Herculano Pires - Concepcao Existencial de Deus[A6]

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    J. Herculano P ires

    Concepo Existencialde Deus

    www.autoresespiritasclassicos.com

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    Contedo resumido

    Nesta obra, Herculano tenta, ousada-mente, fazer uma definio do Ser Onipo-tente, criador e sustentador do Universo.

    Em princpio, essa uma pretenso

    descabida, visto que somos apenas criaturasnfimas, praticametne no incio do processode evoluo espiritual.

    Mas a obra nos demonstra que, dentrode nossas possibilidades humanas, conhe-

    cendo a grandeza da criao, ns podere-mos ter uma minscula idia da grandezado Criador.

    Ademais, o ser espiritual um tomo daessncia de Deus, que tem o objetivo de

    evoluir at Ele, atravs das milhares dealternncias entre a vida material e aespiritual. No seria, ento, o mais agrad-vel de todos os desafios conhecer uma face,a mais minscula que fosse, da essncia

    dAquele que a Causa de nossa existncia?

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    Prefcio Uma Conversa sobre DeusDeus Existe?O ExistenteDeus no Homem

    Natureza InteligenteDo Efeito CausaDeus e os DeusesO Deus dos Msticos

    A Loucura de ExistirA ParaexistnciaA Ao de DeusDeus Social

    Autognese de Deus

    O Mito do Diabo

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    Prefcio

    Uma Conversa sobre Deus

    Com uma capacidade indiscutvel defalar sobre o complexo de maneira simples,Herculano Pires enfrenta neste livro odesafio do tema que se expressa no prpriottulo: a Concepo Existencial de Deus. Vaio autor abordar o Absoluto, o Criador, nafeliz tentativa de coloc-lo em termoshumanos, daquilo que existe, que , e fugir,portanto, das abstraes incapazes de lhedar um rosto. Deus afirma ele comoExistente, que existe na nossa realidadehumana, pode ser tocado com os dedos esentido, captado pelo nosso sensriocomum. O desafio de Herculano, contudo,corre como um rio para o perigoso eestreito campo do antropomorfismo, onde

    Deus foi confundido com a imagem do

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    homem e transformado, ele mesmo, em

    homem. Ao dar-lhe esse rosto coerente coma filosofia esprita, o rosto do Existente, quepode ser valorizado pelo trato da lgica, dobom senso, ao contrrio de confundi-lo como ser finito fisicamente. Herculano vai torn-lo exatamente um pouco mais compreens-vel aos sentidos humanos, aproximando-omais do mundo terreno e daqueles que ohabitam, como ns. Eis, ento, que nonecessitamos da percepo extra-sensorialpara captar sua existncia, porque pode-mos v-lo na sua obra, com a viso elabo-rada do poeta ou a viso prtica do homemsimples; a partir dos clculos e mtodos docientista ou depois das experincias cotidia-nas daqueles que, tambm existentes,

    percebem, sem qualquer possibilidade deelaborao filosfica mais apurada, umExistente a presidir a vida em todos ossentidos.

    Herculano, aqui, como em tantos outrosmomentos de sua vida intelectual fecunda,

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    ao mesmo tempo em que combate o erro

    inominvel das religies, ou seja, essa duplatentativa frustrante de apresentar Deuscomo enigma insolvel e exigir que oamemos de todo o corao e de todo oentendimento, empreende o esforo derefletir sobre a concepo existencial deDeus, entendido este no mais comoelaborao imaginria dos homens deslum-brados pelo esplendor da Natureza, mascomo necessidade lgica e ntica dacompreenso do real. Tudo isto paraalcanar uma sntese de valorizao daconscincia humana ou, melhor dizendo,uma capacitao dessa conscincia para aprpria viso de mundo que cada umconstri. E a sntese de Herculano se

    expressa nessa conseqncia. Ao homem-existente junta-se necessariamente, eportanto de maneira inegvel e indispens-vel, o Deus-Existente, cuja imagem absolutase reflete na pluralidade humana. Deus

    existe assim como o homem existe, mas

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    trata-se de uma realidade que se objetiva

    pelas relaes que se estabelecem entreambos em contextos maiores e menores. Assim como o senso comum admite hoje,sem maiores complicaes, que o homemno pode ser compreendido fora do social,assim tambm Herculano vai demonstrarque este mesmo homem no pode serexplicado fora do contexto natural doCosmo sem os limites e os universos que amentalidade relativizada ainda lhe impe.

    Wilson Garcia

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    Deus Existe?

    Os telogos do Cristianismo Ateu, daTeologia Radical da Morte de Deus, soanjos rebelados e decados do ParasoMedieval. Nesta fase de inquietaes econtradies que marca os flancos bovinosdo Sculo XX com imenso sinal de interro-gao em ferro e em brasa, a tese da Mortede Deus, oriunda da II Guerra Mundial einspirada no episdio do louco de Nietzche,anuncia a liquidao final do espliomedieval no pensamento contemporneo.Os bens desse esplio se constituem dosimveis patrimoniais de um Cristianismodeformado, com as suas catedrais gigantes-

    cas, a estrutura econmico-financeira doVaticano, os artigos da velha simonia contraa qual Lutero se rebelou e os inesgotveislotes de quinquilharias sagradas, vestes eparamentos ornamentais, smbolos e

    dogmas das numerosas Igrejas Crists. Essa

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    a razo por que, matando Deus, os novos

    telogos pretendem colocar o Cristo provi-soriamente em seu lugar. A imensa literatu-ra religiosa medieval, que superou de muitoos absurdos dos sofistas gregos, destina-seao arquivo milenar da estupidez humana.

    O Materialismo e o Atesmo do Renas-cimento, acolitados pelo Ceticismo, oPositivismo e o Pragmatismo, formam ocortejo do fretro gigantesco e sombrio,manchado de cinza e sangue, da pavorosa

    arrogncia em que se transformou apregao de humildade, os exemplos detolerncia e simplicidade do Messiascrucificado. o lixo do famoso Milnio,carreado para a Porta do Monturo doTemplo de Jerusalm, para ser lanado nasgeenas ardentes. Dispensa-se o inventrio,porque no sobraram herdeiros. Nenhumacivilizao morreu de maneira mais inglriado que essa, em que Deus figurou como ocarrasco impiedoso da Humanidade ingnuae ignorante.

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    Apesar da rudeza dessa viso trgica,

    assim pintada em cores fortes na tela de umpintor primitivista (bem ao gosto do sculo),ela no implica a negao da necessidadehistrica da Idade Mdia. Pelo contrrio, ofundo histrico desse panorama, na pers-pectiva tumultuada das civilizaes da maisremota antiguidade, todas fundadas nafora, na violncia e nos arbtrios dascivilizaes massivas que vm da lendriaSumria at a Macednia e a Prsia,projetando-se num impacto em Esparta eRoma, e um claro de beleza e conscinciaem Atenas (que tambm no escaparia aoseclipses da escravido e da execuo deScrates) justificam histrica e antropologi-camente a tragdia humana desses sculos

    de primarismo e barbrie que sucederam aoestranho advento do Cristianismo. Nada sepode condenar nesse panorama monstruo-so, em que as idias crists, renovandotmidos lampejos de esperanas frustradas e

    revigorando-os na viso de esperanas

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    futuras, penetravam na massa e a ela se

    misturavam como o fermento da parbolaevanglica. As leis naturais da evoluocriadora, segundo a expresso de Bergson ede acordo com a tese dialtica de Hegel,levavam ao fogo de Prometeu (roubado aoCu) o caldeiro implacvel das fusesdantescas, na percepo intuitiva deWilhelm Dilthey, os elementos conjugadosdas civilizaes mortas. Os deuses mitolgi-cos eram caldeados nas prprias chamasvotivas de seus templos, fundindo-se comIav, o Deus nico dos hebreus, paramodelagem futura do Deus Cristo, quenascera da palavra mgica do Messias: Pai.

    Mas at que os homens pudessem com-preender o sentido dessa breve palavra,desse tomo oral, os detritos ferventes docaldeiro medieval teriam de escorrer pelasmuralhas do preconceito e da ignorncia,queimando o solo do planeta e a frgilcarne humana. No de admirar que asatrocidades da II Guerra Mundial tenham

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    feito o mesmo. Em meados do Sculo XX

    estvamos ainda bem prximos das foguei-ras da Inquisio e dos instintos ferozes dosantigos strapas das civilizaes massivas,monstruosas expanses das tribos brbaras,em que os ritos do sangue e do dio aosemelhante purificavam a tnica dossacerdotes e das vestais, manchadas pelossacrifcios humanos e pela prostituiosagrada nos altares e nas escadarias dostemplos. Os abutres da guerra devoravamPrometeu em cada vtima da loucurahitlerista e chafurdavam na prostituiosagrada dos mitos da violncia, essaGrgora terrvel e insacivel do Jardim dasHesprides nazista. A histeria e o sadismo, abrutalidade e o homossexualismo campea-

    vam livres nas guarnies de heris, comoum Estige de lamas que escorresse doFuherer para a Alemanha, asfixiando asmais belas conquistas da sua tradiocultural a invadir e contaminar as naes

    vencidas. Os campos de concentrao e

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    suas cmaras de gs destruam a confiana

    no homem, revelavam a falncia do Huma-nismo e a f em Deus nas cinzas dasincineraes brutais. Na Itlia dos poetas ecantores tripudiavam os asseclas do Duce,submisso ao Fuherer, e no Japo dascerejeiras e dos Kaikais o fanatismo doskamikazes desafiava a insensibilidade deTruman, que no tardou a lanar suasbombas atmicas sobre Nagasaki e Hiroshi-ma, no mais monstruoso genocdio daHistria.

