsobre a conveniência e oportunidade de autorizar o uso do bem público, bem comoacerca do momento que deve cessar o uso. É um ato unilateral, ou seja, não temnatureza contratual. Não depende de lei, devendo ser decidido pelo AdministradorPúblico. Por fim, não depende, em regra, de licitação porque se destina a um usotemporário e de curto prazo, não cabendo, em regra, competitividade; entretanto, se nocaso concreto, houver mais de um interessado em receber o bem público em autorizaçãode uso, deve haver licitação.

O instituto acima não se confunde com a autorização de uso urbanística, prevista naMedProv 2.220/2001, art. 9.º. Segundo este dispositivo legal, aquele que possuía imóvelpúblico em 30.06.2001, de até 250m², para uso comercial, poderá ser dada autorizaçãode uso; não é passível de revogação. Assim, referida autorização de uso tem naturezaestável e perene.7.2 Permissão de uso

Permissão de uso17 é o ato pelo qual a Administração consente que certa pessoa utilizeprivativamente bem público, atendendo a interesse público e privado. Difere daautorização de uso em razão da existência de uma finalidade pública. Trata-se, também,tal como a autorização de uso, de medida unilateral e precária. É um ato intuitopersonae, ou seja, é realizado em razão das qualidades do permitente, razão pela qualnão é possível a transferência da permissão de uso. Em regra, não há prazo; se houverprazo, haverá natureza contratual e será uma concessão de uso. A licitação pode sernecessária, se houver mais de um eventual interessado no uso do bem público.

Um critério que deve servir de distinção entre a autorização e a permissão de uso debem público deve ser o grau de transitoriedade entre ambas e o fato de que, quantomenos transitória for a utilização de um bem público, maior deve ser a compatibilidadeentre a fruição privativa e o interesse público. Nesse sentido é a lição da doutrina:18

Não se afigura cabível estabelecer distinção entre autorização de uso e permissão de usofundada no interesse particular. É problemático afirmar que a autorização não é aplicávelnos casos em que o bem público se destina a satisfazer o interesse do autorizado e quea permissão é instrumento de produção do interesse coletivo. Em todos os casos, o

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particular busca realizar um interesse predominantemente não estatal, ainda que aatuação por ele pretendida deva ser compatível com o bem comum...o ponto nodal dadiferença reside na natureza transitória ou não da utilização pretendida pelo particular.Quanto menos transitória for a utilização pretendida, tanto maior deverá ser o grau decompatibilidade entre a fruição privativa e as necessidades coletivas.

Anoto que a permissão de uso deve ter a natureza precária, ou seja, não deve ter prazo.Se for inserido prazo na permissão, esta não mais se caracterizará como precária. Ainserção de prazo na permissão gera ao particular o direito de indenização no caso derevogação. A permissão de uso com prazo, denominada permissão qualificada, temnatureza contratual e, em regra, necessita de autorização legislativa prévia, conformelição da doutrina:19

A permissão de uso, quando dada precariamente (como é de sua natureza), ou seja,sem prazo estabelecido, não cria obrigações para a Administração Pública, que concedea permissão e a retira discricionariamente, independentemente do consentimento dopermissionário, segundo razões exclusivamente de interesse público. Nesses casos, apermissão não tem natureza contratual e, portanto, não está sujeita a licitação (a nãoser em hipóteses em que outras leis específicas a exijam expressamente). No entanto,existem verdadeiras concessões de uso que são disfarçadas sob a denominação depermissão de uso, tendo a natureza contratual; isto ocorre especialmente quando ela éconcedida com prazo estabelecido, gerando para o particular direito a indenização emcaso de revogação da permissão antes do prazo estabelecido.7.3 Concessão de uso

Concessão de uso é contrato mediante o qual se consente o uso privativo de bempúblico, por prazo certo e determinado. Trata-se de ato de natureza contratual,adequado em casos onde seja exigido um gasto do concessionário que vai amortizar seuinvestimento com o uso por tempo mais longo. Como se trata de um contratoadministrativo, aplicam-se as denominadas cláusulas exorbitantes. Difere da locação ecomodato que são contratos de direito privado. Em regra, pressupõe prévia licitação.

Concessão de direito real de uso é um direito real resolúvel, previsto no art. 7.º doDec.-lei 271/1967 (com a redação dada pela Lei 11.481/2007). O uso determinado paraa regularização fundiária de interesse social, aproveitamento sustentável de margens derios, preservação de comunidades tradicionais e outros motivos de justificado interessepúblico. Há a possibilidade de sucessão, inter vivos ou mortis causa. Necessária alicitação.7.4 Concessão real de uso para fins de moradia

A MedProv 2.220/2001 tem a seguinte redação:

Art. 1.º Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos,ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados deimóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família,tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bemobjeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, deoutro imóvel urbano ou rural.

