GESTÃO DO TERRITÓRIO E SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL … · Campos dos Goytacazes/RJ. E-mail de...
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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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GESTÃO DO TERRITÓRIO E SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL NO MUNICÍPIO DE APERIBÉ/RJ
THAINARA DA SILVA DE SOUZA1
Resumo: Esta pesquisa objetiva analisar o processo de produção do espaço urbano, considerando
a dinâmica estabelecida entre os agentes – Estado, promotores imobiliários e grupos sociais excluídos – no Município de Aperibé, localizado na Região Noroeste Fluminense, no interior do Estado do Rio de Janeiro. Considera-se a hipótese de que o Estado auxilia a reproduzir as desigualdades sociais expressas no espaço urbano por meio de investimentos em infraestrutura para a área central da cidade e abandonando as áreas periféricas, bem como promovendo a construção e instalação de conjuntos habitacionais de caráter “popular” nestes locais. A metodologia desenvolvida neste artigo, trata-se de pesquisa qualitativa composta por revisão bibliográfica, análise documental e entrevistas abertas e semiestruturadas com a população residente a fim de identificar as principais questões a respeito do processo de segregação socioespacial.
Palavras-chave: Gestão do território; segregação socioespacial; cidade pequena.
Abstract: This research aims to analyze the urban space production process, considering the
dynamics established between agents - the state, property developers and excluded social groups - in the Municipality of Aperibé, located in the Northwest Region Fluminense, in the State of Rio de Janeiro. It is considered the hypothesis that the state helps reproduce social inequalities expressed in the urban space through infrastructure investments for the central area of the city and leaving the peripheral areas as well as promoting the construction and installation of housing of character "popular "in these locations. The methodology developed in this article, it is qualitative research consisting of literature review, document analysis, and open and semi-structured interviews with the resident population in order to identify the key issues concerning the socio-spatial segregation process. Key-words: Land management; socio-spatial segregation; small town.
1 – Introdução O espaço urbano construído socialmente considera a existência de
atores diferenciados na forma em que se constitui. Assim, a produção e reprodução
das formas espaciais pelos sujeitos sociais compreende desde escolhas
relacionadas a fatores ambientais e climáticos, as áreas mais propícias para
moradia, até mesmo as decisões referentes a quem deve habitar determinada área,
dando lugar a mediação do poder público em muitos casos. O papel dos
governantes neste processo deveria ser o de regulador diante aos interesses da
coletividade, mas o que acontece é o favorecimento a grupos específicos e descaso
em relação as classes mais baixas.
1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense –
Campos dos Goytacazes/RJ. E-mail de contato: [email protected]
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A urbanização pode apresentar características diversificadas quando
são consideradas localidades com extensões, populações, condições ambientais e
apropriações do espaço de formas diferenciadas, o que reflete dinâmicas espaciais
e sociais distintas moldando cada território conforme as intervenções dos atores
sociais ao longo do tempo. Portanto, as inter-relações entre estes agentes2 revelam
comportamentos políticos associados a produção desigual do espaço urbano que
podem levar a formas de gestão do território que incluem outros grupos além do
Estado, como principal agente de transformação espacial.
No Brasil, a intensificação da urbanização, evidenciada pelas
migrações
entre campo e cidade por volta dos anos 1960, corrobora não somente a busca por
melhores condições de vida de uma população que dependia exclusivamente de
atividades relacionadas ao meio rural para subsistência familiar, mas, ainda, o
desenvolvimento dos meios técnico e científico nos grandes centros urbanos.
Associado à urbanização encontra-se, inclusive, o processo de industrialização
como se fossem coexistentes e que o primeiro tivesse sido impulsionado pelo
desenvolvimento do segundo (SPOSITO, 2004, p. 47).
Todavia, conforme Sposito (2004, p. 50), as transformações
proporcionadas à estrutura das cidades devido ao crescimento da urbanização
possibilitada pela industrialização, não podem ser consideradas somente como o
aumento da população que passou a habitar as cidades, mas, principalmente, o
desenvolvimento do capitalismo industrial3. Percebe-se, desta forma, no urbano um
processo antecedente e o meio capaz de fornecer as características necessárias
para o desenvolvimento da indústria nos locais onde, anteriormente, verificava-se a
existência do capitalismo comercial.