    No nos possvel sequer conceber oNada, o vazio absoluto, do qual Deus teriasado como o Ser Absoluto. Tirar o Absolutodo Nada uma contradio que nossoentendimento repele. A existncia de Deus,como anterior Criao inconcebvel. E sealgo existia antes, temos um poder criadoranterior a Deus. A tese budista do Universoincriado, que sempre existiu, subordina opoder de Deus a essa existncia misteriosae inexplicvel. Nos limites da nossa mente

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    esses problemas no cabem, so mistrios

    que serviram para todos os sofismas, jogosde palavras e concluses monstruosas dopensamento teolgico. Mas quando aplica-mos o bom-senso, com a devida modstiade criaturas finitas e efmeras, diante doInfinito e da Eternidade, podemos reduzir oilimitado aos limites da realidade inteligvel.Ento o raciocnio dedutivo, de ordemcientfica, que parte do cho da existnciaevidente, para alcanar pouco a pouco asalturas acessveis, nos coloca diante de umarealidade que podemos dominar. Deus comoExistente, que existe na nossa realidadehumana, pode ser tocado com os dedos esentido, captado pelo nosso sensriocomum. No necessitamos da percepo

    extra-sensorial para captar sua existncia. Ogrande erro das religies apresentar Deuscomo enigma insolvel e exigir que oamemos de todo o corao e todo oentendimento. Essa colocao contraditria

    levou-as a um absurdo ainda maior, o de

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    transformar Deus num tirano sdico que nos

    criou para submeter-nos tortura e perdio. Por mais que se fale em amor,misericrdia e piedade, essas palavras nadavalem diante das ameaas da escatologiareligiosa.

    Mas Deus como Existente o Pai queJesus nos apresenta em termos racionais,pronto a nos guiar e amparar, a nos dar poe no cobras quando temos fome e a nosconvidar incessantemente para o seu Reino

    de Harmonia e Beleza. Se podemos perce-b-lo em ns mesmos, na nossa conscinciae no nosso corao, se podemos v-lo emseu poder criador numa folha de relva,numa flor, num gro de areia e numaestrela, se podemos conviver com ele esentarmos com ele mesa e partir o pocom os outros, ento ele realmente existeem nossa realidade humana e o podemosamar, e de fato o amamos de todo ocorao e de todo o entendimento. Deuscomo Existente o nosso companheiro e o

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    nosso confidente. No dependemos de

    intermedirios, de atravessadores domercado da simonia para expor-lhe asnossas dificuldades e pedir a sua ajuda. Aexistncia de Deus se prova ento pelaintimidade natural (no sobrenatural) quecom ele estabelecemos em nossa prpriaexistncia.

    Diante desse quadro horripilante, e par-ticularmente dentro dele, nada mais sepoderia esperar dos crentes e dos telogos

    do que a pergunta amarga e geralmenteirnica: Deus existe? Na Antiguidade osstrapas eram considerados como investidosde prerrogativas divinas. Tudo quantofaziam vinha de Deus e a crendice popularno se atrevia a discutir os direitos huma-nos ante o perigo sempre iminente da Irade Deus. Mas aps o Renascimento, apoca das Luzes, a crendice transformou-seem crena sofisticada pelas racionalizaesabusivas. O homem moderno escorava asua f no conceito hebraico da Providncia,

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    sempre vigilante e pronta a socorrer a

    fragilidade humana. Esse homem nopoderia suportar a catstrofe que se abatiasobre ele de maneira implacvel, ante amudez comprometedora do Cu. Sua razoaprimorada condenava o passado e jamaissupusera possvel a sua ressurreio brutal,sob as asas metlicas dos avies de bom-bardeio e das bombas voadoras. O atesmodo passado parecia-lhe agora uma simplesatitude pedante. O seu atesmo, o seumaterialismo e o seu pragmatismo, pelocontrrio, assentavam-se agora nas basesslidas de um horror que o deixara s efrgil em face dos carrascos poderosos. Osvelhos telogos no podiam explicar aindiferena divina, o desprezo de Deus pelas

    suas criaturas que, segundo eles, haviamsido criadas por amor. Os novos telogos sencontraram uma explicao possvel: aMorte de Deus.

    Entretanto, por mais esmagado que es-teja, o homem no pode ficar sem uma luz

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    de esperana. Os novos telogos lhe

    ofereceram ento a figura humana deCristo. Um Deus histrico, existencial, quesofrera e morrera por ele aqui mesmo, naTerra dos Homens. No foi uma soluopensada, mas nascida das entranhas dadesgraa total, das entranhas do horror.Homens que cresceram e se formaram nascrenas em Deus, alimentados pelas ilusesteolgicas do Cristianismo, cobravam agorado Cristo as suas promessas frustradas. Ele,o Cristo, assumiria o lugar vazio de Deus emtermos de emergncia. Foi dessa situaopremente que surgiu a aventura do Cristia-nismo Ateu. Por isso, quando lemos os livrosbrilhantes dos novos telogos, transbordan-tes de uma inteligncia vibrtil, mas impo-

    tente, que no consegue nem mesmoesclarecer o que a Morte de Deus,perdendo-se em rodeios e sofismas quenunca atingem uma definio, compreen-demos o desespero total a que chegou a

    inteligncia humana ante os enigmas

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    existenciais deste fim dos tempos. Na

    proporo em que a rotina da vida serestabelece no mundo arrasado, recompon-do-se aos impulsos naturais da vitalidadehumana, os tempos negros esmaecem nadistncia, introjetando-se na memriaprofunda da espcie como arcanos doinconsciente. As foras da vida reagemcontra a destruio e a morte, a ponto defazerem brotar redivivas indiferentes sameaas maiores que pesam no horizonte as flores de antigas e esmagadas esperan-as. Queremos todos confiar, queremostodos esperar.

    Mas isso no acontece apenas pelo in-fluxo das foras vitais. Acontece sobretudopela certeza ntima, que todos trazemos emns, de que cometemos um erro imperdo-vel ao alimentar nas geraes sucessivasum conceito falso de Deus. Muitas vezesessa certeza aparece como simples suspei-ta, desprovida de provas que lhe demvalidade ntica. Mesmo assim ela nos

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    sustenta no presente e nos faz esperar. Os

    reflexos dessa situao ocidental no Orienteno-cristo provocaram o mesmo abalo e amesma desconfiana que sentimos. Osmestres indianos, os gurus e bonzos queviviam isolados em seu orgulhoso ascetis-mo, ciosos de seus segredos milenares,fizeram-se caixeiros viajantes perfumados esorridentes, assessorados por tcnicos emrelaes pblicas, para venderem aosocidentais os mistrios sagrados. Essaatitude, embora no seja geral, revela asuspeita insidiosa no inconsciente guruquanto validade tradicional de suastcnicas religiosas. O pesadelo da guerra eo desespero posterior contriburam demaneira decisiva para que o mundo se

    transformasse na Aldeia Global de MacLuhan. Parece que pelo menos acreditamostodos, no Ocidente e no Oriente, que omundo de comunicao de massa nosoferece a opo coletiva de esperar sem

    preocupaes, pois todos sabemos que se

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    apertarem os botes da guerra nuclear

    morreremos na solidariedade absoluta. Adestruio no ser mais to dolorosa elenta. Seremos aniquilados de um s golpe,na morte tecnolgica.

    Deus ressurge, se no no seu amor, ao

    menos na sua Justia. J ser um consolopara os que sempre sofreram e morreram,enquanto outros vivem felizes no uso eabuso dos bens terrenos. A idia de um Paitodo poderoso, e no entanto insensvel

    misria e ao sofrimento da maioria dosfilhos, sempre perturbou os que pensam elevou muitas criaturas revolta e des-crena. De duas, uma: ou aceitavam ainjustia ou no admitiriam a existncia deDeus. Bastaria isso para nos mostrar que oconceito de Deus, formulado pelas religiese sustentado a ferro e fogo atravs dosmilnios, no pode estar certo. Precisamosexaminar esse grave problema enquantono apertam os botes do Juzo Final.

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    O Existente

    Na Filosofia da Existncia, que caracteri-za o pensamento de nosso sculo, o homem considerado como o existente. nele quese procura descobrir o mistrio do Ser,porque ele o ser mais acessvel investi-gao ontolgica. A partir da sua anlise,no apenas em termos psicolgicos, mas naviso de conjunto de toda a sua realidadentica, que podemos partir para induodo conceito real do Ser. uma subversofilosfica, um virar no avesso os processostradicionais da deduo, para que o pensa-mento contemporneo se enquadre noplano do real o plano dos efeitos e no

    das causas. O avano tecnolgico mostrou avalidade indiscutvel do mtodo cientfico,na pesquisa das leis que determinam aestrutura das coisas, da rs que nos d oreal. Ao invs de atrelar-se da Filosofia ao

    carro da Cincia, como pretendeu Augusto

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    Comte, os filsofos atuais atrelaram o

    mtodo dedutivo da Cincia ao mtododedutivo do pensamento filosfico, provo-cando o processo dialtico da fuso queresultou no mtodo existencial. O homem,como ponto de encontro do finito com oinfinito, de causas e efeitos que nele seconflitam, apresenta-se como a sntesenatural de toda a realidade, normal eparanormal. No aqui e agora das FilosofiasExistenciais temos o encontro do tempocom a eternidade, que Kierkegaard figurouno instante, o fiat criador da criatura, ouseja, o lapso rapidssimo do tempo em queo mistrio se revela como um impacto,numa espcie de insight no apenas mental,mas total, que abrange toda a potencialida-

    de do Ser. Descartes, como precursor, jrevelara esse processo no cogito, ou seja,no instante em que o seu mergulho nacogitao sobre o real lhe revelou a ligaodo homem com Deus.

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    Pai da Cincia, do Mtodo e do Pensa-

    mento moderno, Descartes ficou esquecidono processo do deslanche cientfico, queabsorveu o pensamento criador nas min-cias necessrias da investigao objetiva.Mas a sua aventura subjetiva foi o marco deum novo rumo para o pensamento filosfi-co. O cogito ergo sum (penso, logo existo)foi o abre-te Ssamo da Nova Filosofia.Graas a ele, o pensamento modernolibertou-se das amarras tradicionais paraagir com desembarao na investigao deuma realidade que una, seqente e noatomizada nos processos de anlise. Afragmentao dos conhecimentos cientficosestava barrada pela possibilidade daglobalizao do pensamento filosfico.