§ 1.º A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuitaao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2.º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionáriomais de uma vez.

§ 3.º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, naposse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura dasucessão.

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Conforme se depreende do texto legal, para que o interessado possa pleitear o direito àconcessão real de uso para fins de moradia, deverá, até a data da edição do atonormativo ter possuído o bem por cinco anos de forma ininterrupta. A lei não prevê,para o caso de pedido individual, a possibilidade de acrescer a posse à do antecessor.Tal possibilidade somente é prevista na concessão coletiva prevista no art. 2.º, § 1.º.

Nota-se que a sucessão de posse é disciplinada de forma diversa para a concessão realde uso individual e para a coletiva. Para esta, e somente para esta, é permitido que opossuidor, para o fim de contar o prazo exigido, acrescentar sua posse à de seuantecessor, contanto que ambas sejam contínuas, conforme disciplina do § 1.º do art.2.º. A única forma de sucessão de posse para a legitimação individual é a prevista no §3.º do art. 1.º, qual seja, o direito ao herdeiro legítimo de continuar, de pleno direito, naposse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura dasucessão. Sobre a sucessão de posse, conforme entendimento da doutrina:20

Da mesma forma como regulada pelo § 3.º do art. 9.º da Lei 10.257/2001, a sucessãona posse é disciplinada pelo § 3.º do art. 1.º da medida provisória em comento, ou seja,o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que járesida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

A disciplina da sucessão na posse foi realizada tal como a constante da usucapiãoespecial de imóvel urbano, prevista no art. 9.º do Estatuto da Cidade o qual teve por fimregulamentar o art. 183 da CF (LGL\1988\3). Houve uma limitação na forma como se dáa sucessão, admitindo-se apenas a sucessão do herdeiro legítimo, excluindo-se, assim, asucessão a título singular. Tal exclusão se deve pelo fato que a moradia prevista naConstituição não admite sucessão, salvo na hipótese de sucessão a título universal, porpressupor uma posse pessoal. Nesse sentido:

A grande maioria dos autores, ao analisar o tema, concluiu pela impossibilidade detransmissão da posse ao sucessor singular, na acessio possessionis, uma vez que aocupação para moradia exigida pela Constituição é pessoal.21

Anoto que não pode a MedProv 2.220/2001 ser aplicada para situações que seconstituírem posteriormente à sua entrada em vigor, ou seja, não pode servir defundamento para dar concessão de uso para fins de moradia à posse que perfizer operíodo de cinco anos após início da sua vigência. A MedProv 2.220/2001 é uma normade natureza transitória, destinada a regularizar as situações pendentes na data da suaedição. Nesse sentido é a lição da doutrina:

Não sendo direito subjetivo oponível do possuidor do imóvel público, pode serassegurado pela legislação infraconstitucional como norma transitória somente aplicávela quem preencher os requisitos legais até a data fixada na medida provisória.22

Dessarte, o possuidor deve completar com cinco anos de posse contados dessa datapara trás, não sendo a concessão real de uso especial instituto que projeta seus efeitospara o futuro, mas que somente reconhece direito a certos possuidores que, em30.06.2001, acumulassem os requisitos para gozá-lo.23

No mesmo sentido é o entendimento do TJSP, conforme voto da rel. Maria LauraTavares:24

A necessidade do prazo quinquenal aquisitivo anterior a 30.06.2001 se justifica pelo fatode se tratar de situação excepcional, que, para tanto, demanda a adoção de medidaigualmente excepcional. Sendo incontroverso que o imóvel objeto da demanda é público,integrante do patrimônio da Municipalidade de São Paulo, a alegação de posse não podeser oposta ao ente público titular do domínio, razão pela qual, inclusive, não se admite omanejo de ações possessórias pelo particular para esse fim. O fato de ser o bem públicotraz a certeza de que os ocupantes exercem sobre ele mera detenção, o que justifica aexcepcionalidade da MedProv 2.220/2001 e a validade da limitação temporal imposta, já

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que o que se buscou foi a regularização da situação daqueles que já ocupavam benspúblicos antes do ato normativo editado. Desconsiderar a delimitação temporal daMedida Provisória implicaria fazer do julgador verdadeiro legislador positivo, tratandouma situação excepcional como se fosse a regra geral, o que não se pode admitir.

