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Revista Científica UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.19, n.2, p.197-212, 2019. DOI: 10.18762/1982-4920.20190025 OS EFEITOS DA TERCEIRIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA Emerson de Campos DUARTE 1 Dany Bruno Borella dos S. GROSSKLAUSS 2 Djalma Rebelatto DE GOUVEIA 3 Sílvia Regina Bella RIBEIRO 4 Sebastião Donizeti BAZON 5 Cíntia Borges RIBEIRO 6 RESUMO: O trabalho é inerente ao ser humano. Através do trabalho que se produz tudo que existe no planeta, com exceção da natureza. A evolução do trabalho faz parte da humanidade, assim, mudanças no “mundo do trabalho” sempre acarretam mudanças na sociedade. Nosso objetivo é localizar alterações na sociedade brasileira em razão da legalização da Terceirização trazida pela Lei 13.467/2017, a Reforma Trabalhista. Veremos um pouco da história e evolução do trabalho até os dias atuais. A legalização da Terceirização é recente mas a “terceirização” não é, na prática, a terceirização já existia há algum tempo, o que fez com que a sociedades se adequassem a essa nova mentalidade e essa nova modalidade de trabalho. PALAVRAS-CHAVE: sociedade; trabalho; terceirização. ABSTRACT Work is inherent in the human being. Through the work that produces everything that exists on the planet, except nature. The evolution of work is part of humanity, so changes in the “world of work” always lead to changes in society. Our goal is to locate changes in Brazilian society due to the legalization of Outsourcing brought by Law 13,467 / 2017, the Labor Reform. We will see a little of the history and evolution of the work until the present day. The legalization of outsourcing is recent but “outsourcing” is not, in practice, outsourcing has been around for some time, which has made societies adapt to this new mentality and this new modality of work. KEYWORDS: society; job; outsourcing. 1 Emerson de Campos Duarte, Pós-Graduação Direito e Processo do Trabalho, [email protected] 2 Doutor em Biologia Geral e Aplicada pela Unesp, Coordenador do Curso de Engenharias do do Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson UNAR; 3 Graduado em Letras pelo Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson UNAR, Especialização em Metodologia do Ensino Superior pela FCLPAA e Docente do Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson UNAR; 4 Pedagoga, Mestre em Educação e Docente do Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson UNAR; 5 Sociólogo e docente do curso de Sociologia do UNAR Mestre em Filosofia; 6 : Letras Português/Espanhol e Coordenadora do Curso de Licenciatura em Letras Português/Espanhol do Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson UNAR;

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Revista Científica UNAR (ISSN 1982-4920), Araras (SP), v.19, n.2, p.197-212, 2019.

DOI: 10.18762/1982-4920.20190025

OS EFEITOS DA TERCEIRIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Emerson de Campos DUARTE1

Dany Bruno Borella dos S. GROSSKLAUSS 2

Djalma Rebelatto DE GOUVEIA 3

Sílvia Regina Bella RIBEIRO 4

Sebastião Donizeti BAZON 5

Cíntia Borges RIBEIRO 6

RESUMO: O trabalho é inerente ao ser humano. Através do trabalho que se produz tudo que existe no planeta, com exceção da natureza. A evolução do trabalho faz parte da humanidade, assim, mudanças no “mundo do trabalho” sempre acarretam mudanças na sociedade. Nosso objetivo é localizar alterações na sociedade brasileira em razão da legalização da Terceirização trazida pela Lei 13.467/2017, a Reforma Trabalhista. Veremos um pouco da história e evolução do trabalho até os dias atuais. A legalização da Terceirização é recente mas a “terceirização” não é, na prática, a terceirização já existia há algum tempo, o que fez com que a sociedades se adequassem a essa nova mentalidade e essa nova modalidade de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: sociedade; trabalho; terceirização.

ABSTRACT Work is inherent in the human being. Through the work that produces everything that exists on the planet, except nature. The evolution of work is part of humanity, so changes in the “world of work” always lead to changes in society. Our goal is to locate changes in Brazilian society due to the legalization of Outsourcing brought by Law 13,467 / 2017, the Labor Reform. We will see a little of the history and evolution of the work until the present day. The legalization of outsourcing is recent but “outsourcing” is not, in practice, outsourcing has been around for some time, which has made societies adapt to this new mentality and this new modality of work.

KEYWORDS: society; job; outsourcing.

1Emerson de Campos Duarte, Pós-Graduação Direito e Processo do Trabalho,

[email protected] 2 Doutor em Biologia Geral e Aplicada pela Unesp, Coordenador do Curso de Engenharias do do Centro

Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson – UNAR; 3 Graduado em Letras pelo Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson – UNAR, Especialização em

Metodologia do Ensino Superior pela FCLPAA e Docente do Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson –

UNAR; 4 Pedagoga, Mestre em Educação e Docente do Centro Universitário de Araras Dr. Edmundo Ulson – UNAR; 5 Sociólogo e docente do curso de Sociologia do UNAR – Mestre em Filosofia; 6 : Letras Português/Espanhol e Coordenadora do Curso de Licenciatura em Letras Português/Espanhol do Centro

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Revista Científica UNAR, v.19, n.2, 2019 198

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INTRODUÇÃO

O Trabalho surge na antiguidade em várias formas inclusive na forma forçada como a escravização ou escravidão ou trabalho escravo. A ideia que se tinha do trabalho até a idade média era bem diferente da que surgiu durante a idade média e também da idade moderna pós Revolução Industrial. O trabalho foi a atividade utilizada pela humanidade de produzir meios de subsistência e sobrevivência e estava ligado ao grupo familiar ou àqueles que comandavam a atividade laborativa pela escravidão ou na formal servil. Fato é que o trabalho sempre sinalizou mudanças na sociedade, sejam elas boas ou ruins. O trabalho pode também fornecer informações sobre o modo de vida da sociedade, sua cultura, sua organização política, costumes economia dentre outras várias características, por isso, o trabalho é elemento social tão importante para a Sociologia e para o estuda da sociedade.

