História Contemporânea

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História Contemporânea Faculdade de Educação Teológica www.facete.com.br

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As Revoluções

Burguesas

estudo das Revoluções Burguesas nos remete, inicialmente, à discussão acerca da natureza e do caráter das mesmas. Na realidade, não se trata de revoluções conscientemente planejadas, dirigidas e executadas pela burguesia. Na maioria das

vezes, a burguesia demonstrou um caráter reformista e não-revolucionário, tendendo, in-clusive, à conciliação com setores da própria classe dominante.

Se analisarmos as duas revoluções burguesas consideradas como modelos clássicos, e que serão objeto de discussão no presente capítulo — a Revolução Inglesa de 1640 e a Revolução Francesa de 1789 — o que chama a atenção é o fato de que não foi a burguesia a classe que conduziu o movimento à vitória final. Esta observação não invalida o caráter revolucionário da burguesia nesses movimentos. Em ambos, nos momentos em que a contra-revolução é mais ativa, não foi a burguesia que garantiu a continuidade dos processos revolucionários. Foram as massas camponesas e urbanas, sobretudo através de seus setores mais radicais (os levellers e diggers, na Inglaterra e os sans-culottes na França), que liquidaram com as possibilidades de retorno à antiga ordem e até mesmo ultrapassaram os limites propostos pela burguesia.

As revoluções burguesas assistiram, pois, à gestação de revoluções populares que prenunciaram a ação revolucionária posterior do proletariado. Assim, se elas não são exclusivamente burguesas, elas são, na realidade, essencialmente burguesas.

Ao liquidar com a antiga ordem feudal-absolutista, elas destravaram o avanço das forças produtivas capitalistas. Como observou Christopher Hill: "o que eu penso entender por uma revolução burguesa não é uma revolução na qual a burguesia faz a luta — eles nunca fizeram isso em nenhuma revolução - mas uma revolução cuja ocorrência limpa o terreno para o capitalismo".

É importante considerar, finalmente, a distinção feita pelos historiadores do caráter "passivo" ou "ativo" das revoluções burguesas. A discussão sobre esse tema, desenvolvida sobretudo pela historiografia marxista, parte do princípio de que as chamadas "revoluções ativas" seriam as verdadeiramente revolucionárias e democráticas, realizadas "de baixo para cima" e com efetiva participação das massas populares. Já as "revoluções passivas" seriam aquelas realizadas "pelo alto" ou "de cima para baixo", em que a burguesia atinge o poder através de arranjos e acordos com setores da nobreza. Enquanto lê os textos e documentos

(*) Esta coletânea foi organizada por Adhemar Martins Marques, professor de história moderna e contemporânea da Faculdade de Filosofia Belo Horizonte; Flávio Costa Berutti, professor de história moderna, da PUC-MG; e Ricardo de Moura Faria, professor titular de história moderna e contemporânea da Faculdade de Filosofia Belo Horizonte.

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selecionados, procure re-fletir sobre as seguintes questões: 1. Qual a distinção que Hannah Arendt faz entre revolta e revolução? 2. A partir do conceito de Revolução burguesa, procure identificar nos textos, 2, 3, 8 e 10,

elementos que possam comprovar o caráter burguês das revoluções inglesa e francesa. 3. Qual a distinção que Rude estabelece entre as idéias dos levellers e diggers? 4. Em que medida as idéias de Winstanley assustavam tanto a classe proprietária? 5. É possível estabelecer uma relação entre os princípios básicos defendidos por Sieyès e

a análise de Norman Hampson? (textos 6 e 7). 6. Quais os pontos básicos de cada uma das abordagens apresentadas por Alice Gérard? 7. Segundo Lefèbvre, quais foram os efeitos, a nível das mentalida-des, da crise

econômica, política e social? 1. O SIGNIFICADO DA REVOLUÇÃO Hannah Arendt

O texto a seguir foi extraído de urna importante obra da filósofa e escritora alemã Hannah

Arendt, publicada originalmente em 1968: Da Revolução. O trecho escolhido analisa o momento em que a palavra Revolução passa a ter uma conotação diferente da que até então lhe era atribuída. A autora, estudiosa do totalitarismo, tendo investigado os conceitos de liberdade, percebeu que o conceito de revolução modificou-se em julho de 1789. Nesse momento, a palavra revolução foi usada pela primeira vez com uma ênfase exclusiva na irresistibilidade. Tal movimento passava a ser visto como algo que estava além do poder humano: não seria mais possível contê-lo ou detê-lo. O leitor deve estar atento para a analogia que a autora faz com o movimento giratório das estrelas.

Enquanto os elementos de novidade, começo e violência, todos intimamente

associados ao nosso conceito de revolução, estão claramente ausentes do significado original da palavra, bem como do seu primeiro emprego metafórico na linguagem política, existe uma outra conotação do termo astronômico que já mencionei brevemente, e que ainda permanece muito forte em nosso próprio uso da palavra. Refiro-me à noção de irresistibilidade, o fato de que o movimento giratório das estrelas segue uma trajetória predeterminada, e é inde-pendente de qualquer influência do poder humano. Sabemos, ou acreditamos saber, a data exata em que a palavra revolução foi usada pela primeira vez com uma ênfase exclusiva na irresistibilidade, e sem qualquer conotação de um movimento giratório recorrente; e tão importante se apresenta essa ênfase ao nosso entendimento de revolução, que se tornou uma prática comum datar o novo significado político do antigo termo astronômico a partir do momento desse novo uso.

A data foi a noite do 14 de julho de 1789, em Paris, quando Luís XVI recebeu do duque de La Rochefoucauld-Liancourt a notícia da queda da Bastilha, da libertação de uns poucos prisioneiros e da defecção das tropas reais frente a um ataque popular. O famoso diálogo que se travou entre o rei e seu mensageiro é muito lacônico e revelador. O rei, segundo consta, exclamou: C'est une révolte; e Liancourt corrigiu-o: Non, Sire, c'est une révolution. Aqui ouvimos ainda a palavra — e politicamente pela última vez — no sentido da antiga metáfora que transfere, do céu para a terra, o seu significado; mas aqui, talvez pela primeira vez, a ênfase deslocou-se inteiramente do determinismo de um movimento giratório cíclico para a sua irresistibilidade. O movimento ainda é visto através da imagem dos movimentos das estrelas, mas o que é enfatizado agora é que está além do poder humano detê-lo, e, como tal, é uma lei em si mesma. O rei, ao declarar que a investida contra a Bastilha era uma revolta, reafirmou o seu poder e os vários meios à sua disposição para fazer face à conspiração e ao desafio à autoridade; Liancourt replicou que o que tinha acontecido era irrevogável e além do poder de um rei. O que Liancourt viu — e o que devemos ver e entender, ouvindo esse estranho diálogo — que julgou ser, e sabemos que com razão, irresistível e irrevogável?

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A resposta, para começar, parece simples. Por trás dessas palavras, podemos ainda ver e ouvir a multidão em marcha, o seu avanço avassalador pelas ruas de Paris, que ainda era, nessa época, não apenas a capital da França, mas de todo o mundo civilizado — a sublevação da população das grandes cidades, inextrincavelmente mesclada ao levante do povo pela liberdade, ambos irresistíveis pela pura força do seu número. E essa multidão, aparecendo pela primeira vez em plena luz do dia, era na verdade a multidão dos pobres e dos oprimidos, que em todos os séculos passados tinham estado ocultos na obscuridade e na degradação. O que a partir de então tornou-se irrevogável, e que os protagonistas e espectadores da revolu-ção imediatamente reconheceram como tal, foi que o domínio público — reservado, até onde a memória podia alcançar, àqueles que eram livres, ou seja, livres de todas as preocupações relacionadas com as necessidades da vida, com as necessidades físicas — fora forçado a abrir seu espaço e sua luz a essa imensa maioria dos que não eram livres, por estarem presos às necessidades do dia-a-dia.

Arendt, Hannah. Da Revolução. São Paulo: Ática; Brasília: Editora da Universidade de Brasília,

1988, pp. 38-9. 2. O CARÁTER DA REVOLUÇÃO INGLESA Christopher Hill e Nicolau Sevcenko

Em 1988 o historiador inglês Christopher Hill esteve no Brasil para o lançamento de seu livro O

Eleito de Deus, onde analisa a vida de Oliver Cromwell. Na ocasião, concedeu uma entrevista ao historiador brasileiro Nicolau Sevcenko, publicada no jornal Folha de S. Paulo, tecendo considerações sobre a Revolução Inglesa, tema constante em sua produção historiográfica. O trecho reproduzido nos permite compreender porque Hill considera a Revolução Inglesa um evento capital da história de todo o mundo moderno. Ao relacionar os efeitos da Revolução, o autor nos chama a atenção para o caráter burguês da mesma.

Folha: Nenhum outro historiador poderia explicar tão clara ou amplamente quanto o senhor, por

que a Revolução Inglesa é um evento capital não só da história inglesa mas de todo o mundo moderno até os nossos dias. O senhor poderia nos resumir essa sua conclusão?

Hill: Se você observar a Inglaterra no século XVI, verá que é uma potência de segunda

classe, levando um embaixador inglês em 1640 a dizer que seu país não gozava de qualquer consideração no mundo. O que era verdade. Mas já no começo do século XVIII a Inglaterra é a maior potência mundial. Logo, alguma coisa aconteceu no meio disso. E eu creio que o que houve no meio foi a Guerra Civil e a Revolução, que tiveram efeitos fundamentais. Primeiro de tudo, acabou de vez com a possibilidade da monarquia absolutista existir na Inglaterra. Segundo, na luta entre o Parlamento e a Coroa, o que ficou claro é que os pagadores de impostos não iriam mais admitir de forma alguma que o governo cobrasse taxas, que não fossem previamente autorizadas pelos seus representantes. Em nome dessa resistência à tirania e ao despotismo foram até a Guerra Civil e a Revolução. Com a sua vitória, enormes recursos ficaram disponíveis para que as forças parlamentares montassem uma poderosa marinha, que iria ser fundamental na promoção dos interesses ingleses por todas as partes do mundo, onde recursos pudessem ser drenados. Isso tornou possível a eliminação dos piratas e a abertura do Mediterrâneo aos mercadores ingleses, a colonização efetiva das terras do Atlântico e do Pacífico, inaugurando o imperialismo econômico inglês. Obteve inclusive o virtual monopólio do comércio de escravos, de onde, lamento dizer, retirou-se uma enorme fortuna.

Houve ainda uma revolução agrícola com a abolição dos direitos feudais remanescentes sobre a posse das terras, transformando a terra numa mera mercadoria

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livremente comercializável. O resultado foi que, se a Inglaterra no século XVII era importadora de cereais e padecia de fome e escassez, no fim desse século já era exportadora e não havia mais fome. Tudo isso, como é óbvio, convergiu para a irrupção da Revolução Industrial no final do século seguinte. Fato que foi corroborado, não se deve esquecer, pelo clima geral de liberdade de pensamento e de estímulo oficial às atividades de livros de investigação e pesquisa, que redundaram na revolução científica, pondo a Inglaterra à frente também nesse campo.

Folha de S. Paulo, 10/8/1988, p. E-14.

3. A REVOLUÇÃO INGLESA Lawrence Stone

Qual o significado da Revolução Inglesa? Tratou-se efetivamente de uma Revolução? Essas

questões nortearam o estudo do historiador inglês L. Stone, um dos integrantes do grupo de histo-riadores ingleses de orientação marxista que se propôs a discutir, questionar e repensar o marxismo a partir da década de 50. O estudo em questão, publicado na coletânea Revoluciones y rebeliones de la Europa Moderna, analisa as causas remotas, próximas e os elementos que contribuíram para desencadear o processo revolucionário inglês do século XVII, No trecho selecionado, conclusão do estudo, o autor comenta as especificidades e o significado da Revolução Inglesa.

O que caracteriza a Revolução Inglesa é o conteúdo intelectual dos diversos programas e atuações da oposição depois de 1640. Pela primeira vez na história, um rei ungido foi julgado por faltar à palavra dada a seus súditos e decapitado em público, sendo seu cargo abolido. Aboliu-se a Igreja estabelecida, suas propriedades foram confiscadas e se proclamou — e inclusive se exigiu - uma tolerância religiosa bastante ampla para todas as formas do protestantismo. Por um breve espaço de tempo, e provavelmente pela primeira vez, apareceu no cenário da história um grupo de homens que falavam de liberdade, não de liberdades: de igualdade, não de privilégios; de fraternidade, não de submissão. Estas idéias haveriam de viver e reviver em outras sociedades e em outras épocas. Em 1647, o puritano John Davenport predisse com misteriosa exatidão que "a luz que acabava de ser descoberta na Inglaterra... jamais se extinguirá por completo, apesar de eu suspeitar que durante algum tempo prevalecerão idéias contrárias".

Ainda que a revolução fracassasse aparentemente, sobreviveram idéias de tolerância religiosa, limitações do poder executivo central a respeito da liberdade pessoal das classes proprietárias e uma política baseada no consentimento de um setor muito amplo da sociedade. Essas idéias reaparecerão nos escritos de John Locke e se consolidarão no sistema político dos reinados de Guilherme III e Ana, com organizações partidárias bem desenvolvidas, com a transferência de amplos poderes ao Parlamento, com um Bill of Rights e um Toleration Act, e com a existência de um eleitorado assombrosamente numeroso, ativo e

articulado. E precisamente por estas razões que a crise inglesa do século XVII pode aspirar a ser a primeira "Grande Revolução" na história mundial, e portanto, um acontecimento de importância fundamental na evolução da civilização ocidental.

Stone, Lawrence. La Revolución Inglesa. In: Forster, Robert e Gre-ene, Jack P. Revoluciones y Rebeliones de LM Europa Moderna. Madri, Alianza, 1981, pp. 120-1. (Tradução dos

organizadores). 4. LEVELLERS E DIGGERS:

O RADICALISMO NA REVOLUÇÃO INGLESA George Rude

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O estudo da ideologia dos protestos populares na Revolução Inglesa do século XVII é o tema

central do texto a seguir, de autoria do historiador inglês George Rudé. Na sua obra Ideologia c Protesto Popular o autor desenvolve a formulação original dessa teoria, ande procura explicar como as atitudes revolucionárias são determinadas. No caso específico da Revolução Inglesa, além de uma ideologia dominante que representava as aspirações da burguesia e da "gentry" (fração da nobreza; proprietários agrícolas cuja produção se destinava ao mercado e era realizada em bases empresariais), constituiu-se, também, uma ideologia popular da revolução. Seus porta-vozes foram os levellers, diggers e os representantes das seitas religiosas radicais (seekers, ranters e quakers). O trecho selecionado prioriza as idéias dos primeiros.

A maior parte dos fazendeiros e artesãos, porém — os de "nível médio" -, continuaram

a lutar e muitos chegaram a servir no New Model Army, lado a lado com os "capitães de casaco de burel", de Cromwell, ao fim de 1644. Também os "religiosos" continuaram sendo partidários decididos do Parlamento, e safam principalmente das camadas "médias" da população. E foi dessas camadas médias, e não dos trabalhadores como um todo, que uma nova ideologia popular da revolução, uma combinação de elementos velhos e novos, começou então a surgir. Tinha duas linhas principais, uma secular e outra "religiosa", embora as duas, pelos motivos já explicados, se confundissem inevitavelmente. A linha mais secular associa-se com os levellers e os diggers os quais, embora seus programas diferissem muito, ofereciam soluções políticas e sociais para males terrenos. Tais grupos surgiram dos acalorados debates, realizados em Putney em 1647, entre oficiais do exército (favoráveis aos grandes comerciantes e donos de propriedades rurais) e os "agitadores", que representavam as fileiras da tropa. Alguns levellers pediam, a princípio, a igualdade da propriedade, merecendo assim o rótulo de leveller (ni-velador) a eles aplicado pelos seus críticos. Mas, com a continuação do debate, o grupo principal de levellers (inclusive John Lilburne, seu principal porta-voz) rejeitou as idéias coletivistas, embora continuasse, em suas petições e manifestos, a condenar o monopólio, a pedir a abolição do dízimo (com compensação para os proprietários, porém) e da prisão por dívidas, e a reivindicar a reforma jurídica e o fim do cercamento das terras comuns e não usadas. Tiveram, portanto, uma política social de âmbito considerável, calculada para granjear o apoio dos pequenos proprietários, embora ficasse muito aquém da aspiração mais radical dos pobres sem propriedades — os criados, os miseráveis, os trabalhadores e os que não eram economicamente livres.

Na verdade, o principal grupo dos Levellers (os levellers "constitucionais") deixou esses grupos sociais (os pobres sem propriedades) de fora não apenas de seu programa social como de seu próprio programa constitucional. Muita tinta já foi gasta sobre o problema de até onde foram os levellers no caminho da democracia. Nos debates de Putney, havia quem, como o coronel radical Rainbo-rough, fosse a favor da ampliação do sufrágio para incluir todos os adultos do sexo masculino (inclusive o "menor homem que existir na Inglaterra"). Mas a decisão final de Lilburne e seus companheiros, embora a formulação variasse por vezes, era em favor de algo parecido com o voto familiar, mas excluindo não apenas os criados e mendigos, como também todos os homens que trabalhassem em troca de salários. Esses grupos, portanto, na medida em que recusassem aceitar sua sorte, tinham de procurar defensores em outros círculos. Estes surgiram, em suma, no movimento dos diggers, ou true levellers (verdadeiros niveladores), que pregavam a ocupação, pela força, das terras desocupadas e das terras comuns, pelos pobres sem propriedades, o que se fez pela primeira vez em St. George's Hill, perto de Cobham, em Surrey, no mês de abril de 1649. Surgiram uma dezena de outras colônias de diggers, principalmente no sul e no centro da Inglaterra, nos dois anos seguintes. Seu principal representante foi Gerrard Wínstanley, que não só formulou soluções para males agrários como também imaginou uma comunidade cooperativa do futuro, na qual toda a propriedade seria comum. A obra de Winstanley sobreviveu, para

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enriquecer futuras especulações sobre a sociedade perfeita. Mas o movimento dos diggers teve vida efêmera e uma das razões disso foi ter despertado pouca simpatia entre os arrendatários livres e pequenos proprietários, bem como entre os cidadãos "de nível médio", que representavam o corpo principal dos levellers. Isso não surpreende, pois seus interesses como pequenos proprietários constituíam um obstáculo que os tornava tão relutantes quanto os senhores e a pequena nobreza em abrir as terras comuns à invasão pelos pobres rurais. Já antes da queda dos diggers, porém, o movimento político dos Levellers havia sido sufocado depois de uma tentativa de amotinar o exército em maio de 1649.

Já se disse que os levellers "constitucionais", por suas concessões e hesitações em

perturbar as classes proprietárias, não discordavam fundamentalmente do tipo de sociedade capitalista que surgia da revolução inglesa. Feito sem outros comentários, esse juízo parece excessivamente rigoroso, pois a tentativa dos Levellers de criar uma democracia de pequenos produtores ainda não havia sido feita antes, (apesar dos gregos antigos) nem voltaria a ser, até a revolução na França, século e meio depois. Não obstante, é certo que os levellers falavam por uma classe que esperava ampliar suas propriedades dentro de uma sociedade aquisitiva e não tinha, portanto, qualquer intenção de, uma vez terminado seu período de imaturidade, "virar o mundo de cabeça para baixo". Mas isso, de acordo com Hill, era precisamente o que as seitas religiosas radicais — os ranters, seekers e quakers — pretendiam fazer.

Rude, George. Ideologia e Protesto Popular. Rio de Janeiro, Zahar 1982, pp. 78-80. 5. PENSAMENTOS DE WINSTANLEY

O estudo mais completo que existe sobre a ideologia radical que se desenvolveu durante a Revolução Inglesa foi realizado pelo historiador inglês Christopher Hill em sua obra O Mundo de Ponta-Cabeça, traduzida e publicada recentemente no Brasil. O autor observa que dentro da Revolução Inglesa houve a ameaça de uma revolução que pretendia ultrapassar os limites admitidos pela burguesia e pela ' 'gentry''. O radicalismo das idéias que tanto assustaram a classe proprietária pode ser percebido através da leitura do documento que foi extraído do livro de Hill, citado acima.

"Todos os homens se ergueram pela liberdade... e aqueles dentre vós que pertencem à

espécie mais rica têm vergonha e medo de reconhecê-la quando a vêem, porque ela chega vestida em roupas rústicas... A liberdade é o homem que girará o mundo de cabeça para baixo, por isso não espanta que tenha tantos inimigos... A autêntica liberdade reside na comunidade em espírito e na comunidade das riquezas terrenas; ela é Cristo, o verdadeiro filho do homem que se espalhou por toda a criação e que ora reintegra todas as coisas em si mesmo."

"No princípio dos tempos, o grande criador, a Razão, fez a terra: para ser esta um tesouro comum onde conservar os animais, os pássaros, os peixes e o homem, este que seria o senhor a governar as demais criaturas... Nesse princípio não se disse palavra alguma que permitisse entender que uma parte da humanidade devesse governar outra... Porém... imaginações egoístas... impuseram um homem a ensinar e mandar em outro. E dessa forma... o homem foi reduzido à servidão e tornou-se mais escravo dos que pertencem à sua mesma espécie, do que eram os animais dos campos relativamente a ele. E assim a terra... foi cercada pelos que ensinavam e governavam, e foram feitos os outros... escravos. E essa terra, que na criação foi feita como um celeiro comum para todos, é comprada, vendida e conservada nas mãos de uns poucos, o que constitui enorme desonra para o Grande Criador, como se Este fizesse distinção entre as pessoas, deleitando-Se com a prosperidade de alguns e regozijando-Se com a miséria mais dura e as dificuldades de outros. Mas, no princípio, não era assim..."

"... foi pela espada que vossos ancestrais introduziram, na criação, o poder de cercar a

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terra e de fazê-la sua propriedade; foram eles que primeiro mataram os seus próximos, os homens, para assim roubarem ou pilharem a terra que a estes pertencia, e deixá-la em herança a vós, seus descendentes."

"O mais pobre dos homens possui título tão autêntico e direito tão justo à terra quanto o mais rico dentre eles... A verdadeira liberdade reside no livre desfrute da terra... Se o comum do povo não tem maior liberdade na Inglaterra do que a de viver em meio a seus irmãos mais velhos e para esses trabalhar em troca de salário, então que liberdade tem ele na Inglaterra a mais do que na Turquia ou na França?"

"Não se adotará essa praxe do governo monárquico, que consiste em educar uma parte das crianças apenas para o aprendizado livresco, sem conhecer nenhum outro ofício, a elas se chamando pessoas estudadas; porque depois disso, elas, devido à sua indolência e treinamento mental, passam o tempo montando estratagemas graças aos quais possam elevar-se à posição de senhores e chefes de seus irmãos trabalhadores."

Pensamentos de Winstanley. Ap. Hill, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabeça. São Paulo,

Companhia das Letras, 1987, pp. 117, 139-40 e 278. 6. A SOCIEDADE FRANCESA NO FINAL DO ANTIGO REGIME Norman Hampson

A compreensão das razões que produziram a Revolução Francesa não pode prescindir de uma

análise da situação em que viviam as várias categorias da sociedade. O texto de Hampson, bastante sintético, procura abordar esta situação, analisando as tensões que foram crescendo no final do século XVIII, envolvendo a nobreza, a burguesia e o campesinato. Este texto é a conclusão de um amplo levantamento, tema do primeiro capítulo de seu livro Historia Social de la Revolución Francesa.

A França do ancien régime... era uma sociedade extremamente complexa, caracterizada

por grandes variações locais em todos os níveis. Por uma série de razões — políticas, econômicas, sociais e religiosas -, as tensões foram se tornando cada vez maiores durante a segunda metade do século XVIII. Entre os escritores era bastante comum predizer uma revolução iminente, embora nenhum dos áugures tivesse uma idéia clara do cataclismo que se avizinhava. O abandono, por parte da monarquia, do papel criado por Luis XIV havia permitido à aristocracia reafirmar-se em todos os terrenos. O poder econômico da classe média, em desenvolvimento, a consciência cada vez maior de sua própria importância na vida da comunidade e o caráter cético e utilitário da época eram a melhor garantia de que essa ofensiva aristocrática poderia ser vigorosamente rechaçada por todos aqueles ultrajados em sua dignidade e aspirações. O campesinato, pressionado pelas tendências econômicas que vinham de encontro ao pequeno produtor, sentia-se exasperado pelas novas cargas que a "reação feudal" arrojava sobre ele. Independentemente das manobras políticas do governo real e da aristocracia, o despontar de uma grave crise social era iminente. Do resultado da crise iria depender não apenas a natureza do futuro regime, mas também a decisiva questão de se a sociedade francesa se integraria em uma estrutura mais ou menos utilitária ou se o corpo social da nação seria desgarrado por novas e ainda mais encarniçadas divisões. Hampson, Norman. Historia Social de la Revolución Francesa. 4- ed., Madri, Alianza 1984, p. 47. (Tradução dos organizadores.) 7. O QUE É O TERCEIRO ESTADO? E. J. Sieyès

As vésperas da Revolução Francesa de 1789, um panfleto circulou intensamente no país. Escrito

pelo Abade Sieyès numa linguagem simples, ele apontava a grande contradição entre a força numérica e

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econômica do Terceiro Estado e o não-reconhecimento desta situação pelos privilegiados. Na parte final do documento o autor observa, de maneira discutível, que o rei era um homem indefeso e enganado por uma Corte poderosa.

Que é o Terceiro Estado? Tudo. Que tem sido até agora na ordem política? Nada. Que deseja? Vir a ser alguma coisa...

O Terceiro Estado forma em todos os setores os dezenove/vinte avos, com a diferença de que ele é encarregado de tudo o que existe de verdadeiramente penoso, de todos os trabalhos que a ordem privilegiada se recusa a cumprir. Os lugares lucrativos e honoríficos são ocupados pelos membros da ordem privilegiada...

Quem, portanto, ousaria dizer que o Terceiro Estado não tem em si tudo o que é necessário para formar uma nação completa? Ele é o homem forte e robusto que tem um dos braços ainda acorrentado. Se suprimíssemos a ordem privilegiada, a nação não seria algo de menos e sim alguma coisa mais. Assim, que é o Terceiro Estado? Tudo, mas um tudo livre e florescente. Nada pode caminhar sem ele, tudo iria infinitamente melhor sem os outros...

Uma espécie de confraternidade faz com que os nobres dêem preferência a si mesmos para tudo, em relação ao resto da nação. A usurpação é completa, eles verdadeiramente reinam...

É a Corte que tem reinado e não o monarca. E a Corte que faz e desfaz, convoca e demite os ministros, cria e distribui lugares etc. Também o povo acostumou-se a separar nos seus murmúrios o monarca dos impulsionadores do poder. Ele sempre encarou o rei como um homem tão enganado e de tal maneira indefeso em meio a uma Corte ativa e todo-poderosa, que jamais pensou em culpá-lo de todo o mal que se faz em seu nome. Sieyès, E. J. Qu'est-ce que le Tiers Êtat? (Documento de domínio público). 8. REVOLUÇÃO FRANCESA: A PERMANÊNCIA DAS CONTROVÉRSIAS Alice Gérard

Conforme observou a própria autora, em sua obra A Revolução Francesa Mitos e

Interpretações, "o movimento ininterrupto de controvérsias originado da interpretação da Revolução Francesa, desde sua origem até hoje, constitui por si só uma história". Essa história ganhou maior dimensão em 1989, por ocasião das comemorações do bicentenário da Revolução. Assim, esse debate historiográfico está longe de chegar a seu termo; pelo contrário, continua candente. Essa realidade se explica porque, em última análise, as hipóteses de trabalho pressupõem opções ideológicas e metodológicas de quem as formula. No texto a seguir, Alice Gerard apresenta quatro abordagens que se propõem explicar e compreender o fenômeno revolucionário.

A historiografia revolucionária caminhou no mesmo ritmo que a história geral desde o

fim da Segunda Guerra Mundial: a guerra fria, os diversos cismas comunistas tiveram repercussão sobre ela. A evolução iniciada em 1917 - a partir do momento em que a revolução soviética veio "reativar" o conceito de revolução e caucionar os diversos movimentos de emancipação em nosso planeta — acentuou-se. Os debates atingiram uma escala mundial. Ingleses, americanos, italianos, russos e japoneses têm suas respectivas escolas que inter-pretam a Revolução Francesa à luz de suas próprias experiências históricas. Difundidos entre um público numeroso (livro de bolso, televisão, revistas), esses debates permanecem ligados diretamente à atualidade, pois trata-se, através do fato passado, de exaltar ou de desativar uma idéia-força de conteúdo explosivo, de determinar um bom uso da Revolução - o termo e o fato — na segunda metade do século XX. Opções essas que podemos reduzir, simplificando, pois a dúvida metódica ou o ecletismo conservam sempre seus direitos, a três ou quatro atitudes fundamentais.

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— A posição contra-revolucionária — condenação global do fenômeno revolucionário, preconceito favorável ao Ancien Régime - tal qual a expressa o livro clássico de P. Gaxotte, reeditado regularmente há quarenta anos, ajuda a alentar no grande público, além dos meios tradicionalistas, mais de um reflexo hostil. P. Gaxotte, porém, nada mais faz que inteligentemente acomodar os postulados de Burke e de Taine à erudição moderna. Integrista, passadista e, enfim, idealista (todo mal imputado à "filosofia"), a contra-revolução perdeu muito de seu dinamismo, de sua força de escândalo: a evolução liberal, o aggiornamento do catolicismo universal foram decisivos. Ela permanece do lado de fora das controvérsias atuais, ao menos no nível universitário.

— A atitude marxista-leninista se afirmou como a mais con-quistadora, a ponto de constituir a linha demarcatória das tendências atuais. A Revolução Francesa é aqui definida por seu conteúdo econômico e social. O conflito entre as novas forças de produção capitalista e as antigas relações sociais de produção (feudalidade) conduzia inevitavelmente à luta entre as duas classes concorrentes: nobreza e burguesia. Tanto por sua direção como por seus resultados, a Revolução Francesa foi portanto, fundamentalmente burguesa e anti-feudal. Nesse sentido, é um bloco, dizia G. Lefebvre ("o povo salvou a Revolução, mas apenas podia conseguir isso enquadrado e comandado pela burguesia"), cuja obra, após sua morte (1959), foi continuada por A. Soboul na França e por numerosos historiadores no estrangeiro (R. Cobb e G. Rudé na Inglaterra; A. Saitta na Itália; K. Takahashi no Japão etc). Essa aplicação — suscetível, aliás, de variações - do método do materialismo histórico suscitou os contra-ataques de uma esquerda libertária e de uma direita liberal.

— A interpretação marxista libertária se pretende tanto de Ba-kounine como de Marx e mais de Trótski e Rosa Luxemburgo que de Lenine. Em seu livro que teve certo sucesso, após a libertação (La lutte des classes sous la 1ª Republique, 1946), D. Guérian recusava o esquema marxista-leninista dizendo-o estar contaminado por um jacobinismo autoritário e escamotear deliberadamente a democracia viva do ano II. O "bloco" revolucionário estava dividido e, no ano II, surgiu um novo tipo de luta de classes que opunha burgueses e bras nus das cidades:

"embrião de revolução proletária" que nenhuma lei histórica a par com a atualidade e as reações provocadas (cf. a Anticritique como apêndice da 2ª ed., 1968) esse duplo tema da revolução permanente e da espontaneidade criadora das massas, colocado em novo destaque pelos acontecimentos de maio de 1968. Acusada de anacrônica pelos marxistas "ortodoxos" (cf. a crítica de G. Lefebvre, A. H. R. F., 1947, pp. 173-179), a interpretação "esquerdista" contribuiu muito - direta ou indiretamente - para orientar a historiografia revolucionária recente para o estudo das categorias populares dessa época pré-industrial.

- O revisionismo liberal ou neoliberal busca, por diversos caminhos, uma alternativa para a interpretação marxista. Os historiadores anglo-saxões especialmente se empenharam em dar um caráter normal ao fenômeno revolucionário francês:

seja tentando desmistificá-lo, libertando-o de tudo que lhe foi acrescentado por uma visão ulterior - a utopia messiânica, retomada por Marx, de uma Revolução crônica e irreversível (cf. H. Arendt, Essai sur la Révolucion, 1967).

seja incorporando-o de imediato ao conjunto dos movimentos — mais liberais do que igualitários — que agitam o Ocidente desde a Revolução americana. Essa é a tese da Revolução Atlântica, desenvolvida por volta de 1955 por R. R. Palmer nos Estados Unidos e por J. Godechot na França. Produto direto da guerra fria e — segundo o próprio R. R. Palmer (cf. a introdução de The Age of Demo-cratic Revolution, 1966) - da

necessidade sentida, na época, de enaltecer a solidariedade ideológica dos países da Aliança Atlântica. Afinal de contas, não era o século XVIII o berço das tradições mais preciosas de todos eles?

seja através de um encaminhamento analítico e crítico, atacando diretamente os conceitos básicos da historiografia marxista, essencialmente aquela da luta de classes. O historiador britânico A. Cobban, após ter denunciado, numa célebre conferência, o

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"mito da Revolução Francesa" (1955), quis em seguida demonstrar detalhadamente que a interpretação "social" - predominante na escola francesa — assentava-se em noções mal definidas (burguesia, feuda-lismo, capitalismo) não baseadas em prévias análises sociológicas (The social interpretation of French Revolution, 1964). Recentemente, uma revisão crítica do Quatre-vingt-neuf de G. Lefebvre deu margem a uma controvérsia análoga entre historiadores e sociólogos americanos (cf. o balanço de R. R. Palmer em A. H. R. F., 1967 pp. 369-380). O mesmo G. Lefebvre replicava a A. Cobban, analisando essa desmistificação como uma tentativa de suavizar as revoluções passadas, reação defensiva da classe dominante; "sentindo-se ameaçada sob a influência do impulso democrático e especialmente da Revolução Russa, ela rejeita a rebelião dos antepassados que lhe garantiram a hegemonia, por ver nisso um precedente perigoso" (A. H. R. F., 1956 pp. 337-345). A acusação de A. Cobban provocou, de maneira mais precisa, as atualizações correntes sobre o alcance social e econômico da Revolução Francesa. Nesse ínterim, dois jovens historiadores, F. Furet e D. Richet, apresentaram em dois

volumes luxuosamente ilustrados (La Revolu-tion Française, na Hachette-Réalités, 1965-66) uma interpretação que inteligentemente dá um toque moderno ao clássico tema liberal do dualismo revolucionário. A revolução das luzes (burguesas e aristocráticas) conduzida, em 1789, por todo o movimento do século, aparece ali claramente separada da revolução popular, violenta e retrógrada, que nela se inseriu como simples episódio. Essa idéia da "derrapagem" acidental de uma revolução das elites, dirigida decididamente contra o esquema determinista marxista (cf. as críticas de Cl. Mazauric, A. H. R. F., 1967, pp. 339-368 e, como réplica, o artigo de D. Richet, Ann. E. S. C, 1969, I) reavivou particularmente o debate sobre as origens imediatas e distantes de 1789.

Essas divergências fundamentais de concepção se revelam, pois, bastante fecundas. Por mais lenta que seja a progressão de nossos conhecimentos definitivos, este se faz graças ao jogo dialético dessas controvérsias, que se ordenam atualmente em torno de três grandes temas. Gérard, Alice. A Revolução Francesa. (Mitos e Interpretações). São Paulo, Perspectiva, s/d., pp. 118-22. 9. O GRANDE MEDO Georges Lefebvre

A Revolução Francesa é uma revolução burguesa que depende do envolvimento maciço dos

camponeses para se afirmar. Mas, ao mesmo tempo, os camponeses tinham os seus próprios motivos para lutar. Pode-se, portanto, falar que, paralelamente à revolução burguesa, ocorreu também uma revolução camponesa. Isto para não falar da revolução ''sans-culotte''. O trabalho de Lefebvre é significativo, no sentido de que ele procura rastrear o comportamento dessa massa camponesa, a partir da análise da mentalidade. E é através do estudo da mentalidade que Lefebvre explica o Grande Medo de 1789: um conjunto de revoltas camponesas que assinalam decisivamente a entrada na cena revolucionária desse grupo social. O texto abaixo é a conclusão do livro de Lefebvre.

O Grande Medo nasceu do medo do "bandido", que por sua vez é explicado pelas circunstâncias econômicas, sociais e políticas da França em 1789.

No antigo regime, a mendicância era uma das chagas dos campos; a partir de 1788, o desemprego e a carestia dos víveres a agravaram. As inumeráveis agitações provocadas pela penúria aumentaram a desordem. A crise política também ajudava com sua presença, porque superexcitando os ânimos ela fez o povo francês tornar-se turbulento. No mendigo, no

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vagabundo, no amotinado viam sempre a figura do "bandido". O tempo da colheita sempre fora motivo de preocupação: ela se tornou época perigosa; os alarmas locais se multiplicaram.

Quando a colheita começou, o conflito entre o Terceiro Estado e a aristocracia, sustentada pelo poder real, e que, em diversas províncias, já tinha dado às revoltas da fome um caráter social, transformou-se de repente em guerra civil. A insurreição parisiense e as medidas de segurança, que deviam, pensava-se, expulsar as pessoas sem domicílio da Capital e das grandes cidades, fizeram com que o medo dos bandidos se tomasse geral, enquanto se esperava ansiosamente o golpe que os aristocratas derrotados fariam ao Terceiro Estado para se vingarem dele com a ajuda estrangeira. Que os bandidos tão anunciados recebessem deles seu soldo, disso não se duvidava mais, e assim a crise econômica e a crise política e social, conjugando seus efeitos, espalharam entre os cidadãos o mesmo terror, o que permitiu a propagação pelo reino de alguns alarmas locais. Mas se o medo dos bandidos foi um fenômeno geral, não foi isso que caracterizou o Grande Medo, e é um erro tê-los confundido.

Nessa gênese do Grande Medo, não há nenhum indício de conspiração. Se o medo ao errante tinha sua razão de ser, o bandido aristocrata era um fantasma. Os revolucionários incontestavelmente contribuíram para evocá-lo, mas o fizeram de boa fé. Se eles espalharam o rumor de uma conspiração aristocrática, foi porque nela acreditavam. Eles exageraram desmesuradamente sua importância: somente a corte pensou em um golpe de força contra o Terceiro Estado e, ao executá-lo, mostrou uma lamentável incapacidade; mas eles não cometeram o erro de desprezar seus adversários, e, como eles lhes emprestassem sua própria energia e decisão, tinham razão em temer o pior. Além do mais, para colocar do seu lado as cidades, eles não tinham necessidade do Grande Medo; a revolução municipal e o armamento o precederam e este é um argumento decisivo. Quanto à população faminta que nas cidades e nos campos se agitava por trás da burguesia, esta tinha todos os motivos para temer os acessos de desespero desses miseráveis, e a Revolução sofreu muito com isso. Se é compreensível que seus inimigos a tenham acusado de haver compelido esses pobres coitados a derrubar o Antigo Regime para colocar em seu lugar uma nova ordem, onde ela iria reinar, é natural que também ela tenha suspeitado que a aristocracia fomentasse a anarquia para impedi-la de se instalar no poder. Que além disso o medo dos bandidos tenha sido um excelente pretexto para se armarem, sem confessá-lo, contra a realeza, é evidente; mas o próprio rei tinha usado do mesmo estratagema para encobrir seus preparativos contra a Assembléia. No que se relaciona particularmente com os camponeses, a burguesia não tinha nenhum interesse em vê-los derrubar, usando as jacqueries, o regime senhorial, e a Assembléia

Constituinte não tardaria em prová-lo, pelas atenções que ela lhe demonstrou. Mas, ainda uma vez, admitindo-se mesmo que ela tivesse uma opinião contrária, não tinha necessidade do Grande Medo: as insurreições camponesas tinham começado antes dele.

Entretanto não podemos concluir que o Grande Medo não tenha tido nenhuma influência no desenrolar dos acontecimentos e que ele constitui, usando-se a linguagem dos filósofos, um epifenômeno. Uma violenta reação sucedeu o pânico, onde, pela primeira vez, assinala-se a energia guerreira da Revolução e se fornece à unidade nacional ocasião de se manifestar e de se fortificar. Depois, essa reação, sobretudo nos campos, voltou-se contra a aristocracia; reunindo os camponeses ela os tornou conscientes de sua força, e reforçou o ataque que estava sendo planejado para arruinar o regime se-nhorial. Não é portanto apenas o caráter estranho e pitoresco do Grande Medo que merece reter nossa atenção: ele contribuiu na preparação da noite de 4 de agosto, e, por isso, ele está entre os episódios mais importantes da história da nossa pátria.

Lefebvre, Georges. O Grande Medo de 1789. Rio de Janeiro, Cam-pus, 1979, pp. 191-2. 10. OS LIMITES DO RADICALISMO NA REVOLUÇÃO FRANCESA Barrington Moore Jr.

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A obra de Barrington Moore Jr., As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia, analisa

os papéis desempenhados pelas classes agrárias (senhores e camponeses) na transformação de uma so-ciedade eminentemente rural em industrial. O trecho selecionado é significativo, pois analisa o caráter inacabado da Revolução Francesa a partir da estrutura da sociedade em fins do século XVIII. O autor observa que, ao contrário do que ocorreu na Inglaterra, na França não foi possível uma fusão entre nobreza e burguesia. Ao mesmo tempo nos apresenta os limites impostos pelos camponeses à radicalização do processo revolucionário.

Sob as condições do absolutismo real, as classes superiores proprietárias da França

adaptaram-se à intrusão gradual do capitalismo, fazendo maior pressão sobre os camponeses, deixando-nos, no entanto, numa situação que se aproximava da propriedade de fato. Até cerca de meados do século XVIII, a modernização da sociedade francesa teve lugar através da coroa. Como parte deste processo, desenvolveu-se uma fusão entre a nobreza e a burguesia, muito diferente da fusão na Inglaterra. A francesa deu-se mais através da monarquia do que em oposição à mesma, e daí resultou — para falar do que aqui pode ser considerado uma abreviatura útil, embora pouco exata —, a "feudalização" de uma parte substancial da burguesia, e não o contrário. O resultado eventual foi limitar muito severamente a liberdade de ação da coroa e a sua capacidade de decidir quais os setores da sociedade que deviam suportar certos encargos. Essa limitação, acentuada pelos defeitos de caráter de Luís XVI, leva-me a sugerir que foi o principal fator que levou à Revolução, mais do que qualquer conflito de interesses, extraordinariamente severo, entre classes ou grupos. Sem a Revolução, essa fusão da nobreza e da burguesia poderia ter continuado e levado a França a uma forma de modernização conservadora, vinda de cima, semelhante, nas suas características principais, à que se verificou na Alemanha e no Japão.

Mas a Revolução evitou tudo isso. Não foi um revolução burguesa, no sentido restrito da tomada do poder político por parte de uma burguesia que já havia atingido as alturas dominantes do poder econômico. Existia um grupo desse tipo dentro das linhas da burguesia, mas a história anterior do absolutismo real impediu-o de se fortalecer suficientemente para poder fazer algo por si próprio. Em vez disso, algumas partes da burguesia subiram ao poder, apoiando-se sobre os movimentos radicais entre os plebeus urbanos, desencadeados pelo colapso da ordem e da monarquia. Essas forças radicais também impediram que a Revolução voltasse atrás ou parasse num ponto conveniente para esses segmentos da burguesia. Entretanto, os camponeses, neste ponto principalmente a camada superior, haviam tirado vantagem da situação para forçar o desmantelamento do sistema senhorial, a realização mais importante da Revolução. Durante algum tempo, os radicalismos rural e urbano, que partilhavam uma mistura contraditória da pequena propriedade e do coletivismo retrógrado como alvos, trabalharam em conjunto, à medida que atravessavam as fases mais radicais da Revolução. Mas a necessidade de obter alimentos para os mais pobres habitantes da cidade e para os exércitos revolucionários foi contra os interesses dos camponeses mais abastados. A crescente resistência dos camponeses privou os sans-culottes parisienses de comida e, portanto, retirou o apoio popular a Robespierre, fazendo parar a revolução radical. Os sans-culottes fizeram a Revolução burguesa; os camponeses determinaram até que ponto ela podia chegar.

Moore Jr., Barrington. As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia. São Paulo, Martins

Fontes, 1983, pp. 112-3.

