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GUSTAVO ALVES FREIRE DE CARVALHO
FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
APLICABILIDADE
Brasília, março de 2013
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GUSTAVO ALVES FREIRE DE CARVALHO
FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
APLICABILIDADE
Artigo de Pesquisa apresentado no âmbito
das atividades de TCC do Curso de
Bacharelado em Direito das Faculdades
Integradas Icesp-Promove de Brasília.
Orientador: Gabriel Leal
Brasília, março de 2013
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SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................................4
ABSTRACT...............................................................................................................................5
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................5
1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ...........................................................................6
1.1 CONCEITO.............................................................................................................8
1.2 PREVISÃO LEGAL ..............................................................................................9
1. 3 NATUREZA JURÍDICA.....................................................................................11
2 CONEXÃO E CONTINÊNCIA..........................................................................................11
2.1 COMPETENCIA DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO APÓS
A CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO FUNCIONAL E A SÚMULA 394 DO
STF................................................................................................................................14
2.2 LEI 10.628/02.........................................................................................................15
3 FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO A LUZ DOS PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS..................................................................................................................16
3.1 CONCEITO DE PRINCÍPIOS............................................................................16
3.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA .............................................16
3.3 PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL......................................................................17
3.4 PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO........................................18
4 SÍNTESES DE PRONUNCIAMENTOS DO FORO PRIVILEGIADO........................19
5 CRIAÇÃO DE CAMARAS TEMÁTICAS......................................................................20
6 CONCLUSÃO.....................................................................................................................21
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................23
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RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo o estudo do Foro por Prerrogativa de
Função e sua aplicabilidade dado o embate existente na jurisprudência, cujo escopo é blindar
o agente público ou político que exerce cargo de notável importância na Administração
Pública, a fim de que seja processado e julgado por uma instância única. Para alguns
doutrinadores fielmente favoráveis ao foro, sua pertinência consubstancia no sentido de uma
maior celeridade no julgamento, visto que, os advogados dos réus, diretamente nos Tribunais
Superiores como instância única, não teriam o 2º grau de mérito, devendo então, se valerem
apenas de recursos extraordinários “latu sensu‖ para impugnar o acórdão, o que dificultaria
demasiadamente a prescrição, protelada nas instâncias inferiores. Em contra posição, outros
afirmam que o foro por prerrogativa de função não passa de um privilégio atribuído a pessoas
importantes ligadas à Alta Administração e afronta a alguns princípios constitucional
norteadores do sistema jurídico brasileiro. Desta forma, é perceptível um anseio político de
egos, motivado pelo aumento no índice de impunidade e corrupção, resultado numa sociedade
única e prejudicada. Atualmente, tramitam no Congresso, alguns Projetos de Lei que tendem a
abolir de vez o instituto do foro por prerrogativa, porém, a solução não seja simplesmente
extinguir o foro, mas, quem sabe, aparelhar os Órgãos Jurisdicionais de uma melhor estrutura
para processar e julgar adequadamente aos que tenham direito a essa prerrogativa.
Palavras-chave: foro por prerrogativa de função; celeridade; privilégio; extinção; estrutura.
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INTRODUÇÃO
A escolha da temática referente ao instituto do Foro por Prerrogativa de Função
surge no momento em que a onda de corrupção mais cresce no país, deixando cada vez mais,
a população desacreditada em relação aos Políticos, Governadores e Autoridades que
comandam esse país enorme, tão rico e exuberante em sua natureza.
Esta pesquisa tem como objetivo analisar o Foro por Prerrogativa de Função,
sob o ponto de vista teórico focando sua aplicabilidade, baseado nos conceitos jurídicos e
éticos.
Para o entendimento da problemática a metodologia utilizada no
desenvolvimento do projeto a bibliográfico qualitativa que, conforme leciona Taylor e
Bogdam, significa a obtenção de dados sobre pessoas, lugares e processos interativos com o
contato direto do pesquisador sob a ótica estudada, com características descritivas,
fundamentadas na visão de autores renomados que dominam o assunto. Foi utilizado vasto
material doutrinário das áreas de direito constitucional, processual penal e penal, bem como
materiais acadêmicos, artigos científicos de consulta à internet, legislação, jurisprudências,
jornais e revistas.
A abordagem traz ao foco da discussão no âmbito à sua aplicabilidade, dois
posicionamentos divergentes: um a favor da cassação do foro, quando analisado sob a
perspectiva de que o benefício se estende a uma garantia pessoal, e por conseqüência, poderia
violar alguns princípios elencados na Constituição Federal. Outra posição defende a
manutenção do Foro, entretanto, com algumas mudanças, visando uma maior aplicabilidade e
gerando, com isso, menor descrédito frente a população, com o julgamento adequado das
autoridades beneficiadas.
Neste cenário, será o Foro por Prerrogativa de Função um privilégio ou uma
garantia assegurada pelo exercício de uma função pública? O Foro deve acabar ou se manter
com modificações? Em relação à sua aplicabilidade, será um instituto de suma importância?
Desta feita, esta pesquisa abordará a evolução do Foro por Prerrogativa de
Função, os conceitos trazidos pela doutrina moderna, bem como a competência e a natureza
jurídica do referido instituto.
