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EDITORA [ CAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA ] POLÍTICAS DE DEFESA, INTELIGÊNCIA E SEGURANÇA CARLOS SCHMIDT ARTURI ORGANIZADOR

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GT defesa CEGOV;

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    POLTICAS DE DEFESA,INTELIGNCIA E SEGURANA

    Este livro uma iniciativa do GT de Polticas de Defesa, Inteligncia e Segurana do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV) da UFRGS. Os autores desta coletnea interdisciplinar e interinstitucional procuram contribuir para a qualificao do debate pblico e fornecer subsdios para o processo de tomada de decises nas reas de defesa, inteligncia e segurana, tendo em vista o fortalecimento das capacidades, o incremento da soberania e a melhoria da insero internacional do pas. Seu contedo demonstra a expertise do GT de Defesa do CEGOV, que se encontra disposio do Estado, da sociedade brasileira e do pas. A obra fruto de uma concentrao de esforos j realizados e da convergncia de projetos de pesquisa em andamento. Sua importncia editorial ganha realce face ao ainda incipiente desenvolvimento de estudos sobre esses temas na academia e no mundo civil brasileiro, inclusive no mbito poltico e parlamentar. Os captulos do livro refletem essas caractersticas e o esforo acadmico de seus autores em apresentar suas reflexes e pesquisas tanto para os especialistas, como para um pblico mais amplo. A disposio dos captulos do livro busca proporcionar uma leitura agradvel ao leitor, apresentando um encadeamento lgico que conduz a leitura das temticas referentes polaridade da ordem internacional, passando por uma anlise minuciosa das polticas externa e de defesa do Brasil nos ltimos vinte anos, e, por fim, refere-se s especificidades referentes s polticas de segurana energtica, porturia, gesto de defesa, terrorismo e inteligncia.

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    [ CAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA ]

    Os autores desta coletnea buscam explicar as relaes polticas e tcnicas existentes entre a sociedade brasileira e as organizaes de fora do Estado (Foras Armadas, Polcias e Servios de Inteligncia), em sua abrangncia poltica, estratgica, logstica, operacional e ttica. Com efeito, o livro orienta-se normativamente pela premissa de que as organizaes de fora do Estado quando institucionalizadas, legitimadas e eficazes so fundamentais para que os regimes democrticos cumpram as funes essenciais de manter a ordem interna, a soberania do pas e a eficcia na formulao de polticas de segurana pblica. Em suma, existe uma sinergia entre capacidade estatal e qualidade da democracia, relao que os autores procuram reforar atravs do debate informado sobre as questes mais importantes em defesa, Inteligncia e segurana do pas nos ltimos anos, bem como pela proposio de polticas pblicas para estas reas.

    Carlos S. Arturi

    Dentro deste contexto de uma expanso ampla, o Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, emergiu como um centro de referncia. Seu Grupo de Trabalho (GT) de Polticas de Defesa, Inteligncia e Segurana lanou este volume impressionante que analisa as polticas pblicas brasileiras nas reas de atuao do GT.

    [...]Os captulos neste volume tm um elemento em comum: uma alta qualidade.

    [...] O CEGOV publicar novos volumes nesta srie. Aguardaremos, com grande expectativa, a ampliao e aprofundamento destas questes importantes relacionadas com os temas de defesa, Inteligncia e segurana.

    Scott D. Tollefson

    POLTICAS DE DEFESA,

    INTELIGNCIA E SEGURANA

    CARLOS SCHMIDT ARTURI ORGANIZADOR

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    EDITORA 9 788538 602514

    ISBN 978-85-386-0251-4

    A era digital vem alterando o contexto no qual se do as relaes entre Estado e sociedade. A forma com a qual os Estados organizam sua burocracia, interagem com seus cidados, provm bem-estar e

    segurana, constroem alternativas institucionais para a resoluo de seus conflitos e habilitam inmeras formas de organizao em rede da sociedade objeto de pesquisa e ao dos Grupos de Trabalho do

    Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    O CEGOV realiza estudos e pesquisas sobre a ao governamental no Brasil e no mundo e preza pela excelncia acadmica no

    desenvolvimento de seus projetos e pelo progresso da UFRGS como instituio, procurando contribuir para a interao institucionalizada entre a Universidade e as instituies da Administrao Pblica. Os Grupos de Trabalho do Centro so responsveis pela formulao, implementao e avaliao de projetos interdisciplinares em reas como poltica internacional, governana, processos decisrios,

    controle democrtico, polticas pblicas, entre outras.

    Nesta coleo, intitulada Capacidade Estatal e Democracia, trabalhos dos pesquisadores participantes dos GTs e de colaboradores externos so apresentados como contribuio para reflexo pblica

    sobre os desafios polticos e governamentais contemporneos.

  • POLTICAS DE DEFESA,

    INTELIGNCIA E SEGURANA

  • Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV)

    DiretorMarco Cepik

    Vice Diretor Luis Gustavo Mello Grohmann

    Conselho Superior CEGOV Ana Maria Pellini, Ario Zimmermann, Andr Luiz Marenco dos Santos, Ivan Antnio Pinheiro, Luis Incio Lucena

    Adams, Paulo Gilberto Fagundes Visentini, Tarson Nuez

    Conselho Cientfico CEGOVCarlos Schmidt Arturi, Cssio da Silva Calvete, Diogo Joel Demarco, Fabiano

    Engelmann, Hlio Henkin, Leandro Valiati, Jurema Gorski Brites, Ligia Mori Moreira, Luis Gustavo Mello

    Grohmann, Marcelo Soares Pimenta, Vanessa Marx

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    POLTICAS DE DEFESA,

    INTELIGNCIA E SEGURANA

    CARLOS SCHMIDT ARTURI ORGANIZADOR

    PORTO ALEGRE 2014

    EDITORA

  • DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)

    P769 Polticas de Defesa, Inteligncia e Segurana / Carlos Schmidt Arturi, organizador Porto Alegre : UFRGS/CEGOV, 2014. 188 p. ; il. (Capacidade Estatal e Democracia)

    ISBN 978-85-386-0251-4

    1. Defesa nacional Segurana nacional Poltica Brasil. I. Arturi, Carlos Schmidt. II. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Centro de Estudos Internacionais sobre Governo. III. Srie CDU 355/359(81)

    Bibliotecria Maria Amazilia Penna de Moraes Ferlini CRB-10/449

    dos autores1 edio: 2014

    Direitos reservados desta edio:Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Coleo CEGOV Capacidade Estatal e Democracia

    Reviso: Fernando Preusser de Mattos, Fernanda Lopes Silva, Ricardo Fagundes Lees

    Projeto Grfico: Joana Oliveira de Oliveira, Liza Bastos Bischoff, Henrique da Silva Pigozzo

    Capa: Joana Oliveira de Oliveira

    Foto da Capa: Joana Oliveira de Oliveira

    Impresso: Grfica UFRGS

    Apoio: Reitoria UFRGS e Editora UFRGS

    Os materiais publicados na Coleo CEGOV Capacidade Estatal e Democracia so de exclusiva responsabilidade dos autores. permitida a reproduo parcial e total dos trabalhos, desde que citada a fonte.

  • SEGURANA GLOBAL PORTURIA E SEUS POSSVEIS REFLEXOS NO BRASIL

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    DEFESA NACIONAL ANTIMSSIL DOS EUA:A LGICA DA PREEMPO E SUAS IMPLICAES INTERNACIONAIS

    APRESENTAOPOLTICAS DE DEFESA, INTELIGNCIA E SEGURANA: A CONTRIBUIO DO CEGOV

    SEGURANA E DESENVOLVIMENTO NA PROJEO INTERNACIONAL DO BRASIL (2003 2013)

    A AGENDA DE DEFESA DO BRASIL PARA A AMRICA DO SUL

    O ATLNTICO SUL COMO ESPAO ESTRATGICO PARA O BRASIL: POLTICA EXTERNA E DE DEFESA

    Marco Cepik, Jos Miguel Quedi Martins

    Carlos Schmidt Arturi, Felipe Machado

    Eduardo Svartman

    Paulo Fagundes Visentini, Analcia Danilevicz Pereira

    SUMRIO

    Andr Reis da Silva

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    5Heitor Bonatto, rico Esteves Duarte

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    6Tamiris Pereira dos Santos, rico Esteves Duarte

    114DEFENSE MANAGEMENT & DEFENSE ANALYSIS: DESAFIOS PARA O MINISTRIO DA DEFESA

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    PREFCIO 7Scott D. Tollefson

  • SUMRIO

    Priscila Brando, Vladimir Brito

    168TERRORISMO, INTELIGNCIA E MECANISMOS LEGAIS: DESAFIOS PARA O BRASIL8

    7O BRASIL E AS OPERAES DE PAZ DA ONU: PROJEO DE PODER PELA VIA MULTILATERAL

    Luciano Colares

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  • POLTICAS DE DEFESA, INTELIGNCIA E SEGURANA NO BRASIL

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    PREFCIO

    SCOTT D. TOLLEFSONPhD, Professor do The William J. Perry Center for Hemispheric

    Defense Studies (WJPC), da National Defense University (NDU), Washington, D.C.

    Nas ltimas trs dcadas, o campo de estudo de defesa e segurana no Brasil tem se ampliado e se aprofundado de uma maneira quase inimaginvel. A partir de um pequeno grupo de estudiosos, localizados principalmente no eixo Rio-So Paulo (e Campinas), esta comunidade epistmica tem crescido vertiginosamente, expandindo-se para todos os recantos do pas. Essa expanso foi impulsionada por numerosas foras no centro (agora So Paulo, Rio de Janeiro, e Braslia), e acelera-da pela criao de novas universidades, como a da Universidade Federal do Amap.

    Uma medida do crescimento desta comunidade epistmica tem sido o sur-gimento da Associao Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), que rene cente-nas de membros para conferncias anuais em diversas cidades. Os membros da ABED vm de todos os setores militar, civil, pblico e privado e incluem jovens e idosos, homens e mulheres. Uma nova gerao est surgindo, com maior acesso a estudos de ps-graduao e com um aumento de oportunidades para contribuir para o nosso conhecimento de defesa e segurana. O Ministrio da Defesa do Bra-sil acaba de lanar vrios programas para incentivar ainda mais este crescimento.

    O crescimento desta comunidade tem sido acompanhado por uma expan-so concomitante dos tpicos examinados. O papel da Inteligncia, por exemplo, surgiu como uma nova rea de anlise, e hoje conta com um grupo de estudiosos da mais alta categoria, o qual inclui Priscila Brando, Marco Cepik e Vladimir Brito.

  • CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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    Dentro deste contexto de uma expanso ampla, o Centro de Estudos Inter-nacionais sobre Governo (CEGOV), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, emergiu como um centro de referncia. Seu Grupo de Trabalho (GT) de Polticas de Defesa, Inteligncia e Segurana lanou este volume impressionante que analisa as polticas pblicas brasileiras nas reas de atuao do GT. O livro, organizado por Carlos Schmidt Arturi, com apoio de Felipe Machado, oferece um equilbrio entre os tpicos mais tradicionais, como A Agenda de Defesa do Brasil para a Amrica do Sul (Eduardo Svartman), O Atlntico Sul como Espao Estratgico para o Brasil: Pol-tica Externa e de Defesa (Paulo Fagundes Visentini e Analcia Danilevicz Pereira), a novas questes como Defesa Antimsseis e Batalha Aeronaval: implicaes para o Brasil (Marco Cepik e Jos Miguel Quedi Martins) e Terrorismo, Inteligncia e Me-canismos Legais: desafios para o Brasil (Priscila Brando e Vladimir Brito). Os temas so abrangentes, como Seguranca e Desenvolvimento na Projeo Internacional do Brasil (Andr Reis da Silva), e mais especficos, como a segurana porturia (Heitor Bonatto e rico Esteves Duarte).

