Heideggger Ja So Um Deus Nos Pode Ainda Salvar Der Spiegel

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    J S UM DEUS NOS PODE AINDA SALVAR

    Martin Heidegger

    Traduo e Notas:Irene Borges Duarte

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    Texto originalmente publicado

    on-lineno mbito do ProjectoHEIDEGGER EMPORTUGUS,e publicado na LUSOSOFIA.NET

    com autorizao da Investigadora Responsvelpelo Projecto,

    a Prof. Doutora Irene Borges Duarte

    http://www.martin-heidegger.net/Textos/Textos.htmhttp://www.martin-heidegger.net/Textos/Textos.htmhttp://www.martin-heidegger.net/Textos/Textos.htmhttp://www.martin-heidegger.net/Textos/Textos.htmhttp://www.martin-heidegger.net/Textos/Textos.htm
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    Covilh, 2009

    FICHATCNICATtulo:J s um Deus nos pode ainda salvarAutor: Martin HeideggerTradutor: Irene Borges Duarte

    Coleco: Textos Clssicos de FilosoaDireco da Coleco: Jos Rosa & Artur MoroDesign da Capa: Antnio Rodrigues TomComposio & Paginao: Jos RosaUniversidade da Beira InteriorCovilh, 2009

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    J s um Deus nos pode ainda salvar

    Martin Heidegger

    Martin Heidegger faleceu em 26 de Maio de 1976. A importante entrevistaconcedida dez anos antes aDer Spiegel, de cujo texto oferecemos aqui a primeiraverso portuguesa integral, s ento foi publicada, seguindo o desejo, manifes-tado pelo lsofo ao conced-la, de que aparecesse postumamente. Esta condio referida pela redaco do semanrio numa breve nota introdutria, em que sed igualmente a conhecer que Heidegger pretendeu oferecer, por intermdio destedilogo, uma contribuio para o esclarecimento do seu caso isto , da sua

    postura relativamente ao III Reich respondendo nela, pela primeira vez, a muitosdos ataques que, nesse contexto, lhe haviam sido feitos. Esta entrevista consti-tui, efectivamente, um documento primordial para o estudo desta questo, tanto doponto de vista biogrco como do da losoa poltica do pensador. As sucessivaspolmicas geradas em torno do tema revelam, por outro lado, a sua vigncia, a suaquase permanente actualidade. Recorde-se, a este propsito, que foi na sequnciada discusso provocada pelo aparecimento da obra de Alexander SCHWAN,Po-litische Philosophie im Denken Heideggers(Kln/Opladen, l965), que Heideggerconsentiu em oferecer o seu prprio testemunho. tambm oportunamente queHermann Heidegger, administrador da obra pstuma paterna, edita uma verso dotexto da entrevista, anterior que, nalmente, veio a ser publicado em 1976. Estanova edio (em G. NESKE e E. KETTERING,Antwort. Martin Heidegger imGesprch, Pfullingen, Neske, l988; hoje recolhida emRede und andere Zeugnisseeines Lebensweges, Gesamtausgabe61, Frankfurt, Klostermann, 2000, em ed. deH. Heidegger) apareceu, efectivamente, quando ainda ressoavam ecos da mais re-cente das polmicas, de amplssima repercusso dentro e fora do espao culturalalemo, iniciada com a publicao do livro de Victor FARIAS, Heidegger et le Na- zisme, Paris, Verdier, 1987. Exemplo de tal amplitude a impresso, pela primeiravez em lngua portuguesa, de uma traduo parcial do texto de 1976 (O Jornal,

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    suplemento ao no675, Jan.-Fev. 1988), sem dvida meritria pela oportunidade jornalstica, apesar das abundantes incorreces de compreenso e traduo de umdilogo e terminologia cujo alcance vai muito mais alm do meramente biogrcoe cujo contedo excede o mbito poltico, ao constituir uma autntica introduoao pensamento losco do entrevistado. de notar que esta entrevista fora tradu-zida e editada em 6 idiomas distintos (francs, ingls, espanhol, holands, polacoe japons), em revistas de losoa dos respectivos pases, entre 1976 e 1977, ime-diatamente aps a morte do lsofo. A verso que aqui, agora, oferecemos foirealizada com base nos dois textos conhecidos da conversao de Heidegger comos representantes deDer Spiegel: o que foi publicado em 1976[I] e o que Her-mann Heidegger editou em 1988[II] , correspondente, segundo ele, 2a de trsverses da entrevista, na qual se tinha elaborado e organizado a mera reproduoda gravao do dilogo efectuada em casa do lsofo em 23 de Setembro de 1966(1a verso), introduzindo algumas frases ou perguntas e alguma correco estils-tica ou terminolgica, como normalmente requerido em casos semelhantes. Foiesta 2a verso, resultado do trabalho de Heidegger, por um lado, e da redacodo semnario, por outro, que o lsofo enviou aDer Spiegel, com a correspon-dente autorizao de impresso (veja-se Hermann HEIDEGGER,Feststellungendes Nachlassverwalters zur Edition des Spiegel-Gesprchs von 31.Mai 1976 , o. c.,112-114). As posteriores alteraes do texto so da exclusiva responsabilidade daredaco do semanrio, e no foram autorizadas pelo lsofo. Hermann Heideg-

    ger reeditou, pois, o texto conhecido e assinado pelo pai, introduzindo ele prprioalguma correco menor, que aquele tinha passado por alto. De todos os modos,as variantes de texto entreI e II so pouco signicativas e, em geral, no alteramnem o sentido nem o alcance das palavras do autor. A presente verso foi realizadasobre o texto deI , originariamente publicado porDer Spiegel. Sobre esta baseintroduziram-se, posteriormente, as alteraes publicadas emII , de acordo com oseguinte critrio: sempre que possvel, inserem-se entre[] no texto os excertos au-sentes emI; quando haja, pelo contrrio, uma modicao do texto, ser assinaladaem nota. Se a alterao no procede deII , mas introduzida por Hermann Hei-degger, ser precedida das iniciais H.H. As siglas N.SP. que antecedem o contedode algumas notas indicam que estas so da autoria da redaco deDer Spiegel.Uma ltima palavra acerca da especial diculdade que o idiolecto heideggerianorepresenta para um tradutor. Esta diculdade no deixa de se fazer sentir neste di-logo, apesar do seu carcter jornalstico. Sente-se, sobretudo, a falta de contextode sentido que qualquer escrito autgrafo daria ao leitor. Conceitos chave, comoo deGe-Stell, no so compreensveis sem tal contexto. As notas assim comoa indicao entre parntesis do vocbulo germnico, quando este possa ajudar aentender a passagem em questo pretendem obviar a esta diculdade, embora setenha evitado sobrecarregar a leitura da entrevista com um aparato mais proprio de

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    Entrevista concedida por Martin Heidegger revista alem Der Spiegel em 23 de Setembro de 1966e publicada no n o23/19761 1

    DER SPIEGEL : Senhor Professor Heidegger, temos constatado re- petidas vezes que a sua obra losca , de certa maneira, ensom-bradapor acontecimentos pouco duradouros mas nuncaesclarecidosda sua vida, seja por orgulho da sua parte, seja porque o senhor noconsiderou adequado pronunciar-se acerca deles.

    M. HEIDEGGER : Refere-se a 1933?

    DER SPIEGEL : Sim, ao que antecede esse ano e ao que sucede de- pois. Gostaramos de situar esses acontecimentos numa conjunturamais ampla, como ponto de partida para a formulao de certas per-guntas que nos parecem importantes, no estilo de: que possibilidadeh de agir sobre a realidade inclusive, sobre a realidade poltica a partir da losoa? [Ainda existe esta possibilidade? E, se a h,como se consegue?]

    textos de outro tipo.1 A presente verso reproduz, com ligeiras correces e actualizaes, a quefoi publicada inicialmente em 1989, no volume monogrco sobre Heidegger darevistaFilosoa(Lisboa, Sociedade Portuguesa de Filosoa), vol. III, Outono de1989, pp. 109-135.

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    M.H.: So questes bem importantes e no sei se serei capaz de res-ponder. Mas devo, em primeiro lugar, dizer que antes de ser reitor euno tinha participado de nenhuma maneira em actividades polticas.Durante o semestre de inverno de 1932/1933 tinha estado de licenae passado a maior parte do tempo no meu refgio.

    DER SPIEGEL : De que maneira veio a tornar-se reitor da Univer-sidade de Friburgo?

    M.H.: Em Dezembro de 1932, fora eleito reitor o meu vizinho vonMllendorf, catedrtico de Anatomia. A tomada de posse do novoreitor realizou-se a 15 de Abril nesta Universidade. Durante o semes-tre de Inverno de 1932/1933, tinhamos amide conversado acerca dasituao no s poltica, mas, sobretudo, da Universidade e da faltade perspectivas dos estudantes. A minha apreciao era a seguinte:tanto quanto posso avaliar, a nica possibilidade que nos resta ade procurar tirar proveito do processo que se avizinha com as forasconstrutivas que ainda esto realmente vivas.

    DER SPIEGEL : Via, assim, uma conexo entre a situao da uni-versidade alem e a situao poltica em geral da Alemanha?

    M.H.: Como natural, estava atento aos acontecimentos polticosocorridos entre Janeiro e Maro de 1933 e falara ocasionalmentedisso com colegas mais jovens. Mas o meu trabalho tinha-me per-mitido realizar uma interpretao mais ampla e mais rica do pensa-mento pr-socrtico. Voltei a Friburgo a princpios do semestre deVero. Entretanto, a 16 de Abril, o Professor von Mllendorf tinha

    tomado posse do seu cargo. Duas escassas semanas depois, foi desti-tudo pelo ento Ministro da Cultura de Baden [Wacker]. O pretexto que se supe ansiado para esta deciso consistiu no facto de o rei-tor ter proibido que se axasse na Universidade o chamado cartazdos judeus.

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    DER SPIEGEL : O Senhor von Mllendorf era social-democrata.Que fez ele depois de ser destitudo?

    M.H.: No prprio dia em que foi deposto, veio ter comigo e disse-me: Agora o Heidegger tem que aceitar o reitorado. Eu respondi,considerando que no tinha nenhuma experincia no campo adminis-trativo. O ento vice-reitor Sauer (de Teologia) tambem me foroua que me candidatasse s novas eleies para reitor, pois corria-se orisco, se assim no fosse, de que fosse nomeado reitor um funcio-nrio. Colegas mais jovens, com quem, desde h vrios anos, vinhacomentando problemas da estrutura universitria, tambm me asse-diaram para que aceitasse o reitorado. Durante muito tempo, hesitei.Finalmente, dei a conhecer que s no interesse da Universidade es-tava disposto a aceitar o cargo, se pudesse contar com certeza como assentimento unnime do Plenrio. No deixei, contudo, de terdvidas quanto minha aptido para ser reitor, pelo que, na manhdo prprio dia marcado para as eleies, me apresentei na Reitoriae participei ao colega destitudo von Mollendorf, ali presente, e aoProfessor Sauer que no podia aceitar o cargo. Ambos me respon-deram que a eleio estava preparada de tal maneira que eu agora jno podia retirar a candidatura.