Trará em questão a previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, a questão
da conexão e continência, analisará a temática que recai na aplicação do foro na cessão do
exercício funcional do agente e por fim, disporá de uma breve consideração sobre a
aplicabilidade do foro à luz da Lei 10.628 de 2002.
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Serão elencados, também, os Princípios Constitucionais que versam acerca do
foro por prerrogativa, amparados por esse instituto de forma positiva ou negativa. Nesse
sentido, será explanado correntes contrárias à manutenção do foro, bem como expor uma
síntese de pronunciamento para alguns autores, como escopo, a tentativa de dirimir as dúvidas
que restarem sobre o assunto.
Por fim, será apresentada uma proposta para dirimir essa problemática: a
criação de Câmaras Temáticas: que seriam uma alternativa do Jurisdicionado perante aos
Órgãos Superiores, supervisionado e orientado pelo Conselho Nacional de Justiça, para
processar e julgar com maior celeridade os casos de foro por prerrogativa de função e
agilizando as providências especificas perante os Tribunais Superiores.
1. Origem e evolução histórica
A insubmissão de certas autoridades em relação ao povo é demonstrada há
tempos, desde a criação do Estado Absolutista em que o Faraó tudo podia e não estava
submetido às leis, assegurado, posteriormente, pelo Direito Romano com o brocardo
“princeps lege solutus est” ou, em outras palavras, o príncipe está isento de cumprir o que a
lei determina. Pode-se afirmar que o embrião do foro privilegiado surgiu com a manifestação
do processo penal romano direcionando alguns privilégios a determinada classe de pessoas,
impondo-lhes restritas regras ordinárias do processo penal.
Desta feita, passa-se à teoria da responsabilidade da pessoa física ao atribuir-
lhe um privilégio inerente ao cargo que ocupa gerando, assim, não uma responsabilidade
sobre a natureza dos fatos, mas sobre a qualidade das pessoas acusadas, estabelecidas sempre
em favor de juízes, oficiais judiciais, abades, fidalgos e demais autoridades no sentido amplo
do termo.
Mais tarde, o foro privilegiado surge de maneira expressa nas Jurisdições
Eclesiásticas, com destaque no Alvará de 31 de dezembro de 1584, estendendo, na época, por
Filipe II a expedição de alvarás de fianças pelo Conselho Geral a todos os seus privilegiados.
Isso provocou grandes lutas, decorrentes de um movimento dos reis no sentido de distinguir
os crimes.
Nesse sentido, a Corte Portuguesa tornou a pessoa do Imperador inviolável,
praticamente blindado a certas normas. No artigo 47 da Constituição de 1824, foi concedido
foro privilegiado aos membros da Família Real, Ministros de Estados, Senadores e Deputados
que estivessem exercendo seus respectivos mandatos, bem como aos Secretários de
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Conselheiros do Estado, acusados por crimes de responsabilidade. Em todos esses casos, a
competência para processar e julgar as autoridades era do Senado.
A prerrogativa brasileira advém da época do Brasil Colônia, onde as normas
provinham de Portugal. Naquela época, estavam sujeitos os casos comuns às justiças
ordinárias, os crimes cometidos pelo povo e crimes privilegiados, restritos aos cargos de
juízes locais, corregedores, ouvidores e oficialidades eclesiásticas.
Percebe-se, nesse momento, o primeiro impacto acerca do foro privilegiado
brasileiro abrangendo um rol de pessoas de suma importância para um Estado Federativo: um
alto escalão do Governo que, por seus cargos, tiveram que ser mantidos em um caráter
diferenciado do resto da população.
A Constituição Republicana de 1891 outorgou a competência do Supremo
Tribunal Federal para processar e julgar, em ação de competência originária, privativamente o
Presidente da República nos crimes comuns e os Ministros de Estado, nos casos do art. 52
(letra “a” do inciso I) e ―os ministros diplomáticos, nos crimes comuns e nos de
responsabilidade‖ (letra “b” do mesmo inciso II). O Presidente ―dos Estados Unidos do
Brasil seria submetido a um processo e ao seu julgamento desde que, a Câmara declarasse
procedente a acusação perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns e, nos de
responsabilidade, perante o Senado‖ (art. 53).
Nesta ocasião, surgiu a expressão dos Tribunais de Exceção, não sendo
admitido no Brasil, porém, admitindo a possibilidade de existência de juízos especiais em
função da natureza das causas, conforme artigo 113, nº 25 da Constituição de 1891.
A Constituição de 1946 redemocratizou o país, estabelecendo de vez a
competência para processar e julgar ao Supremo Tribunal Federal o Presidente da República,
nos crimes comuns, Ministros de Estado, Procurador-Geral da República nos crimes comuns e
os “ministros de Estado, os juízes dos tribunais superiores federais, os desembargadores dos
Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os ministros do
Tribunal de Contas e os chefes de missão diplomática em caráter permanente, assim nos
crimes comuns como nos de responsabilidade, ressalvado, quanto aos ministros de Estado.
De tal interpretação, surge a primeira Súmula do Supremo Tribunal Federal,
assegurando aos ex-agentes públicos o foro por crimes tentados ou consumados, desde que,
no exercício do mandato, a Súmula 394.
Já a atual Carta Magna, alargou ainda mais as autoridades que detém o foro
privilegiado. O artigo 105, I, “a” outorga a competência do Superior Tribunal de Justiça para
processar e julgar originariamente nos crimes comuns os Governadores dos Estados e do
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Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de
Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e
do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e
do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do
Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.