    Os captulos neste volume tm um elemento em comum: uma alta qua-lidade. Um captulo particularmente perspicaz explora Defense Management and Defense Analysis (Gesto de Defesa e Anlise de Defesa), e considera os desafios para o Ministrio da Defesa (Tamiris Pereira dos Santos e rico Esteves Duarte). O CEGOV publicar novos volumes nesta srie. Aguardaremos, com grande expec-tativa, a ampliao e o aprofundamento destas questes importantes relacionadas com a defesa, a Inteligncia e a segurana.

  • POLTICAS DE DEFESA, INTELIGNCIA E SEGURANA NO BRASIL

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    APRESENTAOPOLTICAS DE DEFESA, INTELIGNCIA E SEGURANA: A CONTRIBUIO DO CEGOV

    CARLOS SCHMIDT ARTURIProfessor do Departamento e do Doutorado em Cincia Poltica da Univer-

    sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pesquisador 2 do CNPQ, coordena o GT de Defesa, Inteligncia e Segurana do CEGOV. Pesquisador

    associado do NERINT e do CEGOV da UFRGS, trabalha com os temas de cooperao interestatal em segurana e processos de democratizao.

    FELIPE MACHADO Mestre em Cincia Poltica da UFRGS e bacharel em Relaes Internacionais

    pela mesma instituio. Ps-graduando responsvel pelo GT de Polticas de Defesa, Inteligncia e Segurana do CEGOV.

    Este livro uma iniciativa do Grupo de Trabalho de Polticas de Defesa, Inteli-gncia e Segurana (GT de Defesa) do Centro de Estudos Internacionais sobre Gover-no (CEGOV) da UFRGS. O GT dedica-se pesquisa interdisciplinar sobre as polticas pblicas nessas reas, tanto no mbito nacional, quanto internacional. Seus parti-cipantes procuram explicar as relaes polticas e tcnicas existentes entre as socie-dades e as organizaes de fora do Estado (Foras Armadas, Polcias e Servios de Inteligncia), em sua abrangncia poltica, estratgica, logstica, operacional e ttica.

    O livro proposto insere-se na vocao principal do GT de Defesa do CEGOV, qual seja, a de contribuir para o desenvolvimento do conhecimento nas reas de defesa, inteligncia e segurana, formar recursos humanos especializados, aperfei-oar o ciclo de polticas pblicas e executar pesquisas aplicadas no pas. Com efeito, o GT orienta-se normativamente pela premissa de que as organizaes de fora do Estado quando institucionalizadas, legitimadas e eficazes so fundamen-tais para que os regimes democrticos cumpram as funes essenciais de manter a ordem interna, a soberania do pas e a eficcia na formulao de polticas de segu-rana pblica. Em suma, existe uma sinergia entre capacidade estatal e qualidade da democracia, relao que o CEGOV procura reforar atravs da qualificao da capacidade estatal brasileira.

    O objetivo principal do livro , portanto, o de contribuir para a qualificao do debate pblico e de fornecer subsdios para o processo de tomada de decises nas

  • CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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    reas de defesa, inteligncia e segurana, tendo em vista o fortalecimento das capa-cidades, o incremento da soberania e a melhoria da insero internacional do pas. Seu contedo demonstra a expertise do GT de Polticas de Defesa, Inteligncia e Se-gurana, que se encontra disposio do Estado, da sociedade brasileira e do pas. A contribuio dos autores desta coletnea interdisciplinar e interinstitucional fruto de uma concentrao de esforos j realizados e da convergncia de projetos de pes-quisa em andamento. A importncia editorial da obra ganha realce face ao ainda inci-piente desenvolvimento de estudos sobre esses temas na academia e no mundo civil brasileiro, inclusive no mbito poltico e parlamentar. Os captulos do livro refletem essas caractersticas e o esforo acadmico de seus autores em apresentar suas refle-xes e pesquisas tanto para os especialistas, como para um pblico mais amplo.

    A disposio dos captulos do livro busca proporcionar uma leitura agrad-vel ao leitor, apresentando um encadeamento lgico que conduz a leitura das te-mticas referentes polaridade da ordem internacional, passando por uma anlise minuciosa das polticas externa e de defesa do Brasil nos ltimos vinte anos, e, por fim, reduzindo-se s especificidades referentes s polticas porturia, gesto de defesa, terrorismo e inteligncia.

    Nesta perspectiva, no primeiro captulo, Marco Cepik e Jos Miguel Mar-tins analisam a relao entre estratgia, operaes e ttica, procurando evidenciar a contribuio de um programa de pesquisa em Estudos Estratgicos para o desen-volvimento da rea de Relaes Internacionais no Brasil. O trabalho analisa, espe-cificamente, a balano de poder nuclear entre Estados Unidos, Rssia e China, em conexo com a Defesa Nacional Antimssil (NMD) dos Estados Unidos. A hiptese principal a de que a ausncia de uma definio poltica sobre Grande Estratgia faz com que os Estados Unidos permitam que sua poltica externa e de segurana (PES) seja ditada por conceitos operacionais (tais como a Batalha Aeronaval, ou ASB), ou, pior, por critrios procedimentais, tcnicos e tticos. Esta ltima asser-tiva, para ser verificada, depende do exame crtico, que os autores pretendem re-alizar em outro trabalho, sobre os procedimentos tticos de Supresso de Defesas Antiareas (SEAD) e de ruptura em profundidade da rede inimiga (NIA/D3). Tais procedimentos combinados vinculam a ASB e a NMD. Tal vinculao entre a NMD e a ASB, a um s tempo doutrinria e material, por sua vez, tem implicaes po-tenciais para as relaes internacionais contemporneas, incidindo tanto no grau de conflito e nos padres de alianas (polarizao), quanto na distribuio de capa-cidades materiais e no equilbrio de poder no sistema internacional (polaridade).

    Eduardo Svartman analisa, no captulo dois, as estratgias e as condiciona-lidades que perfazem a evoluo da agenda de defesa do Brasil para a Amrica do Sul desde o final da Guerra Fria. A argumentao central que acompanha esse tra-balho concentra-se nas mudanas no panorama estratgico regional decorrentes do maior protagonismo internacional brasileiro e da disposio do pas em ampliar

  • POLTICAS DE DEFESA, INTELIGNCIA E SEGURANA NO BRASIL

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    suas capacidades militares, a partir da integrao sub-regional. A agenda de defesa do Brasil para a Amrica do Sul apresentaria, nesse sentido, dois tipos de constran-gimentos: i) limitaes de capacidades militares, de coordenao e de liderana do Brasil no processo de integrao regional; e ii) descompasso entre o apoio dos EUA liderana regional brasileira e sua proposta de temas para o engajamento com a regio. Dessa forma, partindo de argumentao bem-estruturada e do reconheci-mento de certos condicionantes estruturais, o texto de Svartman apresenta, a par-tir de uma anlise histrica, um exame dos elementos que impactam diretamente na execuo da agenda poltica de defesa do Brasil para Amrica do Sul.

    No terceiro captulo, Andr Reis da Silva examina, a partir dos eixos de se-gurana e de desenvolvimento, as transformaes da poltica externa brasileira da ltima dcada e suas implicaes para a projeo internacional do Brasil. Como recurso analtico, Reis utiliza-se do conceito de matriz de insero internacional. Esse conceito permite, segundo o autor, uma melhor compreenso acerca das grandes linhas de ruptura e continuidade de poltica externa, bem como possi-bilita trabalhar com um enfoque e um distanciamento que no localizam linhas divisrias, possibilitando novas possibilidades interpretativas. Essa perspectiva auxilia na formulao da hiptese de pesquisa apresentada, segundo a qual a ma-triz da poltica externa brasileira da ltima dcada foi esboada ao final do governo Cardoso, tendo obtido contornos mais ntidos apenas com a ascenso do governo Lula e de continuidade no governo Dilma. Nesse contexto, para o autor, a poltica de defesa brasileira se insere em uma nova matriz de insero internacional, sob o argumento de que a maior projeo internacional do Brasil deve vir acompanhada de uma maior capacidade de defesa e de segurana.

    O quarto captulo do livro aproxima-se de temas mais especficos da pol-tica externa e de defesa do Brasil, sendo intitulado O Atlntico Sul como Espao Estratgico para o Brasil: Poltica Externa e de Defesa. Nele, Paulo Visentini e Analcia Pereira identificam a retomada da importncia estratgica do Atlntico Sul na agenda de poltica externa e de poltica de defesa do Brasil, a partir do fim da primeira dcada sculo XXI. Alm disso, os pesquisadores analisam a relevncia geogrfica e econmica do Atlntico Sul em relao ao aumento da explorao des-se espao, verificam a nova realidade geopoltica, transformada pelas rotas de pas-sagem estratgica e pelo polo de desenvolvimento que as acompanham. Por fim, examinada a importncia geoestratgica do Oceano devido s ligaes que ele estabelece com a sia, via Oceano ndico, principalmente atravs da cooperao por meio do Frum de Dilogo IBAS e do papel desempenhado pela frica do Sul. Nesse sentido, Visentini e Pereira apontam que o espao sul-atlntico apresenta carter fundamental para o aprofundamento das relaes Sul-Sul. Portanto, in-dispensvel a reafirmao da soberania sobre as guas territoriais, a manuteno da segurana nos oceanos para a navegao, alm do bloqueio de qualquer iniciati-va de militarizao desse espao martimo por potncias extrarregionais.

  • CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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    No quinto captulo, Heitor Bonatto e rico Duarte exploram questes re-ferentes situao global de portos no que concerne temtica da segurana. Como exposto pelos autores, aps os eventos ocorridos em 11 de setembro nos Estados Unidos, um forte debate surgiu, no ceio da academia, sobre as ameaas, as vulnerabilidades e os riscos aos quais est submetida a cadeia de suprimentos internacional. Por envolver, uma srie de atores interconectados como empresas, aduanas, portos, e demais intervenientes, a gesto dos riscos objeto de debate e de formulao de polticas por parte dos governos; entretanto, o maior dilema que permeia esse debate conciliar segurana (regularidade aduaneira) com agilidade (facilitao do comrcio) na cadeia de suprimentos internacional. Nesse contexto, por causa da sua representatividade no comrcio internacional, compreender o pa-pel dos portos passa a ser elemento de extrema relevncia para a segurana dos ca-nais de suprimento nacionais e internacionais. Assim, os autores organizam esse captulo como base para uma discusso introdutria acerca da segurana global porturia e de seus possveis reflexos no Brasil. Para tanto, Bonatto e Duarte apre-sentaram conceitos e um breve histrico das reformas e da modernizao do setor porturio brasileiro, o papel do Brasil na Organizao Martima Internacional e a implementao de uma iniciativa aprovada pelo governo brasileiro denominada de ISPS Code (International Ship and Port Security Code), ou Cdigo Internacional de Segurana para Navios e Instalaes Porturias.