    DER SPIEGEL : Foi por isso que assentiu denitivamente? Comose desenvolveu a sua relao com os nacional-socialistas?

    M.H.: Dois dias depois da minha tomada de posse, apareceu na Rei-toria o dirigente dos estudantes (Studentenfhrer )2 com dois acom-panhantes, exigindo de novo a colocao do cartaz dos judeus.

    Recusei. Os trs estudantes afastaram-se com a advertncia de queavisariam a Direco de Estudantes do Reich ( Reichsstudentenfh-2 A designao portuguesa de todos estes cargos no expressa com suciente

    clareza o carcter de lder, em sentido activo, que a organizao estatal e socialnazi quer imprimir a todos os nveis, includos os mais estritamente burocrticos.

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    rung) do indeferimento. Alguns dias depois recebi uma chamadatelefnica dos Servios Universitrios das SA, pertencentes Direc-o Suprema das SA, da parte do Dr. Baumann, chefe de grupo dasSA. Exigia a colocao do cartaz, tal como se zera j noutras uni-versidades. Em caso de recusa, deveria contar com a demisso, se-no mesmo com o encerramento da Universidade. Procurei ganharo apoio do Ministro da Cultura de Baden para o meu indeferimento.Ele explicou-me que no podia fazer nada contra as SA. Mesmo as-sim, no levantei a proibio.

    DER SPIEGEL : At hoje no se sabia que as coisas se tivessem passado dessa maneira.

    M.H.: O motivo [fundamental] que me decidiu a assumir o reito-rado est j presente na minha lio inaugural, dada em Friburgo em1929, O que a Metafsica?: Os mbitos das cincias esto muitoafastados uns dos outros. O modo de tratar os seus objectos pro-fundamente distinto entre si. Esta absurda variedade de disciplinas

    s se encontra hoje reunida pela organizao tcnica das universida-des e faculdades e pelo m prtico que d sentido s especialidades.Em contrapartida, o enraizamento das cincias no solo da sua essen-cia desapareceu3. Aquilo que eu procurei conseguir durante o meuperodo de exerccio do cargo, no que diz respeito a esta situao daUniversidade que, entretanto, veio a extremar-se nos nossos dias est exposto no meu discurso reitoral.

    DER SPIEGEL : Tentamos averiguar se e como essa declarao de1929 congruente com o que diz no discurso inaugural como reitor,

    em 1933, de cujo contexto extramos esta frase: A to cantada li-berdade acadmica repudiada pela universidade alem, pois esta3 Was ist Metaphysik (1929), texto includo emWegmarken, Frankfurt am

    Main, Vittorio Klostermann, 1967, pp. 1-19. Hoje emGA9, 1976, em ediopreparada por Friedrich Wilhelm von Herrmann.

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    liberdade no era real, mas apenas negativa4 . Cremos que estaarmao expressa, pelo menos em parte, uma concepo da qualainda hoje se no afastou.

    M.H.: Sim, ainda defendo o mesmo. Na verdade, esta liberdadeacadmica era demasiado frequentemente negativa: liberdade faceao estoro por aceitar aquilo que o estudo cientco exige de reexoe conscincia. No entanto, a armao escolhida no deveria ser lidaisoladamente e sim no seu contexto, pois ento ver-se-ia claramenteo que eu pretendia dizer com liberdade negativa.

    DER SPIEGEL : Bem, isso compreende-se. Cremos, todavia, en-contrar um tom novo no seu discurso como reitor, quando, quatromeses depois da nomeao de Hitler como chanceler do Reich, falada grandeza e do esplendor deste movimento.

    M.H.: Sim, tambm estava convencido disso.

    DER SPIEGEL : Poderia estender-se um pouco mais neste ponto?M.H.: Naturalmente. Eu ento no via nenhuma outra alternativa.Entre a confuso geral de opinies e das tendncias polticas de 22partidos, era importante encontrar uma tomada de posio nacionale, sobretudo, social algo no sentido de Friedrich Naumann5. S a

    4 Die Selbstbehauptung der deutschen Universitt , publicado em Breslau,Korn, 1933. Reedio em Frankfurt, Klostermann, 1983, preparada por HermannHeidegger, em que aparece seguida de um texto retrospectivo escrito por Heideg-ger em 1945: Das Rektorat l933-1934 B Tatsachen und Gedanken (O reitorado1933-1934 Factos e pensamentos).

    5 Friedrich Naumann (1860-1919), poltico de enorme inuncia na Alemanhade princpios do sculo XX, cuja orientao bsica se resume numa poltica decarcter social e nacional, de base crist e liberal. Tendo partido da sua experinciados problemas sociais nas misses evanglicas, adere ao movimento social-cristodos trabalhadores, cujas juventudes lidera em sentido progressista. Em 1896, criaa Associao Nacional Social, que propugnava a democratizao do Estado e o

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    ttulo de exemplo, poderia citar um artigo de Eduard Spranger, quevai muito mais longe que o meu Discurso de Reitor6.

    DER SPIEGEL : Quando comeou a ter em conta as relaes po-lticas? Os 22 partidos h muito que existiam. E desde 1930 quetambm havia milhes de desempregados...

    M.H.: Nessa altura, ainda me encontrava ocupado com as questesque aparecem desenvolvidas emSer e Tempo(1927) e nos escritose conferncias dos anos seguintes, que tambm tm que ver, medi-atamente, com os problemas nacionais e sociais. Como professoruniversitrio tinha imediatamente presente a questo do sentido dascincias e, por conseguinte, a denio da misso da universidade.Esta preocupao aparece explcita no ttulo do meu Discurso reito-ral, A auto-armao da Universidade alem. Nenhum outro dis-curso reitoral daquela poca ousou denominar-se assim. Contudo,ter havido entre aqueles que polemisaram contra este discurso al-gum que o tenha lido em profundidade, que o tenha meditado e

    interpretado a partir da situao daqueles tempos?

    DER SPIEGEL : No resultou algo inadequado falar da autoar-mao da universidade naquele momento turbulento?

    M.H..: Porqu? A auto-armao da Universidade ope-se chamada cincia poltica, que j ento era defendida pelo partidoe pela associao de estudantes nacional-socialista. Essa designaotinha, nessa altura, um sentido completamente diferente do actual.No signicava, como agora, politologia, mas sim que o saber en-

    proteccionismo econmico como garantias de uma poltica social ecaz. Em 1910funda, com a esquerda da Associao Liberal, o Partido do Povo, que mais tardeest na origem do Partido Democrtico, fundado em 1918, de que era presidente erepresentante na Assembleia de Weimar, quando faleceu.

    6 N.SP.: O artigo apareceu na revistaDie Erziehung( A Educao), editada porA. Fischer, W. Flitner, Th. Litt, H. Nohl e E. Spranger, ano de 1933, p. 401.

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    quanto tal, o seusentido e valor, se aprecia em funo da sua utilidadefctica para o povo. No meu discurso reitoral expressa-se a posiopropositadamente antagnica desta politizao do saber.

    DER SPIEGEL : No sei se o compreendemos bem. Quer dizer que,ao mesmo tempo que incluia a universidade naquilo que sentia comoum movimento, pretendia, em contrapartida, rearmar a universi-dade contra aquelas correntes que, de outro modo, poderiam talvezchegar a tornar-se prepotentes, impedindo-a de manter a sua espe-cicidade?

    M.H.: Exactamente. Mas a auto-armao devia, ao mesmo tempo,atribuir-se a misso [positiva] de devolver universidade um sentidorenovado, contrrio mera organizao tcnica desta, com base naconscincia da tradio do pensamento europeu ocidental.

    DER SPIEGEL : Signica isso que o Senhor Professor pensava po-der conseguir um saneamento da universidade juntamente com os

    nacional-socialistas?

    M.H.: No isso. No era em conjunto com os nacional-socialistasque a universidade se devia renovar, mas pela prpria reexo, me-diante a qual deveria adquirir uma posio slida face ao perigo dapolitizao do saber, no sentido antes mencionado.

    DER SPIEGEL : Foi por isso que no seu discurso reitoral exaltouestes trs pilares: servio do trabalho, servio militar e ser-vio do saber? Pretendia, assim, elevar o servio do saber ao

    mesmo nvel dos outros, ao contrrio dos nacional-socialistas que ono tinha reconhecido dessa maneira?

    M.H.: No se trata de pilares. Se se l com cuidado, compreende-se que embora o servio do saber seja nomeado, efectivamente,

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    em 3olugar, de acordo com o sentido ocupa o primeiro. O que se d apensar que tanto o trabalho como o servio militar se fundam, comotodo o fazer (Tun) humano, num saber e so por ele esclarecidos.

    DER SPIEGEL : Ainda em relao a isto, temos que recordar como que pomos m s desagradveis citaes! uma armao queno podemos imaginar que o Senhor Professor ainda hoje subscre-vesse. Dizia o Senhor Professor em 1933: As regras do vosso serno so doutrinas nem ideias. S o prprio Fhrer constitui hoje e nofuturo a realidade alem e a sua lei.

    M.H.: Essas frases no se encontram no discurso reitoral, mas ape-nas no jornal local dos estudantes de Friburgo, no incio do semestrede Inverno de 1933/34. Ao aceitar o reitorado, tinha plena consci-ncia que no poderia sobreviver sem compromissos. Hoje no teriaescrito as mencionadas frases. Mas j desde 1934 que no voltei apronunci-las. [Mas voltaria a repetir hoje, e hoje mais decidida-mente que nunca, o discurso sobre A auto-armao da universi-

    dade alem, sem dvida margem da referencia ao nacionalismo.O lugar do povo ocupa-o hoje a sociedade. Mesmo assim, hoje comooutrora, o discurso teria o destino das palavras lanadas ao vento.]

    DER SPIEGEL : Permita-nos que lhe punhamos uma questo, decerta maneira intermdia. At agora cou claro nesta entrevista que,em 1933, a sua atitude se movia entre dois polos. Em primeiro lugar,tinha que dizer muitas coisas ad usum Delphini. Esse era um dos polos. Mas o outro era bem mais positivo e o Senhor expressa-oda seguinte maneira: sentia que havia ali algo novo, que havia um

    movimento. [Foi o que disse.]

