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    DOUTRINABRASILEIRA

    Mtodos e Princpios da InterpretaoConstitucional: o Que So, para QueServem, Como se Aplicam*

    Inocncio Mrtires CoelhoDoutor em Direito, Presidente do IDP.

    1 COLOCAO DO TEMA

    Consolidada a jurisdio constitucional nos mais diversos quadrantesdo mundo jurdico nos Estados Unidos, na Europa e na Amrica Latina,entre outros e admitida a legitimidade dojudicial review, uma prerrogativaque, at certo ponto, os juristas e cientistas polticos tiveram de aceitarcomo inerente ao exerccio dessa jurisdio excepcional, todos voltaram suas

    vistas para o problema da interpretao/aplicao da lei fundamental, do queresultou serem substitudos os velhos debates sobre as origens do controlede constitucionalidade pelas modernas discusses acerca dos mtodos ecritrios serojurdicos,polticosoujurdico-polticos? de que se utilizamas cortes constitucionais para dar a ltima palavra sobre a constituio.

    Nesse contexto de controvrsias e, por que no dizer, de incmodopoltico, em que a nica concordncia parece residir em proclamar-se queessas cortes, estando situadas fora e acima da tradicional tripartio depoderes, a rigor no conhecem limites no exerccio de suas atribuies, diantedessa realidade, juristas das mais diversas tendncias tm se esforado por

    controlar as decises desses supertribunais verdadeiras constituintes deplanto mediante a formulao de cnones hermenuticos, cuja observn-cia, se tornada efetiva, poderia reduzir a um mnimo democraticamente

    tolervel aquele resduo incmodo de voluntarismo e irracionalidade quese faz presente em toda deciso judicial, mormente nos veredictos dosrgos da jurisdio constitucional, cuja tarefa consiste muito mais emconcretizardo que em interpretar as pautas axiologicamente abertas e

    * Comunicao apresentada no XXIV Congresso Brasileiro de Direito Constitucional 15 Anos de Cons-tituio/Os caminhos do Brasil promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, em SoPaulo, nos dias 12, 13 e 14 de maio de 2004.

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    lingisticamente plurissignificativas que integram a parte dogmtica dasconstituies.

    Noutras palavras, sob essa perspectiva, pode-se dizer, desde logo, quea formulao dessas regras e o empenho em torn-las efetivas respondem necessidade de racionalizar e/ou tornar transparente, quanto possvel, aatividade hermenutica, que tanto mais engenhosaquanto menos precisosou mais abertos forem os enunciados objeto de interpretao.

    Afinal de contas, como se costuma dizer, os intrpretes trabalham como excesso de significados inerente a toda linguagem normativa e, no casoparticular da exegese constitucional, num contexto em que se exaltam maisos princpios do que as regras, mais a ponderao do que a subsuno, mais

    os juzes do que os legisladores e mais a Constituio do que as leis.1

    2 MTODOS E PRINCPIOS DA INTERPRETAOCONSTITUCIONAL

    Feita essa observao preliminar e invocando lio de Canotilho, deve-mos enfatizar que, atualmente, a interpretao das normas constitucionais umconjunto de mtodosdesenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudnciacom base em critrios ou premissas filosficas, metodolgicas, epistemo-lgicas diferentes mas, em geral, reciprocamente complementares, o que

    ressalta o carter unitrioda atividade interpretativa.Em razo dessa variedade de meios hermenuticos e do modo como

    so utilizados, at certo ponto desordenado, o primeiro e grande problemacom que se defrontam os intrpretes da constituio parece residir, de umlado e paradoxalmente, nessa riqueza de possibilidades e, de outro, nainexistncia de critrios que possam validar a escolha dos seus instrumentosde trabalho e resolver os seus eventuais conflitos, seja em funo dos casosadecidir, dasnormas a manejar ou, at mesmo, dos objetivosque os operadoresconstitucionais pretendam alcanar em dada situao hermenutica, o que,

    tudo somado, aponta para a necessidade de complementaes e restries

    recprocas, num ir e vir ou balanar de olhos que tenha o seu eixo no valorjustia, em permanente configurao.

    Em suma, desprovidos de uma teoria que sustente a seleo demtodos e princpios com que trabalhem a Constituio, seus intrpretes eaplicadores acabam escolhendo esses instrumentos ao sabor de sentimentose intuies pessoais, ou, se quisermos, da suapr-compreenso, um critrioque talvez lhes pacifique a conscincia, mas certamente nada nos dir sobrea racionalidade dessas opes.

    1 SANTIAGO, Jos Mara Rodrguez de.La ponderacin de bienes e intereses en el derecho administrativo.Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 161.