    O sexto captulo, redigido por Tamiris Santos e rico Duarte, apresen-ta algumas consideraes sobre os problemas, os desafios e as possibilidades de aplicao de ferramentas conceituais de gesto de defesa (defense management) e de anlise de defesa (defense analysis) no Ministrio da Defesa. O objetivo desse estudo proposto pelos autores observa a tentativa de congregar esferas exteriores ao meio poltico, acadmico ou militar para incorporar uma ferramenta de anlise que contemple tanto as questes de ordem organizacional e comunicativa, ineren-tes ao Ministrio da Defesa, quanto as preocupaes e diretrizes que emergem dos encontros, seminrios, palestras; ou seja, objetiva apontar um parmetro analtico que acompanhe melhor o processo de institucionalizao do Ministrio da Defesa, suas competncias e atuao poltica e, assim, viabilizar contribuies mais as-sertivas. A importncia desse estudo encontra-se no instrumento de mensurao do grau de coeso de um Estado em diversos aspectos prticos relativos defesa, constituindo um importante mecanismo de avaliao de conduo poltica e pro-jees. Uma vez que as pesquisas produzidas na academia desdobram-se em estu-dos de caso concentrados, principalmente, nos Estados Unidos e na Europa, estes acabam fornecendo apenas aplicaes de anlise de defesa e da viso dos referidos locais como parmetro. Assim, observa-se a ausncia de um pensamento estrat-gico brasileiro sistematizado dentro desse eixo. Essa lacuna pode ser percebida a partir de problemticas que necessitam ser levadas em considerao pelo governo brasileiro tanto na formulao de polticas de defesa, quanto na organizao do

  • POLTICAS DE DEFESA, INTELIGNCIA E SEGURANA NO BRASIL

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    Ministrio da Defesa, o qual ainda demanda maior demarcao de atividades de-senvolvidas, recursos humanos especializados e sinergia interdepartamental em apoio consecuo de polticas.

    No captulo sete, Luciano Colares aprecia o engajamento do Brasil com as Operaes de Paz da ONU a partir da tica de projeo de poder pela via multi-lateral. Para o autor, o Brasil, com sua larga experincia diplomtica e tradio pela busca de soluo pacfica de controvrsias, pode e deve desempenhar um pa-pel de liderana no segmento de operaes de paz. medida que o pas se apre-senta, perante a comunidade internacional, como um ator disposto a arcar com responsabilidades maiores, naturalmente as credenciais brasileiras comearam a consolidar-se e a garantir ao pas papel de destaque no planejamento e na execu-o desses tipos de misses que ocorrem sob chancela das Naes Unidas. Colares ainda afirma que o Brasil assumiu um grau de engajamento com as Operaes de Paz sem precedentes e aponta que esse grau de comprometimento pressupe que, dificilmente, o pas reduzir sua relevncia nesse tipo de operaes. Para tanto, imprescindvel que o pas tenha cincia de que dever se engajar e no hesitar diante das novas responsabilidades financeiras e humanas, cada vez maiores, ori-ginadas de polticas com os quais se comprometeu. Por fim, mediante a abordagem da evoluo histrica, o trabalho de Colares demonstra a importncia e o peso que as Operaes de Paz assumiram na poltica internacional contempornea e suas especificidades quanto participao do Brasil.

    Finalmente, no oitavo captulo, Priscila Brando e Vladimir Brito tratam das temticas do terrorismo, de inteligncia e dos mecanismos legais que estruturam as organizaes brasileiras de segurana pblica, assim como examinam os desafios enfrentados pelo Brasil no combate ao terrorismo na virada do sculo XXI. Nesse sentido, os autores propem uma reviso profunda da legislao que instrumen-taliza o combate ao terrorismo no Brasil, na medida em que, na prtica, existe uma enorme distncia entre a realidade e a capacidade prevista pela legislao para es-tabelecer algumas importantes definies conceituais, tais como o entendimento sobre terrorismo, inteligncia de segurana, inteligncia de segurana pblica e in-teligncia policial. Alm disso, para os autores, a fragilidade institucional brasileira e o arcabouo jurdico para lidar com o terrorismo so frgeis e a falta de mandados le-gais, considerando todos os princpios que devem reg-los (legitimidade, proporcio-nalidade, etc.), esvazia o potencial das funes dos profissionais de inteligncia na esfera da proatividade. Assim, essa realidade evidenciaria a premente necessidade de reformulao da atual legislao que orienta a atividade de inteligncia no pas.

    Espera-se que este livro apresente o escopo das pesquisas, reflexes e ex-pertise, acadmica e aplicada, que os membros do Grupo de Trabalho em Defesa, Inteligncia e Segurana do CEGOV/UFRGS so capazes de desenvolver.

    Boa leitura!

  • DEFESA NACIONAL ANTIMSSIL DOS EUA: A LGICA DA PREEMPO E SUAS IMPLICAES INTERNACIONAIS

    1

    JOS MIGUEL QUEDI MARTINSProfessor Adjunto do Departamento de Economia e Relaes Internacio-nais (DERI) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). pesquisador do Instituto Sul-Americano de Poltica e Estratgia (ISAPE), do Ncleo de Estratgia e Relaes Internacionais (NERINT-UFRGS) e do Grupo de Trabalho de Polticas de Defesa, Inteligncia e Segurana do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV-UFRGS).

    MARCO CEPIKProfessor Associado do Departamento de Economia e Relaes Interna-cionais (DERI) da UFRGS. Diretor do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV-UFRGS).

    [CAPTULO]

  • POLTICAS DE DEFESA, INTELIGNCIA E SEGURANA NO BRASIL

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    INTRODUO

    Este trabalho o primeiro de trs textos que analisam a relao entre estra-tgia, operaes e ttica, nos quais os autores procuram evidenciar a contribuio de um programa de pesquisa em Estudos Estratgicos para o desenvolvimento da rea de Relaes Internacionais no Brasil1. Mais especificamente, ao longo dos trs textos so analisados, no caso dos Estados Unidos da Amrica (EUA), os nexos de causalidade recproca entre a Defesa Nacional Antimssil (NMD)2 e o conceito ope-racional de Batalha Aeronaval (ASB)3, suas implicaes tticas e as consequncias potenciais para o sistema internacional.

    A hiptese principal a de que a ausncia de uma definio poltica sobre sua grande estratgia (POSEN, 2003; PORTER, 2013; RONIS, 2013; MONTGO-MERY, 2014) faz com que os Estados Unidos permitam que sua poltica externa e de segurana (PES) seja ditada por conceitos operacionais (tais como a ASB), ou, pior, por critrios procedimentais, tcnicos e tticos. Essa ltima assertiva, para ser verificada, depende do exame crtico a ser realizado no terceiro artigo desta srie, do papel cumprido por dois procedimentos tticos. A saber, a Supresso de Defesas Antiareas (SEAD) e a ruptura em profundidade da rede inimiga (NIA/

    (1) Os autores agradecem a colaborao de Bernardo Prates, Walmir Jos Franoes Jr., Guilherme Simionato, Humberto de Carvalho, Isabel Wehle Gehres, Las Helena Andreis Trizotto, Mirko Gonalves Pose, Osvaldo Pereira Filho, Pedro Txai Brancher, Bruno Kern, Frederico Licks Bertol, Laura Quaglia e Aline Hellmann. Os autores agradecem o apoio da PROREXT, SEAD e PROPESQ na UFRGS, bem como da FAPERGS e do CNPq, pelas bolsas e apoios financeiros concedidos para a realizao desta pesquisa. Quaisquer falhas so de inteira responsabilidade dos autores.

    (2) De acordo a Public Law 106-38 (1999), a NMD (National Missile Defense), ou Escudo Nacional Antimssil, a sucessora da SDI (Strategic Defense Initiative), mais conhecida como guerra nas estrelas, promovida durante os mandatos presidenciais de Ronald Reagan (1981-1989) nos Estados Unidos. Dentre os projetos que integram a NMD est o Sistema de Defesa de Msseis Balsticos (Ballistic Missile Defense System, ou BMDS), cuja principal rea de atuao a Europa e o Japo. Ainda assim, os principais elementos da defesa de msseis so operados pelo pessoal do Comando Estratgico dos EUA (USSTRATCOM), Comando Norte (USNORTHCOM), Comando do Pacfico (PACOM), Comando Europeu (USEUCOM) e Foras EUA no Japo (USFJ). Portanto, os escudos antimsseis japons e europeu, a despei-to de sua denominao, referem-se a pouco mais que o custeio e propriedade dos intercep-tadores, cuja operao quase integralmente dependente dos EUA. A coordenao geral fica ao encargo da Agncia de Defesa de Msseis (Missile Defense Agency, ou MDA), responsvel global pelo Escudo Nacional Antimssil (PICCOLLI, 2012, p. 13).

    (3) O conceito de Batalha Aeronaval, ou AirSea Battle (ASB), definido nos Estados Unidos pela proposio de um ataque efetuado em profundidade, articulado em rede, integrando domnios cruzados (espao, ar, mar), o qual pretende romper, destruir e derrotar a rede de radares, sensores, msseis antiareos, capacidade antinavio, bem como as bases areas e navais do adversrio (TOL et al., 2010; USN, 2013; TANGREDI, 2013).

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    D3)4. Esses procedimentos combinados vinculam a ASB e a NMD.

    Tal vinculao entre a NMD e a ASB, a um s tempo doutrinria e material, por sua vez, tem implicaes potenciais para as relaes internacionais contempo-rneas, incidindo tanto no grau de conflito e nos padres de alianas (polarizao), quanto na distribuio de capacidades materiais e no equilbrio de poder no siste-ma internacional (polaridade).

    Por exemplo, a despeito do novo acordo de reduo de armas estratgicas (New START) assinado em 2010, o eventual comissionamento de msseis antiba-lsticos hipersnicos lanados de terra, navios ou aeronaves, por parte dos Estados Unidos, colocaria em dvida a possibilidade da China, ou mesmo da Rssia, se defenderem de um ataque nuclear ou retaliarem aps sua eventual ocorrncia5. Em outras palavras, a conjuno da ASB com a NMD erode o fundamento da paz internacional baseada na dissuaso, a qual baseada no fato de que a retaliao a um ataque nuclear preemptivo seria to custosa que dissiparia quaisquer benef-cios que pudessem advir do primeiro ataque. Erodida a capacidade dissuasria da Rssia e da China, se estabeleceria um monoplio do espao e das armas nucleares por parte dos EUA, o que Keir Lieber e Daryl Press (2006, p. 8) denominaram primazia nuclear. Entretanto, dados os custos polticos e os riscos para a ordem internacional, a obteno da primazia nuclear deixou de fazer parte da poltica declaratria do governo norte-americano aps a eleio do presidente Barack Oba-ma, que firmou o New START ainda em seu primeiro mandato.

    Uma hiptese alternativa poderia postular que a primazia nuclear resulta

    (4) Tanto a SEAD, acrnimo para Supression of Enemy Air Defense, quanto a NIA/D3, acr-nimo para Networked Integrated, Attack-in-Depth, to Disrupt, Destroy and Defeat sero ana-lisadas nos trabalhos posteriores desta srie. Ver USN (2013, p. 4), DoD (2014a, p. 254), Bolkcom (2005, p. 3) e Bell (2012).

    (5) Armas hipersnicas antimssil possuem velocidade maior do que cinco vezes a velo-cidade do som, para pronto emprego, em qualquer lugar do planeta, utilizando munio convencional de preciso (Conventional Prompt Global Strike, ou CPGS). Em 2010, o ento Secretrio de Defesa Robert Gates declarou que os Estados Unidos estavam desenvolvendo esta capacidade e que a nova administrao continuaria o programa (CIRINCIONE, 2010, p. 1). Existem vrios desenvolvimentos paralelos nos Estados Unidos para interceptao cin-tica de msseis balsticos de teatro, tais como os sistemas Super Standard para lanamento da terra ou mar, desenvolvidos pela Raytheon, ou os msseis desenvolvidos pela Lockheed Martin para lanamento ar-ar com guiagem de data link e infravermelho (air-launched hit-to-kill, ou ALHK). Entretanto, o anncio de Gates coincidiu a assinatura do New START (08/04/2010), que estabeleceu limites para o comissionamento de msseis, tanto nucleares quanto convencionais. Graas ao New Start, Obama conseguiu limitar o programa, que era um dos eixos da poltica de obteno da primazia nuclear de George W. Bush. Oficialmente, o programa CPGS est ainda em fase de pesquisa e desenvolvimento. A deciso de comis-sionar um sistema de armas ainda no foi tomada. Porm, como se ver no texto, a NMD assumiu boa parte de sua lista de compras, sobretudo no que tange propulso hipersnica e aos msseis antiareos.