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    M.H.: Assim era, realmente. No foi s para aparentar que o disse.Eu, ento, via mesmo essa possibilidade7.

    DER SPIEGEL : Sabe que acusado de ter colaborado nessa con- juntura com o partido e as associaes nazis e que tais acusaescontinuam a considerar-se publicamente indesmentidas. Atribui-se-lhe, por exemplo, o ter participado em queimas de livros das juven-tudes hitlerianas ou das associaes estudantis.

    M.H.: Essa projectada queima de livros, que deveria ter lugar dianteda universidade, foi por mim proibida.

    DER SPIEGEL : Tambm se Ihe imputou o ter mandado retirar da Biblioteca ou do Seminrio de Filosoa os livros de autores judeus.

    M.H.: Como director do Seminrio s podia dispor da bibliotecadeste. No dei seguimento a nenhuma das repetidas ordens de reti-rar os livros de autores judeus. Os antigos participantes das aulas do

    Seminrio podem hoje testemunhar que no s no foram retiradosos livros de autores judeus, como, pelo contrrio, estes autores, so-bretudo Husserl, continuaram a ser citados e comentados, tal comoantes de 1933.

    DER SPIEGEL : A que atribui o surgir de tais boatos? A m f?7 A redaco deDer Spiegelresume nesta interveno nica duas intervenes

    de Heidegger e uma pergunta da revista, que na versoII aparecem do seguintemodo:

    [M.H.: Assim realmente.DER SPIEGEL : Entre estes dois polos... Partindo da situao totalmente cre-dvel... M.H.: Certamente. Mas devo sublinhar que a expresso adusum Delphinidiz bem pouco. Eu nessa altura acreditava que da discusso com o nacional-socialismo podia abrir-se uma nova via, a nica via de renovao ainda possvel.]

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    M.H.: Pelo que conheo das suas fontes, gostaria de acreditar queassim fosse. Mas os princpios que movem a calnia so mais pro-fundos. Provavelmente, o ter aceitado o reitorado no foi mais queum pretexto, e no a razo determinante. por isso, provavelmente,que a polmica contra mim se reacende sempre que houver um pre-texto.

    DER SPIEGEL : Mesmo depois de 1933 continuou a ter estudantes judeus. A sua relao para com alguns destes estudantes judeus (tal-vez no com todos eles) parece ter sido cordial, inclusive depois de1934.

    M.H.: A minha atitude no se modicou depois de 1933. Uma dasminhas alunas mais antigas e de mais talento, Helene Weiss, que pos-teriormente emigrou para a Esccia, veio a doutorar-se em Basileia,quando deixou de ser possvel faz-lo na nossa faculdade, com umtrabalho sobre Causalidade e acaso na losoa de Aristteles, quefoi publicado em 1942 em Basileia. Ao nal do prefcio, a autora

    diz o seguinte: O ensaio de interpretao fenomenolgica que apre-sentamos na Ia parte deve muito s interpretaes ainda inditas deM. Heidegger sobre a losoa grega. Aqui tem o exemplar com adedicatria da prpria autora. Visitei muitas vezes a Dra Weiss emBasileia, antes da sua morte8.

    DER SPIEGEL : O Senhor manteve uma longa amizade com Jas- pers. A partir de 1933, esta relao comeou a nublar-se. Diz-seque esta alterao se deveu ao facto de a mulher de Jaspers ser ju-dia. Quer referir-se a isto?

    8 Em II o texto, de aqui at ao m desta interveno de M.H. o seguinte:[que a autora me enviou em Abril de 1948, com dedicatria pessoal. Visitei muitasvezes a Dra Weiss em Basileia, antes da sua morte.]

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    M.H.: [Isso que menciona mentira.] Eu era amigo de Karl Jas-pers desde 1919. No semestre de Vero de 1933, visitei-os, a ele e mulher, com ocasio de uma conferncia em Heidelberg. Karl Jas-pers enviou-me todas as suas publicaes entre os anos 1934 e 1938,com cumprimentos cordiais. [Aqui tem as obras.]

    DER SPIEGEL : [Aqui diz:Com cumprimentos cordiais.Bem, oscumprimentos no seriam cordiais, se antes tivesse havido uma per-turbao9. Outra pergunta do mesmo tipo:] O Senhor foi aluno doseu predecessor judeu na ctedra de Friburgo, Edmund Husserl. Foiele quem aconselhou a Faculdade a contrat-lo como seu sucessor na ctedra. O Senhor no pode deixar de se sentir agradecido emrelao a ele...

    M.H.: Conhece, sem dvida, a dedicatria deSer e Tempo10...

    DER SPIEGEL : Naturalmente11. Mas, mais tarde, a relao deteriorou-se. Quer contar-nos porque se desfez essa relao?

    M.H.: As diferenas do ponto de vista terico agudizaram-se. Aprincpios dos anos trinta, Husserl teve um ajuste de contas pblicocom Max Scheler e comigo, cuja clareza no deixava dvidas. Nuncacheguei a saber o que levou Husserl a desautorizar assim, publica-mente, o meu pensamento.

    9 H.H.: O livro mostrado por Heidegger Vernunft und Existenz. Alm deste,tambm mostra outro livro de JASPERS,Descartes und die Philosophie, com umadedicatria datada de 1937.

    10 A Edmund Husserl, com admirao e amizade. Pelo 8 de Abril de 1926.Husserl celebrava nessa data o seu 67oaniversrio.

    11 Em II , a interveno deDer Spiegelinterrompe-se aqui, intercalando-se umade Heidegger, suprimida emI, qual se segue o restoda de Der Spiegelreproduzidaem I . O texto que falta o seguinte:

    [M.H.: Em 1929, redigi o volume comemorativo do seu 70oaniversrio e, nafesta que se celebrou em sua casa, pronunciei o discurso que depois foi impressoem Maio do mesmo ano nas comunicaes acadmicas.]

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    DER SPIEGEL : Quando foi isso?

    M.H.: Husserl falou ante estudantes no Palcio de Desportos de Ber-lim. Erich Mhsam fez a reportagem do acontecimento num dos jor-nais mais importantes de Berlim12.

    DER SPIEGEL : A polmica propriamente dita no nos interessaagora. O que interessa que essa polmica no teve nada que ver com o ano 1933.

    M.H.: Absolutamente nada.DER SPIEGEL : Imputou-se-lhe o facto de ter retirado da 5a ediode Ser e Tempoa primitiva dedicatria a Husserl.

    M.H.: verdade. Eu aclarei esse assunto no meu livroA Cami-nho da Linguagem13. A digo o seguinte: Em ordem a desmentircertas informaes incorrectas e amplamente difundidas, fao notarexpressamente que a dedicatria deSer e Tempo recordada na pag.

    92 do dilogo tambm gurava na 4a edio da obra, em 1935.Quando, em 1941, o editor viu dicultada a 5a edio, tendo che-gado a temer que o livro fosse proibido, chegou-se fnalmente a umacordo, a conselho e por desejo de Niemeyer, de suprimir a dedica-tria nesta edio, embora com a condio expressa pela minha parteque se mantivesse a nota da pag. 38, na qual se justica aquela de-dicatria e cujo contedo e o seguinte: Se a presente investigao

    12 Texto deII :M.H.: [Husserl falou na Universidade de Berlim ante uma assistncia de 1600pessoas. Heinrich Mhsam referiu num dos mais importantes jornais de Berlim

    que o ambiente era do tipo de um Palcio de Desportos.]Tratava-se de uma conferncia de Husserl dada em 10/6/1931, sob o ttulo dePhnomenologie und Anthropologie, editada pelaprimeira vez por Marvin FaberemPhilosophy and Phenomenological Research, v. II, no1 (Set. 1941), pp. 1-14.

    13 Unterwegs zur Sprache, GA12 (1985, ed. F.-W. v. Herrmann), p. 259. A obrafora editada pela primeira vez em Pfullingen, Neske, 1959.

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    avana alguns passos no sentido da explorao das coisas mesmas, oautor agradece-o, em primeiro lugar, a Edmundo Husserl que, coma sua penetrante orientao pessoal e a maior das conanas, famili-arizou o autor, durante os seus anos de formao em Friburgo, cominvestigaes suas, inditas, em diferentes campos da anlise feno-menolgica.

    DER SPIEGEL : intil, ento, perguntar-lhe se verdade que oSenhor, na sua qualidade de Reitor da Universidade de Friburgo, proibiu ao Professor emrito Husserl a entrada ou a utilizao dabiblioteca da Universidade ou da do Seminrio de Filosoa...

    M.H.: Isso uma calnia.

    DER SPIEGEL : E no h, ento, nenhuma carta em que essa proi-bio seja mencionada? Como que surgiu esse boato?

    M.H.: Eu tambm no sei. No tem explicao. Que tudo isso

    impossvel pode demonstrar-se mediante algo que tambm no co-nhecido. Durante o meu reitorado, defendi perante o Ministro tanto oProfessor Thannhauser, director da Clnica Mdica, como o posteriorPrmio Nobel von Hevesy, catedrtico de Qumica Fsica, ambos ju-deus, que o Ministrio queria demitir. absurdo que eu tivesse apoi-ado estes dois homens e actuasse, ao mesmo tempo, de forma indignacontra o Professor emrito Husserl, que era o meu mestre. Tambmimpedi que estudantes e docentes realizassem uma manifestao con-tra o Professor Tannhauser [ante a sua clnica. Na participao demorte que a famlia Tannhauser mandou publicar no jornal local, l-

    se: At 1934 foi director respeitado da clnica mdica universitriade Friburgo. Brockline, Mass., 18/12/1962. Sobre o Professor VonHevesy apareceu a seguinte notcia nasFolhas da Univ. de Friburgo,v. l l/Fev. 1966: Entre 1926 e 1934, von Hevesy foi director do Insti-tuto de Fsico-Qumica da Universidade de Friburgo. Aps a minha

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    renncia como Reitor, ambos os directores foram afastados dos seuspostos.] Havia ento muitosPrivatdozenten14 que tinham cado semlugar e que pensaram ser ento boa altura para voltar universidade.Mandei embora toda essa gente que se me veio apresentar.

    DER SPIEGEL : Contudo, no foi ao funeral de Husserl, em 1938.