Em cidades pequenas, as transformações espaciais decorrentes do
processo de urbanização se dão de forma menos visível que nas cidades médias e
metrópoles, considerando o quantitativo populacional, as atividades produtivas e a
2 Segundo Corrêa (2000), os agentes sociais seriam os proprietários dos meios de produção, os
proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos. 3 Para informações sobre o estudo das relações entre as cidades e o desenvolvimento do capitalismo
ao longo da história, ver Sposito, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e Urbanização. 14.ed. São Paulo: Contexto, 2004.
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importância da cidade para a rede urbana em que se encontra inserida. Não
obstante, nem sempre os problemas são inferiores aos dos grandes centros, sendo
verificadas ações políticas que privilegiam os interesses das classes média e alta –
donos dos meios de produção, promotores imobiliários e proprietários fundiários –,
em detrimento das demandas da população menos favorecida.
Considerando os apontamentos realizados, esta pesquisa objetiva
analisar o processo de produção do espaço urbano, considerando a dinâmica
estabelecida entre os agentes – Estado, promotores imobiliários e grupos sociais
excluídos – no Município de Aperibé, localizado na Região Noroeste Fluminense, no
interior do Estado do Rio de Janeiro. Faz-se necessário investigar de que forma as
ações realizadas pelo poder público local colaboram para a segregação dos grupos
sociais localizados no Bairro Ponte Seca, sob quais aspectos o processo se dá e as
consequências para o espaço urbano e para a população.
A metodologia desenvolvida neste artigo, trata-se de pesquisa
qualitativa composta por revisão bibliográfica, análise documental e entrevistas
(MARCONI & LAKATOS, 2010, p. 92-93) abertas e semiestruturadas com a
população residente a fim de identificar as principais questões a respeito do
processo de segregação socioespacial no Município de Aperibé e a relação
estabelecida entre o mesmo e as ações de gestão do território por parte do Estado
(poder público municipal) e demais agentes.
1.1 – Localização da área de estudo
O Município de Aperibé (21º 37’ 18” S; 42º 6’ 12” O) encontra-se
localizado na Região Noroeste Fluminense do Estado do Rio de Janeiro e possui
como confrontantes os Municípios de Santo Antônio de Pádua, Itaocara e Cambuci
(Figura 01), extensão territorial de 94,63km². Com relação a população residente no
município, em 2010, aproximadamente, 10.213 habitantes, conforme dados do
Censo Demográfico (IBGE, 2010).
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Figura 01: Localização do Município de Aperibé/RJ
Fonte: IBGE – Cidades 2015. Acessado em Maio de 2015
Organização: Souza (2015)
A criação do município foi recente, no ano de 1994, ocasionando a
fragmentação do Município de Santo Antônio de Pádua, proporcionado pela
instituição da Constituição Federal de 19884 e por demandas políticas locais.
A emancipação político-administrativa deu-se devido a pressões por
parte de um grupo formado por comerciantes, empresários, donos de terras, entre
outros, ou seja, por meio da união de uma elite para que o, até então, distrito
pudesse se tornar a sede da localidade. Dessa forma, o surgimento de um novo
município, além de promover a fragmentação espacial de determinado território,
ainda causou novas inter-relações de poder entre grupos sociais que conviviam num
espaço com recursos financeiros restritos e almejavam manifestar seu poder por
meio da representação política não alcançada enquanto parte integrante de outra
sede.
A elite que impulsionou o movimento para conquista da autonomia do
antigo distrito, obteve como 1º (primeiro) prefeito eleito Ataíde Faria Leite, vereador
4 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. § 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 15, de 1996).
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anteriormente pelo antigo Município de Santo Antônio de Pádua e proprietário
fundiário na área que passou a ser caracterizada como urbana e também em áreas
periféricas5 (Tabela 01).
