Hidropsia Fetal

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Hidropsia Fetal 1. Introduo Hidropsia fetal o termo utilizado para descrever um edema generalizado do feto. Entidade mrbida h muito conhecida, pensou-se ter sua etiologia desvendada em 1940, quando Landsteiner e Weiner descobriram o sistema Rh, caracterizando ento uma origem imunolgica para o processo. Mas, j em 1943, Potter relatou a existncia de hidropsias fetais no-imunolgicas, que na poca representavam aproximadamente 20% dos casos de hidropsia. Na dcada de 60, com o surgimento da imunoglobulina Rh e o conhecimento da etiologia da isoimunizao, avanos na preveno da Doena Hemoltica Perinatal foram vistos, levando a um estgio atual em que a grande parte das causas de hidropsia so no-imunes (80 a 90% em alguns centros), o que forou um melhor entendimento da etiologia e fisiopatologia da hidropsia fetal no-imune (HFNI). Uma ressalva deve ser feita quanto existncia de casos de Doena Hemoltica Perinatal no-Rh envolvendo o Sistema ABO e outros antgenos, como o D, E, Kell, Kp, c, cE, CC, entre outros; que so entidades clnicas pouco comuns, com expresso clnica varivel, devendo ser consideradas em pacientes Rh + com presena de anticorpos irregulares e acometimento fetal ou neonatal.

2. Incidncia e mortalidade A HFNI, por ser uma doena heterognea com grande variedade de causas e associaes, apresenta uma incidncia que varia entre autores e populaes em estudo. De maneira geral, estimada em um caso a cada 2500 recm-natos, no se incluindo a os natimortos e abortamentos. Apesar dos avanos diagnsticos, o prognstico ainda muito sombrio, com aproximadamente 80% de mortalidade perinatal.

3. Definio e diagnstico O diagnstico de hidropsia basicamente ultra-sonogrfico, exame esse solicitado por rotina (60%) ou em funo de suspeita de polidramnia. A definio de hidropsia mais aceita EDEMA SUBCUTNEO associado com dois dos seguintes achados: ASCITE, DERRAME PLEURAL, DERRAME PERICRDICO. Embora tenha havido tentativas de se criar um mtodo objetivo para avaliar a gravidade da hidropsia, essa avaliao ainda melhor realizada subjetivamente, visto a dificuldade de padronizao e falta de correlao entre esses mtodos objetivos e o prognstico fetal. Analizando os fatores ultra-sonogrficos da hidropsia, podemos tecer alguns comentrios:

Edema subcutneo: comumente generalizado, mais facilmente observado na parede torcica e couro cabeludo, caracterizado por espessura do tecido subcutneo maior de 5 mm. Ascite: observa-se como halo sonolucente de tamanho variado em todo abdmen fetal, delineando rgos e alas intestinais. Derrame pleural: uni- ou bilateral, varia em tamanho podendo causar compresso pulmonar e hipoplasia. Derrame pericrdico: menor em tamnho, de mais difcil diagnstico, pode ser o primeiro sinal de descompensao cardaca. Edema placentrio: o espessamento placentrio tambm considerado um sinal de hidropsia; considera-se como espessura placentria normal o limite mximo de 5mm; com polidramnia, pode estar comprimida e apresentar-se fina. Lquido amnitico: a polidramnia geralmente presente (40 a 75% dos casos); podese encontrar oligodramnia, muitos autores considerando-a como sinal de mau prognstico.