    M.H.: Quanto a isso, tenho a dizer o seguinte: acusa-se-me de tercortado relaes com Husserl, o que no tem fundamento. Em Maiode 1933, a minha mulher escreveu uma carta, em nome de ambos, aFrau Husserl, em testemunho do nosso agradecimento inalterado15,e enviou esta carta com um ramo de ores a casa de Husserl. FrauHusserl respondeu brevemente, com um agradecimento formal, di-zendo que a relao entre as nossas famlias se tinha cortado. O noter voltado a manifestar uma vez mais o meu agradecimento e a mi-nha admirao por Husserl com ocasio da sua doena e morte, foiuma falha humana, pela qual roguei numa carta a Frau Husserl que

    me perdoasse.

    DER SPIEGEL : Husserl faleceu em 1938. Ora, tinha sido em 1934que o Senhor tinha renunciado ao reitorado. Como se chegou a essasituao?

    M.H.: Para responder a essa pergunta tenho que recordar algo. Nosemestre de Inverno de 1933-1934 e com a inteno de superar aorganizao tcnica da Universidade, ou seja, para renovar as Fa-culdades de dentro para fora, nas suas misses especcas, eu tinha

    proposto que se nomeasse como decanos a colegas mais jovens e,14 Doutores habilitados com avenia legendi, mas que, embora leccionem de

    facto numa universidade, o fazem a ttulo privado, no estando contratualmentevinculados a nenhuma, mas em situao de aguardar o ser chamados por algumauniversidade a integrar o seu corpo docente.

    15 Em II : [agradecimento inalterado].

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    sobretudo, destacados na sua especialidade, sem ter em conta a suaposio relativamente ao partido. Foi assim que chegaram a decanos:na Faculdade de Direito, o Professor Erik Wolf; na de Filosoa, oProfessor Schadewaldt; na de Cincias Naturais, o Professor Soer-gel; e na de Medicina, o Professor von Mllendorf, que a princpiosdo ano fora destitudo como reitor. Todavia, j pelo Natal de 1933,eu tinha compreendido que no poderia levar avante a renovao dauniversidade, tal como eu a via, contra a resistncia dos colegas econtra o partido. Os colegas levaram-me a mal, por ex., o ter in-tegrado os estudantes nas responsabilidades da administrao uni-versitria exactamente como hoje acontece. Um dia fui chamadoa Karlsruhe, onde o Ministro, por intermdio do seu Conselho e empresena do dirigente comarcal dos estudantes (Gaustudentenfhrer ),me exigiu que os decanos das Faculdades de Medicina e de Direitofossem substitudos por colegas do agrado do partido. Eu recusei-mea aceitar esta ingerncia e apresentei a minha demisso do cargo deReitor, uma vez que o Ministro manteve a sua exigncia. Foi mesmoassim. Isto passou-se em Fevereiro de 1934: eu retirei-me depois de10 meses de exerccio do cargo, quando os reitores de ento perma-neciam como tal 2 anos ou mais. Enquanto que a imprensa nacionale estrangeira tinha comentado das mais diferentes maneiras a tomadade posse como Reitor, a minha renncia foi silenciada.

    DER SPIEGEL : Teve alguma oportunidade nessa poca de comu-nicar ao Ministro do Reich de ento as suas ideias acerca da reformada universidade16?

    M.H.: A que poca se refere?16 Em II : [Teve, nessa altura, alguma relao com Rust?] Refere-se a Bernhard

    Rust (1883-1945), ministro nacional-socialista da Educao, primeiro na Prssia(l933), depois do Reich (a partir de 1934).

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    DER SPIEGEL : Referimo-nos a uma viagem que Rust realizou em1933 a Friburgo.

    M.H.: Trata-se de dois acontecimentos distintos. Em Schnau i.W., por ocasio de um festival, tive oportunidade de o cumprimentarbrevemente, de modo formal. Em segundo lugar, falei com o Mi-nistro em Berlim, em Novembro de 1933. Comuniquei-lhe a minhaconcepo da cincia e da possvel organizaro das Faculdades17.Ele tomou nota de tudo cuidadosamente, pelo que quei esperanadoque a comunicao pudesse dar os seus frutos. Mas no aconteceunada. No entendo como se me pode censurar esta conversa com oento Ministro da Educao do Reich, quando nessa mesma alturatodos os governos estrangeiros se apressavam a reconhecer Hitler e amanifestar-lhe a habitual reverncia internacional.

    DER SPIEGEL : A sua relao com o Partido Nacional-Socialistaaltera-se depois de ter renunciado a ser reitor?

    M.H.: Depois de deixar o reitorado, limitei-me minha actividadedocente. No semestre de Vero de 1934, leccionei Lgica. No se-mestre seguinte (1934/1935), dei o primeiro curso sobre Hlderlin18.

    17 Em II, a resposta de Heidegger a seguinte:[Trata-se de dois acontecimentos distintos. Com ocasio de uma festa comemo-

    rativa da morte de Schlageter na sua cidade natal de Schonau im Wiesental, tiveoportunidade de o cumprimentar brevemente de modo formal. O ministro no meprestou mais ateno que essa. E, nessa altura, eu tambm no procurei marcarnenhuma entrevista. Schlageter era estudante em Friburgo e pertencia a uma cor-porao catlica de estudantes. A entrevista teve lugar em Novembro de 1933, comocasio de uma conferncia de reitores em Berlim. Participei ao ministro a minha

    concepo da cincia e da possvel organizao das Faculdades.] Schageter, A. L.,fora um estudante, resistente ocupao francesa depois da derrota de 1918, quemorrera num atentado em 1923. O regime nazi converteu-o em heri nacional.

    18 Ambos os cursos integram a seco II daGA: Logik als die Frage nach demWesen der Sprache(Lgica. A pergunta pela essncia da Linguagem), do semestrede Vero de 1934, constitui o vol. 38 (1998; ed. de G. Seubold), enquanto que o

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    Todos os que sabiam ouvir, compreenderam que se tratava de umenfrentamento com o nazismo.

    DER SPIEGEL : Como decorreu a transferncia de poderes? Notomou parte na cerimnia?

    M.H.: Sim, neguei-me a participar na cerimnia de transferncia docargo de reitor.

    DER SPIEGEL : O seu sucessor era militante do partido?

    M.H.: Era jurista. O Alamano, jornal do partido, anunciou a suanomeao como reitor com a legenda: o primeiro reitor nacional-socialista da universidade19.

    DER SPIEGEL : Como se comportou o partido em relao a si?

    M.H.: Passei a ser vigiado permanentemente.

    DER SPIEGEL : Dava por isso?

    M.H.: Sim, deu-se o caso do Dr. Hanke [Hancke].

    DER SPIEGEL : Como chegou a dar por isso?

    M.H.: Porque foi ele prprio quem veio ter comigo. Ele acabara dese doutorar no semestre de Inverno de 1936/37, e no semestre de Ve-ro de 1937 participava no meu Seminario Superior (berseminar ).Tinha sido l enviado pelo Servio de Segurana para me vigiar.

    vol. 39,Hlderlins Hymnen Germanien und Der Rhein(Os hinos de Hlder-lin Germnia e O Reno, do semestre de Inverno de 1934-1935, saiu em 1980(ed. Susanne Ziegler).

    19 H.H.: [Citao no comprovada].

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    DER SPIEGEL : E a que propsito que, de repente, resolveu ir falar consigo?

    M.H.: Por ocasio do meu seminrio sobre Nietzsche, no semes-tre de Vero de 193720, e do modo como o trabalho decorreu, elearmou-me que no podia prosseguir a vigilncia que lhe estava en-comendada e queria dar-me a conhecer esta circunstncia, com vistaao futuro da minha actividade docente.

    DER SPIEGEL : O partido tinha-o, portanto, sob vigilncia?

    M.H.: Eu sabia apenas que os meus escritos no podiam ser comen-tados. Foi o caso, por exemplo, do meu trabalho sobre A doutrinada verdade em Plato. A conferncia que dei em Roma, no Insti-tuto Germnico, a princpios do ano de 1936, sobre Hlderlin21 foiatacada de mau modo no jornal Vontade e Poder, das Juventudes hi-tlerianas. Os interessados deveriam reler a polmica inserida contramim no jornal de E. Krieck22, Povo em Devir , no vero de 1934. No

    Congresso Internacional de Filosoa de Praga, em 1934, no pude20 Nietzsche: Der Wille zur Macht als Kunst (Nietzsche: A vontade de poder

    como Arte). O curso, na sua verso primitiva, editado a partir dos manuscritos daslies, por Bernd Heimbchel, constitui o vol. 43 (1985) da GA. Mas Heideggertinha incluido no seuNietzsche, vol. l (Pfullingen, Neske, 1961) uma verso destecurso, revista e trabalhada em ordem publicao (pp. 11-254).

    21 Platos Lehre von der Wahrheit, escrita em 1940 para uma leitura privada.Quase no tiveram divulgao as edies de Berlim (1924) e Berna (1947). In-cluido emWegmarken. Hlderlin und das Wesen der Dichtung (Hlderlin e aessncia da poesia), pronunciada em l936, foi incluida junto a outros textos sobre opoeta emErlauluterungen zu Hlderlins Dichtung, Frankfurt, Klostermann, 1944(GA 4, 1981).

    22 Ernst KRIECK (1882-1947), pedagogo nacional-socialista, defensor da teo-ria da educao total que integre plenamente a juventude na comunidade a quepertence. Em 1935, aparece a sua obraEducao Nacional-Socialista. A polmicaa que Heideger faz referncia vem reproduzida no livro de Guido SCHNEEBER-GER,Nachlese zu Heidegger. Dokumente zu seinem Leben und Denken, Berna, ed.do autor, 1962 (288).

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    participar como delegado pela parte alem [e nem sequer fui convi-dado a participar]. Tambm tive de car margem doCongresso Internacional sobre Descartes(Paris, l937). Isto pareceu to estra-nho em Paris, que a direco do congresso o Professor Brhier, daSorbonne tomou a iniciativa de se pr em contacto comigo parasaber porque que eu no integrava a delegao alem. Eu respondi direco do congresso que s o Ministrio da Educao do Reichpoderia informar sobre isso. Algum tempo depois chegou de Berlimum convite para que me integrasse, adicionalmente, na delegao, aoque me neguei. Os escritosO que a Metafsica?e Da essncia daverdade23 venderam-se sucapa, sem ttulo. O discurso reitoral foiretirado das livrarias, imediatamente depois de 1934, por ordem dopartido. [S se autorizava que fosse discutido nos acampamentos dedocentes do Partido, como objecto de polmica poltico-partidria.]

    DER SPIEGEL : Ainda chegou a ser pior a situao24?

    M.H.: No ltimo ano de guerra, 500 dos mais signicativos cientis-

    tas e artistas caram livres de todo o servio de guerra25. Eu, pelocontrrio, encontrava-me entre os que o no foram e, no Vero de1944, fui obrigado a fazer trincheiras nas margens do Reno.