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A Revolução Industrial

Revolução Industrial teve início na segunda metade do século XVIII na Inglaterra. Esta Revolução completou a transição do Feudalismo ao Capitalismo, pois significou o momento final do processo de expropriação dos produtores diretos. O Modo de

Produção Capitalista pode ser caracterizado pela introdução da maquinofatura e pelas relações sociais de produção assalariadas. Tais relações passaram a predominar a partir do momento em que houve a separação definitiva entre capital e trabalho, reflexo direto da industrialização.

Como observou Maurice Dobb, "assim, uns possuem, enquanto outros trabalham para aqueles que possuem — e que são naturalmente obrigados a isso, pois que, nada possuindo, e não tendo acesso aos meios de produção, não dispõem de outros meios de subsistência" (Dobb, Maurice. A Evolução do Capitalismo. 9- ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1983, p. 15.)

Muitos autores já discutiram a respeito do conceito de "Revolução Industrial". Para alguns, como Paul Mantoux, não se trata de uma revolução, pois estava relacionada com causas remotas, apesar de reconhecer a velocidade de seu desenvolvimento e as suas conse-qüências. Outros, como Rioux, Dobb, Hobsbawm consideram que estava ocorrendo, naquele momento, uma ruptura qualitativa nas estruturas sócio-econômicas, sendo, portanto, pertinente a utilização do conceito de revolução. As alterações técnicas aumentaram a pro-dutividade do trabalho e implementaram um ritmo novo à produção.

Ao mesmo tempo em que aumentava a produtividade do trabalho, podia-se observar um extraordinário crescimento nas fileiras do proletariado, submetido a dramáticas condições de vida. O trabalho feminino e infantil passou a ser explorado intensamente, impondo a todos o tempo da máquina, que passou a ser o tempo dos homens.

Os textos selecionados procuram abranger a Revolução Industrial, de suas origens às suas conseqüências mais significativas. Enquanto os lê, procure refletir sobre as seguintes questões:

1. De que maneira Hobsbawm explica a primazia britânica na Revolução Industrial? 2. Qual a principal distinção que Dobb faz entre o período das manufaturas e aquele

pós-Revolução Industrial? 3. Quais foram os reflexos das Revoluções Industriais para as diversas classes sociais,

segundo Hobsbawm? 4. Explique três conseqüências imediatas da produção mecanizada sobre o trabalhador,

a partir das leituras dos textos de Marx e Engels. 5. Explique a frase de Maria Stella Bresciani: "o estranhamento do ser humano em meio

ao mundo em que vive, a sensação de ter sua vida organizada em obediência a um imperativo exterior e transcendente a ele mesmo, embora por ele produzido".

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11. AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL BRITÂNICA Eric J. Hobsbawm

O texto do historiador inglês E. J. Hobsbawm possibilita a compreensão dos fatores que

tornaram possível a passagem de uma economia incompleta e pré-capitalista à produção industrial e capitalista propriamente dita. O autor observa que a "arrancada" inicial para o processo de industrialização está diretamente relacionada a determinadas condições econômicas que se encontravam presentes na Grã-Bretanha já em fins do século XVIII, destacando a primazia do setor têxtil. Para Hobsbawm, do ponto de vista tecnológico e científico, as condições para uma "revolução industrial" se concretizaram antes mesmo da "arrancada" inicial. Por fim, o autor salienta a importância do que Marx denominou "o mercado mundial'' e o papel até então desempenhado pela Inglaterra neste mesmo mercado.

Discutiu-se freqüentemente sobre as condições gerais para a "arrancada" inicial. A

maioria está de acordo em que o estímulo particular que impulsiona a indústria a atravessar a porta da revolução industrial pode apenas ocorrer sob determinadas condições econômicas e sociais, que não precisamos discutir extensamente aqui, pois atualmente não são objeto de controvérsia, pelo menos no que diz respeito à Grã-Bretanha, em cujo século XVIII não faltou nenhuma. Além disso, é consenso que a presença destes estímulos é mais provável numa indústria produtora de bens de consumo amplamente difundidos, estandardizados razoavelmente mais para compradores pobres do que para ricos, fabricados com matérias-primas cuja demanda pode crescer sem aumentar excessivamente os custos, e cujo transporte reflete pouco no preço (em tempos recentes tornou-se a assinalar a situação vantajosa da Grã-Bretanha no período pré-industrial, quando os transportes navieiros eram bastante menos custosos do que os terrestres). Uma indústria desta natureza se prestaria, de maneira especial, à revolução, se fosse possível introduzir a mudança tecnológica com sentido oportunista e a baixo custo, e se não fosse demasiado complexo; isto é, se não exigisse um conjunto altamente capacitado ou tecnicamente especializado de empresários e operários, ou um investimento preliminar excessivo, ou inovações científicas e tecnológicas prévias. Quando os novos métodos de produção não se mostram claramente superiores, em eficiência e rentabilidade, ao velho e provado sistema, surge sempre um período de experimentação e incerteza, que para muitos investidores significou a falência. Mas, quanto mais simples e menos custosas forem as inovações, mais provável será sua adoção geral. Em outras palavras, "não é uma simples bobagem supor que o setor têxtil foi o melhor preparado para dar sinal de partida na primeira arrancada".

É necessário, no entanto, conhecer ainda as condições superficiais que estimularam essa "arrancada". Entre elas se encontram, certamente: a) uma limitação externa para a expansão dos velhos métodos (como, por exemplo, a escassez da mão-de-obra ou o alto custo dos transportes) que toma difícil aumentar a produção além de certo ponto com os métodos existentes, e, sem dúvida, b) uma perspectiva de expansão do mercado, tão ampla, que justifique a diversificação ou o aperfeiçoamento dos métodos antigos; e c) tão rápida, que a ampliação e modificação destes não possa enfrentá-la. Mais, quais são as circunstâncias que produzirão essas condições?

Parece provável que um estudo do mercado nos proporcione a resposta. E aqui, a redescoberta da importância do que Marx chamou "o mercado mundial", permitiu um progresso significativo. Na verdade, não basta apenas sugerir que "o impulso inicial em direção à industrialização possa brotar tanto do exterior, quanto do interior de uma mesma economia". Sob as condições do desenvolvimento capitalista, antes da revolução industrial, é mais provável que o impulso provenha do exterior. Por essa razão, está cada vez mais claro que as origens da revolução industrial da Grã-Bretanha não podem ser estudadas

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exclusivamente em termos de história britânica. A árvore da expansão capitalista moderna cresceu numa determinada região da Europa, mas suas raízes tiraram seu alimento de uma área de intercâmbio e acumulação primitiva muito mais ampla, que incluía tanto as colônias de além-mar, ligadas por vínculos formais, quanto as "economias dependentes" da Europa Oriental, formalmente autônomas. A evolução das economias escravizadoras de além-mar, e das baseadas na servidão, do Oriente, participaram tanto do desenvolvimento capitalista, quanto a evolução da indústria especializada e das regiões urbanizadas do setor mais "avançado" da Europa. Começa a ficar claro, além disso, que eram necessários os recursos de todo esse universo econômico para abrir uma fenda industrial em qualquer país do setor

economicamente avançado. Na verdade, é muito provável que, dadas as condições dos séculos XVI a XVIII, houvesse lugar no mundo apenas para uma potência industrial avan-çada, de tal forma que agora devemos nos perguntar porque devia ser precisamente a Inglaterra essa potência avançada. (...)

Qual foi o fator que criou uma base verdadeiramente adequada para o desenvolvimento posterior da economia britânica? A resposta é bem conhecida: foi a construção das vias férreas entre 1830 e 1850, com sua capacidade de consumir ferro e aço que - medida com os padrões do tempo - resultava ilimitada. Em 1830, ano da inauguração da estrada de ferro Liverpool-Manchester, a produção de aço britânico oscilava entre 600 e 700 mil toneladas, mas depois da "loucura" ferroviária da década de 1840-1850 atingiu (entre 1847 e 1848) os dois milhões de toneladas. Todos concordam em que foram as estradas de ferro, o fator determinante do desenvolvimento da siderurgia e do carvão, nesse período.

Qual foi a causa desta explosão imprevista dos investimentos ferroviários? Nesse caso não se pode supor a previsão de enormes ganhos e a demanda insaciável que produziram a "arrancada" do algodão, mesmo quando entre 1830-1840 os benefícios potenciais da revolução técnica foram melhor compreendidos que no século XVIII. Nem a demanda de transporte ferroviário (razoavelmente previsível por ocasião dos primeiros investimentos maciços), nem os lucros que poderiam ser esperados, podem explicar a paixão com a qual o público dos investidores britânicos se lançou na construção das estradas de ferro. Muito menos pode dar conta da perturbação mental que tomou os investidores durante booms especulativos como a "loucura ferroviária" das décadas de 1830 a 1850. Na verdade, como é sabido, muitos investidores perderam seu dinheiro, e, para a maioria dos que restaram, as vias férreas acabaram sendo antes um cofre-forte, do que um investimento lucrativo.

Dispomos realmente de esboços para uma explicação deste processo. Já faz tempo, é reconhecido que as vias férreas transformaram o mercado de capitais, criando uma saída para as economias das classes abastadas, e absorvendo "a maior parte das 60 milhões de libras esterlinas que constituíam, cada ano, o excedente de capital britânico à procura de oportunidades de investimento". Mas, não seria razoável inverter esta afirmação e sustentar que as estradas de ferro foram criadas pela pressão do excedente que se acumulava, diante da impossibilidade de encontrar uma saída adequada nas indústrias já existentes, que não estavam em condições de absorver novos capitais? A pressão foi particularmente intensa nesse período (como de maneira geral é admitido) porque a alternativa mais óbvia — exportar os excedentes de capital —, tinha sido temporariamente desincentivada pelas violentas experiências padecidas por aqueles que investiram na América meridional e setentrional. Do ponto de vista dos investidores, se as estradas de ferro não tivessem existido, teria sido preciso inventá-las. (...)

Neste artigo limitei-me a apresentar algumas questões fundamentais da história econômica que se relacionam com a origem e o desenvolvimento da revolução industrial britânica, em detrimento da análise de muitos aspectos tradicionais do tema, assim como também de alguns problemas contíguos. Pode ser afirmado com tranqüilidade que o interesse pelas origens e o desenvolvimento da revolução industrial britânica é muito maior hoje do que no passado. Também não há dúvida de que estamos cada vez mais perto de uma

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formulação clara do problema, e, talvez, de algumas hipóteses adequadas, mas a discussão ainda hoje continua sendo nebulosa e obscura. Espero que este ensaio possa contribuir para torná-la mais transparente.

Hobsbawm, Eric J. As Origens da Revolução Industrial. São Paulo, Global, 1979, pp. 112-5, 121-3 e 124-5. 12. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O SÉCULO XIX Maurice Dobb

O texto selecionado, do economista inglês M. Dobb, permite compreender a Revolução

Industrial a partir de perspectivas até então pouco conhecidas. O autor chama a atenção para os riscos de se reduzir a Revolução Industrial a uma homogeneidade que ela não teve. E ele próprio quem adverte: "A desigualdade do desenvolvimento, como aquele entre indústrias diversas, foi um dos traços principais do período. Não só as histórias das diversas indústrias, e mesmo de seções de uma só indústria (quanto mais da indústria nos diferentes países), deixam de coincidir no tempo em suas etapas principais, como ocasionalmente a transformação estrutural de determinada indústria se mostrou um processo arrastado por 'mais de meio século''.

Dobb relaciona, ainda, algumas das características e implicações do processo de industrialização como, por exemplo, a subordinação absoluta do produtor direto ao capital. Observa, no entanto, que, paralelamente ao avanço da grande indústria capitalista verificou-se ' 'a sobrevivência da indústria doméstica e da manufatura simples na segunda metade do século XIX..." e, que tal fenômeno representou ' 'um obstáculo a qualquer crescimento firme e geral do sindicalismo, quanto mais da consciência de classe''.

Por fim, o autor chama a atenção para a relação existente entre revolução da técnica, especialização e divisão do trabalho, produtividade da mão-de-obra e acumulação de capital.

A essência da transformação estava na mudança do caráter da produção que, em geral, associava-se à utilização de máquinas movidas por energia não humana e não animal. Marx afirmou que a transformação crucial foi, na verdade, a adaptação de uma ferramenta, antes empunhada pela mão humana, a um mecanismo: a partir daquele momento, "a máquina toma o lugar de mero implemento", sem levar em conta "se a força motriz vem do homem ou de outra máquina". O importante é que "um mecanismo, depois de acionado, executa com suas ferramentas as mesmas operações antes executadas pelo trabalhador com ferramentas semelhantes". Ao mesmo tempo, Marx mostra que "a máquina individual conserva um caráter anão enquanto for trabalhada apenas pela força do homem", e que "sistema algum de maquinaria poderia ser adequadamente desenvolvido antes que a máquina a vapor tomasse o lugar da força motriz anterior".

De qualquer forma, essa transformação crucial, quer a localizemos na passagem da ferramenta da mão humana para um mecanismo, quer na adaptação do implemento a uma nova fonte de energia, transformou radicalmente o processo de produção. Ela não só exigiu que os trabalhadores se concentrassem num só lugar de trabalho, a fábrica (isso já acontecera às vezes no período anterior ao que Marx chamou de "manufatura"), como impôs ao processo de produção um caráter coletivo, como a atividade de uma equipe meio mecânica e meio humana. Uma característica desse processo de equipe foi a extensão da divisão do trabalho a um grau de complexidade jamais testemunhado, e sua extensão, além disso, a um grau inimaginável dentro do que constituía — tanto funcional quanto geograficamente —, uma única unidade ou equipe de produção.

Outra característica foi a necessidade crescente no sentido de que as atividades do produtor humano se conformassem aos ritmos e movimentos do processo mecânico: uma mudança técnica de equilíbrio que teve seu reflexo sócio-econômico na crescente dependência

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do trabalho em relação ao capital e no papel cada vez maior desempenhado pelo capitalista como força disciplinadora e coatora do produtor humano em suas operações detalhadas. Andrew Ure, em sua Philosophy of Manufactures, anunciou triunfalmente como o "grande

objetivo" da nova maquinaria ter ela levado à "igualdade do trabalho", dispensando as aptidões especiais do operário qualificado "dotado de vontade própria e intratável" e reduzindo a tarefa dos operários "ao exercício de vigilância e destreza" — faculdades que, quando concentradas em um processo, rapidamente são levadas à perfeição nos jovens.

Nos velhos tempos, a produção era essencialmente uma atividade humana, em geral individual em seu caráter, no sentido de que o produtor trabalhava em seu próprio tempo e à sua própria maneira, independentemente de outros, enquanto as ferramentas ou os imple-mentos simples que usava pouco mais eram do que uma extensão de seus próprios dedos. A ferramenta característica desse período, diz Mantoux, era "passiva na mão do trabalhador; sua força muscular, sua habilidade natural ou adquirida, ou sua inteligência determinam a produção até o menor detalhe". As relações de dependência econômica entre os produtores individuais ou entre produtor e mercador não eram diretamente impostas pelas necessidades do próprio ato de produção, mas por circunstâncias externas a ele: eram relações de compra e venda do produto acabado ou semi-acabado, ou então relações de dívida relativas ao fornecimento das matérias-primas ou ferramentas da profissão.

Isso continuou verdadeiro até mesmo com relação à "manufatura simples", onde o trabalho se congregava num só lugar, mas em geral como processos paralelos e atomísticos de unidades individuais e não como atividades interdependentes que precisassem ser integradas num organismo para funcionar. Enquanto na situação antiga o pequeno mestre independente, incorporando em si a unidade de instrumentos de produção humanos e não humanos, só conseguira sobreviver porque estes últimos continuavam modestos e nada mais eram do que um apêndice da mão humana, na situação nova não conseguia mais sustentar-se, tanto porque o tamanho mínimo de um processo de produção unitário se tornara grande demais para ele controlar, como porque a relação entre os instrumentos humanos e mecânicos de produção se transformara. Era agora necessário capital para financiar o equipamento complexo requerido pelo novo tipo de unidade de produção: e criara-se um papel para um tipo novo de capitalista, não mais apenas como usuário ou comerciante em sua loja de armazém, mas como capitão de indústria, organizador e planejador das operações da unidade de produção, corporificação de uma disciplina autoritária sobre um exército de trabalhadores que, destituídos de sua cidadania econômica, tinham de ser coagidos ao cumprimento de seus deveres onerosos a serviço de outro pelo açoite alternado da fome e do supervisor do patrão. (...)

Muitos dos que buscaram descrever a Revolução Industrial como uma série contínua de transformações que perdurou além mesmo do século XIX, em vez de uma modificação feita de uma só vez, parecem ter empregado o termo como sinônimo de uma revolução puramente técnica. Ao fazer isso, perderam de vista a importância especial dessa transformação na estrutura da indústria e nas relações sociais de produção, conseqüência da modificação técnica em certo nível crucial. Se focalizarmos a atenção na modificação técnica per se, é ao mesmo tempo verdadeiro e importante que, uma vez lançada em sua nova carreira, essa modificação constituía um processo contínuo. Na verdade, temos de encarar o fato de que, uma vez vinda a transformação crucial, o sistema industrial embarcou em toda uma série de revoluções na técnica de produção, como traço notável da época do capitalismo amadurecido. O progresso técnico passara a ser um elemento do mundo econômico aceito como normal, e não como algo excepcional e intermitente. Com a chegada da força a vapor, foram abolidos os limites anteriores à complexidade e tamanho da maquinaria e à magnitude das operações que esta podia executar. Em certa medida, a revolução da técnica adquiriu até um ímpeto cumulativo próprio, porquanto cada avanço da máquina tendia a trazer, em conseqüência, uma especialização maior das unidades da equipe humana que a operava. E a

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divisão do trabalho, simplificando os movimentos individuais, facilitava ainda outras inven-ções, pelas quais esses movimentos simplificados eram imitados por uma máquina. A essa tendência cumulativa, juntaram-se duas outras: a primeira no sentido de uma produtividade crescente da mão-de-obra, e portanto (dada a estabilidade ou, pelo menos, nenhum aumento comparável de salários reais) a um fundo cada vez maior de mais-valia, do qual se derivava nova acumulação de capital; e a segunda no sentido de uma concentração cada vez maior da produção e da propriedade do capital. Como se aceita hoje em dia, essa última tendência, filha da complexidade crescente do equipamento técnico, é que iria preparar o terreno para uma outra transformação crucial na estrutura da indústria capitalista, e gerar o "capitalismo da sociedade por ações", monopolista (ou semimonopolista ou quase monopolista) em grande escala, da era atual. Dobb, Maurice. A Evolução do Capitalismo. 9ª ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1983, pp. 185-92. 13. OS RESULTADOS HUMANOS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Eric J. Hobsbawm

O texto de Hobsbawm procura contemplar os aspectos sociais da Revolução Industrial, de suas

origens à primeira metade do século XIX. O autor examina de que maneira, tanto no plano material como no espiritual e moral, as diversas classes da sociedade inglesa foram afetadas pela Revolução Industrial. Observa, ainda, que mais importante do que a discussão acerca da quantidade de bens de consumo que passaram a estar disponíveis aos homens, é preciso não perder de vista que a Revolução Industrial ' 'não representou um simples processo de adição e subtração, mas sim uma mudança social fundamental".

Os trechos selecionados permitem uma reflexão sobre o modo de vida, tanto das classes proprietárias como dos produtores diretos.

O debate a respeito dos resultados humanos da Revolução Industrial ainda não se

libertou inteiramente dessa atitude. Nossa tendência ainda é perguntar: ela deixou as pessoas em melhor ou em pior situação? E até que ponto? Para sermos mais precisos, interrogamo-nos qual foi o volume de poder aquisitivo, ou bens, serviços e assim por diante, que o dinheiro pode comprar, que ela proporcionou a que quantidade de indivíduos, supondo-se que uma dona-de-casa possuidora de uma máquina de lavar roupa esteja em melhor situação do que outra, destituída desse eletrodoméstico (o que é razoável), mas também supondo (a) que a felicidade individual consiste numa acumulação de coisas tais como bens de consumo e (b) que a felicidade social consiste na maior acumulação possível de tais coisas pelo maior número possível de indivíduos (o que não é verdade). Tais questões são importantes, mas também conduzem a equívocos. Saber se a Revolução Industrial deu à maioria dos britânicos mais ou melhor alimentação, vestuário e habitação, em termos absolutos ou relativos, interessa, naturalmente, a todo historiador. Entretanto, ele terá deixado de apreender o que a Revolução Industrial teve de essencial, se esquecer que ela não representou um simples processo de adição e subtração, mas sim uma mudança social fundamental. Ela transformou a vida dos homens a ponto de torná-las irreconhecíveis. Ou, para sermos mais exatos, em suas fases iniciais ela destruiu seus antigos estilos de vida, deixando-os livres para descobrir ou criar outros novos, se soubessem ou pudessem. Contudo, raramente ela lhes indicou como fazê-lo.

Existe, na verdade, uma relação entre a Revolução Industrial como provedora de conforto e como transformadora social. As classes cujas vidas sofreram menor transformação foram também, normalmente, aquelas que se beneficiaram de maneira mais óbvia em termos materiais (e vice-versa). Ninguém é mais complacente que um homem rico ou coroado de êxito e que também se sente à vontade num mundo que parece ter sido construído com vista a

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pessoas exatamente como ele. Assim, salvo para melhor, a aristocracia e os proprietários da terra britânicos foram

pouquíssimo afetados pela industrialização. Suas rendas inflaram com a procura de produtos agrícolas, com a expansão das cidades (em solos de sua propriedade) e com o desen-volvimento de minas, forjas e estradas de ferro (situadas em suas propriedades ou que passavam por elas). E mesmo quando os tempos eram ruins para a agricultura - como aconteceu entre 1815 e a década de 1830 - era improvável que empobrecessem. Sua predominância social permaneceu intacta, seu poder político continuou inalterado no campo, e mesmo no conjunto do país não se abalou muito, ainda que a partir da década de 1830 fossem obrigados a levar em conta as suscetibilidades de uma poderosa e militante classe média de empresários provincianos. E bem possível que, a partir de então, nuvens começassem a toldar o céu azul da vida aristocrática, mas ainda assim, pareciam maiores e mais carregadas do que realmente eram porque os primeiros cinqüenta anos da industrialização haviam sido anos fantasticamente áureos para os proprietários de terras e tí-tulos nobiliárquicos. (...)

Igualmente plácida e próspera era a vida dos numerosos parasitas da sociedade aristocrática rural, tanto a alta como a baixa -aquele mundo de funcionários e fornecedores da nobreza e dos proprietários de terras, e as profissões tradicionais, entorpecidas, corruptas e, à medida que se processava a Revolução Industrial, cada vez mais reacionárias. A Igreja e as universidades inglesas pachor-reavam, acomodadas em suas rendas, privilégios e abusos, protegidas por suas relações com a nobreza, enquanto viam sua corrupção ser atacada com maior dureza na teoria do que na prática. Os advogados, e aquilo que passava por ser um funcionalismo público, eram incorrigíveis. (...)

A classe média vitoriosa e os que aspiravam a essa condição estavam contentes. O mesmo não acontecia aos pobres, aos trabalhadores (que, pela própria essência, constituíam a maioria), cujo mundo e cujo estilo de vida tradicionais tinham sido destruídos pela Revolução Industrial, sem que fossem substituídos automaticamente por qualquer outra coisa. É essa desagregação que forma o cerne da questão dos efeitos sociais da industrialização.

Numa sociedade industrial, a mão-de-obra é em muitos aspectos diferente da que existe na sociedade pré-industrial. Em primeiro lugar, é formada em maioria absoluta por "proletários", que não possuem qualquer fonte de renda digna de menção além do salário em dinheiro que recebem por seu trabalho. (...)

Em segundo lugar, o trabalho industrial - e principalmente o trabalho numa fábrica mecanizada - impõe uma regularidade, uma rotina e uma monotonia totalmente diferente dos ritmos pré-industriais de trabalho, — que dependem da variação das estações e do tempo, da multiplicidade de tarefas em ocupações não afetadas pela divisão racional do trabalho, pelos caprichos de outros seres humanos ou de animais, e até mesmo pelo desejo de se divertir em vez de trabalhar. (...)

Em terceiro lugar, na era industrial o trabalho passou a ser realizado cada vez mais no ambiente sem precedentes da grande cidade; e isso a despeito do fato de a mais antiquada das revoluções industriais efetuar grande parte de suas atividades em vilas industrializadas de mineiros, tecelões, fabricantes de pregos e correntes e outros trabalhadores especializados. (...) Em quarto lugar, nem a experiência, nem a tradição, nem a sabedoria nem a moralidade da era pré-industrial proporcionavam orientação adequada para o tipo de comportamento exigido por uma economia capitalista. Hobsbawm, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 3- ed., Rio de Janeiro, Editora Forense-Universitária, 1983, pp. 74-5 e 79-82.

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14. A CLASSE TRABALHADORA NA INGLATERRA EM MEADOS DO SÉCULO XIX Friedrich Engels

Em 1845 era publicado, em Leipzig, Alemanha, a primeira edição do livro A Situação da

Classe Trabalhadora na Inglaterra, de autoria de Friedrich Engels (1820-1895), um dos fundadores do materialismo histórico. Embora se trate de uma obra clássica, a primeira edição brasileira foi publicada, integralmente, apenas em 1986, ou seja, pouco mais de 140 anos depois da edição original.

Conforme o próprio Engels afirma, 'da primeira à última página, foi um auto de acusação contra a burguesia inglesa que levantei'. De fato, a partir da análise do trabalho do autor pode-se perceber as dramáticas condições de vida a que foram relegados os produtores diretos a partir da Revolução Industrial. Despojados de meios próprios de subsistência, os trabalhadores são obrigados, por uma mera questão de sobrevivência, a ingressar no mundo do trabalho em condições, no mínimo, desumanas. Os relatos de Engels, apoiados em farta documentação, nesse caso, falam por si.

A compreensão da situação da classe trabalhadora leva Engels a terminar seu trabalho com uma advertência às classes dominantes: "O abismo que separa as classes cava-se cada vez mais, o espírito de resistência penetra cada vez mais nos operários, a exasperação torna-se mais viva, as escaramuças isoladas na guerrilha concentram-se para se transformar em combates e em manifestações mais importantes, e bastará, em breve, um ligeiro choque para desencadear a avalancha. Então, um verdadeiro grito de guerra ecoará em todo o país: Guerra aos palácios, paz nos casebres!, mas então será muito tarde para que os ricos possam ainda se defender''.

Os trechos selecionados revelam, na sua totalidade, em vários aspectos, a extensão do drama dos trabalhadores ingleses do século XIX. 1. IDADE DOS OPERÁRIOS, PROPORÇÃO HOMENS/MULHERES, CONDIÇÕES DAS CRIANÇAS

Retiraremos do discurso em que, a 15 de março de 1844, Lord Ashley apresentou a sua moção sobre a jornada de 10 horas à Câmara dos Comuns alguns dados que não foram refutados pelos industriais sobre a idade dos operários e a proporção de homens e mulheres. Estes dados só se aplicam a uma parte da indústria inglesa. Dos 419.590 operários de fábrica do império britânico (em 1839), 192.887 (ou seja, quase metade) tinham menos de 18 anos e 242.996 eram do sexo feminino, dos quais 112.192 menores de 18 anos. Segundo estes números, 80.695 operários do sexo masculino têm menos de 18 anos, e 96.599 são adultos, ou seja, 23%, portanto nem sequer um quarto do total. Nas fábricas de algodão, 56,25% do conjunto

do pessoal eram mulheres, 69,5% nas fábricas de lã, 70,5% nas fábricas de sedas e 70,5% nas fiações de linho. Estes números chegam para demonstrar como os trabalhadores adultos do sexo masculino são afastados. Mas basta entrar na fábrica mais próxima para se ver a coisa efetivamente confirmada. O resultado inevitável é a alteração da ordem social existente, que, precisamente porque é imposta, tem conseqüências muito funestas para os operários. So-bretudo o trabalho das mulheres desagrega completamente a família; porque, quando a mulher passa cotidianamente 12 ou 13 horas na fábrica e o homem também trabalha aí ou em outro emprego, o que acontece às crianças? Crescem, entregues a si próprias como a erva daninha, entregam-nas para serem guardadas fora por um shilling ou shilling e meio por semana, e podemos imaginar como são tratadas. E por essa razão que se multiplicam de uma maneira alarmante, nos distritos industriais, os acidentes de que as crianças são vítimas por falta de vigilância. As listas estabelecidas pelos funcionários de Manchester encarregados de verificar os acidentes indicam (segundo o relatório do Fact. Inq. Comm. Rep. of Dr. Hawkins, p. 3): em 9 meses, 69 mortes por queimaduras, 56 por afogamento, 23 em conseqüência de quedas, 67 por causas diversas, num total de 215 acidentes mortais, enquanto em Liverpool, que não é uma cidade fabril, houve, em 12 meses apenas, 146 acidentes mortais. Os acidentes nas minas de carvão não são incluídos para estas duas cidades. E preciso notar que o coroner

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de Manchester não tem autoridade sobre Sal-ford, sendo a população dos dois distritos mais ou menos idêntica. O Manchester Guardian relata em todos os números, ou quase, um ou vários casos de queimaduras. Acontece que a mortalidade geral das crianças também aumenta devido ao trabalho das mães e os fatos atestam-no de maneira alarmante. As mulheres voltam à fábrica muitas vezes três ou quatro dias após o parto, deixando, bem entendido, o recém-nascido em casa. Na hora das refeições correm para casa para amamentar a criança e comer um pouco. Mas pode-se facilmente imaginar em que condições se efetua este aleitamento! Lord Ashley relata as declarações de algumas operárias:

M. H. de 20 anos tem duas crianças, a menor é um bebê e o mais velho toma conta da casa e do irmão; vai para a fábrica de manhã, pouco depois das 5 horas, e volta às 8 horas da noite. Durante o dia, o leite corre-lhe dos seios a ponto de os vestidos se molharem. H. W. tem três, sai de casa segunda-feira de manhã às 5 horas e só volta sábado às 7 horas da noite. Tem então tantas coisas a fazer para as crianças que não se deita antes das 3 horas da manhã. Acontece-lhe muitas vezes estar molhada até os ossos pela chuva e trabalhar nesse estado. "Os meus seios fizeram-me sofrer horrivelmente e fiquei inundada de leite."

O emprego de narcóticos com o fim de, manter as crianças sossegadas não deixa de ser

favorecido por este sistema infame e está agora disseminado nos distritos industriais. O Dr. Johns; inspetor-chefe dos distritos de Manchester, é de opinião que este costume é uma das causas principais das convulsões mortais muito freqüentes. O trabalho da mulher na fábrica desorganiza inevitavelmente a família, e esta desorganização tem, no estado atual desta sociedade baseada na família, as conseqüências mais desmoralizantes, tanto para os pais como para as crianças. 2. AS NOVAS CONDIÇÕES DO TRABALHO E A MORALIDADE

Mas isto não é nada. As conseqüências morais do trabalho das mulheres nas fábricas

ainda são bem piores. A reunião de pessoas dos dois sexos e de todas as idades na mesma oficina, a inevitável promiscuidade que daí resulta, o amontoamento num espaço reduzido de pessoas que não tiveram nem formação intelectual nem moral não são fatos de efeito favorável no desenvolvimento do caráter feminino. O industrial, mesmo se presta atenção a isso, não pode intervir senão quando o escândalo é flagrante. Não poderia estar informado da influência permanente, menos evidente, que exercem os caracteres dissolutos sobre os espíritos mais morais e em particular sobre os mais jovens e, por conseguinte, não pode evitá-la. Ora, esta influência é precisamente a mais nefasta. A linguagem empregada nas fábricas é, segundo diversas descrições dos comissários de fábricas, em 1833, como "inconveniente", "má", "imprópria", etc. A situação é, em menor grau, a que constatamos em grande proporção nas cidades. A concentração da população tem o mesmo efeito sobre as mesmas pessoas, quer seja numa grande cidade ou numa fábrica relativamente pequena. Se a fábrica é pequena, a promiscuidade é maior e as ligações inevitáveis. As conseqüências não se fazem esperar. Uma testemunha de Leicester disse que preferia ver a sua filha mendigar do que deixá-la ir para a fábrica, que a fábrica é um verdadeiro inferno, que a maior parte das mulheres da vida estão naquela situação devido à sua permanência na fábrica. Uma outra em Manchester "não tem nenhum escrúpulo em afirmar que três quartos das jovens operárias de fábrica dos 14 aos 20 anos já não são virgens". O comissário Cowell emite a opinião de que a moralidade dos operários de fábrica se situa um pouco abaixo da média da classe trabalhadora em geral e o Dr. Hawkins afirma:

É difícil dar uma estimativa numérica da moralidade sexual, mas, tendo em conta as minhas próprias observações, a opinião geral daqueles com quem falei, assim como o teor dos testemunhos que me forneceram, a influência da vida na fábrica sobre a moralidade da juventude feminina parece justificar um ponto de vista bastante pessimista.

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Acontece que a servidão da fábrica, como qualquer outra e mesmo mais que todas as outras, confere ao patrão o Jus primae noctis. Deste modo o industrial é também o dono do corpo e dos encantos das suas operárias. A ameaça de demissão é uma razão suficiente para, em 90 ou 99% dos casos, anular qualquer resistência da parte das jovens que, além disso, não têm disposições particulares para a castidade. Se o industrial é suficientemente infame (e o relatório da comissão cita vários casos deste gênero), a sua fábrica é ao mesmo tempo o seu harém. O fato de nem todos os industriais fazerem uso do seu direito não altera nada a situação das moças. Nos princípios da indústria manufatureira, na época em que a maior parte dos industriais eram novos ricos sem educação que só respeitavam as regras da hipocrisia social, não abandonavam por nada o exercício dos seus direitos adquiridos. 3. AS' CONDIÇÕES DO TRABALHO INFANTIL

A elevada mortalidade que se verifica entre os filhos dos operários, e particularmente dos operários de fábrica, é uma prova suficiente da insalubridade à qual estão expostos durante os primeiros anos. Estas causas também atuam sobre as crianças que sobrevivem, mas evidentemente os seus efeitos são um pouco mais atenuados do que naquelas que são suas vítimas. Nos casos mais benignos, têm uma predisposição para a doença ou um atraso no desenvolvimento e, por conseqüência, um vigor físico inferior ao normal. O filho de um operário, que cresceu na miséria, entre as privações e as vicissitudes da existência, na umidade, no frio e com falta de roupas, aos nove anos está longe de ter a capacidade de trabalho de uma criança criada em boas condições de higiene. Com esta idade é enviado para a fábrica, e aí trabalha diariamente seis horas e meia (anteriormente oito horas, e outrora de doze a catorze horas, e mesmo desesseis) até a idade de treze anos. A partir deste momento, até os dezoito anos, trabalha doze horas. Aos fatores de enfraquecimento que persistem junta-se também o trabalho. É verdade que não podemos negar que uma criança de nove anos, mesmo filha de um operário, possa suportar um trabalho cotidiano de seis horas e mais sem que daí resultem para o seu desenvolvimento efeitos nefastos visíveis, de que este trabalho seria a causa evidente. Mas temos que confessar que a permanência na atmosfera da fábrica, sufocante, úmida, por vezes de um calor morno, não poderia em qualquer dos casos melhorar a sua saúde. De qualquer maneira, é dar prova de irresponsabilidade sacrificar à cupidez de uma burguesia insensível os anos de vida das crianças, que deveriam ser exclusivamente consagrados ao desenvolvimento físico e intelectual, e privar as crianças da escola e do ar puro, para as explorar em proveito dos senhores industriais. Claro, a burguesia diz-nos: "Se não empregarmos as crianças nas fábricas, elas ficarão em condições de vida desfavoráveis ao seu desenvolvimento", e no conjunto este fato é verdadeiro. Mas que sig-nifica este argumento, posto no seu justo lugar, senão que a burguesia coloca primeiro os filhos dos operários em más condições de existência e que explora em seguida estas más condições em seu proveito? Ela evoca um fato de que é tão culpada como do sistema industrial, justificando a falta que comete hoje com aquela que cometeu ontem. Se a lei sobre as fábricas não lhes prendesse um pouco as mãos, verificaríamos como estes burgueses "bondosos" e "humanos", que no fundo não edificaram as fábricas senão para o bem dos operários, tomariam a defesa dos interesses dos trabalhadores. Vejamos um pouco como eles agiram antes de serem vigiados pelos inspetores de fábrica! O seu próprio testemunho, o relatório do Factories Inquiry Commission, de 1833, deve confundi-los.

O relatório da Comissão Central constata que os fabricantes raramente empregavam crianças de cinco anos, freqüentemente as de seis anos, muitas vezes as de sete anos e a maior parte das vezes as de oito ou nove anos; que a duração do trabalho atingia, por vezes, 14 a 16 horas por dia (não incluindo as horas das refeições), que os industriais toleravam que os vigilantes batessem e maltratassem as crianças, e eles próprios agiam muitas vezes do mesmo modo; relata-se mesmo o caso de um industrial escocês que perseguiu a cavalo um operário

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de dezesseis anos, que fugira, trouxe-o de volta obrigando-o a correr diante dele à velocidade do seu cavalo no trote, batendo-lhe continuamente com um grande chicote. Nas grandes ci-dades, onde os operários mais resistiam, é verdade que tais casos eram menos freqüentes. No entanto, mesmo esta longa jornada de trabalho não aplacava a voracidade dos capitalistas. Era preciso por todos os meios fazer com que o capital investido nas construções e em máquinas fosse rentável, era necessário fazê-lo trabalhar o mais possível. E por isso que os industriais introduziram o escandaloso sistema de trabalho noturno. Em algumas fábricas havia duas equipes de operários, cada qual suficientemente numerosa para fazer funcionar toda a fábrica; uma trabalhava as doze horas do dia, a outra as doze horas da noite. Não é difícil imaginar as conseqüências que fatalmente teriam sobre o estado físico das crianças, e mesmo dos adolescentes e adultos, esta privação permanente do repouso noturno, que nenhum sono diurno poderia substituir. Sobre-excitação do sistema nervoso ligada a um enfraquecimento e a um esgotamento de todo o corpo, tais eram as conseqüências inevitáveis. Engels, Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. São Paulo, Global, 1986, pp.

165-6, 170-1 e 172-4. 15. CONSEQÜÊNCIAS IMEDIATAS DA PRODUÇÃO MECANIZADA SOBRE O TRABALHADOR Karl Marx

Em sua obra máxima, O Capital, cujo primeiro volume foi publicado em 1867, Karl Marx

(1818-1883), no capítulo 13, parte 3, examina as conseqüências imediatas da produção mecanizada sobre o trabalhador na nova sociedade industrial então em desenvolvimento.

Apoiado em farta documentação (jornais, relatórios médicos, investigações orientadas pelo próprio Parlamento inglês, etc.) e, baseando-se, inclusive, no trabalho escrito por F. Engels, em 1845, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, examinado anteriormente, o filósofo e teórico alemão apresenta um quadro bastante real das novas condições de vida impostas à classe trabalhadora.

E importante observar que K. Marx estabelece uma conexão entre a extensão do trabalho à toda uma família operária, aí incluídas mulher e crianças, e a conseqüente desvalorização da força de trabalho do homem adulto. Em decorrência, aumenta a mais-valia a ser explorada e, por conseguinte, verifica-se maior acumulação de capital.

O texto possibilita, ainda, melhor conhecimento acerca do trabalho infantil, aludindo à lei fabril de 1844, e sua exigência de que as crianças deveriam passar três horas por dia em ' 'escolas'' para poder empregar-se. As "escolas", por sua vez, deveriam emitir certificados de presença das crianças, sem os quais, os empregadores não podiam contratá-las.

A obliteração intelectual dos adolescentes, artificialmente produzida com a

transformação deles em simples máquinas de fabricar mais-valia, é bem diversa daquela ignorância natural em que o espírito, embora sem cultura, não perde sua capacidade de desenvolvimento, sua fertilidade natural. Essa obliteração forçou finalmente o Parlamento inglês a fazer da instrução elementar condição compulsória para o emprego "produtivo" de menores de 14 anos em todas as indústrias sujeitas às leis fabris. O espírito da produção capitalista resplandecia vitorioso na redação confusa das chamadas cláusulas de educação das leis fabris, na falta de aparelhagem administrativa, que tornava freqüentemente ilusória a obrigatoriedade do ensino, na oposição dos próprios fabricantes contra essa obrigatoriedade e nas suas manhas e trapaças para se furtarem a ela.

Toda crítica deve ser dirigida contra a legislatura que promulgou uma lei ilusória que, ostentando o pretexto de cuidar da instrução das crianças, não contém nenhum dispositivo que assegure a consecução desse objetivo. Essa lei estabelece apenas que as crianças sejam encerradas "por determinado número de horas" (três horas) "por dia entre as quatro paredes de

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um local chamado escola, e que o empregador receba por isso semanalmente certificado subscrito por uma pessoa que se qualifique de professor ou professora".

Antes da lei fabril emendada, de 1844, não eram raros os certificados de freqüência à

escola, subscritos com uma cruz por professores ou professoras que não sabiam escrever. Ao visitar uma dessas escolas que expediam certificado, fiquei tão chocado com a ignorância do mestre-escola que lhe perguntei: Por favor, o senhor sabe ler? Responde ele: Ah! sei somar. Para justificar-se, acrescentou: em todo caso, estou à frente dos meus alunos.

Quando se elaborava a lei de 1844, os inspetores de fábrica denunciaram a situação lamentável das pretensas escolas, cujos certificados eram obrigados a aceitar como legalmente válidos. Tudo o que conseguiram foi que, a partir de 1844,

o mestre-escola tinha de escrever, com seu próprio punho, o número do certificado escolar, subscrevendo-se com seu nome e sobrenome.

Sir John Kincaid, inspetor de fábrica na Escócia, narra experiências semelhantes em

suas funções oficiais. A primeira escola que visitamos era mantida por uma senhora Ann Kil-lin. Quando lhe pedi para soletrar o sobrenome, cometeu logo um erro começando-o com a letra C, mas corrigindo-se imediatamente disse que seu sobrenome começava com K. Olhando suas assinaturas nos livros de certificados escolares, reparei que o escrevia de maneiras diferentes, não deixando sua letra nenhuma dúvida quanto à sua incapacidade para ensinar... Ela mesma confessou que não sabia fazer os registros... Numa segunda escola, a sala de aula tinha 15 pés de comprimento por 10 pés de largura e continha 75 crianças que grunhiam algo ininteligível. Mas, não é apenas nesses lugares miseráveis que as crianças recebem atestados de freqüência escolar e nenhum ensino; existem muitas escolas com professores competentes, mas seus esforços se perdem diante do perturbador amontoado de meninos de todas as idades, a partir de três anos. Sua subsistência, miserável, depende totalmente do número dos pence recebidos

do maior número possível de crianças que consegue empilhar num quarto. Além disso, o mobiliário escolar é pobre, há falta de livros e de material de ensino e uma atmosfera viciada e fétida exerce efeito deprimente sobre as infelizes crianças. Estive em muitas dessas escolas e nelas vi filas inteiras de crianças que não faziam absolutamente nada, e a isto se dá o atestado de freqüência escolar; e esses meninos figuram na categoria de instruídos, de nossas estatísticas oficiais. (...)

Com o afluxo predominante de crianças e mulheres na formação do pessoal de

trabalho combinado, quebra a maquinaria finalmente a resistência que o trabalhador masculino opunha, na manufatura, ao despotismo do capital. Marx, Karl. O Capital. 3ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, Livro I, v. 1, pp. 456-9. 16. MÁQUINAS, MULTIDÕES, CIDADES E PERDAS Maria Stella Martins Bresciani

Em artigo publicado na Revista Brasileira de História, a historiadora Maria Stella Martins

Bresciani consegue perceber algumas das contradições básicas da nova sociedade do trabalho nascida com a Revolução Industrial. Observa que nessa sociedade o de-senraizamento e a perda da identidade se constituem em experiências dramáticas para o homem. A autora chama nossa atenção para um aspecto contraditório, irônico e, ao mesmo tempo, perturbador, que perpassa essa nova experiência da humanidade, pois o triunfo da máquina era apresentado como a expressão concreta do domínio do homem sobre a natureza. No entanto, foi essa mesma máquina que teve o poder de transformar a

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estrutura social e, por conseguinte, aprisionar e escravizar o próprio homem à uma ordem exterior a ele. A partir de então, a profª Maria Stella nos revela as perdas que a nova sociedade do trabalho impôs ao homem.