    O dogma religioso da Criao arrancadado nada por uma espcie de passe demgica perdeu o seu poder hipntico sob ospensadores ainda subjugados pela subservi-ncia medieval, descortinando no Renasci-mento a viso platnica do Mundo das

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    Idias, na qual o efeito aparece como

    reflexo da causa, ligados ambos pelanecessidade de ser que o prprio funda-mento do Ser em si mesmo. Todas asfiguraes absurdas da Teologia caram noridculo, como simples invenes.

    Resulta da a concepo existencial deDeus, entendido este no mais comoelaborao imaginria dos homensdeslumbrados pelo esplendor da Natureza,mas como necessidade lgica e ntica da

    compreenso do real. Ao homem-existente junta-se necessariamente e, portanto, demaneira inegvel e indispensvel, o Deus-Existente, cuja imagem absoluta se refletena pluralidade humana. A inaceitvelimagem de um Deus antropomrfico imediatamente substituda pela antiimagemde um Deus Absoluto, existente por simesmo, cuja idia se reflete na Criaoproduzindo o homem. A idia, que paraPlato era a prpria mnada de que nascemos seres, substitui assim a imagem criada

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    pelos homens. Causa e efeito se distinguem

    com clareza, no permitindo mais o jogo desofismas teolgicos e filosficos do passado,em que causa e efeito se confundem e serevezavam nas argumentaes falaciosas.Se temos o existente no plano relativoansiando pela sua prpria transcendncia,buscando o arqutipo do absoluto, aunidade causa-efeito se confirma no planontico, revelando uma nova dimenso dohomem e gerando um novo conceito deDeus. O homem j no pode ser explicadofora do contexto natural do Cosmo, comouma criao artificial e ocasional, espcie decapricho do Criador para uma experinciaromntica. E tambm no cabe mais namedida exgua das concepes materialis-

    tas, na colher de pau dos fazedores debonecos de barro, destitudos de contedo esentido. Restabelecemos a dinmicasimbitica de Pitgoras, na qual, apesar dafigura egpcia da metempsicose, a criatura

    humana aparecia no processo csmico de

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    maneira natural. O homem isolado era uma

    pretenso frustrada, suas dimenses sefechavam no circuito efmero de bero etmulo, sem nenhuma perspectiva quepudesse justificar os seus sonhos inteis. Aconcepo existencial o projeta no infinitoatravs da transcendncia. Por outro lado, atranscendncia no se limita a um anseio dohomem, pois se revela como lei, como fatoverificvel, positivo, em todos os elementosda Criao, como na teoria do transformis-mo de Darwin e na teoria da evoluocriadora de Bergson. A ambas Kardecapresenta a contribuio das pesquisasespritas em termos psicolgicos, seguindo-se as contribuies de Zllner, Richet,Crookes e dos atuais parapsiclogos,

    inclusive os materialistas da rea sovitica.O Padre Chardin, no prprio seio da Igrejaimutvel, lana sua gigantesca teoria daevoluo, na linha do pensamento espritade Lon Denis, com as mesmas bases do

    critrio cientfico de pesquisa e experimen-

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    tao de Kardec. O pensamento fixista das

    instituies imutveis no passa de umentulho que as correntes poderosas daevoluo criadora removem de um golpe.

    O conceito existencial de Deus se impecomo conseqncia lgica do conceito

    existencial do homem. Deus no se torna,por isso, num existente, mas no ExistenteArqutipo. Se no nos possvel provaressa existncia nas retortas da Qumica,para satisfazer a ambio das mentalidades

    de fichrio, isso ocorre porque os limitesestreitos da metodologia cientfica noconseguiram e jamais conseguiro abrangera totalidade do real. As prprias transforma-es da metodologia cientfica, mormentenos ltimos decnios, mostram de sobejo ainadequao dos processos empricos sexigncias da realidade global. Mas ohomem no dispe apenas das antigasretortas e dos modernos computadores;dispe tambm do instrumento superior dopensamento perquiridor e criador que o leva

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    muito alm do seu prprio sensrio e das

    tentativas de laboratrio. Por outro lado, osmtodos analticos da Cincia funcionameficazmente no plano do sensvel, damatria em sua iluso concreta; e assimmesmo sob controle matemtico, o que valedizer sob o controle abstrato do pensamen-to. Alienando-se iluso da matria, oscientistas se fecham nas chamadas realiza-es concretas. Disso Resulta o desprezopelo metafsico, para o que muito contribuia iluso mstica dos chamados homens deDeus, como se todos os homens no fossemde Deus. A mente ilusria, fascinada pelasaparncias, apega-se a elas e rejeita asintuies de uma viso superior da realida-de. A hipnose do fenmeno produz a

    alienao do homem ao sensrio, frustran-do-lhe a percepo do nmero, da causaprimria que a prpria essncia dofenmeno. O prprio Kant negou-se apenetrar no mistrio da clarividncia de

    Swedenborg, apesar das provas espont-

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    neas e evidentes que teve em mos, e

    demarcou rigidamente os limites da Cincia,no campo da dialtica sensorial, como se afuno da Cincia no fosse precisamente ade conquistar os domnios do mistrio. porisso que o progresso material caracterizanosso sculo, com a supremacia esmagado-ra do progresso material sobre o moral e oespiritual. No obstante, o avano daspesquisas cientficas rompeu a barreirakantiana no prprio campo da Fsica,quando esta teve de penetrar no mistrio daconstituio da matria, que se desfez nasmos dos cientistas em tomos e partculasinfinitesimais, revelando a realidade surpre-endente do Vu de sis, da trama sutilssimade vetores inframicroscpicos tecida sobre

    um fundo radiante de campos de foradesconhecida. Logo mais, a descobertaatordoante da antimatria, a princpioconsiderada como estranha Terra, maslogo mais revelando a sua presena no

    ntimo das estruturas atmicas, deu o golpe

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    de misericrdia na hipnose do fenmeno.

    Graas a isso, estamos chegando ao fim dosculo com uma viso mais real da realida-de e descobrimos a verdadeira grandeza dohomem naquilo que Rhine chamou decontedo extrafsico do homem.

    Essa revoluo conceptual to violentaque a maioria dos cientistas sentem-seatnitos e recusam-se a aceitar as novasproposies apresentadas pelos cientistaslibertos da hipnose. Em contrapartida,

    existem os alucinados que se lanam ahipteses malucas, jogando com os dadosainda inseguros da viso nova da realidadena elaborao de teorias e prognsticosinsensatos. De um lado permanecem emcatalepsia os que Remy Chauvin consideroucomo dominados pelo mal cientfico daalergia ao futuro, de outro lado os que seentregam nova hipnose da pulverizaodo real. Para estes, todas as suposies setornam possveis ou at mesmo verdicas,

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    ante a derrocada dos pressupostos materia-

    listas em que se apoiavam.A idia de Deus, abastardada pelos te-logos, mostra-se mais do que nuncainaceitvel. Mas a ordem, a precisoabsoluta, a inteligncia orientadora e

    reguladora que se manifesta nas estruturasdo real, a conotao das hipstases dePlotino na organicidade csmica exigem oconceito cientfico de Deus como fontegentica e estruturadora de toda a realida-

    de. A existncia de Deus no mais umaquesto teolgica, aleatria, mas umaexigncia cientfica da coerncia do pensa-mento. Confirma-se a proposio cartesianade que tirar Deus do Universo como tiraro Sol do sistema Solar. Cairamos no caos.nenhum pensamento sobre a realidade pode

    justificar-se e sustentar-se na ausncia deDeus. Mas no do Deus das religies, que uma grotesca interpretao de Deus nostraos caricaturais da figura humana, umresduo da selva, onde os homens desprovi-

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    dos dos recursos da Cincia, armados

    apenas de experincias primrias, imagina-ram Deus na forma de um super-homem,sem nenhuma conscincia do que faziam,mas j sentindo em si mesmos, na suasimplicidade e na sua ignorncia, a necessi-dade urgente de uma concepo de Deus.

    O conceito existencial de Deus umasuperao de todo o passado humano,Kierkegaard, o pai involuntrio do Existenci-alismo, era um telogo e representou em

    nosso tempo o papel de Pitgoras na Antigidade, servindo de transio entre opassado teolgico e o presente cientfico dacultura humana. Podemos aplicar-lhe aimagem que Bertrand Russell aplicou aPitgoras: um homem que tinha um p nopassado e outro no futuro. Do passadomtico das culturas da Antigidade, Pitgo-ras avanava para o futuro racional. Porisso, como sucederia mais tarde a Hegel, aposio pitagrica produziu correntesconflitivas no mundo helnico. O mesmo se

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    deu com o pensamento angustiado de

    Kierkegaard, que arriscava um passo almda Teologia Medieval. Desse passo brotaramas posies antpodas do pensamento deHeidegger e de Sartre, Marcel e Jaspers.Embora o tema central da existnciapredomine em todas essas correntes, asposies diversas em face dos problemasfundamentais caracterizam orientaesmuitas vezes divergentes. Para Sartre, Deusno existe. Para Karl Jaspers, Deus o Serque buscamos na transcendncia vertical.Para Heidegger, o que importa na filosofia o problema do Ser, sendo a existnciaapenas um meio de se perquirir a naturezae o sentido do Ser. Max Scherer props umanova prova da existncia de Deus como Ser

    Supremo, acrescentando-a s provasclssicas do pensamento medieval. Schererentende que o fato de haver um saber arespeito de Deus, saber que s pode serobtido atravs de Deus, prova a sua

    existncia. Ocorre, porm, que o saber pode

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    ser falso, o que parece no ter ocorrido ao

    filsofo. A prova existencial de Deus decorrenaturalmente de trs fatos incontestveis:

    1) a existncia da idia de Deus no ho-mem, manifestando-se universal-mente na lei de adorao, que le-

    vou todos os povos, em todos ostempos, adorao de um PoderSupremo;

    2) a inteligncia da estrutura total daNatureza, em seus mnimos deta-

    lhes, que nos revela a imannciacsmica de um poder inteligente;

    3) a lei de causa e efeito, que nos mos-tra a impossibilidade de efeitos in-teligentes sem uma causa inteli-

    gente.Como corolrio dessas provas podemos

    lembrar que essa inteligncia imanentemanifesta-se em graus progressivos nosreinos da Natureza, para alcanar a culmi-

    nncia no homem. Importante tambm o

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    fato de que todo o saber humano nasce da

    experincia vital do homem, sujeito, desdeo seu aparecimento no planeta, aos poderese aos condicionamentos das leis naturais,que constituem a fonte desse saber. Assim,a inteligncia humana tem sua origem nainteligncia imanente da Natureza e o saberhumano foi adquirido num longo processode aprendizado do saber da Natureza.