4. Etilogia A maior evoluo nas ltimas dcadas com relao a HFNI a melhor preciso diagnstica, aumentando a porcentagem de casos com etiologia conhecida. Enquanto nos primeiros relatos at 70% dos casos eram ditos "idiopticos", hoje no se sabe a etiologia em 15% dos casos, dependendo da capacidade diagnstica de cada centro. Esse avano pode ser atribudo, primeiramente, ao avano ultra-sonogrfico ocorrido, tornando esse meio diagnstico cada vez mais sensvel e preciso. Por exemplo, as anomalias estruturais cardacas tm hoje uma sensibilidade de deteco de 65 a 70% na ultra-sonografia convencional. Por outro lado, o avano no diagnstico sorolgico das infeces e o conhecimento crescente das anomalias cromossmicas e seu diagnstico tambm corroboraram nesse avano. De qualquer forma, a HFNI , por vezes, frustrante, na medida em que as possibilidades etiolgicas so inmeras. A tabela 1 procura expor, de maneira arbitrria, muitas dessas etiologias. bvio que muitas dessas condies so sobrepostas, como no caso de anomalias cardacas e anomalias cromossmicas. Cabe lembrar que vrias sndromes relacionadas so extremamente raras, enquanto outras mais comuns; o conhecimento dessa prevalncia deve sempre direcionar a investigao diagnstica, permitindo assim uma economia de tempo e gastos. Anomalias cardacas Esto dentre as causas mais comuns de hidropsia, atingindo na raa caucasiana aproximadamente 50% quando includas as anomalias estruturais e as arritmias

cardacas. Outras causas relacionadas ao sistema cardiovascular seriam miocardites, insuficincia cardaca por alto dbito (teratoma sacrococcgeo, neuroblastomas adrenais), tumores (rabdomiomas) e fechamento precoce de ducto arterioso. Anomalias cromossmicas Respondem pela segunda maior causa de HFNI (20%), sendo as mais comuns Sndrome de Turner (45 X0), Trissomias (21, 18, 13) e Triploidias. Leses torcicas Geralmente levam ao desenvolvimento de hidropsia fetal, por obstruir o retorno venoso e alterar a hemodinmica cardaca. Podemos a citar malformaes adenomatides csticas pulmonares, hamartomas pulmonares, cistos broncognicos, hrnias diafragmticas, quilotrax congnito, linfangiectasia pulmonar. A conseqncia mais grave dessas leses a hipoplasia pulmonar, por isso muitos autores esto propondo terapia in utero na tentativa de evit-la. Gestao gemelar Nesses casos, o diagnstico merece consideraes especiais e a definio da etiologia fundamental. Em fetos dizigticos a causa provavelmente no se relaciona gemelidade, mas quando monozigticos, alm de todas as causas para gestaes nicas, grande a possibilidade de sndrome de transfuso gemelo-gemelar, onde o feto hidrpico pode ser tanto o receptor (insuficincia cardaca por sobrecarga de volume) ou o doador (anemia crnica), sendo o prognstico bastante ruim. Anemia uma causa bastante conhecida de hidropsia, sendo o modelo da isoimunizao bastante usado para elucidar a fisiopatologia. Outras causas de anemia seriam alfatalassemia, deficincias enzimticas, hemorragia fetomaterna, leucemias congnitas, parvovirose B19. Infeces Representam 10 a 15% das causas, podendo-se citar sfilis, CMV, rubola, herpes, doena de Chagas, toxoplasmose (hipertenso porta levando hipoalbuminemia e hidropsia), alm de parvovirose B19 (anemia e/ou miocardite). Entre as causas menos comuns citamos inmeras doenas metablicas, malformaes congnitas, sndromes genticas, diabetes materno (controverso), entre outros.

5. Fisiopatologia Os processos fisiopatolgicos envolividos na gnese da hidropsia, principalmente a noimune, no so completamente entendidos, em parte por haver condies etiolgicas to diversas e, assim, diferentes mecanismos envolvidos. De maneira geral, podemos conceituar o aprecimento de hidropsia quando a quantidade de fluido intersticial produzido por ultrafiltrao capilar excede a velocidade de retorno circulao pelo sistema linftico. Esse equilbrio geralmente rompido como conseqncia de mecanismos homeostticos, atuando na tentativa de preservar um