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    de um processo complexo, no completamente intencional, do qual a populao e o governo dos Estados Unidos seriam apenas parcialmente conscientes e relativa-mente impotentes, resultante da chamada espiral de insegurana internacional. Ocorre que, como se ver ao longo do trabalho, a NMD e a ASB incluem programas dispendiosos e de longa durao, pelo que se pode excluir a hiptese da esponta-neidade, restando a hiptese dos efeitos no antecipados, resultantes de falhas de accountability e impasse poltico na definio da grande estratgia.

    Ora, nos ltimos doze anos a NMD e o programa F-35 (carro-chefe da ASB) lideraram, por larga margem, os custos de aquisies de material blico dos EUA. No caso da NMD, estima-se que o programa custar, no mnimo, USD 138,5 bilhes (DoD, 2014b, p. 17), sendo que apenas entre 2002 e 2013 foram investidos USD 98 bilhes e a MDA solicitou mais USD 38 bilhes para investir at 2018 (GAO, 2014b, p. 1).6 No caso do F-35, entre 1996 e 2014 ele custou USD 332 bilhes, j tendo sido solicitados mais USD 240 bilhes para a concluso do programa (GAO, 2014a, p. 69). Neste caso, o valor total seria de USD 572 bilhes, podendo chegar a um trilho de dlares quando se somam os gastos com o desenvolvimento de turbinas e a acelerao tecnolgica em avinicos, guiagem e armas7.

    Ou seja, uma explicao mais plausvel a de que o grande volume de recur-sos envolvidos na NMD e na viabilizao do conceito operacional da ASB resulte de conflitos de interesse entre setores da burocracia militar e de defesa, empresas do setor, faces polticas e grupos de presso nacionais e internacionais. Tais con-flitos remetem a um tema clssico sobre o chamado complexo militar-industrial, qual seja, o da debilidade relativa dos mecanismos de accountability vertical e hori-zontal na rea de segurana nacional. importante reter esse contorno mais geral do problema, ao qual se liga a reivindicao de autores como Ronis (2013) e Mont-gomery (2014) para que os Estados Unidos definam uma nova Grande Estratgia8.

    (6) Como se sabe, o Government Accounting Office (GAO) computa apenas os gastos da MDA (Agncia de Defesa de Msseis). Em 2002, o presidente George W. Bush (2001-2009), ao denunciar o Tratado de Msseis Antibalsticos (1972), eliminou as restries a estas tecno-logias (MDA, 2014). Como no h uma estimativa de encerramento do programa, de fato impossvel estimar seu custo total.

    (7) Conforme o Pentgono, os dez programas mais onerosos em 2013 eram, respectiva-mente: 1) F-35 Lightning II (USD 329.964,1 milhes). 2) BMDS (USD 138.599,3 milhes). 3) DDG-51 Arleigh Burke (USD 94.024,2 milhes). 4) SSN 774 Virginia (USD 92.548,1 mi-lhes). 5) Turbina F-135 (para o F-35) (USD 68.620,5 milhes). 6) Veculo de Lanamen-to Descartvel Evoludo (EELV) (USD 67.622,4 milhes). 7) V-22 Osprey (USD 54.943,3 milhes). 8) KC-46A Pegasus (USD 49.560,6 milhes). 9) SLBM Trident II (USD 41.671,6 milhes). 10) CVN-78 Gerald Ford (USD 39.997,0 milhes). Cf. DoD (2014b,16-17).

    (8) Antes de ser uma preocupao abstrata, estabelecer o primado do sujeito na adminis-trao das coisas est no cerne de qualquer ideia de governo. Tambm serve como critrio para a democracia: o prprio sistema eleitoral nada mais que um artifcio para estabelecer as finalidades coletivas. Porm, democracia tambm uma forma de controle do poder.

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    Sem ela, a construo de armamentos (um meio) passa a presidir a prpria poltica externa e de defesa. Ento, seja por inrcia burocrtica, influncia patri-monial, ou ambos, d-se continuidade aos programas que j envolveram maior dis-pndio. E isso no coincide, necessariamente, com o que o mais necessrio estra-tegicamente, ou mesmo urgente, muito menos, necessariamente, com o resultado das eleies presidenciais, a vontade do Congresso Nacional ou da opinio pblica. Pior, corre-se o risco de tudo isso gerar uma retroalimentao viciosa, visto que as dinmicas internacionais geradas pelo perfil dos programas de modernizao acabam justificando a sua continuidade.

    A partir desse problema poltico mais geral (tico e ontolgico), desdobram--se as trs questes especficas que sero analisadas em seguida, cada qual em um artigo. A primeira questo, situada na esfera da estratgia9, que a anatomia e a fun-cionalidade de um Escudo Antimssil variam pouco, quer se trate do teatro operacio-nal ou do equilbrio global. Na prtica, um arranjo desse tipo pode tanto interceptar artesanais foguetes Qassam lanados pelos palestinos contra Israel quanto os msseis balsticos intercontinentais da Rssia e da China. Portanto, a despeito das intenes declaradas, escudos antimsseis dizem respeito ao equilbrio estratgico. Cumpre lembrar, mais uma vez, que por serem capazes de neutralizar ICBMs eles podem impedir que um ataque nuclear seja respondido com outro, o que coloca o de-tentor do escudo na situao de primazia nuclear. por isso que o Escudo Antimssil possui desdobramentos tanto no mbito da polarizao (relao entre as grandes potncias) quanto da prpria polaridade (distribuio de poder entre as grandes po-tncias). Esse novo tipo de monoplio nuclear criaria uma assimetria to pronun-ciada que colocaria em questo a prpria existncia do sistema interestatal, j que na primazia nuclear inexistiriam condies para qualquer tipo de balanceamento ou equilbrio. Estabelecer-se-ia uma dominao alicerada exclusivamente na fora, que tornaria sombria at mesmo a perspectiva de vitria estadunidense: ela traria consigo um elevado risco de disseminao pandmica do terrorismo e o potencial colapso de qualquer tipo de democracia, dentro ou fora do pas.

    A segunda questo, situada na esfera das operaes10, que o Escudo An-

    Entre os propsitos menos bvios do sistema poltico, est o de restabelecer o primado das finalidades humanas sobre os artifcios engendrados para realiz-las (meios), o que inclui a precedncia da conscincia sobre a tcnica e, sem dvida, da poltica sobre o material blico.

    (9) Estratgia diz respeito possibilidade de emprego da fora (meios) para atingir os obje-tivos da poltica nacional (fins). Em seu limite superior (Grande Estratgia) definida pela Constituio e pelas instncias de coordenao entre os formuladores das polticas de defesa, relaes exteriores, segurana institucional e inteligncia. A Estratgia Nacional diz respeito ao Presidente da Repblica e ao Congresso Nacional de modo mais direto e, por intermdio das instituies de accountability, sociedade como um todo. Em seu limite inferior, a estratgia afeta ao Estado Maior conjunto das foras armadas e aos Comandantes das foras singulares.

    (10) O termo operaes diz respeito ao planejamento e execuo de campanhas com o fito

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    timssil carrega consigo o imperativo da preempo: claramente ilustrado pela doutrina da batalha aeronaval (AirSea Battle). Sua eficcia, mesmo para propsi-tos limitados, supe a destruio das redes de radares computadores, postos de comando e, mais importante, dos msseis em sua fase atmosfrica de ascenso; o que exige a penetrao em profundidade no territrio inimigo. A eventual exe-cuo do conceito operacional ASB traz complicaes adicionais esfera da estra-tgia, tais como a de se tentar antecipar os efeitos que uma guerra preemptiva ini-ciada pelos EUA, mesmo que convencional, contra a Rssia e a China, teria sobre o pblico interno americano e sua relao com o Estado, bem como sobre os demais pases aliados dos EUA, os competidores, adversrios, ou mesmo sobre os inimigos declarados dos EUA. Alm disso, o escudo relega ttica um grande papel, pois sua eficcia o nico argumento plausvel para infringir a lei moral ao tomar a iniciativa de empreender a agresso mesmo com efeitos deletrios sobre o poder brando e a capacidade hegemnica estadunidense. Torna-se crucial analisar, na esfera operacional, se o escudo exequvel e em que termos.

    esfera da ttica11 pertence o terceiro problema, o da interceptao de ms-seis balsticos na fase atmosfrica. nisso que reside a interconexo do escudo com a AirSea Battle (ASB). O tempo decorrido entre o lanamento e a sada de um mssil balstico (BM) da atmosfera , em mdia, de 120 a 180 segundos. Nes-se intervalo, para viabilizar a interceptao, teria de ser cumprida uma srie de exigncias prvias, relacionadas Supresso de Defesas Antiareas (Suppression of Enemy Air Defenses, ou SEAD). Ser exequvel, no intervalo de tempo mencionado, efetuar a supresso a partir de uma abordagem puramente reativa, isto , defensi-va? Parece improvvel.

    Para tratar do primeiro problema (estratgia), ao longo do presente texto pro-cura-se realizar trs tarefas. Primeiro, apresentar o balano atual de capacidades nu-cleares entre Estados Unidos, Rssia e China, para que se possa compreender a fina-lidade e as implicaes da NMD. Em seguida, discute-se com mais detalhe a prpria anatomia do Escudo Antimssil. Finalmente, na concluso do trabalho so anuncia-dos os contedos dos prximos trabalhos (funcionamento do escudo e aspectos tti-cos), em conexo com a importncia atribuda s definies de grande estratgia para os EUA e o Brasil inserirem-se favoravelmente na transio tecnolgica em curso.

    de vencer a guerra. Serve para especificar, no mbito das foras singulares, seu papel em grandes batalhas ou operaes. Em termos administrativos, correspondem tambm s ta-refas logsticas do Exrcito, Fora Area ou Marinha, bem como seus respectivos sistemas divisionais (3 Exrcito, 15a Fora Area, 2a Frota, etc.).

    (11) A ttica diz respeito ao uso do combate para vencer batalhas. Como tal, abarca o cotidia-no da guerra que travada pelas subunidades. Grosso modo, pode-se dizer que de brigada para baixo tudo diz respeito ttica. Sua esfera de deciso recai desde o general de brigada at o cabo, ou seja da pessoa que comanda 5.000 efetivos at aquela que comanda dois ou trs soldados.

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    AS CAPACIDADES NUCLEARES DE ESTADOS UNIDOS, RSSIA E CHINA

    A discusso sobre a Defesa Nacional Antimsseis nos Estados Unidos re-monta ao programa Iniciativa de Defesa Estratgica (Strategic Defense Initiative, ou SDI), lanado em 1983 pelo presidente Ronald Reagan (1981-1989) com a jus-tificativa de eliminar a ameaa representada pelas armas nucleares, utilizando de-fesas missilsticas no nucleares. Em 1984, a SDI reuniu e consolidou programas que estavam dispersos sob a coordenao da Organizao da Iniciativa de Defesa Estratgica (Strategic Defense Initiative Organization, ou SDIO). Em 1993, aps o final da Guerra Fria e da prpria Unio Sovitica, o governo Clinton (1993-2001) rebatizou a SDIO como Organizao de Defesa de Msseis Balsticos (Ballistic Missile Defense Organization, BMDO), cujo escopo passou a restringir-se aos ms-seis balsticos de teatro. Em 1999, uma Lei Nacional de Defesa de Msseis (Public Law 106-38) definiu a misso da BMDO. Em 2002, na esteira da comoo nacio-nal causada pelos atentados de 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush (2001-2009) retirou os Estados Unidos do Tratado de Msseis Antibalsticos (1972), eliminando as restries para desenvolvimento e teste de sistemas antiba-lsticos intercontinentais. Na mesma poca a BMDO passou a se chamar Agncia de Defesa de Msseis (Missile Defense Agency, MDA).