Atualmente, além de ser um meio de sobrevivência e subsistência das sociedades, o trabalho é meio de produção e acumulação de capital e riqueza bem como é meio de desenvolvimento de relações sociais e formação de cultura, por isso, qualquer alteração no “mundo do trabalho” causa impactos na sociedade, seja do ponto de vista econômico, social, político e até religioso.

Segundo os idealizadores e defensores da Reforma Trabalhista a legalização da terceirização traria mais liberdade para que os trabalhadores pudessem desempenhar seus trabalhos bem como aumentar sua renda, no entanto se traduz também em uma pseudoliberdade ou uma liberdade a um custo muito alto, pois significa também uma precarização dos direitos trabalhistas. Veremos, portanto, quais os efeitos causados na sociedade pela legalização total da Terceirização.

Surgimento e evolução do Direito do Trabalho

O trabalho está intimamente ligado ao homem desde os tempos mais remotos, quando ainda nem existiam as figuras do patrão e empregado, no entanto, a necessidade de sobrevivência exigia que o homem desempenhasse atividades para a sua própria sobrevivência como a coleta, a pesca, a agricultura, domesticação e criação de animais, construção de abrigos, vestimentas, armas e utensílios, atividades hoje nomeadas como atividades laborativas. Assim, temos que trabalho é a atividade inerente à pessoa humana, compondo o conteúdo físico e psíquico dos integrantes da humanidade. É, em síntese, “conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir determinado fim.” (DELGADO, 2016, p. 295).

Para a Sociologia o conceito de trabalho é entendido como a atividade humana realizada com o objetivo de subsistência, Karl Marx define o trabalho como sendo a atividade sobre a qual o ser humano emprega sua força para produzir os meios para o seu sustento. Na visão de Durkheim o trabalho é a fonte essencial da Solidariedade, Max Weber por sua vez entende e explica o trabalho através da ótica do protestantismo, sendo algo que agrada a Deus e para o Direito, segundo Maurício Godinho Delgado, trabalho é, em síntese, o conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir determinado fim. (DELGADO, 2016, p. 295).

O termo trabalho, deriva do latim “tripaliare” que significa torturar com um instrumento

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de “tripales”, que tem três estacas.Ao se organizarem em grupos, tribos e/ou clãs, o homem sempre tentava dominar outros homens, motivado por melhores condições de sobrevivência, obtenção de território ou não. Os conquistadores frequentemente aprisionavam e escravizavam os conquistados como forma de demonstrar seu poder bem como para utilizá-los como mão de obra para as atividades laborativas que não queriam desempenhar ou julgavam inferiores.

Na Idade Média, além do trabalho escravo, surge o trabalho servil e obviamente a figura do “servo”, que não era livre, mas tinha proteção política e militar do senhor feudal em troca do trabalho realizado. Com o Renascimento, o trabalho passa a ser visto como verdadeira essência humana, essencial ao desenvolvimento do homem e das sociedades. No final da idade média, surge uma nova classe de trabalhadores livres, que comercializava o que produzia (produtos agrícolas, animais, artesanato etc.). Nesse período, a atividade laborativa não se apresentava ou se limitava mais ao intuito apenas de sobrevivência e manutenção própria, mas também se apresentava também como meio de obtenção de lucros e acumulação de bens, patrimônio, capital etc., no entanto, ainda não existiam direitos trabalhistas. A Revolução Francesa e Revolução Industrial trouxeram significativas mudanças nos processos produtivos, a produção em larga escala, o crescimento das cidades, a expansão do comércio e a utilização das máquinas a vapor, de tear e de tecer, inicia-se a fase da industrialização, gerando uma expansão das empresas e formas de produção resultando no surgimento do capitalismo industrial.

Durante a constituição do capitalismo industrial, no séc. XVIII surge o trabalho assalariado para aqueles que não possuíam os meios de produção, por isso precisavam alugar ou vender sua força de trabalho em troca de remuneração que garantisse seu sustento, porém o pagamento que recebiam não correspondiam ao valor daquilo que era produzido. Tal diferença, apropriada pelos donos dos meios de produção, foi denominada por Karl Marx de mais-valia. Aos poucos essa transformação abarcou toda a estrutura das sociedades que, sendo capitalistas, mercantilistas, transformava em mercadoria todas as relações sociais incluindo as de trabalho.

Cada membro da sociedade ou cada grupo social busca sempre satisfazer suas necessidades, o que os levam a praticar atividade laborativas diversas, processo esse conhecido também por divisão social do trabalho e que segundo Marx é a responsável pelo surgimento das classes sociais. A divisão da sociedade em classes acaba gerando conflitos entre seus membros.