aporte adequado de substratos metablicos aos tecidos na vigncia de uma disfuno cardiocirculatria. A anlise anatmica e funcional dos fetos mostra serem eles propensos hidropsia: Permeabilidade capilar aumentada: os capilares fetais so mais permeveis s protenas plasmticas resultando em um baixo coeficiente de reflexo, tornando assim o movimento dos fluidos menos sensvel a variaes da presso onctica. Alm disso, o coeficiente de filtrao capilar no feto cinco vezes maior do que nos adultos, levando a um fluxo de gua aumentado para uma dada fora direcional. Compartimento intersticial mais complacente: o espao intersticial fetal capaz de receber uma maior quantidade de fluidos com um menor aumento na presso hidrosttica intersticial, o que permite que a gua saia com maior facilidade dos capilares em direo ao terceiro espao. Presso venosa com maior influncia na drenagem linftica: fetos normalmente tm uma drenagem linftica limitada, por terem uma presso venosa de sada que muito influencia nessa drenagem; assim, pequenos acrscimos na presso venosa central causam a interrupo na drenagem linftica. Concluindo, dada uma quantidade de fluidos administrada ou retida pelo feto, pouco ser mantido no intravascular e muito no interstcio, em funo de todos os seus mecanismos fisiolgicos levarem a essa dinmica. Embora essas caractersticas fetais facilitem a instalao de hidropsia, uma disfuno circulatria com aumento na presso venosa pode ser o mecanismo mais comum ce HFNI. A elevao na presso venosa uma manifestao final dos mecanismos homeostticos que preservam a perfuso dos rgos no que se refere oxignio e outros nutrientes vitais. A tabela 2 relaciona essas situaes, citando exemplos. Instalado o processo, inmeros mecanismos compensatrios so instalados, locais ou sistmicos, embora de eficcia duvidosa; so eles: Aumento da extrao local de oxignio, com o recrutamento de capilares previamente fechados. Redistribuio de fluxo atravs de mecanismos locais e sistmicos atuando nos vasos de conduo. Aumento do dbito cardaco pelo aumento do volume sangneo e da performance cardaca. Inicialmente benfico, o resultado desses mecanismos o aumento da presso venosa, acmulo de fluidos intersticiais e funo orgnica prejudicada (como fgado que passa a produzir menos albumina, o que diminui a presso onctica e agrava a hidropsia). Nos casos de anemia, o fgado tambm desvia seu metabolismo para a produo de hemcias, tornando ainda mais severa a hipoalbuminemia.

6. Diagnstico Inicialmente uma ultra-sonografia detalhada, para no s confirmar a hidropsia como tambm para afastar quaisquer anomalias estruturais. Durante essa ultra-sonografia, ateno especial ao corao pode levar a um diagnstico de malformao cardaca. Caso necessrio, e geralmente o , a ecocardiografia fetal deve ser realizada. Em seguida, deve-se excluir a possibilidade de causa imunolgica atravs da tipagem sangnea e dosagem de anticorpos irregulares. Devemos ter em mente que uma gestante aloimunizada tambm pode desenvolver HFNI. Ainda com relao ao sangue materno, realizamos sorologias para afastar causas infecciosas,um hemograma com eletroforese de hemoglobinas para excluir hemoglobinopatias, teste de Kleihauer para afastar hemorragia feto-materna macia, dosagens bioqumicas pensando em deficincias enzimticas da hemcia fetal, pesquisa de diabetes. Com relao aos testes invasivos, temos a amniocentese permitindo o diagnstico do caritipo fetal, alm de possibilitar dosagens bioqumicas e sorologias, principalmente agora com o uso alargado do PCR (reao em cadeia da polimerase). A cordocentese possibilita o rpido diagnstico de anomalias cromossmicas, alm de maior facilidade com relao a doenas metablicas, hematolgicas e infecciosas. Assim, uma anamnese detalhada asssociada ao conhecimento das principais causas de HFNI vai facilitar o diagnstico, tendo sempre em mente que o caritipo parte importante dessa propedutica. No futuro, espera-se que o isolamento de clulas fetais na circulao materna seja um mtodo capaz de diagnosticar inmeras alteraes genticas utilizando sondas especiais. J existem hoje estudos adiantados utilizando o PCR e a hibridizao fluorescente in situ, com sondas para Trissomias do 13, 18, 21 ligando-se a determinadas clulas fetais (eritrcitos nucleados, leuccitos, trofoblastos).