    Ainda na dcada de 1950, os EUA e a URSS comearam a desenvolver ms-seis antibalsticos (ABMs) e armas antisatlite (ASAT). O primeiro mssil balstico lanado do ar (Air-Launched Ballistic Missile, ou ALBM), por um bombardeiro B-47 Stratojet, foi o Bold Orion (WS-199B), que abateu um satlite em 195912. A evoluo poltica da Guerra Fria e o desenvolvimento de uma trade de vetores e armas ter-monucleares pelas duas grandes potncias eventualmente levaram assinatura do tratado de Moscou (1972), o qual, dentre outras disposies, previa a limitao dos ABMs a um mximo de cem msseis antimsseis balsticos para cada parte. O concei-to estruturado pelo tratado ABM reconhecia que apenas a manuteno de vulnera-bilidades recprocas seria capaz de assegurar o equilbrio, visto que qualquer preten-so de se vencer uma guerra nuclear seria ilusria (FREEDMAN, 2003, p. 213-267).

    Mesmo sem analisar o processo histrico de eroso da dissuaso mtua as-segurada13, a nova realidade internacional criada pela denncia do Tratado ABM e a prpria racionalidade estratgica da NMD demandam uma avaliao preliminar sobre as atuais capacidades nucleares dos EUA, Rssia e China. Para realizar tal

    (12) As armas antissatlite (Anti-Satellite Weapons, ou ASAT) foram proscritas pelo Tratado do Espao Sideral de 1967.

    (13) Para uma introduo ao tema recomenda-se, alm do livro de Lawrence Freedman (2003), tambm a leitura de Paul, Harknett e Wirtz (2000).

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    avaliao preciso estabelecer um inventrio quantitativo de veculos de entrega e ogivas, mas apenas daqueles que as trs grandes potncias possam usar umas contra as outras. Por esse motivo, foram excludos sistemas subestratgicos e ve-culos que ficam aqum do alcance requerido. Tambm necessrio fazer uma ava-liao qualitativa sobre a situao da trade nuclear dos trs pases (DUNNIGAN, 2003). Com base nos parmetros quantitativos (ogivas e msseis) e qualitativos (mobilidade e sobrevivncia do arsenal), contrastados com a anatomia do escudo antimssil (ou das defesas antiareas, conforme o caso), a ser apresentada na seo seguinte, pode-se concluir o trabalho com uma avaliao das implicaes poten-ciais para a ordem global e a segurana internacional.

    Comeando pelos Estados Unidos, o pas atualmente dispe de duas varian-tes de Mssil Balstico Intercontinental com alcance superior a cinco mil quilmetros (Intercontinental Ballistic Missile, ou ICBM). Respectivamente, o LGM-30G Minute-man III Mk-12A (200/220) e o LGM-30G Minuteman III Mk-21/SERV (250/250)14. Ao todo, os Estados Unidos contariam, portanto, com 450 msseis balsticos inter-continentais armados com, no mnimo, 470 ogivas (nucleares e convencionais). Des-te total, razovel supor que os EUA possuam 119 msseis com ogivas nucleares co-missionadas em sistemas terrestres, fixos, ainda que protegidos por grosso concreto (endurecidos). As demais ogivas nucleares so distribudas entre sistemas mveis, navais e areos, nas quantidades previstas pelo acordo New START15.

    No caso dos Estados Unidos, os submarinos de propulso nuclear lanadores de msseis balsticos (Ballistic Missile Submarine, ou SSBN) carregam trs variantes do mesmo mssil, o UGM-133A Trident II D5 Mk-4, o Mk-4A e o Mk-5. Ao todo, es-tima-se que o pas disponha de 240 msseis balsticos lanados de submarinos (Sub-marine-Launched Ballistic Missile, ou SLBM), com 960 ogivas comissionadas. Por sua

    (14) Entre parnteses o primeiro nmero corresponde quantidade de msseis existentes no inventrio, enquanto o segundo nmero indica a quantidade de ogivas estimada pelos autores diante do total de ogivas apurado pelo New START (DOS, 2014). Ver tambm IISS (2014, p. 42), Kristensen e Norris (2014, p. 86).

    (15) Note-se que o relatrio do New START se refere apenas aos veculos de entrega (ICBMs, SLBMs, e ALCMs) e ao total de ogivas. Inexistem dados disponveis sobre o comissionamen-to de ogivas nos diversos tipos de msseis. Tambm importante chamar a ateno ao con-tedo do Tratado New START. Diferentemente de seu predecessor (1991), este novo START no estipula sublimites. Assim, se o pas desejar, pode comissionar todos os seus sistemas s em terra, mar ou ar, desde que no viole o limite mximo previsto de ogivas. Portanto, procurou-se cruzar os dois nmeros (veculos e ogivas) e construir, com base na informao disponvel e devidamente referenciada, uma estimativa sobre a distribuio de ogivas nos diferentes sistemas de entrega. Tome-se como ilustrao o caso dos sistemas terrestres dos EUA. Se multiplicssemos o nmero de msseis pelo nmero de ogivas que cada ICBM ca-paz de levar, veramos que os EUA so capazes de ter comissionadas em ICBMs at 850 ogi-vas. Porm, o nmero comissionado de msseis de 470. Portanto, depreende-se que muitos deles podem estar sem ogivas nucleares, mantendo-se os EUA em limiares ainda mais baixos que os previstos no START. Nesta suposio, os demais ICBMs estariam comissionados com ogivas convencionais de preciso conforme previsto no programa Global Strike.

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    vez, os bombardeiros estratgicos dos EUA so de dois tipos, o B-52H Stratofortress e o B-2A Spirit. No total, estima-se que existam 66 bombardeiros cumprindo fun-o estratgica16, capazes de lanar at 506 msseis cruzadores (Air-Launched Cruise Missile, ou ALCM), cada um com uma ogiva (KRISTENSEN; NORRIS, 2014, p. 86).

    Em resumo, considerando os diferentes meios de entrega que configuram a chamada trade estratgica, estima-se que os EUA possam dispor de 119 ICBMs armados com 119 ogivas nucleares, mais 240 SLBMs armados com 960 ogivas nu-cleares, alm de 506 ALCMs armados com 560 ogivas nucleares, perfazendo o to-tal de 1.585 ogivas nucleares de uso estratgico relatadas no START (DOS, 2014). Aproximadamente, os Estados Unidos possuem 7% de suas ogivas baseadas em terra, 61% no mar e 32% no ar, ou seja, 93% de seu arsenal estratgico baseado em sistemas mveis mais difceis de localizar e destruir.

    No caso da Rssia17, atualmente o pas possui seis tipos de ICBM, a sa-ber, o RS-20 (SS-18) (54x5[10]), o RS-12RM (SS-25)(160x1[1]), o RS-18 (SS-19) (40x3[6]), o RS-12M2 (SS-27M1) (78x1[1]) e o RS-24 (SS-27M2) (24x3[~3]). Mul-tiplicando-se o nmero de msseis pelo de ogivas comissionadas, chega-se a um total de 356 msseis e 700 ogivas (IISS, 2014, p. 180-181)18.

    Por sua vez, os SLBM russos carregam dois tipos de msseis balsticos inter-continentais, o RSM-50 (48x3) e o R-29 RMU (96x4), perfazendo um total de 144 msseis e 528 ogivas (IISS, 2014, p. 180). Por sua vez, a aviao estratgica russa dispe de trs aeronaves de longo alcance, a saber, o Tu-160 (16x12), o Tu-95MS6 (31x6) e o Tu-95MS16 (31x16), totalizando 78 bombardeiros, o que fornece uma capacidade total de 564 msseis cruzadores, cada um equipado com apenas uma ogiva (IISS, 2014, p. 181).

    Como no relatrio do New START consta um total de 1.512 ogivas nuclea-res comissionadas para a Rssia, sem especificar sua distribuio em terra, mar ou ar (DOS, 2014), assim como no caso dos EUA, procurou-se estimar tal distribuio baseando-se na proporo da capacidade disponvel inventariada acima. Ou seja,

    (16) Os EUA, a Rssia e a China possuem em seus inventrios um nmero bem maior de bombardeiros do que os enumerados aqui. Ocorre que, por diferentes razes, nem todos so utilizados em funo estratgica nuclear (KRISTENSEN; NORRIS, 2014, p. 86; IISS, 2014).

    (17) No caso da Rssia, utilizou-se a nomenclatura oficial do pas para os msseis, incluindo a designao norte-americana (DoD) dos mesmos entre os primeiros parnteses. Entre os segundos parnteses, os trs nmeros indicam, respectivamente: a) a quantidade de msseis existentes no inventrio; b) o nmero de ogivas estimado pelos autores; c) o nmero total de ogivas que aquele tipo de mssil comporta entre colchetes.

    (18) Como se sabe, a Organizao do Tratado do Atlntico Norte (North Atlantic Treaty Or-ganization, NATO ou, para seguir a maneira mais natural de referncia no Brasil, OTAN) uti-liza nomenclatura prpria para designar sistemas, plataformas e armas russas e chinesas. Salvo indicao em contrrio, utilizam-se as nomenclaturas dos prprios pases. Quando o nome utilizado pela OTAN puder ou precisar ser fornecido, este ser indicado entre pa-rnteses. Cf. . Acesso em: 25 jun. 2014.

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    319 ICBMs com 602 ogivas (terra), 115 SLBMs com 440 ogivas (mar), alm de 470 ALCMs com 470 ogivas (ar), o que perfaz o total referido no relatrio. No caso da Rssia, a proporo entre foras nucleares terrestres (fixas e mveis) e aeornavais menos favorvel, de 40% (602) para 60% (910). Tambm como no caso estaduni-dense, h presso do custeio para manter as ogivas em sistemas terrestres, menos mveis e capazes de sobreviver. Entretanto, alm dos custos, pesam tambm sobre as grandes potncias as decises das demais, e certamente o Escudo Antimsseis dos Estados Unidos coloca em xeque o dispositivo dissuasor russo.

    Nesse sentido, um outro aspecto relevante do relatrio New START a evo-luo da produo de novas ogivas nucleares por parte da Rssia. Apenas entre janeiro e abril de 2014, registrou-se um aumento de 112 ogivas (de 1.400 para 1.512), uma mdia de 40 novas ogivas nucleares ao ms. Note-se que, de acordo com o tratado, o mximo de ogivas estratgicas previsto para 2018 1.550. Ao que parece, no intervalo de meses referido, os russos procuraram demonstrar sua capacidade em produzir, ou reprocessar, as ogivas estocadas. Segundo o invent-rio global de armas nucleares de 2013, atualmente a Rssia dispe de um total de 4.480 ogivas em estoque, alm de 4.000 aguardando desmantelamento, o que da-ria uma reserva aproximada de 8.500 ogivas disponveis para o reprocessamento (KRISTENSEN; NORRIS, 2013, p. 76).

    FIGURA?