    Atribuir tudo isso ao acaso simplesmenteuma fuga realidade, que implica a contra-dio de se atribuir inteligncia ao acaso.Por outro lado, uma concepo materialistado Universo implica necessariamente (emtermos de necessidade lgica) a atribuiode inteligncia matria, que hoje sabe-mos, cientificamente, no existir em si

    mesma, sendo o produto da acumulao daenergia, que se realiza com lucidez epreciso cientficas, visando a fins determi-nados num gigantesco esquema de aes ereaes inimaginavelmente diversificadas.

    Essa realidade espantosa levou Francis

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    Bacon conhecida afirmao de que, para

    dominar a natureza, precisamos, primeira-mente obedec-la. A Cincia, como se v, aorgulhosa cincia humana, no mais doque ato de obedincia a Deus. No planotico a revolta materialista como a quedados anjos, no mito bblico, uma atitude deingratido e estupidez ante a IntelignciaSuprema. O materialismo no passa de umacrise de adolescncia da Humanidade.

    Mas necessrio considerarmos, no

    plano cultural, a infinidade de equvocossurgidos ao longo da Histria, que acaba-ram por levar a inteligncia humana arepudiar a fonte da sua precria sabedoria.O desenvolvimento da razo despertou avaidade do ser humano nico detentor dopensamento lgico e produtivo na Terra ,voltando-o contra a herana de submissodo passado teolgico; a espantosa seqn-cia de crimes e atrocidades praticadas emnome de Deus, por seus pretensos repre-sentantes, negando a sabedoria e o amor

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    de Deus; a comercializao das religies e a

    conseqente profissionalizao do sacerd-cio, que resultou no poderio poltico eeconmico das igrejas; a deformao totaldos princpios fundamentais das religiesocidentais e orientais, que acabaramtrocando o Reino do Cu pelos reinos daTerra, numa espcie de cmbio esprio, emtermos da mais calamitosa simonia. Essesfatores negativos, causando revolta eatesmo, atenuam em parte os aspectos daestupidez humana gerada pela vaidade. Ohomem pode desculpar-se diante de Deus,alegando que as condies especficas davida planetria e os impulsos cegos de seuprimitivismo o arrastaram para a ingratidoe a falta de respeito Inteligncia Suprema.

    o nico libi a que pode agarrar-se,quando despertar para a compreenso realda sua posio na estrutura csmica. Masesse mesmo libi parece tristementeacusador, quando nos lembramos de que a

    intuio do Poder Supremo nunca lhe faltou,

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    pois a marca de Deus em seu ntimo jamais

    foi apagada, antes reforada constantemen-te pelos reclamos da sua conscincia.

    Provada assim a existncia de Deus,tanto no plano objetivo quanto no subjetivo,na realidade exterior em que a Sua presen-

    a imanente manifesta e na realidadeinterior em que Ele permanece em ns,manifestando-se nos vetores conscienciais eno impulso de transcendncia que nos levaa buscar a integrao de nosso ser na

    perfectibilidade possvel de seu arqutipodivino, no h como negar que existimosporque Ele existe e que a nossa existnciase funda na Sua existncia. Essa aconcepo existencial de Deus, o conceitodo Existente Absoluto, cuja forma, comoprescrevia o Judasmo, no pode serfigurada de maneira alguma, porque no sefigura o Absoluto. A prpria existnciahumana considerada, nas Filosofias daExistncia, como subjetividade pura.Podemos figurar o homem em sua realidade

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    aparente, mas no podemos faz-lo em sua

    subjetividade, que a sua nica realidadeverdadeira. A criao do homem imageme semelhana de Deus, segundo o mitobblico, torna-se compreensvel, no dandolugar proposio inversa que nos apresen-taria Deus imagem e semelhana dohomem. Colocando esse problema no planohistrico da Ontognese podemos explicarracionalmente a filognese divina dospanteons religiosos do passado, em quevemos Deus passar pelas metamorfoses domito, desde a litolatria, passando pelafitolatria, a zoolatria, a pirolatria e assim pordiante, at chegarmos antropolatria e porfim ao pantesmo de Espinosa, em que acosmolatria nos aproxima de Deus-Pai do

    Evangelho de Jesus.Resta naturalmente a grande incgnita

    a cuja decifrao ainda no podemosaventurar-nos: a das origens do seu porqu.H uma origem de Deus? Podemos saber ouimaginar como, onde e quando, de que

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    maneira Ele surgiu no no Cosmos, que

    no podia ainda ter existido, mas noInefvel, como queria Pitgoras? Remon-tando a concepo matemtica dos pitagri-cos, podemos imaginar o nmero 1 imvelno Inefvel e o seu estremecimento quedesencadeou a dcada, atingindo naequao do nmero 10 todo o circuito daCriao? A simples imaginao do Inefvelnos coloca ante a vertigem do vazio absolu-to, que no podemos conceber. E comoexplicar o nmero 1 em meio desse vazio ea causa possvel de seu estremecimento?Podemos naturalmente pensar na hiptesemais modesta de Aristteles: Deus como oPrimeiro Motor Imvel, no centro dagigantesca Usina do Infinito, onde, apesar

    de imvel, pe em movimento os motoresestelares e todos os demais motores deuma realidade subitamente acionada. Masonde a engenharia criadora, quando oprprio Deus no existia? A soluo bblica

    do Fiat evidentemente a mais prtica, mas

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    tambm a que estabelece a barreira mais

    pesada ao nosso entendimento, pois Deus o Verbo que usa o Seu prprio verbo parafazer que o Nada se transforme no Todo.Estas especulaes ingnuas servem apenaspara mostrar a nossa impotncia e deveriaservir, mas no serviu, para despertar anossa humildade.

    Mas se quisermos perguntar a nsmesmos pela nossa origem, poderemosresponder com segurana? O tema da

    facticidade, nas Filosofias da Existncia,mostra a nossa ignorncia total a respeitoda nossa origem. Nascemos no mundocomo nufragos desmemoriados que fossemlanados a uma praia desconhecida,impotentes e nus. S trazemos conosco afacticidade, a forma e a maneira porquefomos feitos. Nada sabemos de nada.Estamos, segundo Kardec, vestidos apenascom a roupagem da inocncia, mas nosomos inocentes. No fundo misterioso damemria subliminar, nos arcanos do

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    inconsciente, trazemos uma bagagem

    secreta que s poderemos usar na propor-o do nosso desenvolvimento psicofisiol-gico. Teremos de passar por todas as fasesbem graduadas do processo ontogentico,como se ainda no fssemos um ser, paradepois comearmos a revelar as formasocultas do nosso ser, na realidade jpreexistente. Nossas origens so tomisteriosas como as origens possveis deDeus, cuja facticidade se revela no Fiat.

    Assim, tudo quanto se pretende saber arespeito de Deus o saber de Deus atravsde Deus, de Max Scherer nada mais doque um jogo de palavras, flatus e nadamais. E apesar disso podemos querer negara Existncia daquele Poder que existia antes

    de ns? No obstante, no so inteis estasdigresses. Elas servem para nos mostrar afalcia de todas as construes utpicas dopensamento humano a respeito de Deus, notocante a sua origem e natureza. Cabe-nos

    ater-nos apenas ao conceito existencial de

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    Deus, que podemos sustentar com os dados

    da nossa prpria existncia.

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    Deus no Homem

    A conscincia humana tem a mesmaestrutura fundamental em todas as raas. Oproblema das raas est hoje praticamentesuperado, em virtude da miscigenao, dasincessantes misturas raciais que se verifica-ram no tempo e em todos os tempos,produzindo sub-raas e variedades inmerasde tipos humanos em todas as latitudes doglobo. Pesquisas universais, realizadas pelosorganismos especiais da ONU e de vriosgovernos e instituies cientficas, revela-ram a inexistncia de uma raa pura nomundo. Mas a tipologia racial ainda seapresenta de maneira definida em certos

    povos, caracterizando-os quanto linhagemprincipal do seu desenvolvimento. Este no o problema de nosso estudo, mas comose relaciona com ele, aludimos questosem maiores informaes a respeito.

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    Hoje, o mais certo seria falar-se de na-

    cionalidades, pois em cada nao, mesmonaquelas racialmente mais definidas, existesempre um mosaico racial que no se revelafacilmente quando a mistura se deu emvrios ramos da mesma raiz, do mesmotronco racial e lingstico. Mas o que nosinteressa a constatao em todos ospovos da mesma estrutura fundamental daconscincia humana, naturalmente diferen-ciada com a preponderncia ou no defatores constitutivos, em virtude de exign-cias mesolgicas ou da interferncia defatores histricos e culturais ligados scondies geogrficas, climticas, alimenta-res, tradicionais e assim por diante. Mesmona Antigidade, nas fases de isolamento das

    civilizaes, os fundamentos da conscinciahumana revelavam-se os mesmos em todosos povos, como se pode verificar pelas suasmanifestaes culturais. Nesse sentido, noimportam as diferenas da concepo de

    Deus entre os povos, que tanto podiam

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    cultuar a Zeus como a Brama, ao Tao chins

    como ao Iva hebraico ou aos deusesegpcios. Do Templo de Amom-R aoTemplo de Diana ia a distncia espacial ecultural que os tornavam estranhos.