A evolução do capitalismo, os conflitos entre capitalistas e operários marcaram o mundo do trabalho bem como as sociedades do século XIX, vez que os donos dos meios de produção se tornavam mais ricos e os trabalhadores cada vez mais pobres.

Diferentemente de Marx, Durkheim, em seu livro Da divisão do trabalho social, sustenta que a crescente especialização cria uma nova forma de solidariedade [solidariedade orgânica] e não conflitos. Para Durkheim a coesão social em tempos de solidariedade orgânica [atual], se dá pela divisão crescente do trabalho, ou seja, cada membro da sociedade desempenhando seu papel na sociedade para que esta funcione melhor e de forma mais organizada.

As sociedades no século XX também experimentaram mudanças importantíssimas no

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mundo do trabalho, com o surgimento de novos sistemas produtivos que visavam à racionalização extrema e a maximização da produção e também do lucro, fazendo com que a sociedade se adaptasse às novas exigências de ideologias produtivas. O Fordismo [sistema de organização da produção industrial caracterizado pela criação e utilização da linha de montagem, na qual cada operário trabalhava em um local determinado realizando uma tarefa específica, enquanto o produto (no caso o automóvel) passava pelo interior da fábrica em uma espécie de esteira. O Taylorismo [conjunto de métodos para a produção industrial no qual o funcionário deveria exercer sua tarefa no menor tempo possível, não havendo necessidade de se conhecer o resultado final, buscava a padronização e realização de atividades simples e repetitivas] e posteriormente do Toyotismo [sistema de produção criado no Japão após a 2.ª Guerra Mundial, cujas principais características são a mão de obra multifuncional e bem qualificada, o treinamento e qualificação dos empregados para conhecerem todas as fases da produção podendo assim atuar em várias etapas do sistema produtivo, o sistema é flexível e voltado para a produção somente do que é necessário, evitando a formação de estoque, pois a produção deve ser ajustada a demanda do mercado.

No olhar de Norbet Ellias, “o mercado massificado não foi inventado, foi pressentido e utilizado por homens como Henry Ford. Assim tiveram início a produção em grande escala de carros motorizados e a generalização do uso desses veículos.” (ELLIAS, 2006, p 41-45) 1

No Brasil, em 1850 surge o Código Comercial, com preceitos alusivos ao aviso-prévio (BARROS, 2016) e o marco histórico do surgimento do Direito do Trabalho no Brasil foi a criação do Ministério do Trabalho em 1930. Em 1943 surge o principal diploma do Direito do Trabalho no Brasil, a CLT.

Gustavo Felipe Barbosa Garcia diz que “a existência de diversas leis esparsas sobre Direito do Trabalho impôs a necessidade de sistematização das normas referentes ao Direito e ao Processo do trabalho em forma de uma Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, que não é um código propriamente dito, sua função, foi a de reunir toda a legislação trabalhista existente à época.” 2

EMPREGADO E EMPREGADOR

De acordo com o art. 3º da CLT, “... empregado toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador sob a dependência desde e mediante salário.”. Godinho Delgado leciona que “empregado é toda pessoa que contrata tácita ou expressamente a mão de obra de um tomador, a este efetuados com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação” (DELGADO, 2012).

Para que se caracterize a figura do empregado é necessário que se atenda a alguns requisitos, sendo a habitualidade [não eventualidade, regularidade da prestação do serviço em benefício do empregador]; subordinação [submissão às ordens e diretrizes estabelecidas pelo empregador]; pessoalidade [vínculo de caráter pessoal do empregado, que não se pode fazer substituir por qualquer outro ante à natureza do cargo ou função]; onerosidade [a prestação do serviço deve representar onerosidade para o empregador, o empregador deve pagar pelos serviço prestado] e

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alteridade [o empregador assume os riscos da atividade econômica sem repassá-los ao empregado]. A Reforma Trabalhista, Lei 13.467 de 13 de julho de 2017 não alterou o art. 3º da CLT. Amauri Mascaro entende que “é por meio da figura do empregado que se chegará à do empregador, independentemente da estrutura jurídica que tiver” (NASCIMENTO, 2014).

A figura do empregador encontra-se discriminado na CLT em seu art. 2º :

“- Art. 2.º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” “§ 1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.”. 3

Para Alice Monteiro de Barros, empregador é a pessoa física, jurídica ou o ente que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços do empregado, assumindo os riscos do empreendimento econômico. (BARROS, 2016, p. 249).

RELAÇÃO DE EMPREGO E RELAÇÃO DE TRABALHO

É muito comum a utilização das expressões trabalho e emprego como sinônimas, o que é um equívoco uma vez que são institutos distintos, com características, desempenho e regulação específicos e, portanto com significados diferentes.

A palavra trabalho é definida como uma ou qualquer atividade realizada pelo ser humano, cujo objetivo é fazer, transformar ou obter algo, chegando ao seu objetivo que pode ser remunerado ou não [trabalho voluntário ou filantrópico]. Entende-se por trabalho “algo que é construído a partir de um ideal”, um crescimento, uma contribuição para o mundo.

No emprego existe a obrigação de cumprir um horário por conta da contraprestação pecuniária recebida em troca do desempenho de cargo ou função empregatícia, existem relação e vínculo empregatício entre patrão/empregador e empregado.