    Finalmente, a China atualmente possui dois tipos de ICBM, a saber, o Don-gfeng DF-5A (20x1) e o DF-31A (24x3), com alcances, respectivamente de 13.000 e 12.000 km19. Multiplicando-se o nmero de msseis (44), pelo nmero de ogivas,

    (19) Como a China no integra o New START, os nmeros entre parnteses indicam, res-pectivamente: a) a quantidade de msseis; b) multiplicados pelo nmero de ogivas em cada mssil; c) o rendimento individual de cada ogiva entre colchetes. Quando descrito, o rendi-mento explosivo de cada ogiva apresentado em megaton (MT), equivalente a um milho de toneladas de TNT, ou quiloton (KT), equivalente a um milhar de toneladas de TNT.

    Figura 1 - Resumo do arsenal russo e americano declarados no New START

    Fonte: Elaborado por Humberto Carvalho, com base em DoS (2014).

    EUA e Rssia: Ogivas e Msseis Nucleares Declarados ao New START

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    estima-se que os chineses disponham de 92 ogivas capazes de atingir o territrio continental dos Estados Unidos (IISS, 2014, p. 231)20.

    Quanto s capacidades estratgicas da Marinha, a China possui quatro sub-marinos SSBN, lanadores de SLBMs. Entretanto, apenas trs submarinos Type 094 (OTAN: Jin) podem embarcar o mssil Julang-2A (JL-2A), que seria o nico capaz de atingir os EUA a partir das guas territoriais da China. Como o alcance requerido para este objetivo de 11.000 km, e estima-se que o JL-2A ter alcance de 14.000 km, ele ser um acrscimo importante para o arsenal chins, mas no foi computado aqui, pois ainda no est em servio (IISS, 2014, p. 231).

    J a fora de bombardeiros estratgicos chineses composta apenas pelo Xian H-6K (20 aeronaves), nos quais podem ser embarcados msseis cruzadores (ALCM), tais como o CJ-10 ou o CJ-20, armados com uma nica ogiva em cada ms-sil, sendo que cada avio bombardeiro carrega de quatro a seis msseis (IISS, 2014, p. 231-232). Como s possvel atingir alvos no territrio continental dos Estados Unidos somando-se o alcance do avio com o do mssil, s o CJ-20 foi computado21.

    Caso a China pudesse ou quisesse utilizar todos os seus bombardeiros H-6K armados com msseis CJ-20 e ogivas nucleares (faixa KT) para surtidas sem volta (combustvel), em misses de retaliao nuclear, tais vetores poderiam lanar at 80 ogivas sobre o territrio dos Estados Unidos. Trata-se, obviamente, de um exagero absurdo, sem falar que o prprio comissionamento de ogivas nucleares nos ALCM chineses ainda tema controverso (MONTGOMERY, 2014, p. 132-133). Uma esti-mativa mais realista seria a de que apenas alguns H-6K e CJ-20 foram modificados para cumprir papel estratgico, no caso, dos bombardeiros e dos potenciais AL-CMs. Admitindo-se a validade do raciocnio, haveria cinco H-6K armados com dez ALCM (CJ-20) com a possibilidade de, eventualmente, atingirem o territrio dos Es-tados Unidos. Contudo, dado o percurso praticvel para elidir os caas estratgicos

    (20) O Military Balance do IISS considera o Dongfeng-4 (DF-4) como um ICBM (IISS, 2014, p. 231). Estima-se que dez msseis estejam operacionais, cada um portando trs ogivas (10x3). Como seu alcance de 4.750 km, trata-se de um mssil balstico de alcance inter-medirio (Intermediate-Range Ballistic Missile, ou IRBM). Contudo, como se poder ver em seguida, conjugado ao DF-31 o DF-4 pode ter um papel operacional importante na eventu-alidade de uma guerra termonuclear. Por sua vez, tambm o DF-31 (armado com uma ogiva de uma MT ou at trs ogivas variando entre 50 e 100 KTs), com seu alcance de 8.000 km, no tem como atingir territrio continental dos Estados Unidos, cujo ponto mais prximo do territrio chins, atravessando o plo rtico, est a 9.661 km de distncia. A situao se repete com o SLBM Julang-2 (JL-2), cujo alcance mximo, segundo Hans Kristensen de 7.200 km. Como os submarinos Type-094 ainda so muito barulhentos, remota a chance de aproximarem-se distncia de lanamento sem serem interceptados. Por esse motivo (alcance limitado), esses msseis foram excludos do cmputo, mas sero importantes para a avaliao posterior das opes tticas e da conduta operacional nuclear chinesa.

    (21) O raio de combate do Xian H-6 de 1.800 km, com um alcance total de at 6.000 km. Como o alcance do mssil CJ-20 chega a 3.000 km, o alcance mximo dos vetores nucleares areos chineses seria atualmente de no mximo 9.000 km (CORDESMAN; HESS; YAROSH, 2013).

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    dos EUA (F-22 e F-15C), as limitaes de alcance do Xian H-6K se tornam crticas, se-no proibitivas, descartando seu emprego contra o territrio continental dos EUA.

    Assim, mesmo que se incluam dez ALCM armados com ogivas nucleares, o total das capacidades nucleares chinesas com alguma probabilidade de atingirem os EUA seria de 54 msseis e 102 ogivas (44 ICBMs, nenhum SLBM e dez ALCM). Na verdade, s se pode ter alguma convico acerca dos ICBMs chineses, ou seja, estima-se que apenas 44 msseis e 92 ogivas teriam capacidade de atingir os EUA. Alm de estimar as quantidades de ogivas e msseis que cada uma das trs grandes potncias dispe atualmente, necessrio avanar algumas consideraes qualita-tivas sobre a ordem de batalha nuclear dos EUA, Rssia e China para que se possa compreender melhor a NMD.

    Em primeiro lugar, destaca-se o fato de que os Estados Unidos possuem o maior arsenal e a trade estratgica mais completa. Alm disto, a maior parte de seu arsenal estratgico mvel. Graas a essa redundncia sistemas fixos en-durecidos em terra e sistemas mveis no mar e ar os Estados Unidos possuem maior resilincia e capacidade de segundo ataque na eventualidade de uma guerra nuclear. Alm disso, caso se admita o modelo de distribuio proposto (com 119 ogivas em terra), 93% do arsenal nuclear americano estaria comissionado em ba-ses mveis. Mesmo que se despreze a estimativa proposta aqui e se adote o limite mximo do New START na distribuio de ogivas por msseis terrestres (com 850 ogivas), ainda assim 54% do arsenal norte-americano permanece mvel. Seriam ainda 735 ogivas nucleares lanadas de plataformas mveis, trs vezes o nmero atual do arsenal total estimado da China (de 250 ogivas, includas as subestrat-gicas) e 49% das capacidades atuais da Rssia (1.512). Parece bvio, neste caso, que seria suicdio para qualquer um destes pases iniciar uma guerra nuclear com os EUA. Evidentemente, isso no autoriza a suposio contrria, de que os EUA possam atac-los impunemente, como se v logo adiante.

    Sobre os EUA, cabe ainda notar que a concluso acima segue vigorando mesmo na suposio de que houvesse uma situao de capacidades antimssil in-versa. Caso Rssia e China detivessem o escudo antimssil e a Pronta Capacidade de Ataque Global de Preciso (Conventional Prompt Global Strike, ou CPGS) com veculos hipersnicos. Ainda assim, seria impossvel eliminar a capacidade de se-gundo ataque dos EUA, em virtude dos sistemas mveis. Aqui pouco importa a assuno adotada (EUA com 119 ou com 850 ogivas em ICBMs), Rssia ou China seriam igualmente destrudas com a diferena remanescente, seja ela de 735 ou de 1.466 bombas de hidrognio. Na prtica, trata-se de uma verdadeira invulnerabi-lidade dos EUA contra um primeiro ataque nuclear, garantida exclusivamente pelo potencial dissuasrio nuclear que o pas j possui.

    Nesse sentido, a NMD representaria, no plano estratgico, uma escalada militar indireta, travada por meio do desenvolvimento e produo de tecnologia

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    militar antimssil, com o objetivo de aquirir superioridade securitria. Resta saber se os incentivos gerados por essa corrida nuclear indireta beneficiam os Estados Unidos, ou melhor, se as respostas isoladas ou conjuntas da Rssia e da China a esta nova ameaa representada pela NMD tendem a aumentar a insegurana glo-bal e dos prprios Estados Unidos da Amrica.

    Em segundo lugar, cumpre observar que atualmente a Rssia ainda possui robustas capacidades de segundo ataque. Qualquer que seja o quadro da distribui-o de ogivas realmente existente, admitindo-se a viabilidade material da suposi-o de distribuio feita acima, de 602 ogivas em terra (40%) e 910 ogivas em mar e ar (60%), pode-se afirmar que se o governo russo assim o decidir ele pode ter desde j a maior parte de suas armas estratgicas situadas em sistemas mveis.

    Ou seja, o escudo antimssil dos Estados Unidos surge premido por dois riscos extremos. O primeiro nascer obsoleto, dado o potencial de mobilidade das foras estratgicas russas. O segundo que, para ser efetivo, pressione a Rssia e a empurre para uma postura de uso preemptivo de suas capacidades nucleares. Nos dois casos, o NMD aumenta a instabilidade internacional ao invs de substituir a doutrina da destruio mtua assegurada por uma soluo mais segura como pretendem os artfices da NMD.

    A Rssia, diferentemente da China (que mantm a doutrina de nunca ser a primeira a empregar armas nucleares), j admite a possibilidade de ser a primeira a transpor o limiar nuclear:

    A Federao Russa se reserva o direito de utilizar armas nucleares em resposta utilizao de armas nucleares e outros tipos de armas de destruio em massa contra ela ou seus aliados, e tambm no evento de uma agresso contra a Federao Russa envolvendo o uso de armas convencionais quando a prpria existncia do Estado esti-ver sob ameaa (RUSSIA, 2010, traduo nossa)22.

    As armas convencionais a que se refere o texto da doutrina russa seriam justamente os msseis hipersnicos, como declarou recentemente o Secretrio do Conselho de Segurana da Federao Russa, Mikal Popov:

    [...] cada vez mais evidente o af dos EUA e dos pases-membros da OTAN de incrementar seu potencial ofensivo estratgico mediante o desenvolvimento de um sistema global de defesa antimsseis [...] e de novos meios de combate armado, includas armas hipersnicas (RT, 2014, traduo nossa).

    Ou seja, o projeto do Escudo Antimssil inseparvel dos programas missi-

    (22) The Russian Federation reserves the right to utilize nuclear weapons in response to the utilization of nuclear and other types of weapons of mass destruction against it and (or) its allies, and also in the event of aggression against the Russian Federation involving the use of conventional weapons when the very existence of the state is under threat.

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    lsticos do projeto Global Strike, voltado para desarmar um adversrio nuclear fa-zendo uso de armas convencionais. Isso dado pela possibilidade de duplo uso dos msseis do sistema Aegis BMD embarcados em navios, tanto antiareo (contra ae-ronaves e msseis) quanto antisuperfcie (TLAM). Vale mencionar que o chamado Tomahawk Land Attack Missile (TLAM) inclui as verses BGM-109C e tambm os RGM/UGM-109E (TLAM Block IV). Os prprios msseis antiareos possuem capa-cidade antisuperfcie, limitada apenas pelo rendimento da ogiva. No obstante, o uso do planador hipersnico pode superar essa limitao, graas energia gerada pelo seu prprio movimento e pela fora cintica do impacto. Importa reter essa possibilidade de duplo emprego dos msseis antiareos embarcados em navios, ca-racterstica j presente nos msseis RIM-66 e RIM-67 (Rocket Intercept Missile)23.