Perante o Tribunal de Justiça terão o foro por prerrogativa de função os
Prefeitos, Juízes estaduais e do Distrito Federal e membros do Ministério Público Estadual
(art. 29, X e 96 III da CF/88). As Constituições Estaduais podem prever também o foro para
outros cargos políticos, quais sejam: deputados estaduais, secretário de estado; vice-
governador; vice-prefeito; vereadores; procuradores do estado e os membros da advocacia
pública.
Atribuiu também no âmbito Federal, a competência para processar e julgar no
Supremo Tribunal Federal o Presidente e vice-presidente da República, Deputados federais,
Senadores, Ministros de Estado, Procurador-geral da República, Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, Membros do Tribunal de Contas da União,Ministros do próprio
STF, Membros dos tribunais superiores (STJ, TST, TSE e STM) e Chefes de missão
diplomática de caráter permanente.
1.1 Conceito
Primeiramente, é mister salientar que os termos Foro Privilegiado e Foro por
Prerrogativa de Função traduzem o mesmo significado. Para alguns doutrinadores, por um
critério mais técnico, o termo Foro por Prerrogativa de Função é mais convincente, pois evita
confusões em relação ao nome Foro Privilegiado que, naturalmente, remete a um paralelismo
com privilégios pessoais imputados ao agente. Além disso, permite dirimir as dúvidas que o
instituto realmente apresenta com objetivo de proteger o cargo inerente àquela pessoa, ao
invés de privilégios pessoais.
Apesar disso, há doutrinadores que seguem uma linha contrária, preferindo
abordar a questão de maneira mais restritiva, consubstanciando o termo Foro Privilegiado ou
Foro por Prerrogativa de Função como um verdadeiro privilégio pessoal de quem se vale de
um cargo público e notório, para se satisfazer ou se aproveitar em benefício próprio
provocando uma situação de impunidade frente à condição.
O Foro Privilegiado, como o próprio nome indica, significa a prerrogativa que
algumas pessoas têm, consoante ao cargo que ocupam, de serem processadas e julgadas por
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órgãos de instâncias superiores fora do juízo comum. Sendo assim, no caso de pessoas que
exercem um cargo Federal, por exemplo, possuem a prerrogativa de serem processadas e
julgadas perante o STF. Já no caso de autoridades Estaduais e Municipais a faculdade é
concedida perante o Tribunal de Justiça.
O Ministro Eros Grau aponta uma distinção pertinente entre prerrogativa e
privilégio. Para o Ministro, o princípio da isonomia se apresenta de maneira concernente a
tratar os iguais de maneira igual e os desiguais, de modo desigual. Tal pensamento comunga
com a corrente do ilustre Mestre Rui Barbosa:
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar
desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.
Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é
que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com
desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria
desigualdade flagrante, e não igualdade real.
A afirmativa justifica a absoluta vedação a determinada classes de pessoas por
afirmar que privilégio é uma vantagem da qual alguém desfruta, já que faz exceção ao direito
comum. Portanto, o que se apresenta como justo e admissível no ordenamento jurídico
brasileiro é a prerrogativa, devendo ser afastado qualquer critério passível de privilégios
pessoais, sob pena de ferir um princípio basilar extraído da Constituição Federal de 1988: a
isonomia.
1.2 Previsão legal
Sendo o órgão máximo e o principal guardião da lei no ordenamento jurídico,
de acordo com o artigo 102, I, alíneas “b” e “c” da CF, o Supremo Tribunal Federal possui
competência originária para processar e julgar os agentes públicos nas seguintes ocasiões:
a) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente,
os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o
Procurador-Geral da República;
b) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros
de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores,
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os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de
caráter permanente.
Importante destacar a competência do STF processar e julgar os crimes comuns
e de responsabilidade. A definição legal para os crimes comuns nada mais é do que o crime
praticado por qualquer pessoa penalmente imputável, na qual lesa bem jurídico do cidadão,
família ou à sociedade. Abrange todas as modalidades de infração penal, inclusive os crimes
eleitorais e as contravenções penais,
Já os crimes de responsabilidade é quando praticado por um membro do Poder
Público da União na condição de político através de uma conduta em desacordo legal.
Nesse diapasão, compete ao STF:
Para o Supremo, o foro por prerrogativa da função atinge também o
crime eleitoral e até mesmo a contravenção penal. Considera que a
Constituição, quando aludida a infração comum no art. 102, inc. I,
letras b e c, só teve a preocupação em distingui-las do crime de
responsabilidade, abrangendo, assim, qualquer infração penal. (FERNANDES, 2000, p. 131-132).
No que se refere ao Superior Tribunal de Justiça, além da competência para
processar e julgar os recursos em relação às matérias que ofendam a lei federal dispõe o artigo
105, I, “a” da Constituição Federal:
a) nos crimes comuns: os Governadores dos Estados e do Distrito Federal;
b) nos crimes comuns e de responsabilidade: os Desembargadores dos
Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais
Regionais Federais, os dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os
dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os dos Ministérios
Públicos da União que oficiem perante Tribunais.