A expressão relação de trabalho engloba todas as modalidades de trabalho e também as de emprego e, “...traduz o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual”. (DELGADO, 2016, p. 295). 4 A relação de trabalho é gênero da qual a relação de emprego é uma espécie, ou seja, toda relação de emprego corresponde a uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho corresponde a uma relação de emprego.

MODALIDADES DE TRABALHO – latu senso

Estabelecidas as diferenças entre relação de trabalho e emprego, e excetuando os trabalhadores empregados com vínculo empregatício e que preenchem os requisitos

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necessários à condição de empregado (que se enquadram na Relação de Emprego), podemos elencar algumas formas de trabalho, que obviamente se enquadram na relação de trabalho, exatamente pela inexistência de vínculo empregatício, habitualidade, subordinação, sendo, estas modalidades o trabalho autônomo, o avulso, o eventual o voluntário, a terceirização etc.

O trabalhador autônomo, como o próprio nome diz, não é subordinado. Logo, ainda que preste o serviço de forma pessoal, onerosa e não eventual, não estará sob a tutela direito do trabalho e não se constituirá em uma relação empregatícia. Sobre o tema, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, citando Amauri Mascaro Nascimento, explica que trabalhador autônomo “é aquele que não transfere para terceiro o poder de organização de sua atividade. Assim, o referido obreiro trabalha por conta própria” (GARCIA, 2015, p. 311).

Segundo Garcia: “o trabalhador autônomo pode ser classificado ainda como Trabalhador autônomo propriamente dito, como por exemplo, o médico, o dentista e o advogado (não empregados); trabalhador autônomo de empreitada: que “consiste na realização de uma determinada obra (material ou imaterial) por meio de ação de outrem, remunerado para tanto pelo interessado”; o trabalhador avulso, segundo o art. 1.º da lei 12.023/2009 é aquele que desenvolve seu trabalho em áreas urbanas ou rurais sem vínculo empregatício, mediante intermediação obrigatória do sindicato da categoria, por meio de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho para execução; o trabalho eventual é aquele realizado esporadicamente, de forma descontínua, fortuita como é o caso de um técnico contratado apenas para reparar o elevador em um estabelecimento; o trabalho voluntário é a realização de atividade laborativa, não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de ou privada, sem fins lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.”.5

A TERCEIRIZAÇÃO

No Brasil, por força da Constituição Federal, dos princípios constitucionais do direito do trabalho, da legislação trabalhista infraconstitucional e até mesmo por tradição e costume a ideia que se tem de trabalho é a do “emprego fixo com carteira assinada”, sendo a modalidade que, em tese, concede ao trabalhador mais garantias, mais benefícios e maior segurança de sobrevivência aos que buscam uma vida tranquila e uma futura aposentadoria remunerada.

O princípio que norteia tal ideologia é o Princípio da continuidade da relação de emprego. Este princípio valoriza a permanência do empregado no mesmo vínculo empregatício, considerando as conseqüentes vantagens. Com mais tempo no mesmo emprego o trabalhador pode receber capacitação, realizar cursos, receber gratificações remuneratórias, subir no plano de carreira etc. O princípio da

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continuidade preconiza que a regra seja de que contratos de trabalho sejam por prazo indeterminado.

Martinez explica que com a crise do modelo fordista ocorreu uma verdadeira reestruturação dos processos empresariais quando empresas periféricas passaram a contratar trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação para a realização de operações de trabalho temporário ou para a realização de serviços instrumentais ou braçais etc. Por suas vezes, empresas centrais concentraram-se na contratação de trabalhadores qualificados para as operações e fiscalização do processo produtivo final. As empresas periféricas associaram-se às empresas centrais e, através um procedimento que ficou conhecido como terceirização, as empresas periféricas se encarregaram de prover os serviços meramente instrumentais (MARTINEZ, 2015, p. 270).

O trabalhador movido pela necessidade de trabalho e renda para subsistência própria e de suas famílias e pelo desejo de melhorar sua qualidade de vida e talvez ascender a outras classes sociais, acaba abrindo mão de direitos previdenciários e trabalhistas como anotação na CTPS, horas extras, folgas, feriados, etc., se sujeitando a situações extraordinárias de trabalho. Tudo isso, aliado às frequentes crises econômicas, ao desemprego, ao aumento da população, à necessidade cada vez maior de consumo estimulado pelo capitalismo, fazem com que novas formas de contratação, de prestação e de prestadores de serviços surjam no cenário da produção. E é neste cenário que surge a terceirização, não por imposição das empresas ditas tomadoras, terceirizadas ou intermediantes e nem mesmo por simples liberalidade, vontade, ou necessidade dos trabalhadores, mas de uma alternativa que surge naturalmente ante as necessidades econômicas da sociedade e dos atores envolvidos nas relações de trabalho.

A Terceirização é, portanto, uma modalidade de contratação de serviços, na qual, o contratante (tomador), contrata outra empresa (prestadora de serviços), que por sua vez fornece a mão de obra (funcionário que executa o serviço), porém subordinado à empresa contratada prestadora ou terceirizada. A relação de emprego se forma então o trabalhador e a empresa prestadora de serviços (terceirizada), e não diretamente com o contratante destes.