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    Afinal de contas, para ficarmos apenas no mbito das leiturasdalei fundamental , o que significam, objetivamente, expresses tais como

    unidade da Constituio, concordncia prtica, interpretao conforme,exatido funcionaloumxima efetividade, com que se rotulam os princpios dainterpretao constitucional, se essas locues, tambm elas, esto sujeitasa contradies e conflitos de interpretao? A que resultados, minimamentecontrolveis, podemos chegar partindo de mtodos assemelhados e cujaesotrica denominao tpico-problemtico, hermenutico-concretizador,cientfico-espiritualounormativo-estruturante, por exemplo mais confundedo que orienta os que adentram o labirinto da sua utilizao? Como aplicar,com segurana, por exemplo, o multifuncional princpio daproporcionalidadeou darazoabilidade, essa espcie de vara de condode que se valem as cortes

    constitucionais para operar milagres que espantam crentes e ateus? Comousar, enfim, a velha tpica jurdica, se no existe acordo nem mesmo sobre oque significam os seus topoie se todos os que dela se utilizam parecem faz-lo na exata medida em que, para qualquer problema, essa vetusta senhorafornece enunciados a gosto do fregus?

    Com essas consideraes, que servem de advertncia sobre asdificuldades da interpretao constitucional, passemos ao exame dosprincipais mtodos e princpios que balizam essa atividade hermenutica,assinalando que o seu manejo, nem sempre de forma consciente, reflete aconexo recproca e constante entre objeto e mtodo, no caso, entre as

    diversas regras da interpretao constitucional e os distintos conceitos deconstituio.

    3 MTODOS DA INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    Quanto aosmtodosde que se utilizam os operadores da Constituio,so fundamentalmente o mtodo jurdico ou hermenutico-clssico, otpico-problemtico, o hermenutico-concretizador, o cientfico-espiritual e onormativo-estruturante, cujos traos mais significativos resumiremos aseguir, adiantando que todos eles, embora disponham de nomes prprios, a

    rigor no constituem abordagens hermenuticas autnomas, mas simplesconcretizaes ou especificaes do mtodo geral da compreenso como atognosiolgico comum a todas as cincias do esprito.

    3.1 Mtodojurdicoou hermenutico-clssico

    Para os adeptos desse mtodo, a despeito da posio que ocupa naestrutura do ordenamento jurdico, a que serve de fundamento e fator deintegrao, a constituio essencialmente uma leie, por isso, h de serinterpretada segundo as regras tradicionais da hermenutica, articulando-

    se e complementando-se, pararevelaro seu sentido, os mesmos elementos gentico, filolgico, lgico, histrico e teleolgico que so levados emconta na interpretao das leis, em geral.

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    Desconsiderado o carter legal da Constituio e desprezados osmtodostradicionais de interpretao, a lei fundamental estaria sujeita a

    modificaes subterrneas, de vis interpretativo, o que, tudo somado, lheofenderia o texto, que no contempla esse tipo de alterao; comprometeriaa sua finalidade estabilizadora, de todo avessa a oscilaes hermenuticas,e, afinal, acabaria transformando o Estado de Direito num Estado de Justia,em que o juiz, ao invs de servo, se faz senhor da Constituio.

    Trata-se, bem se v, de uma concepo hermenutica baseada na idiade verdade como conformidadeou, se quisermos, na crena metafsico-jurdi-ca de que toda norma possui um sentido em si, seja aquele que o legisladorpretendeu atribuir-lhe (mens legislatoris), seja o que, afinal e sua revelia,acabou embutido no texto (mens legis). Por isso, a tarefa do intrprete,

    enquanto aplicador do direito, resumir-se-ia em descobrir o verdadeirosignificado das normas e guiar-se por ele na sua aplicao.

    Nenhuma dvida h, portanto, sobre as condies de possibilidadedessa descoberta, nem tampouco sobre o papel do intrprete nesseacontecimento hermenutico, menos ainda sobre a inevitvel criatividadedo intrprete enquanto agente redutor da distncia entre a generalidade danorma e a singularidade do caso a decidir. No fundo, subjacente a tudo, esta ideologia da separao de poderes em sentido forte, de cuja luz o legislador o soberano, e o juiz, apenas a boca que pronuncia as palavras da lei.

    3.2 Mtodo tpico-problemtico

    Aceitando-se, em contraposio a esse ponto de vistalegalista, que,modernamente, a Constituio um sistema abertode regras e princpios,o que significa dizer que ela admite/exige distintas e cambiantes inter-pretaes; que um problema toda questo que, aparentemente, permitemais de uma resposta e que, afinal, a tpica a tcnica do pensamentoproblemtico, pode-se dizer que os instrumentos hermenuticos tradicionaisno resolvem as aporias emergentes da interpretao concretizadoradessemodelo constitucional e que, por isso mesmo, o mtodo tpico-problemtico

    representa, se no o nico, pelo menos o mais adequado dos caminhos deque se dispe para adentrar aConstituio.

    Em face do carter fragmentrio e freqentemente indeterminado daConstituio e do pluralismo axiolgico, que lhe congnito, a leifundamentalmostra-se maisproblemticado quesistemtica, tornando natural o apelos solues tpicas para remediar a insuficincia das regras clssicas deinterpretao e evitar onon liquet, que j no possvel pela existncia da

    jurisdio constitucional.