Loteamento Número de Lotes Área (em m²) Localidade Proc. Administrativo
Progresso da Palmeira 34 11.800,00 Palmeiras 0758/1997
Faria Leite 261 78.306,89 Centro x6
Da Paz 39 14.366,81 Palmeiras 2883/1996
Da Paz II 53 23.968,00 Palmeiras -7
Tabela 01: Loteamentos instituídos pelo Primeiro Prefeito Eleito do Município de Aperibé/RJ na área central da cidade
Fonte: Mapas de Loteamentos arquivados no Setor de Arrecadação e Fiscalização Tributária da Prefeitura Municipal de Aperibé/RJ.
Organização: Souza (2015)
Vale lembrar que as cidades pequenas possuem características,
referentes a organização do espaço, diversas das cidades médias e metrópoles, de
tal forma que Fresca (2010, p. 77) afirma que uma cidade pode ser considerada
pequena diante do contexto em que esteja envolvida, sua inserção em determinada
rede urbana e as funções desenvolvidas (atividades produtivas, desenvolvimento de
bens e serviços destinados a atender a população, etc.), evitando
as armadilhas das classificações populacionais; das recentes discussões de que o Brasil não é tão urbano quanto se fala, contrariando inclusive análises de Lefébvre sobre o avanço do urbano na sociedade capitalista; de generalizar que as cidades pequenas são apenas fornecedoras de bens e serviços básicos à população de uma restrita área de influência (FRESCA, 2010, p. 78).
Dessa forma, ao se realizar a análise da produção do espaço urbano,
portanto, em relação a temáticas sobre grandes ou pequenas cidades, não deve ser
considerado somente fatores quantitativos, mas, sobretudo, as características
singulares de cada área estudada, já que determinadas formas de classificação,
como as populacionais, podem agrupar em níveis iguais, cidades que apresentam
5 Os dados foram obtidos por meio de análise dos projetos aprovados dos loteamentos dispostos no
Setor de Arrecadação e Fiscalização Tributária do município em questão, mas não foi possível a consulta aos Processos Administrativos, sendo alegada a inexistência dos mesmos devido a ocorrência de enchentes nos anos de 2008 e 2011, destruindo boa parte dos documentos arquivados por meio impresso. 6 O Mapa do Loteamento se encontra em péssimas condições e não pode ser identificado o Processo
administrativo. 7 Não foi possível a identificação do número do Processo Administrativo que regularizou tal
loteamento, devido ao péssimo estado do mapa.
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funções, padrões de ocupação e uso do solo, bem como atividades e funções
diferentes.
Por se tratar de uma pequena cidade, as relações sociais existentes
em Aperibé se dão de forma mais direta que nos grandes centros. Assim, no que diz
respeito à aspectos políticos e econômicos, as alianças desenvolvidas colaboraram
para a emancipação municipal, considerando, entretanto, atender aos interesses da
elite e colocando em segundo plano as necessidades do objeto democrático – o
povo, relevante para que este objetivo fosse alcançado.
2 – Gestão do território e segregação socioespacial: o Estado como produtor das desigualdades no espaço urbano
Esta pesquisa considera a hipótese de que o Estado – neste caso
entendido como o governo municipal –, auxilia a reproduzir as desigualdades sociais
expressas no espaço urbano por meio de investimentos em infraestrutura para a
área central da cidade e abandonando as áreas periféricas, bem como promovendo
a construção e instalação de conjuntos habitacionais de caráter “popular” nestes
locais. O centro da cidade trata-se do local de moradia de parcela da elite, onde,
ainda, se encontram os principais serviços para atendimento às necessidades da
população como um todo, tais como hospitais, estabelecimentos bancários,
estabelecimentos de ensino, comércio, serviços e novos empreendimentos
imobiliários. Os moradores das áreas periféricas são pessoas carentes e as que
mais necessitam dos serviços públicos ausentes no bairro analisado.
Para estabelecer a relação entre a gestão do território e a segregação
socioespacial em cidades pequenas, foram utilizadas as considerações de Corrêa
(2000), Roma (2008) e Silva e Alves (2014), respectivamente.