7. Tratamento O sucesso do tratamento vai depender fundamentalmente da etiologia e, em menor proporo, da poca do diagnstico, pois algumas podem ser tratadas in utero com melhora ou cura, podendo o feto atingir a maturidade para o parto. Entretanto, a maior parte das alteraes no permite tratamento, e em determinados pases a interrupo da gestao amplamente discutida com o casal. Exames para avaliar a vitalidade fetal devem ser realizados de forma sistemtica, juntamente com o uso de corticoterapia para acelerar a maturidade pulmonar. A conduta obsttrica basear-se- no estado fetal no momento do parto, seu prognstico neonatal e a condio materna; a via de parto de indicao obsttrica, com punes esvaziadoras para reduzir os dimetros fetais devendo ser consideradas. Deve haver cuidado especial no quarto perodo do parto pela alta incidncia de complicaes, como reteno placentria, atonia e hemorragia ps-parto.

Resumidamente, as arritmias cardacas podem ser cardiovertidas transplacentariamente ou intra-tero, as anemias fetais devem ser corrigidas por transfuso intra-tero, hipoproteinemias fetais tm indicao de transfuso fetal de albumina e as infeces tratadas especificamente. Pela grandeza do assunto, tratamentos especficos devem ser considerados em sesses especficas para cada etiologia.

8. Sumrio Embora tenha havido muitos avanos no conhecimento sobre as causas de hidropsia fetal no-imune, esta continua sendo um difcil problema clnico, com muito a se conhecer sobre a sua fisiopatologia e preveno. Devemos sempre ter grande empenho na busca da etiologia; mas esses resultados podem no estar disponveis quando as decises necessitam ser tomadas. De qualquer forma, mesmo com o aumento das possibilidades teraputicas, mantm-se alta a morbidade materno-fetal e a mortalidade perinatal. Tabela 1: Causas de Hidropsia fetal no-imune1. Cardiovascular Malformaes - Hipolplasia ventricular esquerda - Hipolplasia ventricular direita - Fechamento de foramen ovale - Ventrculo nico - Transposio de grandes vasos - Defeitos de septos atrial e ventricular - Tetralogia de Fallot - Fechamento prematuro de ductus arteriosus - Anomalia de Ebstein Taquiarritmias Bradiarrimias Outras arritmias Insuficincia cardaca de alto dbito - Neurobastoma - Teratoma sacrococcgeo - Angiomas fetais - Corioangiomas - Hemangiomas de cordo umbilical Rabdomioma cardaco Cardiomiopatias

2. Cromossomiais S d. de Turner ( 45,X ) Trissomias (13, 18, 21) 45X/46XX Triploidias Outras 3. Condrodisplasias Osteogenesis imperfecta Tanatofrica Acondrogneses Outras 4. Gemelidade S d. de transfuso gemelo-gemelar Gmeo acardaco 5. Sndromes genticas S d de Noonam, Sd. de Saldino-Noonam Sd. de Pena-Shokeir Distrofia miotnica 6. Hematolgicas Alfa-talassemia Transfuso feto-materna Parvovirose B19 Hemorragia intra-tero Deficincia de G6PD Deficincias enzimticas 7. Torcicas Malformaes adenomatides Hrnia diafragmtica Massa intratorcica Quilotrax Neoplasias pulmonares Cistos broncognicos 8. Infeces CMV Toxoplasmose Parvovirose B19 Sfilis Herpes Rubola 9. Metablicas Doena de Gaucher

Gangliosidose Sialidose 10. Urinria Atresia ou estenose de uretra posterior Vlvula de uretra posterior Sd. de Prune belly Nefroses congnitas 11. Gastrointestinais V olvo Malrotao de intestinos Peritonite meconial Colestase Atresia biliar Malformaes vasculares hepticas

Tabela 2: Causa para baixo aporte de substratos a rgos-alvo Distrbio Dbito cardaco diminudo Exemplos Complacncia ventricular diminuda, taquiarritmias, derrame pericrdico, etc. Miocardite, policitemia, asfixia, disfuno valvular, ductus arteriosus fechado Bloqueio cardaco congnito Anemia, hipoxemia

Mecanismo Enchimento cardaco inadequado

Ejeo cardaca inadequada

Demanda de fluxo Aumentada

Ritmo cardaco inadequado Contedo de oxignio diminudo Maldistribuio de fluxo Requerimento metablico aumentado

Malformao arteriovenosa Tireotoxicose

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