    3.3 Mtodo hermenutico-concretizador

    O ponto de partida dos que recomendam essa postura hermenutica,de resto pouco diferente do mtodo tpico-problemtico, a constatao de

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    que a leitura de qualquer texto normativo, inclusive do texto constitucional,comea pelapr-compreensodo intrprete, a quem compete concretizara

    norma a partir de uma dada situao histrica, que outra coisa no senoo ambiente em que o problema posto a seu exame, para que o resolva luzda constituioe no segundo critrios pessoais de justia, funcionando o

    texto Constitucional como limite da interpretao. Mas, o que esse texto,afinal, se precisamente em torno dele e pela sua peculiar natureza que se

    travam os mais acirrados conflitos de interpretao?

    Considerando-se, afinal, que toda pr-compreenso, em certa medida,possui algo deirracional, pode-se dizer que, a despeito dos seus esforos,os que propugnam pelo mtodo concretizador, assim como os defensores doprocedimento tpico-problemtico, ficam a dever aos seus crticos algum

    critrio de verdade que lhes avalize as interpretaes, de nada valendo,para quitar essa dvida, o apelo a uma imprecisa e mal definida verdadehermenutica, que pode ser muito atraente, como idia, mas pouco nos dizsobre os alicerces dessa construo.

    3.4 Mtodo cientfico-espiritual

    Como todas as demais propostas hermenuticas, tambm a correntecientfico-espiritual tem como pressuposto determinada idia de Cons-

    tituio, visualizada como instrumento deintegrao, em sentido amplo, vale

    dizer, no apenas do ponto de vista jurdico-formal, enquanto norma-suportee fundamento de validade de todo o ordenamento, mas tambm, e sobretudo,sob a perspectiva poltica e sociolgica, como instrumento de regulao(=absoro/superao) de conflitos e, por essa forma, de construo epreservao da unidade social.

    A essa luz, portanto, em que aparece como instrumento ordenador datotalidade da vida do Estado, do seu processo de integrao e, tambm, daprpria dinmica social, a Constituio no apenas permite, como igualmenteexige uma interpretao extensiva e flexvel, em larga medida diferentedas outras formas de interpretao jurdica, sem necessidade de que o seu

    texto contenha qualquer disposio nesse sentido. A Constituio , por suaprpria natureza e finalidade, o principal fator de coeso poltica e social,do que resulta que a sua interpretao jamais pode conduzir a soluesdesagregadoras.

    3.5 Mtodo normativo-estruturante

    Formulado e desenvolvido em plena vigncia das idias deHEIDEGGER e GADAMER, para quem interpretar sempre foi, tambm,aplicar, e a tarefa da interpretao consiste em concretizar a lei em cada

    caso, o mtodonormativo-estruturante parte da premissa de que existe umaimplicao necessria entre o programanormativo e o mbitonormativo,entre os preceitos jurdicos e a realidade que eles intentam regular, um vnculo

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    to estreito que a prprianormatividade, tradicionalmente vista como atri-buto essencial dos comandos jurdicos, parece ter sido condenada a evadir-se

    dos textos e buscar apoio fora do ordenamento para tornar eficazes os seuspropsitos normalizadores.

    Nesse sentido, ao discorrer sobre anormatividade, anormae o textoda norma, FRIEDRICH MLLER diz que a imperatividade, pertencente norma segundo o entendimento veiculado pela tradio, no produzidapelo seu texto, antes resulta de dados extralingsticos ligados ao efetivofuncionamento da ordem constitucional, vale dizer, de elementos vrios que,mesmo que o desejssemos, no poderamos fixar no texto da norma.

    Entre ns, nessa mesma linha de separao entre texto enorma,

    merecem registro as reflexes de EROS ROBERTO GRAU, para quem o orde-namento jurdico, no seu valor histrico-concreto, um conjunto de inter-pretaes, um plexo de normas, sendo as disposies (textos, enunciados)apenas ordenamento em potncia, um conjunto de possibilidades deinterpretaoou um elenco de normas potenciais, cujo significado, que aspe em ato, produzido pelo intrprete/aplicador.

    Por isso, prossegue MLLER, o teor literal de qualquer prescrio dedireito positivo apenas a ponta doiceberg; todo o resto, talvez a partemais significativa a ser levada em conta pararealizaro direito, constitudopela realidade objeto da regulao ou pelasituao normada, como leciona

    REALE.

    3.6 Mtodo da comparao constitucional

    Reportando-se aos quatro mtodos ou elementos desenvolvidos porSAVIGNY , gramatical, lgico, histrico e sistemtico PETER HBERLEdefende a canonizao da comparatstica como quinto mtodo deinterpretao, se no para o direito, em geral, ao menos e tendencialmentepara a compreenso do moderno Estado constitucional, cuja geografia jurdicademanda instrumentos de anlise significativamente distintos dos mtodos

    clssicos de interpretao.2

    Apesar das virtualidades dessa proposta hermenutica e da indis-cutvel fecundidade de que se reveste o comparatismo para a compreen-so das normas e dos sistemas jurdicos em geral, parece-nos foradoconsiderar essa ordem de estudos como critrio autnomo de inter-pretao constitucional. Afinal de contas, mesmo em sede constitucional,o direito comparado, em essncia, apenas um processo de busca econstatao de pontos comuns ou divergentes, entre distintos sistemas

    2 HBERLE, Peter.El estado constitucional. Mxico: UNAM, 2001, p. 164.

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    jurdicos, a ser utilizado pelo intrprete como um recurso a mais paraaprimorar o trabalho hermenutico.