    DER SPIEGEL : Do outro lado, do lado suio, estava Karl Barth a fazer trincheiras.

    23 Vom Wesen der Wahrheit , conferncia dada pela primeira vez em 1930, e de-pois repetida em forma ampliada, aparece publicada pela primeira vez em Frank-furt, Klostermann, 1943 (2a ed., aumentada, 1949). Posteriormente incluida emWegmarken.

    24 Em II : [E quando, em 1939, a guerra...]25 H.H.: Com esta frase,Der Spiegelredige uma frase algo distinta do Dr. H. W.

    Petzet. Esta redaco foi aceite por Heidegger e gura no texto por ele autorizado,visto que recolhia correctamente o sentido.

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    M.H.: O que interessa como se chegou a. O reitor tinha convidadotodos os docentes, perante os quais fez um breve discurso com o se-guinte contedo: aquilo que ele ia dizer era fruto de um acordo como dirigente regional e com o dirigente comarcal do Partido Nacional-Socialista. Todos os docentes seriam repartidos em 3 grupos. Em pri-meiro lugar, estavam aqueles de que se podia prescindir totalmente;em segundo, aqueles de que s em parte se podia prescindir; em ter-ceiro, os imprescindveis. Dos que pertenciam ao primeiro grupo, oprimeiro a ser nomeado foi Heidegger; dos do seguinte, G. Ritter26.No semestre de Inverno de 1944/45, depois de terminar o trabalho detrincheiras no Reno, dei um curso sob o ttulo Poetar e pensar, queem certo sentido era prolongamento do meu curso sobre Nietzsche,ou seja, do enfrentamento com o nacional-socialismo. Aps a 2a li-o fui mobilizado, tendo sido o mais velho dos membros do corpodocente que foram alistados.

    [DER SPIEGEL : Creio, Senhor Professor, que no necessrioque nos conte o que sucedeu at sua reforma de facto ou, digamos,

    at sua reforma legal. So amplamente conhecidos.

    M.H.: Assim to conhecidos, no so. um assunto pouco agrad-vel.

    DER SPIEGEL : A menos que deseje acrescentar algo a esse prop-sito...

    M.H.: No.]26 N. SP.: O Professor Gerhard Ritter, autor de Carl Goerdeler e o movimento de

    oposio alemo, que era nessa altura catedrtico de Histria Moderna na Univer-sidade de Friburgo, foi detido em 1.11.1944, em conexo com o atentado a Hitlerde 20.6.1944, e libertado pelas tropas aliadas em 25.4.1945. Reformou-se em 1956e faleceu em 1969.

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    DER SPIEGEL : Resumindo: em 1933, o Senhor que, em sentidoestrito (no em sentido lato) apoltico, vai parar poltica destemovimento...

    M.H.: ... no mbito da Universidade...

    DER SPIEGEL : ... atravs do mbito universitrio. Aproximada-mente um ano depois, renuncia funo que ento aceitara. Toda-via, em 1935, numcursoque foi publicado em 1953, comoIntroduo Metafsica , disse: Aquilo que hoje ou seja, em 1935 se anun-cia como losoa do nacional-socialismo, mas que no tem nada quever com a verdade interna e a grandeza deste movimento (concreta-mente, com o encontrar da tcnica denida a nvel planetrio e dohomem moderno) lana o anzol nas guas turvas dos valores e dastotalidades. As palavras entre parnteses foram acrescentadas sem 1953, aquando da publicao no sentido de explicitar ao leitor de 1953 onde residia para si a verdade intima e a grandeza destemovimento ou seja, do nazismo ou esse parntesis esclarecedor

    j existia em 1935?

    M.H.: J estava no manuscrito e refere-se justamente compreensoque eu ento tinha da tcnica, e no minha interpretao posteriorda tcnica comoGe-Stell(composio)27. Se no o pronunciei, foi

    27 NaEinfhrung in die Metaphysik , curso leccionado no semestre de Vero de1935 e publicado s em 1953 (Tbingen, Niemeyer), Heidegger tematizava, pelaprimeira vez, a questo da tcnica partindo do contexto do mundo grego. A anlisedo primeiro estsimo daAntgonade Sfocles oferecia as bases de uma concepopotica datechne(no seu sentido originrio, prvio ainda distino arte-tcnica),como saber capaz de produzir ser. Mas este saber, que constituia o trao fundamen-tal do ser humano, denia-o ao mesmo tempo comodeinon(inquietante, terrvel),na medida em que era o incio de um processo que conduzia do produzir ou darser originrio ao mero reproduzir e fabricar, vindo nalmente a encerrar o homemna engrenagem da rotina, da inautenticidade ntica. O texto publicado emVor-trage und Aufstze, vol. I (Pullingen, Neske, 1954), com o ttulo Die Frage nachder Technik (A pergunta pela tcnica), elabora esta concepo, expressando numa

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    porque estava seguro de que os meus ouvintes entenderiam correcta-mente. S os estpidos, os provocadores e os espias o compreende-riam de outra maneira... a seu gosto.

    DER SPIEGEL : Com certeza, tambm v na mesma linha o movi-mento comunista...

    M.H.: Sim, absolutamente, como determinado pela tcnica planet-ria.

    DER SPIEGEL : E o americanismo tambm28?

    M.H.: Sim, igualmente. Entretanto, de h 30 anos para c, tem vindoa tornar-se mais claro que o movimento planetrio da tcnica mo-derna constitui um poder cuja grandeza historicamente determinadadicilmente pode sobrevalorizar-se. Hoje, para mim uma questodecisiva saber em que medida que um sistema poltico (e qual) poderealmente ser conforme era tcnica. No tenho nenhuma resposta

    para tal pergunta. No estou convencido que seja a democracia.DER SPIEGEL : Bem, a democracia um conceito que reneem si representaes muito diferentes. A questo est em saber seainda possvel uma transformao desta forma poltica. Depois de1945, o Senhor tem-se pronunciado sobre as aspiraes polticas domundo ocidental, entre elas da democracia, da mundividncia cristexpressa em poltica, assim como do estado de direito. E designatodas estas aspiraes como meias-tintas (Halbheiten).

    nova terminologia uma focagem que tem como ponto de partida o estdio termi-nal da modernidade e no as origens gregas de ocidente. nesse contexto que sepretende expressar a essncia da tcnica moderna pela palavraGe-Stell. Acerca datraduo desta por com-posio, veja-se nota 31.

    28 EmII : [Se calhar, tambm classica da mesma forma a totalidade das preten-ses norte-americanas...]

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    M.H.: Peo-lhe, em primeiro lugar, que me diga onde que eu faleida democracia e de tudo isso que mencionou. Mas consider-las-iamesmo como meias-tintas, visto que no vejo que nenhuma delasse enfrente realmente com o mundo tcnico, pois, do meu ponto devista, ainda partem da concepo de que a tcnica, na sua essncia, algo que o homem tem na mo29. Na minha opinio, isto no possvel. A tcnica, na sua essncia, algo que o homem por simesmo no domina.

    DER SPIEGEL : Qual das correntes enunciadas , na sua perspec-tiva, a mais adequada aos tempos que correm (zeitgemsse)?

    M.H.: No sei. Mas vejo a uma questo decisiva. Haveria, emprimeiro lugar, que esclarecer o que que se entende por adequadoaos tempos que correm, o que que signica a tempo. Maisainda: seria de perguntar se a adequao aos tempos d a medida daverdade ntima do agir humano, se essa medida no vem dada peloagir do pensar e do poetar, por mais heterodoxa que esta viragem

    possa parecer.

    DER SPIEGEL : Mas obvio que o homem no consegue ter nuncamo nos seus instrumentos. Veja-se o aprendiz de feiticeiro. Noacha demasiado pessimista dizer que no podemos ter mo nesse

    29 Em Die Frage nach derTechnik , Heidegger distinguea sua concepodaquelaque designa como denio instrumental e antropolgica da tcnica (ed. cit.,p. 6). Esta v a tcnica como um simples meio ou instrumento para os ns dohomem, prolongamento da mo deste (como defendia Spengler), mediante a quald sentido ao que o envolve como conjunto deZuhandene(do que est mo)e que, desse modo, cr ter na mo. Apesar de admitir a inquietante correcodesta denio da tcnica, Heidegger considera que ela s traduz a representaosupercial e inautntica que o homem moderno tem do seu pretendido poder oudomnio, ocultando desse modo a sua verdade e essncia prprias. Para Heidegger,a essncia da tcnica no consiste no seu ser-instrumento, mas em ser um modode aletheia, de desencobrimento ou acontecimento do ser, a cuja gura epocal damodernidade em ocaso chamaGe-Stell.

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    instrumento, certamente de muito maiores dimenses, que a tcnicamoderna?

    M.H.: Pessimismo no. O pessimismo e o optimismo so tomadasde posio demasiado superciais no mbito da reexo de que nosocupamos. E, sobretudo, a tcnica moderna no um instrumento,nem tem j nada que ver com instrumentos.

    DER SPIEGEL : E porque que havemos de estar to fortementesubjugados pela tcnica?

    M.H.: Eu no digo subjugados. O que eu digo que ainda noencontramos um caminho que co-responda essncia da tcnica.

    DER SPIEGEL : Poderia replicar-se-lhe, com toda a ingenuidade:o que que h aqui que precise ser dominado? A verdade que tudo funciona. Cada vez se constroem mais centrais elctricas. Produz-sede forma competente. Os homens esto bem acomodados nesta zona

    altamente tecnicada da Terra. Vivemos com bem-estar. Falta-nos, por ventura, alguma coisa?

    M.H.: Tudo funciona. precisamente isso que inquietante: tudofunciona, e o funcionar arrasta sempre consigo o continuar a funci-onar, e a tcnica arranca o homem da terra e desenraza-o cada vezmais. Eu no sei se no os assusta seja como for, a mim assusta-me ver agora as fotograas da Terra feitas da Lua. No precisonenhuma bomba atmica: o desenrazamento do homem j est a.Ns j s temos relaes puramente tcnicas. J no na Terra que

    o homem hoje vive. H pouco tempo, tive uma longa conversa, naProvena, com o poeta e combatente da resistncia Ren Char. Es-to a construir bases para msseis na Provena e a regio desertiza-sede uma maneira inimaginvel. O poeta que, com certeza, no suspeito de sentimentalismo, nem de uma adorao tola do idlio

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    dizia-me que se o pensar e o poetar no conseguem alcanar o poderda no-violncia, o desenrazamento que se est a dar do homem sero m.