Em relação aos Tribunais Regionais Federais, cabe a competência para
processar e julgar, nos crimes comuns e de responsabilidade, os Juízes Federais no âmbito de
sua jurisdição, Justiça Militar e da Justiça do Trabalho e os Membros do Ministério Público
da União. Nesse sentido:
Nas jurisdições de exceção firmadas ratione personae, o Tribunal
estende sua competência sobre todo o território País, ou do Estado
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membro da Federação, pouco importando o lugar onde tiver
verificado a infração‖ (TJSP — CC — Rel. Des. Tito Hesketh — RT
506/317).
Aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, conforme artigo 96,
X da Constituição Federal, compete privativamente processar e julgar os juízes estaduais e do
Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes
comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Já em matéria da Justiça Eleitoral, de acordo com art. 29, “X”, o julgamento
dos Prefeitos far-se-à perante o Tribunal de Justiça. Ademais, é é importante frisar o advento
da Súmula 702 do STF de 24.09.2003:
A competência do Tribunal de Justiça para julgar Prefeitos
restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual;
nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo
tribunal de segundo grau.
Depreende-se, desse entendimento que, quando um prefeito praticar um crime
eleitoral terá o Foro competente perante o Tribunal Regional Eleitoral e não pelo Tribunal de
Justiça.
(TJSP— Inq. 84.284 -3 — Rel. Des. Ary Belfort — RT 649/264). No
mesmo sentido, vejam-se os seguintes julgados do Supremo Tribunal
Federal: HC 59.503 (Rel. Min. Nérida Silveira) e RE 149.544-8
(Rel. Carlos Velloso).
1.3 Natureza Jurídica
Para Frederico Marques, essa competência se refere a uma garantia, como
leciona:
No Processo Penal, o que se ensina é que, em lugar de privilégio, o que se
contém nessa competência ratione personae constitui, sobretudo, uma
garantia. Os dispositivos que a estabelecem, como dizia o Professor Beleza
dos Santos, nas lições proferidas em Coimbra em 1919, longe de
representarem um favor, muito ao contrário exprimem um dever de justiça. É
o que também ensina Alcallá-Zamora, para que não se cuida, na espécie de
um privilégio odioso, e sim de elementar precaução para amparar a um só
tempo o acusado e a justiça e ainda para evitar por esse meio a subversão resultante de que inferiores julgassem seus superiores. (apud DELGADO,
2004, p. 10).
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Assim, podemos concluir que, é claro o entendimento que a natureza jurídica
versa na questão de natureza ratione personae, ou seja, se têm como uma garantia e o escopo
de proteger o cargo ou a função daquele a quem detêm.
2. Conexão e Continência
As regras de competência por conexão ou continência estão estabelecidas no
Código de Processo Penal, com fulcro no artigo 76 e seguintes, prefixando e detalhando a
divisão territorial e as competências para o exercício de cada juiz.
A competência por conexão ocorrerá quando houver um elo entre duas ou mais
infrações, assim promoverá a reunião das ações penais, a fim de serem julgadas pelo mesmo
juiz com o fito evitar decisões contraditoras acerca do mesmo aspecto.
Para Tourinho Filho:
A conexão existe quando duas ou mais infrações estiverem
entrelaçadas por um vínculo que aconselha a junção dos processos,
propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do quadro probatório
e, de conseqüência, melhor conhecimento dos fatos, de todos os
fatos, de molde a poder entregar a prestação jurisdicional com
firmeza e justiça (2003, p. 188).
No que tange a competência por continência está definida no art. 77 do CPP e
atrela ao vínculo jurídico na qual une vários infratores a uma só infração, ou no caso de várias
infrações que decorram de uma e tão somente conduta.
Depreende-se, então, que em determinados casos, a existência de um vínculo
entre crimes processará a união de todos os processos para serem julgados num único juízo.
Um exemplo clássico é utilizado por Tourinho Filho:
―Se um crime é cometido em Mogi-Guaçu e outro em São João da
Boa Vista, havendo entre eles conexão, ambos serão apreciados em
um só processo, e, assim, é evidente que, se o processo tramitar pelo
juízo de São João da Boa Vista, este terá, em relação à infração cometida em Mogi, sua competência prorrogada (prorrogatio fori)
(2003, p. 188)”.
Consubstanciando esse entendimento, O STF editou a Súmula 704 com a
seguinte redação:
―Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do
devido processo legal a atração por continência ou conexão do
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processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos
denunciados‖.
Vale destacar discussão do plenário do STF no julgamento do mensalão, a
respeito da aplicabilidade desta súmula:
―O Plenário iniciou julgamento da ação penal acima referida. A
princípio, por maioria, rejeitou-se questão de ordem, suscitada da
tribuna, em que requerido o desmembramento do feito, para
assentar-se a competência da Corte quanto ao processo e julgamento dos denunciados não detentores de mandato
parlamentar. Prevaleceu o voto do Min. Joaquim Barbosa, relator.