    Abstrao feita de notas especficas, que permitam apontar aspoucas diferenas existentes entre esses vrios mtodos de interpretaoconstitucional, impe-se-lhes a crtica, de ordem geral, de que todos eles,salvo o mtodo clssico, acabam por degradar a normatividade da Consti-

    tuio, um efeito perverso que no decorre de eventuais insuficinciasou imprecises dos mtodos em si, mas antes da estrutura normativo-material da Constituio e da falta de ancoragem, evidente em todas essaspropostas hermenuticas, numa teoria da Constituio que se possa reputarconstitucionalmente adequada.

    Mais ainda, como todos os concretizadores proclamam que a normano o pressuposto, mas o resultado da interpretao, ao menos para eles

    torna-se difcil, se no impossvel, estabelecer, a priori, o que mesmo aConstituio, para, em seguida, extrair do seu texto significados que possamser considerados minimamente vinculatrios.

    4 PRINCPIOS DA INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    Finalmente, merecem comentrios os chamados princpios dainterpretao constitucional, os quais, semelhana dos mtodosinterpretativos, tambm devem ser aplicados conjuntamente, em um jogoconcertadode complementaes e restries recprocas.

    Tais princpios, para a maioria dos autores, so os da unidade daConstituio, da concordncia prtica, da correo funcional, da eficciaintegradora, da fora normativa da Constituioe da mxima efetividade.Afora esses princpios, apontam-se, ainda, embora no estejam ligadosexclusivamente exegese constitucional, os princpios daproporcionalidadeourazoabilidade, o dainterpretao conforme a constituioe o dapresunode constitucionalidade das leis, sendo o primeiro um princpio de ponderao,que se reputa aplicvel ao direito, em geral, enquanto os dois ltimos soutilizados essencialmente no controle de constitucionalidade das leis.

    Antes de apreciarmos cada um desses princpios, impe-se-nos fazeralguns registros, a ttulo de advertncia, sobre as dificuldades em se dizero que realmente eles significam, qual a sua funo dogmtica, como sedesenvolve o jogo da sua aplicao e, afinal, de que maneira so utilizadosem cada situao hermenutica.

    Nesse sentido, deve-se esclarecer, desde logo, que esses princpios notm carter normativo, o que significa dizer que no encerram interpretaesde antemo obrigatrias, valendo apenas como simples tpicos ou pontosde partida ou frmulas de busca, que se manejam como argumentos sem

    gradao, nem limite para a soluo dos problemas de interpretao,mas que no nos habilitam, enquanto tais, nem a valorar nem a eleger osargumentos utilizveis diante do caso concreto.

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    Quanto sua funo dogmtica, deve-se dizer que, embora seapresentem como enunciadoslgicose, nessa condio, paream anteriores

    aos problemas hermenuticos que, afinal, ajudam a resolver, em verdade equase sempre, esses princpios funcionam comofrmulas persuasivas, dasquais se valem os aplicadores do direito para justificar pr-decisesque,mesmonecessriasou convenientes, sem o apoio desses cnones interpre-

    tativos mostrar-se-iam arbitrrias ou desprovidas de fundamento.

    No por acaso j se proclamou que essa disponibilidade de mtodos eprincpios potencializa a liberdade do juiz, a ponto de lhe permitir anteciparas decises luz da sua pr-compreenso sobre o que justo em cada caso e s depois buscarfundamentos para dar sustentao discursiva a essassolues puramente intuitivas, num procedimento em que as concluses

    escolhem as premissas, e os fins selecionam os meios.Pois bem, entre esses princpiosliberadoresda interpretao/aplicao

    do direito, em geral, merece destaque o postulado do legislador racional,um topos hermenutico que, embora no integre o elenco dos cnones dainterpretao constitucional at porque os precede e transcende para elase mostra de fundamental importncia.

    Trata-se de um toposque se aceita dogmaticamente, sem submet-lo anenhum contraste ftico ou comprovao emprica; de uma pauta normativade aparncia descritiva, por fora de cujosmandamentos o jurista se obrigaa interpretar o direito positivo como se este e o legislador que o produziufossem efetivamente racionais, motivado pela certeza de que, pagandoesse preo, poder extrairdo ordenamento jurdico, otimizado por aquelepostulado, todas asregrasde interpretao de que necessita para justificaras suas decises.