    DER SPIEGEL : Mas temos que dizer que, apesar disso, preferimosestar aqui e que, de todos os modos, no poderemos deixar de per-tencer ao nosso mundo. E quem sabe se o homem est destinado aestar nesta Terra? Seria pensvel que o homem no estivesse des-tinado mesmo a coisa nenhuma. E tambm se poderia ver semprecomo uma possibilidade do homem o lanar-se a outros planetas,a partir desta Terra. Com certeza que j no estamos longe disso.Onde que est escrito, anal, que o stio do homem seja este?

    M.H.: Se estou bem informado, de acordo com a nossa experinciae histria humanas, tudo o que essencial, tudo o que grandezasurgiu do homem ter uma ptria e estar enrazado numa tradio. Aliteratura contempornea, por exemplo, excessivamente destrutiva.

    DER SPIEGEL : Perturba-nos que mencione aqui a palavra des-trutiva, at porque o termo adquiriu justamente por seu interm-dio e na sua losoa conotaes niilistas, num contexto totalmenteenglobante. Choca-nos ouvir a palavra destrutiva em relao literatura, que possa v-la ou tenha que v-la absolutamente como parte desse niilismo.

    M.H.: Devo dizer que a literatura a que me referi no niilista nessesentido pensado por mim. [Nietzsche II, pp. 335 e seg.]

    DER SPIEGEL : De acordo com o que disse, v manifestar-se umatendncia que conduz ao Estado absolutamente tcnico ou que jnele desembocou. assim?

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    M.H.: Sim! [Mas o estado tcnico , justamente, o que menos secorresponde com o mundo e a sociedade determinados pela essnciada tcnica. O estado tcnico seria o mais servil e cego dos esbirrosdo poder da tcnica.]

    DER SPIEGEL : Bem, nesse caso, naturalmente, pe-se-nos o pro-blema de se o homem corrente ainda pode inuir sobre esta engre-nagem do curso inevitvel das coisas, ou se a losoa que podeter essa inuncia, ou se so ambos em conjunto, na medida em quea losoa leva o indivduo ou vrios indivduos a uma deteminadaaco.

    M.H.: [Com essa pergunta, voltamos ao incio do nosso dilogo.] Sese me permite expressar-me com brevidade e at, de certo modo, bru-talmente, embora com base numa longa reexo, a losoa no podeprovocar nenhuma alterao imediata do actual estado do mundo.Isto no vlido apenas em relao losoa, mas tambm a to-das as meditaes e anseios meramente humanos. J s um deus nos

    pode ainda salvar. Como nica possibilidade, resta-nos preparar pelopensamento e pela poesia uma disposio para o aparecer do deus oupara a ausncia do deus em declnio; preparar a possibilidade de que[em vez de que, dito brutalmente, estiquemos o pernil] pereamosperante o deus ausente.

    DER SPIEGEL : H alguma conexo entre o seu pensamento e oadvento (Heraufkunft) desse deus? H a, na sua maneira de ver,uma relao causal? Cr que nos podemos aproximar do deus pelo pensamento?

    M.H.: No o podemos atrair mediante o pensar. Podemos, quandomuito, despertar30 a disposio a esper-lo.

    30 Em II : em vez de despertar, [preparar].

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    DER SPIEGEL : Mas podemos ajudar?

    M.H.: O dispor-se a estar disposto deveria ser a primeira ajuda. Omundo no pode ser aquilo que e tal como apenas mediante ohomem, mas tambm no pode s-lo sem o homem. Do meu pontode vista, isto liga-se a que aquilo que eu designo por uma palavra hmuito tradicional, multvoca e hoje desgastada, o ser, precisa dohomem para a sua manifestao, custdia e congurao31. Vejo aessncia da tcnica naquilo a que chamoGe-Stell(com-posio)32,

    31 A partir deste ponto e at ao nal desta interveno de Heidegger, o texto deI constitui um resumo, bastante el letra e esprito do autor, do contedo deII ,de que a mais signicativa e ampla alteraro:

    [O termo, que ouvido pela primeira vez se presta a equvocos, se pensado cor-rectamente, indica um retorno histria mais ntima da metafsica, que determinaainda hoje o nosso ser-a. O vigorar da com-posio signica que o homem situ-ado, solicitado e provocado por um poder que se revela na essncia da tcnica. E, justamente, ao fazer a experincia deste ser- situado do homem por algo que no ele prprio e que ele prprio no domina, que se lhe mostra a possibilidade decompreender que o homem usado (gebraucht ) pelo ser. Naquilo que constitui

    o mais autntico da tcnica moderna encobre-se, precisamente, a possibilidade daexperincia do ser-usado e do estar-pronto para estas novas possibilidades. Aju-dar a que isto chegue a ser compreendido: no se pode pedir mais do pensar. Alosoa chega ao seu m.]

    32 O sentido do ser institudo na transcendncia doDaseinera tratado emSeinund Zeit a dois nveis: o da representao, que v os entes como algo inertementepresente,Vorhandene, esperando ser conhecido; e o da manipulao do operrioque, situado no ambiente da suaocina, considera os entes como Zuhandene, mate-riais e utenslios para o seu trabalho.Die Frage nach der Technik revela um escalomais na decadncia do ser, na medida em que este aparece na perspectiva do ci-dado das sociedades altamente tecnicadas, como algo cujo dar-se ou produzir-sepode (e, portanto, deve) obedecer a um clculo, a uma programao. Os entes ad-quirem a gura de matrias-primas ou mercadorias cujo ser susceptvel de serencomendado, fabricado e distribuido de acordo com as necessidades do bem-estar social eas regras de mercado. neste sentido que o termoGe-stelltraduz aessncia do mundo tnico moderno. Heidegger rescata-o do seu signicado banal,para deixar ouvir a sua etimologia. Assim, a palavra correnteGestell, que designatodo o tipo de armao ou estrutura destinado a suportar, reforar ou expor qual-quer coisa (pelo que tanto pode signicar um estendal de roupa, como uma estante

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    expresso amide ridicularizada e talvez infeliz. O vigorar da com-posio (Ge-Stell) signica que o homem situado, solicitado e pro-vocado por um poder ( Macht ) que ele prprio no domina. Ajudara que isto chegue a ser compreendido: no se pode pedir mais dopensar. A losoa chega ao seu m.

    DER SPIEGEL : A princpio e no s a princpio pensava-seque a losoa tinha uma forte aco indirecta (raramente directa),que indirectamente podia agir de forma importante e ajudou a queirrompessem novas correntes. Se pensarmos sem sair do mbitoalemo nos nomes de Kant e de Hegel at Nietzsche, para no falar de Marx, pode comprovar-se que a losoa tem exercido uma imensainuncia por caminhos transversos. Cr que esta aco da losoachegou ao m? E quando diz que a antiga losoa est morta, que j no existe, quer tambm dizer que essa inuncia, se que existiu,hoje, pelo menos, j no se d?

    para livros, o chassis de um automvel ou at mesmo o esqueleto de algum) passaa nomear esse modo tecnlogico do revelar-se do ser que reune os entes na gurapregnante e dominadora de um mundo programvel, onde o prprio homem estatado aos entes e forma como estes se produzem. Heidegger pretende, dessa ma-neira, chocar o leitor com um uso intrigante, inaudito e inquietante de uma palavratrivial, despertando-o do supor do homem-massa, e conduzi-lo, ao mesmo tempo,aos seus temas centrais: ologos, aVersammlung; o pr ttico, des-encobridor doser nas suas mltiplas formas.

    Para traduzir este conceito intraduzvel optou-se, por respeitar, dentro do poss-vel, a etimologiage-(com-) estell(posio), sem renunciar totalmente ao carcterapelativo e provocador do uso desviado de uma palavra corrente. Do mesmo modoque uma composio literria cria e transmite uma unidade sintctico-semnticade signicaes, aqual actua como um todo sobre o leitor, captando-oe prendendo-o nessa ordem de relaes plasticamente comunicado e convincente, tambmGe-

    Stellindica uma certa com-posio (um pr ou produzir, reunindo) dos entes,que provoca uma ordem calculada de leituras, de tal modo que o leitor est ele pr-prio sujeito regra desse com-por, como parte do com-posto. Tal modo de pr, pois, um impor, um ter poder sobre o prprio homem, que est, contudo, imersono sonho de ser ele o amo do mundo por si criado.

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    M.H.: [Acabo de o dizer:] possvel uma aco mediata, por inter-mdio de um outro pensar. Mas uma aco directa, de tal maneiraque o pensar fosse simultaneamente a causa de uma transformaodo mundo, no possvel.

    DER SPIEGEL : Desculpe. Ns no queremos pr-nos a losofar,que a tanto no chegamos. Mas temos aqui a charneira entre a po-ltica e a losoa. Perdoe-nos, por isso, se o metemos em tal con-versa... Acaba de dizer-nos que a losoa e o indivduo no podiam fazer nada seno...

    M.H.: ... preparar-se para este estar-disposto a manter-se aberto paraa chegada ou a falta do deus. A experincia desta falta no um nada,mas sim um libertar-se do homem daquilo que emSer e Tempodeno-minei a queda (Verfallenheit ) no ente. A reexo sobre o que hojeacontece inerente a uma preparao do mencionado estar-disposto.

    DER SPIEGEL : Mas, nesse caso, teria mesmo que dar-se o famosoimpulso do exterior Deus ou quem quer que fosse. Cr, ento, queo pensar, hoje, j no poderia agir a partir de si mesmo e de formaauto-suciente? Antigamente, fazia-o, na opinio dos contempor-neos e tambm, segundo creio, na nossa.

    M.H.: Mas no de forma imediata.

    DER SPIEGEL : J mencionamos Kant, Hegel e Marx como pontosde partida de grandes movimentos. Mas tambm de Leibniz par-

    tiram impulsos para o desenvolvimento da fsica moderna e, dessamaneira, para o surgir do mundo moderno em geral. Cremos que oSenhor disse algures que j no contava com uma efectividade dessetipo.

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    M.H.: Da parte da losoa, j no. Os papis que a losoa desem-penhava at agora foram hoje assumidos pelas cincias. Uma acla-rao suciente do efeito do pensar exigiria que explicitssemoso que efeito (Wirkung) e ter efeito sobre ( Bewirken) signicamaqui. Seria necessrio distinguir mais em profundidade entre motivo,impulso, estmulo, ajuda, impedimento e cooperao, se bem acla-rmos o princpio de razo33. A losoa desintegra-se em cinciasparticulares: a Psicologia, a Lgica, a Politologia.

    DER SPIEGEL : E quem ocupa agora o posto da Filosoa?

    M.H.: A Ciberntica.

    DER SPIEGEL : Ou o devoto que se mantm em atitude de aber-tura?