Para além da força emocional da retórica poética e literária em geral, presente nos

textos dos homens cultos do século XIX, aparecem com igual impacto os delineamentos de uma nova sensibilidade. Convencidos de estarem vivendo no limiar de uma "nova era", prenhe de um potencial transformador ainda não avaliado, eles se lançaram à empresa de anotar em seus escritos os sinais visíveis dessa novidade de dimensões desconhecidas e assustadoras. O sentido de desenraizamento expresso na perda de identidade social e de formas de orientação multisseculares, aparece de maneira recorrente elaborando a imagem de uma crise de proporção e conteúdo inéditos. Sem dúvida, os termos desarraigado e desenraizado falam do homem arrancado de sua íntima relação com a natureza, mas paradoxalmente apontam para a nova condição humana de vencedor da natureza. Afinal, atribuía-se aos engenhos astuciosos fabricados pelos homens — as máquinas com seus mecanismos irresistíveis e incansáveis — essa vitória na guerra com a rude natureza. A máquina foi apontada como expressão simbólica e material dessa vitória que lograra emancipar o homem do limitado destino de ser subjugado aos imperativos do mundo físico. A máquina o século XIX conferiu todo o poder transformador e produtor da abundância e apostou nela como possibilidade, não muito remota, de superação do reino da necessidade (superação de um mundo sempre às voltas com a escassez de recursos para manter o crescimento ilimitado do gênero humano), mas também a ela foi conferido o poder transformador da estrutura social (the fabric of society), o que colocava em algo exterior ao próprio homem a potência movimentadora do novo sistema social (social system).

Máquinas, multidões, cidades: o persistente trínômio do progresso, do fascínio e do medo. O estranhamento do ser humano em meio ao mundo em que vive, a sensação de ter sua vida organizada em obediência a um imperativo exterior e transcendente a ele mesmo, embora por ele produzido. Registros de perdas e de imposições violentas encontram-se nos escritos de homens que se auto-representaram contemporâneos de um ato inaugural... E a constituição dessa "nova sensibilidade" que procuro acompanhar neste artigo, na certeza de que, hoje, o sentido de emancipação da máquina em relação ao homem se expressa na aceitação de uma lógica interna ao próprio progresso técnico e repõe a insólita experiência vivida pelo homem quando considerou, a si mesmo, por sua astúcia, vitorioso sobre a natureza.

Para penetrar nos meandros dessa nova sensibilidade decidi percorrer alguns textos, onde literatos, médicos, advogados, filósofos, filantropos, estadistas, em suma, o homem letrado em geral, expressaram o sentimento de perdas diversas e de viverem situações paradoxais: registros semelhantes encontrei também em depoimentos de trabalhadores rurais e fabris, de vendedores ambulantes, artistas de rua, enfim de toda a grande parcela da população que subsiste através do trabalho de suas mãos.

Quais perdas? A representação do tempo regido pela natureza perde-se e junto com ela a medida do

tempo relacionada às tarefas cíclicas e rotineiras do trabalho. Se desfaz um ajuste entre o ritmo do mundo físico e as atividades humanas, o que implica a dissolução de uma relação imediata, natural e inteligível de compulsão da natureza sobre o homem. Perda que implica a imposição de uma nova concepção do tempo: abstrato, linear, uniformemente dividido a partir de uma convenção entre os homens, medida de valor relacionada à atividade do comerciante e às longas distâncias. Tempo a ser produtivamente aplicado, que se define como tempo do patrão - tempo do trabalho, cuja representação aparece como imposição de uma instância captada pelo intelecto, porém, presa a uma lógica própria, exterior ao homem, que o subjuga. Delineia-se uma primeira exterioridade substantivada no relógio,

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concomitantemente artefato e mercadoria. Na atividade do trabalho uma outra perda. A unidade do homem com suas condições de

produção e com a finalidade dessa produção definida pelas suas próprias e limitadas necessidades cinde-se numa dupla exterioridade: de extensões inorgânicas de seu corpo or-gânico, as ferramentas se autonomizam materializando-se na máquina, vale dizer, tornando dispensável a arte de suas mãos: de finalidade da produção, o homem passa a ser uma das engrenagens de um processo que objetiva repor a própria produção. O trabalhador despojado das condições objetivas do trabalho é reduzido à mera subjetividade, à força de trabalho.

Os sistemas de trabalho com base em relações pessoais se desfazem substituídos pela

impessoalidade das relações do mercado. O vínculo entre o mestre-artesão e seu aprendiz, certeza de trabalho, e aquisição de uma destreza específica e de uma identidade profissional rompe-se; a relação patrão-operário tem um caráter puramente mercantil e sobre ela se erige uma representação que a coloca em uma instância transcendente ao homem — a lei da oferta e da procura inscrita na natureza das relações humanas - que, produto da atividade intelectual, passa a ser interpretada como princípio férreo de ordenação do social.

Uma última perda: o homem, em especial o trabalhador fabril e urbano em geral, arrancado dos vilarejos e impelidos a levar uma vida agressiva nas cidades. Perda do habitat tradicional, onde conjugava-se o trabalho artesanal com o labor dos campos; onde toda a família encontrava condições de trabalho e onde a vida não aparecia cindida em tempo do patrão e lugar do trabalho contrapostos a tempo do descanso e lugar de morar.

O registro de cada uma dessas perdas se fez presente no decorrer de três séculos, pelo menos, e culmina nos inícios do século XIX, na percepção de que o homem ao sobrepujar-se à natureza havia caído na armadilha de sua própria astúcia. A cidade moderna representa o momento culminante desse longo processo e também o lugar onde se acumulam homens despojados de parte de sua humanidade; em suma, lugar onde a subordinação da vida a imperativos exteriores ao homem se encontra levada às últimas conseqüências. Fascínio e medo; a cidade configura o espaço por excelência da transformação, ou seja, do progresso e da história; ela representa a expressão maior do domínio da natureza pelo homem e das condições artificiais (fabricadas) de vida.

É ainda importante anotar a solidariedade entre o conjunto dessas perdas e a elaboração intelectual de uma distância entre o homem e seus semelhantes; a elaboração da figura de um sujeito de conhecimento capaz de estabelecer um distanciamento considerado necessário para a observação e avaliação da natureza. A relação de exterioridade, corrente na avaliação da natureza, estende-se, no século XIX, como experiência de conhecimento para as relações entre os homens. O olhar analítico e classificador procura imobilizar em momentos sucessivos de avaliação tudo aquilo que vê em constante movimento e que precisa permanecer em contínua movimentação. O fluxo ininterrupto dos homens no trabalho, dos homens se deslocando pelas ruas, dos homens ocasionalmente fora do trabalho, dos homens que tiram seu sustento trabalhando nas ruas, dos homens que vagam recusando-se a trabalhar, dos homens que se mantêm através de expedientes pouco confessáveis: tudo é submetido a esse olhar avaliador. A cidade se constituirá no observatório privilegiado da diversidade: ponto estratégico para apreender o sentido das transformações, num primeiro passo, e logo em seguida, à semelhança de um laboratório, para definir estratégias de controle e intervenção. Não por acaso, à frase de Vitor Hugo: "A França observa Paris e Paris observa o faubourg Saint Antoine" (Os Miseráveis), corresponde um axioma da polícia londrina. "Guarde-se St. James vigian-do-se St. Giles."

Nos dois casos, os objetos de constante vigilância são os bairros operários, cujo potencial de revolta é considerado mais ameaçador, onde, portanto, os sinais da revolução podem ser detectados. Nesses anos cinqüenta do século passado, tinha-se já formulado um quadro conceituai que, recolhendo inúmeras experiências de investigação da nova sociedade,

permitia distinguir na diversidade aparente duas entidades distintas e antagônicas. É parte

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dessa nova sensibilidade a expressão "Duas Nações", cunhada por Disraeli para falar do abismo existente entre ricos-civilizados e pobres-selvagens. Descontado o apelo emocional, a expressão possui uma força explicativa plástica, pois remete imediatamente para a imagem de uma sociedade cindida em duas partes irreconciliáveis, com identidades próprias e diferenciadas. Bresciani, Maria Stella Martins. Metrópoles: As Faces do Monstro Urbano (A Cidades no Século XIX). In: Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Editora Marco Zero, 1984/85, v. 5, nº 8/9, pp. 36-40.

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O Movimento Operário Europeu

partir do momento da consolidação do capitalismo, as condições de vida e de trabalho do nascente proletariado tornaram-se extremamente precárias. Tais condições eram ainda mais insuportáveis à medida que contrastavam de maneira

brutal com o novo estilo de vida desenvolvido pela burguesia industrial. E dentro deste contexto que se desenrola o movimento operário europeu ao longo do século XIX. Este movimento desdobra-se, inicialmente, em formas de resistência que se traduzem no ludismo,

expressão do protesto da nascente classe operária. Num segundo momento, por volta de meados do século, configura-se o movimento cartista, que tinha como objetivo possibilitar ao

proletariado até mesmo uma representação política. E possível perceber, pois, um amadurecimento da luta e da resistência dos trabalhadores.

Já na segunda metade do século, surgiram as primeiras associações de trabalhadores (trade unions) que, embora inicialmente apresentassem um caráter assistencialista, vieram a dar origem aos sindicatos.

Paralelamente às lutas operárias do século XIX, no plano teórico, notadamente a partir da publicação do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, em 1848, desenvolvia-se o socialismo científico ou marxismo. Fundamentando seu pensamento na dialética hegeliana, na economia política inglesa e no socialismo, o marxismo propunha uma nova teoria da história: o materialismo histórico, segundo o qual a história se desenvolve dialeticamente, a partir das relações de produção existentes e predominantes em cada sociedade. Estas, corresponderiam à infra-estrutura e, em última instância, determinariam a superestrutura política, jurídica e ideológica da sociedade.

Segundo Marx e Engels, a superação de um modo de produção por outro estaria diretamente relacionada às lutas de classe que caracterizariam a história da sociedade humana. Partindo do princípio de que no capitalismo a produção da riqueza era socializada mas sua apropriação se dava apenas pelos que detinham os meios de produção, Marx e Engels estudaram o caráter contraditório do modo de produção capitalista e perceberam que as transformações seriam aceleradas a partir da organização e conscientização da classe operária.

Assim, percebe-se a estreita relação existente entre o marxismo e o movimento operário europeu durante a segunda metade do século XIX. A formação das Associações Internacionais dos Trabalhadores (AIT) reflete a forte influência do socialismo no movimento operário.

Enquanto lê os textos e documentos selecionados, procure refletir sobre as seguintes questões:

1. A partir da leitura dos textos de Henderson, Engels e Hobsbawm pode-se afirmar que o movimento ludita foi ingênuo e ineficaz? Justifique a sua resposta.

2. Relacione os objetivos da Associação Internacional dos Trabalhadores.

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3. Por que para Bakunin é indispensável a luta contra o Estado? 4. Por que a Comuna de Paris assinala o nascimento das revoluções proletárias? 5. Quais são os pontos básicos do Revisionismo da Social-Demo-cracia e que se

manifestam à época da II Internacional? 6. Segundo a Declaração sobre a guerra, por que as guerras são contrárias aos interesses

da classe operária? 17. O LUDISMO W. O Henderson

Uma das primeiras manifestações de revolta dos operários contra a sua miserável situação foi o

ludismo, movimento de protesto caracterizado pela destruição das máquinas e que ocupou os últimos anos do século XVIII e os primeiros do século XIX. Trata-se de uma reação que possui grande importância e significado, revelando a seriedade dos problemas sociais decorrentes da Revolução Industrial.

O texto a seguir aprofunda algumas questões referentes ao ludismo, expressão que deriva do nome de Ned Ludd, tecelão que teria se destacado pela liderança do movimento. Chama-se a atenção para a brutalidade da reação oficial que, juntamente com o aprofundamento de uma consciência de classe maior, inviabilizou o ludismo. Por volta de 1820, os trabalhadores iniciavam novas formas de resistência.

O movimento luddite em Inglaterra, que atingiu o auge em 1811-1812, começou como

um levantamento dos fabricantes de meias no condado de Nottingham. Nessa altura, a manufatura de meias era ainda uma indústria caseira. A malha produzia-se em máquinas manuais, em pequenas oficinas, mas os artífices eram empregados por patrões que possuíam as máquinas e as matérias-primas. Em 1811, os operários das meias queixaram-se de que os patrões estavam lançando no mercado quantidades excessivas de produto ao mesmo tempo barato e vistoso, e, para se manterem em concorrência, diminuíam os salários, tornando mais dura a vida dos operários. Estes pediam o regresso aos métodos tradicionais de produção e venda e às tabelas anteriores de pagamento e serviam-se do terror como principal argumento. Estavam tão bem organizados que se podia pensar que um único cérebro planejava todos os movimentos contra os industriais. Contudo, parece provável que vários chefes dos bandos destruidores de máquinas, que aterrorizavam a região, usassem o nome terrível de "General Ludd". Os luddites agiam em grupos de cerca de cinqüenta e invadiam, rápidos, uma aldeia após outra para destruir as máquinas de malhas, desaparecendo tão silenciosamente como tinham chegado, sem que as autoridades os conseguissem apanhar. Em 1812, o movimento luddite espalhou-se até a região de lã de West Riding e as cidades algodoeiras do Lancashire e do Cheshire. No Times de 16 de junho afirmava-se que uma deputação de proprietários do Lancashire tinha vindo a Londres informar o Governo de que os luddites haviam instalado no condado várias forjas para poderem fabricar chuços. No Yorkshire, os mais graves incidentes foram o assalto noturno à fábrica de Wil-liam Cartwright, em Liversedge, e o assassinato do industrial William Horsfall, quando regressava a casa vindo do mercado de Huddersfield.

Supunha-se que os ataques luddites à vida e à propriedade dos industriais faziam parte de uma conspiração geral dos trabalhadores para derrubar o governo. Robert Southey pensava que só o exército podia salvar o país desta "insurreição dos pobres contra os ricos", enquanto Walter Scott declarava que "o país estava todo minado".

O Parlamento organizou comissões secretas para acompanhar a situação e foi informado de que os insurretos dos distritos revoltados possuíam uma organização de tipo militar. Aos magistrados locais foram então enviados reforços que lhes permitissem lutar contra os destruidores de máquinas e, em janeiro de 1813, foram enforcados 17 em Iorque: três pelo assassinato de Horsfall e os outros pelo ataque à fábrica de Cartwright. Estas medidas ajudaram a restaurar a lei e a ordem, embora houvesse novas revoltas e destruição

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de máquinas em Midlands em junho de 1816, quando 53 máquinas foram partidas na fábrica de Heathcote Boden, em Loughborough.

Henderson, W. O. A Revolução Industrial. São Paulo, Verbo/Edusp, 1979, pp. 178-80. 18. O LUDISMO NA ORIGEM DOS MOVIMENTOS OPERÁRIOS Friedrich Engels

Também para Engels o movimento de quebra ás máquinas não passou despercebido. Em seu

clássico A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra o tema é abordado. O autor observa que o ludismo insere-se como uma etapa importante na construção de uma consciência operária, mas não a primeira. Antes dela, o crime e o roubo destacaram-se como uma reação no limite do desespero com as novas condições geradas pela sociedade industrial. E o próprio Engels quem afirma: ' 'A primeira forma, a mais brutal e a mais estéril que esta revolta assumiu foi o crime".

O texto possibilita, ainda, a compreensão de que essa primeira reação, comentada anteriormente, foi ineficaz. Os próprios trabalhadores perceberam a necessidade de forjar novas formas de luta. É dentro desse contexto que se insere o movimento ludita, comentado a seguir por Engels.

A revolta dos operários contra a burguesia começou pouco depois do início do desenvolvimento da indústria e atravessou diversas fases. Este não é o local indicado para expor detalhadamente a importância histórica destas diversas fases para a evolução do povo inglês. Sou obrigado a reservar a abordagem destas questões para um estudo posterior e a limitar-me, por enquanto, aos fatos, na medida em que podem servir para caracterizar a situação do proletariado inglês.

A primeira forma, a mais brutal e a mais estéril, que esta revolta assumiu foi o crime. O operário vivia na miséria e na indigência e via outros que gozavam de situação melhor. A sua razão não conseguia compreender por que era precisamente ele que tinha que sofrer nestas condições, ele que fazia bem mais pela sociedade do que um rico ocioso. Por outro lado, a necessidade venceu o respeito inato pela propriedade — começou a roubar. Vimos que o número de delitos aumentou com a expansão da indústria e que o número anual de prisões está em relação constante com os fardos de algodão vendidos no mercado.

Mas em breve os operários tiveram de constatar a ineficácia deste método. Com os seus roubos, os delinqüentes não podiam protestar contra a sociedade senão isoladamente, individualmente; todo o poderio da sociedade caía sobre cada criminoso e esmagava-o com a sua enorme superioridade. Além disso, o roubo era a forma menos evoluída e consciente de protesto e, por essa simples razão, nunca foi a expressão geral da opinião pública dos operários, mesmo que eles a aprovassem tacitamente. A classe operária começou a se opor à burguesia quando resistiu violentamente à introdução das máquinas, como aconteceu logo no início do movimento industrial. Deste modo, os primeiros inventores (Arkwright e outros) começaram por ser perseguidos e as suas máquinas destruídas; mais tarde deu-se um grande número de revoltas contra as máquinas, que se desenrolaram quase exatamente como as revoltas dos impressores da Boêmia em junho de 18441; as oficinas foram demolidas e as máquinas, destruídas.

Esta forma de oposição, também ela, não existia senão isolada, limitada a certas localidades e não visava senão um só aspecto do regime atual. Atingindo o fim imediato, o poder da sociedade recaía com toda a sua violência sobre os recalcitrantes sem defesa e casti-gava-os como queria, enquanto continuavam a introduzir as máquinas. Era preciso encontrar uma nova forma de oposição. NOTA: 1. Engels refere-se muitas vezes na sua introdução a estas revoltas que tiveram lugar na

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Boêmia e na Silésia. Engels, Friedrich op. cit., pp. 242-3.

19. QUAL A EFICÁCIA DA DESTRUIÇÃO DE MÁQUINAS? Eric J. Hobsbawm

Com muita freqüência, discute-se sobre a eficácia do movimento ludita, examinado nos textos

anteriores. Para muitos, não teria passado de uma reação desesperada, ingênua e ineficaz dos trabalhadores industriais. No entanto, é possível fazer uma nova leitura do movimento, e é o que se propõe E. J. Hobsbawm. O autor se questiona até que ponto o ludismo foi, de fato, significativo para o movimento operário, observando que ele não foi ' 'de maneira alguma a arma desesperadamente ineficiente que se tem feito parecer''.

Chegamos agora ao último e mais complexo problema: qual a eficácia da destruição de máquinas? E justo afirmar, acho eu, que a negociação coletiva através do tumulto foi pelo menos tão eficiente como qualquer outro meio de exercer pressão sindical, e provavelmente mais eficiente do que qualquer outro meio disponível antes da era dos sindicatos nacionais para grupos tais como os tecelões, marinheiros e mineiros. Isso não é afirmar muito. Os homens que não gozam da proteção natural dos pequenos números e escassas habilidades de aprendiz, que podem ser salvaguardadas pela entrada restrita no mercado e monopólios de contratação das firmas, estavam em qualquer caso obrigados normalmente a ficar na defensiva. O sucesso deles portanto devia ser medido pela sua capacidade de manter as condições estáveis — por exemplo, níveis de salários estáveis — contra o desejo perpétuo e bem anunciado dos patrões de reduzi-los ao nível da fome. Isto exigiu uma luta incessante e eficiente. Pode-se alegar que a estabilidade no papel era minada constantemente pela lenta inflação do século XVIII, que fraudava com firmeza o jogo contra os assalariados; mas seria pedir demais das atividades do século XVIII enfrentar isso. Dentro dos seus limites, dificilmente se pode negar que os tecelões de seda de Spitalfields se beneficiaram com os seus tumultos. As disputas dos barqueiros, marinheiros e mineiros no Nordeste, das quais temos registros, terminaram, não raro, com a vitória ou um compromisso aceitável. Além do mais, o que quer que tenha acontecido nos engajamentos individuais, o tumulto e a destruição de máquinas proporcionaram aos trabalhadores reservas valiosas em todas as ocasiões. O patrão do século XVIII estava constantemente consciente de que uma exigência intolerável produziria, não uma perda de lucros temporários, mas a destruição de equipamento importante. Em 1829 a Comissão dos Lordes perguntou a um proeminente gerente de minas de carvão se a redução dos salários nas minas do Tyne e do Wearside podia "ser efetuada sem perigo para a tranqüilidade do distrito, ou risco de destruição de todas as minas, com toda a maquinaria, e o valioso capital nelas investido". Ele achava que não. Inevitavelmente, o empregador que se defrontava com esses riscos fazia uma pausa antes de provocá-los, com medo de que "sua propriedade e talvez sua vida (pudessem) correr perigo em conseqüência".' "Muito mais patrões do que se podia esperar", notou Sir John Clapham com injustificada surpresa, apoiaram a manutenção das Leis dos Tecelões de Seda de Spitalfields, porque sob elas, alegavam eles "o distrito viveu num estado de quietude e repouso".

Podem o tumulto e a destruição de máquinas, contudo, deter o avanço do progresso técnico? Comprovadamente não podem deter o triunfo do capitalismo industrial como um todo. Numa escala menor, no entanto, eles não são, de maneira alguma, a arma desesperada-mente ineficiente que se tem feito parecer. Assim, supõe-se que o medo dos tecelões de Norwich impediu a introdução de máquinas lá. O ludismo dos tosquiadores do Wiltshire em 1802 certamente adiou a generalização da mecanização; uma petição de 1816 nota que "no tempo da Guerra não havia nenhuma percha1 nem Bastidores em Trowbridge mas lamento relatar que estão agora aumentando Todo Dia". Por paradoxal que pareça, a

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destruição pelos indefesos trabalhadores rurais em 1830 parece ter sido a mais eficiente de todas. Embora as concessões salariais fossem em breve perdidas, as máquinas de debulhar não voltaram de maneira alguma na velha escala. Quanto desse sucesso foi devido aos homens, quanto ao ludismo latente ou passivo dos próprios empregadores, não podemos, contudo, determinar. No entanto, qualquer que seja a verdade na questão, a iniciativa veio dos homens, e até esse ponto eles podem reivindicar uma parcela importante em qualquer desses sucessos.

NOTA 1. Máquina composta de vários tambores guarnecidos de corda para tornar paralelo o pelo dos estofos. (N. do T.) Hobsbawm, Eric J. Os Trabalhadores — Estudos sobre a História do Operariado. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981, pp. 26-7. 20. A ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES

Em 1864 foi criada a Associação Internacional dos Trabalhadores (ATT), sendo que um de seus

fundadores foi Karl Marx, que conseguiu impor suas idéias fundamentais, as quais transparecem no preâmbulo dos estatutos aprovados. Para Marx essa Associação era de fundamental importância, uma vez que ela poderia significar maior clareza de objetivos por parte da totalidade do movimento. O texto abaixo é o preâmbulo dos estatutos da Internacional.

Considerando

que a emancipação da classe trabalhadora precisa ser obra da própria classe trabalhadora; que a luta em prol da emancipação da classe trabalhadora não constitui uma luta em prol de prerrogativas de monopólio de classe, mas antes uma luta em prol de direitos e deveres equitativos e de aniqui-lamento de qualquer domínio de classe; que a subjugação econômica do trabalhador a quem se privou dos meios para o trabalho, isto é, das fontes de vida, constitui a raiz da servidão sob todas as suas formas - a miséria social, a atrofia mental e a dependência política; que, pois, a emancipação econômica da classe trabalhadora constitui o grande objetivo final, ao qual se há de subordinar, como objetivo final, qualquer movimento político; que todas as tentativas até agora empreendidas visando esse objetivo fracassaram por falta de acordo entre os múltiplos ramos do trabalho de cada país e pela ausência de uma união fraterna entre as classes trabalhadoras dos diversos países; que a emancipação da classe trabalhadora não constitui tarefa nem local nem nacional, mas é uma tarefa social que compreende todos os países em que existe a sociedade moderna e cuja solução depende da cooperação prática e teórica dos países mais adiantados; que o movimento que atualmente se renova, da classe trabalhadora nos países industriais da Europa, enquanto desperta novas esperanças, também representa uma solene advertência contra uma recaída dos antigos enganos e insta a uma congregação imediata dos movimentos ainda dispersos; por estes motivos foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores.

E declara: que todas as sociedades e indivíduos que a ela se filiarem reconhecem a verdade, a justiça e a moralidade como regra de seu comportamento recíproco e para com todos os homens, sem distinção de cor, crença ou nacionalidade. Considera que é dever de cada qual conquistar os direitos humanos e civis não apenas para si próprio, mas para todo aquele que cumpre o seu dever. Não há deveres sem direitos, não há direitos sem deveres. Abendroth, Wolfgang. A História Social do Movimento Trabalhista Europeu. Rio de Janeiro, Paz e

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Terra, 1977, pp. 35-6. 21. BAKUNIN E SUAS IDÉIAS Angel J. Capelletti

Durante as reuniões da I Internacional avultaram as disputas ideológicas entre Marx e

Bakunin. Tais disputas se davam mais na questão dos caminhos a trilhar para se chegar à sociedade comunista, uma vez que enquanto Marx advogava a necessidade de um período de ditadura do proletariado, Bakunin era radicalmente contra, alegando que todo Estado é opressor e como tal deve ser suprimido. O texto abaixo, com fragmentos das idéias de Bakunin, poderá ser útil para clarificar essas diferenças.

O socialismo, que não poderá se realizar a não ser através de uma revolução

proletária, necessariamente violenta (devido às características da burguesia e do Estado), eqüivale à tomada da terra e dos instrumentos de trabalho por parte dos trabalhadores. Trata-se de transferir à sociedade (mas não ao Estado) os meios de produção. Por outro lado, todos os homens estarão obrigados a trabalhar. A cada um se exigirá o que for capaz de dar segundo sua capacidade física e intelectual; e a cada um se retribuirá também de acordo com o que efetivamente deu.

Bakunin é assim partidário do coletivismo, conserva em princípio o sistema de salários e do direito exclusivo ao fruto do próprio trabalho. (...) O comunismo integral, que compreende a supressão do salário, parece-lhe talvez um chamado à irresponsabilidade e à preguiça. Em todo o caso, a idéia do comunismo encontra-se, para ele, vinculada à do Estado como novo e universal patrão.

Para Bakunin, com efeito, a luta contra o capitalismo e a burguesia é inseparável da luta contra o Estado. Acabar com a classe que detém os meios de produção sem liquidar ao mesmo tempo com o Estado é deixar aberto o caminho para a reconstrução da sociedade de classes e para um novo tipo de exploração social. O princípio e a meta do Estado é a conquista. Nenhum Estado se constitui a não ser pela submissão de um povo a um poder soberano, pela força das armas ou pelo engano e pela astúcia. Mas nenhum Estado se conforma tampouco com o poder que exerce sobre um território e sobre um povo, mas pela sua própria natureza, tende a expandir-se e a conquistar os Estados que o cercam.(...)

Por esta razão, a revolução deverá ser, para Bakunin, simultaneamente dirigida contra a classe dominante (a que detém a propriedade dos meios de produção) e contra o Estado (ou seja, o governo, qualquer que seja sua denominação ou forma). Pretender abolir primeiro a propriedade privada e liquidar as classes, esperando que o Estado vá se destruindo por si mesmo, como pretendem os marxistas, significa desconhecer o caráter ativo do Estado, que não é um simples produto ou uma superestrutura, mas que, ao mesmo tempo que é engendrado é criador da classe dominante.

Capelletti, Angel J. La Ideologia Anarquista. Barcelona, Editorial Laia, 1985, pp. 100-2. (Tradução dos organizadores.) 22. "VIVE LA COMUNE!" Karl Marx

A Comuna de Paris é o resultado de lutas sociais que vinham se desenvolvendo na França há

muito tempo. Na verdade, em suas origens é nítida a confrontação burguesia x proletariado. No entanto, a Comuna tem, ainda, razões de ordem circunstancial: a derrota francesa na guerra franco-prussiana de 1870-71, o prolongado cerco da capital por tropas prussianas, as humilhantes condições do Tratado de Paz impostas pelos vencedores (e prontamente aceitas pela burguesia francesa), além da crise econômica

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agravada pela guerra. Acrescente-se a tradição revolucionária das massas populares, herança do movimento de 1789 e

têm-se um quadro que irá possibilitar um levante operário e a organização de um governo proletário, em Paris, enquanto o governo francês, em Versalhes, em comum acordo com os prussianos, preparam a tomada da capital.

Sabe-se que uma das condições impostas pelos prussianos no Tratado de Paz foi o desarmamento da população de Paris. Quando o governo francês tentou efetivar essa exigência, encontrou viva reação do proletariado da capital, que organizou, a partir de 18 de março de 1871, um governo independente, autônomo e proletário: a Comuna de Paris.

Essa insurreição operária não poderia ter passado despercebida a Karl Marx que, em obra publicada na época (A Guerra Civil cm França), analisou o movimento. O texto selecionado nos possi-bilita algumas reflexões sobre o tema.

Na madrugada de 18 de Março, Paris acordou com o rebenta-mento do trovão de Vive

la Commune!. Que é a Comuna, essa esfinge que tanto atormenta o espírito burguês?

"Os proletários da capital" — dizia o Comitê Central no seu manifesto do 18 de Março — "no meio dos desfalecimentos e das traições das classes governantes, compreenderam que para eles tinha chegado a hora de salvar a situação tomando em mãos a direção dos negócios públicos (...) O proletariado (...) compreendeu que era seu dever imperioso e seu direito absoluto tomar em mãos os seus destinos e assegurar-lhes o triunfo conquistando o poder.

Mas a classe operária não pode apossar-se simplesmente da maquinaria de Estado já pronta e fazê-la funcionar para os seus próprios objetivos. (...)

O poder de Estado, aparentemente voando alto acima da sociedade, era ele próprio, ao mesmo tempo, o maior escândalo desta sociedade e o alfobre mesmo de todas as suas corrupções. A sua própria podridão e a podridão da sociedade que ele havia salvo foram postas a nu pela baioneta da Prússia, ela própria ávida por transferir de Paris para Berlim a sede suprema deste regime. Ao mesmo tempo, o imperialismo é a forma mais prostituída e derradeira do poder de Estado que a sociedade da classe média nascente tinha começado a elaborar como um meio da sua própria emancipação do feudalismo e que a sociedade burguesa plenamente desenvolvida tinha finalmente transformado num meio para a escravização do trabalho pelo capital.

A antítese direta do Império foi a Comuna. O grito de "república social" com o qual a Revolução de Fevereiro foi anunciada pelo proletariado de Paris não fez mais do que expressar uma vaga aspiração por uma república que não apenas havia de pôr de lado a forma monárquica da dominação de classe. A Comuna foi a forma positiva desta república.

Paris, a sede central do velho poder governamental e, ao mesmo tempo, a fortaleza social da classe operária francesa, levantara-se em armas contra a tentativa de Thiers e dos Rurais para restaurar e perpetuar o velho poder governamental que o Império lhes legara. Paris apenas pôde resistir porque, em conseqüência do cerco, tinha-se desembaraçado do exército e o substituíra por uma Guarda Nacional que era, na sua massa, composta por operários. Esse fato tinha agora de ser transformado numa instituição. O primeiro decreto da Comuna, por isso, foi a supressão do exército permanente e a sua substituição pelo povo armado.

A Comuna foi formada por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos vários bairros da cidade, responsáveis e revogáveis em qualquer momento. A maioria dos seus membros eram naturalmente operários ou representantes reconhecidos da classe operária. A Comuna havia de ser não um corpo parlamentar mas operante, executivo e legislativo ao. mesmo tempo. Em vez de continuar a ser o instrumento do governo central, a polícia foi logo despojada dos seus atributos políticos e transformada no instrumento da Comuna, responsável e revogável em qualquer momento. O mesmo aconteceu com os funcionários de todos os outros ramos da administração. Desde os membros da Comuna para

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baixo, o serviço público tinha de ser feito em troca de salários de operários. Os direitos adquiridos e os subsídios de representação dos altos dignitários do Estado desapareceram com os próprios dignitários do Estado. As funções públicas deixaram de ser a propriedade privada dos tes-tas-de-ferro do governo central. Não só a administração municipal mas toda a iniciativa até então exercida pelo Estado foram entregues nas mãos da Comuna.

Uma vez desembaraçada do exército permanente e da polícia, elementos da força física do antigo governo, a Comuna estava desejosa de quebrar a força espiritual de repressão, o "poder dos curas"; pelo desmantelamento e expropriação de todas as igrejas enquanto corpos dominantes. Os padres foram devolvidos aos retiros da vida privada, para terem aí o sustento das esmolas dos fiéis, à imitação dos seus predecessores, os apóstolos. Todas as instituições de educação foram abertas ao povo gratuitamente e ao mesmo tempo desembaraçadas de toda a interferência de Igreja e Estado. Assim, não apenas a educação foi tomada acessível a todos mas a própria ciência liberta das grilhetas que os preconceitos de classe e a força governamental lhe tinham imposto.

Os funcionários judiciais haviam de ser despojados daquela falsa independência que só tinha servido para mascarar a sua abjeta subserviência a todos os governos sucessivos, aos quais, um após outro, eles tinham prestado e quebrado juramento de fidelidade. Tal como os restantes servidores públicos, magistrados e juízes haviam de ser eletivos, responsáveis e revogáveis. (...)

Quando a Comuna de Paris tomou a direção da revolução nas suas próprias mãos; quando simples operários ousaram pela primeira vez infringir o privilégio governamental dos seus "superiores naturais" e, em circunstâncias de dificuldade sem exemplo, executaram a sua obra modestamente, conscienciosamente e eficazmente - executaram-na com salários, o mais elevado dos quais mal atingia, segundo uma alta autoridade científica, um quinto do mínimo requerido para uma secretária de certo conselho escolar de Londres — o velho mundo contorceu-se em convulsões de raiva, à vista da Bandeira Vermelha, símbolo da República do Trabalho, a flutuar sobre o Hotel de Ville.

Marx, Karl. A Guerra Civil em França. Lisboa: Editorial Avante; Moscou: Edições Progresso, 1983, pp. 62, 65-6 e 70. 23. A II INTERNACIONAL E O REVISIONISMO Anne Kriegel

- Após o encerramento da I Internacional, a situação européia experimentou sensíveis

mudanças, particularmente no que tange ao surgimento e desenvolvimento econômico da Alemanha. A rápida dustrialização daquele país levou ao aparecimento de uma classe operária numerosa e forte, reunida, com seus sindicatos, no Partido Social-Democrata. Este Partido terá, portanto, uma nítida pré-eminência nos congressos da II Internacional. A grande questão, que se coloca como uma ruptura no seio do movimento socialista, é o chamado Revisionismo: alguns líderes da Social-Democracia, como Bernstein, fazem colocações que virtualmente anulam os postulados marxistas. O texto abaixo procura explicar essas idéias e os debates que elas provocam.

A reviravolta do século traduziu-se mais profundamente no domínio ideológico, pela crise revisionista.

Com Éngels, morre em 1895 o homem que gozava, no movimento socialista, de uma autoridade incontestada e universal. Ora, este desaparecimento acontece no momento onde se afirma necessário um enorme esforço teórico: a velha estratégia, baseada na iminência de uma catástrofe, onde se afundaria o capitalismo minado pelas suas contradições, mostra-se inadaptada. E então que E. Bernstein se interroga sobre o marxismo, que julga ultrapassado pela evolução da sociedade moderna. Sugere uma atualização sistemática, numa obra editada

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em 1899: As Premissas do Socialismo e as Tarefas da Social-Democracia.

O revisionismo bernsteiniano define-se negativamente pela sua renúncia aos princípios e às conseqüências políticas do marxismo; e positivamente, pelo desejo de restabelecer a "unidade da teoria e a unidade entre teoria e prática". No plano filosófico, Bernstein agarra-se à corrente neokantiana: para ele, a filosofia não é um sistema de conceitos, mas uma ciência da qual a política não pode ser o produto. Opondo-se ao materialismo histórico, crê poder verificar que, nos países evoluídos, a luta de classes é um fenômeno em vias de desaparecimento ou, pelo menos, de atenuação. As novas condições da vida política, econômica e social, devidas em parte ao próprio movimento operário, os modernos meios de pressão permitem considerar uma humanização nas relações sociais. Pondo em causa os mecanismos econômicos da sociedade capitalista, propõe-se repensar as teorias marxistas de mais-valia, da concentração capitalista, a lei da acumulação que implica a polarização das riquezas. Insiste na capacidade de adaptação, a extraordinária maleabilidade da sociedade capitalista. As crises, em particular, não são inelutáveis, o que implica a rejeição da teoria de um desmoronamento automático. Em conseqüência disso, Bernstein preconiza um socialismo de tipo novo, cujo ponto-chave é o estabelecimento de relações pacíficas entre nações e classes, um socialismo baseado na convicção de que o capitalismo deve progressiva e pacificamente evoluir para o socialismo. Praticamente, conclui que é necessário "ter a coragem de se emancipar de uma fraseologia ultrapassada nos fatos e de aceitar ser um partido de reformas socialistas e democráticas". Foi o que o levou a recusar reivindicar para o proletariado a exclusividade do Poder. (...)

A Social-democracia deve, pois, sair do seu isolamento, procurar a aliança com a esquerda, que, sem desprezar a luta social, recusa a ditadura do proletariado. Deste modo, o socialismo torna-se um objetivo que será alcançado, não pela via de uma revolução sangrenta, mas por um processo de reformas: um trabalho quotidiano paciente, de dentro, deve transformar a sociedade capitalista.

Logo a seguir à publicação da obra de Bernstein, os seus contemporâneos compreendem que não se trata de uma simples heresia nem de um exercício especulativo. Os debates cedo ultrapassam o âmbito alemão. Contudo, a discussão limita-se ao campo doutrinário e abstrato: negligencia a análise das mudanças objetivas verificadas na sociedade contemporânea e as conseqüências táticas que essas mudanças implicam para a política social-democrata.

Na defesa do marxismo e contra Bernstein, tomaram posição todos os grandes nomes da social-democracia, à frente dos quais Kautsky; este afirma que as mudanças verificadas — de que não nega a existência — não passam de fenômenos de conjuntura: a acalmia é provisória e a aparição do imperialismo conduzirá, a longo prazo, ao agravamento do antagonismo entre as classes. (...)

Kautsky e os teóricos do "centro" ortodoxo criticam Bernstein, em nome da conservação do marxismo; além disso, consideram a tentativa bernsteiniana como sendo o reflexo da crise de crescimento que atravessa então o socialismo. Pelo contrário, a ala es-querda alemã (onde se faz notar uma jovem militante, de origem polaca, Rosa Luxemburgo) afirma-se, também, desejosa de renovação — mas dentro da linha marxista e para eliminar qualquer ação reformista.

Estas três posições são admiravelmente resumidas nestes três aforismos: - De Bernstein: "Tudo está no movimento, nada se encontra no objetivo final". - De Rosa Luxemburgo: "Tudo reside no objetivo final, nada existe no movimento". - De W. Liebknecht: "O essencial é o objetivo final, mas é necessário o movimento

para se aproximar do objetivo". Kriegel, Anne. As Internacionais Operárias (1864-1943). Lisboa, Bertrand, 1974, pp. 56-9.

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24. A DECLARAÇÃO SOBRE A GUERRA DA II INTERNACIONAL

Durante os anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial ocorreram muitas discussões no interior da II Internacional a respeito da participação dos operários na mesma. A posição da chamada "ala esquerda" pode ser percebida claramente neste documento: ela é contrária ao envolvimento dos trabalhadores. Este não envolvimento implicava também a tentativa dos partidos operários de bloquear a liberação de créditos. Entretanto, tal não foi a posição do Partido Social-Democrata alemão. Costuma-se afirmar que o ' 'nacionalismo falou mais alto do que o socialismo''. Créditos de guerra solicitados pelo governo foram aprovados com o voto dos social-democratas. O documento abaixo foi aprovado no Congresso de Stuttgart, em 1907.

As guerras entre Estados capitalistas são, geralmente, a conseqüência de sua

competição sobre o mercado mundial, porque cada Estado, além de assegurar seus mercados, tende a dominar outros novos, principalmente através da dominação de povos estrangeiros e da conquista de suas terras.(...)

As guerras são, portanto, a essência do capitalismo e não terminarão enquanto o sistema capitalista não for suprimido ou então quando a amplitude dos sacrifícios em homens e em dinheiro exigidos pelo desenvolvimento da técnica militar e as revoltas provocadas pelos armamentistas levem os povos a renunciar a este sistema.

A classe trabalhadora, entre a qual se recrutam de preferência os combatentes, e que deve suportar os maiores sacrifícios materiais, é adversária natural das guerras, porque estas estão em contradição com o objetivo que aquela persegue: a criação de uma nova ordem econômica, baseada na concepção socialista, destinada a traduzir em realidade a solidariedade dos povos.

Por isso o Congresso considera que é um dever de todos os trabalhadores e de seus representantes nos parlamentos combater com todas as suas forças os exércitos de terra e mar, assinalando o caráter de classe da sociedade burguesa e os elementos que impõem a continuidade dos antagonismos nacionais; de rechaçar todo apoio financeiro à política de guerra, assim como esforçar-se para que a juventude proletária seja educada nas idéias socialistas da fraternidade entre os povos, despertando sistematicamente sua consciência de classe.

Pla, Alberto J. Historia del Movimiento Obrero. Buenos Aires, Centro Editor de América Latina, 1984, v. 2, p. 124. (Tradução dos organizadores.)

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O Nacionalismo e as Unificações

O movimento das nacionalidades, no século XIX, é contraditório. Segundo o cientista político François Châtelet, "a ideologia nacionalista, decerto, é bem anterior ao século XIX. Mas foi durante esse período que a Nação passou a ser tomada como tema de análise e de reflexão, e que foi erigida em argumento destinado a justificar um tipo de poder. É difícil distinguir, nela, o que pertence à concepção política e o que resulta do espírito da época, expresso nas obras literárias e nos sentimentos e movimentos populares" (Châtelet, François et alli. História das Idéias Políticas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985, p. 96.)

Tal movimento esteve presente em todo o continente europeu, fornecendo o arcabouço ideológico das unificações italiana e alemã, ocorridas quase ao mesmo tempo.

No caso italiano, a unificação ocorreu entre 1850 e 1870. Em 1848, aproveitando-se da onda liberal que varreu a Europa, houve levantes em várias regiões italianas dominadas pela Áustria, reprimidos com violência.

Desde o seu início, a luta pela unificação dividiu-se em duas correntes. Uma, de caráter liberal-republicano representada pelos grupos "Jovem Itália" e "Camisas-Vermelhas", outra de caráter monarquista, defendida pelo grupo "Risorgimento", organizado pelo primeiro-ministro do Piemonte, Cavour. A este último grupo se uniram a burguesia e os latifundiários que impuseram os limites da unidade italiana, conservando a estrutura sócio-econômica do Estado italiano.

Já na Alemanha, a unificação foi direcionada pela Prússia, num movimento claramente "de cima para baixo", contando com o apoio da nobreza junker e da burguesia e afastando completamente os setores populares. A unificação foi completada em 1871, após a vitória sobre os franceses na Guerra Franco-Prussiana. Esta guerra não assinala apenas o momento da unificação. Marca também, profundamente, o inconsciente coletivo da população francesa, vindo a se constituir, naquele país, um forte sentimento nacionalista e revanchista, que explodirá no início do século XX.

Enquanto lê os textos e documentos selecionados, procure re-fletir sobre as seguintes questões:

1. Segundo René Rémond, qual foi a contribuição dos historiadores para o movimento das nacionalidades do século XIX?

2. Segundo Leon Pomer, quais foram os limites impostos pela burguesia e pelos latifundiários ao movimento de unificação da Itália?

3. De que forma o texto de Arno Mayer contribui para a discussão da evolução européia, quase sempre apresentada como capitalista, liberal e democrática?

4. Como Eric Hobsbawm associa a idéia de progresso ao movimento das nacionalidades do século XIX?

5. Quais são os reflexos de uma "construção artificial da unidade" apresentados por Crossman?

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25. CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO DAS NACIONALIDADES René Rémond

O texto do prof. René Rémond sobre o movimento das nacionalidades nos apresenta um dos

elementos que, segundo ele, ' 'delineia a trama da história política e social do século XIX''. A esse movimento, Rémond acrescenta o liberalismo, a corrente democrática e o socialismo, como também delineadores. Entretanto, o autor observa que o fato nacional se sobrepõe, pois é contemporâneo dos três, simultaneamente, estendendo-se por um longo período e também porque diz respeito a vários países. Os problemas relativos à nacionalidade apontados no texto são extremamente significativos para a compreensão das origens dos conflitos mundiais do século XX.