    Noutras palavras, o jurista antropomorfiza a figura do legisladorideal e, desde logo, atribui-lhe os predicados divinos ele singular,imperecvel,nico,consciente,finalista,onisciente,justo,onipotente,coerente,onicompreensivo, econmico,precisoe operativo atributos de que precisao operador do direito positivo para otimizar a sua aplicao, preservar as

    valoraes subjacentes s opes normativas e, afinal, at mesmo ocultar aideologia que as motivou.3

    Destarte, do postulado de que o ordenamento jurdico onicom-preensivo, operativoe coerente, extraem-se, pelo menos, estas trs regrasde interpretao:

    a) os preceitos da Constituio incidem sobre todas as relaessociais, seja regulando-as expressamente, seja assegurando aosseus jurisdicionados aqueles espaos livres do direito de que

    todos precisam para o pleno desenvolvimento da personalidade;

    3 NINO, Carlos Santiago. Consideraciones sobre la dogmtica jurdica. Mxico: UNAM, 1974, p. 85-114.

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    b) no existem normas sobrando no texto da Constituio, todas sovigentes e operativas, cabendo ao intrprete descobrir o mbito

    de incidncia de cada uma, em vez de admitir que o constituinte,racional tambm do ponto de vista econmico, possa ter gastadomais de uma palavra para dizer a mesma coisa; e

    c) no ocorrem conflitos reais entre as normas da Constituio, masapenas concursos aparentes, seja porque foram promulgadassimultaneamente, seja porque no existe hierarquia nem ordemde precedncia entre as suas disposies.

    Afora esses exemplos que nos permitem apontar o princpio daunidade da Constituiocomo descendente direto do postulado dolegisladorracionale beneficirio das inmeras virtudes que ele transmite aos seus

    herdeiros , muitos outros ainda poderiam ser formulados para evidenciarquo estreitas so as relaes de parentesco entre essa inegabilidadedogmtico-jurdica e os diversos cnones da interpretao constitucional.

    Quanto ao modo como se utilizam as regras da interpretaoconstitucional, tambm aqui se impem algumas advertncias de ordemgeral sobre os problemas relativos ao seu manejo, sobretudo naquelassituaes hermenuticas em que, primeira vista, diferentes cnones semostrem igualmente aplicveis, embora conduzindo a resultados que seevidenciam inconciliveis.

    luz do postulado do legislador racional um legislador que, sendocoerente, no permite conflitos reais entre normas qualquer disputa entrecritrios interpretativos desde logo (des)qualificada como um confrontomeramente aparente, a ser resolvido pelo aplicador do direito, de quem seesperam solues igualmente racionais.

    Em outro dizer, se o objeto a ser interpretado seja ele uma normaou um conjunto de normas algo que se considera racional por definio,ento essa mesma racionalidade h de presidir o manejo dos princpios queregulam a sua interpretao e aplicao.

    Em suma, tal como no manejo dos mtodos da interpretao

    constitucional, tambm entre os princpios tem plena vigncia a idia de umjogo concertadode restries e complementaes recprocas, do qual resulta,ao fim e ao cabo, a sua mtua e necessria conciliao.

    Dito isso, examinemos, embora sumariamente, cada um dessesprincpios.

    4.1 Princpio da unidade da Constituio

    Segundo essa regra de interpretao, as normas constitucionaisdevem ser vistas no como normas isoladas, mas como preceitos integrados

    num sistema unitrio de regras e princpios, que institudo pela prpriaConstituio. Em conseqncia, a Constituio s pode ser compreendidae interpretada corretamente se ns a entendermos como unidade, do que

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    resulta, por outro lado, que em nenhuma hiptese devemos separar umanorma do conjunto em que ela se integra, at porque relembre-se o crculo

    hermenutico o sentido da parte e o sentido do todo so mutuamentedependentes.

    Aceito e posto em prtica esse princpio, o jurista pode bloquear oprprio surgimento de eventuais conflitos entre preceitos da Constituio,ao mesmo tempo em que se habilita a (des)qualificar, como contradiesmeramente aparentes, aquelas situaes em que duas ou mais normasconstitucionais pretendam regular a mesma situao de fato.

    Registre-se, ainda, que a rigor esse princpio d suporte, se no atodos, pelo menos grande maioria dos outros cnones interpretativos,

    porque otimiza o texto da Constituio, de si naturalmente expansivo,permitindo aos seus aplicadores construir as solues exigidas em cadasituao hermenutica.

    4.2 Princpio daconcordncia prtica ou da harmonizao

    Intimamente ligado ao princpio da unidade da Constituio, quenele se concretiza, o princpio daharmonizao ou da concordncia prticaconsiste, essencialmente, numa recomendao para que o aplicador dasnormas constitucionais, em se deparando com situaes de concorrnciaentre bens dotados de igual proteo constitucional, adote a soluo que

    possibilite a realizao de qualquer deles sem o sacrifcio dos demais.Como a consistncia dessa recomendao no se pode avaliar a priori,

    o cnone interpretativo em referncia conhecido tambm como princpioda concordncia prtica, o que significa dizer que somente no momentoda aplicao do texto e no contexto dessa mesma aplicao, que se podecoordenar, ponderar e, afinal, conciliar os bens ou valores constitucionaisem conflito, dando a cada um o que for seu.