    M.H.: Mas isso j no losoa.

    DER SPIEGEL : Ento o que ?M.H.: Eu chamo-lhe o outro pensar.

    DER SPIEGEL : Chama-lhe o outro pensar.. No se importa de formular isso mais claramente?

    M.H.: No estava a pensar na frase com que termina a minha confe-rncia A pergunta pela tcnica: o perguntar a devoo do pen-sar?

    33 Em II , em vez de se bem aclaramos o princpio de razo, diz: [S alcana-mos a dimenso adequada a esta distino mediante uma explicitao suciente doprincpio de razo.]

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    DER SPIEGEL : Encontramos nas suas lies sobre Nietzsche uma frase que nos pareceu convincente. Dizia: porque no pensar -losco reina a maior ligao possvel que os grandes pensadores pensam todos o mesmo. Mas aquele , porm, to essencial e torico, que nenhum indivduo o esgota, ligando cada um a cada ummais intimamente ainda. Para si, at este edifcio losco pareceter chegado a um termo certo.

    M.H.: Terminou. O que no quer dizer que, para ns, se tenha des-feito em nada. Antes pelo contrrio, volta a estar presente pelo di-logo. Todo o meu trabalho nas aulas tericas e prticas, ao longo dosltimos 30 anos, consistiu apenas e fundamentalmente numa inter-prepretao da losoa ocidental. O retroceder at aos fundamentostericos do pensar, a meditao sobre os problemas que desde a -losoa grega ainda no foram problematizados nada disto umadissoluo da tradio. Eu digo, porm, que os modos de pensar dametafsica tradicional, que chegou ao seu termo com Nietzsche, jno oferecem possibilidade nenhuma de fazer a experincia de pen-sar os traos fundamentais da era tcnica, que s ento comeou.

    DER SPIEGEL : H aproximadamente dois anos, em dilogo comum monge budista, falou de um mtodo totalmente novo do pensare disse deste novo mtodo que, a princpio s poderia ser consu-mado por poucos homens34. Queria com isso dizer que s em muito pouca gente poder chegar a dar-se essa compreenso que, no seu ponto de vista, possvel e necessria?

    M.H.: Dar-se no sentido mais absolutamente originrio em que

    possa ser dito.34 Heinrich Wiegand PETZET, no seu livroAuf einen Stern zugehent Be-

    gegnungen und Gesprche mit Martin Heidegger 1929-1979, Frankfurt, SocietatsVerlag, 1983 (254 p.), d notcia do contedo desse encontro do budista tailandsBikkhu Maha Mani com Heidegger, em l965, no captulo que tem por ttulo DerMnch aus Bangkok, pp. l75-l96.

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    DER SPIEGEL : Sim, mas a sua efectivao (Verwirklichung) tam-bm no foi explicitamente exposta por si nesse dilogo com o bu-dista.

    M.H.: que eu tambm no posso torn-lo visvel. Eu no sei nadaacerca de como este pensar tem efeito (wirkt ). Bem pode ser que ocaminho do pensar se dirija hoje ao silncio, para proteger o pensarde ser depreciado dentro de um ano. E tambm pode ser que sejamprecisos 300 anos para que ele faa efeito.

    DER SPIEGEL : Compreendemos muito bem. Mas como, dentro de300 anos, ns j no estaremos vivos, e, pelo contrrio, vivemos aquie agora, est-nos vedado calar- nos. Ns, polticos, meio-polticos,cidados de um Estado, jornalistas, etc., temos constantemente quetomar decises, sejam elas quais forem. Temos que tomar posio face ao sistema em que vivemos, temos que procurar modic-lo,temos que tentar vislumbrar o exguo acesso a uma reforma, ou oainda mais exguo a uma revoluo. Dos losfos esperamos ajuda,

    ainda que esta seja, como natural, indirecta, ajuda por caminhostransversos. Ora o que ouvimos : eu no posso ajudar- vos!

    M.H.: E verdade que no posso.

    DER SPIEGEL : Isso tem que ser desanimador para quem no lsofo.

    M.H.: No posso, porque as questes so to difceis que seria con-trrio ao sentido desta misso do pensar o comear simultaneamente

    a predicar e a emitir valoraes morais. Talvez se possa aventurar oseguinte: ao mistrio da superpotncia planetria da essncia impen-sada da tcnica moderna responde a provisoriedade e a insignicn-cia do pensar, que procura reectir sobre este impensado.

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    DER SPIEGEL : No se considera entre aqueles que, se ao menos fossem escutados, poderiam indicar um caminho?

    M.H.: No! Eu no conheo nenhuma via de alterao imediatada situao mundial actual, se que tal modicao humanamentepossvel. Mas parece-me que este ensaio de pensar poderia despertar,esclarecer e assegurar o j mencionado estar disposto.

    DER SPIEGEL : A nica resposta clara que o pensador pode e devedar , ento: aguardai, que dentro de um prazo de 300 anos algose nos h-de ocorrer?

    M.H.: No se trata apenas de esperar at que, de aqui a 300 anos, ohomem chegue a descobrir algo. Trata-se antes de pensar de antemo(vordenken) os tempos que ho-de vir, sem pretenses de profecia, apartir das linhas fundamentais e quase impensadas da era actual. Opensar no inactividade; ele mesmo o agir ( Handeln) que, em simesmo, est em dilogo com o destino do mundo (Weltgeschick ). A

    mim parece-me que a distino entre teoria e praxis, de proveninciametafsica, e a representao de uma transmisso entre ambas des-troam o caminho que conduz quilo que eu entendo como pensar.Se me permitem, remeteria aqui para um dos meus cursos, publicadoem 1954 com o ttuloO que signica pensar 35. Talvez tambm sejasigno do nosso tempo o facto de que, entre todos os meus escritos,seja este o que menos lido.

    DER SPIEGEL : [Naturalmente, sempre foi um erro da losoa pen-sar que o losfo pode ter, atravs da sua losoa, alguma aco

    directa.] Voltemos ao princpio. No seria de pensar que o nazismo foi, por um lado, a realizao desse encontro planetrio e, por outro, o ltimo, o pior e, simultaneamente, o mais forte e o mais

    35 Was heisst Denken, curso leccionado no semestre de Inverno de 1951-1952 eno seguinte de Vero. Publicado em Tbingen, Niemeyer, 1954.

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    impotente dos protestos contra esse encontrar-se com a tcnica de- nida planetariamente e com o homem moderno? evidente queo Senhor manifesta uma contradio na sua pessoa, na medida emque muitos dos produtos complementares da sua actividade s po-dem explicar-se como um apego a diversos aspectos da sua maneirade ser que no tm que ver com o ncleo losco, e que o Senhor,como losfo, sabe no terem contedo rero-me a conceitos comoptria, enraizamento e parecidos. Como conjuga tcnica pla-netria e ptria.

    M.H.: No estou de acordo. Parece-me que est a tomar a tcnicade uma maneira demasiado absoluta. Eu no vejo a situao do ho-mem no mundo da tcnica planetria como uma dependncia impos-svel de desenvencilhar e de separar. Considero, pelo contrrio, que amisso do pensar, dentro dos seus limites, consiste precisamente emcontribuir para que o homem chegue a conseguir estabelecer uma re-lao sucientemente rica com a essncia da tcnica. Efectivamente,o nazismo seguiu essa via, mas essa gente era demasiado incapazde pensar para conseguir estabelecer uma relao realmente explcitacom aquilo que acontece hoje em dia e h j trs sculos que vinha acaminho.

    DER SPIEGEL : Essa relao explcita t-la-o hoje os america-nos?

    M.H.: No, tambm no tm. Ainda esto dentro de um pensar que,enquanto pragmatismo, favorece o operar e o manipular, mas que, si-multaneamente, esquiva a via de uma reexo sobre a peculiaridade

    da tcnica moderna. Embora nos EUA tambm haja tentativas espo-rdicas de libertar-se do pensamento pragmtico-positivista. E quemsabe se um dia no se iro despertar na Rssia e na China tradiesancestrais de um pensar que contribua para a possibilitao de umarelao livre do homem com o mundo tcnico?

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    DER SPIEGEL : Se ningum o tem e o lsofo no o pode dar...

    M.H.: At onde chegou a minha tentativa de pensar e de que maneiraela possa vir a ser aceite no futuro e tornada frutfera, algo acerca doque no me compete a mim pronunciar-me. Ainda em 1957, numaconferncia comemorativa do jubileu da Universidade de Friburgo,que tem por ttulo O princpio de identidade36, procurei mostrar,em poucas passadas, em que medida uma experincia pensante da-quilo que constitui a peculiaridade da tcnica moderna pode abrira possibilidade de que o homem da era tcnica experimente a vin-culao a um apelo, que ele esta capacitado para ouvir, e ao qual,sobretudo, ele mesmo pertence. O meu pensamento est iniludivel-mente vinculado poesia de Hlderlin. No considero Hlderlin umpoeta qualquer, cuja obra foi tematizada, como muitas outras, peloshistoriadores da literatura. Hlderlin, para mim, o poeta que indicao futuro, que aguarda o deus e que, por isso, no deve ser conside-rado apenas como objecto de investigao hlderliniana no mbitoda histria da literatura.

    DER SPIEGEL : A propsito de Hlderlin, e escusando-nos por ter que voltar leitura de citaes, dizia o Senhor no seu curso sobre Nietzsche, que a oposio, conhecida de diversas maneiras, entre odionisaco e o apolneo, entre a paixo sagrada e a exposio sbria, uma lei oculta e silenciosa da caracterizao histrica dos alemese que nos tem, um dia, que encontrar dispostos e preparados para lhedar gura. Esta oposio no uma mera frmula para nos ajudar adescrever o que se entende por cultura (Kultur). Com esta oposio, Hlderlin e Nietzsche faziam terminar com um signo de interroga-

    o a misso que os alemes tm de encontrar historicamente a suaessncia. Chegaremos a entender este signo? Uma coisa certa: a36 Der Satz der Identitt, escrita e lida em 1957, foi publicada emIdentitt

    und Differenz, Pfullingen, Neske, 1957.

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    Histria far-nos- pagar caro, se o no entendermos. No sabemosem que ano escreveu estas palavras. Cremos que em 1935.

    M.H.: provvel que a citao pertena ao curso sobre Nietzscheintitulado A vontade de poder como arte, que de 1936/193737.Mas tambm pode ter sido dita nos anos seguintes.

    DER SPIEGEL : Importa-se de as explicitar um pouco? A citao permite-nos concretizar uma denio dos alemes, partindo de umavia genrica.