Segundo Corrêa (1996, p. 23 apud Corrêa, 1992, p. 115), a gestão do
território consiste na “criação e controle das formas espaciais, suas funções e
distribuição espacial, assim como de determinados processos, como concentração e
dispersão espaciais que conformam a organização do espaço em suas origens e
dinâmicas”. Dessa forma, a gestão do território representa o aspecto espacial dos
processos de controle e organização realizados pelas instituições (Estado,
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corporações, grupos sociais, entre outros) por meio de ações que refletiriam
diretamente sobre as relações de poder estabelecidas em determinado lugar, bem
como a perceptibilidade do exercício de poder de agentes hegemônicos locais.
As transformações se manifestam no espaço, mas possuem atributos
sociais idealizados por grupos que almejam ter seus interesses garantidos pelas
principais instituições de gestão, fato que pode provocar o beneficiamento de
agentes hegemônicos em detrimento das necessidades da sociedade como um
todo.
A segregação discutida por Corrêa (2000, p. 10-11), é a residencial8 e
expressa como as classes sociais se distribuem no espaço. O autor ainda faz
referência a auto-segregação, que seria realizada pela elite (classe dominante) por
meio da escolha das melhores áreas para moradia, e a segregação imposta que
consistiria nas restritas opções dos grupos sociais marginalizados de onde e como
morar.
Para Roma (2008, p. 33), o conceito de segregação socioespacial deve
ser discutido a partir da compreensão obtida de que o espaço físico e as ações da
sociedade não podem ser analisados separadamente, então, fatores econômicos,
políticos, culturais e ideológicos interferem na disposição das coisas e pessoas no
espaço, mas este também é reflexo e condicionante da vida da sociedade que a ele
ocupa.
A autora trabalha o conceito de segregação socioespacial como
possuidor de duas dimensões, sendo a objetiva, a que pode ser percebida pela
separação entre os segmentos sociais existentes no modo em que se estrutura o
espaço urbano e, a subjetiva, que permite compreender como os sujeitos de
espaços diversificados entendem e se sentem em relação aos espaços da cidade
(ROMA, 2008, p. 34).
Para Silva, a segregação socioespacial trata-se de um processo que
vai além da questão urbana e pode ser vista como existindo diante de diversos
8 O modo como o processo é discutido por Corrêa (2000) não desconsidera a relação existente entre
os aspectos sociais (economia, ideologia, cultura, entre outros) e físicos (o espaço, palco das relações sociais) que possibilita a existência dos centros urbanos, mas se refere ao caráter de controle produção das moradias das classes sociais sobre a influência das forças produtivas na sociedade, bem como da reprodução da sociedade para o futuro.
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momentos e formações sociais (2014, p. 90) e, no nível intra-urbano, deve-se
considerar o papel exercido pelo poder público com relação a investimentos relativos
aos serviços oferecidos à coletividade e investimentos em infraestrutura, já que as
áreas centrais tendem a possuir tais aparatos, enquanto as demais áreas
permaneçam abandonadas (2014, p. 80).
Conforme as exposições dos autores acima, a segregação
socioespacial seria o reflexo da gestão do território realizada de maneira
controvertida numa sociedade desigual e fragmentadora. Assim, acredita-se que a
gestão do território por parte do poder público promove e intensifica a segregação
socioespacial, a partir do momento em que os agentes se articulam para alcançar
transformações espaciais que atendam a seus interesses econômicos e políticos,
buscando manter a reprodução da hierarquia social existente, como também a
reprodução do espaço urbano com áreas destinadas a moradia de grupos
específicos na cidade analisada.
3 – Resultados e Discussão
Para verificar a hipótese defendida, foram realizadas entrevistas com
os moradores do município considerando aspectos relativos à infraestrutura
existente na cidade, ao bairro e ao local de moradia, buscando compreender como
estas pessoas se sentiam em relação às condições de moradia.
Por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, as entrevistas foram
realizadas com pessoas que residissem a mais tempo no local (bairro Ponte Seca e
conjuntos habitacionais) para que pudessem comprovar a hipótese, ou refutá-la.