Assim, para se beneficiar do direito de uso para fins de moradia, o possuidor deve terposse própria, não se admitindo a sucessão, bem como contar com mais de cinco anosocupação do imóvel anterior à edição da MedProv 2.220/2001.8 – Uso de bens públicos por entidades religiosas

O art. 19 da CF (LGL\1988\3), inc. I, veda aos entes de Federação estabelecer cultosreligiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter comeles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na formada lei, a colaboração de interesse público.

É incorreta a ideia de que a laicidade é uma separação total entre o Estado e asreligiões. A Constituição determinou no art. 19, I, que ao Estadoé vedado "estabelecercultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou mantercom eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, naforma da lei, a colaboração de interesse público". Sobre as vedações estatais previstasno art. 19 I, assim se manifesta Pontes de Miranda:25

Estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo: criar religiões ou seitas, ou fazerigrejas ou quaisquer postos de prática religiosa ou propaganda. Subvencionar cultosreligiosos está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens da entidade estatal,para que se exerça a atividade religiosa. Embaraçar o exercício dos cultos religiosossignifica vedar, ou dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material, de atosreligiosos ou manifestações do pensamento religioso.

Para a correta análise das vedações constitucionais previstas no inc. I do art. 19 da CF(LGL\1988\3), deve-se ter uma noção acerca do laicismo adotado pelo Estado brasileiro.Existem duas faces do laicismo: i) a primeira seria um juízo de valor negativo, peloEstado, em relação às posturas de fé; tal postura teve sua origem no racionalismo ecientificismo, hostil à liberdade de religião plena; tal postura implica na desvalorizaçãoda religião, tornando o Estado inimigo da religião, seja ela qual for;26 ii) laicidade vistasob uma ótica de neutralidade; Esta não significa a oposição à religião; conforme liçãode Paulo Gustavo de Gonet Branco,27 “a laicidade do Estado não significa, por certo, ainimizade com a fé”.

Nossa laicidade é de neutralidade e tolerância à religião, sem qualquer oposição àsatividades religiosas. É um Estado que, “sob a proteção de Deus”, promulgou umaConstituição. O Estado laico brasileiro não favorece as religiões, mas não lhes podeembaraçar o funcionamento. Nossa Constituição adotou o laicismo no sentido deneutralidade, não de oposição às religiões. Segundo ensinamento da doutrina,28 “oestado brasileiro não é confessional, mas tampouco é ateu, como se deduz do preâmbuloda Constituição, que invoca a proteção de Deus”.

Sobre a posição do Estado laico, é precisa a decisão proferida pela Suprema CorteAmericana no caso Everson v. Board of Education:29

Aquela Emenda requer do Estado que seja neutro em suas relações com grupos decrentes religiosos ou de não crentes; não requer que o Estado seja seu adversário. Otanto que o poder do Estado não deve ser utilizado de maneira a favorecer as religiões,não deve ser para ceifá-las.

A atividade religiosa de um particular não pode servir de fundamento para a negativa deuma pretensão que vise ao atendimento do interesse público e social. A neutralidade doEstado com a religião nem sempre tem o aspecto de omissão. Havendo interessepúblico, pode o Estado realizar condutas positivas que, favorecendo o interesse público,

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atendam ao pleito de determinada entidade religiosa.

A concessão de uso de imóvel público para entidade religiosa, em razão apenas dointeresse desta, se enquadraria na vedação do art. 19, I, da CF (LGL\1988\3) sob amodalidade de subvenção. Entretanto, se o uso do bem público for cedido visando aobem da coletividade, não haveria o óbice do art. 19, I, da CF (LGL\1988\3).

Não haveria subvenção porque o uso do imóvel a ser dado à entidade religiosa, casoexista comprovada atividade de interesse público, seria um instrumento para o fomentode atividades de interesse social desenvolvidas.

A Constituição prevê a possibilidade de que recursos públicos sejam destinados a escolasconfessionais, como definido em lei, desde que comprovem finalidade não lucrativa eapliquem seus excedentes financeiros em educação (art. 213, I e II). A razão da referidaautorização constitucional se deve à finalidade pública a ser atendida pelosestabelecimentos educacionais confessionais. Da mesma forma, se a concessão de uso auma entidade religiosa for destinada, apenas, a possibilitar que um trabalho de interessesocial relevante possa continuar, não haveria o subsídio vedado pela ConstituiçãoFederal, sendo, apenas, uma colaboração de interesse público, permitida pelaConstituição Federal.