    Mas em todos os templos e cultos o que

    se manifestava, como lei universal, era aidia de um poder superior que o homemdeveria reverenciar. E para reverenciar essepoder os homens deviam sempre mostrar-sedignos dele, cumprindo as leis morais das

    prescries religiosas. Cultos e ritos podiamvariar ao infinito, mas a essncia era amesma: a inteno de agradar aos deusesatravs de um comportamento coerentecom as exigncias da evoluo espiritual dohomem.

    Nas civilizaes mais adiantadas osprincpios fundamentais da conscinciahumana se evidenciavam em traos maisfortes. No plano moral as divergncias

    formais davam, aos observadores superfici-ais, a impresso da existncia de sistemas

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    morais contraditrios. Isso acarretou, a

    partir do Renascimento, o desenvolvimentodas pesquisas cientficas, um movimentointelectual depreciativo para o conceito demoral. Entendeu-se que cada povo tinha asua moral prpria, de maneira que asuposta existncia de uma moral superior eeterna no passaria de sonho vo, acalen-tado por sonhadores e msticos. Como amoral vem da raiz latina mores, que querdizer costumes, chegou-se a concluso deque a moral era nada mais do que umaprxis, varivel em seus fundamentos comoos costumes. Citou-se muito o exemplo daGrcia, onde o casamento era monogmicoantes da Guerra do Peloponeso e tornou-sepoligmico depois da guerra, pela necessi-

    dade de restaurar a populao masculinaterrivelmente dizimada. Esquecia-se oessencial, ou seja, que o objetivo dapoligamia ento instaurada era o restabele-cimento da nao em seu estado natural,

    destrudo pela guerra, e do seu poder

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    defensivo. O que se objetivava, portanto,

    no era a poligamia em si, mas a continui-dade da nao e do seu desenvolvimentocultural, ou seja: o bem. O prosseguimentodas pesquisas e dos estudos a respeitodessas variaes da moral acabou revelandoque o princpio moral prevalecia sempre, nabusca de um objetivo nico, que era o bemdas naes, dos povos, do homem emgeral. Coube a Henri Bergson, na linha dasproposies universalistas de Pestalozzi,restabelecer o conceito de moral comoelemento bsico da conscincia humana.Bergson revelou a conotao naturalexistente entre Religio e Moral, em suafamosa tese sobre As Duas Fontes da Morale da Religio. Ambas, religio e moral,

    brotam das exigncias da conscinciahumana, primeiro nos costumes e depois naestruturao convencional das regras demoral, bem como na formulao dospreceitos religiosos, cultos e ritos.

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    Essa reviravolta anulava os efeitos ne-

    gativos da interpretao errnea de moral ereligio. A verdade era que ambas nasciamda prpria natureza espiritual do homem,que requeria disciplina e orientao nasestruturas sociais. Um duro golpe para opensamento materialista, que insistia natese da natureza animal do homem. Aspesquisas antropolgicas e sociolgicas,particularmente entre povos primitivos, emregies selvagens, confirmaram essa novacolocao do problema, embora ainda hojematerialistas e pragmatistas insistam noerro, procurando sempre, segundo aexpresso do Apstolo Paulo, sujeitar oesprito carne. V tentativa sustenta avaidade humana, que vai sendo progressi-

    vamente frustrada pelo avano das pesqui-sas cientficas sobre a natureza humana.Temos assim trs princpios fundamentaisda conscincia humana bem visveis emsuas manifestaes no plano social: a idia

    de Deus no homem, o seu anseio de

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    transcendncia e o desejo natural do bem.

    Neste anseio do bem encontramos osentimento de afetividade, de amor pelossemelhantes, que se traduz no princpio defraternidade universal. Do anseio detranscendncia derivam os impulsos deligaes sociais, que determinam a forma-o das famlias e grupos afins, bem como osentimento esttico, determinante dointeresse pelo belo em todas as suasexpresses. O sentimento de justia corolrio do amor e depende, nas suasvariaes de intensidade e clareza, do graude nitidez da idia de Deus.

    Esses vetores da conscincia humanapertencem espcie, e esto presentes emtodas as criaturas humanas, com as varia-es determinadas pelos fatores psicofisio-lgicos e mesolgicos ou ambientais,influenciados em maior ou menor grau pelaeducao e o meio social. A idia de Deus o conceito que rege ao desenvolvimento e manifestao de todos estes vetores na

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    dinmica social da existncia individual e

    coletiva. Vem da a importncia do conceitode Deus para o comportamento do homem,solitrio ou em grupo. O chamado homemsem Deus, que no aceita a existncia deDeus por falta de um conhecimento maisclaro do problema, nem por isso estdesprovido desse princpio em sua conscin-cia. O conceito de Deus, mesmo negativo,exerce influncia em seu comportamento.Ele pode contrariar essa influncia emvirtude de preconceitos ou de experinciaspassadas, como frustraes religiosas ousociais, mas em geral, mais hoje ou ama-nh, ceder aos impactos dos seus impulsosafetivos. A liberdade a prpria conscin-cia, o ambiente espiritual em que todos

    esses vetores conscienciais se desenvolvem. A supresso da liberdade numa conscincia o eclipse que a lana na escurido. Essasupresso pode ser produzida por fatoresendgenos ou exgenos, por temores e

    traumas ntimos ou por diversos tipos de

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    presso vindos do exterior. Os tiranos

    assumem pesada responsabilidade, seja nombito restrito das relaes familiais ou nombito aberto das atividades polticas esociais, ao criarem situaes supressivas oulimitadoras da liberdade.

    O problema da esttica, geralmenteconsiderado em segundo plano, negligenci-ado pelos estudiosos do comportamentohumano, o segundo em importncia,depois da idia de Deus, na estrutura da

    conscincia. O belo no apenas um vetorda conscincia, um arqutipo espiritual daespcie humana que atrai o homem para atranscendncia e particularmente para suaintegrao consciencial. As fases iniciais datranscendncia, que se passam no plano dasociabilidade (a transcendncia horizontalde Jaspers) preparam a conscincia parasua integrao, que a fuso dos vetoresconscienciais numa unidade global. Ochamado homem prtico desenvolveueficazmente a sua conscincia de relao,

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    atravs da mente, que o instrumento das

    relaes com o exterior. Esse homem, comoensina Ren Hubert, tem plena conscinciade sua posio social e de seus deveresprofissionais, acha-se terica e praticamentepreparado para as suas atividades. Mas suaconscincia s atinge o pleno desenvolvi-mento quando ele aprimora a sua estesia,conquistando os planos superiores de umaviso esttica geral. Sabemos a importnciaque os gregos davam beleza e ao senti-mento esttico. Plato chegou a afirmar queatravs dos belos corpos a alma atingia oBelo. A pobreza espiritual do nosso tempointerpreta essa afirmao em termossensoriais, quando o seu sentido pura-mente espiritual. Os belos corpos despertam

    admirao e amor, este se converte emdevoo e eleva a alma ao encontro doarqutipo ou idia superior do Belo, nomundo das idias. S neste momento ohomem se liberta da animalidade e penetra

    os arcanos da espiritualidade. Sua conscin-

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    cia se desprende dos liames terrenos para

    atingir o desenvolvimento pleno. A viso doBelo impregna toda a sua alma, transfigurao mundo aos seus olhos iluminados pelosclares da Eterna Beleza. Essa viso notolera o mal nem a injustia e penetra naessncia do prprio Feio para ali descobriros germens ocultos da Beleza. Deus no apenas o Bem, pois sem o Belo no existe oBem na sua perfeio necessria.

    Como vemos, Deus est no homem no

    apenas como idia, mas como a prpriaessncia da criatura. Foi o que sentiu oapstolo Paulo quando disse que em Deusvivemos e nele nos movemos. Deus assima essncia da existncia humana. Por isso,Deus no o Existente Absoluto apenas porexistir alm das nossas dimenses, masporque determina o homem como existentee participa da existncia humana. O concei-to existencial de Deus o nico adequado aesta fase tormentosa da evoluo humana,quando todos os mitos do passado se

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    despedaam aos nossos ps para que a

    Verdade possa escapar do invlucro dossmbolos e iluminar o mundo novo que estnascendo.

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    Natureza Inteligente

    A inteligncia da Natureza contrastachocantemente com a estupidez doshomens. O equilbrio ecolgico perfeito,medido rigorosamente na dosagem certados elementos que o compem, parece aobra de uma equipe de especialistas. Aestrutura de uma rvore, da raiz s franas,exigiria anos de pacientes trabalhos para serfeita. A composio do ar que respiramos,na proporo exata de quatro partes deazoto e uma de oxignio, nica medida quepermite a oxigenao vital das plantas, dosanimais e do homem, s poderia serestabelecida por um qumico especializado

    em manuteno da vida no planeta, poisbastaria um excesso de oxignio para quetoda a vida desaparecesse. As simplespropores de oxignio e hidrognio nacomposio da gua, para que ela se

    tornasse vitalizadora e no corrosiva, seria

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    suficiente para lembrar-nos a presena de

    determinaes inteligentes na Criao. Tudoisso sem tratarmos da constituio muitomais complexa do corpo humano, com suasmltiplas exigncias de segurana e regula-ridade no funcionamento orgnico, desafiaos mais hbeis construtores de robs ecomputadores da moderna tecnologia. ACiberntica e a Binica esforam-se emnossos dias para arremedar grosseiramentea perfeio dos organismos vivos. Masapesar dessa exuberncia de provas daexistncia de uma inteligncia imanente nanatureza, os homens elaboram teoriasabsurdas para explicar o prodgio comodecorrente de fatores ocasionais ou de umadialtica dos opostos que representa em si

    mesma a maior exigncia de um poderinteligente. Durante os ltimos dois sculosmilhares de cientistas tm lutado desespe-radamente para afastar da humanidadeingnua a perigosa superstio da existn-

    cia de Deus. Para tentar equilibrar as

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    estruturas sociais destrambelhadas, estabe-

    lecendo a Justia Social no mundo injusto,de saques e pilhagens sistemticas, surgidoao acaso dos instintos de rapinagem,voracidade e arrogncia, chegaram mesmo concluso de que a idia de Deus deviaser apagada da mente humana.