    Em terceiro lugar, uma avaliao qualitativa das capacidades nucleares das grandes potncias permite constatar que a China apresenta vulnerabilidades signi-ficativas. Diferentemente dos EUA e da Rssia, a China possui suas principais foras estratgicas baseadas em terra. A maior parte delas mvel (DF-31A). Contudo, em virtude das limitaes autoimpostas pela doutrina nuclear chinesa (estocar mssil, ogiva e combustvel em locais separados), o pas depende de uma rede de tneis para resistir a um eventual primeiro ataque nuclear. Alm disso, o nmero reduzido de ve-culos e ogivas torna o pas vulnervel ao Escudo Antimssil e ao futuro Global Strike.

    Da percepo dessa assimetria desfavorvel de capacidades nucleares surge uma doutrina chinesa de emprego escalonado do seu escasso arsenal nuclear. Trata--se da combinao entre fogo e o movimento de aeronaves e msseis. Possivelmente, a resposta chinesa a um ataque nuclear dever ser escalonada em termos temporais e/ou geogrficos. Ou seja, mesmo que todos os msseis sejam lanados simultanea-mente, possvel o escalonamento geogrfico. Em primeiro lugar, ataques exempla-res contra as defesas antimsseis prximas no Japo, Coria e Guam. A seguir, ainda de carter exemplar, as defesas situadas no Alasca, reservando algumas ogivas para uso contravalor, visando a atingir o territrio continental dos Estados Unidos24.

    Para exemplificar o procedimento que os chineses tendem a adotar caso se-jam atacados pelos Estados Unidos, considere-se o caso do IRBM DF-4 (10x1[2/3 MT]), cujo alcance mximo de 4.750 km. Tais msseis balsticos de alcance inter-medirio seriam dirigidos prioritariamente contra alvos exemplares na Coreia do Sul (Base de Osan), Japo (Bases em Okinawa) e Guam (Base Andersen). Assim,

    (23) Outras implicaes dessa conexo entre o Escudo Antimssil e o Global Strike sero analisadas posteriormente em dois outros textos, referentes s dimenses operacionais e tticas da NMD.

    (24) A designao de Ataque Exemplar foi utilizada em 1962 na Doutrina da Contrafora, pelo ento Secretrio de Defesa Robert McNamara, para designar que os alvos prioritrios dos EUA passavam a ser os msseis e foras nucleares da URSS e no mais suas cidades. Trata-se de uma continuao da Doutrina da Resposta Flexvel (1961). Desde ento, o ter-mo exemplar tem sido utilizado, mesmo fora do contexto nuclear, para designar ataque contra alvos militares. Ver Freedman (2003, p. 213-231).

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    o DF-31 (12x1/3[1xMT/3x100KT]), com alcance de 8.000 km, poderia ser em-pregado contra as defesas antimssil e radares do Alasca (Estao de Clear), a qual situa-se dentro de seu alcance, a 7.338 km da base chinesa do DF-31 em Xixia. Destrudos esses alvos, os demais ICBMs poderiam ser lanados com maiores pos-sibilidades de passar sem que se possa intercept-los. Nesse caso, seriam lanados tanto os DF-5A (20x1[x2MT]) quanto os DF-31A (24x3[x100KT]), com alcances entre 12.000 e 13.000 km, aos quais caberia apenas o ataque principal, de contra-valor, contra o territrio continental dos EUA. Seriam no mnimo 44 msseis e 92 ogivas. Mesmo considerando os desdobramentos futuros da NMD, se apenas um dcimo das ogivas forem capazes de atingir seus alvos, seria incalculvel o custo econmico, poltico e social para os EUA perderem nove de suas principais cidades.

    Considerando tal cenrio, a fora nuclear chinesa, contando algo entre 180 e 250 ogivas, incluindo as armas subestratgicas, poderia funcionar como uma dissuaso mnima crvel mesmo contra capacidades muito mais numerosas dos EUA e da Rssia, respectivamente de 1.585 e 1.512 ogivas nucleares, sem contar as ogivas subestratgicas.

    Seja como for, a disposio e a capacidade dos sistemas, bem como as supo-sies acerca da doutrina de emprego e dos condicionantes mais gerais das polticas de defesa e segurana dos pases do Leste Asitico, no apenas da China, consti-tuem uma agenda de pesquisa importante para que se possa analisar adequada-mente o impacto sistmico do Escudo Antimssil (NMD). Apenas para mencionar dois temas, estes so o caso das Zonas de Identificao Area e da disputa em torno das ilhas Diaoyu/Senkaku, no Mar do Leste da China. Tal agenda remete dimen-so operacional do NMD, articulada tambm s opes tticas norte-americanas para a viabilizao do conceito operacional de Batalha Aeronaval (ASB) na regio.

    Entretanto, mesmo deixando tais aspectos operacionais e tticos para tra-balhos posteriores, os incentivos gerados pela NMD e a resposta estratgica por parte da Rssia (preempo nuclear) e da China (no first use, mas retaliao fle-xvel) indicam o papel sistmico desestabilizador do Escudo Antimssil dos Esta-dos Unidos em seu formato atual. Assim, na prxima seo procuramos avanar descrevendo a anatomia do Escudo Antimssil, o que poder fornecer indicaes adicionais sobre os dilemas estratgicos envolvidos na sua implementao.

    ANATOMIA DO ESCUDO ANTIMSSIL

    Concebido e justificado como uma medida estritamente defensiva, um Escu-do Antimssil envolve (como qualquer defesa), uma dimenso ofensiva cujo ataque

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    depende, basicamente, de trs segmentos: 1) sensores; 2) meios de intercepo; 3) meios de ataque aos msseis balsticos em sua fase de ascenso atmosfrica. Nesta seo sero apresentados os sistemas de alerta antecipado (sensores) dos Estados Unidos, Rssia e China, bem como os sistemas de interceptao dos trs pases. No caso dos meios de ataque aos msseis na fase de ascenso, apenas os Estados Unidos dispem de sistemas capazes e a apresentao se restringir quele pas. O objetivo de comparar os trs pases testar a hiptese de que os trs, e no apenas os Esta-dos Unidos, estejam engajados na tentativa de construir escudos nacionais antims-seis e, portanto, na prtica, estejam empenhados na obteno de primazia nuclear.

    Por sensores, entendam-se aqui todos os tipos de equipamentos que de-tectam ou registram atividades ou objetos por meio de partculas de energia emi-tidas, que so refletidas ou modificadas pelos prprios fenmenos observados (MAKAROV; DI PAOLA, 2011, p. 312). Os sensores podem ser situados no espao sideral, no ar, no mar e na terra.

    O dilema suscitado pelos sensores, associado ao processo instantneo de comunicao, reside em articular o processo cognitivo e decisrio humano rea-lidade criada pelos computadores (digitalizao) e seu papel no gerenciamento de batalha (battle management). Sensores esto presentes em quase todos os ativos que compem qualquer sistema de alerta antecipado, envolvendo de maneira am-pla inteligncia, vigilncia e reconhecimento (intelligence, surveillance and recon-naissance, ou ISR). Integram, pois, sistemas espaciais, aeronaves, navios, subma-rinos e veculos terrestres. Os diversos tipos de sensores podem ser classificados de muitas formas, dependendo do critrio e da tipologia empregada, interessando particularmente aqui alguns tipos de radares, os quais constituem elementos cru-ciais nos sistemas de alerta antecipado (early warning, ou EW).

    Apesar da enorme variedade de radares e de outros sensores utilizados pelas grandes potncias (e pelas potncias regionais), no caso dos Estados Unidos, Rssia e China, seus respectivos sistemas de alerta antecipado so parecidos em termos de princpios bsicos e funes (detectar o lanamento de msseis e, quando possvel, rastre-los e adquirir alvos para tentar interceptar os msseis inimigos).

    A partir do espao sideral, tais radares esto embarcados em satlites e operam principalmente na faixa infravermelho (IR) do espectro eletromagntico, permitindo-lhes detectar os msseis logo aps o lanamento, dada a assinatura gerada pela exausto dos motores. No ar, os radares para alerta antecipado podem ser embarcados em uma grande variedade de aeronaves, desde pequenos veculos areos remotamente tripulados (unmanned aerial vehicle, ou UAV), at enormes avies utilizados como plataformas aerotransportadas de controle e alerta ante-cipado (airborne early warning and control, ou AEW&C). No mar, importam os ra-dares embarcados em navios (como os sistemas SPY-1, fabricado pela Lockheed Martin para a Marinha dos Estados Unidos), ou mesmo em enormes platafor-

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    mas navais mveis (como o sistema X-band SBX-1, desenvolvido Raytheon para a Boeing, contratada da Missile Defense Agency dos Estados Unidos). Finalmente, radares baseados em terra tambm podem apresentar grande variedade de confi-guraes e parmetros, mas importa aqui destacar os grandes radares de arranjo fsico, tais como os sistemas PAVE PAWS (Precision Acquisition Vehicle Entry Phased Array Warning System, desenvolvidos pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria), ou seus sucedneos, como os Solid State Phased Array Radar Systems (SSPARS). Os radares atmosfricos (ar, mar e terra), de sensoriamento alm do horizonte (over the horizon, ou OTH), rastreiam ogivas enquanto elas se aproximam dos alvos.

    Das trs grandes potncias, os Estados Unidos possuem o sistema de aler-ta antecipado (EW) mais completo e robusto do planeta. Sua rede, como se depre-ende do pargrafo anterior, constituda por radares baseados em terra e embar-cados em navios, aeronaves e satlites. Ainda assim, algumas escolhas estratgicas envolvidas no processo de modernizao do sistema de alerta antecipado dos Es-tados Unidos poder ter consequncias para a segurana nacional e internacional.

    Por exemplo, os EUA dispem atualmente de radares terrestres de arranjo fsico, com feixes de antenas, espalhados por todo o hemisfrio norte e grande parte do hemisfrio sul (tanto PESA25 quanto AESA26). Essa redundncia em radares per-mite a Washington ter conscincia de situao em todo o globo, bem como detectar e rastrear msseis lanados no mundo inteiro, inclusive com capacidade de distin-guir uma ogiva na reentrada dos estgios que se desprendem do foguete (PODVIG, 2006, p. 82-87). Os diversos tipos de radares estadunidenses baseados em terra es-to localizados tanto no territrio continental e insular dos EUA. Entretanto, a pro-ximidade e a necessidade de cobrir todo o territrio da Rssia e da China tornam o componente terrestre do sistema de EW dos Estados Unidos muito dependente das estaes baseadas na Inglaterra (base de Fylingdales), equipada com um sistema do tipo SSPARS (raio de varredura de 5.200 km) e em Taiwan (na montanha Leshan), equipada com um sistema do tipo AN/FPS-115 (raio de 5.500 km). Em termos es-tratgicos, o desafio dos Estados Unidos reduzir tal dependncia utilizando o ter-ritrio de outros aliados, na Europa e na sia (Litunia, Polnia, Romnia, Turquia, Filipinas, Japo, Coreia do Sul e Austrlia). O problema que isso representa uma ameaa estratgica muito bvia para a Rssia e a China, com as reaes esperadas.

    No caso dos radares embarcados em navios, tais como os sistemas de banda

    (25) O acrnimo PESA resume a expresso Passive Electronically Scanned Array, um radar com emissor nico, emitindo em uma frequncia por vez, mas que recebe sinal em vrias frequn-cias. Em virtude disto, quando constitudo de um feixe de antenas reto (flat), sua cobertura s pode ser de 120 e precisa girar mecanicamente para adquirir os outros 240, 120 de cada vez.

    (26) AESA o acrnimo para Active Electronically Scanned Array, um radar capaz de emitir em frequncias diferentes ao mesmo tempo, com diversos emissores, e que tambm recebe sinal em vrias frequncias. Em virtude disso, quando emprega arranjo circular fixo, sua cobertura pode ser de 360 em tempo integral.