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Figura 02: Localização dos Bairros Centro e Ponte Seca no Município de Aperibé/RJ.9
Fonte: Google Earth, 2015. Acessado em Maio de 2015. Organização: Souza (2015).
Com relação às condições da moradia, todos responderam que a
residência seria própria, mas dois demonstraram insatisfação com relação a
estrutura física e referente a regularização do imóvel. Senhora M. G. S. de 63 anos,
moradora do conjunto habitacional mais antigo, afirmou que “a casa é minha, a
prefeitura que me deu, mas se eu não tivesse juntado dinheiro com faxinas, eu, meu
filho, minha filha e meus três netos estaríamos dormindo imprensados naquele
quartinho. Por isso, aumentei, fiz esse puxadinho e coloquei esse muro e o portão
para as crianças poderem brincar”. Já o senhor J. A. de 49 anos demonstrou sua
insatisfação: “comprei um lotezinho e construí minha casa. Sou motorista e ganho
pouco. Procurei a Prefeitura para fazer meu IPTU e disseram que não pode. Só
queria ficar direitinho dentro da lei, os vizinhos têm, por que eu não posso ter? ”,
9 Os números 01 e 02 localizados na imagem, referem-se aos conjuntos habitacionais instalados no
Bairro Ponte Seca; já o número 03, trata dos loteamentos Da Paz I, Da Paz II e Progresso da Palmeira e o 04, Faria Leite.
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referindo-se à transferência de titularidade no IPTU que só pode ser realizado
mediante apresentação de Escritura e não somente Contrato de Compra e Venda.
Quando perguntados sobre as antigas moradias, três disseram ter
pago aluguel e que “para quem trabalha muito e ganha pouco, a casinha foi uma
salvação! ”, segundo Senhora M.G.S.; para F.B.S de 30 anos, com três filhos,
significou “uma oportunidade para melhorar de vida, porque a Prefeitura, às vezes,
atrasava o pagamento do aluguel social e o proprietário vinha reclamar comigo, mas
não tinha condições de pagar, até porque eu não tinha combinado nada com ele”.
Com relação a estrutura das novas habitações, F.B.S. declarou que
“quando deu uma chuva forte, saíram as telhas de várias casas e ninguém [nenhum
funcionário da Prefeitura] veio consertar” e “não dá para contar nenhum segredo que
parece que meu vizinho está aqui dentro”, devido as paredes das residências serem
unidas. Os demais entrevistados, demonstraram estar satisfeitos com suas
moradias.
Quando indagados sobre a infraestrutura do bairro (locomoção,
disponibilidade de serviços, atendimento pelos órgãos públicos, ou outras questões
citadas por eles), todos questionaram a ausência de realização de obras de
saneamento, de vias públicas asfaltadas e de pagar taxas altas de iluminação
pública e as ruas permanecerem na escuridão. “Seria melhor morar no Centro, mas
tudo é muito caro, não conseguiria comprar uma casa, nem manter minha família.
Aqui, meus filhos têm que acordar mais cedo para ir a aula, porque o ônibus da
Prefeitura passa as 6 [horas] e se perderem fica perigoso, andar na estrada de chão
e depois atravessar o asfalto para chegar no colégio, que é muito longe”, disse
F.B.S. Para C.T.M. de 45 anos, “aqui, nesta rua, não tem vala, mas atrás das
casinhas tem e isso é muito ruim para saúde da gente. Até porque eu pago imposto
e não vejo benefício”. “Para fazer a compra do mês, a família vai toda ao mercado,
que é no Centro e entrega em casa. Quando acaba alguma coisa, tem que ir lá de
novo comprar, porque aqui a mercearia só vende arroz e cerveja”, de acordo com
J.A.