    Essa conciliao, no entanto, puramente formal ou principiolgica,pois, nas demandas reais, s um dos contendores ter acolhido, por inteiroou em grande parte, a sua pretenso, restando ao outro conformar-se com adeciso que lhe for adversa, porque esse o desfecho de qualquer disputaem que os desavindos no conseguem construir solues negociadas.

    Mesmo assim, impe-se reconhecer que o princpio da concordnciaprtica um cnone hermenutico de grande alcance e dos mais utilizadosnas cortes constitucionais, inclusive em nosso STF, como atestam osrepertrios de jurisprudncia e as obras dos especialistas.

    Dado que, por outro lado, a Constituio no ministra nem deveministrar critrios para essa harmonizao at porque tambm nohierarquiza os bens ou valores protegidos pelos seus preceitos , pode-sedizer que, afinal, toda e qualquer soluo, apesar de muitas e respeitveisopinies em contrrio, advir mesmo das valoraes pessoais do intrprete,cujos acertos ou equvocos s a comunidade est em condies de julgar.

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    No se trata, evidentemente, de nenhumplebiscito hermenutico, nem

    muito menos de qualquer apreciao de natureza tcnica ou processual,

    daquelas que realizam as instncias a tanto legitimadas, mas de um juzo deadequao material entre o que decidem os intrpretes oficiais da Constituio

    e aquilo que, em dado momento histrico, a prpria sociedade considere correto

    e justo. Afinal de contas, em que pese caber aos tribunais constitucionais a

    ltima palavra sobre o quea Constituio, nem por isso eles a interpretam na

    contramo da sociedade civil, cujasreaes especialmente as da comunidade

    hermenutica impem-lhes constanteprestao de contassobre os mtodos

    e critrios de que se utilizam para realizar a Constituio.

    4.3 Princpio da correo funcional

    Derivado, igualmente, do cnone da unidade da Constituio, que neletambm se concretiza, o princpio da correo funcionaltem por finalidadeorientar os intrpretes da Constituio no sentido de que, instituindo a normafundamental um sistema coerente e previamente ponderado de repartio decompetncias ou de relaes constitucionais, no podem os seus aplicadoreschegar a resultados que perturbem o esquema organizatrio-funcional nelaestabelecido, como o caso da separao dos poderes, cuja observncia

    tem-se por consubstancial prpria idia de Estado de Direito.

    A aplicao desse princpio tem particular relevo no controle da

    constitucionalidade das leis e nas relaes que, em torno dele, se estabelecementre a legislatura e as cortes constitucionais. Com efeito, tendo em vista,de um lado, a legitimao democrtica do legislador e, de outro, a posioinstitucional desses tribunais como intrpretes supremos da Constituio,existe uma tendncia que at certo ponto se pode considerar natural aosurgimento de conflitos de interpretao entre esses agentes polticos parasaber quem, afinal, melhor interpreta o texto constitucional e, conseqen-

    temente, aos olhos da comunidade, merece densificar seus poderes, semviolncia Constituio.

    4.4 Princpio da eficcia integradoraConsiderado um corolrio da teoria da integrao formulada por

    RUDOLF SMEND, esse cnone interpretativo orienta o aplicador da

    Constituio no sentido de que, ao construir solues para os problemas

    jurdico-constitucionais, procure dar preferncia queles critrios ou pontos de

    vista que favoream a integrao social e a unidade poltica, porque alm de

    criar uma certa ordem jurdica, toda Constituio necessita produzir e manter

    a coeso social, sem a qual se torna invivel qualquer sistema jurdico.

    Em que pese a indispensabilidade dessa integrao para a normali-dade constitucional, nem por isso dado aos aplicadores da Constituio

    subverter-lhe a letra e o esprito para alcanar esse objetivo a qualquerpreo, at porque, partida, a lei maior est adstrita a outros valores,

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    desde logo reputados fundamentais como a dignidade humana, ademocracia e o pluralismo, por exemplo que precedem a sua elaborao,

    nela se incorporam e, afinal, seguem dirigindo a sua interpretao.

    4.5 Princpio da fora normativa da Constituio

    Reduzindo-o sua expresso mais simples, pode-se dizer queesse cnone interpretativo consubstancia um apelo aos aplicadores daConstituio para que procurem dar preferncia queles pontos de vistaque, ajustando historicamente o sentido das suas normas, densifiquem a suaimperatividade, um apelo que se faz tanto mais necessrio quanto sabemosque, ainda hoje, muitos juristas consideram as normas constitucionais como

    textos meramente programticos, cuja implementao depende exclusi-vamente do legislador.

    Considerando-se que toda norma jurdica e no apenas as normasda Constituio precisa de um mnimo de eficcia, sob pena de perder ousequer adquirir a vigncia de que depende a sua aplicao, impe-se reco-nhecer que, sob esse aspecto, o princpio dafora normativa da Constituiono encerra nenhuma peculiaridade da interpretao constitucional, em quepese a sua importncia nesse domnio hermenutico.