    M.H.: Eu poderia dizer o mesmo da seguinte maneira: estou con-vencido de que s partindo do mesmo stio do mundo onde surgiu omundo tcnico moderno, se pode preparar uma inverso. Esta nopode acontecer mediante a adopo do budismo zen ou de outras ex-perincias do mundo oriental. Para que haja uma revoluo no pen-samento (Umdenken), precisamos da ajuda da tradio europeia e deum novo apropriar-se desta. O pensar s pode ser modicado pelo

    pensar que tem a mesma provenincia e a mesma determinao.DER SPIEGEL : Na sua opinio, tem que ser justamente nesse lugar em que o mundo tcnico surgiu, que este...

    M.H.: ... seja superado, sem sentido hegeliano (no eliminado, massim superado). Mas o homem no pode consegui-lo sozinho.

    DER SPIEGEL : Atribui aos alemes uma misso (Aufgabe) espe-cial?

    M.H.: Sim, no sentido do dilogo com Hlderlin.37 Veja-se nota 19.

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    DER SPIEGEL : Cr que os alems esto especialmente qualica-dos para levar a cabo esse inverso?

    M.H.: Penso no especial parentesco ntimo entre o idioma alemoe o idioma grego e os seus pensadores. o que os franceses merearmam actualmente, repetidas vezes. Quando comeam a pensar,falam alemo. Asseguram que com a sua lngua no seriam capazes.

    DER SPIEGEL : assim que explica que tenha tido uma inunciato forte nos pases latinos e, em especial, sobre os franceses38?

    M.H.: Eles vem que, com toda a sua enorme racionalidade, j nopenetram no mundo actual, quando se trata de o compreender na ori-gem da sua essncia. To dicil traduzir poesia, como traduzir umpensamento. Dito de outra maneira: quando se pretende traduzir letra, tudo se altera.

    DER SPIEGEL : Esse pensamento inquietante.38 A inuencia heideggeriana sobre o pensamento francs no se limita aos cr-

    culos formados em torno dos seus discpulos directos e dilectos, como Jean Beau-fret, ou ao existencialismo do ps-guerra. SeSein und Zeit o ponto de refernciafundamental deL tre et le Nant (1943) e da corrente existencialista que comesta obra se pe em marcha, o Heidegger daKehre uma voz emoff , um nomeque raramente se pronuncia, mas que est por detrs do estruturalismo francs nassuas diversas frentes: no o homem quem fala, o Ser quem fala no homem.Finalmente, a gerao ps-estruturalista, que rebenta na nova losoa e no pen-samento ecologista volta a reavivar essa constante e calada presena: mortos todosos deuses, resta-nos guardar o ser, vigiar, resguard-lo das mltiplas ameaas dasociedade industrial. A ps-modernidade, enm, o mais recente eco de umpensar inesgotvel. Um breve e irnico repasso desta nem sempre explcita pre-sena encontra-se emHeidegger und Frankreich berlegungen zu einer altenVerbindung(Stuttgart, Reclam, 1977) de Henri Birault, discpulo, ele tambm, dovelho mestre da Floresta Negra.

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    M.H.: Seria bom que essa inquietude fosse tomada a srio e que, -nalmente, se reectisse sobre essa alterao, to rica em consequn-cias, que o pensamento grego experimentou ao ser traduzido para olatim romano acontecimento que ainda hoje nos impede de medi-tar com suciente profundidade as palavras fundamentais do pensa-mento grego.

    DER SPIEGEL : Mas, Senhor Professor, a verdade que ns temosque partir do optimismo de que h algo que pode ser comunicado e,igualmente, traduzido, pois quando se acabe o optimismo de acre-ditar que os contedos de pensamento se podem comunicar, mesmo para alm das fronteiras idiomticas, estaramos sob a ameaa do provincianismo.

    M.H.: Chamaria provinciana a diferena do pensamento grego emrelao ao modo de representao do mundo romano? As cartas co-merciais podem ser traduzidas para todas as lnguas. As cincias que para ns, hoje em dia, so tambm precisamente as Cincias da

    Natureza, com a Fsica Matemtica como cincia fundamental tam-bm so traduzveis para todas as lnguas. Ou melhor: no se tradu-zem, visto que todas falam a mesma linguagem matemtica. Roa-mos aqui um campo demasiado amplo e difcil de medir.

    DER SPIEGEL : O que vamos dizer talvez tambm pertena a essetema. Vivemos actualmente, sem exagero, uma crise do sistema de-mocrtico parlamentar. H muito que ela est presente na Alema-nha, mas no apenas na Alemanha. Tambm existe nos pases cls-sicos da democracia, como a Inglaterra e a Amrica. Em Frana, j

    nem sequer uma crise. A questo : no poderamos esperar da parte do pensador, como um produto secundrio, digamos, indica-es no sentido de que este sistema deveria ser substitudo por outronovo e como deveria ser, ou que possvel uma reforma, e indicaesde como seria possivel. De no ser assim, o homem sem educao -

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    losca que, normalmente, quem tem as coisas na sua mo(aindaque as no determine) e quem est na mo das coisas chegar atomar decises erradas, e at talvez demasiado terrivelmente limita-das. No deveria, pois, estar o lsofo pronto a meditar de que modoos homens podem organizar a sua convivncia neste mundo por ele prprio tecnicado e que, qui, o tem subjugado? No com razoque se espera do lsofo que d uma orientao acerca de como elese representa uma possibilidade de vida? E no falta o lsofo a uma parte, na minha opinio modesta, do seu ofcio e da sua vocao, seno tem nada para dizer acerca disso?

    M.H.: Pelo que vejo, no h um nico pensador que esteja em con-dies de perscrutar, pelo pensamento, o mundo na sua totalidade, deforma a poder dar indicaes prticas e isto at mesmo em relao sua misso de encontrar de novo uma base para o prprio pensa-mento. O pensar j est sobrecarregado simplesmente com o tomara srio a grande tradio; quanto mais no estaria se, alm disso, seatribusse a si prprio o pr-se a dar orientaes dessa ordem. Comque autoridade procederia assim? No mbito do pensamento no hproposies de autoridade. A nica medida para o pensamento vemdada pela prpria coisa a pensar. Mas isso o que mais problemtico. Para tornar compreensvel esta contextura seria, sobretudo, neces-sria uma meditao sobre a relao losoa-cincias, cujos xitostcnico- prticos fazem parecer cada vez mais supruo um pensarno sentido do losco. A difcil situao em que se encontra opensar no que diz respeito sua misso prpria reecte-se, por isso,numa estranheza perante o pensar, que alimentada precisamentepela posio de fora das cincias, e que nega necessariamente a pos-

    sibilidade de uma resposta s perguntas prticas relativas viso domundo.

    DER SPIEGEL : No mbito do pensar no h proposies de autori-dade... Ento tambm no nada surpreendente que a arte moderna

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    tenha diculdade em dar normas. Ora, o Senhor, ao mesmo tempo,chama-a destrutiva. A arte moderna interpreta-se habitualmentea si mesma como arte experimental. As suas obras so ensaios...

    M.H.: Tenho muito gosto em aprender...

    DER SPIEGEL : ... ensaios que surgem de uma situao de isola-mento do homem e do artista, e entre 100 ensaios sempre se encontraalgum acerto.

    M.H.: A questo importante , justamente esta: em que situao seencontra a arte? Qual o seu stio?

    DER SPIEGEL : Bem, mas ento o Senhor espera da arte algo que j no espera do pensamento.

    M.H.: Eu no espero nada da arte. Limito-me a dizer que proble-mtico o stio que a arte ocupa.

    DER SPIEGEL : porque a arte desconhece o seu stio que des-trutiva?

    M.H.: Bom, risque isso. Mas quero rearmar que no vejo aondeapontam as vias da arte moderna, tanto mais que continua obscuroonde que, para a arte, est aquilo que lhe mais prprio, ou pelomenos, o que que ela busca39.

    39 Este pensamento, que no infrequente no ltimo Heidegger (veja-seDieKunsr und der Raum, 1969, e a conferncia dada em Atenas em 1967 e publicada

    pela primeira vez em 1983, Die Herkunft der Kunst und die Bestimmung desDenkens), no deve contudo ocultar a sua paixo por Czanne e por Van Gogh,por Braque e por Paul Klee, o seu interesse pela produo de Eduardo Chillida.Heinrich Wiegand Petzet, crtico de arte e amigo pessoal de Heidegger, reuniu nasua obra antes citada (veja-se n. 25) muitas impresses do lsofo acerca da artemoderna, surgidas no decorrer das assduas conversas entre ambos, e que so de

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    DER SPIEGEL : Tambm o artista carece de vinculao com a tra-dio. E quando se depare com os produtos desta dir: sim, seria as-sim que h 600 anos se pintava, ou talvez h 300, ou at h 30. Masagora j no pode ser assim. Mesmo que ele quisesse, j no pode-ria. Seno, o grande artista no seria mais que o genial falsicador Hans van Meegeren, aquele que fosse capaz de pintar melhor queos outros. Mas j no assim. Por isso, o artista, o escritor, o po-eta esto numa situao semelhante do pensador. Quantas vezes,enm, temos que dizer: fecha os olhos?

    M.H.: Se enquadrarmos a arte, a poesia e a losoa no mbito dosassuntos culturais, certo que esto numa situaco idntica. Masse se pergunta no s por tais assuntos, mas tambm por aquilo quecultura signica, a meditao desta problemtica integra o mbitodo pensar e da sua misso, cuja misria parece inconcebvel. Masa maior das misrias do pensar reside em que, hoje, segundo vejo,no h ainda nenhum pensador sucientemente grande para levaro pensamento, de modo imediato e de forma pregnante, ao seu temae, portanto, ao seu caminho. Para ns, homens de hoje, a grandeza doque deve ser pensado demasiado grande. Talvez devamos esforar-nos por construir uma passagem por sendas mais estreitas e de maiscurto alcance.

    DER SPIEGEL : Senhor Professor Heidegger, estamos-lhe muitoagradecidos por esta entrevista40.

    grande interesse documental, como complemento da numerosa produo heideg-geriana directamente vinculada problemtica da arte em geral.

    40 A entrevista, realizada em 23 de Setembro de 1966, na casa de Heideggerem Friburgo e no seu refgio em Todtnauberg, foi conduzida pelo director e editorde Der Spiegel, Rudolf Augstein, em presenqa de George Wolff e H. W. Petzet.As fotograas feitas nessa ocasio por Digne Meller Marcovicz, juntamente comas que a mesma reprter tomou em 16 e 17 de Junho de 1968, foram publicadasem livro (por desejo de Heidegger, tambm posteriormente a sua morte) em 1985(Frankfurt, in Kommission bei V. Klostermann).

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