Mauricio Godinho Delgado preleciona, in verbis:

“[...] a expressão terceirização resulta de neologismo oriundos da palavra terceiro, compreendido como intermediário, interveniente. Não se trata, seguramente, de terceiro, no sentido jurídico, como aquele que é estranho a certa relação jurídica entre duas ou mais partes. O neologismo foi construído pela área de administração de empresas, for a da cultura do Direito, visando enfatizar a descentralização empresarial de atividades para outrem.”.6

O objetivo da empresa tomadora é a busca de melhores resultados empresariais, diminuição de espaço físico, diminuição do quadro de funcionários, maior agilidade produção, recrutamento de mão de obra de prestadores de serviço em maior escala, etc., contudo, os trabalhadores estão perdendo a vinculação jurídica com tais empresas.

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Segundo Martins, a noção da terceirização foi trazida para o Brasil por empresas multinacionais por volta de 1950. A indústria automobilística dá exemplo de terceirização quando contrata prestação de serviços de terceiros para a produção de componentes do automóvel, fazendo apenas a montagem final do veículo.

Sérgio Pinto Martins adverte que “Surge a terceirização a partir do momento em que há desemprego na sociedade. É o que ocorre em nosso país, quando passamos por crises econômicas em que o empresário procura diminuir seus custos, principalmente com mão de obra.” (MARTINS, 2018, p. 22). 7 A legalização da terceirização ocorreu em etapas e em alguns setores no decorrer dos anos, primeiramente para a administração pública, depois para alguns segmentos industriais, posteriormente para alguns ramos de serviços como segurança e limpeza e uma das primeiras manifestações na tentativa de legalizar a terceirização surge com a Lei 4.594/64, que dispunha que as seguradoras não poderiam fazer a venda direta de seguros ao segurado, mas sim através de um corretor autônomo ou corretora. As empresas de prestação de serviço de limpeza e conservação também podem ser consideradas pioneiras na terceirização, pois, desde 1967 vêem fornecendo mão de obra terceirizada a eventuais tomadoras.

A TERCEIRIZAÇÃO NA REFORMA TRABALHISTA

A Lei 13.467/2017 foi a mais ampla alteração realizada na CLT desde o seu surgimento, por isso recebeu o nome de Reforma Trabalhista que legaliza definitivamente a terceirização, permitindo a terceirização de qualquer atividade da empresa, in verbis:

“Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. Art. “5º- A Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal.”. 8

Com a alteração, a empresa pode terceirizar qualquer de suas atividades, inclusive aquelas que integram seu “core business”, sem que acarrete vínculo de emprego direto com o trabalhador prestador do serviço. Na ótica de Homero Batista mesmo com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, a terceirização mantém sua fama de profunda insegurança para o trabalhador no Brasil.

OS EFEITOS DA TERCEIRIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

A redução de postos de trabalho está diretamente ligada à mecanização, informatização e robotização dos meios de produção e a partir de 2017 a terceirização. A redução do quadro de funcionários e folhas de pagamentos, redução de encargos trabalhistas e previdenciários, bem como em relação a necessidade de maior agilidade e rapidez na produção e a crescente busca pela redução de custo final dos produtos são objetivos prioritários dos empresários.

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Se por um lado a terceirização representa maior liberdade laborativa e possibilidade de maiores ganhos e renda para o trabalhador por outro lado pode significar insegurança no mercado de trabalho bem como insegurança jurídica em relação aos Direitos trabalhistas e Princípios Constitucionais de Direito do Trabalho além de reduzir os empregos com carteira assinada.

Segundo Maurício Godinho Delgado, os Princípios de Direito, são “proposições gerais inferidas na cultura e ordenamento jurídicos que norteiam a criação, a interpretação e a aplicação do direito”. São as bases gerais a serem seguidas, obedecidas no momento de criar, interpretar ou aplicar uma lei.

A Constituição Federal traz as garantias mínimas referentes aos direitos sociais, civis, individuais, coletivos, trabalhistas etc. Assim sendo, a legislação trabalhista não pode estar aquém das diretrizes constitucionais, mas pode estar além, no caso de garantir direitos e beneficiar o cidadão.

Dentre vários os Princípios do Direito do Trabalho, os mais afetados pela legalização total da terceirização são o Princípio da proteção, o Princípio da Continuidade da Relação de Emprego e o Princípio da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas. O Princípio da Proteção é o princípio garante proteção à parte hipossuficiente na relação trabalhista (o trabalhador). Para isso, ela se divide em três subprincípios, sendo o da norma mais favorável, o da condição mais benéfica e o “in dubio pro misero”. O Princípio da Continuidade da Relação de Emprego dispõe que todo contrato de trabalho deve ter prazo indeterminado. A terceirização por sua vez atropela o princípio da continuidade, vez que possibilita a o preenchimento de mais postos de trabalho nas modalidades de trabalho não contínuas.

Segundo o presidente da Amatra IV, Juiz Rodrigo Trindade:

“no Brasil, a terceirização, tal como está hoje, mata oito em cada 10 trabalhadores acidentados, é campeã absoluta de inadimplemento de verbas rescisórias, paga salário achatados (quando paga) e tem amizade íntima com trabalho análogo ao escravo. Ampliar hipóteses de terceirização é o que pior se pode pensar para o mercado de trabalho nacional” . 9

O Princípio da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas tutela a impossibilidade de renúncia dos direitos do trabalhador no Direito do Trabalho. Ato pelo qual o empregado, por simples vontade, abriria mão de direitos que lhe são assegurados pela lei.