Lembrou que o tema já teria sido objeto de deliberação pelo Pleno
em outra ocasião, na qual decidido que o Supremo seria competente
para julgar todos os réus envolvidos na presente ação, motivo por
que a questão estaria preclusa. Destacou o Enunciado 704 da
Súmula do STF (―Não viola as garantias do juiz natural, da ampla
defesa e do devido processo legal a atração por continência ou
conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função
de um dos denunciados‖), a demonstrar que o debate, sob o prisma
constitucional, já teria sido realizado. O Min. Luiz Fux observou que o exame de ações conexas teria por escopo a aplicação de 2
cláusulas constitucionais: devido processo legal e duração razoável
do processo. Considerou não haver, nas causas de competência
originária da Corte, duplo grau obrigatório de jurisdição. Atentou
para a possibilidade de o eventual julgamento isolado de alguns dos
réus, em contexto de interdependência fática, levar à prolação de
decisões inconciliáveis. Afirmou que, da ponderação entre as regras
do Pacto de São José da Costa Rica e da Constituição,
prevaleceriam estas, emanadas do Poder Constituinte originário.
Nesse sentido, o Min. Dias Toffoli registrou o que decidido pelo
Tribunal nos autos do RHC 79785/RJ (DJU de 10.4.2000). Anotou,
também, que o tema ganhara relevância no STF com a edição da EC 35/2001, a partir da qual o processamento e julgamento de
inquérito ou de ação penal passara a prescindir de licença da casa
parlamentar a que vinculado o detentor de foro por prerrogativa de
função.
O Min. Cezar Peluso salientou o que discutido a esse respeito,
ainda, nos autos do Inq 2424/RJ (DJe de 27.11.2008). Ressaltou o
risco de o desmembramento provocar decisões contraditórias, à luz
de imputações relativas a crimes de quadrilha, bem como de delitos
atribuídos a título de coautoria. Advertiu, também, que eventual
remessa dos autos a outro juízo provocaria excessiva demora no
julgamento, dada a complexidade da causa e a quantidade de informações envolvida. O Min. Gilmar Mendes ressaltou a
necessidade de interpretação compreensiva, e não estrita, do texto
constitucional, em relação à competência do STF. Citou exemplos
não positivados na Constituição, como a análise de mandado de
segurança contra ato de CPI e relacionado a pedido de extradição;
de habeas corpus contra qualquer decisão proferida pelo STJ, entre
outros. Sublinhou que, se o presente caso fosse desmembrado, sua
complexidade levaria à prescrição da pretensão punitiva.
Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, revisor, e Marco
Aurélio, que assentavam a não preclusão da matéria e decidiam, em
decorrência do princípio do juiz natural, pelo desmembramento dos
autos relativamente aos réus sem prerrogativa de foro, a permanecer sob a jurisdição do Supremo apenas aqueles que
detivessem esse status processual por força da própria Constituição.
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O revisor, em síntese, aduzia não ser possível admitir-se que a
interpretação de normas infraconstitucionais, notadamente,
daquelas que integrassem o CPP — instrumento cuja finalidade
última seria proteger o jus libertatis do acusado diante do jus
puniendi estatal — derrogasse a competência constitucional estrita
fixada pela Constituição aos diversos órgãos judicantes. Ademais, essa exegese malferiria o princípio do duplo grau de jurisdição,
previsto no Pacto de São José da Costa Rica. Em seguida, indeferiu-
se questão de ordem, suscitada da tribuna, no sentido de que fosse
reconsiderada a decisão plenária, tomada na assentada anterior,
acerca do uso de mídias digitais nas sustentações orais formuladas
pelos defensores. Após a leitura do relatório e a sustentação oral
realizada pelo Procurador-Geral da República, denegou-se
requerimento de um dos advogados de defesa, que postulava a
concessão do tempo de 2 horas para sustentação oral. Por fim,
deliberou-se suspender o julgamento.
AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2 e 3.8.2012. Info 673 STF.
Em via de regra, sempre que persistir a conexão ou continência de crimes
resultará na união dos processos.Por outro lado, sempre que houver um aparente conflito de
jurisdição que envolva a competência de foro por prerrogativa de função, estabelecido pela
CF, e o Tribunal do Júri, será declinada a competência ao órgão superior somente para o
agente privilegiado e mantida a competência do júri para os demais. Impende ressaltar que
tratando-se de foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição
Estadual, prevalecerá a competência constitucional do Tribunal do Júri. Nesse sentido, súmula
721 do STF:
A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela
Constituição estadual.
2.1 Competência do foro por prerrogativa de função após a cessação do exercício
funcional e a Súmula 394 do STF
No momento em que o foro por prerrogativa de função foi instituído no nosso
ordenamento jurídico, ainda no século XIX, com a promulgação do Decreto nº 27 de 07 de
janeiro de 1892 em conformidade com a Carta Magna da época, a competência originária dos
Tribunais Superiores somente poderia ser proposta durante o período do exercício funcional.
Porém, o mais interessante à época, era a busca da efetiva tutela pelos agentes
mesmo depois de cessada a função ou cargo que lhes concedia essa prerrogativa. Em 1964, o
STF editou a Súmula 394 consagrando que os crimes cometidos durante o exercício funcional
se estenderiam, mesmo após a cessação daquele exercício:
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Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a
competência especial por prerrogativa de função, ainda que o
inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele
exercício.
No entanto, após vigorar por mais de 35 anos, em 9 de novembro de 2011 a
referida Súmula foi cancelada por unanimidade em sessão Plenária no STF. Entendeu o pleno,
que a sobredita Súmula não deveria prosperar após o encerramento do cargo ou mandato,
visto que somente poderão ser beneficiados aqueles que se encontrarem no pleno exercício do
cargo ou mandato, sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade ou da
isonomia.