    Basta-nos olhar uma flor, ouvir o cantode um pssaro, sentir a carcia de uma brisaprimaveril, para estarmos recebendo asaudao de uma inteligncia prodigiosa,

    oculta na realidade subjacente do mundodas coisas e dos seres. Mas ao invs deperceber isso, os homens se revoltamindignados contra os que sustentam que aNatureza obra de Deus. Por que Deus,para os expoentes da cultura materialista dosculo, no passa de um resduo dostempos de superstio. No obstante, essaprpria cultura, atravs das pesquisascientficas, provou, sem querer, que amatria, seu dolo e nica verdade, s existede fato como iluso dos nossos sentidos.

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    Bertrand Russell, para enfrentar a crise do

    materialismo sensorial, apegou-se apenas auma tbua de salvao: At agora afirmou as leis fsicas no foram mudadase continuam vlidas. Arthur Compton,menos opinitico, declarou conformado:

    Descobrimos que por trs da matria esta energia, mas parece que h algo por trsda energia e esse algo pensamento. Naverdade, como Einstein ironizou: O materi-alismo morreu de asfixia, por falta dematria. Mas apesar de alguns expoentes,dos mais graduados, do meio cientfico-internacional, terem a coragem de enfrentara realidade, a maioria permanece apegada concepo materialista com um desesperode nufragos. Por que essa teimosia, se

    justamente agora a pesquisa cientficalevanta o Vu de sis que a Cincia h muitovinha lutando para rasgar? Temos nesseepisdio a prova do poder da inrcia, doinstinto de conservao. O saber adquirido

    se acumula e consolida, resistindo a tudo

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    que possa modific-lo. Intil resistncia,

    porque no vivemos num Universo estvel,mas constitudo precisamente pela instabili-dade dos fluxos. Como dizia Tales de Mileto,no podemos entrar duas vezes no mesmorio. Querer anquilosar a Cincia, organismovibrtil, de penetrao na realidade mut-vel, como tentar recolh-la a um museu.Nos fins da Idade Mdia e no Renascimento,cientistas e filsofos tiveram de lutar contraa imutabilidade fictcia da Igreja. Agora aIgreja se entrega correnteza e os prprioscientistas se agarram nas razes do barran-co.

    Mais do que nunca a inteligncia ima-nente o pensamento por trs da energia revela-se aos nossos olhos. Ultrapassandoos dados tradicionais, as pesquisas atuaisnos mostram uma estrutura da realidade emque a inteligncia da Criao esplende demaneira inegvel. As estruturas atmicas,suas infinitas formas de conjugao, oscampos de fora do espao sideral, as

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    partculas atmicas livres formando os

    plasmas fsicos, o outro mundo da antimat-ria e tantas outras descobertas recentesampliaram tanto o poder da intelignciaimanente que no existe mais a mnimapossibilidade de neg-la.

    Deus se revela na Natureza, como que-ria Camille Flammarion. E como pretendiaErnesto Bozzano, talvez se possa explicarcientificamente a ao de Deus em termosda antiga teoria do ter espacial, hoje

    revivida pela luz infravermelha dos fsicossoviticos, que impregna todo o Universo,ou pelo oceano de eltrons livres de Dirac,em que o universo est mergulhado. No setrata de Deus antropomrfico das religies,do Velho Padre Eterno da crena popular,nem mesmo do Iav bblico, esse capricho-so manipulador de bonecos de barro emque soprava o hlito da vida, e nem topouco do Brama indiano que gerava ascastas segundo a hierarquia dos membrosdo seu corpo humano, mas de uma Inteli-

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    gncia Csmica dotada de cincia e poder,

    que a tudo se liga pelo seu magnetismo oupelo seu pensamento, criando, sustentandoe renovando as coisas e os seres no infinito.No um Deus alheio ao destino daCriao, mas ligado a ela em todas asmincias e agindo segundo um plano emque todos os objetivos esto definidos. Suapoderosa ao no jamais aleatria, masteleolgica, determinante, precisa. Negarisso seria negar as prprias conquistas daCincia em nosso tempo. A verdade ineg-vel e insofismvel que essas conquistasprovaram de sobejo a existncia de Deus,no mais apenas como necessidade lgica,mas como realidade sensvel e verificvel atodo instante.

    Os sofismas levantados contra essasconseqncias do avano cientfico sosempre ingnuos absurdos, portantoanticientficos. Isso desespera os que, semnenhuma esperana razovel, contavamcom a negao total da existncia de Deus

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    pela Cincia. Estranha posio a desses

    fanticos do Nada, que sabem e no podemdeixar de saber que o nada no existe, nopassou de uma suposio ante uma realida-de plena, onde hoje no se encontra umapequena brecha para se guardar o sonho demmia da teoria sartreana da nadificao.

    Estranha mentalidade humana, necrfilae suicida, que rejeita a sua prpria imortali-dade, pretendendo reduzir o homem, aessncia do homem, o esprito, ao fogo-

    ftuo das combustes de gases nos cemit-rios, num Universo em que nada se extin-gue, tudo se renova no fluxo evolutivo!Contra-senso dos sbios que no tm ahumildade suficiente para se curvarem anteas provas contrrias s suas falsas teorias.

    A aceitao do conceito antropomrfico deDeus e a negao da Sua existncia soigualmente anticientficas e absurdas. Oatesmo foi uma reao ao desmo tirnicodas civilizaes teocrticas da Antigidade eao milnio de atrocidades sagradas da

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    Idade Mdia. Irmo gmeo do Anarquismo,

    ligou-se a este na luta pela liberdadehumana, contra os poderosos dominadorese exploradores dos povos. Tem, portanto, asua justificao histrica e revestiu-se danobreza das causas libertrias. Mesmo emnossos dias o atesmo ideolgico se apianesses fundamentos, como vemos no casodo Marxismo, das correntes de socialismorevolucionrio e dos remanescentes deantigas instituies anticlericais. A posiode Sartre e Simone de Beauvoir insere-senessa mesma linha. Mas acontece que asituao modificou-se profundamente emnosso tempo. O que se passou na reasovitica basta para mostrar que a tiraniano depende mais do poder divino das

    instituies religiosas. Alm disso, o desen-volvimento cultural, apoiado em avanadatecnologia, pulverizou as razes e osargumentos aparentemente lgicos dopassado. Os intelectuais dos sculos XVIII e

    XIX podiam vangloriar-se de avanados

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    quando sustentavam a sua posio de

    ateus. Os intelectuais de hoje, pelo contr-rio, revelam ignorncia das conquistascientficas que enriquecem a cultura dosculo XX e apresentam-se como remanes-centes de um mundo morto. Essa umadas contradies mais estranhas da posioexistencial sartreana, alimentada poridiossincrasia que inteiramente avessa lucidez do pensamento filosfico.

    O fato mais significativo da crise provo-

    cada pelo avano cientfico no mundomarxista foi a recente descoberta do corpobioplsmico dos seres vivos, particularmentedo homem, nas pesquisas de uma equipeespecializada na Universidade de Alma-Ata,na zona de pesquisas secretas do CentroEspacial da URSS, no Cazaquisto. Oscientistas puderam ver e fotografar essecorpo analisando a sua constituio atmicae constatando a sua retirada do corpomaterial no processo da morte. Submeterammoribundos s cmaras Kirlian de fotografia

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    sobre campo imantado por alta freqncia

    eltrica. As cmaras foram conjugadas commicroscpios eletrnicos de alta potncia.Detectores de pulsaes biolgicas registra-ram a sobrevivncia do corpo bioplsmicoaps a morte. O nome de corpo bioplsmicofoi dado em virtude de se constatar queesse corpo luminoso, constitudo de partcu-las atmicas livres, que formam um plasmafsico, o corpo vital do homem. O corpomaterial no se cadaveriza enquanto ocorpo bioplsmico no se desliga deletotalmente.

    O plasma fsico o quarto estado damatria, formando torrentes de massas departculas ionizadas. Esse corpo descobertopelos cientistas soviticos correspondeinteiramente, na forma, na aparncia, naconstituio energtica e nas suas funesvitais, ao perisprito da teoria esprita que,por sua vez, confirma a tradio crist docorpo espiritual, a que o Apstolo Pauloalude na I Epstola aos Corntios. Bastou a

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    divulgao desse fato nos Estados Unidos,

    com repercusso mundial, para que medi-das imediatas fossem tomadas pelo oficia-lismo sovitico, desautorizando as pesquisase sustando as informaes para o exteriorsobre o assunto. O oficialismo soviticopercebeu o perigo que essa descobertarepresentava para as bases rigidamentematerialistas da Filosofia do Estado. Aspesquisas com as cmaras Kirlian prossegui-ram nos Estados Unidos, mas ainda na faseda efluviografia. Os americanos no obtive-ram informaes sobre o processo deconjuno das mesmas com microscpioseletrnicos. Mas o fato auspicioso ficouregistrado pelo livro Descobertas Psquicaspor trs da Cortina de Ferro, de autoria das

    pesquisadoras da Universidade de PrenticeHall (EUA) Scheila Ostrander e Lynn Schro-eder, que antes das medidas proibitivasestiveram na URSS, verificaram o caso eentrevistaram os cientistas pesquisadores. O

    livro foi lanado pela editora da Universida-

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    de americana e depois pela Bentan Books,

    de New York, London e Toronto, entre 1970e 1971. A Editora Cultrix, de So Paulo,lanou uma traduo para o portugus em1974, de autoria de Antnio Mendes Cajado.

    As pesquisas oficiais sobre o corpo bio-

    plsmico foram realizadas por bilogos,biofsicos e parapsiclogos na famosaUniversidade de Kirov. Essa Universidadefica na cidade de Alma-Ata. A equipe depesquisadores constitua-se dos professores

    Iniushin, Grischenko, Vorobev, Shiski, NadiaFedorova e Gibaduin. Em 1968 essa equipeanunciou que suas pesquisas haviamprovado que todos os seres, vegetais,animais e humanos, possuem, alm docorpo fsico, um corpo energtico formadode plasma biolgico. Esta foi, sem dvida, amaior conquista cientfica do sculo, mas aglria dos descobridores ficou soterrada nosilncio determinado pelos interesses doEstado. Ontem, o totalitarismo da Igrejasufocando a Cincia; hoje, o totalitarismo do

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    Estado anti-religioso fazendo o mesmo.