    4.6 Princpio da mxima efetividade

    Estreitamente vinculado ao princpio da fora normativa da Cons-tituio, em relao ao qual configura um subprincpio, o cnone damximaefetividadeorienta os aplicadores da lei maior para que interpretem as suasnormas em ordem a otimizar-lhes a eficcia, sem alterar o seu contedo.

    De igual modo, esse princpio veicula um conselho aos realizadores daConstituio para que, em toda situao hermenutica, sobretudo em sedede direitos fundamentais, procurem densificar tais direitos, cujas normas,naturalmente abertas, so predispostas a interpretaes expansivas.

    Tendo em vista, por outro lado, que, em situaes concretas, a

    otimizaode qualquer dos direitos fundamentais, em favor de determinadotitular, poder implicar a simultnea compresso, ou mesmo o sacrifcio, deiguais direitos de outrem, impe-se harmonizar a mxima efetividadecomas demais regras de interpretao, no mbito do citado jogo concertado derestries e complementaes recprocas que singulariza a hermenuticaespecificamente constitucional.

    4.7 Princpio da interpretao conforme a Constituio

    Instrumento situado no mbito do controle de constitucionalidadee no apenas uma simples regra de interpretao, conforme enfatizou em

    deciso exemplar o STF, o princpio dainterpretao conforme a Constituioconsubstancia essencialmente uma diretriz de prudncia poltica ou, sequisermos, de poltica constitucional, alm de reforar outros cnones

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    interpretativos, como o princpio da unidade da Constituio e o princpioda correo funcional.

    Com efeito, ao recomendar nisso se resume classicamente esteprincpio que os aplicadores da Constituio, em face de normasinfraconstitucionais de mltiplos significados, escolham o sentido queas torne constitucionais e no aquele que resulte na sua declarao deinconstitucionalidade, esse cnone interpretativo ao mesmo tempo em quevaloriza o trabalho legislativo, aproveitando ou conservando as leis, previne osurgimento de conflitos, que se tornariam crescentemente perigosos caso os

    juzes, sem o devido cuidado, se pusessem a invalidar os atos legislativos.

    Essa prudncia, por outro lado, no pode ser excessiva, a ponto de

    induzir o intrprete a salvar a lei custa da Constituio, nem tampoucocontrariar o sentido inequvoco da lei, para constitucionaliz-la de qualquermaneira: no primeiro caso porque isso implicaria interpretar a Constituioconforme a lei e, assim, subverter a hierarquia das normas; no segundo,porque toda conformao exagerada implica, no fundo, usurpar tarefaslegislativas, na exata medida em que a lei resultante dessa interpretaoconformadora, em sua letra como no seu esprito, seria substancialmentedistinta da que resultou do trabalho legislativo.

    Modernamente, esse princpio passou a consubstanciar, tambm, ummandato de otimizao do querer constitucional, ao no significar apenas

    que, entre duas interpretaes possveis da mesma norma, se h de optarpor aquela que a torna compatvel com a Constituio, mas tambm que,entre diversas exegeses igualmente constitucionais, deve-se escolher a quese orienta para a Constituioou a quemelhorcorresponde s decises doconstituinte.4

    4.8 Princpio daproporcionalidade ou da razoabilidade

    Utilizado, de ordinrio, para aferir a legitimidade das restries de

    direitos muito embora possa aplicar-se, tambm, para dizer do equilbrio

    na concesso de poderes, privilgios ou benefcios , o princpio da

    proporcionalidadeou darazoabilidade, em essncia, consubstancia uma pautade natureza axiolgica que emana diretamente das idias de justia, eqidade,

    bom senso, prudncia, moderao, justa medida, proibio de excesso, direito

    justo e valores afins; precede e condiciona a positivao jurdica, inclusive a

    de nvel constitucional, e, ainda, enquanto princpio geral do direito, serve de

    regra de interpretao para todo o ordenamento jurdico.

    No mbito do direito constitucional, que o acolheu e reforou, a pontode imp-lo obedincia no apenas das autoridades administrativas,mas tambm de juzes e legisladores, esse princpio acabou se tornando

    4 MEDEIROS, Rui.A deciso de inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Catlica, 1999, p. 290.

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    consubstancial prpria idia de Estado de Direito pela sua ntima ligaocom os direitos fundamentais, que lhe do suporte e, ao mesmo tempo, dele

    dependem para se realizar.Essa interdependncia se manifesta especialmente nas colises entre

    bens ou valores igualmente protegidos pela Constituio, conflitos que s seresolvem de modo justo ou equilibrado, fazendo-se apelo ao subprincpio daproporcionalidade em sentido estrito, o qual indissocivel da ponderao debens e, ao lado da adequaoe danecessidade, compe aproporcionalidadeem sentido amplo.