Esse fenômeno, formado de elementos tão diversos, tira sua unidade do fato nacional. A Europa justapõe grupos lingüísticos, étnicos, históricos, portanto de natureza e origem dessemelhantes, que se consideram nações. Assim como o movimento operário nasceu ao mesmo tempo de uma condição social, que constitui o dado objetivo do problema, e de uma tomada de consciência dessa condição pelos interessados, o movimento das nacionalidades supõe ao mesmo tempo a existência de nacionalidades e o despertar do sentimento de que se faz parte dessas nacionalidades. O fenômeno, portanto, não conta como força, não se torna um fator de mudança senão a partir do momento em que passa a se integrar no modo de pensar, de sentir, em que passa a ser percebido como um fato de consciência, um fato de cultura.

Como tal, ele interessa a todo o ser, ele se endereça a todas as faculdades do indivíduo, a começar pela inteligência. O movimento das nacionalidades no século XIX foi em parte obra de intelectuais, graças aos escritores que contribuem para o renascer do sentimento nacional; graças aos lingüistas, filólogos e gramáticos, que reconstituem as línguas nacionais, apuram-nas, conferem-lhes suas cartas de nobreza; graças aos historiadores, que procuram encontrar o passado esquecido da nacionalidade; graças aos filósofos políticos (a idéia de nação constituía o centro de alguns sistemas políticos). O movimento toca também a sensibilidade, talvez mais ainda do que a inteligência, e é como tal que ele se transforma numa força irresistível, que ele provoca um impulso.

Enfim, ele faz com que intervenham interesses e nele encontramos as duas abordagens, a ideológica e a sociológica, conjugadas. Com efeito, os interesses entram em ação quando, por exemplo, o desenvolvimento da economia apela para o excesso dos particularismos, para a realização da unidade. E assim que devemos encarar o lugar do Zollverein na unificação alemã. Na Itália, é a burguesia comerciante ou industrial que deseja a unificação do país, pois vê nessa idéia a possibilidade de um mercado maior e de um nível de vida mais elevado.

Desse modo, na origem desse movimento das nacionalidades, confluem a reflexão, a força dos sentimentos e o papel dos interesses. Política e economia interferem estreitamente, e é justamente essa interação que constitui a força de atração da idéia nacional pois, dirigindo-se ao homem em sua integridade, ela pode mobilizar todas as suas faculdades a serviço de uma grande obra a ser realizada, de um projeto capaz de despertar energias e de inflamar os espíritos. (...)

Enquanto o domínio do liberalismo fica por muito tempo limitado à Europa Ocidental, todos os países - ou quase todos - conheceram crises ligadas ao fato nacional, mesmo aqueles nos quais a unidade era o resultado de uma história várias vezes secular. Quase todos se encontram às voltas com problemas de nacionalidade: a Grã-Bretanha, com o problema da Irlanda, que se torna cada vez mais grave, transformando-se num problema interno dramático; a França, com a perda da Alsácia e da Lorena em 1871, conserva até a guerra de 1914 a nostalgia das províncias perdidas; a Espanha, onde o regionalismo basco, o particularismo catalão entram em luta com a vontade unificadora e centralizadora da

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monarquia. Se isso acontece no que respeita aos países da Europa Ocidental, onde a unidade

nacional é antiga, ocorre com muito mais razão quando nos deslocamos para leste, onde as fronteiras ainda são instáveis, onde a geografia política ainda não tomou forma definitiva, onde as nacionalidades estão à procura de si mesmas e em busca de expressão política. A Itália e a Alemanha, para as quais o século XIX é o século de sua futura unidade, a Austria-Hungria, os Bálcãs, o Império Russo, com as províncias alógenas que resistem à russifi-cação, têm problemas de nacionalidade. Mesmo os países aparentemente mais pacíficos estão às voltas com problemas de nacionalidade, como a Dinamarca, com a guerra dos ducados em 1862, a Suécia, que se desmembra em 1905, a Noruega, com sua luta pela se-cessão. Fora da Europa, podemos mencionar o nacionalismo dos Estados Unidos; os movimentos da América Latina; o Japão, onde o sentimento nacional inspira o esforço de modernização; a China, onde a revolta dos boxers, em 1900, constitui um fenômeno naciona-lista.

O fato nacional, portanto, aparece em escala mundial e não constitui sua menor singularidade o fato de esse movimento, que representa a afirmação da particularidade, constituir-se talvez no fato mais universal da história. Ele está presente na maioria das guerras do século XIX. Trata-se de uma característica que diferencia as relações internacionais anteriores e posteriores a 1789. Na Europa do Antigo Regime, as ambições dos soberanos eram o ponto de origem dos conflitos. No século XIX, o sentimento dinástico deu lugar ao sentimento nacional, paralelamente à mudança da soberania da pessoa do monarca para a coletividade nacional. As guerras da unidade italiana, da unidade alemã, a questão do Oriente, tudo isso procede da reivindicação nacional. (...)

A idéia nacional, por sua necessidade de se associar a outras idéias políticas, de se amalgamar com certas filosofias, pode entrar, por isso, em combinações diversas, que não são predeterminadas. A idéia nacional pode se dar bem, indiferentemente, com uma filosofia de esquerda ou uma ideologia de direita. Aliás, entre 1815 e 1914, o nacionalismo contraiu aliança com a idéia liberal, com a corrente democrática, muito pouco com o socialismo, na medida em que este se define como internacionalista, embora, entre as duas guerras, de-lineiem-se acordos imprevistos entre a idéia socialista e a idéia nacionalista. Essa espécie de indeterminação do fato nacional, essa possibilidade de celebrar alianças de intercâmbio, explicam as variações de que a história nos oferece mais de um exemplo. Elas explicam, notadamente, que existiam dois tipos de nacionalismo, um de direita e outro de esquerda; um mais aristocrático, outro mais popular: o primeiro, de tendências conservadoras e tradicionalistas, escolhe seus dirigentes e seus quadros entre os notáveis tradicionais: o segundo visa à democratização da sociedade e recruta seu pessoal nas camadas populares.

Rémond, René. O Século XIX - 1815-1914. São Paulo, Cultrix, 1976, v. 2, pp. 149-52. 26. OS LIMITES DA UNIFICAÇÃO ITALIANA Leon Pomer

O texto do historiador argentino Leon Pomer analisa os limites do liberalismo da burguesia

italiana à época da unificação. O autor faz referência aos carbonários, que surgiram no início do século XIX em vários reinos. As sociedades secretas dos carbonários combatiam o imperialismo austríaco e a tirania, na época da restauração européia. Faziam parte das sociedades artesãos, profissionais liberais, suboficiais e outros, que sofreram intensa repressão em virtude das ações diretas e das conspirações. Os carbonários estavam quase sempre isolados das massas que, intimidadas pelo terror, apenas em raras ocasiões entendiam o significado de sua luta.

No processo da unidade italiana — cujo início se dá em 1848 -fica claro que a

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burguesia evita qualquer aliança com a massa camponesa pobre e oprimida e prefere o compromisso com os latifundiários, ainda mergulhados em idéias feudais. A unidade italiana - o processo de constituição de um Estado único para todo o país — conserva o sistema oligárquico, pelo qual os grandes proprietários da terra mantêm o domínio direto sobre os camponeses. Isto não impede a formação do Estado, mas retarda a eclosão do fenômeno nacional.

Por que isto ocorre? Os liberais moderados, entre os quais se destaca Cavour, líderes da unificação, temem que na Itália se repitam os "escândalos" revolucionários do 89 francês. E temem uma lição histórica ainda mais próxima: a de 1848, quando ocorrem levantamentos populares em grande parte da Europa, inclusive em Milão. Podemos, pois, concluir que, se a estratégia é a unidade política, a tática cuidadosamente escolhida exclui qualquer caminho revolucionário. A história coloca limitações ao acionar agentes que de alguma maneira estão construindo a Itália. Os liberais de Cavour -diz Antônio Gramsci — concebem a unidade do país como uma conquista, um alargamento do Estado piemontês e do patrimônio da dinastia que o governa; nunca como um movimento nacional que se processa a partir dos estratos mais profundos do povo.

O Estado italiano será mais Estado que nação; será, pois um frágil Estado nacional. Além de tudo isso, porque o sentimento nacional é estranho à grande massa das variadas e muito diferenciadas regiões do país. A lição que deixou o surgimento político dos "car-bonários" (revolucionários radicais-democráticos) do sul da Itália é altamente significativa. Quando procuram atrair os camponeses com a proposta de reforma agrária, o fracasso será total. Algo semelhante ao ocorrido na Galícia polonesa em 1846, quando os revolucionários que proclamam a abolição da servidão enfrentam a hostilidade ou a indiferença daqueles a quem pretendem libertar.

Tanto o exemplo italiano como o caso polonês demonstram que o sentimento nacional, ou seja, a representação subjetiva da nacionalidade como patrimônio comum que engloba as diferenças, não é simplesmente um produto da tradição, da cultura ou da religião. Devem existir condições sociais — e já falamos diversas vezes nelas — para que a consciência nacional triunfe. Hobsbawm afirma que, quando em 1830 desencadeia-se na Europa uma onda de nacionalismo, "...para as massas, em geral, a prova da nacionalidade era ainda a religião: os espanhóis se definiam por serem católicos, os russos por serem ortodoxos (...). Também na Alemanha, a mitologia patriótica havia exagerado muito o grau de sentimento nacional contra Napoleão..."

A história demonstrou reiteradamente - e com exemplos de um passado mais recente — que determinadas postulações ideológicas e políticas, por mais justas e bem intencionadas que possam ser, encontram-se tão distantes da consciência popular que esta acaba por rechaçá-las ou menosprezá-las. Nos movimentos nacionais, como em qualquer grande movimento social, o voluntarismo das elites (intelectuais, políticas e sociais) não foi suficiente para que o povo aceitasse sua mensagem. O significado que uma mensagem pode ter para o povo não pode ser considerado se se desconhece o contexto cultural e social em que se movem os interlocutores e o tipo de receptividade que sua consciência desenvolve.

Outra lição é que onde o Estado se constitui antes que a nação, esta receberá o impacto da ação estatal, que é a ação e o pensamento do grupo político que assumiu a condução do Estado. Neste caso, os valores comuns da nacionalidade serão preferencialmente aqueles que o Estado tenha escolhido como os mais idôneos para assegurar sua dominação. Os valores emanados do povo e gerados por ele serão deixados de lado, quando não eliminados de vez. Pomer, Leon. O Surgimento das Nações. São Paulo: Atual; Campinas: Editora da Universidade de Campinas, 1985, pp. 40-4. (Coleção Discutindo a História.)

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27. A NOBREZA ITALIANA À ÉPOCA DA UNIFICAÇÃO Arno J. Mayer

A obra do prof. Arno Mayer, A Força da Tradição, discute o “modelo explicativo” do

andamento da sociedade européia pós-re-volução industrial e pós-revolução francesa, como observa o prof. Francisco Foot Hardman na apresentação da mesma. No que diz respeito à unificação italiana, o texto selecionado analisa a força da nobreza italiana, quebrando o mito do poder da burguesia e de sua ascensão crescente. A leitura dará a dimensão das divergências entre a "nobreza inferior" e a aristocracia original de Roma, fundamental para as relações entre o Estado e a Igreja.

Por certo, até o Risorgimento, a grande nobreza fundiária, quase inseparável da

hierarquia aristocrática da Igreja, praticamente presidiu a classe dominante da Itália. Daí em diante, os elementos profissionais e mercantis começaram a avançar, mas muito mais dentro da classe governante que da dominante. Não é certo que, após a unificação, a nobreza italiana, tanto do norte como do sul, tenha entrado em acelerada decomposição e pouco lhe restasse além de seu status social em rápida decadência. O que é mais importante é que os próprios líderes do Risorgimento, temerosos em relação às classes inferiores, tinham tido o cuidado de não afastar a nobreza fundiária, à qual eles e seus sucessores consideravam como força es-sencial para a ordem na sociedade maciçamente agrária da Itália.

O próprio conde Camilo Benso di Cavour encarnava uma relevante característica da classe dominante italiana desde o século XIV. Como o filho mais novo de uma família nobre, fez fortuna dedicando-se à agricultura e às finanças, sem de modo algum trair ou macular sua casta. A nobreza italiana fora, através dos séculos, um amálgama de famílias agrárias e comerciais. Enquanto os maiores nomes do capitalismo mercantil adquiriam títulos e propriedades rurais, as antigas famílias feudais se ramificavam para o comércio e os negócios. Mas a fusão gradual entre eles assumiu uma forma nobiliárquica. Os mercadores e banqueiros ricos negavam suas próprias origens sociais adquirindo vastas propriedades rurais e buscando títulos. O resultado foi que mesmo as cidades que extraíam sua vitalidade do capitalismo mercantil geravam um patriciado solidamente nobiliárquico.

É certo que a nobreza italiana nunca deteve as prerrogativas militares dos Junker ou os benefícios da arena nacional onde a nobreza inglesa forjava suas convenções e sua ascendência política. Mesmo assim, a elite era mais feudalista que burguesa. Não obstante a revogação do feudalismo, os camponeses continuavam enfeudados por seus senhores rurais, numa sociedade agrária onde ainda prevalecia o grande latifúndio. Os donos da terra mantinham seu controle excessivo em larga medida porque o crescimento demográfico exor-bitante obrigava os pequenos rendeiros e diaristas rurais a aceitarem sua própria superexploração. Além do mais, no caso de levantes rurais, os grandes proprietários sempre podiam empregar sua autoridade ou influência política local e regional para fazer com que o Estado restaurasse a ordem.

Em todo caso, a nobreza italiana, inclusive seu componente aristocrático, pode ter sido proporcionalmente a maior da Europa. Ela estava oculta, em parte, pois, à exceção dos nomes principescos que figuravam no Almanaque de Gotha, pouca diferença havia entre os nomes nobres e plebeus. Mesmo levando em conta os que artificialmente alongavam seus nomes, a maioria da nobreza não podia ser reconhecida de pronto somente pelo nome. Contudo, havia grandes famílias conhecidas local, regional e até nacionalmente.

Embora dividida entre papistas "negros" e nacionalistas "brancos", a aristocracia da capital constituía um formidável esta-blishment social. Os descendentes de papas e cardeais eram os nobres mais antigos e ricos. Não surpreende que, após 1870, os Barbe-rini, Borghese e Chigi, bem como a maioria dos Colonna e Orsini, recusassem a transferir sua lealdade do Vaticano para o Palácio Qui-rinal. Mesmo entre os membros inferiores da antiga nobreza romana havia poucos nacionalistas declarados, embora essa nobreza inferior afinal se unisse à

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nobreza mais recente de comerciantes e banqueiros que estavam entre os primeiros a gravitar em torno da corte da Casa de Sabóia. Em suma, a aristocracia original de Roma, com poucas exceções, apoiava o Santo Papa em seu desafio à nação italiana secular, ao passo que o resto da nobreza sustentava as forças conservadoras da sociedade civil e política pós-unificação, agrupando-se em torno da coroa.

Mayer, Arno J. A Força da Tradição — A persistência do Antigo Regime (1848-1914). São Paulo, Companhia das Letras, 1987, pp. 128-9. 28. A IDÉIA DE PROGRESSO Eric Hobsbawm

O texto do historiador inglês Eric J. Hobsbawm, extraído do capítulo "A Construção das

Nações", do livro A Era do Capital, apresenta-nos uma característica bastante peculiar do movimento das nacionalidades do século XIX: a idéia de progresso. Segundo o autor, havia na Europa do século passado dois tipos de nações: a semi-histórica e a histórica. Enquanto que para as do primeiro tipo os argumentos históricos eram suficientes para que a unificação se realizasse, as do segundo tipo necessitavam de um outro princípio para fundamentar a sua transformação de nações em Estado-nações soberanos.

A Europa, deixando de lado o resto do mundo, estava dividida evidentemente em

"nações" cujas aspirações em fundar Estados não deixava, pelo certo ou pelo errado, nenhuma dúvida, e em "nações" a cerca das quais havia uma boa dose de incerteza quanto a aspirações semelhantes. O melhor guia para o primeiro tipo era o fato político, a história institucional ou a história cultural das tradições. A França, Inglaterra, Espanha e Rússia eram inegavelmente "nações" porque possuíam Estados identificados com os franceses, ingleses, etc. (...)

A Alemanha era uma nação por força de que seus numerosos principados (apesar de nunca unidos em um único estado territorial) terem constituído outrora o então chamado "Sagrado Império Romano da Nação Germânica" e formado por outro lado a Federação Germânica, mas também porque todos os alemães de educação elevada partilhavam a mesma língua escrita e literatura. A Itália, apesar de nunca ter sido uma entidade política enquanto tal, possuía talvez a mais antiga das literaturas comuns à sua própria elite. (...)

O critério "histórico" de nacionalidade implicava portanto a importância decisiva das instituições e da cultura das classes dominantes ou elites de educação elevada, supondo-as identificadas, ou pelo menos não muito obviamente incompatíveis, com o povo comum. Mas o argumento ideológico para o nacionalismo era bem diferente e muito mais radical, democrático e revolucionário. Apoiava-se no fato de que, o que fosse que a história ou a cultura pudessem dizer, os irlandeses eram irlandeses e não ingleses, os tchecos eram tchecos e não alemães, os finlandeses não eram russos e nenhum povo deveria ser explorado ou dirigido por outro. (...)

O ponto significativo aqui é que a típica nação "a-histórica" ou "semi-histórica" era também uma pequena nação, e isto colocava o nacionalismo do século XIX diante de um dilema que tem sido raramente reconhecido. Pois os grandes defensores da "nação-estado" entendiam-se não apenas como nacional, mas também como "progressista", isto é, capaz de uma economia, tecnologia, organização de Estado e força militar viáveis, ou em outras palavras, que precisava ser territorialmente grande. Terminava por ser, na realidade, a unidade "natural do desenvolvimento da sociedade burguesa, moderna, liberal e progressista. "Unificação", assim como "independência", era o princípio básico, e onde argumentos históricos para unificação não existissem — como era o caso da Alemanha e Itália -esta era, quando possível, formulada como um programa. (...)

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O argumento mais simples daqueles que identificavam nações-estados com o progresso era negar o caráter de "nações reais" aos povos pequenos e atrasados, ou então argumentar que o progresso iria reduzi-los a meras idiossincrasias dentro das grandes "nações reais", ou mesmo levá-los a um desaparecimento de fato por assimilação a algum Kulturvolk. Isso não parecia fora da realidade. Depois de tudo, a participação como membro na Alemanha não impedia os mecken-burgueses de falar em seu dialeto, que era mais próximo do holandês que do alto-alemão e que nenhum bávaro conseguia entender, como também não evitava que os eslavos lusatianos não aceitassem (como ainda discutem) um estado basicamente alemão. A existência dos bretões, e uma parte dos bascos, catalães e flamengos, para não mencionar aqueles que se comunicam em provençal ou na Langue d'oc,

parecia perfeitamente compatível com a nação francesa da qual faziam parte, e os alsacianos criaram um problema apenas porque uma outra grande nação-estado - a Alemanha — disputava-os. Além disso, havia exemplos de pequenos grupos lingüísticos, cujas elites de instrução elevada olhavam para frente sem remorsos em relação ao desaparecimento de seus próprios idiomas. Muitos gauleses em meados do século XIX estavam resignados a isto, e alguns viam mesmo com prazer este processo, na medida em que facilitasse a penetração do progresso numa região atrasada.

Havia um forte elemento de diferenciação e talvez um mais forte de patrocínio especial em tais argumentos. Algumas nações — as maiores, as "avançadas", as estabelecidas, incluindo certamente a própria nação do ideólogo — estavam destinadas pela história a pre-valecer ou (se o ideólogo preferisse uma conceituação darwinista) a serem vitoriosas na luta pela existência; e outras não. Todavia isso não deve ser entendido como simplesmente uma conspiração de parte de algumas nações para oprimir outras, embora porta-vozes das nações desprezadas não devessem ser repreendidos por pensar assim. Pois o argumento era dirigido não apenas contra as línguas e culturas regionais das nações como também contra intrusos; também não pretendia seu desaparecimento, mas apenas seu "rebaixamento" da qualidade de "língua" para a de "dialeto". Cavour não negou aos habitantes da Savóia o direito de falar sua própria língua (mais próxima do francês do que do italiano), numa Itália unificada: ele mesmo falava-a por razões domésticas. Ele e outros italianos nacionalistas apenas insistiam em que deveria haver somente uma língua e um meio de instrução oficiais, em outras palavras o italiano, e que as outras deveriam sumir, evaporar-se da melhor forma que pudessem. Da maneira como as coisas seguiam, nem os sicilianos nem os sardenhos insistiram na sua nacionalidade separada, portanto seus problemas poderiam ser redefinidos, na melhor das hipóteses, como "regionalismo". Este fenômeno apenas se tornou politicamente significativo uma vez que um pequeno povo reclamou pela sua nacionalidade, como os tchecos fizeram em 1848, quando seus porta-vozes recusaram o convite dos liberais alemães para tomar parte no parlamento de Frankfurt. Os alemães não negaram que eles fossem tchecos. Apenas entenderam, o que era correto, que todos os tchecos de boa cultura liam e escreviam alemão, partilhavam da alta cultura alemã e que, portanto (incorretamente) eram alemães. O fato de que a elite tcheca também falasse tcheco e partilhasse da cultura do povo simples local parecia ser politicamente irrelevante, como as atitudes do povo simples em geral e do campesinato em particular.

Hobsbawm, Eric J. A Era do Capital (1848-1875). 3ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, pp. 103-6. (Coleção Pensamento Crítico, v. 12.) 29. A MENSAGEM DO REI VÍTOR EMANUEL AO PARLAMENTO

Em 1870, a unificação da Itália foi completada com a anexação de Roma. Essa foi uma das etapas mais difíceis da união dos vários Estados independentes que compunham a Itália. Em 1860, a unidade

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estava praticamente consumada, após a anexação da Itália meridional pelo reino de Piemonte-Sardenha. A anexação dos territórios romanos foi mais difícil porque Napoleão III defendeu o papa na sua oposição à integração. Essa só foi possível depois da queda do Segundo Império francês e da instauração da Terceira República. Vítor Emanuel, rei do Piemonte-Sardenha, foi proclamado rei da Itália antes mesmo da ocupação de Roma. Ele dirigiu-se ao parlamento reunido pela primeira vez em Roma e em sua mensagem podemos perceber que ele entendia a nação-estado italiana não apenas como nacional, mas também como progressista, como observou o historiador inglês Eric Hobsbawm.

Senadores e Deputados, Senhores: A tarefa a que consagramos nossa vida está terminada. Depois de longos sofrimentos

de expiação a Itália se restaurou, bem como Roma. Aqui, onde nosso povo, depois de séculos de separação, encontra-se pela primeira vez reunido na pessoa de seus representantes; aqui, onde reconhecemos a mãe-pátria de nossos sonhos, tudo nos fala de grandeza; mas, ao mesmo tempo, lembra-nos nossos deveres. A alegria que experimentamos não nos deve fazer esquecê-los...

Proclamamos a separação entre Igreja e Estado. Havendo reconhecido a absoluta independência da autoridade espiritual, estamos convencidos de que Roma, a capital da Itália, continuará a ser a pacífica e respeitada sede do Pontificado. Desse modo, teremos sucesso em tranqüilizar as consciências dos homens. Foi assim, pela firmeza de nossas resoluções e pela moderação de nossos atos, que fomos capazes de apressar a unidade nacional sem alterar as nossas amistosas relações com as potências estrangeiras...

Os assuntos econômicos e financeiros pedem, além disso, nossa mais cuidadosa atenção. Agora que a Itália está criada é necessário fazê-la próspera, pondo em ordem suas finanças; só teremos sucesso nisso perseverando nas virtudes que foram a fonte de nossa regeneração nacional. Boas finanças serão o meio de reforçar nossa organização militar. Nosso mais ardente desejo é a paz e nada pode fazer-nos acreditar que ela pode ser perturbada. Mas a organização do exército e da marinha, o suprimento de armas, as obras para a defesa do território nacional pedem longo e profundo estudo. O futuro nos exigirá uma severa prestação de contas por qualquer negligência de nossa parte. Examinareis as medidas que vos serão apresentadas com aquele objetivo por meu governo...

Senadores e deputados, uma vasta faixa de atividades se abre diante de vós; a unidade nacional que hoje atingimos terá, espero, o efeito de tornar menos amargas as lutas de partidos, cuja rivalidade não terá, de agora em diante, nenhum outro objetivo que o do de-senvolvimento das forças produtivas da nação.

Eu me regozijo vendo que nossa população já dá provas inequívocas de seu amor ao trabalho. O despertar econômico está estreitamente associado ao despertar político. Os bancos se multiplicam, como as instituições comerciais, as exposições de produtos da arte e da indústria e os congressos dos eruditos. Devemos, vós e eu, favorecer esse movimento produtivo, dando ao mesmo tempo mais atenção e eficiência à educação profissional e científica, e abrindo ao comércio novas avenidas de comunicação e novos desaguadouros...

Um brilhante futuro se abre diante de nós. Cabe-nos corresponder às bênçãos da Providência, mostrando-nos dignos de levar entre as nações os gloriosos nomes de Itália e Roma. Vítor Emanuel e a Unificação da Itália. In: Ribeiro, Pedro Freire. Grande História Universal. Rio de Janeiro, Bloch Editores S.A., 1973, fase. 34. 30. ROMÂNTICOS E DEMOCRATAS NA ALEMANHA R. H. S. Crossman

As idéias do autor desse texto ficam mais claras quando se conhece as condições em que foi

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produzida a obra "Biografia do Estado Moderno" (The Estate). Segundo Crossman, quando escreveu este livro, ' 'o futuro da democracia ocidental havia sido posto gravemente em dúvida, e parecia que o nosso século teria de ser descrito como o 'século do homem totalitário'. (A obra) veio à luz pública pela primeira vez nos meses de verão de 1933, antes e depois dos Tratados de Munique''. O item TV do capítulo dedicado ao Liberalismo Nacional e ao Imperialismo, intitulado Românticos e Democratas na Alemanha de antes da guerra, procura investigar as conseqüências da construção artificial, segundo ele, da nova Alemanha.

A solução de Bismarck ao problema nacional foi altamente artificiosa e dava poucas satisfações às aspirações do pensamento progressista do século XIX. Ao derrotar a Áustria e continuar permitindo-lhe a sobrevivência, garantiu-se um aliado para o Império Alemão. Porém este aliado era tão fraco que não pôde resistir às conseqüências da Primeira Guerra Mundial. Ao construir o Império Alemão a partir da direção prussiana, deixando aos outros Estados e a seus soberanos considerável liberdade federal, Bismarck criou uma nova nação, que nunca percorrera a etapa da revolução nacionalista. Fora unificada de cima e não desde as bases, cristalizando uma estrutura bismarckiana que dependia da habilidade de seus fundadores para obter força e coerência. O homem da rua não participara de sua construção nem de seu governo, o qual conservava muitos elementos da autocracia do século XVII. Em resumo, é possível afirmar que a modernização da Alemanha representou obra superficial de um só homem.

Essa característica da superficialidade da vitória alemã e de seu resultado foi percebida por muitos pensadores, mas especialmente por Nietzsche (1844-1900). Embora odiasse a democracia e o humanismo, não era partidário da Kultur guilhermina. Sabia que a nação alemã recém-construída figurava como assunto um pouco delicado. Em 1873 publicou a notável profecia seguinte:

Urna grande vitória é um grande perigo: a natureza humana suporta a vitória de modo pior que a derrota. Com certeza, parece mais fácil obter um triunfo do que se prevenir contra seus resultados, os quais se apresentam como derrotas das piores. De todas as conseqüências de nossas vitórias sobre os franceses, a pior é a ilusão, aliás predominante na Alemanha de hoje em dia, de que a cultura alemã também saiu vitoriosa em Sedan, devendo ser coroada com os louros de tal triunfo. Esta tolice é perniciosa, independentemente de ser tolice (existem equívocos que trazem benefícios à saúde), por poder transformar nossa vitória numa posterior derrota, a dissipação e o desenraizamento total do espírito alemão em favor do Império Alemão.

Nietzsche sabia que a nova Alemanha não possuía vida espiritual própria, que ela era

um assunto de tijolos e argamassa, de aço e ferro, de eficiência técnica e de preparação militar. Para ele, a nova Alemanha carecia da tradição cultural da França e da Inglaterra, de que o povo alemão pudesse orgulhar-se ainda em tempos sombrios.

Como Nietzsche era uni pensador contraditório, emotivo e apolítico, teve condições de expressar tal sentimento de profundo desacordo e de automortificação, que pairava sobre o Império Alemão mesmo no apogeu de seus maiores triunfos. Entre 1870 e 1914, a Alemanha passou a ser uma das grandes nações fabris do mundo, atingindo posição notável em termos de poder militar. Sua indústria estava muito mais bem organizada do que a de qualquer outro país, e seu movimento trabalhista ultrapassava o de todos os demais. Considerava-se que os alemães representavam os melhores capitalistas e os melhores socialistas do momento. Porém,

debaixo deste manto de auto-segurança, notava-se um sentimento de inferioridade. Debaixo da aparência de unidade, descobria-se uma aterradora capacidade de mútua destruição. Afinal, a nova Alemanha era uma construção artificial e o sentimento natural de unidade nacional estava pervertido e reprimido. Se, saída para a ação, expressava-se unicamente através da filosofia, de reflexões e de movimentos místicos.

Durante a última parte do século XIX, o pensamento alemão dividia-se em dois focos

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de interesse. Existiam a atividade da administração e o trabalho cotidiano e, de outro lado, colocava-se o desejo de alcançar um tipo de vida desvinculado de qualquer uma das formas existentes. A nova Alemanha era um Estado-Nação, mas não era uma nação. Os alemães sonhavam com o Volk (povo-nação), que não deveria obedecer aos mandatos da Gemeinschaft

(comunidade), a qual realmente expressava suas aspirações interiores. A cultura alemã não concordava com a política alemã, o espírito alemão não concordava com a mente alemã.

Tais tendências subterrâneas de descontentamento não se refletiam completamente nas meditações filosóficas nem na vida política. Dominadas pelo colossal êxito material do novo Império, as idéias circulantes pareciam "ocidentais" e eram tidas como respeitáveis. O imperialismo e o liberalismo, o conservadorismo e o socialismo, confrontavam-se na imprensa e nas salas de conferências, enquanto durante todo esse tempo a força revolucionária das novas idéias estava separando a mente alemã das idéias burguesas vigentes na França e na Inglaterra. O alemão era conduzido a um romantismo nacional que concebia a revolução como etapa da destruição da razão burguesa e dos "direitos" burgueses, culminando com a criação de novo e único Estado alemão, dotado de um modo próprio de raciocinar, de uma justiça alemã e de uma comunidade alemã. Uma vez mais a teoria de Rousseau, referente à "vontade geral", sofreria transformação, convertendo-se na Volksgemeinschaft (comunidade nacional) de Müller van de Bruck e de Adolf Hitler.

Porém, durante os cinqüenta anos posteriores à guerra Franco-Prussiana, esse movimento foi subterrâneo ou puramente cultural. Os liberais alemães, postos frente ao fato consumado, aceitavam facilmente a renúncia de seus anseios democráticos, em troca da pro-messa de unidade nacional e de poder internacional. Sustentavam então a Kulturkampf contra o Sul católico, cuja lealdade ao Império era duvidosa. Utilizados por Bismarck, os liberais alemães só tardiamente tentaram resistir, depois de terem sido afastados por ele. As classes médias alemãs haviam aderido à direção política dos junkers prussianos, assumindo a ideologia deles e integrando-a à Revolução Industriei, sob seu controle.

A nova Alemanha passava a ser uma imensa burocracia. O Parlamento, sem poder controlar os serviços militares e a política externa, era impotente. Sem preocupação com a responsabilidade ministerial, o Kaiser e o Chanceler tinham plenos poderes. Manejando todos os artifícios do sufrágio universal (salvo na Dieta prussiana), Bismarck concentrou todo o poder nas mãos da minoria governante, que se curvou de imediato à tradição militarista dos junkers da Prússia. Contra tal Estado autocrático, apoiado pela Igreja Católica por ter reconhecido os direitos dela, cresceu uma oposição liberal-democrática. Os liberais das regiões do sul, em respeito às suas tradições de monarquia constitucional, uniram-se aos social-democratas, que controlavam o voto dos operários organizados. Estes liberais do sul acabaram sonhando com um governo constitucional baseado no modelo inglês. Como se colocavam na posição de ardentes partidários da nova Alemanha e do industrialismo, interessavam-se profundamente pelo desenvolvimento do comércio exterior da Alemanha, não sendo revolucionários em qualquer sentido. Nada mais desejavam do que humanizar o Império Alemão, introduzindo o controle do Parlamento sobre a política externa e sobre os serviços militares, propondo o sufrágio universal na eleição para a Dieta prussiana. Tais reformas representavam tudo o que criam ser imprescindível para transformar a Alemanha num Estado progressista. Muitos dos chamados marxistas alemães acreditavam que o socialismo viria com certeza, desde que se efetivassem estas mudanças.

Crossman, R. H. S. Biografia do Estado Moderno. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas,

1980, pp. 136-8. (Coleção História e Política, v. 12).

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A Expansão Imperialista do Século XIX

"Apenas uma confusão política completa e um otimismo ingênuo podem impedir que se reconheça que os esforços inevitáveis em favor da expansão comercial de todas as nações civilizadas, sob controle da burguesia, após um período de transição de concorrência aparentemente pacífica, se aproximam nitidamente do ponto em que apenas o poder decidirá a parte que caberá a cada nação no controle econômico da Terra e, portanto, a esfera de ação de seus povos e, especialmente, do potencial de ganho de seus trabalhadores. "

(MaxWeber, 1894) INTRODUÇÃO

Ao escrever, em 1916, a obra Imperialismo: A Fase Superior do Capitalismo, Lênin desenvolveu uma teoria pessimista acerca dos destinos do capitalismo, pois este, com o imperialismo, teria atingido seu ápice, seu ponto máximo de desenvolvimento. Logo, a partir de então, entraria em declínio e tenderia a desaparecer. O pessimismo de Lênin seria resultado do próprio contexto histórico em que escreveu a referida obra, marcado pela eclosão da Primeira Guerra Mundial, uma guerra considerada eminentemente imperialista, já que resultou dos choques de interesses entre as burguesias nacionais das potências industriais. A autofagia gerada pela guerra entre as potências capitalistas, levava a crer que o sistema como um todo entrava em colapso, num processo de autodestruição, cujo resultado seria o fim do capitalismo.

"O imperialismo é filho da industrialização". Com essa frase, o ministro francês Julles Ferret demonstrava claramente a íntima relação existente entre esses dois fenômenos históricos. A mecanização da produção industrial, iniciada pela Inglaterra na segunda metade do século XVIII, correspondeu a uma verdadeira revolução no setor industrial, pois a introdução das máquinas possibilitou um gigantesco aumento da produtividade, decorrente do extraordinário desenvolvimento das forças produtivas no interior do modo de produção capitalista, que dotou as indústrias de uma capacidade ilimitada de produção de mercadorias.

As profundas transformações produzidas pela Revolução Industrial são visíveis em números que traduzem o grande salto por ela representado. A cidade de Manchester, na Inglaterra, teve a sua população duplicada entre 1760 e 1830, de 17.000 para 180.000 habitantes. Em 1813 havia 2.400 teares mecânicos em funcionamento na Inglaterra; em 1829 saltou para 55.000; em 1833, para 85.000 e em 1850, para 224.000. A produção britânica de carvão e ferro, que em 1830 era de 16.000.000 e 600.000 toneladas, respectivamente, atingiu, em 1850, 49.000.000 e 2.000.000 de toneladas. Esse expressivo crescimento na produção dessas matérias-primas está associado à difusão mundial do fenômeno da estrada de ferro (Hobsbawm, 1983, p. 53-66). A disparidade dos números demonstra claramente o porquê da Inglaterra permanecer, por mais de um século, como a "oficina mecânica do mundo" e como a nação hegemônica no comércio mundial.

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A segunda metade do século XIX foi marcada pelo advento da 2ª Revolução Industrial, na qual o fenômeno da industrialização deixou de ser exclusivamente inglês, expandindo-se. por outros países, como a Bélgica, a França, a Rússia, a Suécia, os EUA e, no final do século, a Alemanha, a Itália e o Japão. Embora de forma desigual, a expansão geográfica da industrialização atribuiu, de fato, à economia capitalista um sentido mundial. A nova fase de desenvolvimento industrial estava assentada nas indústrias de bens de capital (máquinas, equipamentos e armas), cujas matérias-primas básicas eram o carvão, o ferro e o aço, sendo esta última resultado da descoberta de novos processos siderúrgicos, como o conversor de Bessemer (1856) e o alto-forno Siemens-Martin (1864). Na década de 1870, comparativamente a de 1840, a produção mundial de carvão e feiro quintuplicou e, pela primeira vez, pussou-se a ter possibilidade de realizar produção em massa de aço (Hobsbawm, 1979, p. 61).

Essa expansão industrial representou uma gigantesca elevação da capacidade produtiva da economia capitalista e uma conseqüente inundação dos mercados nacionais de mercadorias, já que tal economia mostrou-se incapaz de "expandir os mercados para os seus produtos (...) e de proporcionar saídas lucrativas para seu capital acumulado (...)" na mesma proporção do enorme e crescente potencial produtivo que desenvolveu (Hobsbawm, 1979, p. 53). O período entre 1873 e 1896 constituiu-se na primeira grande crise da história do capitalismo, caracterizada por ser uma crise de superprodução, já que "ao preencher o vácuo da procura, os mercados tendiam a se saturar, pois embora houvessem evidentemente crescido, não haviam crescido com suficiente rapidez - pelo menos internamente - para acompanhar a múltipla expansão de produção e capacidade de produção de bens manufaturados" (Hobsbawm, 1983, p. 119).

A Grande Depressão de 1873 a 1896 foi um período de grande deflação, onde houve uma "prolongada depressão de preços, uma depressão dos juros e uma depressão dos lucros" (Hobsbawm, 1992). A enorme diferença entre a produção e o consumo tornou a expansão econômica capitalista da segunda metade do século XIX catastrófica: "21.000 milhas de estradas de ferro americanas entraram em colapso e falência, as ações na bolsa alemã caíram em 60% entre a alta e 1877 e - mais característico - quase metade dos altos-fornos nos grandes produtores de ferro pararam". Só na Inglaterra os preços caíram 40%. O que estava em jogo era a lucratividade gerada pela economia, que despencou a níveis extremamente baixos (Hobsbawm, 1979, p. 66).

Nesse contexto histórico, a expansão imperialista em busca de regiões que pudessem ser transformadas em mercados consumidores constituía-se no meio mais eficaz de superação da crise. Essa necessidade, gerada pela industrialização e pela Depressão, transformou as economias nacionais "num grupo de economias rivais, em que os ganhos de uma pareciam ameaçar a posição das outras" (Hobsbawm, 1992, p. 68). As conquistas territoriais resultantes da expansão foram significativas para as potências industriais:

"A Grã-Bretanha aumentou seus territórios em cerca de dez milhões de quilômetros quadrados, a França em cerca de nove, a Alemanha conquistou mais de dois milhões e meio, a Bélgica e a Itália pouco menos que essa extensão cada uma. Os EUA conquistaram cerca de 250 mil, principalmente da Espanha, o Japão algo em torno da mesma quantidade às custas da China, da Rússia e da Coréia. As antigas colônias africanas de Portugal se ampliaram em cerca de 750 mil quilômetros quadrados; a Espanha, mesmo sendo uma perdedora líquida (para os EUA), ainda conseguiu tomar alguns territórios pedregosos no Marrocos e no Saara Ocidental."

(Hobsbawm, 1992, p. 91) IMPERIALISMO; Fase do Capitalismo Monopolista e Financeiro

A Grande Depressão, entre 1873 e 1896, gerada pela crise de superprodução,

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resultante do processo de mecanização das indústrias, levou ao reordenamento da economia capitalista mundial, que representou a entrada do modo de produção capitalista em uma nova fase. Da segunda metade do século XVIII até o final do século XIX, o capitalismo viveu a "Era da Livre-Concorrência ou do Livre-Cambismo", na qual predominavam os dois princípios sagrados do Liberalismo Econômico - o do Estado Mínimo e o da Economia de Mercado. Nesse período, acreditava-se firmemente que o mercado era regido pela "mão-invisível" mencionada por John Locke, metáfora usada para designar a "Lei da Oferta e da Procura", que tornava o mercado auto-regulável.

Na fase do Capitalismo Concorrencial, resultante da industrialização, a economia caracterizava-se por uma intensa competição econômica, onde centenas de pequenas e médias indústrias de um mesmo ramo disputavam os mercados nacional e internacional, sendo a concorrência determinada pelo volume da produção e pelo preço. Como a capacidade de produção, que permitia a colocação dos produtos no mercado por um menor preço era a arma mais eficaz para ganhar a concorrência numa economia de mercado, os países industriais tenderam a acelerar o desenvolvimento das suas forças produtivas (instrumentos e técnicas de produção), tornando gigantesca sua capacidade de produzir mercadorias. Foi esse processo que levou à inundação do mercado de mercadorias, já que este não cresceu na mesma proporção e com a mesma rapidez que a produção, cujo volume era muito superior ao consumo. Essa foi uma grande contradição gerada pelo Capitalismo Industrial, pois selou a sorte da livre-concorrência, na medida em que a crise levou à falência de um grande número de indústrias e à necessidade de se reorganizar a economia em outras bases. Por isso, segundo Lênin, as décadas de 1860 e 1870 teriam sido o "ponto culminante de desenvolvimento da livre-concorrência" (Lênin, 1975, p. 35). 1. CARACTERÍSTICAS DO IMPERIALISMO. SEGUNDO LÊNIN

O estudo mais crítico acerca do imperialismo foi feito por Lênin, na obra O

Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, escrita em Zurique, em 1916. Nessa obra, Lênin analisa as tendências seguidas pelo capitalismo, a partir do craque de 1873, afirmando ser o imperialismo a véspera da Revolução Socialista ou "a antecâmara da revolução social do proletariado", pois seria o ponto máximo de desenvolvimento do capitalismo, que, ao mesmo tempo, representaria o início do seu declínio, já que as contradições por ele geradas atingiriam o seu ápice. O capitalismo monopolista e financeiro ou imperialismo, na visão de Lênin, foi a fase em que a economia das grandes potências assumiu as seguintes tendências ou características: 1.1. Concentração da produção e do capital

A crise de superprodução produziu um verdadeiro caos nas economias industriais, pois provocou a falência de um grande número de indústrias que não tiveram capacidade de superá-la. O processo de intensa deflação gerado pela crise, representado pela drástica queda dos preços, forçou um reordenamento das práticas econômicas, caracterizado pela formulação de estratégias para a sua superação. Uma dessas estratégias foi a concentração da produção e do capital, resultante da fusão de inúmeras pequenas e médias indústrias em poucas grandes empresas, que, em vez de continuarem a competir pelo mercado, impuseram o seu monopólio ao mesmo. Lênin nos oferece alguns dados demonstrativos dessa nova tendência da economia capitalista:

'Em 1907 havia na Alemanha 586 estabelecimentos com 1000 ou mais operários. Esses estabelecimentos empregavam quase a décima parte (1 380 000) do número total de operários e quase um terço (32%) do total de energia elétrica e a vapor" (...) Nos EUA, "o desenvolvimento da concentração da produção é ainda mais intenso (...) Em 1904, havia 1900 grandes empresas

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(num total de 216 180, isto é, 0,9%), com urna produção igual ou superior a um milhão de dólares; estas empregavam 1400 000 operários (num total de 5 500 000, ou seja, 25,6%), e o valor da produção ascendia a 5 600 milhões (em 14 800 milhões, ou seja, 38%)."