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    dual Cobra Gemini instalados no USNS Invincible, ou o sistema de radar Cobra King embarcado no USNS Howard O. Lorenzen, estes podem detectar e rastrear alvos com preciso at 2.000 km (MDA, 2008, p. 2-4)27. Embora sejam navios com designao civil (vide o cdigo USNS) ao invs de militar (cdigo USS), seus ra-dares podem ser utilizados como interferidores e seus sensores passivos podem captar a assinatura de radiao dos radares de outros pases, potencializando aes ofensivas de guerra eletrnica. Sua utilizao no Mar Territorial (22 km), na Zona Contgua (44 km) ou na Zona Econmica Exclusiva (370 km) de outros pases vedada pela Conveno das Naes Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), visto que no caracterizaria a passagem inocente pelo pas costeiro, conforme o Artigo 19, Inciso 2 da CNUDM. Embora os Estados Unidos no sejam signatrios da CNUDM, a matrcula civil permitiria uma maior aproximao, eventualmente no prprio mar territorial de outros pases. Tambm se trata de manter a possibilida-de de negar a autoria de eventuais aes hostis (plausible deniability)28.

    Alm dos componentes terrestres e martimos do sistema norte-americano de alerta antecipado, o mais decisivo para o perfil futuro do Escudo Antimssil a rede de satlites equipados com sensores para deteco de msseis. Atualmen-te, est em fase de implantao o programa Space-Based Infrared System (SBIRS), que est substituindo o Defense Support Program (DSP) da poca da Guerra Fria. Enquanto a rede DSP era composta apenas de satlites em rbita geoestacionria (GEO), o sistema SBIRS integra satlites e sensores operando em rbitas GEO e tambm em rbitas altamente elpticas (Highly Elliptical Orbit, ou HEO), densa-mente conectadas a centros de controle e processamento em terra. O radar infra-vermelho (IR) dos satlites SBIRS tambm bem mais avanado que do DSP, j que se pretende integr-los com a rede de dados tticos para o monitoramento de msseis de teatro, e no apenas de ICBMs29.

    (27) Tanto o USNS Invincible (T-AGM 24) quanto o USNS Howard O. Lorenzen (T-AGM-25) pertencem a uma classe de navios equipados especializados para apoiar o lanamento, mas tambm a localizao de msseis e foguetes (missile range instrumentation ships). Possuem funo logstica, de transporte, ISR e de coleta de inteligncia eletrnica (Electronic Intelli-gence, ou ELINT). Cf. National Academy of Sciences (2012).

    (28) importante entender o perfil e misso dos T-AGM para que se possa avaliar, em trabalhos posteriores, o risco trazido pelo perfil ofensivo do conceito de Batalha Aerona-val (ASB), cuja primeira fase envolve a destruio preemptiva de radares inimigos, graas justamente coleta prvia da assinatura de radiao, bem como sua estreita conexo com o prprio escudo antimssil (NMD). As decorrncias de ambos (ASB e NMD) para o Brasil tambm ficam evidentes quando se considera o Pr-Sal, a defesa em camadas da Amrica do Sul e as interaes de nosso pas com os EUA, por um lado, e com Rssia, ndia, China e frica do Sul (os outros BRICS).

    (29) O primeiro satlite HEO do Space-Based Infrared System (SBIRS) se tornou operacional em 2006, seguido pelo segundo em 2008. O terceiro foi entregue em julho de 2013. O pri-meiro geoestacionrio (GEO-1) foi lanado em maio de 2011, seguido pelo GEO-2 em maro de 2013. Os satlites GEO-3 e GEO-4 estavam previstos para se tornarem operacionais no

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    Entretanto, tambm no caso do componente espacial do sistema de alerta antecipado dos Estados Unidos, existem custos e riscos estratgicos associados ao esforo de construir um Escudo Nacional Antimsseis. Por um lado, os custos elevados, a complexidade tecnolgica e as vrias disputas de interesses (Democra-tas e Republicanos, Lockheed Martin e Northrop Grumman, Fora Area e MDA, etc.) implicam riscos de continuidade, de integrao entre o SBIRS e o DSP, ou, no limite, de viabilizao de uma capacidade espacial de alerta antecipado para o rastreio e interceptao de msseis balsticos. Este tema importa porque, do perfil, posicionamento e disponibilidade dos ativos espaciais dependem os demais com-ponentes do escudo, tais como o posicionamento da frota (prximo ou distante do territrio adversrio), a seleo de meios de interceptao e as opes de ataque em diferentes fases (terminal, ascenso atmosfrica, trajetria exoatmosfrica).

    Mesmo considerando algumas incertezas associadas ao processo de subs-tituio do DSP pelo SBIRS, de modo geral o conceito de uma rede nica e aberta, formada por satlites e radares atmosfricos em terra, mar e ar, garante aos Estados Unidos um amplo espectro de capacidades de alerta antecipado que, em si mesmas, seriam suficientes para garantir a segurana do pas fundada na dissuaso nuclear.

    Afinal, o sistema de alerta antecipado (EW) da Rssia, em contraste com os Estados Unidos, embora tambm seja bastante completo, apresenta limitaes bem mais evidentes. Atualmente (2014), por exemplo, a Rssia dispe de 12 ra-dares terrestres de arranjo fsico capazes de reconhecer e rastrear mltiplos alvos. O componente principal formado pela classe Voronezh (GRAU 77YA6)30, da qual existem seis sistemas completamente operacionais de um total de oito previstos at 2017. Os Voronezh so radares de arranjo fsico passivo (PESA) que, como seus congneres, emitem em uma nica banda (no caso, mtrica ou decimtrica), mas que recebem em mltiplas frequncias. Em seu conjunto (j que o sistema conta com as emisses de outros radares), conseguem oferecer uma boa combina-o de sensoriamento e localizao (a banda mtrica serve para detectar aeronaves furtivas, ou stealth), em um alcance de at 4.200 km. Os radares Voronezh (GRAU 77YA6) esto dispostos por todo o territrio russo, fornecendo cobertura de toda a Europa, sia, Golfo Prsico (incluindo o Mar Arbico), frica subsaariana e boa parte do Atlntico Norte (RNFP, 2014)31.

    final de 2014 e em 2015, mas isso ainda incerto devido ao aumento de custos e a crise fis-cal nos estados Unidos. Os satlites HEO, hoje a encargo da Fora Area, alm de possurem uma maior sensibilidade infravermelha so capazes de detectar Msseis Balsticos lanados a partir de submarinos. Dois deles esto localizados acima da regio polar norte, cobrindo o lanamento de msseis do rtico, seu problema a vulnerabilidade ASAT.

    (30) A nomenclatura utilizada aqui a do Diretrio Geral de Munies da Rssia (Glavnoye Raketno-Artilleriyskoye Upravleniye, ou GRAU). Quando relevante ou possvel, a nomencla-tura OTAN ser fornecida entre parnteses.

    (31) Dentre os radares do sistema Voronezh, destaca-se o Don-2N, situado em Pushkino

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    Alm dos Voronezh, a Rssia conta tambm com o sistema de radar ter-restre Kontainer (GRAU 29B6). Com um alcance alm do horizonte (OTH) de at 3.000 km e abertura de 240o, este sistema capaz de monitorar os msseis inimi-gos ainda na fase de lanamento, sendo que uma primeira estao tornou-se ope-racional em dezembro de 2013 no Distrito Militar Ocidental e outra est prevista para entrar em operaes em 2018, no Distrito Militar Oriental. Alm dos radares OTH, a Rssia dispe ainda de radares de abertura sinttica (S-band e X-band) no complexo militar de Krona (Cucaso), utilizado para deteco e identificao de objetos no espao, bem como de sistemas pticos na estao de Okno (Tadjiquis-to), tambm para vigilncia espacial at 40.000 km de altitude.

    Os sistemas de radares terrestres garantem para a Rssia uma das mais den-sas defesas antiareas do mundo. Entretanto, em termos de alerta antecipado con-tra ataques nucleares intercontinentais eles so limitados, pois devido curvatura da terra s podem confirmar um ataque j em andamento, poucos minutos antes do impacto das ogivas. Dada a vulnerabilidade de radares s medidas eletrnicas ou de guerra ciberntica, a importncia da rede russa, para alm de sua funo primria de defesa antiarea, reside na possibilidade de reduzir o risco de que lanamentos acidentais possam ser confundidos com um ataque real em curso (PODVIG, 2006).

    Contudo, para efeitos de alerta antecipado, a principal debilidade da Rs-sia atualmente encontra-se no componente espacial. A rede russa, chamada Oko, possui atualmente apenas dois satlites operacionais em rbita altamente elpti-ca (HEO), o Kosmos-2422 e o Kosmos-2446. O ltimo satlite de rbita geoesta-cionria (GEO) que complementava o sistema, o Kosmos-2479, foi declarado no operacional em abril de 2014, sendo que at novembro mais dois satlites Kosmos que haviam sido declarados inoperantes anteriormente caram no Caribe e no Pa-cfico32. No caso, o Kosmos-2479 era o nico satlite que se mantinha em rbita geoestacionria acima do territrio dos Estados Unidos e que, portanto, poderia informar de ataques missilsticos em tempo real. Com isso, atualmente a Rssia s capaz de manter uma cobertura de satlite dos EUA durante trs horas por dia. Para manter uma cobertura de 24 horas, seriam necessrios seis satlites HEO ou dois GEO. Como hoje os russos no possuem nenhuma dessas alternativas, aumenta o risco de lanamento acidental (RNFP, 2014).

    nos arredores de Moscou, que fornece cobertura de 360 com raio de 2.000 km. Trata-se do radar principal do Sistema A-135, dotado do Mssil 53T6, que integra o complexo de msseis antibalsticos de Moscou permitido pelo Tratado ABM de 1972.

    (32) A srie de satlites do sistema Kosmos designada US-K (Upravlyaemy Sputnik Kontinentalny, ou Satlite Continental Controlvel), usualmente operados na rbita HEO molniya. Os satlites foram construdos pelo Escritrio de Projetos Lavochkin (hoje deno-minado S. A. Lavochkin Science and Production Association). Ver RIA Novosti: . Acesso em: 26 jul. 2014.

  • CEGOVCAPACIDADE ESTATAL E DEMOCRACIA[ ]

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    Desde a dcada passada, a Rssia tenta superar essa quase absoluta ce-gueira no espao por meio da implementao de um novo conceito, o de Sistema Espacial nico (Edinaya Kosmicheskaya Systema, ou EKS), para alerta antecipado, vigilncia espacial e comunicaes seguras, semelhante ao SBIRS dos Estados Uni-dos. Entretanto, a nova srie de satlites chamada Tundra ainda no foi lanada. O primeiro satlite, 14F142, est previsto para ser colocado em rbita em 2014, depois de sucessivos atrasos e longas batalhas judiciais entre o Ministrio da Defe-sa russo e o fabricante (PODVIG; HUI, 2008).

    Alis, as vicissitudes do programa aeroespacial russo tem sido significati-vas nos ltimos anos, expressas, por exemplo, na perda do satlite GEO em 2014, mas tambm na perda de trs outros satlites do sistema de posicionamento GLO-NASS, ocorrida durante o lanamento do foguete Prton UR-500 (GRAU 8K82K), bem como na perda de dois satlites do sistema de posicionamento Galileo da Unio Europeia, devido a um erro com o lanador Soyuz (GRAU 11A511) na Guia-na Francesa. Cabe destacar tambm o errtico comportamento do SLBM RSM-56 Bulava, que comprometeu o seu comissionamento e, portanto, a prpria capacida-de dissuasria de segundo ataque da Rssia33.

    No caso da China, a capacidade de alerta antecipado ainda mais restrita. Uma possibilidade