    Assim resumidos, pode-se dizer, a ttulo de concluso pontual, queesses princpios revelam pouco ou quase nada do alcance, praticamenteilimitado, de que se revestem para a enfrentar os desafios que, a todo

    instante, so lanados aos aplicadores da Constituio por uma realidadesocial em permanente transformao. Da a necessidade, de resto comum a

    todos os instrumentos hermenuticos, de que todos eles sejam manejados luz de casos concretos, naquele interminvelbalanar de olhos entre objetoe mtodo, realidade e norma, para recproco esclarecimento, aproximaoe explicitao.

    5 OS LIMITES DA INTERPRETAO CONSTITUCIONAL E ASCHAMADAS MUTAES DA CONSTITUIO

    Embora este assunto esteja implcito em tudo quanto se afirmouanteriormente, sobretudo no tpico de abertura desta exposio, impe-se trat-lo com relativa autonomia, quando mais no seja para salientarque a questo dos limites da interpretaono um problema prprioda hermenutica jurdica, nem muito menos da chamada interpretaoespecificamente constitucional, antes se coloca em todos os domnios dacomunicao humana.

    No mbito da hermenutica jurdica, em geral, e da interpretaoconstitucional, em particular, a idia de se estabelecerem parmetrosobjetivos para a atividade hermenutica deriva imediatamente do princpio

    dasegurana jurdica, que estaria comprometida se os aplicadores do direito,em razo da abertura e da riqueza semntica dos enunciados normativos e apretexto de adapt-los s sempre cambiantes exigncias sociais, pudessemsubmet-los anovas leituras revelia dos cnones interpretativos e do comumsentimento de justia.

    Nesse sentido, de todo oportuna a observao de JUAN FERNANDOLPEZ AGUILAR, a nos dizer que o direito constitucional j no apenaso que prescreve o texto da Lei Maior, mas tambm a bagagem de padreshermenuticosincorporada na jurisprudncia constitucional.5

    5 Lo constitucional en el derecho: sobre la idea e ideas de constitucin y orden jurdico. Madrid: Centrode Estudios Polticos y Constitucionales, 1998, p. 60.

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    Nos domnios da semntica geral, embora admitindo que, em princpio,todo texto possibilita mltiplas interpretaes, UMBERTO ECO defende

    a existncia de critrios para verificar a sensatez das interpretaes e,assim, descartar a idia de que todas sejam igualmente vlidas, pois a seuver algumas se mostram indubitavelmente erradas ou clamorosamenteinaceitveis e assim devem ser consideradas.6

    Em sede de hermenutica constitucional, merecem registro as reflexesde KONRAD HESSE, sobretudo porque, sem ladear os problemas semnti-cos e o papel da realidade nas mutaes constitucionais, ele reafirma aimportncia do texto como algo firme e vinculativo, apesar da diversidadee da influncia de mltiplos complicadores no processo de concretizaoconstitucional.7

    Sobre o que seja realmente o texto constitucional, no entanto, ele semantm cauteloso, talvez porque reconhea, como tantos outros, que nose obtm um contedo vinculatrio de um texto normativomarco; que no possvel subordinar a interpretao a algo que ela mesma ir produzir,ou, ainda, que, sendo indeterminadas as normas objeto de exegese, o seusignificado s revelar-se- ao termo do processo interpretativo, para a qual,por isso mesmo, essas normas no podem servir de ponto de partida.

    Dignos de registro, nesse panorama crtico, so esforos como osde PETER HBERLE em prol de uma viso democrtica da interpretao

    constitucional, uma tomada de posio que se torna tanto mais prementequanto sabemos que aleituradas cartas polticas, durante muito tempo, este-ve vinculada a um modelo de interpretao de uma sociedade politicamentefechada, concentrando-se primariamente na interpretao dos juzes e emprocedimentos formalizados, em vez de se fazer em voz altae luz do dia,no mbito de um processo verdadeiramente pblico e republicano, do qualparticipem os diferentes atores sociais agentes polticos ou apenas cidados porque, ao fim e ao cabo, de conformidade com os preceitos constitucionaisque todos exercem os seus direitos e cumprem as suas obrigaes.

    Em concluso, descontados os naturais excessos desta e de outraspropostas hermenuticas igualmente ousadas, graas criatividade dosseus operadores que os textos das constituies vo sobrevivendo aodo tempo e permitindo que se reduzam ao mnimo as sempre desgastantesalteraes constitucionais. Afinal de contas, pelo menos em princpio, ascartas polticas devem ser feitas para durar.

    6 Os limites da interpretao. So Paulo: Perspectiva, 1995, p. XXII (Introduo), 11, 16 e 286.

    7 El texto constitucional como lmite de la interpretacin. In:PINA, Antonio Lpez (org.).Divisin de poderese interpretacin. Madrid: Tecnos, 1987, p. 184/185; Lmites da la mutacin constitucional. In: Escritosde derecho constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983, p. 85/112;Elementos dedireito constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Trad. Lus Afonso Heck. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris, 1998, p. 69-70;Escritos de derecho constitucional, p. 51-53.

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