(Lênin, 1975, p. 30)

O processo da concentração da produção e do capital materializou-se nas seguintes formas: a) TRUSTES:

São as grandes indústrias que resultaram da fusão, de inúmeras pequenas e médias indústrias do mesmo ramo. Tais empresas tomaram-se multinacionais ao estenderem seus tentáculos por vários países do mundo, instalando filiais.

b) CARTÉIS:

São associações de trastes de um mesmo ramo, ou seja, sindicatos dos trustes. A organização dos cartéis constituiu-se no meio mais eficaz da imposição do monopólio dos trustes, já que significou a socialização integral da produção. Essa socialização de cima para baixo torna-se visível nas práticas desenvolvidas pelos cartéis, que passaram a decidir coletivamente quotas de produção, fixação de preços, divisão do mercado e divisão do lucro. Essa divisão do lucro decorria da própria divisão do mercado, não significando que o lucro de uma empresa fosse dividido com outra. Apesar da atuação solidária das empresas do cartel, a apropriação do lucro permanecia individual, ou seja, por empresa. c) COMBINADO:

Reunião numa só empresa de diferentes ramos da indústria que ou representavam fases sucessivas da elaboração de uma matéria-prima ou ramos que desempenhavam um papel auxiliar em relação a outros. 1.2. Formação do capital financeiro

A crise de superprodução exigiu a redução dos investimentos de capitais no setor industrial, na medida em que havia necessidade de também se reduzir a produtividade das indústrias. Forçados pela própria dinâmica do modo de produção capitalista, que exige a manutenção do capital em circulação na economia, os industriais começaram a transferir maciçamente capitais do setor produtivo para o setor especulativo (bancos), no sentido de aplicá-los no mercado financeiro, garantindo assim a sua não desvalorização. Essa transferência de capitais das indústrias para os bancos, levou, contraditoriamente, ao fortalecimento dos mesmos, que passaram a concentrar o maior volume de capitais existentes na economia, agora sob a forma de capital financeiro: capital concentrado nos bancos à disposição das indústrias. O capital financeiro, resultante da fusão do capital industrial com o capital bancário, passou a ser monopolizado por uma oligarquia financeira (grupo de banqueiros-industriais) que impôs seu domínio à economia mundial, assumindo o controle acionário dos trustes. 1.3. Maior volume de exportação de capitais do que de mercadorias

A presença de um grande excedente de capital nos países industriais decorria da sua imensa capacidade de produção de mercadorias, da redução drástica dos investimentos na agricultura e da não utilização desse capital para a elevação do nível de vida das massas da população. A exportação desse capital excedente para países atrasados, na forma de empréstimos, constituiu-se em uma fonte de altos lucros para a oligarquia financeira internacional, na medida em que eram emprestados a Juros altíssimos, garantindo ao capital imensa rentabilidade. Todos sabemos que, até hoje, o capital que circula no setor especulativo

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se reproduz a si mesmo e, algumas vezes, num ritmo muito mais acelerado do que no setor produtivo. Outra forma de exportação de capital relacionava-se à sua transferência para as áreas coloniais, com o objetivo de montar uma infra-estrutura de produção de matérias-primas (mecanização da exploração mineral) e de escoamento rápido de tal produção para a metrópole (vias férreas).

1.4. Partilha do mundo entre as grandes potências capitalistas

Com a expansão imperialista do final do século XIX, o capitalismo tornou-se efetivamente o primeiro modo de produção na história a se desenvolver em escala mundial, pois todos as legiões do globo terrestre foram integradas a um sistema econômico universal. Nas palavras de Eric Hobsbawm, "o fato maior do século XIX é a criação de uma economia global única, que atinge progressivamente as mais remotas paragens do mundo, uma rede cada vez mais densa de transações econômicas, comunicações e movimentos de bens, dinheiro e pessoas ligando os países desenvolvidos entre si e ao mundo não desenvolvido" (Hobsbawm, 1992, p. 95). As regiões que, no final do século XIX, ainda encontravam-se à margem do sistema capitalista mundial foram incorporadas na condição de áreas coloniais das grandes potências, o que fez com que o imperialismo estivesse associado ao neocolonialismo, responsável pela destruição das economias tradicionais das regiões conquistadas, na medida em que integrou-as ao mercado mundial de produção e circulação de mercadorias, e disseminou nelas o uso do trabalho assalariado.

2. ESTRATÉGIAS USADAS PELOS CARTÉIS PARA ELIMINAR A CONCORRÊNCIA

Nas primeiras décadas do século XX, os cartéis tornaram-se a base fundamental da

economia capitalista, na medida em que passaram a ter o controle da mesma, através da imposição do seu monopólio. Um conjunto de trastes, que de acordo com o seu ramo de produção se associavam em cartéis, "conquistaram, uma após outra, as esferas industriais e, em primeiro lugar, a da transformação de matérias-primas" (Lênin, 1975, p. 34).

Com a organização dos cartéis, a produção foi socializada de cima para baixo, já que, reunidos neles, os trustes decidiam coletivamente suas formas de intervenção econômica, embora a apropriação dos lucros da produção continuasse a ser privada. Como a crise de superprodução afetou de forma desigual o conjunto de indústrias, algumas delas conseguiram sobreviver a crise e mantiveram-se operando isoladamente no mercado, dificultando a consolidação do monopólio dos cartéis. Assim, havia a urgente necessidade de se eliminar tal concorrência indesejada e para isso os cartéis utilizaram-se das seguintes estratégias para forçar a empresas outsiders a se cartelizarem ou para levá-las à falência: 2.1. Privação de matérias-primas

A localização das fontes de matérias-primas em regiões cada vez mais distantes dos centros de produção industrial constituiu-se em uma das características da fase do imperialismo ou do capitalismo monopolista e financeiro. Isto resultou do processo de expansão realizado pelos países industriais, cujos governos, representando os interesses dos cartéis, organizaram a expansão e a exploração das regiões conquistadas. Através do estabelecimento de exigências que não podiam ser satisfeitas pelas indústrias não-cartelizadas, estas eram impedidas de ter acesso às fontes de matérias-primas, o que as impossibilitava de realizar sua produção.

2.2. Privação de mão-de-obra

A crescente necessidade de mão-de-obra qualificada caracterizou o desenvolvimento do capitalismo monopolista, pois resultava do grande desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas. A organização e fortalecimento do movimento sindical, que acompanhou o

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desenvolvimento das forças produtivas, levou ao surgimento de sindicatos por categoria profissional, nos quais se instalou uma burocracia, que passou a tirar proveito da sua condição de membro da direção dos sindicatos, Isto permitiu aos cartéis fazerem "acordos" com os sindicatos para que orientassem seus filiados a só aceitarem trabalho nas empresas cartelizadas, excluindo as outsiders do acesso a mão-de-obra. Quando o movimento operário conquistou o contrato coletivo de trabalho, através de suas lutas, os sindicatos tornaram-se bastante fortes, a ponto de, subornados pelos cartéis, só assinarem contratos coletivos de trabalho com empresas cartelizadas. 2.3. Privação de meios de transporte, de mercados e de créditos

Dispor de meios de transportes (navios e linhas férreas) eficientes para escoar sua produção era indispensável às grandes indústrias para colocar seus produtos no mercado mundial. Por essa razão, os cartéis, chegando inclusive a recorrer a sabotagem, privaram as indústrias não-cartelizadas dos seus meios de transportes, cortando conseqüentemente seu contato com os mercados. A recomposição de suas frotas e de suas ferrovias, muitas vezes vítimas de explosões "misteriosas", exigia que as empresas outsiders dispusessem de créditos bancários que lhes eram negados, já que a oligarquia financeira que integrava os cartéis, também controlava o capital financeiro. 2.4. Realização de dumping

Constitui-se na redução sistemática dos preços, objetivando arruinar as empresas não-cartelizadas, pois estas não conseguiam acompanhar os níveis de preços a que chegavam as indústrias cartelizadas. O dumping exigia dos cartéis a disposição de gastar, durante algum tempo, milhões para colocar os produtos no mercado por preços inferiores ao do custo de produção, sofrendo "prejuízos". Como a ação dos cartéis é mundial, tais prejuízos são falaciosos, pois a redução do preço em um mercado onde havia concorrência era compensada pela elevação do mesmo em mercados já monopolizados.

3. OS BANCOS E SEU NOVO PAPEL NO CAPITALISMO MONOPOLISTA

Até o final do século XIX, os bancos constituíram-se apenas em intermediários no

processo de circulação de dinheiro na economia, através de pagamentos e recebimentos. O maior volume de capitais estava concentrado no setor produtivo, já que a mecanização das indústrias exigiu uma grande investimento. Com a crise de superprodução, que gerou a necessidade de reduzir a produtividade das indústrias, começou a haver uma maciça transferência de capitais para o setor especulativo, ou seja, os bancos, que foram assumindo a condição de "donos do capital", na medida em que passaram a concentrar a maior quantidade de capitais existentes na economia, agora sob a forma de capital financeiro, resultante da fusão do capital industrial com o capital bancário.

Ao mesmo tempo em que a crise de superprodução produziu um intenso processo de concentração da produção e do capital industriais, também levou à concentração bancária, em que "os grandes estabelecimentos, particularmente os bancos, não só absorvem diretamente os pequenos como os 'incorporam', subordinam, incluem-nos no 'seu' grupo, no seu consórcio -segundo o termo técnico - por meio da 'participação' no seu capital, da compra ou da troca de ações, do sistema de créditos etc." Seis grandes bancos de Berlim, em 1911, já possuíam 204 sucursais (filiais) na Alemanha; 276 caixas de depósito e casas de câmbio; 63 participações constantes em sociedades anônimas bancárias alemãs, num total de 450 estabelecimentos. Em 1910, na Inglaterra, quatro grandes bancos tinham entre 447 e 689 filiais espalhadas pelo país. Em 1909, os três maiores bancos franceses possuíam 1229 filiais e 4363 milhões de francos de capital (Lênin, 1975, p. 46,48,49).

No imperialismo, os bancos também passam por um processo de trustificação,

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transformando-se em grandes instituições financeiras, que diversificaram seus investimentos, através da compra de ações dos trustes industriais, sendo isto resultado da excessiva concentração de capitais no setor especulativo. Exemplo disso são os Grupos Morgan e Rockefeller, nos EUA. Desse modo, um grupo de banqueiros-industriais formam uma oligarquia financeira, que assume o controle da economia mundial e cria uma estreita relação de dependência econômica entre as grandes potências e países atrasados (isso na lógica do capitalismo), através da maciça exportação de capitais, principalmente na forma de empréstimos, sendo o pagamento dos passivos da dívida (os juros) um dos principais instrumentos de alimentação do capital financeiro. A oligarquia financeira inaugurou um novo sistema de gestão bancária e industrial, pois passou a utilizar nos conselhos de administração dos bancos e/ou no corpo executivo das grandes empresas ex-membros da burocracia do Estado, especialmente os que tivessem passado pelo seu alto escalão. Essa prática, comum ainda hoje, produz inúmeros benefícios, pois facilita imensamente as relações com as autoridades estatais, abrindo canais de acesso a um dos seus principais clientes: o Estado. Ou seja, a prática secular de associação cargo-poder-negócios continua sendo um dos

meios mais eficaz de enriquecimento.

4. A EXPANSÃO IMPERIALISTA DO FINAL DO SÉCULO XIX

"Os analistas não-marxistas (...) tenderam a negar qualquer conexão específica entre o imperialismo do fim do século XIX e do século XX com o capitalismo em geral, ou com sua etapa particular que, como vimos, parecia emergir no final do século XIX. Negaram que o imperialismo tivesse raízes econômicas importantes, que beneficiasse economicamente os países imperiais e, menos ainda, que a exploração das zonas atrasadas fosse, de alguma forma, essencial ao capitalismo, e que seus efeitos nas economias coloniais fossem negativos. Argumentaram que o imperialismo não levou a rivalidades incontornáveis entre as potências imperiais e que sua relação com a origem da Primeira Guerra Mundial não foi significativa."

(Hobsbawm, 1992, p. 94)

Ao contrário do que afirmam os analistas não-marxistas, a expansão imperialista do final do século XIX ou o "novo imperialismo", cujo resultado foi a conclusão da divisão do mundo entre as grandes potências, possuiu uma visível dimensão econômica. Tal constatação não elimina as outras dimensões presentes nesse fenômeno histórico (política, social e cultural), pois todo e qualquer acontecimento histórico deve ser encarado na sua totalidade.

Incontestavelmente, a Grande Depressão, entre 1873 e 1896, materializada pela crise de superprodução, foi o fator preponderantemente responsável pela necessidade sentida pelos países industriais de ampliar seus mercados pela conquista de regiões fora da Europa. De forma contraditória, o amadurecimento das economias industriais, que lhes permitiu produzir mercadorias em escala nunca antes imaginada, acabou levando à primeira grande crise do capitalismo, na medida em que o crescimento dos mercados foi muito inferior ao da produção.

"Neste sentido, o 'novo imperialismo' foi o subproduto natural de uma economia internacional baseada na rivalidade entre várias economias industriais concorrentes, intensificada pela pressão econômica dos anos 1880."

(Hobsbawm, 1992, p. 101). Enquanto internamente as potências industriais buscavam superar a crise

desenvolvendo estratégias que levaram a uma atuação solidária da burguesia na economia, externamente, as burguesias nacionais desses países desenvolveram uma acirrada disputa por regiões da Ásia e da África, com o objetivo de transformá-las em áreas de consumo. Desse modo, o cenário econômico internacional do final do século XIX e da primeira metade do

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século XX, caracterizou-se por um conjunto de economias nacionais rivais, que, contrariando os "princípios sagrados" do Liberalismo Econômico, voltaram a adotar políticas protecionistas, com o intuito de reservar o seu mercado nacional e os mercados das áreas coloniais conquistadas para as suas manufaturas. O protecionismo, aliado à necessidade de expansão, fortaleceu imensamente a idéia de Estado-Nação, fundamental na transformação do imperialismo no principal fator responsável pelas guerras mundiais.

Além da urgente necessidade de ampliação dos seus mercados consumidores, as potências industriais também buscavam na expansão imperialista fontes de matérias-primas, áreas onde investir capitais excedentes e áreas para onde deslocar seus excedentes populacionais. Vale ressaltar

que tais excedentes populacionais não resultavam de nenhum processo de explosão demográfica que estivesse afetando os países imperialistas, mas sim da existência de um crescente contingente de mão-de-obra ociosa nos mesmos, expulso do mercado ativo de trabalho pela mecanização. O desemprego, agravado pela crise, constituía-se em elemento produtor de um clima de imensa tensão social nesses países, onde os movimentos operários tendiam a atingir níveis cada vez maiores de organização e de fortalecimento, e sofriam influência de doutrinas revolucionárias, como o socialismo e o anarquismo. Não esqueçamos a Comuna de Paris, em 1871, movimento dos trabalhadores comunistas, que, por algumas semanas, tomou o poder na capital francesa. "Na verdade, o surgimento dos movimentos operários ou, de maneira geral, da política democrática teve uma relação nítida com o surgimento do 'novo imperialismo' (Hobsbawm, 1992, p. 105).

Como em períodos anteriores da História, o "novo imperialismo" justificava-se ideologicamente pela idéia da superioridade dos europeus em relação aos povos de pele não-branca, idéia essa que levou, nas áreas coloniais, os colonizadores, fossem de origem rica, de classe média ou pobre, a se sentirem iguais entre si e superiores aos dominados. "Em Dacar ou Mombaça, o mais modesto funcionário (branco) era um amo e era aceito como gentleman

por pessoas que nem teriam notado sua presença em Paris ou Londres; o operário branco era um comandante de negros" (Hobsbawm, 1992, p. 107). Assim, o imperialismo do final do século XIX, também apresentava-se como meio de levar a civilização a povos bárbaros, tirando-os do estágio de primitivismo em que se encontravam. De novo, o cristianismo tornou-se o principal instrumento de dominação ideológica, restaurando a máxima catequisar é civilizar, pois a interiorização de sua doutrina pelas populações dominadas representaria a absorção de princípios, como obediência, passividade, disciplina, conformismo.

Duas doutrinas, entre outras, foram fundamentais como argumentos de justificação das práticas imperialistas, caracterizadas pela extrema violência sobre a população das regiões conquistadas: a Teoria do Darwinismo Social, formulada por Friedrich Ratzel, que afirmava a superioridade da raça ariana, cujo centro era a Europa, que, por isso, era considerada como o pólo irradiador da civilização e atribuía aos europeus, desde o nascimento o fardo do homem branco, ou seja, o cumprimento de uma missão civilizadora, e a Teoria do Espaço Vital, elaborada por Herbert Spencer, que justificava as conquistas territoriais

como direito dos países imperialistas, no sentido de garantirem a continuidade do seu desenvolvimento. 5.0 IMPERIALISMO NA ÁSIA 5.1. A conquista da Índia

A Expansão Ultramarina Européia dos séculos XV e XVI, iniciou-se com o objetivo da descoberta de uma rota marítima para a Índia, fonte produtora das especiarias e produtos de luxo, cujo comércio produzia alta rentabilidade na Europa. Logo, a presença de europeus na região era muito anterior ao século XIX, remontando à descoberta de Vasco da Gama, em 1498, que deu aos portugueses o controle de dois portos indianos, Calicute e Goa.

A partir do século XVII, a Inglaterra passou a monopolizar o comércio dos tecidos de

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seda indianos na Europa, sem, entretanto, ter interferência no processo de produção, que manteve sua característica artesanal secular. O ópio também figurava na balança de exportações da Índia, embora seu uso fosse restrito a fins medicinais e religiosos. Na nova fase de expansão imperialista, iniciada no fim do século XIX e associada às necessidades geradas pela industrialização, a índia representava um grande mercado consumidor em potencial, por isso tornou-se "o cerne da estratégia britânica, (pois seu domínio) exigia o controle não apenas das rotas marítimas curtas (Egito, Oriente Médio, Mar Vermelho, Golfo Pérsico e Arábia do Sul) e longas (Cabo da Boa Esperança e Cingapura) para o subcontinente, mas de todo o Oceano Índico, inclusive de setores cruciais do litoral e do interior da África" (Hobsbawm, 1992, p. 103 e 104).

Na ótica do capitalismo europeu, a índia constituía-se num país atrasado, de economia agrícola de base familiar, que convivia com uma indústria textil artesanal. Sua sociedade apresentava-se dividida em castas, cuja definição vinculava-se à religião (bramanismo). No aspecto político, a índia não era um Estado unificado, estando dividida em principados e tribos independentes e comumente rivais. Esta ausência de um poder central facilitou enormemente a conquista colonial inglesa, pois impediu a organização de uma resistência eficaz à dominação.

A integração da Índia no Commonwealth (Comunidade Britânica) significou a destruição da sua indústria artesanal de tecidos de seda, pois a lógica do "novo imperialismo" não admitia concorrência com os produtos metropolitanos. Assim, os hindus foram transformados em grandes consumidores de tecidos de algodão produzidos pela Inglaterra, representando isso não só uma mudança econômica, mas também uma alteração de hábitos culturais.

Maquiavel, já no século XIV, advertia que ninguém consegue dominar nada por muito tempo apenas utilizando-se da força. A força deve-se necessariamente juntar a persuasão, ou seja, o convencimento dos dominados de que o domínio lhes será mais benéfico do que maléfico. Por isso, a Inglaterra associou à dominação militar a tentativa de estabelecer também um domínio ideológico, com o objetivo de transformar os hindus numa comunidade ideológica, ou seja, de levá-los a se pensar como ingleses. O principal instrumento usado pelo imperialismo para impor a cultura dominante aos dominados foi a ação dos missionários cristãos, cujo trabalho rendeu bons frutos.

O imperialismo "foi a época clássica de empenho missionário maciço. O trabalho missionário não foi, de forma alguma, um intermediário da política imperialista. Muitas vezes se opôs às autoridades coloniais; quase sempre colocou os interesses de seus convertidos em primeiro lugar. Contudo, o sucesso do Senhor se dava em função do avanço imperialista. Ainda pode ser debatido se o comércio seguiu a bandeira, mas não há dúvida de que a conquista colonial abriu caminho à ação missionária efetiva (...) E se a cristandade insistia na igualdade de almas, ressaltava a desigualdade de corpos - mesmo de corpos clericais. Era algo feito pelos brancos para os nativos, e pago pelos brancos. E embora os fiéis nativos se multiplicassem, ao menos a metade do clero continuou branca. Quanto a um bispo de cor, seria necessário um microscópio potente para detectá-lo em algum lugar entre 1880 e 1914. A Igreja Católica só sagrou seus primeiros bispos asiáticos nos anos 1920 (...)" (Hobsbawn, 1992, p. 108).

O resultado do trabalho ideológico desenvolvido pelos missionários sobre a população hindu ou sobre qualquer outra deve ser relativizado. A possibilidade de criação de uma "comunidade de mentes" por meio do trabalho ideológico é extremamente remota, para não dizer impossível. Não resta dúvida de que expressiva parcela da população indiana, independente de classe social, incorporou os valores da cultura inglesa e passou a se pensar como ingleses. O grande número de jovens indianos de famílias abastadas formados em universidades inglesas que passou pelo processo de "ocidentalização" e a maciça presença de hindus nas tropas inglesas de ocupação constituem-se em provas disso. Mesmo entre aqueles

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que estudaram no Ocidente, deve-se relativizar o êxito da doutrinação ideológica. Mahatma Gandhi, o grande líder pacifista da independência da Índia, formou-se como advogado em uma universidade ocidental, tendo sofrido forte influência de ideologias produzidas no Ocidente.

"Em suma, a Era dos Impérios criou tanto as condições que formaram líderes antimperialistas como as condições que (...) começaram apropiciar ressonância a suas vozes."

(Hobsbawm, 1992, p. 117)

Os constantes movimentos de resistência à dominação imperialista que ocorreram na Índia foram demonstrações inequívocas de que os ingleses não conseguiram criar uma "comunidade ideológica" entre os indianos. Entre tais movimentos destacou-se a "Rebelião dos Cipaios", em 1857, que colocou em xeque o imperialismo inglês, sendo violentamente reprimida. Vale ressaltar que as tropas que realizaram a repressão eram constituídas por um grande número de hindus.

No ano de 1887 (1877), a Rainha Vitória, da Inglaterra, foi coroada Imperatriz da Índia, em Nova Delhi. Fato este que, apesar de parecer banal, possui um forte significado simbólico. Ao tornarem a sua rainha também imperatriz dos dominados, os ingleses procuravam levar os mesmos a se sentirem iguais a eles e mostrar que não os tratavam como inferiores, pois eram súditos da mesma Coroa. 5.2. A conquista da China

O principal objetivo da expansão imperialista do final do século XIX - a busca de mercados consumidores - parecia ter plena possibilidade de realização na China, que já apresentava nesse período uma população de 300 milhões de habitantes. A penetração imperialista na China correspondeu a um tipo de expansão que resultou da rivalidade entre as potências coloniais, o que impediu que uma delas assumisse o controle exclusivo da região.

Desde o século XVII, a Inglaterra comprava o chá chinês para revendê-lo no mercado internacional, mas não conseguia sensibilizar os consumidores chineses a comprar nenhum dos produtos que oferecia. A necessidade de abrir o mercado chinês levou a Inglaterra a introduzir grande quantidade de ópio indiano na China, popularizando o seu consumo. Associados ao Estado Imperial chinês, nas mãos da dinastia Manchu, os comerciantes ingleses tornaram o ópio a chave de abertura do mercado consumidor da China. A disseminação do comércio e do consumo do ópio produziu um processo de degeneração social na China, que, fugindo ao controle do governo chinês, levou-o a proibir a sua comercialização.

Os prejuízos que tal proibição poderia causar aos comerciantes ingleses fez com que desconhecessem tal fato e continuassem a comercializar ópio na China, agora sob a forma de contrabando. Em 1839, o governo chinês apreendeu no porto de Cantão um carregamento de 20 mil caixas de ópio e ordenou que o mesmo fosse queimado. Esse incidente serviu de pretexto à Inglaterra para declarar guerra à China.

A I Guerra do Ópio (1840-1842) representou o início da penetração do imperialismo ocidental na China, que derrotada foi obrigada a assinar com a Inglaterra o Tratado de Nanquim (1842), pelo qual entregava-lhe o porto de Hong Kong; abria mais cinco portos, onde os britânicos teriam direito de residência e comércio; concedia imunidade judiciária aos ingleses residentes em seu território, com base no princípio da extraterritorialidade, ou seja, os crimes comedidos por ingless no território chinês seriam julgados por tribunais ingleses.

"Os chineses, contudo, tentaram reter certa independência, impedindo que estrangeiros penetrassem no interior. Permaneciam ainda intactas as instituições econômicas e sociais do país, e continuaram a ser decepcionantes os mercados para bens ocidentais, tais como tecidos de algodão e maquinaria: as comunidades auto-suficientes da China não foram subvertidas

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como as da Índia, sob Governo direto estrangeiro, e o contrabando de ópio pelos comerciantes britânicos continuou a ser um dos principais itens da pauta de comércio exterior chinês. Os comerciantes ocidentais, porém, pleiteavam ainda mais concessões a fim de melhorar os mercados. Entrementes, a debilidade chinesa, juntamente com as tensões criadas pela intervenção estrangeira, foi ainda mais intensificada por uma série de levantes camponeses, em especial a maciça Rebelião dos Taipingues, que durou catorze anos, de 1850 a 1864."

(Magdoff, 1979, p. 46) A Rebelião dos Taipingues iniciou-se como um movimento de caráter religioso,

contrário às pregações dos missionários cristãos. Porém, aos poucos foi assumindo o caráter de um movimento nacionalista, que passou a lutar contra a penetração estrangeira na China e contra o Estado Imperial por ser conivente com ela. Ao atingir a região do vale do rio Yang-Tse-Kiang, principal via de acesso ao interior da China, a rebelião colocou em risco a dominação estrangeira e a própria sobrevivência do Estado. Diante disso, o governo chinês solicitou o auxílio militar das potências imperialistas interessadas na China e, à frente de um exército multinacional, reprimiu violentamente a revolta.

A repressão à revolta dos taipingues coincidiu com novas exigências feitas pelas potências ocidentais ao governo chinês de tratados comerciais mais favoráveis, que acabaram levando à II Guerra do Ópio (1856-1860), agora declarada pela Inglaterra e Fiança. Novamente derrotada, a China foi obrigada a assinar urna série de tratados com a Inglaterra, França, Rússia e Estados Unidos, assinados em Tietsin, que a transformaram em um consórcio imperialista, já que nos anos subseqüentes outros países, como a Alemanha, Itália, Dinamarca, Holanda, Espanha, Bélgica e Áustria-Hungria assinaram com a China tratados similares.

Embora a China continuasse oficialmente como um país independente, esses tratados acabaram por consolidar um processo em que "legalizou-se finalmente o comércio de ópio, impuseram-se direitos aduaneiros mais baixos a fim de facilitar a concorrência de bens ocidentais importados, patrulharam-se os rios chineses com canhoneiras e nomearam-se estrangeiros para os quadros de coletores de impostos a fim de assegurar que os chineses poderiam pagar as multas previstas nos vários tratados" (Magdoff, 1979, p. 47).

5.3. Japão: de quase colônia à potência imperialista

O Japão, até o final do século XIX, embora haja uma acirrada polêmica historiográfica em torno disso, constituiria-se em um país feudal, cuja economia desenvolvia-se em tomo da terra, que era propriedade de uma aristocracia fundiária formada por xoguns, grandes senhores da guerra, cujo poder era garantido por exércitos de samurais, guerreiros especializados. O cultivo da terra era realizado por camponeses na condição de servos, que também eram utilizados como trabalhadores das obras públicas. Politicamente, o regime vigorante no Japão era o xogunato, caracterizado pela descentralização política, embora há séculos o xogunato fosse dominado pela família dos Tokugawa. O imperador tinha seu poder restrito à cidade de Kioto e não possuía expressividade política.

Desde o século XVI, portugueses e holandeses faziam comércio com o Japão, embora tradicionalmente os japoneses tentassem evitar a penetração estrangeira no seu território. A abertura do Japão... ao imperialismo ocidental foi feita pelos Estados Unidos. Nos anos de 1853 e 1854, uma esquadra norte-americana sob o comando do comodoro Matthew Perry bombardeou os portos japoneses, obrigando o Japão a assinar um tratado comercial com os Estados Unidos, que foram seguidos por outros semelhantes com a França, a Inglaterra e a Rússia. Parecia que a sorte do Japão ia ser a mesma da China, transformar-se em um consórcio imperialista.

No entanto, uma série de acontecimentos ocorridos no contexto histórico internacional e no contexto histórico japonês possibilitaram ao Japão inverter sua situação. Tais acontecimentos no contexto internacional estão relacionados à eclosão da Guerra de Secessão

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nos Estados Unidos; ao envolvimento da França na unificação da Alemanha, que culminou na Guerra Franco-Prussiana; à necessidade da Inglaterra garantir seu domínio sobre a Índia, ameaçado pela Rebelião dos Cipaios; à derrota da Rússia na Guerra da Criméia. Esses fatos forçaram as potências imperialistas a desviarem sua atenção do Japão, levando a não efetivação do seu domínio.

Internamente, os xoguns que não concordavam com a dominação estrangeira transferiram-se para Kioto e juraram fidelidade ao imperador Mutsuhito, pertencente à dinastia Meiji. A divisão dos xoguns levou a uma guerra civil, envolvendo os adeptos da família Tokugawa contra os do imperador, que culminou, em 1867, com a vitória das forças imperiais, a derrubada do regime do xogunato, o fim do feudalismo e a transformação do Japão num Estado unificado.

Iniciou-se, então, a chamada Era ou Revolução ou Restauração Meije, na qual o Japão passou por profundas reformas sócio-econômicas que buscavam introduzi-lo na modernidade, ou seja, transformá-lo em uma potência capitalista. Os maciços investimentos de capital no setor industrial permitiu o desenvolvimento de um acelerado e eficiente processo de industrialização, no qual o novo Estado Imperial desempenhou importante papel, "concedendo várias formas de auxílio e garantias a industriais empreendedores, e mediante investimentos diretos em indústrias de base, tais como estradas de ferro, construção naval, comunicações e maquinaria. A concentração de recursos no setor industrial fez-se acompanhar de reformas sociais que eliminaram as restrições feudais, aceleraram a educação de massa e encorajaram a obtenção de qualificações no emprego da tecnologia ocidental" (Magdoff, 1979, p. 50).

Os subsídios oferecidos pelo Estado permitiram a transformação de indústrias familiares em grandes complexos econômicos, que atuavam em setores bastante diversificados. Exemplo disso foram os grupos Mitsui, que atuava no setor financeiro, no ramo de estaleiros, exploração mineral, empresas de navegação, indústria têxtil e açucareira, e Mitsubishi, também com atividades econômicas bastante diversificadas.

Na condição de potência industrial, o Japão iniciou uma agressiva política imperialista, que o levou a entrar em guerra com a China (1894-1895), que, derrotada, foi obrigada a reconhecer os interesses japoneses na Coréia e a entregar para o Japão a ilha de Formosa (Taiwan), as ilhas dos Pescadores e a Manchúria meridional. A consolidação do domínio japonês na Coréia e na Manchúria foi resultado da Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), vencida pelo Japão. A derrota agravou sensivelmente a situação sócio-econômica da Rússia, provocando a Revolução de 1905 (uma série de motins, greves e passeatas), considerada como o ensaio geral da Revolução de 1917.

Obs.: A expansão imperialista na Ásia foi completada pela conquista da Indochina (Laos, Camboja e Vietnã) pela França e pela conquista da Birmânia, Austrália e Nova Zelândia pela Inglaterra. 6. A PARTILHA DA ÁFRICA

Último continente a ser dividido pelas potências imperialistas, em 1900, a África já estava praticamente ocupada pelas potências imperialistas, sendo as únicas exceções a Libéria, protegida dos Estados Unidos, o Marrocos, logo depois conquistado pela França, a Líbia, anexada posteriormente pela Itália e a Etiópia.

Foi na África que a expansão imperialista assumiu o caráter de disputa acirrada entre as grandes potências, devido principalmente a presença da Alemanha, que, por ter entrado atrasada na corrida imperialista, exigiu a redivisão do Mundo Colonial, chocando-se com interesses de outras potências, principalmente da França. Indignava a Alemanha ter que se contentar com territórios insignificantes do ponto de vista econômico, sendo uma grande potência.

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Em 1830, a França conquista a Argélia, estendendo, a seguir, seu domínio sobre o Senegal, Gabão, Guiné, Madagascar. Ao invadir a Tunísia, em 1881, a França entrou em choque com a Itália que, juntamente com a Inglaterra e a França, tentou enfraquecer os vínculos desse país com a Turquia, emprestando volumosas quantias aos beis da Tunísia. Na África Ocidental, "as fronteiras, traçadas por conquista e acordo entre os conquistadores, deram à França a parte do leão; além da ampliação de suas antigas possessões costeiras, obteve a África Ocidental Francesa e a África Equatorial Francesa, cabendo à Grã-Bretanha a colônia da Nigéria" (Magdoff, 1979, p. 55).

Os interesses da França e da Inglaterra se chocaram em torno do Egito. Após ter construído o Canal de Suez e financiar o grupo dominante no Egito, a França passou a ter forte influência no país, ameaçando os interesses ingleses, pois o canal era de vital importância para o contato da Inglaterra com o seu império e com os mercados orientais. Quando em 1880 explodiu uma revolta nacionalista no Egito, a Inglaterra, aproveitando o fato da França estar ocupada na guerra com a Tunísia, bombardeou a cidade de Alexandria (1882), consolidando seu controle sobre o Egito e assumindo inteiramente o seu governo. Desde então, o Egito foi reconhecido oficialmente como protetorado da Inglaterra, que também assumiu o controle das ações pertencentes ao governo egípcio do Canal de Suez.

A Inglaterra pretendia estender seus domínios da Cidade do Cabo, no extremo sul da África, até a cidade do Cairo, no Egito. Desse modo, iniciou uma expansão imperialista no sentido sul-norte, que a levou, entre 1899 e 1902, a travar a Guerra dos Bôeres, descendentes dos holandeses que haviam fundado as Repúblicas de Orange e Transwall, conquistadas pela Inglaterra e incorporadas à África do Sul. Tal conquista foi comandada por Cecil Rhodes, um dos maiores empresários britânicos e figura exponencial da Companhia Britânica da África do Sul. Subindo em direção ao norte da África, os ingleses conquistaram a Rodésia, o Congo e o Gabão.

A conquista das regiões da África subsaariana foi estimulada pela abertura da bacia do Congo, pelo rei da Bélgica, Leopoldo II, que havia patrocinado uma expedição científica ao continente, cujo resultado foi a ocupação do Congo, transformado em propriedade particular do monarca belga.

O acirramento da corrida imperialista levou à realização da Conferência da África Ocidental, em Berlim, no ano de 1885 (1884), na qual reuniram-se representantes de quinze nações. A Conferência de Berlim "fixou as regras básicas da luta cada vez mais acirrada pelas colônias. Reconheceu também a existência do Estado Livre do Congo, governado pelo rei Leopoldo, ao mesmo tempo que insistia em que os rios da bacia do Congo permanecessem abertos ao comércio livre..." (Magdoff, 1979, p. 54-55).

A Alemanha impôs seu domínio sobre Togo, Camarões e África Oriental. A Itália conquistou a Líbia, Eritréia e Somália, mas sofreu a primeira derrota frente à populações nativas ao tentar conquistar a Abissínia, hoje Etiópia.

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A Primeira Guerra Mundial: 1914-1918

"A guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas num lapso de tempo durante o qual o desejo de rivalizar através de batalhas é suficientemente conhecido."

(Thomas Hobbes, Leviatã)

1. O SIGNIFICADO HISTÓRICO DA GUERRA

O século XX foi ímpar do ponto de vista histórico, no sentido das rápidas e radicais

transformações ocorridas na ordem mundial, a ponto do historiador inglês Eric J. Hobsbawm denominá-lo em recente obra de "O breve século XX". A efetiva transformação do capitalismo

num modo de produção mundial, a partir da expansão imperialista do final do século XIX, deu ao nosso século um caráter específico, na medida em que integrou todas as regiões do globo terrestre num mesmo sistema econômico, que tem como uma de suas características principais a crescente divisão internacional do trabalho, na qual os países centrais especializaram-se na produção de manufaturados e os países periféricos na de matérias-primas e alimentos. Foi nesse contexto histórico e como resultado de suas graves contradições que ocorreram as duas Grandes Guerras, cujo caráter mundial foi justificado pelo referido contexto e que imprimiram um profundo reordenamento na ordem mundial.

A Primeira Guerra Mundial foi considerada uma guerra eminentemente imperialista, pois foi resultado direto da expansão realizada pelas potências industriais da Europa, a partir do final do século XIX, que colocou em confronto os interesses das burguesias nacionais desses países, em torno da disputa pelo domínio de um mercado que agora constituía-se como mundial.

"Neste sentido, o 'novo imperialismo' foi o subproduto natural de uma economia internacional baseada na rivalidade entre várias economias industriais concorrentes, intensificada pela pressão econômica dos anos 1880."

(Hobsbawm, 1992, p. 101)

Apesar das agudas rivalidades que foram sendo construídas entre as grandes potências no decorrer da expansão imperialista, o sentimento predominante na Europa quando da eclosão da guerra era de incredulidade, principalmente devido a dimensão por ela adquirida. Segundo Hobsbawm:

"A possibilidade de uma guerra generalizada na Europa fora, é claro, prevista, e preocupava não apenas os governos e as administrações, como também um público mais amplo (...) Contudo sua deflagração não era realmente esperada. Nem durante os últimos dias da crise internacional -já irreversível - de Julho de 1914, os estadistas, dando os passos fatais, acreditavam que realmente estivessem dando início a uma guerra mundial. Uma fórmula seria com certeza encontrada, como tantas vezes no passado."

(Hobsbawm, 1992, p. 419/420)

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A razão de tal incredulidade resultava principalmente do fato de que há décadas não havia guerras entre os países europeus. O período de 1871 a 1914, na história da Europa, foi de paz entre suas nações, apesar dos países europeus estarem envolvidos em conflitos militares em outras partes do mundo, como os ingleses na guerra contra os boêres (boers) na África do Sul. As grandes potências continuavam a fazer guerras só que não entre si, mas contra inimigos mais fracos, que, apesar da tenaz resistência, eram submetidos com certa facilidade ao domínio imperialista.

A superioridade da tecnologia militar européia em relação às populações nativas das áreas coloniais era notória. Tal tecnologia teve seu aprimoramento acelerado nos anos de 1880, sendo esta a principal característica do período de 1871 a 1914, conhecido como a "Paz Armada". Embora não travassem guerras entre si, as potências industriais, inseridas num mundo multipolarizado, tinham consciência que do seu poder militar dependia o equilíbrio da correlação de forças internacional, empenhando-se, por isso, numa intensa "corrida armamentista", que não só multiplicou os arsenais bélicos, mas também aperfeiçoou a "tecnologia da morte" a níveis antes nunca atingidos.

As indústrias bélicas, cujo principal cliente era o Estado, apresentaram um significativo crescimento, que pode ser ilustrado por alguns exemplos: A Krupp, na Alemanha, entre 1873 e 1912, saltou de 16.000 para 70.000 empregados, atingindo nesse último ano a produção de 50.000 armas; a fábrica inglesa Armstrong, embora bem menor, passou no mesmo período de 12.000 para 20.000 operários. Não há dúvida de que a multiplicação acelerada dos arsenais militares das grandes potências, principalmente nos últimos cinco anos antes de 1914, tenha tornado mais tensas suas relações. No entanto, a guerra não foi resultado direto dessa corrida armamentista, mas, acima de tudo, do acirramento da competição internacional a que essas potências foram lançadas.

A dimensão mundial assumida pela guerra de 1914-1918 torna-se inteligível quando se tem claro o contexto histórico em que ocorreu, marcado por profundas transformações ocorridas no cenário mundial. Em primeiro lugar, o capitalismo tornou-se efetivamente, no final do século XIX, um modo de produção mundial, instituindo um mercado mundial de produção e circulação de mercadorias, e fazendo com que os interesses nacionais das potências industriais passassem a se chocar num espaço geográfico bem mais amplo, pois o que estava em jogo era o domínio de uma economia mundial. A globalização do jogo de poder internacional produziu um conjunto de rivalidades que empurrou o mundo, de forma quase inevitável, em direção à guerra.

Em segundo lugar, à medida em que as rivalidades entre os Estados Nacionais europeus se aprofundavam, reduzia-se a margem de negociação entre eles, levando também à redução das possibilidades de se encontrar soluções diplomáticas para os seus conflitos de interesses. Aos poucos a diplomacia foi falindo, fazendo com que a guerra - solução não ortodoxa - fosse vista como a única alternativa para resolver a crise internacional gerada pela expansão imperialista. 2. FATORES RESPONSÁVEIS PELA ECLOSÃO DA GUERRA

Não parece haver dúvida entre os historiadores que o principal fator explicativo da

Primeira Guerra Mundial foram os choques de interesses imperialistas entre as grandes potências, associados à exacerbação do nacionalismo entre as populações das mesmas. Imperialismo e nacionalismo constituíram-se nos principais ingredientes de uma fórmula extremamente explosiva, que acabou por tornar a guerra um fato inevitável. Esses dois fatores foram responsáveis pela afirmação econômica e política da burguesia, na medida em que, através do imperialismo, foi consolidado seu domínio econômico em nível mundial, e, através do nacionalismo, expressão ideológica dos anseios burgueses, foi consolidado seu domínio político em nível nacional, na medida em que seus interesses foram transformados nos

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interesses comuns da nação. Os choques de interesses entre os países imperialistas foram produzindo um conjunto de rivalidades, que acabou por empurrá-los para uma guerra sem precedentes na história. a) A Rivalidade Anglo-Alemã

Os antagonismos de interesses entre a Inglaterra e a Alemanha foram se acirrando em torno de três questões fundamentais:

a. 1) a competição econômica, pois na nova economia capitalista mundial criada pela expansão imperialista do final do século XIX, a Inglaterra deixou de ser o centro em torno do qual gravitavam os outros países, sendo isso um visível sinal de que ela estava deixando de ser a "oficina do mundo". A perda de tal condição relacionava-se à emergência de uma nova estrela na constelação econômica mundial, cujo desenvolvimento econômico dava-lhe plenas condições de fazer frente à supremacia inglesa. Essa nova estrela era a Alemanha que, após a consolidação de sua unificação política, em 1870, passou por um acelerado processo de desenvolvimento industrial, centrado nos setores das indústrias de base (matérias-primas) e de bens de capital (máquinas, equipamentos e indústrias bélicas), que a colocou entre as grandes potências do mundo capitalista. No alvorecer do século XX, a superioridade industrial alemã em relação a Inglaterra era indiscutível e isso fazia com que a Alemanha ficasse "profundamente ofendida por uma nação tão poderosa e dinâmica como ela possuir uma parte tão notavelmente menor de território colonial que os britânicos e franceses, embora também a importância econômica de suas colônias fosse pouca, e a estratégica ainda menor" (Hobsbawn, 1992, p. 102-103). a. 2) a competição marítima, já que a Inglaterra, desde o século XVII, ostentava a condição de "senhora dos mares ", por ter o controle efetivo das rotas comerciais marítimas mundiais. A supremacia naval inglesa sempre se constituiu no principal instrumento de garantia de sua hegemonia econômica mundial, que passou a ser ameaçada pelo intenso desenvolvimento industrial alemão. A construção de uma poderosa marinha de guerra e mercante pela Alemanha não só representava um agravamento da tensão internacional, mas, acima de tudo, constituía-se numa grande ameaça para a Inglaterra, cujo poder econômico sempre dependeu da sua supremacia naval. O que agravava mais ainda essa situação era o fato de que "as bases da esquadra de guerra alemã estavam inteiramente no Mar do Norte, de frente para a Inglaterra" (Hobsbawn, 1992, p. 441). Ao afirmar que enquanto para a Alemanha a marinha é um luxo, para a Inglaterra ela é essencial, Wiston Churchill ilustrava o quanto o fortalecimento naval alemão era pernicioso a Inglaterra, cuja sobrevivência passava a depender da destruição da Alemanha. a. 3) o projeto alemão de construção da Estrada de Ferro Berlim-Bagdá, se efetivado, representaria uma terrível ameaça aos interesses econômicos e geopolíticos da Inglaterra, na medida em que colocaria os lençóis petrolíferos do Golfo Pérsico a mercê da Alemanha, permitindo-lhe controlar não só a comercialização, mas também a produção de petróleo, tornando inócuo o controle inglês sobre o Canal de Suez; constituir-se-ia num poderoso instrumento de penetração do imperialismo alemão na Ásia; representaria um grande obstáculo ao contato da Inglaterra com o seu império colonial no Extremo da Ásia. Essas questões foram acirrando de tal maneira a rivalidade entre a Inglaterra e a

Alemanha, que tornaram a guerra entre os dois países um fato inevitável, pois ambos acabaram tendo a certeza de que sua sobrevivência implicava na destruição do rival.