    Presa por ter e por no ter co, a Cinciaavana, apesar de tudo, nos rumos certosda investigao imparcial da realidade. E ainteligncia imanente revela cada vez mais asua sabedoria sem limites. Que inteligncia essa? Dem-lhe o nome que quiserem,mas historicamente, na tradio e nocorao dos povos de todo o mundo ela sechama Deus.

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    Do Efeito Causa

    O pensamento cientfico inverteu ostermos do pensamento antigo. Sabemosque essa inverso comeou com Aristteles,em sua curiosidade pela observao dascoisas naturais. Mas na verdade comeoubem antes, com fisilogos gregos, entre osquais se destacam Tales de Mileto, umpesquisador atrevido que chegou a medir odimetro da Lua e calculou o seu peso. Aintuio platnica, orientada pelas lies deScrates, eclipsou essa tentativa comesplendor de uma sabedoria de tipo pitag-rico, haurida na fonte oculta das causas.Correriam os sculos sobre as inquietaes

    dos povos, at que a razo grega pusessefim ao pragmatismo dos povos europeus. Aluz da sia teria de misturar-se, como ofermento da parbola evanglica, massado po ocidental para leved-la. O que

    Dilthey chamou de Caldeiro Medieval de

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    fuso das idias, foi antes a panela de

    presso em que, na medida de tempo deum milnio, rigorosamente controlada pelavlvula de escapamento, Plato e Aristtelesseriam cozinhados no caldo dos princpioscristos. S no Renascimento teramos oquitute preparado com vrios ingredientesestranhos colhidos no Olimpo devastadopelo vandalismo cristo.

    Os estudos de Gilson sobre a FilosofiaMedieval e as pesquisas de Dilthey, Cassirer

    e outros revelam que as fases sucessivas daebulio do pensamento medieval seguiama inteno secreta da inteligncia imanente,um plano divino destinado a salvar opensamento cristo puro do gigantescosincretismo religioso-filosfico. Parece tercabido a Abelardo a tarefa ingrata depreparar o prato especial destinado aDescartes, escoimado dos excessos degordura e condimentos mticos, para que oselementos essenciais da evoluo espiritualno se perdessem na transio para a era

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    cientfica. E Descartes realmente alimentou-

    se bem com o prato de Abelardo, o suficien-te para rejeitar o cozido tradicional dos jesutas do Colgio de La Fleche. No fosseisso e o esbelto espadachim francs teria seempanturrado com cozidos e estufado abarriga como Toms de Aquino.

    Rejeitando o fascnio da Causa, o espri-to ocidental preferiu a tarefa secundria deanalisar e pesquisar os efeitos. Essa atitudede humildade socrtica levou o pensamento

    ocidental descoberta do problema centraldo mtodo. O entendimento humano estavapreparado para os novos tempos, mas seno lhe pusessem os freios do mtodo elepoderia disparar como Quixote peloscampos da Mancha, a combater moinhos devento. O efeito e no a causa, o fenmenoe no a sua interpretao teolgica, essa agrande opo que o pensamento ocidentalteve de fazer. J advertiam os antigosromanos, com seu feroz instinto prtico,que podemos tomar a nuvem por Juno. Os

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    cristos substituam a deusa Juno por Maria

    de Nazar e continuaram a cometer o erropago de v-la nas nuvens, na escuridosugestiva das grutas, no nevoeiro dasflorestas e at mesmo em imagens quebra-das arrastadas nas guas de um rio. Galileuteria de arriscar a pele com suas experin-cias na Torre de Pisa e Giordano Brunomorrer na fogueira inquisitorial comoprecursor hertico de Espinosa e Leibniz. Osculo XVI foi a abertura do mundo antigopara as novas dimenses da Civilizao quenascia, superando a brbara concepo deDeus e do homem que se tornaram, naorganizao social e cultural, mais agressi-vas, deformadas e injustas que nos temposselvagens. As figuras exponenciais que nem

    surgiram, como as que mencionamos,tiveram de sacrificar-se para que os ideaiscristos no desaparecessem da Terra parasempre, tragados nas chamas inquisitoriais,alimentadas muito mais pela arrogncia de

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    mentes embriagadas na volpia da vaidade

    e do poder.Apesar dessa embriaguez generalizada eterrivelmente contagiosa, geradora decrimes nefandos em nome de Deus e deCristo, os objetivos secretos da inteligncia

    imanente foram atingidos. Mas a estupidezhumana opaca e dura, no se deixapenetrar facilmente pela luz e resiste,encastelada nas fortificaes feudais, atodas as tentativas de desaloj-las. Todos

    os que ainda hoje lutam pela modificaodas estruturas sociais e culturais enfrentamas maiores dificuldades. No podem restrin-gir-se estreiteza da mentalidade vulgar,que se acomoda nos costumes e nasvantagens do momento, nem endossar osprocessos da poltica de compromissosgrupais ou de castas, nem mergulhar nocomercialismo voraz e vampiresco dochamado poder econmico. No obstante, abusca da verdade mudou de rumos e s vlida quando remonta dos efeitos s

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    causas, libertando o homem do domnio dos

    mitos. Essa simples mudana de posiorecompensa o martrio dos que morreramem nome da verdade, sem trair-se a simesmos.

    Em meados do sculo XIX o interesse

    pelo efeito desviou-se da rea restrita dosfenmenos habituais, segundo a expressode Richet, para as reas desconhecidas eabandonadas dos efeitos inabituais. Pesqui-sadores norte-americanos seguiram os

    pioneiros da conquista da terra para tentara conquista do esprito, observando eanalisando os famosos fenmenos deHydesville, com as irms Fox. Essa tentativarepercutiu na Frana, onde Denizard Rivailiniciou corajosamente a pesquisa cientficadesses fenmenos. A pesquisa invadiadiretamente as zonas sombrias do domnioreligioso, a selva escura de Dante, em quese haviam refugiado todos os mitos dopassado. Era necessrio penetrar nessaselva a fundo, vasculhar as suas furnas,

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    espantar os mochos noturnos, desbastar os

    emaranhados de ramagens espinhentas queimpediam a penetrao de luz solar. Opedagogo, o mdico, o cientista DenizardRivail, maneira dos cristos da eraapostlica, mudou o seu nome conhecidopor um pseudnimo simblico, de origemgaulesa: Allan Kardec. E at hoje o simplesenunciar do seu nome causa arrepios smentalidades retrgradas e evoca o mitodesmoralizado do Diabo. Foi a ltima vtimadas fogueiras inquisitoriais, queimando emefgie e queimadas as suas obras numafogueira erguida em Barcelona. O ltimobispo inquisidor no conseguiu o cheiro, toagradvel aos santos inquisidores, da carnehumana queimada em vida. Teve de

    contentar-se com o cheiro de papisqueimados, e esse cheiro serviu paraincentivar a busca da verdade.

    A pesquisa de Kardec ateve-se ao cam-po psicolgico e psicofsico. Como todos osvanguardeiros, teve de criar os seus

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    mtodos de investigao, adequados ao

    objeto novo que tinha de enfrentar. Durantedoze anos dedicou-se a essa pesquisa demaneira intensiva, chegando muitas vezes exausto. Ao mesmo tempo enfrentava osantemas da Igreja, os ataques de todo ocampo religioso da poca, as crticas daleviandade mundana, as calnias dosinvejosos, as agresses violentas dossistemticos, a condenao das corporaescientficas e as censuras filosficas. A todasessas agresses e condenaes respondeucom serena firmeza, apoiado em fatos,tentando esclarecer os adversrios. Toda asua obra um exemplo de didatismopaciente na sustentao da verdade. Osdoze volumes da Revista Esprita por ele

    regidos e publicados em fascculos mensais,durante doze anos, so o arquivo dessaguerra branca, em que os ataques dosadversrios so registrados e analisados e omaterial de suas pesquisas apresentado ao

    pblico. Hoje, felizmente, graas ao traba-

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    lho de traduo do Engenheiro Jlio Abreu

    Filho e ao lanamento da coleo peloEditor Frederico Giannini Jnior, j o nossopblico pode conhecer em nossa lngua esseespantoso acervo.

    Kardec, reconheceu Richet que no

    partilhava da sua filosofia , fundamentava-se sempre na pesquisa. Submeteu osproblemas espirituais investigao cientfi-ca, atravs de uma metodologia rigorosa eto bem esquematizada que as cincias

    psquicas posteriores, desde a antigaParapsicologia alem, passando pelasSociedades inglesas e norte-americanas deinvestigaes psquicas, at psicobiofsicade Schrenk-Notzing na Alemanha e aParapsicologia atual, no conseguiram sair(embora sem saber) do seu esquemametodolgico e das classificaes por eleestabelecidas para os fenmenos. Por outrolado, as concluses de todas essas cinciasno conseguiram contrariar as de Kardec.Seu esquema metodolgico estabelecia a

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    mesma diviso de campos que elas tiveram

    de fazer: fenmenos subjetivos, anmicos eespirticos; existncia de um corpo espiritualdas plantas, dos animais e dos homens;possibilidade de separao temporria docorpo espiritual para a hoje chamadaprojeo do seu eu distncia; natureza docorpo espiritual (perisprito) como semima-terial, dotado de energias fsicas e espiritu-ais; existncia da memria profunda epossibilidade de sua emerso na conscinciaatual, com influncias benficas ou malfi-cas no comportamento humano; reencarna-o e comunicabilidade dos espritos (hojepesquisas da reencarnao na Parapsicolo-gia e fenmenos theta no grupo especial depesquisas da Duke University e nas univer-

    sidades europias e soviticas). QuandoKardec tratou dos fenmenos anmicos(manifestaes de dupla personalidade) emostrou que a anomalia podia ser curadacom a elucidao do caso, Sigmund Freud

    tinha apenas um ano de idade, e a catarse

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    psicanaltica j era empregada pelo mestre

    francs em maior profundidade do que hoje,como lembrou o Dr. Ehrenwald. Hoje, naUniversidade de Moscou, segundo divulgamos prprios russos, o Dr. Wladmir Raikov esua equipe investigam o problema daschamadas reencarnaes sugestivas, queafetam o comportamento normal de muitaspessoas. At mesmo os casos de agneres(pessoas mortas que reaparecem comovivas e se relacionam com os vivos) tmocorrido e chegado ao conhecimento dealguns pesquisadores, mas so sempreinterpretados como alucinaes. O Dr.Hamendras Nat Barnejee, da Universidadede Jaipur na ndia, famoso pesquisador doscasos de reencarnao, que tem estado

    numerosas vezes na URSS, soube decuriosos fatos que no puderam ser divul-gados. Por fim, bom lembrar que oprprio Stalin, apesar de seu materialismo,teve experincias notveis com o mdium

    polons Messing, mundialmente famoso.