A atuação do Estado junto às entidades religiosas não se dá somente com a omissão.Pode e deve o Estado apoiar as atividades de entidades religiosas que realizem ointeresse público. Conforme ensinamento de Jorge Miranda,30 "o silêncio perante areligião, na prática, redunda em posição contra a religião". Decorre do direito daliberdade de religião uma dimensão positiva, a de que:

O Estado deve assegurar a permanência de um espaço para o desenvolvimentoadequado de todas as confissões religiosas. Cumpre ao Estado empreender esforços ezelar para que haja essa condição estrutural propícia ao desenvolvimento pluralístico dasconvicções pessoais sobre religião e fé.31

A regra deve ser o tratamento igualitário a todos os cultos religiosos, semfavorecimento. Se houver vários grupos religiosos diversos, não deverá haver ofavorecimento de uma única religião, por meio de cessão de uso exclusiva de áreacomum do assentamento, sob pena de ofensa ao direito à liberdade religiosa dos demaisfieis das outras religiões não beneficiadas com a mesma liberalidade. Nesse sentido élição de André Ramos Tavares:32

No conceito de plena liberdade religiosa, da qual decorre a necessária separação entreEstado e Igreja, encontra-se, ainda, uma igualdade inerente entre crenças, igrejas eindivíduos, perante o Estado. Se houver tratamento desigual, cai por terra a liberdadereligiosa ampla, que cede espaço a algumas exceções que prejudicam o todo.

Entretanto, se houver uma proposta de uma atividade de interesse público por parte deuma entidade religiosa, não haveria a obrigação de proporcionar a todas as entidadesreligiosas a mesma oportunidade de uso do imóvel público. Isso não significará ofensa àigualdade de importância entre os diversos cultos. Conforme lição da doutrina,33

Não se pode traduzir a igualdade religiosa (decorrente da neutralidade do Estado e daaplicação do princípio da igualdade no âmbito religioso) como a exigência de tratamentomatematicamente idêntico entre confissões religiosas, por parte do Estado, uma“homologia massificadora”.

Ademais, deve-se ressaltar que a permissão de instalações de templos religiosos atendeao interesse público, por implicar no necessário fornecimento de meios para que o direitofundamental à liberdade de religião possa ser exercido. Conforme entendimento dadoutrina,

A cooperação interessa ao Estado na medida em que exista uma esfera de homologia

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entre as suas tarefas constitucionais positivas de ordem social e cultural (...) e asatividades desenvolvidas pelas confissões religiosas... o contrário seria propugnar umEstado ateu ou contrarreligioso, ou que admite com reservas e desestimula práticasreligiosas.34

Entretanto, a colaboração de interesse deve se dar na forma da lei, conforme preceitoexpresso do art. 19, I, da CF (LGL\1988\3). Anoto que a existência de lei é necessária,não sendo aplicável o referido dispositivo diretamente pela Administração. Conformeensinamento de José Afonso da Silva,35

A lei, pois, é que vai dar a forma dessa colaboração. É certo que não poderá ocorrer nocampo religioso. Demais, a colaboração estatal tem que ser geral, a fim de nãodiscriminar entre as várias religiões. A lei não precisa ser federal, mas da entidade quedeve colaborar.

Uma lei pode autorizar a outorga de concessão de uso para entidade religiosa. Referidalei deverá prever, inclusive, como condição de permanência da interessada no imóvel,que as atividades de interesse social desenvolvidas tenham continuidade e, na medidado possível, sejam melhoradas e ampliadas. Devem ser prestadas informaçõesperiodicamente acerca das atividades de interesse social realizadas. A hipótese deinterrupção das atividades sociais deve ser inserida como condição de rescisão docontrato (arts. 55, VIII, c/c 79 da Lei 8.666/1993).9 Conclusões

A gestão dos bens públicos é disciplinada de forma aleatória por vários diplomas legais.Procurou-se neste trabalho sistematizar referida disciplina.

Importante ressaltar que a condição de bem público decorre de seu uso em atividadesde interesse coletivo, ou seja, pela afetação, independentemente de qualquer atoregistral em sentido contrário. A função do registro de imóveis é apenas de darpublicidade às transações imobiliárias e não de constituir a utilidade pública, que se dápela mera afetação do bem.

A gestão do patrimônio público deve ser guiada pelos princípios da legalidade,moralidade e impessoalidade. Deve-se evitar qualquer ato de favorecimento pessoal nagestão de bens públicos, devendo-se, sempre que possível, valer-se da licitação.Somente o interesse público deve guiar o administrador público em suas decisões nagestão dos bens públicos.10 Bibliografia

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1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 22. ed. SãoPaulo: Malheiros, 2007. p. 877.

2 FREITAS, José Carlos. Da legalidade dos condomínios fechados. Doutrinas Essenciaisde Direito Registral, vol. 4, p. 1095.