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b) A Rivalidade Franco-Alemã

A França havia se constituído num grande obstáculo à unificação da Alemanha, pois, após a vitória prussiana na guerra contra a Áustria, em que os Estados do norte passaram a formar a Confederação Germânica do Norte, sob o poder da Prússia, impôs seu domínio sobre os Estados do sul, que resistiam à idéia da unificação. Preocupado com o fortalecimento da Prússia, o imperador francês Napoleão III aproveitou a questão da vacância do trono espanhol, para o qual Bismarck havia sugerido um membro da família dos Hohenzolern, dinastia que governava a Prússia, para intervir e protestar contra a pretensão do imperador prussiano Guilherme II de unificar os tronos dos dois países. Como Bismarck, ministro da Prússia, ignorou o protesto francês, Napoleão III declarou guerra à Prússia, em 19 de julho de 1870.

Não imaginava o imperador francês que Bismarck, intencionalmente, havia mostrado-se indiferente aos protestos da França, com o objetivo de conseguir que as regiões do sul da Alemanha se juntassem à Prússia para lutar contra o inimigo comum. Assim, a Guerra Franco-Prussiana, em 1870, serviu para consolidar o processo de unificação da Alemanha e acirrar, mais ainda, a rivalidade entre a França e a Alemanha, pois, vitoriosa, a Alemanha impôs a França, em 1871, o Tratado de Frankfurt, pelo qual os franceses eram obrigados a pagar uma pesada indenização de guerra e a entregar aos alemães as regiões da Alsácia e da Lorena.

As relações franco-alemães atingiram seu ponto de maior tensão em torno da disputa do Marrocos, país africano que era visto, desde 1880, como uma área aberta à exploração das potências imperialistas. Em 1904, Inglaterra e França assinaram um acordo imperialista, denominado de "Entente Cordiale" (entendimento cordial), pelo qual os franceses reconheceriam a condição do Egito como protetorado inglês, abrindo mão dos seus interesses na região e inclusive no Canal de Suez, construído com capitais franceses, e, em compensação, a Inglaterra apoiaria a imposição do domínio francês sobre o Marrocos.

Ao suspeitar do acordo franco-britânico em torno do Marrocos, o kaiser Guilherme II, da Alemanha, realizou uma visita à região, no ano de 1905, e, através de discursos, comprometeu-se a dar total apoio à população marroquina no caso de guerra contra a França. Os discursos do imperador alemão acabaram por provocar uma rebelião na cidade marroquina de Fêz contra a França, que para lá enviou tropas, o mesmo fazendo a Alemanha, sob a alegação de proteger os cidadãos alemães residentes no Marrocos. O Incidente de Fêz foi solucionado na Conferência de Algeciras (Espanha), em 1906, onde ficou decidido que a Alemanha reconheceria o domínio francês no Marrocos e, em troca, a França lhe entregaria o Congo Francês.

Novo incidente em torno do Marrocos ocorreu em 1911, quando, também insuflada pelo governo alemão, a população da cidade portuária marroquina de Agadir se revoltou contra a França, obrigando-a a enviar sua esquadra para bloquear o referido porto. Mais uma vez, a Alemanha interferiu, mandando para o local do conflito uma de suas canhoneiras, denominada "Panther", com ordens para furar o bloqueio francês. Novo acordo foi firmado entre os dois países, ratificando a decisão que havia sido tomada em Algeciras, como forma de solucionar o Incidente de Agadir.

Os incidentes internacionais entre a França e a Alemanha em torno da disputa do Marrocos, apesar de terem ficado no campo diplomático, tomaram as relações entre os dois países extremamente tensas, levando-os a cada vez mais considerarem a guerra como a única solução para os seus conflitos de interesses. c) As Disputas pelo Domínio dos Bálcãs: Rússia e Sérvia X Áustria-Hungria. Alemanha e Turquia

A Península Balcânica, situada a sudeste da Europa, foi cenário de sucessivos incidentes internacionais que acabaram por transformá-la num verdadeiro "barril de

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pólvora", a ponto de ter ocorrido nela o incidente que serviu de estopim para a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Alvo de interesses diversos por parte de algumas potências, os Bálcãs tornaram-se uma área de grande tensão internacional, na medida em que o jogo de interesses que neles se desenvolvia, relacionava-se às pretensões dos países envolvidos na disputa pelo controle da região: - Rússia - pretendia obter uma saída para o Mar Mediterrâneo, através do Mar Negro; - Sérvia - acalentava, há tempos, o projeto imperialista de formar a Grã-Sérvia, o que implicaria na conquista das províncias turcas balcânicas da Bósnia e da Herzegovina, ao norte do seu território, e os territórios da Albânia e Montenegro, a sudoeste; - Áustria-Hungria - pretendia expandir seu território pelos Bálcãs; - Alemanha - via nos Bálcãs a possibilidade de efetivar seu projeto de construção da Estrada de Ferro Berlim-Bagdá, pois a estrada atravessaria da Europa para Ásia nos estreitos balcânicos do Bósforo e dos Dardanelos; - Turquia - o Império Otomano encontrava-se, no final do século XIX, em franca desagregação, o que levou a Turquia a se aproximar da Alemanha para impedir que as regiões balcânicas que faziam parte do mesmo caíssem em poder da Rússia.

A Península Balcânica foi alvo de quatro incidentes internacionais que acabaram por acirrar os antagonismos entre as potências interessadas na região, tendo um dos incidentes balcânicos servido de estopim para o início da guerra. O 1º incidente ocorreu em 1908, quando a Áustria-Hungria anexou as províncias turcas balcânicas da Bósnia e da Herzegovina, batendo de frente com os interesses da Sérvia e também da Rússia. Isso levou a Rússia a apoiar uma coligação de países balcânicos -Sérvia, Bulgária, Montenegro e Grécia - formada para expulsar os turcos dos Bálcãs, objetivo esse efetivado em 1912, na chamada I Guerra Balcânica (2a incidente). A divisão dos territórios conquistados aos turcos produziu desentendimentos entre a Sérvia e a Bulgária, levando-as à II Guerra Balcânica (3º incidente), em 1913, que culminou com a vitória da Sérvia, que, apesar de ter conseguido ampliar seu território, foi impedida de anexar a Albânia, pois esta se constituiu num Estado independente com o apoio da Áustria-Hungria. Do quarto incidente balcânico falaremos mais adiante.

A Política das Alianças, que passou a caracterizar as relações internacionais dos países europeus, constituiu-se também em um dos fatores que levaram à Primeira Grande Guerra. Iniciada pela Alemanha no final do século XIX, através do seu ministro Otto Von Bismarck, era uma política de alianças militares, que visava estabelecer relações de proteção mútua, já que a Alemanha, por ter se unificado recentemente, olhava com desconfiança as ações imperialistas da Inglaterra e da França, países mais tradicionais, que haviam conquistado as áreas coloniais mais importantes da Ásia e da África. Assim, em conseqüência de tal política, formaram-se dois blocos de países antagônicos na Europa: a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália), em 1882, e a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia), em 1907. Não se deve esquecer que a aproximação entre a França e a Inglaterra foi um processo longo, na medida em que sempre foram tradicionais rivais na política européia, sendo que o primeiro sinal de boa vontade dos dois países foi a assinatura do acordo conhecido como Entente Cordiale, firmado em 1904.

A intensa corrida armamentista desenvolvida pelas grandes potências, responsável pelo aprimoramento da chamada tecnologia da morte, contribuiu para a eclosão da Primeira Guerra, pois, à medida em que foram se agravando as rivalidades entre as mesmas, a guerra foi sendo vista como a única alternativa para solucionar os choques de interesses.

As Políticas Nacionalistas implementadas por algumas potências européias também contribuíram para criar na Europa um estado de guerra, já que suas efetivações implicariam no uso da força militar. Essas políticas estavam associadas a movimentos nacionalistas, que visavam integrar populações consideradas como da mesma nacionalidade, sendo exemplo disso o Pangemonismo, defendido pela Alemanha, e o Pan-Eslavismo, desenvolvido pela

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Rússia.

3.0 PROCESSO DE ECLOSÃO DA GUERRA

O clima de animosidade entre as potências imperialistas levou-as a uma crescente

expectativa de guerra, em que cada uma esperava um pretexto para efetivá-la. Esse pretexto surgiu nos Bálcãs, em torno de um fato isolado, que, num outro contexto histórico, jamais teria tido a repercussão que teve. A imposição do domínio austríaco na Bósnia-Herzegovina produziu intensos movimentos de resistência, principalmente na Bósnia, alimentados por um exacerbado nacionalismo e que criavam sérias dificuldades à consolidação do referido domínio. A Sérvia, além de estimular tais movimentos, tornou-se o principal refúgio dos militantes nacionalistas expulsos da Bósnia ou perseguidos pelas autoridades austríacas, que, sendo principalmente estudantes, fizeram da Universidade de Belgrado seu quartel-general.

A crescente agitação política existente na Bósnia levou o governo austríaco a planejar uma grande demonstração de força militar, através da realização de uma parada militar, que coincidiria com a visita do herdeiro do trono austro-húngaro, arquiduque Francisco Ferdinando, a Sarajevo. Quando, no dia 28 de junho de 1914, o arquiduque e sua esposa percorriam as ruas da capital Bósnia, foram vítimas de um atentado, executado por um estudante bósnio, chamado Gravilo Princip, que, ao ser preso e interrogado, teria confessado pertencer à uma organização terrorista bósnia, denominada "Mão Negra", cuja base de operações seria na Sérvia (4º incidente balcânico). Provavelmente, essa versão foi construída pela Áustria-Hungria como argumento que lhe permitisse cobrar responsabilidades à Sérvia, o próximo passo do seu imperialismo nos Bálcãs.

A Áustria-Hungria exigiu que a Sérvia reprimisse as conspirações nacionalistas bósnias em seu território e abrisse um inquérito para apurar o ação da organização terrorista que havia culminado no assassinato, permitindo que o mesmo fosse acompanhado por autoridades austríacas. Diante da recusa da Sérvia em cumprir tais exigências, o governo austro-húngaro enviou-lhe um ultimatum, no dia 23 de julho de 1914, que foi devolvido sem resposta. Isso fez com que a Áustria-Hungria, no dia 28 de julho de 1914, declarasse guerra à Sérvia, pondo em movimento o sistema de alianças formado na Europa.

A Rússia, no dia 30 de julho de 1914, mobilizou suas tropas e declarou guerra ao Império Austro-Húngaro. No dia lº de agosto a Alemanha declarou guerra à Rússia e, no dia 3 de agosto, à França, que, apesar de não estar diretamente envolvida nas questões balcânicas, era a sua grande rival na política continental. A Inglaterra advertiu a Alemanha a respeitar a neutralidade belga e quando, no dia 4 de agosto, a Alemanha invadiu o território da Bélgica para atacar o norte da França, declarou-lhe guerra. A Itália cedo constatou que seus interesses iam de encontro aos do Império Austro-Húngaro, já que este dominava as regiões por ela almejadas na Europa (Trieste, Trentino, Fiume), e que também não eram muito afins aos da Alemanha, embora tivessem vivenciado uma experiência histórica similar, ou seja, a da unificação política. Isso levou a Itália a adotar uma posição de neutralidade nos primeiros meses da guerra, período em que foi subornada pelas diplomacias inglesa e francesa com promessas de que, no final da guerra, receberia os territórios pretendidos se entrasse na guerra ao lado da Tríplice Entente. Por esse motivo, em maio de 1914, a Itália declarou guerra aos seus antigos aliados.

4. COMENTÁRIOS SOBRE A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

O desenvolvimento da Primeira Guerra Mundial costuma ser dividido em três fases:

Primeira Guerra de Movimentos (1914-1915), Guerra de Trincheiras ou de Posições (1916-1917) e Segunda Guerra de Movimentos (1918).

A primeira ação militar alemã na guerra foi a invasão da Bélgica, para atacar o norte

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da França, iniciando a execução do Plano Schlliejfen, que previa primeiro a abertura de uma Frente Ocidental (invasão da França), para depois abrir uma Frente Oriental (invasão da Rússia). Ao deter o avanço alemão na fronteira norte da França, ao vencer a Primeira Batalha de Marne, o Exército anglo-francês acabou obrigando a Alemanha a abrir a Frente Oriental da guerra, iniciando a invasão da Rússia.

Enquanto na Frente Ocidental a ofensiva alemã foi bloqueada pelas tropas anglo-francesas, levando à chamada guerra de trincheiras ou de posições, já que tanto franceses como alemães construíram linhas de trincheiras na fronteira da França com a Bélgica, na Frente Oriental, aproveitando-se da grave crise econômica e social que a Rússia enfrentava, o Exército alemão, comandado pelos generais Hindenburg e Ludendorff, foi penetrando no território russo, vencendo batalhas sucessivas que foram agravando ainda mais a situação do país, além de provocar um alto índice de mortalidade entre suas tropas.

A utilização de táticas de guerra obsoletas, como a guerra de trincheiras, associada a uma sofisticada tecnologia militar, pois a "tecnologia da morte " havia atingido níveis de desenvolvimento nunca antes alcançados, fizeram com que a Primeira Guerra produzisse cifras assombrosas em termos de perdas humanas e materiais. Exemplo disso foi a Batalha de Somme (1916), travada na Frente Ocidental, em que somadas as perdas francesas e alemães se chegou a um milhão e quinhentos mil mortos, apenas em uma batalha.

O ano de 1917 foi de fundamental importância para o desfecho da guerra, já que alguns acontecimentos mudaram o seu curso. Em maio, acusando os submarinos alemães de terem afundado seus navios mercantes, os EUA declararam guerra às Potências Centrais da Europa (Alemanha, Áustria-Hungria, Bulgária e Turquia), colocando-se ao lado da Tríplice Entente. No período em que ficou neutro (1914-1917), os EUA realizaram pesados investimentos, principalmente na Inglaterra e na França, na forma de empréstimos, tornando-se de devedor num grande credor, investimentos esses que estariam seriamente ameaçados caso a vitória na guerra fosse da Alemanha. A entrada dos EUA desequilibrou a correlação de forças até então existente e levou a guerra a pender favoravelmente para Tríplice Entente.

Em outubro (novembro) de 1917, os bolcheviques tomaram o poder na Rússia, através de uma revolução, e Lênin, fiel às bandeiras defendidas pelo partido (Terra, Pão e Paz), iniciou as negociações com a Alemanha, no sentido de retirar a Rússia da guerra. Mesmo que a saída da Rússia da guerra só tenha se tornado oficial em março de 1918, quando da assinatura do Tratado de Brest-Litovsky, desde julho de 1917, após a fracassada tentativa de

contra-ofensiva realizada pelo Governo Provisório menchevique, liderado por Alexandre Kerensky, sua participação só fazia agravar os problemas sócio-econômicos pelos quais o país passava, não revertendo-se em qualquer ajuda militar aos seus aliados.

A saída da Rússia permitiu à Alemanha concentrar suas tropas na Frente Ocidental, com o objetivo de romper o bloqueio imposto pelas trincheiras francesas. Ao mesmo tempo, os Aliados (ingleses, franceses, italianos e norte-americanos) iniciaram, no início do ano de 1918, uma contra-ofensiva sobre as tropas alemães, que foram sendo empurradas para dentro de suas fronteiras.

Ao sentirem que a derrota era iminente, os generais do Alto Comando Alemão responsabilizaram o Governo Monárquico pelo fracasso, criando na opinião pública um clima de animosidade contra o mesmo, o que permitiu a sua derrubada, a 9 de novembro de 1918, e a proclamação da "República de Weimar", cujo governo provisório assinou o "Armistício" frente aos Aliados, a 11 de novembro de 1918, no vagão de um trem, na floresta francesa de Compiégne. 5. A CONFERÊNCIA DE PARIS: 1919

Após a derrota das Potências Centrais, representantes de 32 países se reuniram na

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Conferência de Paris para discutir o destino dos derrotados. Desses delegados, quatro representavam as principais potências aliadas na guerra, sendo eles Lloyd George, da Inglaterra, Clemenceau, da França, Woodrow Wilson, dos EUA, e Orlando, da Itália.

Procurando evitar que Inglaterra e França se aproveitassem da vitória e se fortalecessem econômica e militarmente, o presidente dos EUA Woodrow Wilson apresentou uma proposta de paz constituída por 14 Pontos, propondo que se fizesse uma paz sem vencedores e sem anexações territoriais, no sentido de não provocar humilhações nos derrotados e evitar a exacerbação do sentimento nacionalista entre os mesmos.

Não levando em consideração a proposta do presidente norte-americano, Inglaterra e França acusaram a Alemanha de ter sido a única responsável pela guerra e decidiram aplicar-lhe uma punição exemplar, através da imposição de um tratado que a espoliasse de territórios, recursos econômicos e a neutralizasse militarmente. O Tratado de Versalhes,

constituído de 432 artigos, foi imposto à Alemanha em 1919 e apresentava como cláusulas principais as seguintes:

a) CLÁUSULAS TERRITORIAIS:

a. 1) Devolução da Alsácia e da Lorena à França; a.2) Entrega das regiões de Eupen e Malmedy à Bélgica; a.3) Devolução dos ducados de Holstein e Slevig à Dinamarca; a.4) Entrega da Posnânia e da Pomerânia à Polônia; a.5) Concessão de uma passagem marítima para a Polônia por dentro do território alemão, que foi denominada de "Corredor Polonês"; a.6) A cidade alemã de Dantzig foi considerada porto livre e sua administração entregue à Liga ou Sociedade das Nações.

b) CLÁUSULAS MILITARES:

b. 1) Redução do Exército alemão a um efetivo militar de 100.000 soldados; b.2) Extinção do serviço militar obrigatório na Alemanha; b.3) Proibição da Alemanha se aliar a qualquer país, principalmente à Áustria; b.4) Extinção da Marinha e da aviação de guerras alemãs, sendo os seus navios e aviões de guerra entregues aos Aliados;

c) CLÁUSULAS ECONÔMICAS:

c. l) As minas de carvão da região alemã do Sarre foram entregues à França, que adquiriu direito de explorá-las por um período de 15 anos; c.2) Fechamento das indústrias bélicas alemães, que só poderiam entrar em funcionamento com a autorização do Alto Comando Aliado; c.3) Entrega pela Alemanha aos Aliados de todo o seu gado, seus produtos químicos, suas locomotivas e os vagões de suas ferrovias.

d) CLÁUSULA POLÍTICA:

d. 1) Supressão do Regime Monárquico na Alemanha, pois a política externa agressiva do governo monárquico alemão foi considerada como responsável pela guerra.

6. TRANFORMAÇÕES PRODUZIDAS PELA GUERRA NA ORDEM MUNDIAL

Grande número de historiadores considera que o mundo em que vivemos até o final

da década de 1980 foi produzido pelas guerras mundiais ocorridas na primeira metade do século XX. Sem sombra de dúvida, os efeitos produzidos pelas duas grandes guerras foram ímpares do ponto de vista da história européia e mundial, e devastadores no que diz respeito ao ordenamento mundial existente antes delas.

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Em relação à Primeira Guerra Mundial, seus resultados provocaram um redimensionamento da ordem política, econômica e militar mundial, consumado após a Segunda Grande Guerra, cujos principais aspectos serão comentados a seguir.

Como o cenário da Primeira Guerra foi a Europa, suas conseqüências em termos de destruição material e humana foram catastróficas para as potências européias, que saíram da guerra quase que completamente arruinadas, passando a enfrentar graves crises sócio-econômicas.

Em contrapartida, os EUA, que se mantiveram neutros nos três primeiros anos de guerra, iniciou sua escalada à condição de maior potência do mundo capitalista, tornando-se o principal credor das potências européias. Temendo a disseminação pela Europa da experiência revolucionária russa, devido a grave crise sócio-econômica enfrentada por seus países, o governo norte-americano criou o Plano Dawes, objetivando auxiliar financeiramente a reconstrução dos mesmos.

A guerra contribuiu para agravar profundamente os problemas sócio-econômicos enfrentados pela Rússia, favorecendo a eclosão da primeira revolução proletária da história, cujo resultado foi a organização da primeira república socialista do mundo, a URSS, que passou a ser vista como uma grande ameaça pelos países capitalistas, levando-os a isolá-la através do chamado "Cordão Sanitário".

A situação de caos econômico e social enfrentada pelas potências européias acabou por provocar a falência da democracia liberal em alguns países da Europa, como Itália, Alemanha, Portugal e Espanha, e a implantação de regimes políticos totalitários, baseados num extremo autoritarismo e militarismo, o que os levou a desenvolver uma política externa militarista, pois viam a guerra como o meio mais eficaz de superação do caos.

O efeito material e humano catastrófico produzido pela guerra levou a tentativa de se evitar uma nova guerra, através da criação de um organismo internacional - a Liga ou Sociedade das Nações - cuja função principal seria a manutenção da paz e da segurança mundial. Tal organismo foi criado por inspiração do presidente norte-americano Woodrow Wilson.

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A Revolução Russa de 1917

"Na história das revoluções surgem à luz contradições que amadureceram ao longo de décadas e até séculos. A vida adquire uma riqueza sem precedentes. Aparecem na cena política, como combatente ativo, as massas que sempre se mantiveram na sombra e que por isto passam com freqüência despercebidas para os observadores superficiais e, inclusive, em certas ocasiões, são desprezadas por eles."

(Lênin, 1905, Jornadas Revolucionárias) 1. O IMPACTO DA TEORIA MARXISTA

Karl Marx e Friedrich Engels foram os formuladores de uma teoria revolucionária

denominada Marxismo ou Socialismo Científico ou Materialismo Histórico, em que desenvolveram uma concepção de mundo, com base num princípio filosófico materialista. A partir de uma feroz crítica à Filosofia Idealista alemã, principalmente à filosofia idealista de Hegel, Marx e Engels formularam uma concepção materialista da história, com o objetivo de compreender a realidade para transformá-la.

Hegel, na sua filosofia idealista, acreditava ser a razão o centro da existência do homem, pois a partir dela criaria o mundo real. Tudo o que tem existência material, ou seja, tudo que pode ser percebido pelos sentidos, é produto da mente humana, pois existiu primeiro na forma de idéias. Logo, o princípio básico da Filosofia Idealista Hegeliana é: O Ideal produz o Real. Assim, ao atingir a fase do saber absoluto, o homem reconheceria o mundo real como criação da sua própria razão, que Hegel chamava de Espírito humano, saindo do estado de alienação a que estava submetido nas fases anteriores. De acordo com Hegel, as transformações teriam que ocorrer no nível das idéias e não da realidade.

Marx, por algum tempo, foi discípulo de Hegel, aderindo à filosofia idealista. O rompimento de Marx com o Hegelianismo resultou, entre outras coisas, da forte influência que sofreu de um outro filósofo alemão, que como ele, foi por algum tempo também "Jovem Hegeliano" (adepto de Hegel). Tal filósofo chamava-se Ludwig Feuerbach, o primeiro a criticar o idealismo hegeliano e a propor uma concepção filosófica materialista. O interesse de Feuerbach era o estudo da religião e da relação do homem com Deus. Em uma obra intitulada A Essência do Cristianismo, Feuerbach, apoiando-se num princípio materialista, afirmou que Deus era na verdade a projeção pelo homem para fora de si de todos os seus atributos, anseios e potencialidades, que ele transferia para um ser superior, abstrato, exterior a ele. Ou seja, o homem promove a alienação das suas próprias qualidades, atribuindo-as a um ser sobrenatural. A partir disso, Feuerbach concluiu que não foi Deus quem criou o homem, mas o homem quem criou Deus.

Marx secularizou a tese de Feuerbach, tirando-a do campo da religião e aplicando-a à política e à sociedade. Desse modo, Marx pôde inverter o pressuposto filosófico básico hegeliano, concluindo que o real produz o ideal e não o inverso. Logo concluiu que a vida material da sociedade, ou seja, a produção das condições materiais que garantem sua

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sobrevivência, é o ponto de partida para se chegar a compreender o seu desenvolvimento. A partir de tais reflexões, Marx e Engels formularam o Materialismo Histórico ou

Teoria Marxista, cujos pressupostos básicos são o homem, sua ação e suas condições materiais de sobrevivência, tanto as que encontra na natureza, como as que tem que reproduzir. Assim, a história da sociedade humana começa com a produção, pois é a capacidade de produzir os meios de sua própria sobrevivência que distingue os homens dos outros animais.

A primeira necessidade sentida pelo homem em sociedade, segundo o Marxismo, é a de produzir as suas condições materiais de existência. Por isso, o modo de produção determina toda a vida de uma dada sociedade (determinismo econômico). O modo de produção corresponde à maneira como os indivíduos estão organizados socialmente para realizar a produção: Comunal Primitivo, Escravismo, Feudalismo, Capitalismo, Comunismo. A cada modo de produção correspondem determinadas relações de produção, que, por sua vez, estão relacionadas ao tipo de propriedade (privada ou coletiva) dos meios de produção presentes na sociedade.

Nas sociedades divididas em classes, as relações de produção constituem relações de exploração, devido os meios de produção serem propriedade privada de uma minoria, que sobrevive às custas do trabalho da grande maioria social. Isso leva à divisão da sociedade em classes polarizadas e antagônicas, ou seja, em exploradores e explorados, cujas relações sociais são pautadas pela contradição, que, por sua vez, alimenta a luta de classes.

O lucro constitui-se no nexo fundamental da sociedade capitalista, ou seja, no seu principal fundamento, seu principal objetivo. Na visão da Economia Política burguesa, cujos principais representantes seriam Adam Smith e David Ricardo, o lucro do empresário capitalista seria resultante da diferença entre os custos da produção e o preço de revenda do produto no mercado. Ou seja, se os custos da produção de um determinado produto foi R$10,00 e o seu preço de venda R$12,00, o lucro do empresário seria a diferença de R$2,00. Essa explicação do lucro elaborada pelos economistas clássicos burgueses é extremamente conveniente, pois esvazia as relações de produção capitalista do seu caráter de exploração.

Nesse sentido, Marx demonstrou que o lucro ou mais-valia é obtido pelo capitalista através da apropriação de horas de trabalho que são realizadas pelo produtor e que não são pagas. Por exemplo: se a produção de um determinado produto exigiu do trabalhador a realização de 8 horas de trabalho e foi vendido no mercado por R$16,00, isto significa que cada hora trabalhada tem o valor de R$2,00. O salário correspondente ao valor de todas as horas trabalhadas teria que ser de R$16,00. Logo, se verdadeiramente o valor do salário correspondesse ao valor do trabalho, não existiria o lucro ou a mais-valia. Como este (lucro) se realiza pela exploração do trabalho, no nosso exemplo o trabalhador recebe um salário de R$8,00, que corresponde ao valor de 4 horas de trabalho; as outras 4 horas, cujo valor é de R$ 8,00, que foram trabalhadas e não pagas transformam-se no lucro ou mais-valia do empresário capitalista.

Assim, é na relação desigual entre valor-salário e valor-trabalho que o capital se reproduz na esfera da produção, possibilitando ao empresário acumulá-lo. Por essa razão, a sociedade capitalista está polarizada em duas classes: a burguesia, que se apropria da produção por ser a proprietária dos meios de produção, e o proletariado, que realiza a produção, sendo obrigado a vender sua força de trabalho, por ter sido expropriado da propriedade dos meios de produção.

Ao demonstrar que o lucro capitalista se realiza pela apropriação pelo empresário de parte do trabalho realizado e não pago, Marx indica que só o proletariado pode subverter tal situação em que é explorado, espoliado, subjugado. Para que isso aconteça, o proletariado precisa construir uma consciência de classe, que se traduza em formas cada vez mais elevadas de organização, até atingir o nível de um partido proletário, capaz de levá-lo à revolução, o ponto máximo da luta de classes. Ao tomar o poder revolucionariamente, o proletariado deve começar a edificação do comunismo, que substituirá o capitalismo e terá como fase

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intermediária o socialismo, na qual o Estado Proletário, na forma de Ditadura do Proletariado, realizará a completa socialização dos meios de produção, que deixarão de ser propriedade privada de uma classe, para se tornarem propriedade coletiva da sociedade. Nesse momento, a sociedade torna-se comunista, desaparecendo as classes e também o Estado.

Como vimos, a teoria marxista apresenta uma proposta eminentemente revolucionária de transformação da sociedade, que consiste na derrubada violenta da burguesia do poder e na passagem deste para as mãos do proletariado. O impacto do marxismo nos movimentos sociais que se desenvolviam nos países da Europa, a partir da segunda metade do século XIX, foi bastante intensa. As idéias de Marx, largamente difundidas nos meios intelectuais e políticos, passaram a orientar a ação dos movimentos de trabalhadores, sobre os quais também o anarquismo exerceu bastante influência. Exemplos disso foram a Comuna de Paris, em 1871, primeira tentativa de revolução proletária para a implantação do comunismo, e a ascensão e fortalecimento do movimento operário nos países industriais da Europa, que, através de suas lutas, obteve importantes conquistas sociais.

O marxismo imprimiu um sentido inteiramente novo ao processo de organização e de luta do proletariado, tornando-se uma grande ameaça à estabilidade da ordem burguesa e, conseqüentemente, da sociedade capitalista. A tradução para diversos idiomas das obras de Marx e Engels, transformou a teoria marxista numa referência para os movimentos sociais em todo mundo, tendo sido o alicerce ideológico da Revolução Bolchevique de 1917, na Rússia, na qual o proletariado russo, liderado por Lênin, tomou o poder e implantou a primeira República socialista da história, dando início à concretização da utopia marxista. 2. A RÚSSIA PRÉ-REVOLUCIONÁRIA

A Rússia czarista constituía-se num império secular na Europa, dominado por uma aristocracia fundiária, cujos interesses estavam representados por uma monarquia absoluta, que assumia a forma de czarismo. Sua estrutura sócio-econômica continuava a ser eminentemente feudal, já que a terra mantinha-se como o símbolo da riqueza e do poder da nobreza.

A sociedade russa, até a segunda metade do século XIX, apresentava-se constituída pelas classes dos boiardos, senhores proprietários de terras, dos mujiques, milhões de camponeses que cultivavam a terra na condição de servos, e por uma burguesia que se desenvolveu de forma incipiente e que ainda mantinha suas atividades econômicas restritas à esfera mercantil, não dispondo de capitais suficientes para promover a industrialização do país.

No aspecto político, a Rússia era governada por uma monarquia absoluta na forma de czarismo, de caráter extremamente autocrático, que reprimia com excessiva violência toda e qualquer manifestação de oposição ao governo. As liberdades políticas praticamente eram inexistentes no país, o que fazia com que milhares de ativistas políticos estivessem na prisão ou no exílio.

A partir de 1844, com a ascensão ao poder do czar Alexandre II, a Rússia começou a passar por um processo de reformas sócio-econômicas, que objetivavam introduzir o país na modernidade, ou seja, no capitalismo. Objetivando criar um mercado de mão-de-obra livre nas grandes cidades foi abolida a servidão na Rússia, em 1861, liberando os trabalhadores rurais (servos) do vínculo com a terra e permitindo o estabelecimento de um processo de êxodo rural, cujo resultado foi o desenvolvimento de um Exército industrial de reserva nas principais cidades russas. Como a burguesia russa não dispunha de capitais suficientes, o Estado czarista procurou atrair capitais estrangeiros para o país (franceses, ingleses e alemães), promovendo com eles um acelerado processo de industrialização. As necessidades geradas pela industrialização levaram a Rússia a desenvolver uma política imperialista nos Bálcãs, com o objetivo de conseguir uma saída para o Mar Mediterrâneo, e na Ásia, que acabou por envolvê-la numa guerra desastrosa com o Japão, em torno da disputa da Coréia e

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da Manchúria. A necessidade de agilizar o escoamento da produção levou o Estado russo a investir na montagem de uma rede de ferrovias, o que estimulou o desenvolvimento do setor industrial de bens de capital, sendo exemplo disso a construção da Ferrovia Transiberiana, com 14 mil quilômetros, ligando a cidade de Kiev, na Rússia Européia, ao porto de Vladivostok, na costa do Pacífico.

O esforço de modernização feito pelo Estado czarista, apesar de ter colocado a Rússia no time das potências imperialistas, acabou por agravar as contradições existentes no interior da sociedade russa. O desenvolvimento industrial concentrou-se em poucas grandes cidades, como Petrogrado (São Petersburgo), Moscou e Kiev, o que fez com que o restante do país se mantivesse dentro de um sistema agrário e semifeudal, caracterizado pela excessiva concentração da propriedade da terra "dez milhões e meio de pequenas propriedades camponesas dispunham da mesma quantidade de terra que as grandes propriedades de trinta mil latifundiários (Poliakov, Y, s/d, p. 06). Com a abolição da servidão, os camponeses adquiriram direito de compra das terras que foram entregues aos mir (comunidades rurais ou aldeãs), que tratariam junto ao Estado e aos proprietários das condições de compra dos lotes. O mir conservava, no sentido primitivo, as concepções de trabalho e de propriedade coletiva da terra, ou seja, as características do modo de produção comunal primitivo, no qual as forças produtivas encontravam-se pouco desenvolvidas.

A industrialização concentrada levou também à concentração da classe operária ("as indústrias com mais de 1.000 operários absorviam mais de 36% da mão-de-obra assalariada". Poliakov, Y. op. cit., p. 06). Apesar de reduzido em proporção à população camponesa, o

operariado russo estava submetido a um intenso sistema de exploração por parte do capital estrangeiro responsável pela industrialização do país, sendo obrigado a cumprir longas jornadas diárias de trabalho, sempre superiores a dez horas, e a viver sob condições extremamente precárias.

Assim, o contexto histórico da Rússia pré-revolucionária estava permeado por intensas e excessivas contradições, representadas por grandes problemas sociais e pelo atraso econômico, que foram se agravando nas primeiras décadas do século XX, e criando condições favoráveis para a revolução. 3. AS REVOLUÇÕES DE 1917

Em 1894, sobe ao trono do Império Russo o czar Nicolau II, pertencente à dinastia dos Romanoff, que manteve a política autoritária e repressora que sempre caracterizou o regime czarista. O agravamento da situação sócio-econômica da Rússia contribuiu para uma maior organização dos movimentos políticos, que passaram a se desenvolver em torno de partidos: — Partido dos Narodnikis - representante do populismo russo, acreditava ser possível a sociedade russa passar do modo de produção comunal primitivo, caracterizado pelo mir

(comunidade aldeã), direto para o socialismo, sem atravessar a etapa do capitalismo. Assim, a militância narodniki defendia uma revolução camponesa. A palavra narodniki deriva do termo narod, que possui ao mesmo tempo o significado de povo e nação. Esse povo-nação (leia-se, massa camponesa) seria o elemento ativo da revolução, sendo essa concepção denominada de eslavofilismo. A presença entre os narodnikis de uma "facção terrorista do movimento revolucionário A Vontade do Povo que, em 1881, atentara contra o czar Alexandre II, provocando sua morte..." (González, H. 1986, p. 10), demonstra ser tal movimento uma síntese do eslavofilismo e do anarquismo. - Partido Social-Democrata Russo - era um partido de orientação marxista, por isso defendia

que a transição para o socialismo passava necessariamente pelo estágio do capitalismo, ou seja, todas as sociedades para chegar ao socialismo deverão atravessar a etapa do capitalismo. Desse modo, a revolução proletária dependia do desenvolvimento da classe operária urbana. Em 1903, houve um congresso do partido em Londres, que resultou na sua divisão em duas facções:

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— Bolcheviques (maioria) - liderados por Vladimir Ulianov Lênin, defendiam a organização da classe operária um partido, como forma de viabilizar a revolução, ou seja, a tomada do poder pelo proletariado através da luta armada e a conseqüente implantação da ditadura do proletariado. - Mencheviques (minoria) - liderados por Plekanov e Martov, defendiam a passagem para o socialismo pela via institucional, ou seja, chegando ao poder por meio de eleições, através da formação de um grande partido de massas que incluísse a burguesia. No poder, realizariam um programa de amplas reformas que levaria gradualmente ao socialismo. - Partido Constitucional Democrata - formado por setores da burguesia descontentes com Estado czarista por alijá-los do poder político. Seus membros eram denominados de cadetes e defendiam, como proposta política a derrubada do czarismo e a implantação da Monarquia Constitucional, baseada no sistema de voto censitário. 3.1. A Revolução de 1905: "O Ensaio Geral"

A industrialização levou o Estado russo a desenvolver uma política imperialista no Oriente, visando conquistar territórios sob o controle da China, como a Coréia e a Manchúria. Nesse sentido, foi construída a Ferrovia Transiberiana, ligando a cidade de Kiev ao porto de Vladivostok, no Pacífico, batendo de frente com o nascente imperialismo do Japão, também interessado naquelas regiões. Esse choque imperialista levou à Querra Russo-Japonesa, (1904-1905), na qual o Exército e a esquadra czaristas foram fragorosamente derrotados, tendo isso agravado intensamente a situação sócio-econômica da Rússia e o clima de descontentamento popular contra a política do czar.

Uma onda de greves, motins, passeatas assolou o território russo, envolvendo operários, soldados e marinheiros, numa demonstração clara de insatisfação contra a situação em que se encontrava o país. Em Petrogrado, milhares de operários cruzaram os braços e organizaram inúmeros movimentos de protesto, destacando-se a passeata realizada a 22 de janeiro de 1905, organizada pelo padre Gapon, em que "milhares de manifestantes - muitos carregando o retrato do czar - marcham até o palácio de Inverno (...) É um protesto com reivindicações de melhores condições de vida para a população em geral, condições que a guerra tinha alterado e deteriorado abruptamente..." (González, H. 1986, p. 20). A repressão do Estado czarista não se fez por esperar. A passeata foi dispersada violentamente, tendo seus participantes sido recebidos a tiros pelas tropas do czar, resultando isso em milhares de mortos. Esse episódio ficou conhecido como "domingo sangrento".

O massacre de Petrogrado foi o primeiro de uma série de incidentes que explodiram em várias partes da Rússia, no ano de 1905. Os marinheiros do Encouraçado Potenkim,

cansados de consumir comida podre e dos castigos corporais a que eram submetidos, se rebelaram e tomaram o navio, ancorado ao largo do porto de Odessa. A população de Odessa aderiu ao motim, sendo por isso vítima de uma feroz repressão por parte das forças czaristas, em especial dos cossacos (tropa de elite), que resultou em centenas de mortos. Em represália, o

encouraçado bombardeou o teatro e o quartel-general da cidade. Também a guarda da Fortaleza de Kronstadt se amotinou, sofrendo severa repressão.

A frente desses movimentos estavam os sovietes ~ comitês de operários, soldados e camponeses — formados pelo Partido Social-Democrata Russo, constituindo-se nos principais focos de oposição ao czarismo e na base da ação revolucionária. Os cadetes,

representantes da burguesia liberal, apoiaram as reivindicações populares, pois viam esse momento como extremamente oportuno para substituir o regime autocrático russo por uma monarquia constitucional e para realizar reformas que extinguissem os entraves existentes na Rússia ao desenvolvimento do capitalismo.

Pressionado, o czar Nicolau II foi obrigado a fazer concessões. "A principal delas é a eleição da Duma, a assembléia legislativa nacional, com amplos poderes

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para legislar sobre o orçamento, guerra, relações exteriores e reformas da Constituição. Ao mesmo tempo, Nicolau II compromete-se a ampliar o sufrágio para as camadas mais extensas da população e a respeitar as garantias individuais. Uma reforma agrária - a cargo do primeiro-ministro Stolipin - que morreria anos depois vítima de um atentado - entrega terras da coroa aos camponeses e permite maior liberdade ao vínculo com as comunas (mir). De fato, isto beneficia uma camada de camponeses ricos, os Kulaks, e indica a criação de uma burguesia rural. Da mesma forma, o que se pretendia era modernizar, no sentido burguês liberal, as relações de trabalho. Algumas medidas relacionadas com a legislação trabalhista -10 horas de trabalho diário, permissão de sindicatos e maior liberalidade em caso de acidentes ou enfermidade -tencionavam destravar a expansão do capitalismo."

(González.H. 1986, p. 20/21)

Tais concessões fortaleceram a burguesia e acabaram por produzir um refluxo nos movimentos populares. A partir de 1907, o governo czarista deu início à contra-revolução, promovendo uma feroz repressão ao movimento operário, anulando muitas das concessões feitas, prendendo ou exilando líderes de oposição (Lênin foi obrigado a se exilarem Zurique, na Suíça) e submetendo a Duma ao seu controle. As atribuições da Duma foram limitadas e sua eleição passou a ser feita através de "um sistema de representações que favorecia as classes abastadas. Os latifundiários escolhem 70% dos deputados, os camponeses 22%, os comerciantes 15% e os trabalhadores 3%" (González, H. 1986, p. 22). 3.2. "Os dez dias que abalaram o mundo" a) A Primeira Guerra e o desastre militar russo

A eclosão da Primeira Guerra Mundial representou para a Rússia, membro da Tríplice Entente, o ponto culminante da caótica situação econômica e social em que se encontrava. Apesar de numericamente expressivo, o Exército russo não apresentava qualquer condição de enfrentar o poderio militar da Alemanha, sofrendo por isso sucessivas derrotas que criaram profundas insatisfações entre os soldados. A oficialidade russa, de origem aristocrática, agia autoritariamente, submetendo seus comandados a constantes humilhações. A precariedade do Exército russo já havia ficado patente na Guerra Russo-Japonesa e, agora, saltava aos olhos. A penetração alemã no território da Rússia foi bloqueando as ferrovias e cortando o abastecimento das tropas. As sucessivas derrotas e o alto índice de mortalidade por elas provocadas nas fileiras russas, produziram um movimento de deserção maciça dos soldados russos do front de guerra, onde a rebelião, seguida do assassinato dos oficiais, tornou-se

comum. Os soldados que desertavam do front voltavam para as cidades e engrossavam os

movimentos populares que convulsionavam o país. A guerra, além de ter sido um desastre militar, representou também um desastre econômico e social, pois a convocação militar retirou da indústria e da agricultura, aproximadamente, 15 milhões de operários e camponeses. A indústria bélica não foi capaz de atender a demanda gerada pela guerra, que rapidamente esgotou os estoques de armas e munições existentes nos depósitos militares. A fome e a miséria alastraram-se pelo país, provocando filas gigantescas diante das padarias em busca de pão. b) A Revolução Menchevique de fevereiro de 1917

A medida que a guerra se desenrolava, o caos econômico e social em que a Rússia estava mergulhada se aprofundava, pois a crise de abastecimento atingiu todas as regiões do país, criando uma situação desesperadora. A partir de 1915, os movimentos grevistas passaram a fazer parte do cotidiano do país, assim como multiplicaram-se os saques nos armazéns de abastecimento. Por trás das greves estava a atuação dos sovietes.

No início de fevereiro de 1917, o soviete de Petrogrado, presidido por Trotski, deflagrou uma greve operária, que iniciou na fábrica de Putílov, a maior da capital, e que se

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espalhou rapidamente por todas as fábricas da cidade. Com o objetivo de manter o controle da situação, o governo czarista ordenou a imediata repressão das manifestações de protesto. Em vez de cumprirem as ordens, os soldados aderiram aos manifestantes e "nas ruas de Petrogrado se fundiram em um todo único duas torrentes: os operários, ansiosos por acabar com o czarismo, e a burguesia e os soldados, na sua maioria camponeses, que exigiam paz e terra" (Polyakov, Y. s/d, p. 08).

A greve de Petrogrado rapidamente se transformou em insurreição armada. Pontos estratégicos da capital, como o posto telegráfico, são ocupados a partir de 25 de fevereiro. Na noite de 27 para 28 de fevereiro, a cidade cai sob o controle dos insurretos. O czar Nicolau II, que havia abandonado a capital quando do início da insurreição, retorna e dias depois abdica ao trono. Lênin, há vários anos exilado em Zurique, na Suíça, retorna à Rússia.

Os mencheviques, que nesse momento controlavam a maioria dos sovietes, abriram espaço para a burguesia liberal, que assume o poder, organizando um Governo Provisório, cuja chefia foi entregue a um aristocrata liberal, o príncipe Jorge Lvov. Nos postos chaves do novo governo foram colocados grandes capitalistas, como Guchkov, Konoválov e Teréschenco, representantes do partido Constitucional Democrata (kadetes), e no Ministério da Guerra Alexandre Kerenski, advogado que fez nome defendendo operários e rebeldes nos tribunais czaristas, ligado à corrente do trabalhismo russo e aos mencheviques. Kerenski, vinculado aos interesses da burguesia, defendia a manutenção da Rússia na guerra, conclamando o povo russo a fazer um duplo esforço: continuar a guerra e servir à causa da revolução. O Governo Provisório decretou anistia geral aos presos e exilados políticos do regime czarista, possibilitando o retorno de Lênin ao país, em abril de 1917.