Se as empresas buscam cada vez mais diminuir custos de produção e pessoal, em um país que o pagamento de salário mínimo que deveria ser a exceção se torna a regra, não seria absurda a possibilidade de empresas coagirem seus funcionários a aceitarem salários mais baixos sob pena de demissão ou extinção do posto de trabalho para a contratação de terceirizado.

De igual gravidade, pode ocorrer a renúncia a direitos trabalhistas, por nós criticada, pode ocorrer no momento em que o empregado, ao ser demitido abrindo mão de verbas trabalhistas (PDV), aceita se transformar em uma Pessoa Jurídica (PJ) para posteriormente ser recontratado pela mesma empresa (Pejotização), o que

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caracteriza uma explícita forma de renúncia a direitos trabalhistas. E não se trata de uma renúncia espontânea e lícita, em nosso entendimento trata-se de uma renúncia ilegal e forçada.

A nova legislação inaugura conceitos indeterminados e não esclarece a extensão de eventuais direitos dos trabalhadores terceirizados e temporários, nem tão pouco apresenta solução para os milhares de contratos em vigência. A atmosfera de insegurança é explícita pois a legislação não expressa qualquer preocupação com o trabalhador terceirizado e/ou temporário, mas tão somente com a terceirização que interessa aos empregadores.

Situação grave e que merece atenção é a chamada pejotização do trabalhador, que é a transformação da pessoa física em pessoa jurídica para efeitos de contratação, o que em linhas gerais é considerado uma fraude. Como encargos trabalhistas e previdenciários são bastante onerosos para as empresas, a contratação de uma PJ em lugar de uma pessoa física (trabalhador) significa redução de gastos e ausência de responsabilidade com o empregado. Dessa forma, o trabalhador constitui-se em Pessoa Jurídica, uma MEI (Micro Empresa Individual), por exemplo, para concorrer a uma vaga que com certeza não seria aberta a uma pessoa física.

Não se pode, no entanto, evitar a transformação de uma pessoa física em pessoa jurídica, haja vista o advento da MEI (Micro Empresa Individual) e as ME (Micro Empresas), que eventualmente podem ser contratadas o serviço eventualmente poderá ser prestado por seu próprio constituinte, a pessoa física, sem o animus ou se a intenção de fraude do contratante. O condenável é a fraude e a supressão dos direitos trabalhistas ao forçar direta ou indiretamente o trabalhador a constituir uma pessoa jurídica para que seja contratado para um posto onde deveria estar um empregado. O Juiz e Professor Homero Batista Mateus da Silva, em seu livro Comentários à Reforma Trabalhista, assevera:

“O crescimento alarmante da pejotização, como uma técnica habitual de planejamento tributário e trabalhista, banalizou a terceirização a níveis irreversíveis, varrendo do mapa do emprego categorias inteiras na área da saúde, da informática ou da consultoria.” . 10

A reforma trabalhista completou dois anos em vigor no dia 11 de novembro de 2019 e ainda encontra resistência e desconfiança da sociedade e não é por menos, a reforma modificou cerca de 10% (dez por cento) da legislação trabalhista, a maior já registrada até hoje.

Zygmunt Bauman faz uma divisão da modernidade, ele denomina de “modernidade sólida” a ocorrida antes do século XX, e “modernidade líquida”, a que vem ocorrendo após o século XX, sendo este século, com seus problemas econômicos, políticos e sociais, o marco divisor entre estas duas formas de modernidade no olhar de Bauman.

“[...] as organizações sociais não podem mais manter sua forma por muito tempo, pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas para que se estabeleçam.” (BAUMAN, 2007, p. 7)11.

Para Bauman, as instituições sociais (como o trabalho) na modernidade sólida eram

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duradouras, seguras e controladas, já na modernidade líquida as organizações sociais se formam e se extinguem muito rapidamente. Como vemos no mundo do trabalho, profissões surgem e são extintas a todo o momento nos tempos atuais, a legislação muda tão rapidamente que fica praticamente impossível ter um código de leis ou uma doutrina (livro) jurídico atualizado por mais de 1 (um) ano.

Dessa forma, sucessivas e mais frequentes e rápidas mudanças na legislação trabalhista acabam causando uma atmosfera de insegurança jurídica e insegurança em relação à permanência do trabalhador em seu posto de trabalho devidamente registrado.

Antes de sua entrada em vigor, circulavam notícias sobre as expectativas do governo federal de aumento da geração de empregos formais e redução dos empregos informais, o que na de fato não aconteceu. O quadro que presenciamos desde então é outro. O aumento e a diminuição do emprego e do desemprego variam também de acordo com o andamento da economia, porém o que se viu em relação à terceirização é que os postos de trabalhos que estavam vigentes foram mantidos mas não foram criados novos, o que estamos presenciando é um aumento do emprego informal e autônomo.

Até o presente momento, as consequências negativas para a sociedade e para o trabalhador parecem ser maiores que as positivas. As vagas de trabalho intermitente e as demissões por acordo mútuo, duas das grandes novidades da nova lei, viraram realidade, mas as adesões ficaram abaixo do que se esperava.