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    No de admirar, portanto, que tenha

    havido em Moscou um simpsio cientficosobre a obra de Allan Kardec, segundodivulgaram em 1974 vrias agnciastelegrficas. Kardec era apresentado comoum racionalista francs do sculo XIX quehavia antecipado muitas pesquisas daatualidade sobre fenmenos paranormais.

    Na realidade, todo esse interesse mun-dial pelo paranormal decorre da colocaoracional do problema, em termos de

    pesquisa cientfica. Existindo o fenmeno esendo possvel a sua investigao, o quedurante um sculo negaram, e ainda hojetentam negar alguns opositores sistemti-cos, no h motivo para que a Cincia serecuse a investig-lo. O que impediu odesenvolvimento dessas pesquisas demaneira normal e seqente foram asincrveis arruaas promovidas pelos quemais deviam interessar-se por elas, os quese dizem representantes de Deus na Terra.Por que essas arruaas, essas enxurradas

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    de mentiras despejadas em forma de

    antemas, bulas, folhetos, artigos e repor-tagens de jornais e revistas, conferncias,programas de rdio e televiso, livroscarregados de trapaas e ironias contra umarealidade que constitui a prpria essnciadas religies? Todos os truques foramempregados na luta contra a investigaode fatos que os homens sempre conhece-ram, desde a mais remota Antigidade. que os clrigos e os religiosos fanticos outradicionais do mais importncia aoconvencional do que ao verdico, s elabo-raes fantasiosas dos homens do que smanifestaes de uma realidade evidente.Prezam mais a estrutura das igrejas, emque se acomodam, do que a estruturas da

    Natureza criada por Deus; preferem o reinopassageiro do mundo ao Reino de Deus quepregam nos plpitos e aceitam mais aexegese sectria do Evangelho do querelato simples e claro dos textos evangli-

    cos, repletos de exemplos de fenmenos

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    paranormais, muitas vezes produzidos e

    explicados, sem ambigidades, pelo prprioCristo.

    O mtodo cientfico de investigao fe-nomnica, rigorosamente controlado, comcentenas e milhares de repeties dos

    fenmenos, no deixa dvidas sobre a suarealidade e a sua significao. A nicamaneira de combater as provas cientficas cobri-las com a cortina de fumaa damentira. J agora isso no possvel, a no

    ser no mbito restrito das seitas ignorantes.O mtodo cientfico triunfou e a pesquisa dofenmeno paranormal levou o homem adescobrir a causa desses fenmenosintrigantes, que est no prprio homem, nasua natureza espiritual sustentada teorica-mente pelas religies. O mundo amadure-ceu para a verdade e as novas geraesrejeitam a iluso piedosa de uma f que sefundamenta apenas em afirmaes dogm-ticas, sustentadas pelo autoritarismo dospoderes supostamente divinos de institui-

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    es formalistas erigidas e mantidas pelos

    prprios homens. A virada violenta enecessria da causa para o efeito, nosrumos do pensamento humano, leva-noshoje ao conceito existencial de Deus,arquivando para sempre as falaciosasconcepes do passado religioso.

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    Deus e os Deuses

    O Deus judeu, exclusivista e autoritrio,definiu-se na Bblia com esta afirmao: Eusou aquele que . Os homens j percebiam,ento, que a multiplicidade dos deuses eracontraditria em si mesma, militava contra aidia de Deus. Se Iav ou Jeov seapresentava como o nico, sua posio eralgica e respondia s exigncias de coe-rncia do novo pensamento que sedesenvolvia em Israel e no mundo. Mas oexclusivismo de Iav parecia demasiadoarrogante. O poder esmagador de Jpiter,que atravs das legies romanas ameaavadominar o mundo inteiro, no deixava lugar

    para esse deusinho petulante de umapequena provncia do Imprio. Caberia,talvez, a Zeus, senhor do Olimpo, quelevara os gregos a um desenvolvimentocultural sem precedentes, impor-se como

    Deus nico. Mas quando o Messias judeu,Jesus de Nazar, adoou a arrogncia judia

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    Nazar, adoou a arrogncia judia chaman-

    do Iav de Pai, abriu-se a possibilidade deuma aceitao universal do monotesmohebraico. O desenvolvimento posterior doCristianismo, facilmente infiltrado naspopulaes subjugadas do Imprio Romano,provou a eficcia da interveno messinica.Todos os deuses foram perdendo os seusadeptos para aquele Deus desconhecidocom o qual o Apstolo Paulo identificaraIav em Atenas.

    Kerchensteiner, em notvel estudo, ana-lisou em nossos dias a fisiologia do mito,mostrando as leis que regem o processomitolgico. Os deuses no foram inventadospelos homens, como querem as teoriassimplrias de Taylor e Spencer, ainda hojesustentadas at mesmo pelo chamadomaterialismo cientfico. Os mitos nascem doseio da Me-Terra, evocados pelo coraodos homens, e sobem aos cus escalandomontanhas ou nos vapores dgua que seacumulam na atmosfera. Da a facilidade

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    com que se tomava a nuvem por Juno ou o

    relmpago por Jpiter. Da Terra-Mesurgem as pedras e os rios, as matas e osanimais e, por fim, os homens. Mas oshomens trazem a idia de Deus no coraoe possuem a capacidade mental de projetar-se nas coisas e nos seres. A dinmica doanimismo primitivo gera a florao dosdeuses que protegem os povos. Mas osdeuses particulares, das tribos e depois dasnaes, nada mais so do que a fragmenta-o ilusria da unidade primitiva e irredut-vel. Assim como, partindo das coisasisoladas a terra, a gua, os vegetais, osanimais, etc. os homens vo depoisdescobrindo a unidade da realidade indivis-vel, pois a realidade uma s, formada de

    inumerveis conjuntos, assim tambm amultiplicidade dos deuses tribais vai aospoucos se fundindo nas pequenas unidadesdo sistema solar e unificao atual doCosmo, maiores das mitologias nacionais. O

    homem finito no pode conceber o infinito

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    como uno e absoluto seno atravs das

    experincias do real. A unificao da idiade Deus precedeu unificao coprnica daunidade do sistema solar e a unificaoatual do Cosmo, como exigncia primria dodesenvolvimento da razo. Por isso osgregos anteciparam o monotesmo no planofilosfico, pelo qual Scrates teve de pagaro preo da taa de cicuta. Mas a unidadereligiosa s foi possvel na reforma doJudasmo por Jesus de Nazar, que osgregos apoiaram chamando-o de Cristo (umnome grego) e que teve de pagar um preomais alto com a crucificao romana. Oshomens partem das coisas mnimas parachegarem pouco a pouco s mximas. Omito , ao mesmo tempo, a projeo da

    alma humana nas coisas e a absoro dascoisas pelo poder anmico do homem. Amitologia no foi tambm a invenogratuita dos deuses pela imaginao doshomens, nem a busca de proteo ante a

    insegurana da vida precria, mas a tentati-

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    va necessria de racionalizao do mundo.

    Superando o sensvel da teoria platnica, oshomens converteram o mundo num orga-nismo vivo e inteligvel, atravs dos mitos. OOlimpo se assemelhava s cortes dosSoberanos terrenos, com a hierarquiahumana de funes e poderes, no porimitao, mas porque somente assim oshomens poderiam compreender o mistriodo mundo. No foi o medo, mas a curiosi-dade que gerou os deuses. A prova histricadisso est na teoria diltheiana do caldeiromedieval, onde, s naquela fase especficada teocracia medieval a Razo se fundianuma pea nica, destinada preparaodo Renascimento como Idade da Razo.

    A embriaguez racional, como aconteceaos indivduos na passagem da mitologiainfantil para o alvorecer racional da puber-dade e da adolescncia, levou os homens rebeldia dos primeiros tempos de liberdade,geradora do atesmo e do materialismo. Odesenvolvimento das Cincias segue os

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    rumos da crise da adolescncia, no esque-

    ma do famoso estudo de Maurice Debesse.Os homens do Renascimento, do MundoModerno e at mesmo do Mundo Contem-porneo portaram-se como adolescentes nochamado conflito de geraes. J agora,porm, nas vsperas da Era Csmica, osachados do Renascimento precisam serrevisados, para que a problemtica humanaseja respondida em termos de razo;mesmo porque na razo que temos aimagem de Deus no homem, no em suaforma corprea, que o assemelha aossmios. A concepo antropomrfica deDeus foi uma traquinagem da Humanidadeadolescente. Essa traquinagem se justificaem seu tempo, como simples ensaio

    religioso para uma tentativa posterior decolocao da idia de Deus em termosracionais. Kardec, em seu livro O Cu e oInferno, comparando a mitologia greco-romana com a mitologia crist, mostrou as

    incongruncias tipicamente adolescentes da

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    reformulao teolgica da idia de prmio e

    castigo aps a morte. O Cu cristo apareceingnuo e fantasioso como um sonho demeninotes e o Inferno cristo impiedoso einjusto como uma descrio de terroresinfantis. To mais impiedoso e desarrazoado esse inferno do que o pago, que chega-mos a rir das graves proposies