Paralelamente ao Governo Provisório, reconhecido como o poder oficial na Rússia, constituiu-se um outro poder, representado pelos sovietes, que passaram a ter o "controle dos transportes, distribuição de bens, serviços e formas de gestão das instituições civis e militares..." (González, H. 1986, p. 39). As ordens emitidas pelo governo eram discutidas nos sovietes e, normalmente, não cumpridas. Essa dualidade de poder foi fortalecendo os Bolcheviques, que, liderados por Lênin, passaram a defender as bandeiras de "Paz, Terra e Pão" e o lema "Todo o poder aos Sovietes!".

c) A Revolução Bolchevique de outubro de 1917

Kerenski, a partir de junho de 1917, organizou uma grande contra-ofensiva contra os alemães, justificando que a Rússia precisava de uma expressiva vitória para restaurar o moral dos seus soldados e o ferido nacionalismo russo. O fracasso de tal tentativa provocou uma grande insatisfação entre os soldados, que, em Petrogrado, passaram a exigir a entrega do poder aos sovietes e, junto com os operários, realizaram uma grandiosa manifestação, que reuniu mais de 500 mil manifestantes. O exemplo de Petrogrado foi seguido em inúmeras outras cidades, como Moscou e Kiev. Por quase todo o mês de junho realizou-se em Petrogrado o I Congresso dos Sovietes de toda Rússia, no qual os bolcheviques propuseram a insurreição armada e a tomada do poder pelos sovietes. Como na maioria dos sovietes locais predominavam os mencheviques, tal proposta foi rechaçada. Os operários, soldados e marinheiros bolcheviques intensificaram as manifestações de protesto no mês de julho de 1917.

O Governo Provisório, agora sob a chefia de Kerenski, iniciou uma ação contra-revolucionária, reprimindo violentamente as manifestações populares e perseguindo os principais líderes bolcheviques, acabando com a dualidade do poder. A 20 de julho de 1917, o governo decretou a prisão de Lênin, que foi obrigado a se exilar na Finlândia. Ao mesmo tempo, o general Komilov, nomeado como comandante-chefe das Forças Armadas russas, tenta dar um golpe de Estado, lançando suas tropas contra Petrogrado, que foi corajosamente defendida por soldados e marinheiros bolcheviques. Kerenski, que provavelmente estava envolvido na conspiração, aproveitou a situação para tentar recuperar

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seu prestígio junto aos sovietes, lançando um manifesto contra Kornilov. O frustrado golpe acabou fazendo com que o Partido Bolchevique se tornasse cada vez

mais popular e recebesse a adesão de milhares de operários, soldados e camponeses, enquanto o Governo Provisório caía na antipatia do povo. Entre 26 de julho e 3 de agosto de 1917, realizou-se, num ambiente de semilegalidade, o VI Congresso do Partido Bolchevique (POSD), que fez a seguinte avaliação da situação: "A revolução socialista triunfará sem falta; mas o desenvolvimento pacífico e o passo indolor do Poder aos Sovietes já são impossíveis. Impõe-se a necessidade de derrotar pela força o poder da burguesia imperialista..." (Polyakov, Y., s/d, p. 24).

No decorrer do mês de setembro, ocorreu a bolchevização dos sovietes nas principais cidades russas, depois que, a 13 de setembro, os bolcheviques conseguiram maioria no Soviete de Petrogrado e instalaram seu quartel-general em Smólni, antigo convento, onde funcionava um colégio para filhos de aristocratas. A guerra continuava a ter um efeito devastador sobre o país, tomando a situação do proletariado russo insuportável. Polyakov descreve tal situação da seguinte forma:

"Aproximava-se o outono. Havia transcorrido meio ano desde a Revolução de Fevereiro, mas a situação do povo ia de mal a pior. Acentuava-se o desajuste econômico. A produção industrial decaía sem cessar. No outono de 1917, a capacidade aquisitiva do rublo estava reduzida a uma décima parte do que era em 1913. O papel-moeda desvalorizado inundou o país. Os transportes funcionavam precariamente. A fome era iminente. Nas cidades e bairros operários formavam-se, durante a noite, gigantescas filas nos armazéns de alimentos: escasseavam o pão, o açúcar e outros produtos. O desemprego era cada vez maior."

(Polyakov, Y., s/d, p. 24/25)

Lênin, que em julho de 1917 havia sido obrigado novamente a sair da Rússia, exilando-se na Finlândia, retornou ao país no início de outubro, assumindo a liderança dos bolcheviques. Os alemães continuam avançando sobre o território russo, chegando a cidade de Riga, a poucos quilômetros de Petrogrado. Sob a orientação de Trotski organiza-se a Guarda Vermelha no soviete da capital. A 8 de outubro reuniu-se o Comitê Central do Partido Bolchevique, sendo a proposta de Lênin da insurreição armada aprovada.

Apesar das medidas repressivas tomadas pelo Governo Provisório, entre as quais o fechamento do jornal Soldat dos Bolcheviques, no dia 25 de outubro de 1917 (7 de novembro, pelo calendário romano usado no Ocidente), o proletariado russo ocupa os edifícios públicos, correios, estações telegráficas de Petrogrado e marcha para o Palácio de Inverno, sede do governo. O encouraçado Aurora bombardeia o Palácio, facilitando a ocupação do mesmo pelos bolcheviques, que tomam o poder.

Ao mesmo tempo, no Instituto Smólni, realizava-se o II Congresso dos Sovietes, agora de maciça maioria bolchevique, que instalou o Conselho dos Comissários do Povo, que, sob a presidência de Lênin, assumiu o governo. O Conselho baixou os chamados decretos revolucionários, iniciando a execução do programa de governo bolchevique, fundado nas bandeiras de Terra, Pão e Paz. - Decreto da Paz - "O Governo Soviético propõe a todos os povos beligerantes e a seus governos entabular negociações imediatamente para uma paz justa e democrática (...) O Governo considera que continuar esta guerra pela divisão entre as nações fortes e ricas dos povos fracos conquistados por elas é o maior crime contra a humanidade..." (Polyakov, Y, s/d, p. 35). O resultado de tal decreto foi a assinatura com a Alemanha, a 3 de março de 1918, do Tratado de Brest-Litovsk, pelo qual a Rússia se retirava da guerra, tendo como compensação de satisfazer uma série de exigências alemães, como a entrega dos territórios da Polônia, Letônia, Lituânia e Estônia. - Decreto da Terra - "Fica abolida de imediato e sem nenhuma indenização a propriedade

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latifundiária. Todas as fazendas dos latifundiários, todas as terras da família imperial, dos monastérios e da Igreja (...) ficam à disposição dos comitês agrários subdistritais e dos Sovietes de deputados camponeses de distrito" (Polyakov, Y., s/d, p. 35/36). - Decreto do Controle Operário - determinou a nacionalização das grandes indústrias, cujo controle foi entregue aos comitês de operários, que passaram a ser responsáveis pelo processo de produção e de distribuição dos produtos. Além disso, estatizou todo o sistema financeiro, com a colocação dos bancos sob o controle do Estado.

A 10 de julho de 1918, o V Congresso dos Sovietes aprovou uma Constituição que

instaurou o regime socialista na Rússia, passando a nova República a ser denominada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. 3.3 A contra-revolução: russos brancos X russos vermelhos

A proclamação da primeira República socialista, a partir de um processo revolucionário, aterrorizou o mundo capitalista que, nesse momento, encontrava-se em profunda crise. A guerra imperialista havia arruinado as grandes potências européias, tornando-as terreno favorável à disseminação dos ideais revolucionários marxistas vitoriosos na Rússia. Assim, a URSS transformou-se num exemplo extremamente perigoso, devendo por isso ser eliminado. Nesse sentido, o Exército dos Russos Brancos, organizado e financiado pelas classes destituídas do poder - nobreza e burguesia - iniciou uma campanha contra-revolucionária, mergulhando a URSS em três anos de intensa guerra civil.

Depois de isolarem econômica e politicamente a URSS, estabelecendo em torno de seu território o chamado "cordão sanitário ", as potências capitalistas, sob o pretexto de barrar o avanço alemão na Frente Oriental da guerra, interferiram na guerra civil em favor dos russos brancos. Inglaterra, França, Japão, Estados Unidos, entre outros, desembarcaram tropas em várias regiões da URSS, nas quais passaram a apoiar a ação do Exército Branco, e mostraram-se dispostos a reconhecer oficialmente o governo branco formado por Kaledin e Denikin.

Para fazer frente às ameaças internas e externas, foi organizado por Trotski o Exército Vermelho e Lênin impôs uma política denominada de Comunismo de Guerra, na qual o Estado assumiu o controle total da economia, concluindo a nacionalização do setor industrial, monopolizando o comércio de cereais, exigindo que os camponeses entregassem ao Estado todo o excedente de alimentos e implantando o trabalho geral obrigatório para todas as classes, com base no princípio de "quem não trabalha não come".

No decorrer do ano de 1920, o Exército Vermelho foi desmontando a resistência dos russos brancos e liberando o país da ocupação estrangeira. No início de 1921, a revolução já poderia ser considerada como consolidada. 3.4. A Nova Política Econômica - NEP

A Primeira Guerra Mundial e a guerra civil haviam destruído a economia russa e agravado sensivelmente os problemas sociais do país, principalmente a fome e a miséria. Consolidada a Revolução, o governo soviético se via diante de um enorme desafio: reconstruir o país, restabelecendo o desenvolvimento econômico e melhorando as condições de vida dos trabalhadores. Nesse sentido, Lênin começou a aplicar, em 1921, a NEP (Nova Política Econômica), que, segundo ele, consistiria em dar "dois passos atrás, para depois dar cinco à frente".

A NEP representou a restauração em alguns setores da economia de elementos capitalistas, como a privatização de médias e pequenas propriedades de terras, o restabelecimento do comércio privado de produtos agrícolas e industriais, a formação de pequenas indústrias privadas, a permissão da entrada de capitais estrangeiros no país. Esse setor capitalista coexistiria com um setor socialista, já que as grandes indústrias, as terras, os

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meios de transportes e todo o sistema financeiro permaneciam nas mãos do Estado. Ao organizar a produção industrial socialista nas fábricas soviéticas, Lênin implantou

o método de organização do trabalho na fábrica desenvolvido na Inglaterra, no século XIX, por John Taylor, e que ficou conhecido como taylorismo. Tal método desvinculava a concepção do trabalho, que ficaria a cargo de um corpo técnico, da execução do trabalho, feita pelos operários, que deveriam ser adestrados em movimentos mecânicos rápidos, que garantissem altas quotas de produção. Desse modo, o taylorismo transformava o operário num apêndice da máquina, robotizando-o e levando a exploração da sua força de trabalho ao máximo. Ao adotar nas fábricas soviéticas tal método, Lênin contrariava os princípios fundamentais do socialismo, que apontam para o trabalho coletivo e para a apropriação coletiva do resultado do mesmo, mantendo os operários russos sob o regime de salários e substituindo o patrão privado pelo Estado.

Havia divergências entre os líderes da revolução quanto ao processo a ser seguido. Trotski achava que a guerra havia criado nos outros países capitalistas condições extremamente favoráveis à revolução. Por isso, defendia que o Exército russo espalhasse a revolução pelos outros países antes mesmo que ela se consolidasse na URSS, com base na teoria da "revolução permanente". Já Lênin e Stalin defendiam o "socialismo num só país", ou seja, consolidar primeiro o socialismo na URSS, para depois expandi-lo.

A morte de Lênin, em 1924, provocou uma ferrenha disputa pelo poder entre Trotski e Stalin, que culminou com a vitória do segundo, que governou a URSS até 1953, quando morreu. Durante a Era Stalinista, a imagem de Trostki foi sendo apagada da memória e da

história soviéticas. Lênin havia criado, em 1921, o Gosplan, órgão encarregado de estabelecer um planejamento econômico, capaz de reconstruir a economia do país. Stalin, seguindo a orientação leninista, estabeleceu uma economia planificada, em que o Estado faria o planejamento da produção e do consumo, através da execução dos chamados Planos Qüinqüenais.

Entre 1928 e 1933, foi colocado em execução o primeiro Plano Qüinqüenal, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento da indústria de base e coletivizar a agricultura. Stalin usou de extrema violência para quebrar a resistência dos pequenos proprietários ao plano de coletivização da agricultura, mandando-os executar ou enviando-os para campos de concentração na Sibéria. Na indústria, o plano privilegiou a produção de máquinas e equipamentos agrícolas, como também os setores siderúrgico e metalúrgico, em detrimento da indústria de bens de consumo. Desse modo, a URSS foi se transformando numa grande potência militar e econômica, capaz de bipolarizar o mundo ao final da Segunda Guerra Mundial.

4. O EXEMPLO SOVIÉTICO

A Revolução Socialista ocorrida na Rússia em outubro de 1917 foi considerada pela historiografia como um dos dois maiores movimentos sociais da Era Contemporânea (o outro foi a Revolução Francesa). Parafraseando o título da obra do jornalista norte-americano John Reed, Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, podemos afirmar que nenhuma parte do mundo ficou imune ao impacto que tal evento produziu. A experiência revolucionária soviética, materialização da Teoria Marxista, tornou-se a principal referência dos movimentos sociais em todo o mundo, passando a influenciar os projetos políticos e a organização das classes trabalhadoras.

A luta revolucionária espalhou-se por várias regiões do globo terrestre, junto com a disseminação de partidos comunistas por todos os países. O exemplo soviético foi seguido pela China, que, em 1949, transformou-se numa República socialista; por Cuba, que, em 1959, tomou-se o primeiro país socialista da América, bem no quintal dos Estados Unidos. Após a Segunda Guerra Mundial, a expansão soviética no Leste europeu e a conseqüente formação

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da "Cortina de Ferro", fez com que a maior parte da população mundial estivesse sob o regime socialista.

A bipolarização do mundo entre URSS e EUA tornou-o um campo de luta ideológica, em que o socialismo difundiu-se por todos os continentes, influenciando inúmeros movimentos, como os processos de emancipação da Ásia e da África.

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Totalitarismo: O Nazi-Fascismo

"E muito perturbador o fato de o regime totalitário, malgrado o seu caráter evidentemente criminoso, contar com o apoio das massas. Embora muitos especialistas neguem-se a aceitar essa situação, preferindo ver nela o resultado da força da máquina de propaganda e de lavagem cerebral, a publicação, em 1965, dos relatórios, originalmente sigilosos, das pesquisas de opinião pública alemã dos anos 1939-44, realizadas pelos serviços secretos da SS, demonstra que a população alemã estava notavelmente bem informada sobre o que acontecia com os judeus (...), sem que com isso se reduzisse o apoio dado ao regime."

(Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo) INTRODUÇÃO

A implantação de regimes totalitários no período entre guerras na Europa representou a derrocada ou o fracasso das democracias liberais, cujos princípios da Economia de Mercado e do Estado Mínimo, transformados em verdadeiros dogmas pelo liberalismo, foram responsáveis por crises cíclicas de superprodução, que geraram a necessidade da expansão imperialista das potências industriais em busca, entre coisas, de mercados consumidores. O imperialismo, considerado como "filho da industrialização", produziu intensos choques de interesses entre as grandes potências, levando-as à Primeira Guerra Mundial, conflito eminentemente imperialista, responsável pelo desmoronamento dos princípios liberais.

A doutrina liberal atribui ao Estado o papel de mero mediador entre os interesses privados presentes na sociedade, interesses esses que devem se realizar sem qualquer ingerência do poder do Estado, já que este deve ser mínimo. A concepção do Estado Mínimo funda-se na tese da não-intervenção do Estado na economia, campo exclusivo da iniciativa privada, que é regida por uma mão invisível (Locke), ou seja, pelo princípio da economia de mercado ou lei da oferta e da procura.

Ao produzir crises cíclicas de superprodução, o liberalismo econômico começou a ser colocado em xeque, levando ao aparecimento de correntes liberais que passaram a defender a intervenção do Estado na economia e, conseqüentemente, na vida da sociedade. De acordo com essas correntes, o Estado deveria assumir o controle de alguns setores da economia, como as indústrias de base, e a prestação de determinados serviços, como saúde e educação, que a iniciativa privada ou não dava conta ou não tinha interesse de assumir, devido ao ônus que representava.

Assim, foi-se impondo a necessidade de redimensionar o papel do Estado, a partir das contradições produzidas pelo capitalismo no processo do seu desenvolvimento. Logo, o Estado Liberal Mínimo foi cedendo lugar ao Estado Máximo, extremamente interventor, regulador e controlador da vida da sociedade em todos os seus aspectos. Foi nesse contexto histórico que algumas democracias liberais da Europa deram lugar a Estados Totalitários, no qual a concepção de Estado Máximo foi levada às últimas conseqüências.

O totalitarismo constitui-se em um fenômeno político típico da "Modernidade", ou seja, do Mundo Contemporâneo. Embora haja exemplos de regimes políticos excessivamente

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centralizados em outros momentos da história, como o Absolutismo Monárquico, nenhum deles pode ser considerado como formas totalitárias de governo. Os próprios nazistas advertiam que "o nacional-socialismo não encabeçou a luta contra o liberalismo para atolar-se no absolutismo e começar tudo de novo" (Werner Best, Die deutsche Polizei, p. 120). Citado em Arendt, 1990, p. 439.

O regime totalitário baseia-se no princípio da supremacia do Estado sobre os indivíduos, que perdem a essência da sua individualidade para serem transformados em massa. Como Estado de Massa, o totalitarismo abole a figura do cidadão, já que não reconhece serem os indivíduos portadores de direitos, mas sim de deveres para com o Estado. Nesse tipo de regime político, o poder do Estado confunde-se com a figura do líder, concretizando-se assim a personificação do poder. O terror é o instrumento central da consolidação e da preservação do Estado Totalitário. Mais adiante, retomaremos a discussão teórica sobre o totalitarismo e sua ideologia do terror. Recuperemos agora o processo histórico que levou à implantação do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. O FASCISMO NA ITÁLIA 1. CONTEXTO HISTÓRICO ITALIANO

Terminada a Primeira Guerra Mundial, a situação da maioria dos países da Europa demonstrava o quanto essa guerra imperialista havia sido catastrófica, pois as perdas humanas e materiais por ela provocadas atingiram níveis nunca antes imaginados, já que a mesma confirmou o niilismo nietzschiano, segundo o qual a guerra libertou o animal selvagem presente no homem. Não importava o lado em que se estivesse, se dos vencedores ou dos vencidos, o caos foi a tônica da vida da população dos países europeus no pós-guerra. Desse modo, a guerra produziu um conjunto de fatores que, somados, levaram à implantação de regimes totalitários em alguns países.

A Itália, embora inicialmente fizesse parte da Tríplice Aliança, manteve-se neutra nos primeiros meses da guerra, período em que foi seduzida pelas diplomacias inglesa e francesa com promessas de vantagens territoriais, caso entrasse na guerra ao lado da Tríplice Entente. Ambicionando anexar algumas regiões, como o Trieste, Trentino e Fiúme (estas em poder da Áustria-Hungria), a Itália entrou na guerra, em 1915, ao lado dos países da Entente, que, ao saírem vencedores, trataram-na como vencida, alijando-a das esferas de decisão e não cumprindo as promessas de anexações territoriais. Desse modo, as humilhações sofridas pela Itália no pós-guerra exacerbaram o nacionalismo do seu povo, produzindo um nítido sentimento de revanchismo, habilmente explorado pelos fascistas.

Ao nacionalismo ferido somava-se a situação de caos econômico e social gerada na Itália pela guerra, situação essa que se materializava em um intenso surto inflacionário, um elevado índice de desemprego, que por sua vez levavam ao alastramento da fome e da miséria por todo o país.

O agravamento das contradições sociais era acompanhado pela intensificação da luta de classes, que cada vez se tornava mais visível, através da explosão generalizada no país de greves e outros movimentos sociais, que produziam um clima nitidamente revolucionário. Dentro desse clima de crescente agitação política e social crescia o prestígio do Partido Socialista italiano, que cada vez mais conquistava espaços na política institucional, sendo exemplo disso o excelente desempenho do partido nas eleições de 1919. Ao mesmo tempo em que atuavam institucionalmente, os socialistas estavam por trás de toda a agitação social que assolava a Itália, promovida pelo movimento sindical sob seu controle. O bom desempenho nas eleições de 1919, fez com que preponderasse no Partido Socialista uma facção reformista, que começou a afastá-lo da sua proposta revolucionária original. Isso acabou por produzir, em 1920, uma divisão no partido, que culminou com a formação do Partido Comunista italiano, que teve como um dos seus expoentes máximos Antônio Gramsci.

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A ameaça de que o exemplo da Revolução Proletária Russa fosse seguido na Itália aterrorizava a burguesia e alguns setores da classe média, que, por isso, passaram a financiar e apoiar o projeto fascista, facilitando sua ascensão ao poder. Por sua vez, o Estado Liberal italiano, representado por uma monarquia parlamentarista, encabeçada pelo rei Vítor Emanuel III, mostrava-se incompetente para solucionar os problemas econômicos e assim deter o grave processo de convulsão social em que o país se encontrava. 2. O FASCISMO NO PODER

O Caos econômico e social transformou a Itália num campo fértil à pregação

nacionalista, recurso retórico usado tanto pela extrema esquerda (comunistas), como pela extrema direita (fascistas). Fundado em 1919, por Benito Mussolini, o Partido Fascista baseava-se numa concepção totalitária de Estado, fundada em um exacerbado nacionalismo, que pregava o retorno da Itália à época do apogeu do Império Romano (por isso, a palavra fascismo tem origem no termo latino fascios, feixe de varas preso a um machado, símbolo do

poder dos imperadores romanos), e em um excessivo militarismo, pois considerava a expansão territorial o meio mais eficaz para recuperar economicamente o país.

As eleições de 1919, ano da fundação do partido, foram desastrosas para os fascistas. No entanto, o agravamento do clima de agitação social em todo o país e a possibilidade de uma revolução socialista aproximaram os grandes empresários do Partido Fascista, que começou a reverter seu desempenho eleitoral a partir das eleições de 1921, quando conseguiu eleger 35 deputados para o Parlamento italiano. A ascensão eleitoral do partido foi acompanhada pela intensificação da ação das Esquadras Fascistas, grupos paramilitares criados quando da sua fundação, especializados em terrorismo político, e que passaram a agir contra os sindicatos e suas lideranças ligadas aos socialistas. Apesar disso, dois partidos foram os grandes vitoriosos nessas eleições: o Partido Socialista e o Partido Popular, também chamado Católico, que passaram a dividir a maioria das cadeiras do Parlamento.

A vitória eleitoral de dois partidos tão distantes ideologicamente produziu uma situação de impasse político na Itália, pois suas divergências impediam a formação de um gabinete politicamente estável, o que inviabilizava qualquer ação do governo. Esse clima de instabilidade política afetava o prestígio da monarquia italiana e a tornava alvo da indisposição popular contra o governo. Aproveitando-se disso, as Esquadras Fascistas

multiplicavam seus atos de terrorismo político, sem serem incomodadas pelo Estado, que fechava os olhos à sua ação. O crescimento da violência política promovida pelos fascistas levou a Confederação Geral dos Trabalhadores, controlada pelos socialistas, a deflagrar uma greve geral na Itália, em agosto de 1922.

A situação de desordem política e social gerada pela greve favoreceu a ação dos fascistas. Mussolini convocou os camisas negras (militantes fascistas) a realizarem uma Marcha sobre Roma, no dia 27 de outubro de1922, que contou com a participação de milhares de

manifestantes e que culminou com a entrada triunfal de Mussolini em Roma três dias depois. Em vez de reprimir tal manifestação, o rei Vítor Emanuel III convidou Mussolini a assumir o cargo de primeiro-ministro, encarregando-o de organizar um novo gabinete. Desse modo, estava aberto o caminho para a totalitarização da Itália. 3.0 ESTADO TOTALITÁRIO FASCISTA

Como veremos melhor mais adiante, a implantação do totalitarismo se dá através das

instituições existentes no Estado Liberal, que gradativamente passam para o controle total do governo totalitário. Ao assumir o cargo de primeiro-ministro, Mussolini adota a denominação de duce (líder, guia, condutor) e começa a executar o projeto político fascista: transformar a Itália em um Estado Totalitário.

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O primeiro passo era o controle do Parlamento. Nesse sentido, o Partido Fascista usa da fraude eleitoral e do terrorismo político para obter uma esmagadora vitória nas eleições parlamentares de 1923, vitória essa também garantida pela imposição de uma lei eleitoral, que determinava que o partido que obtivesse um terço dos votos conquistaria dois terços das cadeiras do Parlamento.

O próximo passo era a eliminação de toda e qualquer oposição por meio da violência política. Ao denunciar no Parlamento os métodos fraudulentos e violentos dos fascistas para ganhar as eleições, o deputado socialista Giacomo Matteotti foi assassinado por uma das Esquadras Fascistas.

Entre 1925 e 1926, Mussolini baixa os chamados decretos fascistidas, através dos quais consolida o totalitarismo na Itália. Tais decretos determinavam a implantação do unipartidarismo, com a dissolução de todos os partidos políticos, exceto o fascista, o fechamento de todos os jornais de oposição, a supressão das liberdades políticas, a violenta repressão, com prisões e perseguições dos socialistas, e a expulsão dos deputados de oposição do Parlamento.

A estruturação política do Estado Fascista concentrou excessivamente o poder nas mãos de Mussolini, presidente do Grande Conselho Fascista, órgão representativo do governo. O duce teria poderes para nomear o Gabinete e governar por meio de decretos, enquanto o Grande Conselho Fascista (leia-se, Mussolini) elaborava a lista dos candidatos que poderiam concorrer às eleições parlamentares.

O Estado Fascista regulamentou as relações entre capital e trabalho, a partir do princípio do corporativismo. Sindicatos tutelados pelo Estado passaram a agregar os trabalhadores por categoria, enquanto os empresários organizavam-se em federações industriais. Sindicatos e federações formavam corporações, dirigidas por um delegado nomeado pelo Estado, que assim passava a mediar os conflitos entre patrões e trabalhadores. A consolidação da política trabalhista fascista realizou-se com a colocação em vigor por Mussolini da Carta do Trabalho, documento que continha uma legislação trabalhista, destinada a estabelecer o controle do Estado sobre as relações de trabalho.

Mussolini conseguiu solucionar uma questão que, desde a consumação da unificação da Itália, opunha o Estado Italiano à Igreja Católica. A anexação dos Estados Pontifícios pelo Reino do Piemonte-Sardenha não foi aceita pelo papa Pio IX, que rompeu relações com o governo italiano, considerando-se prisioneiro do mesmo em Roma, sendo isso conhecido como a chamada Questão Romana. Esta questão foi resolvida pelo Estado Fascista através do

Tratado de Latrão, assinado por Mussolini e o papa Pio XII, em 1929, que determinava a criação do Estado do Vaticano.

A implantação do fascismo na Itália e o conseqüente desenvolvimento de uma política de dirigismo econômico começaram a recuperar a economia da Itália, recuperação essa materializada pelo visível crescimento da produtividade agrícola e industrial, pela montagem de uma infra-estrutura de produção de energia, pela execução de um programa de obras públicas. No entanto, a recuperação econômica não representou necessariamente a elevação das condições salariais e de vida dos trabalhadores. A recuperação do setor industrial desenvolveu-se em torno da indústria bélica. O limite do processo de recuperação econômica da Itália foi a Grande Depressão de 1929. O NAZISMO NA ALEMANHA 1. AS CONDIÇÕES HISTÓRICAS PRESENTES NA ALEMANHA

O início das ações militares alemãs na Primeira Guerra Mundial foi marcado pela

invasão da Bélgica pela Alemanha, com o objetivo de atacar o norte da França. Esta iniciativa alemã acabou se transformando numa fatalidade, pois serviu de pretexto para que a

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Alemanha fosse considerada como a única culpada pela guerra, precisando, por isso, na ótica dos vencedores, ser regiamente punida. A assinatura do armistício pela República de Weimar, a 11 de novembro de 1918,selouaderrotadaAlemanhanaPrimeira Guerra, que resultou, principalmente, do profundo desequilíbrio na correlação de forças provocado pela entrada dos Estados Unidos ao lado da Entente.

A destruição econômica e militar da Alemanha foi completada por um instrumento diplomático, que tornou-se práxis ao término de toda a guerra: um tratado de paz. Com o objetivo de neutralizá-la completamente, Inglaterra e França impuseram a Alemanha o Tratado de Versalhes, em 1919, através do qual a espoliaram de territórios, riquezas minerais, poder militar, arruinando-a inteiramente, a ponto de ser denominado pelos alemães de Diktat de Versalhes. As humilhações sofridas no pós-guerra exacerbaram o nacionalismo alemão e produziram um enorme sentimento de revanchismo, sentimentos estes habilmente explorados por grupos políticos tanto da extrema direita, como de extrema esquerda que disputavam o poder.

O caos econômico e social gerado pela guerra na Alemanha assumiu uma proporção e uma dimensão bem maiores que no restante da Europa. A completa estagnação econômica elevou o desemprego a índices insustentáveis, sendo isto acompanhado por um intenso surto inflacionário e pela generalização da miséria e da fome por todo o país. Essa situação sócio-econômica tornou a Alemanha um solo fértil à pregações nacionalistas e à agitação política e social.

O agravamento dos problemas sociais produziu a intensificação do processo de luta de classes, materializado pela explosão de inúmeros movimentos sociais por todo país, nos quais as greves assumiram papel de destaque. Por trás da intensa agitação política e social estava a Liga Espartaquista, ala radical do Partido Social-Democrata alemão, que, em 1918, rompeu com o partido e formou o Partido Comunista alemão. A estratégia dos espartaquistas consistia em promover a sovietização dos trabalhadores alemães, como forma de viabilizar a revolução proletária. Isso levou à formação de vários sovietes na Alemanha, que passaram a fomentar movimentos sociais. Em 1919, os espartaquistas tentaram tomar o poder através de uma insurreição, que foi violentamente reprimida pelo Governo de Weimar e culminou com o assassinato dos dois principais líderes espartaquistas, Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, por oficiais do Exército alemão.

O clima de agitação política e social aterrorizava a burguesia alemã, que passou a pressionar o governo social-democrata da República de Weimar, pois este mostrava-se incapaz de solucionar os problemas sócio-econômicos. O temor de que o exemplo soviético fosse seguido pelo proletariado alemão levou a burguesia a apoiar grupos políticos de extrema direita, como os nazistas, que faziam uma intensa pregação nacionalista e anticomunista. 2. O NAZISMO NO PODER

A eclosão da Primeira Guerra Mundial acabou por criar alternativas de sobrevivência para um expressivo número de indivíduos, que, vivendo miseravelmente, viam no alistamento militar possibilidade de garantir alimentação, vestuário e alojamento. Essa era a situação de Adolf Hitler que, em 1908, havia deixado sua cidade natal na Áustria - Braunau am Inn - seguindo para Viena, onde passou a viver em precárias condições. Em 1913, decidiu transferir-se para Munique, onde continuou a sobreviver com grande dificuldade. Quando no verão de 1914, a guerra explodiu, Hitler encaminhou uma petição ao rei Ludwig III, da Baviera, solicitando permissão para se alistar como voluntário em um dos regimentos bávaros, sendo atendido.

O fanatismo com que Hitler se conduzia na guerra incomodava seus companheiros de armas. "Nós todos o amaldiçoávamos, achando-o intolerável", disse, mais tarde, um dos

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homens de sua companhia. "Lá estava entre nós aquele corvo branco que não nos acompanhava quando mandávamos a guerra ao diabo" (Shirer, 1964, p. 60). Durante a guerra, Hitler foi ferido duas vezes: a primeira na Batalha de Somme, em outubro de 1916, que o retirou da guerra até março de 1917, período em que ficou hospitalizado; reincorporado ao Exército já no posto de cabo, recebeu novo ferimento na noite do dia 13 de outubro de 1918, durante a última Batalha de Ypres, quando seu regimento foi surpreendido numa colina ao sul de Werwick por um violento ataque a gás britânico. "Recuei cambaleante, os olhos a arder, levando comigo o meu último relatório de guerra. Poucas horas mais tarde, meus olhos se haviam convertido em brasas vivas. Tudo escurecera em meu redor", contou ele em sua obra Mein Kampf (Shirer, 1964, p. 59).

Hitler recebeu a notícia da abdicação do Kaiser Guilherme II, da proclamação da República de Weimar e da rendição da Alemanha no hospital militar de Pasewalk, pequena localidade da Pomerânia, situada ao norte de Berlim, onde se restabelecia da cegueira temporária provocada pelo gás. Sua reação foi de indignação, pois considerou, como a maioria dos alemães, que a rendição foi um ato de traição do governo de Weimar, que estava nas mãos dos social -democratas, na medida em que a assinatura do armistício representaria uma "punhalada pelas costas" no Exército alemão. Ao retornar a Munique, no final de novembro de 1918, Hitler foi aproveitado pela Bureau de Imprensa e Publicidade do Departamento Político do comando distrital do Exército, tornando-se oficial educador de um regime de Munique, cuja tarefa era combater "idéias perigosas", como pacifismo, socialismo e democracia.

Em setembro de 1919, o Departamento Político do Exército ordenou que Hitler participasse de uma reunião do Partido dos Trabalhadores Alemães, que, ao contrário dos outros partidos operários ligados aos socialistas, apresentava uma tendência nacionalista e militarista, reduzindo-se, no início, a sete membros. Na saída da reunião, Hitler recebeu das mãos de um desconhecido um panfleto, ao qual, na ocasião, deu tanta importância como a que tinha dado ao partido, ou seja, nenhuma. O desconhecido chamava-se Anton Drexler, considerado o verdadeiro fundador do Nacional-Socialismo, e o panfleto intitulava-se "O Meu Despertar Político ". Ao ler o panfleto na manhã seguinte, Hitler se surpreendeu com a afinidade que as idéias nele apresentadas tinham com as suas. Drexler defendia a criação de um partido político fundado nas massas trabalhadoras, mas voltado para o nacionalismo e não ligado aos socialistas. Hitler registrou-se no partido, que, a lº de abril de 1920, passou a ser denominado de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nazista), cuja sigla alemã era NSDAP, no qual foram organizados grupos paramilitares - as SA (tropas de choque), sob o comando de Hermmam Goering, e as SS (tropas de assalto), sob o comando de Henrich Himmler - encarregados de promover o terrorismo político, principalmente contra os socialistas, dissolvendo comícios, invadindo e destruindo sindicatos, assassinando lideranças políticas e sindicais.

Os efeitos catastróficos produzidos pelo Tratado de Versalhes na Alemanha começaram

a se fazer sentir mais intensamente a partir de 1920. Ruína econômica, alta do custo de vida, desemprego em massa, elevado surto inflacionário (1 dólar em outubro de 1923 chegou a valer 8 bilhões de marcos. Tota & Bastos, 1994, p. 164), miséria e fome generalizadas eram acompanhadas pelo crescimento da agitação social e política. Tal situação foi agravada no ano de 1923 pela ocupação militar francesa no Vale do Ruhr, onde se concentravam enormes jazidas de carvão e ferro, e as mais importantes indústrias alemães, sob o pretexto de obrigar a Alemanha a cumprir as determinações econômicas do tratado. Aproveitando-se do sensível agravamento da situação sócio-econômica, Hitler, à frente de tropas das SA, tentou dar um golpe de Estado em Munique, na Baviera, que ficou conhecido como o "Putsh da Cervejaria", cujo fracasso representou a condenação de Hitler a cinco anos de prisão, dos quais cumpriu pouco mais de nove meses (de 1º .04 a 20.12.1924). No período em que passou preso, Hitler ditou a Rudolf Hess os capítulos do livro em que exporia suas concepções políticas e ao qual

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deu o título de Mein Kampf.

O período de 1924 a 1929 foi de refluxo dos movimentos sociais na Alemanha, devido ter sido caracterizado por uma fase de recuperação econômica estimulada pelo Plano Dawes, criado pelos Estados Unidos para auxiliar economicamente os países europeus arrasados pela guerra. Em 1925, as forças políticas conservadoras alemães se reuniram em torno da candidatura do marechal Hindenburg, monarquista convicto, elegendo-o para a Presidência do país. Parecia que a Alemanha sairia da situação de caos econômico e social em que mergulhara no pós-guerra. A ajuda econômica norte-americana reaqueceu a economia alemã, que recuperou em parte os níveis de produtividade e de emprego do período pré-guerra. No entanto, o limite da recuperação econômica alemã foi a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, e a conseqüente Grande Depressão que se seguiu. Extremamente atingida pela nova crise mundial do capitalismo,.a Alemanha mergulhou em outra fase de agravamento dos problemas sócio-econômicos, que foi acompanhada pelo recrudescimento da agitação social e política.

Foi nesse novo contexto de crise que o Partido Nazista retomou seu crescimento político, pois quanto mais o clima de tensão social se acirrava, mais a burguesia e setores da classe média se aproximavam dele, financiando-o e apoiando-o. Nas eleições parlamentares de 1930 e 1932, foi expressivo o crescimento eleitoral do Partido Nazista, levando-o também a disputar as eleições presidenciais de 1932, nas quais Hitler concorreu com o velho marechal Hindenburg, que tentava a reeleição. Embora tenha sido o vencedor da eleição, Hindenburg foi obrigado a reconhecer a força política agora representada pelos nazistas, nomeando Hitler para o cargo de chanceler, a 30 de janeiro de 1933. No ano seguinte, 1934, a morte de Hindenburg levou Hitler a acumular os cargos de chanceler e presidente. Nascia o Führer

(líder, guia, condutor) que ia promover o estabelecimento do mais perfeito Estado totalitário da história.

A nazificação da Alemanha foi realizada por meio de dois instrumentos fundamentais: a violência política e a propaganda. A 27 de fevereiro de 1933, os nazistas incendiaram o Reichstag (Parlamento alemão), atribuindo a responsabilidade aos comunistas. Isto permitiu a Hitler tomar medidas extremamente ditatoriais como a supressão das liberdades individuais (a Gestapo poderia invadir casas e instalar escutas telefônicas sem mandado judicial) e de todos os partidos políticos, exceto o nazista; fechamento dos sindicatos e dos jornais de oposição; estabelecimento de uma rígida censura de imprensa; violenta repressão a intelectuais e líderes de movimentos sociais contrários ao governo; estabelecimento do terror político e início da execução de um projeto racial, que começaria pelo extermínio dos judeus.

Com o objetivo de restaurar sua condição de potência econômica e militar, Hitler deu início na Alemanha a um processo de recuperação econômica centrado nas indústrias pesadas e bélicas, que, apesar de continuarem nas mãos da iniciativa privada, passaram a produzir com base nas necessidades do Estado Nazista, que se tornou o seu principal cliente. Essa "economia de guerra", que dava ao Estado poderes para intervir na iniciativa privada, significou a manutenção dos salários dos trabalhadores em níveis baixos, além de obrigá-los a fazerem inúmeras contribuições para a reconstrução da Alemanha. Adotando o princípio da planificação econômica, o Nazismo estabeleceu a execução dos chamados Planos de Quatro Anos, que determinavam os objetivos da economia nacional. Ao chegar ao poder, os nazistas foram violando todas as determinações do Tratado de Versalhes, sem que os "Aliados" da Primeira Guerra fizessem alguma coisa para impedi-los. Voltaremos mais tarde a essa questão.

A chegada do Partido Nazista ao poder trouxe para Hitler problemas relacionados ao controle dos grupos paramilitares pertencentes ao partido, mais precisamente as SA, comandadas pelo general Ernest Roehm. Defensor da "segunda revolução", Roehm pretendia que a Revolução Nazista passasse para um novo estágio, em que setores da direita (grandes

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industriais, financistas, latifundiários junkers e os generais prussianos que tinham o controle do Exército) seriam também eliminados, como ocorreu com os de esquerda na "primeira revolução ", que levou os nazistas ao poder. A maioria dos membros das SA era formada por

indivíduos das camadas populares e constituiu a base do movimento popular de Hitler, por isso adotavam uma postura antiburguesa e esperavam o prosseguimento da Revolução Nazista, com a eliminação dos representantes dessa classe. Além disso, Roehm considerava as SA, cujos efetivos chegaram a dois milhões de homens, como as grandes responsáveis pela vitória do Nazismo na Alemanha e por essa razão defendia também a sua transformação em um Exército popular, que seria responsável pela "segunda revolução", entrando em choque

com o Exército. Desse modo, Roehm e as SA tomaram-se uma grande ameaça à consolidação do poder do Fuhrer, que decidiu eliminar a facção de Roehm, formada pelos oficiais-comandantes das divisões das SA Hitler ordenou que todas as divisões das SA se licenciassem por todo o mês de junho de 1934, período em que seus membros foram proibidos de usar uniformes e de participar de paradas ou exercícios. No noite 30 de junho de 1934, Roehm e dezenas de oficiais das SA foram assassinados por homens das SS, episódio que ficou conhecido como a "Noite dos Longos Punhais".

Consolidado o poder de Hitler na Alemanha, esta iniciou uma política externa extremamente agressiva, que acabou por levar à Segunda Guerra Mundial. TOTALITARISMO E A IDEOLOGIA DO TERROR

Por pretender o domínio total e o governo mundial, o totalitarismo é um movimento internacional na sua organização, universal no seu alcance ideológico e global na sua pretensão política. Ou seja, apesar de utilizar o nacionalismo como instrumento retórico, o totalitarismo não se constitui num projeto nacional, embora comece a ser executado quando da tomada do poder em algum país, como foi o caso do Nazismo na Alemanha. Os regimes totalitários caracterizaram-se pela luta pelo domínio da população mundial e pela necessidade de eliminar toda realidade rival não-totalitária, isto é, que esteja à margem do seu controle.

Quando no poder, o totalitarismo não elimina a máquina administrativa que encontra no Estado, mas, ao contrário, utiliza-a para atingir o seu objetivo a longo prazo de conquista mundial e para dirigir as subsidiárias do movimento (os países ocupados). No Estado totalitário há a coexistência de uma dupla autoridade: o partido, que representa o poder real, e o Estado, que representa o poder formal e é transformado na fachada que escamoteia o verdadeiro poder do partido. Por isso, há uma multiplicação de órgãos, com a criação no partido de órgãos similares aos do Estado. O engajamento de membros do partido em carreiras oficiais (ministérios, secretarias), implica em perda de poder. A duplicação de órgãos, além de confundir o exercício do poder, permite ao líder transferir constantemente o núcleo do poder. No caso da Alemanha, por exemplo, o núcleo do poder esteve nas S A, depois foi transferido para as SS e por fim para o serviço de segurança. O princípio central da burocracia totalitária estabelece que quanto mais visível for uma agência governamental, menos poder detém e vice-versa, quando menos se tem conhecimento da existência de um órgão, mais poderoso ele é (o verdadeiro poder começa onde o segredo começa).

A personificação do poder confunde a figura do líder com o Estado, eliminando dele qualquer hierarquia. O líder totalitário detém o absoluto monopólio do poder e o controle total da sociedade transformada em massa. Assim, o domínio totalitário visa a abolição da

liberdade e de toda a espontaneidade humana, pois pretende criar um sistema em que os homens são supérfluos. O cargo mais poderoso de um país totalitário, depois é claro do líder, é o de chefe de polícia, já que os serviços de polícia secreta constituem-se no núcleo do poder, desprezando-se o poder do Exército. Ao partir do pressuposto de que implantará no futuro um governo mundial, o totalitarismo trata suas vítimas em qualquer país, inclusive no seu,

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como rebeldes, culpados de alta traição, e, assim, prefere dominar os territórios ocupados por meio da polícia e não das forças militares.