2.2 Lei 10.628/02
Durante os 35 anos de vigência da Súmula 394 que declarou ser vitalício o
beneficio do foro por prerrogativa de função, muitos foram os beneficiados por seus efeitos,
pois os agentes sabiam que, quanto mais alta a hierarquia dos Tribunais, maiores seriam as
chances de não serem de punidos, graças a estrutura defasada e mal estruturada da época. O
índice de impunidade girava em alta escala, justificando a necessidade de uma ligeira
mudança, o que culminou com o cancelamento da súmula 394, para insatisfação de muitos
agentes públicos.
O cancelamento da súmula 394 do STF publicado no DJU 09.11.2001, que
garantia foro especial mesmo após o encerramento do mandato, fez com o CN editasse a Lei
10628 de 24.12.02, (cujo projeto foi apresentado pelo Deputado Federal Bonifácio de
Andrada, do Estado de Minas Gerais,) que entrou em vigor neste mesmo dia, e que conferiu
nova redação ao art. 84 do CPP e lhe acrescentou dois parágrafos, para determinar que em
relação aos atos administrativos derivado do exercício funcional e aos atos de improbidade
administrativa, permanecerá a competência por prerrogativa de função mesmo após o término
do mandato. Estabelece:
Art. 1º. O art. 84 do Decreto lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo penal – passa a vigorar com a seguinte
redação:
(...)
Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais Regionais dos Estados e do Distrito
Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles
por crimes comuns e de responsabilidade.
§ 1º. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a
atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a
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ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da
função pública;
§ 2º. A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.249, de 02 de
junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente na
hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função
pública, observado o disposto no § 1º.
Nota-se claramente que o legislador, não tem intenção de criar
uma garantia e sim um privilégio pessoal, com intuito de beneficiar a pessoa do ex-ocupante
do cargo ou função pública que cometeu atos de improbidade administrativa. É simples
conferir que nesse caso, há um afronta a Carta Magna que estabelece expressamente que todos
deverão ser iguais perante a lei, assegurado pelo princípio da isonomia. Em apertada síntese,
cumpre ressaltar que dentro do ordenamento jurídico não há qualquer razoabilidade que
justifique esse privilégio ora em questão.
Contra os §§1º e 2º do art. 84 do CPP, foi proposta a ADI 2797,
que declarou a inconstitucionalidade dos dois parágrafos ao fundamento de que somente por
emenda à Constituição pode-se modificar a competência dos tribunais.A partir desta decisão
não há mais que se falar em foro por prerrogativa de função no caso da prática de atos de
improbidade administrativa e também não mais se estenderá o foro por prerrogativa de função
para ex ocupante de cargo ou mandato eletivo.
3. Foro por prerrogativa de Função a luz dos Princípios Fundamentais
3.1 Conceitos de Princípios
No que concerne a especialidade da matéria e sua posterior apreciação nos
Tribunais Superiores, torna-se imperioso ressaltar uma análise acerca dos princípios que
norteiam o ordenamento jurídico brasileiro e a aplicabilidade do Foro.
É de suma importância a análise do tema com base nos princípios que lhe são
inerentes, como leciona o professor Mello:
Os princípios é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a
lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe da sentido harmônico. (apud SILVA, 2006, p. 91).
É possível concluir que os princípios formam uma base idealizadora para
aplicação exata de implementação da justiça nas situações onde as regras por si só não se
equivalem.
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3.2 Princípio da Igualdade ou Isonomia
Tem a característica de ser um princípio basilar e fundamental assegurado no
artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988. Apesar dessa regra estabelecer que todas as
pessoas são iguais em direitos e deveres, sendo inadmissível qualquer discriminação em
razão de sexo, raça, crença religiosa e política, esse princípio deve ser analisado
cautelosamente no âmbito das relações harmoniosas entre os indivíduos.
A doutrina moderna estabelece que esse princípio poderá sofrer uma mitigação,
considerando que os homens não são iguais devido grandes e invariáveis diferenças quer
sejam educacionais, econômicas e sociais frente ao Estado, justificando sua aplicação caso a
caso.
Como bem leciona o mestre Rui Barbosa ―devemos tratar igualmente os iguais
e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade‖. Esse fato mostra clara a
análise da competência de certos agentes públicos e políticos quando gozam da alçada
originária dos Tribunais, por receberem um tratamento diferenciado dos demais cidadãos.
Por exemplo, podemos imaginar a situação em que um Ministro ou
Desembargador de um Tribunal tenha praticado um crime comum e venha a ser julgado por
um Magistrado de primeiro grau. Tal fato traria uma enorme pressão política e institucional à
causa podendo, inclusive, influenciar sua decisão. Note-se que, com esse fundamento, não há
um afronta ao princípio da igualdade que, por sua própria definição legal, tem o objetivo de
assegurar um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.
3.3 Princípio do Juiz Natural
Consiste na necessidade do ordenamento estabelecer regras objetivas para a
prestação jurisdicional em órgão competente, garantindo a sua imparcialidade.
Assim, o juiz natural consiste em um juiz previamente definido em lei,
investido da função jurisdicional e competente para o julgamento do fato‖ e continua, ―é
aquele previsto constitucionalmente para o julgamento da causa antes mesmo da ocorrência
do fato a ser julgado (MACHADO 2009, p. 68).