A reforma não criou empregos, o número de reclamações trabalhistas reduziu significativamente nos tribunais, o que não traduz uma redução ou inexistência dos conflitos de interesses entre patrões e empregados. O que se vê é um profundo receio na busca da tutela da Justiça exatamente por não haver garantias de que os direitos trabalhistas serão efetivamente garantidos e reconhecidos.

Alguns pensadores defendem o que chamam de “sistemas flexíveis de produção”. Os autores italianos Antonio Negri (1933) e Maurício Lazzarato (1995) e o norte-americano Michael Hardt (1960) crêem que esse sistema de produção dito “flexível”, permite a libertação do labor material. Para eles, nos sistemas flexíveis de trabalho, sem a obrigatoriedade de realização de tarefas mecânicas e engessadas como do fordismo-taylorismo, permitem que o trabalhador recupere sua autonomia. (ARAÚJO, 2015, p.105).

Registra-se porem, que tal posicionamento sofre duras críticas, principalmente de pensadores marxistas, que sustentam que o trabalhador flexível é ainda mais explorado, face à precarização de direitos trabalhistas, alegando ainda que nem em países como Japão e Estados Unidos, países centro do capitalismo, a figura do trabalhador formal, registrado e estável teria desaparecido.

A legalização da terceirização, não melhorou a vida dos trabalhadores, não abriu oportunidade de trabalho como se esperava. A legalização da terceirização trouxe para a sociedade desemprego, demissões, insegurança jurídica com a supressão e mitigação de princípios constitucionais de direito do trabalho como o princípio da continuidade da relação de emprego, princípio da proteção e princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas; incentivou a pejotização e forçou acordos’, fez aumentar o índice demissões através dos PDVs (Programas de Demissão Voluntária), modalidade de desligamento da empresa que normalmente envolve a

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renúncia de direitos trabalhistas mediante a promessa de contratação futura; ocasionou o aumento do trabalho informal, ou seja, não registrado (sem CTPS assinada), portanto sem garantias, forçou a população a buscar atividades informais sem quaisquer garantis trabalhistas e previdenciárias; limitou e enfraqueceu a atuação e alcance dos sindicatos, pois quem não está sindicalizado não pode ser representado pelo respectivo sindicato; fez diminuir a assistência e as indenizações por acidente de trabalho; dificultou a programação do trabalhador no sentido de obter sua aposentadoria, pois falta garantia do emprego fixo; fez diminuir a renda dos trabalhadores e consequentemente da sociedade que apesar de buscar a informalidade, não tem recursos suficientes para os investimentos, no entanto, tal migração causa um excesso de oferta de alguns serviços fazendo com que o valor seu valor reduza e a haja mais oferta que procura, inviabilizando ganhos esperados.

O Sociólogo e Professor Livre-Docente da UNICAMP Ricardo Antunes, um dos principais nomes no país no debate do universo do trabalho, autor de vários livros que abordam a temática da sociologia do trabalho, em entrevista à revista Fórum, assevera “Vejo como algo que para a classe trabalhadora tem o significado, [...], de retorno à “escravidão”. A terceirização completa, total, que é o sentido essencial deste projeto é uma tragédia para as classes trabalhadoras...” (ANTUNES, 2015), alertando para o fato de que o trabalhador se tornará refém de qualquer tipo de propostas de trabalho com baixíssimos, considerando que se um trabalhador não aceitar outro irá aceitar, vez haverá um excedente de mão de obra.

Como se sabe, a desigualdade social se caracteriza pela assimetria de acesso aos bens e recursos tanto materiais quanto espirituais, construídos socialmente e que são significativos para os membros de uma sociedade decorrente de relações de abuso econômico repetidas na nossa sociedade. A terceirização não é a única responsável pela desigualdade social e da classe trabalhadora brasileira, vez que essa desigualdade existe desde o homem começa a viver em sociedade, no entanto, ela se torna um obstáculo a ser superado pelas classes mais baixas em busca de uma vida melhor. A terceirização contribui para uma organização do mercado de trabalho e do processo produtivo de forma hierarquizada e excludente.

A terceirização transforma um trabalhador empregado, devidamente registrado, com seu respectivo “status” de trabalhador em uma peça substituível devido à quebra de vínculo institucional entre o trabalhador e a empresa, demais disso, a terceirização tende a aprisionar o trabalhador ao seu estrato social de origem.

Outra consequência da terceirização na sociedade é a perda da identidade da população. As relações sociais ocorrem em todos os segmentos sociais, inclusive nos ambientes do trabalho, com a terceirização livre, as relações e os laços que se que formam em um ambiente de trabalhos habitual e contínuo não se concretiza e sem esse referencial, as pessoas deixariam de se reconhecer nas outras, passando a serem vistas como adversárias e concorrentes, fazendo com que as disputas se acirrem e indiferença domine o cenário das relações sociais do trabalho.

Ao que parece, houve um retrocesso no mundo do trabalho bem como na legislação trabalhista. Todos os direitos trabalhistas conquistados desde a revolução industrial até o momento estão se desintegrando para atender interesses econômicos de grupos poderosos. Está ocorrendo uma desumanização nas relações de trabalho e o empregado passa a ser apenas uma peça de reposição de uma empresa que não

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pretende nem de longe criar vínculos ou se responsabilizar pelo trabalhador.