3 “Afirmamos que o princípio da função social da propriedade ganhou contornos nítidos

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no ordenamento jurídico e que os seus efeitos incidem, também, sobre o domíniopúblico, embora, às vezes, haja a necessidade de harmonizar o princípio da função socialcom outros princípios e com o interesse público” (ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Afunção social da propriedade pública. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 127).

4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31. ed. São Paulo: Malheiros,2005. p. 551-552.

5 RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil (LGL\2002\400). 5. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2007. p. 377.

6 SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p.172-173.

7 CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 15. ed. São Paulo: Saraiva,2003. p. 563.

8 Art. 35 do Dec.-lei 3.365/1941.

9 MOTTA, Eduardo Vianna. Bens de uso comum do povo. Natureza jurídica da relaçãoentre eles e a pessoa de direito público – Modos de aquisição. Doutrinas Essenciais deDireito Civil. vol. 4, out. 2010, p. 1083-1191.

10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo:Malheiros, 2003. p. 532-533.

11 Um estudo mais aprofundado sobre doação de bem público: NAKAMURA, André Luizdos Santos. Doação de bens imóveis pela Administração Pública. Revista dos Tribunais.vol. 945. 2014, p. 17-35.

12 “Há a hipótese em que a remuneração se destina a promover a redistribuição dariqueza. Assim se passa especialmente nos casos em que a fruição do bem público peloparticular se traduzirá numa atividade apta a gerar riquezas. Em vez de propiciar a umsujeito determinado a acumulação a riqueza envolvida, estabelece-se a cobrança de umaremuneração que se orienta a promover a redistribuição dos benefícios a toda acomunidade” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8. ed. BeloHorizonte: Fórum, 2012. p. 1067-1068)

13 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2009. p. 1108

14 (...) a dispensa pressupõe uma licitação “exigível”. É inexigível a licitação quando adisputa for inviável. Havendo viabilidade de disputa é obrigatória a licitação, excetuadosos casos de “dispensa” imposta por lei (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei delicitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 333).

15 MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: A LeiGeral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo:Malheiros, 2012. p. 67.

16 “Autorização de uso é o ato administrativo unilateral e discricionário, pelo qual aAdministração consente, a título precário, que o particular se utilize de bem público comexclusividade. A utilização não é conferida com vistas à finalidade pública, mas nointeresse privado do utente. Aliás, essa é uma das características que distingue aautorização da permissão e da concessão” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direitoadministrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 690-691).

17 “Permissão de uso é o ato administrativo unilateral, discricionário e precário, gratuito

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ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta a utilização privativa de bempúblico, para fins de interesse público” (Idem, p. 691)

18 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo cit., p. 1071-1072.

19 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Temas polêmicos sobre licitações e contratos. 3. ed.São Paulo: Malheiros, 1998. p. 40-41.

20 HORBACH, Carlos Bastide. Dos instrumentos da política urbana. In: MEDAUAR,Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Estatuto da cidade: Lei 10.257, de10.07.2001 – Comentários. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 151.

21 Idem, p. 134-135.

22 DI PIETRO, Maria Silvia. In: Dallari, A. A; Ferraz, S. (coord.). Estatuto da cidade:Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 158.

23 HORBACH, Carlos Bastide. Op. cit., p. 151.

24 TJSP, Processo 9000115-83.2012.8.26.0053. Apelação. Bens públicos, 5.ª Câmara deDireito Público, j. 28.09.2015, rel. Maria Laura Tavares, DJ 25.11.2015.

25 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 coma Emenda n. 1 de 1969São Paulo: Ed. RT, 1970. t. II, p. 185.

26 Cf. TAVARES, André Ramos. Religião e neutralidade do Estado. Revista Brasileira deEstudos Constitucionais RBEC, ano 2, n. 5, Belo Horizonte, jan.-mar./2008, p. 13-25.Disponível em: [http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd="52587]."Acesso em: 12 fev. 2015.

27 In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo GustavoGonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 462.

28 Idem, p. 461

29 In: TAVARES, André Ramos. Op. cit.

30 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. Coimbra:Coimbra Ed., 1988. t. IV, p. 365.

31 TAVARES, André Ramos. Op. cit.

32 Idem.

33 MORAIS, Carlos Blanco de. Liberdade religiosa e direito de informação. In: MIRANDA,Jorge. Perspectivas constitucionais: nos 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra:Coimbra Ed., 1997. vol. 2, p. 246.

34 Idem, p. 282.

35 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo:Malheiros, 2007. p. 251.

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