Há de se observar que a intenção do legislador é a preservação da
imparcialidade do juízo evitando a criação de verdadeiros privilégios. Nesse sentido, não se
pode confundir com Tribunais de Exceção, pois o mesmo foi instituído em caráter temporário
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ou excepcional com o objetivo de julgar e processar os crimes cometidos pelos Nazistas,
ainda na Segunda Guerra Mundial.
Nesse contexto o argumento acerca do afronta ao princípio do juiz Natural não
deve prosperar, pois a própria Carta Magna prevê a legalidade do instituto em tela, fixado pela
competência funcional, hierárquica, ratione personae para ocupantes de cargos ou funções
públicas. Assim não poderia vedar algo que ela própria expressamente prevê, ou seja, as
hipóteses do foro por prerrogativa de função.
3.4 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição
Este princípio nada mais é do que o direito da parte em buscar o reexame da
causa por órgão jurisdicional hierarquicamente superior ao que proferiu a decisão (NUCCI,
2006, p. 90).
Decorre da garantia do devido processo legal, visando com isso diminuir os
erros e falhas que estão sujeitos os magistrados, provenientes da própria natureza humana. Tal
garantia se equivale na situação de compor esse órgão jurisdicionado uma banca de
magistrados mais experientes e mais sensibilizados, com fito de compor a lide de uma forma
mais harmônica.
Apesar da sua aplicação diuturna no ordenamento jurídico brasileiro, a
Constituição Federal não adotou, de maneira expressa, o referido princípio, porém, esta
aplicabilidade tem um amparo legal na Convenção Interamericana de Direitos Humanos
(Pacto San José da Costa Rica) ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e,
posteriormente, com a Emenda Constitucional nº 45 em 2004.
Assim, prevê o artigo 5º, § 3º da Constituição Federal que as convenções
internacionais que tratam de direitos humanos ingressam no ordenamento jurídico brasileiro
com força de Emenda Constitucional, quando aprovadas em cada casa do Congresso Nacional
em dois turnos e por três quintos dos membros.
O artigo 8º, 2, “h”, do Pacto de San Jose da Costa Rica concede o direito de
recorrer da sentença de juiz ou Tribunal superior como uma das garantias judiciais.
O STF entende que a ratificação da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos permitiu a instituição do duplo grau de jurisdição no ordenamento jurídico
brasileiro com força de norma infraconstitucional.
―RHC 79785 / RJ. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE.
Julgamento: 29/03/2000. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
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Publicação: DJ 22-11-2002 PP-00057. EMENT VOL-02092-02 PP-
00280. RTJ VOL-00183-03 PP-01010 Parte(s).”
Para reforçar esse entendimento, a reforma do Judiciário, por meio da Emenda
Constitucional 45 de 2004, incluiu no parágrafo 3º do art. 5º da Constituição Federal o
disposto:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais.
Depreende-se, portanto, que a prerrogativa do foro não ofende a garantia do
duplo grau de jurisdição, porque se trata de uma garantia de natureza infraconstitucional.
Desse modo, nunca entrará em conflito com uma norma de natureza constitucional, sob pena
de incompatibilidade da norma de menor grau de hierarquia.
Assim, as hipóteses da prerrogativa do foro em razão da função terão a garantia
de sempre serem julgadas por órgãos colegiados gerando assim, uma maior segurança
jurídica.
Ademais, todos os que estiverem sujeitos a serem processados e julgados
perante um órgão superior, poderão se valer de recursos em sentido estrito quais sejam: os
embargos de declaração, embargos infringentes, embargos de divergência, dentre outros. Há
possibilidade dos ocupantes de cargos revestidos dessa prerrogativa interporem recursos das
decisões, não cerceado por qualquer motivo o direito.
4. Síntese dos pronunciamentos contra o “foro privilegiado”
Há quem entenda que a prerrogativa do foro em razão da função afronta
princípios basilares da Constituição Federal, dentre eles o Princípio da Igualdade, expressa,
igualdade de todos perante a lei. Ressalta também, a indiferença da situação para
determinados cargos. Como exemplo, o art. 29, X da Constituição Federal assegura a
prerrogativa aos Prefeitos e silencia aos Vereadores.
Outro argumento dispõe que os magistrados possuem a características de
independência quando no exercício de suas funções jurisdicionais, não se submetendo a
ninguém e nem há hierarquia para controlar os méritos de suas decisões. (NUCCI, 2006, p.
241).
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Diante de tal entendimento, não há de se falar em subversão de hierarquia, por
exemplo, quando um juiz de primeiro grau julgar um Ministro de Estado.
Um fato a ser considerado também é a pressão sofrida pelos magistrados
perante a mídia e a sociedade, quando se tratarem do julgamento de casos polêmicos e com
repercussão nacional, tendo a pressão popular como motivação para a justiça de qualquer
maneira.
Para Alexandre de Moraes o foro privilegiado cria problemas no que concerne
os tribunais serem formados para julgar recursos, e não para conduzir instruções, atividade
própria da primeira instância. Neste diapasão, afirma que não há estrutura suficiente de
assessores ou oficiais de justiça para tomar medidas típicas da instrução. As decisões que são
tomadas mais agilmente por juízes precisarão ser levadas aos colegiados, compostos no
mínimo por três desembargadores. Já na fase de instrução em que é necessária a coleta de
provas, testemunhas, o envio de diligências e a apreciação de laudos, as atividades ficarão
muito mais burocráticas nos tribunais. Para ele, isso atrasaria não só o desfecho dos processos
de improbidade, mas também dos demais.