O Juiz do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior nos diz:

“... É assim que se assiste à deterioração das estruturas que, em algum momento, constituíram alguma esperança para a condição humana na sociedade capitalista. Um sintoma dessa destruição é ver na mesma página de um jornal foto de uma ação policial massacrando estudantes da considerada, por muitos, melhor universidade do país e outra anunciando o triunfo da articulação antidemocrática do "Líder" da Câmara de Deputados, para aprovação do financiamento empresarial de campanha. As pessoas e entidades que estão no comando da sociedade, aplaudindo ação policial contra professores, estudantes e trabalhadores em geral, buscando financiamento empresarial para partidos políticos, defendendo a diminuição da maioridade penal como solução para a segurança pública e preconizando a ampliação da terceirização estão, de fato, destruindo toda possibilidade da construção de uma sociedade pautada pela racionalidade dos Direitos Humanos. É a sociedade que se diz baseada na meritocracia dando voz e prevalência à mediocridade. Enfim, para a preservação de interesses econômicos não revelados, os defensores da terceirização estão contribuindo para a desestruturação plena das potencialidades de valores humanos duramente concebidos, estimulando a barbárie, que se verificaria consagrada com a instituição da sociedade. ”12

A sociedade brasileira encontra-se mergulhada no caos. A terceirização e outras mudanças no campo do trabalho fazem aumentar o abismo social entre classes e entre pessoas. A baixa renda e a péssima condição de vida da maioria da população brasileira contribuem para o aumento do sofrimento da própria sociedade. Os governantes e representantes do povo perderam sua credibilidade junto à sociedade se entregando à corrupção e à politicagem suja para satisfazer seus interesses pessoais.

Quando o trabalho não fornece às pessoas condições de com dignidade normalmente ocorre também um aumento da violência, os baixos salários não permitem que as pessoas possam cuidar de sua saúde nem da saúde dos filhos, aumentando assim as filas nas unidades públicas de saúde e hospitais; com o trabalho precário e baixos salários, maior parte da população brasileira não consegue proporcionar condições para que os filhos sejam devidamente educados, nesse diapasão, quando as crianças não são levadas ao trabalho irregular ainda em tenra idade são colocadas em escolas precárias.

Os impactos de uma má gestão de políticas trabalhistas talvez seja a mais grave causa da desigualdade social no nosso país bem como a raiz de vários outros problemas sociais conforme mencionado acima. Caso não haja uma verdadeira mobilização social no sentido de escolher governantes verdadeiramente comprometidos com os problemas sociais, dificilmente o país encontrará saída da

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atual institucional e social em que se encontra. É preciso haver emprego para que haja renda, para haja condições melhores de vida para a população mais pobre, para que os ainda excluídos possam participar efetivamente dos processos sociais e contribuir para o crescimento econômico real do país e da sociedade e os frutos desse crescimento sejam revertidos em prol das populações mais pobres novamente fazendo com que o país tenha condições de avançar social e economicamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A terceirização é uma realidade e com sua entrada em vigor fica autorizada a terceirização de todas as atividades das empresas. As modificações implementadas pela Reforma Trabalhista não se restringem apenas à permissão para terceirização das principais atividades das empresas, mas também a regulação de empresas intermediadoras de mão de obra, normatização da política de demissão e contratações entre outras. Dentre os argumentos favoráveis à terceirização podemos citar a modernização da atividade empresarial, a redução de custos de produção, aumento da produtividade e até mesmo aumento da contratação de trabalhadores (indiretos). Os argumentos contrários seriam a mitigação de princípios constitucionais do direito do Trabalho, redução dos direitos dos trabalhadores como ascensão na carreira, promoções, salários, continuidade no emprego e vantagens decorrentes de convenções e acordos coletivos. Uma a mudança de pensamento e posicionamento perante a legalização ampla da terceirização é uma tarefa difícil, necessita do empenho e envolvimento de todos os atores sociais, trabalhadores, empregadores, sindicatos, operadores do Direito e a sociedade, para que as questões sejam solucionadas da melhor forma possível. Fato é que a legalização da terceirização de todas as atividades das empresas, desde sua entrada em vigor, vem causando inúmeros transtornos à sociedade, em alguns casos, problemas trabalhistas podem levar a outros problemas sociais de difícil ou impossível reparação. A sociedade brasileira vem experimentando o gosto amargo de uma “pseudomodernização” dos modos de trabalho. A quem diga que tal modelo é sucesso em países europeus e de primeiro Mundo, ocorre que o Brasil não é um país de Primeiro Mundo e a desigualdade

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social, que deveria diminuir com o trabalho da população vem aumentando com as últimas mudanças feitas na legislação trabalhista. A ausência de garantia de emprego enfraquece as instituições, enfraquece o poder de compra dos trabalhadores, enfraquece a sociedade, aumenta a desigualdade social, aumenta a disputa entre trabalhadores que pode tender a ser desleal, a depender da dificuldade de se conseguir qualquer trabalho. A sociedade brasileira retroage a tempos medievais, quando o trabalho era escasso, mal remunerado, servil e até escravo. Como já mencionado, é preciso haver emprego para que haja renda, para haja condições melhores de vida para a população mais pobre, para que os ainda excluídos possam participar efetivamente dos processos sociais e contribuir para o crescimento econômico real do país e da sociedade e os frutos desse crescimento sejam revertidos em prol das populações mais pobres novamente fazendo com que o país tenha condições de avançar social e economicamente. REFERÊNCIAS

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