Quando perguntados sobre se havia algum problema, todos relataram
estar incomodados com o crescimento do tráfico de drogas no bairro. Segundo J.A.,
“a gente fica com medo, porque tem filho e essa vida fácil, (porque não dá para
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chamar de trabalho, né!?), chama a atenção, é uma forma de ganhar dinheiro”. Para
C.T.M., “esses dias teve tiroteio, a gangue de Aperibé e uma de Miracema, que
queria colocar uma boca [de-fumo] para disputar com os traficantes daqui. A polícia
ficou lá da esquina olhando, nem entrou nas casinhas. E aquela gente lá”, revelando
a falta de assistência dos órgãos públicos aos problemas da comunidade.
Outra questão abordada, diz respeito ao papel do Estado, se os
moradores consideram efetivas as ações realizadas no Bairro Ponte Seca. C.T.M.
afirmou que “eles não fazem nada, porque aqui é um bairro escondido, ninguém de
fora vê quem está aqui e a gente é pobre. No Centro, só tem asfalto, colégio
bonitinho, hospital reformado... Porque vem dinheiro da Dilma para fazer”. Para J.A.
o que acontece aqui, acontece em todos os lugares: “morei em outras cidades, Rio,
Friburgo, e lá também é assim, ou o pobre vai para cidade e faz favela ou mora no
subúrbio honestamente, com dificuldade”. Segundo senhora M.G.S., “quem está por
cima do governo, também é dono de terras caras, aumenta [ainda] mais o preço
para nenhum pobre comprar e deixar o Centro mais feio, porque também mora
pobre no Centro da cidade, os que herdaram as casas de quem comprou antes de
Aperibé crescer”.
4 – Conclusões preliminares
De acordo com as informações fornecidas, compreende-se que os
moradores percebem que o Estado institui melhorias e investimentos públicos na
área central, conforme exposto por Villaça (1986, p. 45-47), o que evidencia uma
gestão do território ineficiente, mas consideram estas ações como sendo normais e
que existe uma separação entre a população pobre e a que possui maior poder
aquisitivo, também representada e representante da elite local.
A relação entre a gestão do território e a segregação socioespacial é
percebida pela população e entendida como algo normal, incapaz de ser modificado.
Todavia, Saúle Júnior (2005, n/p), a cidade, como espaço social, deve oferecer
condições equitativas de acesso aos seus habitantes independentemente de seu
poder aquisitivo, classe social, etc. Este fato, não é de conhecimento da população
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como um todo e, por isso, não lutam por melhorias nas condições de vida, mesmo
estas sendo dever dos gestores locais.
Considerando o conceito de gestão do território desenvolvido por
Corrêa (1996), tem-se a ideia de que se constitui como instrumento de organização
do espaço capaz de manter as relações existentes e a hierarquia entre as classes
sociais, sob os mandamentos de agentes hegemônicos do espaço urbano. No
Município de Aperibé, a segregação socioespacial surge como um desdobramento
da gestão ineficiente realizada pela elite.
5 – Referências Bibliográficas CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 3° Edição. São Paulo: Ática, 2000.
_______. Os centros de gestão do território: Uma nota. Revista Território, v.1, p. 23-30, 1996. Disponível em: <http://www.revistaterritorio.com.br/pdf/01_3_correa.pdf> Acesso em 20 abr. 2015
FRESCA, T. M. Centros locais e pequenas cidades: diferenças necessárias. Mercator (Fortaleza - online) número especial, dez. 2010.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa: Planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 7° Edição. São Paulo: Atlas, 2010.
SAÚLE JÚNIOR, N. O Direito à Cidade como paradigma da governança urbana democrática. Disponível em <http://wwwinstitutoapoiar.org.br> Acesso em 10 abr. 2014.
ROMA, C. M. Segregação socioespacial em cidades pequenas. UNESP - Presidente Prudente, 2008 (Dissertação de mestrado).
SILVA, R. N. Expansão territorial e segregação socioespacial urbana: o caso de Samambaia - DF. Universidade Federal de Uberlândia - MG, 2014. (Tese de doutorado).
SOUZA, M. L. de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 4° Edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
VILLAÇA, F. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. Disponível em: <http://www.flaviovillaca.arq.br/pdf/cidadao_habita.pdf > Acesso em 10 de Jun. 2014.