Para o ex- Conselheiro do CNJ, Eduardo Lorenzoni, em matéria publicada no
dia 25 de abril de 2007 no jornal Correio Braziliense, pág. 2, referente ao envolvimento de
magistrados no crime organizado, defende a necessidade de promover uma discussão sobre o
fim do foro, pois considera um benefício para as causas de impunidade.
O Ministro Joaquim Barbosa, em matéria editada no dia 25 de março de 2007,
Jornal Correio Braziliense, pág. 3, versando sobre a falta de estrutura do STF, enfatizou:
―Por isso, a melhor forma seria acabar com o foro privilegiado‖.
Em seu posicionamento, o Ministro do STF Marco Aurélio (2008) é contra o
foro privilegiado para as autoridades, inclusive para os Ministros do Supremo Tribunal
Federal: "Entendo que a extensão da prerrogativa de foro como um retrocesso, e não como
um avanço no campo democrático, pretendo ouvir dias em que os ares republicanos serão
mais sentidos, partindo-se para a equalização de tratamento".
Mais cauteloso, o ex - Ministro do STF Cesar Peluso, entende ser necessário
um critério de análise sobre o Foro, como explica em entrevista publicada no dia 18 de
fevereiro de 2007, pelo Jornal Estado de São Paulo, pág. A8.
Desta forma, entende a corrente contrária a manutenção do foro, que deverá
haver uma eleição universal, sem privilégios, sem pequenez de pensamentos e sem
perseguições. Consubstancia em tais argumentos, ferir expressamente princípios norteadores
do sistema jurídico brasileiro, assegurado pela Carta Maior do país. Tal raciocínio sobrepõe a
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uma reforma constitucional que extinga o foro por prerrogativa de função, por demonstrar a
ineficiência da punição dos agentes que exercem cargos públicos e a fragilidade oriunda da
falta de estrutura dos Tribunais em manter essa atual sistemática.
5. Criação de Câmaras Temáticas
Primeiramente, urge salientar que a dispensa do foro por prerrogativa de
função não deverá ser afastada em hipótese alguma, por ser de suma importância essa tutela
perante aos altos cargos exercidos por agentes públicos e políticos.
Partindo dessa premissa, também não se pode desprezar as críticas em relação
às correntes contrárias, devendo ser analisadas, estudadas e colocadas em prática para uma
posterior mudança, se plausível. O que muito se indaga acerca do foro por prerrogativa é a
questão da impunidade e da falta de estrutura nos Tribunais para o processo e julgamento de
instrução do mérito.
Diante de tal condição é imperioso ressaltar que, para evitar um colapso de
ações de competência originária nos Tribunais, bem como evitar os casos em que ocorra a
prescrição do direito de punir do Estado, a criação de Câmaras Temáticas em cada Tribunal
Superior com competência de julgamento dessas ações específicas poderia agilizar as
providências indispensáveis para adoção das decisões pelos magistrados.
As Câmaras, que têm como escopo agir de forma cautelosa, são formadas por
colegiados de magistrados que decidirão incidentalmente acerca de cada caso, podendo ter sua
decisão reexaminada pelo pleno do Tribunal. Com a sua criação, espera-se desafogar
processos, no entanto, isso fomentará uma resposta positiva à sociedade, devido ao aumento
da segurança jurídica por parte dos requerentes, de um processo mais célere e uma melhor
estrutura no âmbito do Judiciário.
6. Conclusão
O tema explorado na presente pesquisa trata-se de um importante mecanismo
de defesa do agente público que através do “munus público” que exerce, tem a prerrogativa de
ser julgado e condenado por um órgão superior, haja vista o seu alto cargo exercido perante o
Estado. Devido a isso, a manutenção do foro é de suma importância, porém há de ressaltar
ainda, que o sistema é falho, falta-lhe um melhor estudo para um aprimoramento mais eficaz a
cada caso.
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No que concerne às correntes contrárias a manutenção do foro, é importante
salutar que não se devem desprezar tais argumentos, mas absorver-los de maneira positiva
para que surtam efeitos desejáveis perante todos, após uma análise e um estudo técnico.
Partindo desse pressuposto, uma importante alteração seria a criação de
Câmaras Temáticas com competência originária perante os Tribunais Superiores, com intuito
de desafogar as ações que correm junto ao pleno.
São câmaras especializadas com força de instrução e julgamento dessa lides,
como por exemplo as Câmaras Temáticas no âmbito do Denatran, órgão Superior do Detran,
que tem como objetivo estudar e oferecer sugestões e embasamento técnico sobre assuntos
específicos para decisões daquele colegiado.
No âmbito dos Tribunais Superiores, as Câmaras Temáticas serão constituídas
por um colegiado a qual confere a possibilidade dos magistrados atuarem na instrução do
processo e decidir quanto ao mérito. Poderão se valer ainda, de recursos que deverão ser
endereçados ao Presidente do Tribunal que aprovados quanto ao grau de admissibilidade,
deverão ser revistos pelo pleno.
Desta feita, conclui-se que o foro por prerrogativa de função é um instituto
penal importante, vigente e legítimo no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, não vem
surtindo os efeitos esperados.
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