A polícia está diretamente subordinada à vontade do líder que é o único a indicar quem são os inimigos potenciais do Estado. Através dos serviços policiais, o totalitarismo implanta o terror político, criando uma sociedade da desconfiança, onde o sentimento generalizado é o medo, já que qualquer um, independente da classe, pode se tornar alvo do terror do Estado. Curiosamente, o terror é implantado na sociedade totalitária quando não existe mais nenhuma oposição a ameaçar o. poder do líder. Nessa sociedade da desconfiança, todo mundo é agente provocador de todo mundo, pois a delação é a melhor maneira de

continuar vivo. A operação da polícia secreta leva ao completo desaparecimento da vítima, na medida

em que os locais de detenção são verdadeiros poços de esquecimento e são eliminados todos os vestígios da sua existência. Assim, a operação da polícia secreta faz com que a vítima simplesmente jamais tenha existido. Suas operações e as condições dos campos de concentração são segredos religiosamente guardados na sociedade totalitária e falar desses assuntos constitui-se num dos maiores crimes. A polícia secreta baseia sua ação no princípio niilístico de que "tudo é permitido", fazendo com que o terror elimine o espaço para a vida privada.

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A Segunda Guerra Mundial

"Uma guerra diria sim ao animal bárbaro, ou mesmo selvagem, que existe entre nós. "

(Nietzsche) INTRODUÇÃO

Os argumentos que justificam a afirmação de que a Primeira Guerra teve um caráter mundial encontram algumas restrições por parte de alguns historiadores, principalmente pelo fato do seu cenário ter se restringido à Europa. No caso da Segunda Guerra torna-se mais fácil demonstrar a sua dimensão mundial, na medida em que seu cenário extrapolou a Europa, estendendo-se pelo Norte da África e pela Oceania, adquirindo um caráter planetário.

Tendo sido resultado dos choques de interesses imperialistas entre as grandes potências na disputa pelos territórios da Ásia e da África, a Primeira Guerra Mundial, ao invés de resolvê-los, acirrou-os intensamente, transformando o período Entreguerras no momento de preparação de um novo conflito de extensão muito maior que o primeiro. As humilhações sofridas pelos países derrotados fizeram-nos desenvolver políticas externas extremamente agressivas, que levaram à eclosão de um novo conflito.

Se na Primeira Guerra Mundial a capacidade de destruição das potências era ímpar em relação às guerras anteriores, devido ao aprimoramento da tecnologia militar, na Segunda Guerra tal capacidade pode ser imensamente multiplicada, pois o desenvolvimento da "tecnologia da morte" atingiu níveis nunca antes imagináveis. Entre 1939 e 1945, o mundo viveu uma "guerra total", que se desenvolvia na terra, no ar, no mar e sob o mar, produzindo, como em nenhum outro momento histórico, a realização do princípio nietzschiano de que "a guerra libera o animal selvagem existente no homem". FATORES DA GUERRA

Principalmente entre os países derrotados, incluindo-se entre eles países que

terminaram a guerra entre os vencedores, mas que receberam tratamento de vencidos, como a Itália e o Japão, desenvolveu-se no período Entreguerras um exacerbado nacionalismo, resultante das humilhações sofridas no final da Primeira Guerra Mundial. Embora a situação de caos econômico e social fosse comum a todos os países da Europa no pós-I Guerra, em alguns países assumia proporções bem mais graves, como na Alemanha e na Itália, levando-os a adotar o princípio do militarismo, ou seja, da expansão territorial através da gueixa, como a única alternativa para a solução dos seus problemas.

Esse nacionalismo foi intensamente explorado ideologicamente, levando à implantação de regimes totalitários na Europa, como o Fascismo italiano e o Nazismo alemão, que passaram a desenvolver uma política externa extremamente agressiva ou belicosa, abandonando a prática de buscar soluções ortodoxas ou convencionais para a crise e apostando na alternativa da guerra, solução nada ortodoxa. Exemplo disso foi a Alemanha

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Nazista que, justificando sua política expansionista na célebre Teoria do Espaço Vital, pretendia o domínio mundial sobre o qual ergueria uma nova civilização ou o III Reich.

O quadro de crise vivenciado pelo mundo do pós-I Guerra foi sensivelmente agravado pela Grande Depressão de 1929, que contribuiu para desmoralizar a democracia liberal como prática política e econômica, abrindo caminho para o totalitarismo. A quebra ou craque da bolsa de valores de Nova Iorque destruiu, pelo menos temporariamente, os mitos do Estado mínimo e da economia de mercado tão caros ao liberalismo econômico, levando à uma revisão da doutrina liberal e à afirmação de uma nova concepção do liberalismo, que passou a defender uma maior presença do Estado na sociedade, como regulador da economia e realizador do bem-comum ou do chamado welfare state (Estado do Bem-Estar).

No final da Primeira Guerra Mundial, 27 países ratificaram o acordo de criação da "Liga ou Sociedade das Nações", organismo internacional que teria como principal missão a manutenção da paz e da segurança mundial. Tal organismo deveria funcionar como mediador dos conflitos internacionais, buscando solucioná-los diplomaticamente e tentando evitar a todo custo atitudes beligerantes entre os países envolvidos nos mesmos. No entanto, os principais países-membros da Liga eram exatamente aqueles cujos interesses estavam em choque e em jogo, o que fez com que sua ação fosse inócua, ou seja, não produzisse qualquer efeito no sentido de evitar soluções radicais, como a agressão militar. A falência da Liga das Nações foi confirmada na década de 30 pela política expansionista desenvolvida pela Itália, Alemanha e Japão.

O Japão deu a arrancada nessa política expansionista, em 1931, quando invadiu e ocupou a Manchúria, região da China, dando início a um longo período da Guerra Sino-Japonesa, que atravessou toda a Segunda Guerra Mundial e só foi resolvida pela Revolução Chinesa que, em 1949, levou os comunistas, liderados por Mao Tsé-Tung, ao poder. Diante dos protestos da Liga das Nações, que exigia a retirada japonesa do território chinês, o Japão retirou-se da referida Liga, em 1932.

A Itália, em 1935, anexou a Abissínia, hoje Etiópia, na África. A conquista de tal território constituía-se numa questão de honra, já que as tribos nativas da região impuseram à Itália a primeira derrota sofrida por uma potência imperialista no período da expansão.

A eclosão da Guerra Civil Espanhola, em julho de 1936, foi a deixa para a Alemanha mostrar ao mundo o seu novo poder militar. A guerra na Espanha envolveu o Governo Legalista espanhol, eleito em 1936, com o apoio de forças políticas progressistas formadas por anarquistas, comunistas, socialistas e minorias nacionais da Catalunha e das Províncias Bascas de um lado, e do outro os nacionalistas, representados politicamente pelo Partido da Falange, que, sob a liderança do general Francisco Franco, iniciou uma rebelião contra a República espanhola a 17 de julho de 1936. A URSS e outros governos progressistas da Europa organizaram corpos de voluntários que juntaram-se às forças legalistas, enquanto a Alemanha e a Itália decidiram intervir na guerra ao lado dos nacionalistas. A intervenção alemã se deu através da ação da Luftwaffe (Força Aérea alemã), que bombardeou várias cidades espanholas consideradas redutos legalistas, como foi o caso de Guernica destruída quase que completamente pela aviação alemã e com um expressivo saldo de mortos entre sua população civil. Esse episódio foi imortalizado em um painel intitulado "Guernica" pelo mais importante dos pintores contemporâneos espanhóis - Plabo Picasso.

Em novembro de 1936, Alemanha e Itália firmaram o Pacto de Aço, aliança militar que se apresentou ao mundo, pela primeira vez, na Guerra Civil Espanhola, sendo considerada como o início da formação do Eixo, na sua etapa Roma-Berlim. No mesmo mês, Alemanha e Japão assinaram o Pacto Anti-Komintern, contra a URSS e a Internacional Socialista, visando conter a expansão do comunismo, constituindo-se tal pacto na prévia do Pacto Tripartite que efetivou a formação do Eixo Roma-Berlim-Tóquio. Ainda no ano de 1936, a Alemanha reocupou militarmente a Renânia, contrariando frontalmente o Tratado de Versalhes.

Embora a Alemanha viesse sucessivamente desrespeitando as limitações que lhes

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foram impostas pelo Tratado de Versalhes, a Inglaterra e a França mantinham-se impassíveis diante disso. A justificativa de tal atitude estava na política diplomática adotada pelo primeiro-ministro Neville Chamberlain na década de 30, denominada de Política do Apaziguamento, cujo objetivo oficial era o de evitar a guerra a qualquer custo. No entanto, tal política tinha como objetivo real lançar a Alemanha Nazista numa guerra isolada com a URSS, possibilidade reforçada pelas reivindicações territoriais alemãs no Leste europeu. A ameaça da expansão do comunismo representada pela URSS era vista pelas potências ocidentais capitalistas como muito mais grave do que a representada pelo Nazismo na Alemanha. Desse modo, como era grande a chance dos alemães se chocarem com os interesses soviéticos no Leste europeu, a diplomacia inglesa deu liberdade às ações da Alemanha, que disso tirou o melhor proveito.

Assim, em 1938, a Alemanha realizou o Anschluss (união), termo alemão usado para denominar a incorporação da Áustria ao território alemão. Vale ressaltar que, antes da chegada das tropas nazistas à Áustria, esta já estava sob o controle do Partido Nazista austríaco, que recebeu Hitler como o salvador da pátria. A seguir, Hitler passou a reivindicar o direito alemão de anexar a Região dos Sudetos, na Tchecoslováquia, território com expressivo contingente populacional alemão e que havia sido desmembrado da Alemanha no final da Primeira Guerra. Diante do impasse criado por essa reivindicação, já que Inglaterra e França mostraram-se dispostas a não aceitá-la, reuniu-se, em setembro de 1938, a Conferência de Munique, cujos participantes foram Adolf Hitler, pela Alemanha, Benito Mussolini, pela Itália, Neville Chamberlain, primeiro-ministro da Inglaterra, e Edourd Daladier, ministro da França, e cuja decisão foi o reconhecimento do direito alemão de anexar os Sudetos. No início do ano de 1939, a Alemanha invadiu e ocupou todo o território da Tchecoslováquia.

Em agosto de 1939, Hitler e Stalin assinaram o Pacto Germano-Soviético de Não-Agressão ou Tratado Ribbentrop-Molotov, levando ao naufrágio da Política do Apaziguamento. Esse acordo, que deveria ter a validade de dez anos, "continha um anexo secreto estabelecendo que a Finlândia, a Estônia e a Letônia estariam na zona de influência soviética; a Lituânia, na da Alemanha, que reconhecia o interesse soviético pela Bessarábia, região da Romênia" (Vigevani, 1986, p. 22). No pacto, Alemanha e URSS acertaram a divisão da Polônia, cuja parte oeste seria ocupada pela primeira e o leste pela segunda. A 1o de setembro de 1939, a Alemanha iniciou a invasão da Polônia com cinco corpos da Wehrmacht (Força Armada alemã), quatro Panzerdivisionen (divisões blindadas), que receberam decisivo apoio da Luftwaffe (Força Aérea alemã). Usando a tática da Blitzkrieg (guerra relâmpago), as forças

alemães rapidamente ocuparam o oeste da Polônia, arrasando a resistência do Exército polonês, que tentou enfrentar os tanques alemães a cavalo. Ao mesmo tempo da invasão alemã, o Exército Vermelho soviético ocupou o leste do território polonês, a 17 de setembro de 1939. No dia 3 de setembro de 1939, a Inglaterra e a França declararam guerra à Alemanha e, no dia seguinte, receberam declarações de guerra da Itália e do Japão.

A EXPANSÃO DO EIXO E A INQUESTIONÁVEL SUPERIORIDADE DO III REICH

De setembro de 1939 a abril de 1940, a Alemanha demonstrou boa vontade em

retomar as negociações de paz, parecendo estar satisfeita nas suas pretensões territoriais na Europa. Tudo levava a crer que a guerra não iria se consumar e que as preocupações anglo-francesas eram infundadas, já que os alemães nesse período não realizaram qualquer operação militar, desenvolvendo a sitzkrieg (guerra sentada). No entanto, nesse período de

seis meses em que a guerra estagnou, o Estado Nazista intensificou a produção de suas indústrias de base e bélicas, com o objetivo de multiplicar a capacidade militar da Alemanha, cujo número de Panzerdivisionen cresceu de cinco para doze e cuja Força Aérea (Luftwaffe)

tomou-se inquestionavelmente a maior e a mais poderosa da Europa. A produção siderúrgica alemã, apesar de gigantesca, não estava dando conta de satisfazer à demanda exigida pela

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indústria bélica, tomando a importação do aço sueco indispensável para garantir a multiplicação do poder militar alemão.

Com o objetivo de assegurar o fornecimento de aço sueco, a Alemanha reinicia suas operações militares, atacando e ocupando, a partir de 9 de abril de 1940, a Dinamarca, que não conseguiu opor qualquer resistência, e a Noruega, onde encontraram alguma resistência, pois um corpo expedicionário anglo-francês havia sido deslocado para o território norueguês. Em junho, os nazistas já haviam eliminado a resistência, obrigando o rei norueguês Haakon VII a se exilar em Londres e implantando um governo colaboracionista chefiado por Vidkun Quisling.

A 10 de maio, a Alemanha iniciou uma grande ofensiva na Frente Ocidental, que resultou na ocupação da Holanda e da Bélgica, territórios que serviriam de trampolins para a invasão do Norte da França. Em poucos dias a Holanda capitulou frente as tropas nazistas. Na Bélgica, tropas inglesas e francesas também não conseguiram barrar o avanço alemão, o que levou à rendição belga a 28 de maio, e à decisão anglo-francesa de bater em retirada pelo norte, através do porto de Dunquerque, a 3 de junho, episódio que ficou conhecido como a Retirada de Dunquerque.

O Alto Comando Alemão retomou o Plano Schllieffen, elaborado na Primeira Guerra, de invasão do norte da França. A defesa francesa foi montada novamente em torno da Linha Maginot, Unha de trincheiras de centenas de quilômetros que ia da fronteira belga à Suíça. As Panzerdivisionen alemães passaram por cima das trincheiras francesas, permitindo a ocupação do norte do território francês pelas forças nazistas entre 5 e 10 de junho. A 14 de junho de 1940, as tropas nazistas desfilavam na praça Vendôme, no centro de Paris. O território francês foi dividido em duas zonas: a França Ocupada, norte, e a França de Vtchy, ao sul, onde foi instalado um governo colaboracionista com os nazistas, chefiado pelo marechal Pétain, sob condições humilhantes. Na Inglaterra, instalou-se o Governo da França Livre, sob a chefia do general Charles De Gaulle, que, através de um programa diário na rádio BBC de Londres, passou a estimular a Resistência Francesa à ocupação nazista e ao Governo de Vichy.

Desse momento em diante, a guerra aérea e marítima assumiu uma maior dimensão, pois a Inglaterra procurou bloquear as ações da Alemanha e da Itália, usando o sua força naval, produzindo a reação alemã com a guerra submarina. Em agosto de 1940, a Alemanha iniciou a Batalha da Inglaterra ou da Grã-Bretanha, primeira etapa da Operação Leão do Mar ou Lobo Marinho de invasão da Inglaterra. O bombardeio alemão nas principais cidades inglesas objetivava minar a resistência inglesa, facilitando o desembarque das tropas alemães. A ação da Luftwaffe produziu imensos estragos nas cidades britânicas, principalmente em Londres, mas acabou sendo contida pela RAF (Royal Air Force), cujos pilotos tiveram sua atuação exaltada por Wiston Churchill no Parlamento com a frase: "Nunca tantos deveram tanto a tão poucos"'.

No início do ano de 1941, a Itália tentou invadir os Bálcãs e o norte da África, sendo derrotada pelos gregos. O fracasso italiano levou à intervenção militar' da Alemanha que, em fevereiro de 1941, anexou a Hungria, a Bulgária, a Romênia, a Iugoslávia e a Grécia, e desembarcou uma divisão de blindados, denominada de Afrikakorps, na Líbia, no norte da África, sob o comando do general Erwin Von Rommel, que demonstrou ser um brilhante estrategista na guerra do deserto, o que lhe valeu a alcunha de a Raposa do Deserto.

O fracasso da operação sobre a Inglaterra levou o Alto Comando alemão a concentrar esforços para a ocupação da União Soviética. A 22 de junho de 1941, a Alemanha deu início à Operação Barbarosa (invasão da União Soviética), quebrando o pacto de não-agressão e abrindo

três frentes de invasão: norte, em direção a Leningrado, centro, cujo alvo era Moscou e sul, na direção de Stalingrado. Entre 9 e 12 de agosto de 1941, Wiston Churchill, primeiro-ministro da Inglaterra, e Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, reuniram-se no Encontro do Atlântico, em frente à Terra Nova, no Canadá, no qual assinaram a Carta do Atlântico, documento que antecipou a política do pós-II Guerra, em que o governo

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norte-americano procurou evitar a repetição dos erros cometidos no final da Primeira Guerra Mundial. Na Carta, os dois países se comprometiam a não reivindicar anexações territoriais, a respeitar o direito de autodeterminação dos povos, a não realizar alterações nas fronteiras dos países sem o consentimento de suas populações, a assegurar o livre acesso dos países às fontes de matérias-primas, a garantir a liberdade nos mares.

No ano de 1941, as relações entre os Estados Unidos e o Japão foram se tornando cada vez mais tensas. Desde o final do século XIX, o imperialismo norte-americano chocava-se com o japonês na Ásia, pois, depois da Revolução Meiji, o Japão deu início a uma política imperialista, cujo alvo principal foi a China, área de interesse dos Estados Unidos. Iniciada em 1931, com a invasão da Manchúria, região da China, que marcou o início da Guerra Sino-Japonesa, a política imperialista japonesa estendeu-se pela Indochina, provocando protestos do governo norte-americano, que exigiu a retirada das tropas japonesas dos territórios ocupados. Quando as negociações entre os dois governos se desenvolviam, o Japão atacou a base norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, a 7 de dezembro de 1941, levando os Estados Unidos a entrar na guerra. Embora tenha parecido um ataque de surpresa, o governo norte-americano teria conhecimento prévio do mesmo, permitindo que acontecesse para usá-lo como argumento irrefutável para minar a resistência da opinião pública e do Congresso americanos quanto à participação do país na guerra. Aproveitando-se da vantagem inicial, os japoneses, até maio de 1940, ocuparam militarmente a Indonésia, parte da Nova Guiné, Filipinas, Birmânia, Malásia, Cingapura, Hong Kong, parte da Índia oriental. O REFLUXO DO EIXO

O ano de 1942 foi considerado como um divisor de águas na II Guerra Mundial, na

medida em que a expansão dos países do Eixo começou a ser detida. Depois de esbarrar numa feroz resistência nas proximidades de Moscou, os alemães sofreram a sua primeira grande derrota na guerra na Batalha de Stalingrado, entre setembro de 1942 e fevereiro de 1943, considerada como um marco, pois destruiu o mito da invencibilidade alemã. O Exército Vermelho iniciou uma contra-ofensiva que levou à "libertação" da Polônia, Tchecoslováquia, Bulgária, Romênia, Hungria, países nos quais os soviéticos impuseram governos comunistas. Na Iugoslávia, a Resistência comunista liderada pelo general Josip Broz Tito expulsou os alemães e tomou o poder, o mesmo acontecendo na Albânia. O Leste europeu tornou-se então área de influência soviética, na medida em que a União Soviética impôs a esses países governos comunistas, transformando-os em "Estados-satélites". Em 1948, a Iugoslávia rompeu com a orientação soviética, adotando a postura de não-alinhamento.

No Norte da África, o Afrikakorps foi derrotado na Batalha de El-Alamein, na Líbia, pelos ingleses, comandados pelo general Bernard Law Montgomery, fato que abriu caminho para o desembarque aliado no sul da Itália.

No Pacífico, os japoneses foram derrotados nas Batalhas das Ilhas Coral e Midway, que

marcaram o início da contra-ofensiva anglo-norte-americana. Em julho de 1943, os Aliados (ingleses e norte-americanos) desembarcaram na Sicília e

deram início à libertação da Itália. Mussolini, deposto por um golpe interno, fugiu para o norte da Itália, onde instalou, com o auxílio dos alemães, a República de Saló. Preso, em 1945, pela Resistência italiana, Mussolini foi executado na praça Loreto, em Milão. O novo governo italiano, chefiado pelo general Pietro Badoglio, havia assinado o armistício, em setembro de 1943.

Entre 27 de novembro e lº de dezembro de 1943, realizou-se a Conferência de Teerã, com a participação de Churchill, pela Inglaterra, Stalin, pela URSS, e Roosevelt, pelos Estados Unidos, onde se decidiu a abertura de uma nova frente de guerra na Europa Ocidental, através de um desembarque aliado na Normandia, norte da França. Esta decisão lançou por terra o plano inglês de abrir uma frente nos Bálcãs.

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Tropas inglesas, norte-americanas, canadenses e de outros países aliados, sob o comando do general norte-americano Dwight Eisenhower, desembarcaram na Normandia, no dia 06 de junho de 1944 - "Dia D" - iniciando a libertação da França. Os alemães estavam certos que o desembarque se daria no Porto de Calais, em frente ao Canal de Mancha, por ser de mais fácil acesso para quem vem da Inglaterra. Tal crença foi reforçada pelos serviços secretos aliados que mantiveram a operação na Normandia em completo sigilo. O sucesso da operação permitiu aos Aliados retomar Paris a 25 de agosto de 1944. Depois da libertação da França, a contra-ofensiva empurrou os alemães de volta para o seu território.

Antes da rendição alemã, os três chefes de Estado que estiveram em Teerã reuniram-se, de 4 a 11 de fevereiro de 1945, na Conferência de lalta, cidade da Criméia, na URSS, onde, entre outras coisas, decidiram o estabelecimento da Linha Curzón, que definiu as fronteiras entre a Polônia e a URSS, e aprovaram a intenção de dividir a Alemanha em quatro zonas de influência. Em maio de 1945, pressionada em seu território pelas contra-ofensivas anglo-norte-americana a oeste e soviética a leste, a Alemanha assinou a rendição.

A derrota alemã levou à realização da Conferência de Potsdam (17 de junho a 02 de

agosto de 1945), onde se reuniram Stalin, Harry Truman (que havia assumido a Presidência dos EUA após a morte de Roosevelt, em abril de 1945), e Clement Attlee (novo primeiro-ministro da Inglaterra, já que Churchill havia perdido as eleições para o Partido Trabalhista). Nessa conferência, a Alemanha foi dividida em quatro zonas de influência (norte-americana, inglesa, francesa e soviética); foi criado o Tribunal de Nuremberg, tribunal internacional para julgar os criminosos de guerra nazistas; decidiu-se entregar as principais indústrias alemães aos Aliados, destruir o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nazista), revogar a legislação nazista.

Apesar de já ter perdido quase todos os territórios que ocupava no Pacífico, o Japão insistia na continuação da guerra, utilizando a estratégia desesperada dos Kamikazes, pilotos suicidas. Justificando com a necessidade de acelerar o final da guerra e assim evitar a morte de mais jovens americanos, o Governo Truman ordenou o lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima (06/08) e Nagasaki (09/08), levando à rendição do Japão. No dia 02 de setembro de 1945, o representante do governo japonês Scighemitsu e o general Yoscijro Umetzu assinaram o armistício a bordo do porta-aviões "Missouri", na baía de Tóquio, na presença do general norte-americano Douglas Mac Arthur.

Os resultados da Segunda Guerra Mundial demonstraram a que nível o poder de destruição do homem havia chegado e onde poderia chegar. Em termos de perdas humanas, as cifras oficiais falam de 45 a 55 milhões de mortos. No entanto, a distribuição dessa cifra entre os países beligerantes foi extremamente desigual. Exemplo disso foi a URSS, que perdeu 20 milhões de vidas, e os EUA, cujo total de mortos foi de 300 mil. No pós-guerra houve o fortalecimento do socialismo no mundo, já que grande parte da população do planeta passou a viver sob governos comunistas. A ruína completa dos países europeus provocada pela guerra contribuiu para acelerar o processo de emancipação das colônias asiáticas e africanas.

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A Guerra Fria

O fantasma da guerra fria, ameaça o mundo

"A peculiaridade da Guerra Fria era a de que, em termos objetivos, não existia perigo iminente de guerra mundial (...) Apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados, mas sobretudo do lado americano, os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio de poder desigual mas não contestado em sua essência."

(Eric Hobsbawam. A Era dos Extremos) INTRODUÇÃO

Após a Segunda Guerra Mundial, duas superpotências passaram a bipolarizar o mundo - Estados Unidos e União Soviética - embora tenham terminado a guerra em situações completamente diferentes: enquanto os Estados Unidos transformou-se na maior potência econômica e militar do mundo, inclusive já dominando a tecnologia nuclear, a União Soviética terminou a guerra completamente arrasada economicamente e enfrentando gravíssimos problemas internos. Apesar da situação dispare, os dois países passaram a disputar entre si áreas de influência, tendo tal disputa provocado entre eles uma série de confrontos ideológicos, políticos e diplomáticos, denominados de Guerra Fria.

Nos quarenta anos posteriores a Segunda Guerra (1945-1985), três gerações viveram sob a permanente ameaça de uma guerra nuclear entre as duas superpotências, já que constantemente seus interesses se chocavam. A Guerra Fria foi um produto de marketing norte-americano, pois nasceu nos Estados Unidos em torno do mito da conspiração mundial soviética, ou seja, da "ameaça vermelha" que pairava sobre o "Mundo Livre" (leia-se,

capitalista). A retórica apocalíptica desenvolvida pelos norte-americanos apontava para a pretensão soviética de domínio mundial no pós-guerra, fazendo com que a palavra de ordem nos EUA fosse a contenção do comunismo. O que realmente estava em jogo era a imposição da supremacia mundial dos EUA, cujo grande obstáculo era a presença da URSS. Ao contrário de uma postura agressiva, a URSS adotou após a II Guerra uma posição defensiva,

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demonstrada, entre outras coisas, pela desmobilização do Exército Vermelho que, de um efetivo de aproximadamente 12 milhões de soldados, em 1945, passou para um de 3 milhões de soldados, em 1948.

A principal peculiaridade da Guerra Fria foi sempre a inexistência de uma possibilidade real de guerra entre as duas potências. A razão de tal fato advinha da certeza que ambas unham de que a guerra constituir-se-ia em um pacto suicida entre elas, na medida em que representaria um processo de destruição mútua. Mesmo nos momentos mais tensos da Guerra Fria, ambas procuraram evitar que suas ações fossem entendidas como de iniciativa para a guerra.

A bipolarização do mundo ocorrida no final da guerra foi, na realidade, aceita pelas duas potências, levando-as a adotar uma postura de respeito recíproco. Quando da intervenção militar soviética na Alemanha Oriental, em 1953, para sufocar uma greve de operários, na Hungria, em 1956, para debelar a revolução húngara contra o domínio soviético, e na Tchecoslováquia, em 1968, na famosa Primavera de Praga, os EUA mantiveram uma postura de não-intervenção.

Nos Estados Unidos, em especial, a Guerra Fria transformou-se num grande trunfo eleitoral, já que a pregação anticomunista passou a ser o mais eficaz meio de atrair eleitores. Exemplo disso foi o senador Joseph McCarthy que desenvolveu um movimento de histeria nacional anticomunista, denominado Macarthismo, na década de 50, que lhe rendeu excelentes dividendos políticos. Tal movimento atingiu primeiro a classe artística de Hollywood, interrompendo a carreira de vários atores acusados de serem simpatizantes do comunismo, como Charles Chaplin, que teve que sair dos EUA. O genial Carlitos se vingaria do Macarthismo em 1957, quando produziu na Inglaterra o filme "Um Rei em Nova Iorque".

Atores como Robert Taylor, John Wayne, Gary Cooper e o medíocre Ronald Reagan fizeram carreira delatando colegas como comunistas.

Finalmente, a Guerra Fria serviu de justificativa para uma insana corrida armamentista entre as duas superpotências, que concentraram uma quantidade excessiva de recursos humanos e materiais na chamada indústria de preparação da guerra. A necessidade de manter o equilíbrio de forças, fez com que a União Soviética centralizasse seus esforços na montagem de um complexo industrial-militar, deixando de lado o desenvolvimento de setores econômicos fundamentais para o bem-estar da sua população, como o de alimentos e de produtos manufaturados. Isso acabou por se constituir em um dos elementos responsáveis por sua derrocada, no início da década de 90. MOMENTOS DA GUERRA FRIA

As duas superpotências terminaram a Segunda Guerra Mundial em situação

completamente desigual: enquanto os Estados Unidos estavam em franca ascensão econômica, exercendo uma hegemonia de fato em todas as partes do mundo capitalista, a União Soviética encontrava-se completamente arrasada, com uma economia em frangalhos e sem qualquer condição para adotar a pretensa política expansionista que lhe era atribuída pelo rival. Longe de pensarem que o capitalismo terminara a guerra em crise, "os planejadores soviéticos não tinham dúvida de que ele continuaria por um longo tempo sob a hegemonia dos EUA, cuja riqueza e poder, enormemente aumentados, eram simplesmente óbvios demais (Loth, 1988, p. 336-7). Isso, na verdade, era o que a URSS suspeitava e receava. Eles teriam ficado ainda mais desconfiados se soubessem que os chefes do Estado-Maior conjunto elaboraram um plano de lançar bombas atômicas sobre as vinte principais cidades soviéticas dez semanas depois do fim da guerra." (Walker, 1993, p. 26-7. Citado por Hobsbawm, 1995, p. 230). Por algum tempo, a URSS compensou sua inferioridade militar em relação aos EUA adotando a tática do "blefe ", garantida por um sistema político que impedia que informações sobre a situação do país transpirassem para o Ocidente.

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O ponta-pé inicial da Guerra Fria foi dado nos EUA, em 1946, quando Wiston Churchill, que acompanhava Truman numa viagem pelo país, fez um discurso em Fulton, no Missouri, em que alertava:

"Uma sombra desceu sobre o cenário até há pouco iluminado pelas vitórias aliadas. Ninguém sabe o que a Rússia Soviética e sua organização internacional comunista pretende fazer no futuro imediato, ou quais são os limites, se é que os há, para as suas tendências expansionistas e proselitistas. (...) De Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente. Atrás daquela linha todas as capitais de antigos Estados do Centro e do Leste europeu, Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia, todas elas famosas cidades, e suas populações vivem no que se pode chamar de esfera soviética e todos estão sujeitos, de uma forma ou de outra, não apenas à influência soviética, mas em crescente medida ao controle de Moscou. (...) Quaisquer conclusões que possam ser tiradas destes fatos - e fatos eles são - esta não é certamente a Europa libertada que lutamos para construir. Também não é uma que contenha os ingredientes de uma paz permanente."

(Barros, 1984, p. 19-20)

O discurso de Churchill foi a base da formulação da chamada Doutrina Truman,

apresentada pelo presidente norte-americano ao Congresso dos EUA em mensagem enviada no dia 12 de março de 1947. Na mensagem, o presidente Truman retomava as linhas centrais do discurso de Churchill e atribuía aos Estados Unidos a missão de salvaguardar o mundo livre, dando apoio aos povos livres que estão resistindo à subjugação por minorias armadas ou pressões externas. Truman enfatizava que os EUA deviam imediatamente não só dar ajuda econômica à Grécia e à Turquia, países que enfrentavam processos de guerras civis, em que grupos comunistas tentavam tomar o poder, mas a toda Europa, arrasada pela guerra. O governo norte-americano havia recebido, a 21 de fevereiro de 1947, da embaixada britânica em Washington, duas notas em que o governo inglês informava a retirada militar da Inglaterra da Grécia e da Turquia, e conclamava os EUA a assumirem o papel que até então tinham desempenhado de garantir os governos corruptos, mas pró-capitalistas, desses países, áreas estrategicamente importantes para o domínio do Mediterrâneo e dos lençóis petrolíferos do Golfo Pérsico. Nos dois países, guerrilheiros comunistas lutavam para tomar o poder, o que não havia ainda acontecido graças à interferência militar inglesa.

A Doutrina Truman marcou o início da chamada Guerra Fria, na medida em que adotou como objetivo prioritário a tarefa de contenção do comunismo ou da ameaça vermelha representada pela União Soviética e sua pretensa intenção expansionista. A primeira ação concreta da Guerra Fria foi a execução do Plano Marshall, a partir de 1947, formulado pelo secretário de Estado do Governo Truman, general George Marshall, constituindo-se num plano de auxílio econômico à reconstrução da Europa. Dispondo de um orçamento de 17 bilhões de dólares, o plano objetivava reerguer as economias européias, inclusive a da Alemanha Ocidental, evitando assim o agravamento dos problemas sociais nesses países e a possibilidade de soluções políticas radicais, sob a influência da experiência soviética.

A resposta soviética ao Plano Marshall foi a criação do Kominform (Agência de Informação dos Partidos Comunistas e Operários), em 1947, com o objetivo de estabelecer uma unidade de ação entre os partidos comunistas da Europa Oriental, evitando que países sob a sua influência fossem seduzidos pelos dólares do Plano Marshall, e orientar a atuação dos partidos comunistas do Ocidente, no sentido de denunciarem o plano como estratégia do imperialismo norte-americano para expandir sua área de influência na Europa. Em 1949, junto com as democracias populares da Europa Oriental (países comunistas), a União Soviética criou o Comecon (Conselho de Ajuda Econômica Mútua), que atrelava as economias dos países comunistas do Leste europeu à economia soviética.

No campo militar, a Doutrina Truman levou à criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que reunia numa aliança militar os EUA, o Canadá e os países

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capitalistas da Europa. O tratado que criou tal organização, assinado a 4 de abril de 1949, estabelecia que "um ataque armado contra qualquer membro da Aliança na Europa ou na América do Norte seria considerado como um ataque contra todos, por isso, tal organização deve objetivar a defesa coletiva das liberdades democráticas através de uma estreita colaboração política e econômica." (Barros, 1984, p. 27).

A reação soviética à OTAN não se fez por esperar. Em 1955, os países comunistas do Leste europeu (Alemanha Oriental, Hungria, Romênia, Bulgária, Tchecoslováquia, Polônia e Albânia, com exceção da Iugoslávia) assinaram com a União Soviética o Pacto de Varsóvia,

através do qual alinhavam-se militarmente com ela. MOMENTOS DE TENSÃO DA GUERRA FRIA 1. A QUESTÃO DA ALEMANHA

A Alemanha constituiu-se nos dez primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial na área de maior tensão nas relações entre Estados Unidos e União Soviética. Dividida em quatro zonas de ocupação (ocidente: norte-americana, inglesa e francesa; e oriente: soviética), na Conferência de Potsdã, de junho a agosto de 1945, a Alemanha, a partir de 1949, passou a constituir dois países: a República Federal Alemã, capitalista, com capital em Bonn, e a República Democrática Alemã, socialista, cuja capital seria Berlim Oriental. A decisão tomada em Potsdã foi válida para a cidade de Berlim, também dividida em quatro zonas de influência, fato que produziu uma situação extremamente complicada, ou seja, a existência de uma área capitalista (Berlim Ocidental) encravada num país socialista (Alemanha Oriental).

Com o objetivo de isolar o lado ocidental da cidade e forçar a sua integração à Alemanha Oriental, a União Soviética impôs, em 1948, um bloqueio-a Berlim Ocidental, fechando as fronteiras terrestres e marítimas entre as duas Alemanhas. Diante da iniciativa soviética, os Estados Unidos iniciaram, em junho de 1948, uma ponte-aérea entre Bonn e Berlim Ocidental, através da qual passou a abastecê-la praticamente de tudo (suprimentos, manufaturas, carvão etc). Os aviões norte-americanos, aos quais se juntaram os do RAF, aterrissavam praticamente 24 horas por dia em Berlim Ocidental, sob a permanente ameaça soviética de derrubá-los. O governo norte-americano, por dez anos, investiu milhões de dólares na cidade, objetivando transformá-la no modelo do padrão de vida capitalista e, assim, evidenciar os contrastes entre os modos de vida dos dois lados. O êxito da estratégia dos EUA traduziu-se na fuga em massa da população do lado oriental para o ocidental. Para evitar a continuidade de tal fato, que comprometia a influência soviética na região, foi erguido um muro separando as duas cidades, a 13 de agosto de 1961, pelo governo da República Democrática Alemã. 2. A QUESTÃO DOS MÍSSEIS SOVIÉTICOS EM CUBA

Em 1962, aviões espiões da CIA fotografaram no território cubano engenheiros e

técnicos militares soviéticos instalando bases secretas de lançamento de mísseis nucleares. Tal ação soviética era uma resposta à instalação de bases de mísseis nucleares norte-americanos na Turquia, quintal ocidental da União Soviética, embora também fosse justificada com o argumento de que tais bases impediriam qualquer tentativa de invasão da ilha a partir do território dos EUA, como a que havia sido frustrada, em 1961, na baía dos Porcos. A presença de mísseis soviéticos a poucas milhas do litoral norte-americano levou o presidente John Kennedy a decretar o bloqueio marítimo de Cuba e a ameaçar deslocar sua esquadra nuclear para a ilha, caso os mísseis não fossem retirados. Segundo Edgar Barros:

"A tensão daqueles dias de outubro foi quase insurpotável. Vários conselheiros (entre os quais Dean Acheson) advogavam um fulminante 'golpe cirúrgico', isto é, um bombardeio para destruir os mísseis e suas bases. No domingo, 28 de outubro, depois de diversos incidentes que

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poderiam ter levado a uma guerra total (entre os quais a abordagem e inspeção de um navio mercante pela Marinha americana), Kruschev aceitou as exigências de Kennedy em troca de um compromisso formal de absoluto respeito à soberania cubana, e de que os EUA nunca mais apoiariam quaisquer grupos de exilados anticastristas em tentativas de invasão da ilha."

(Barros, 1984, p. 75)

Paradoxalmente, a crise dos mísseis soviéticos em Cuba serviu para distender as relações entre as duas superpotências, levando-as a estreitarem suas relações diplomáticas e a iniciarem negociações no sentido de desenvolver uma política de desarmamento. Demonstração de tal disposição foi a instalação, entre o Kremlin (sede do governo soviético em Moscou) e a Casa Branca (sede do governo norte-americano em Washington), da "linha quente ", o célebre telefone vermelho, através da qual os dois chefes de Estado estabeleciam contato direto e imediato. OUTROS MOMENTOS DA GUERRA FRIA 1. A REVOLUÇÃO CHINESA: 1949

A tomada do poder pelos comunistas chineses, liderados por Mao Tsé-Tung, em

outubro de 1949, e a conseqüente proclamação da República Popular da China representou uma significativa derrota da política internacional americana de ampliação de sua área de influência. Depois de um longo período de guerra civil, o governo do Kuomitang (Partido Republicano chinês), apoiado pelas potências capitalistas e representado por Chiang Kai-Shek, foi derrotado pelos comunistas e obrigado a se retirar para a Ilha de Formosa (Taiwan), sob a proteção militar dos EUA.

Imediatamente, a União Soviética procurou se aproximar da China, pois esta passou a ser vista como uma potencial e importante aliada. Depois de fazer uma visita a Moscou, convidado por Stalin, em dezembro de 1949, Mao Tsé-Tung formalizou uma aliança militar com a União Soviética, que se comprometia a devolver à China a Manchúria, Porto Arthur e a abrir mão da Ferrovia Manchu. 2. A GUERRA DA CORÉIA: 1950-1953

Dividida, em 1945, em duas áreas de influência - Norte, socialista, e Sul, capitalista - pelo Paralelo 38° de latitude norte, a Coréia foi, no início da década de 1950, palco de um confronto indireto entre as duas superpotências. Apoiado pela URSS e pela China, Kim II Sung, presidente da Coréia do Norte, ordenou a invasão da Coréia do Sul, em junho de 1950, visando unificá-la como um país socialista. Diante de tal agressão, os EUA conseguiram aprovar no Conselho de Segurança da ONU proposta de intervenção militar na Coréia, que determinava o envio por todos os países-membros da organização de tropas para a região. O Exército norte-americano, engrossado por contingentes militares de outros quinze países, comandado pelo general Douglas MacArthur, desembarcou na Coréia do Sul e começou a empurrar os norte-coreanos de volta para o seu território. Como a disposição de MacArthur era de aniquilar os chineses, considerados por ele como a verdadeira ameaça no Extremo Oriente, a contra-ofensiva norte-americana chegou quase à fronteira da China, levando o Exército chinês a uma extraordinária reação, que forçou as tropas norte-americanas a recuarem para o Paralelo 38°. O fracasso da pretensão de MacArthur de exterminar os chineses acabou por dar início às negociações diplomáticas, que resultaram na assinatura do Armistício de Panmunjon, a 27 junho de 1953, que restabeleceu a fronteira no Paralelo 38°.

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3. A GUERRA DO VIETNÃ: 1965-1975

Também dividido, em 1945, pelo Paralelo 17°, da mesma forma que a Coréia , o Vietnã

constituiu-se na maior tragédia da história militar dos EUA. A invasão do Vietnã do Sul pelo Vietminh, Exército do Vietnã do Norte, sob a liderança de Ho Chi Minh apoiado pelo Vietcong,

movimento guerrilheiro denominado Frente de Libertação Nacional formado no Vietnã do Sul, levou o presidente norte-americano Lindon Johnson a deslocar tropas para a região.

Apoiado pela China e pela URSS, o Vietminh e o Vietcong escorraçaram as tropas americanas do Vietnã, obrigando o governo dos EUA a retirá-las, em 1974. No ano seguinte, o Vietnã foi reunificado como um país socialista. No Laos e no Camboja, também os comunistas tomaram o poder, fazendo com que a ex-Indochina francesa se tornasse socialista.

Obs.: a quase totalidade dos fatos ocorridos nos quarenta anos após o final da Segunda Guerra Mundial fazem parte do contexto da Guerra Fria. Assim, os conflitos no Oriente Médio envolvendo árabes (URSS) e judeus (EUA), o processo de descolonização dos países asiáticos e africanos, a Revolução Sandinista na Nicarágua, são alguns desses fatos que colocaram em confronto as duas superpotências na disputa por áreas de influência.

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A Descolonização da Ásia e da África

"Os grilhões do colonialismo não se fazem sentir somente no corpo, através da exploração econômica e da opressão política. Eles apertam mais além, aprisionando a própria alma, despojando-a da sua verdadeira essência: a liberdade."

(Alves, 1998) INTRODUÇÃO

O imperialismo da Era Capitalista teve um efeito devastador nos continentes para onde se dirigiu, ou seja, a América, a África e a Ásia. Desde o seu primeiro momento, a Expansão Comercial Marítima dos séculos XV e XVI, o imperialismo representou o extermínio físico e cultural da grande maioria da população dos referidos continentes, integrados ao circuito mundial criado pelo capitalismo de uma forma extremamente violenta. Milhões de índios americanos, de africanos e de asiáticos foram imolados ao deus Capitalismo como recompensa pelos infinitos lucros que ele proporcionou à burguesia imperialista, cujo apetite é insaciável.

Tal genocídio foi justificado ideologicamente por princípios os mais meritórios possíveis: levar a civilização a esses povos, para que, livres da barbárie em que se encontravam, pudessem desfrutar das maravilhas geradas pelo progresso científico e tecnológico desenvolvido pelas nações civilizadas, atingindo seus níveis de bem-estar e integrando-se ao "paraíso capitalista", que estava sendo colocado à disposição do mundo.

Tal missão civilizadora constituía-se numa tarefa extremamente árdua e, lógico, só poderia ser cumprida por uma raça superior, representante da civilização e que estava disposta a carregar esse fardo: os europeus. A Teoria Evolucionista de Charles Darwin mostrou-se de grande valia para os ideólogos do imperialismo, que produziram a Teoria do Darwinismo Social, a partir da qual passaram a justificar o direito dos europeus, racialmente superiores e civilizados de dominar os povos asiáticos e africanos, racialmente inferiores e bárbaros.

O ingresso no clube das nações civilizadas custou aos asiáticos e africanos longos anos de subjugação colonial, alimentando o progresso e o bem-estar de suas metrópoles, embora não deixando de demonstrar permanentemente sua insatisfação contra tal situação, através de movimentos implícitos ou explícitos de resistência. A Rebelião dos Cipaios na Índia, a Revolta dos Taipingues e a Guerra dos Boxers na China foram exemplos claros de que a dominação imperialista nas áreas coloniais não conseguiu destruir por inteiro a dignidade desses povos.

Nesse sentido, as lutas de independência nos dois continentes, que levaram à descolonização e se intensificaram no período pós-II Guerra Mundial, não podem ser vistas como algo estranho à índole desses povos, nem podem ser vistas como fenômenos históricos novos, resultantes das duas Grandes Guerras do século XX. O Processo de Descolonização da Ásia e da África atingiu respectivamente seu ponto culminante nas décadas de 1950 e 1960,

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inegavelmente devido as profundas transformações produzidas pelas guerras na Ordem Mundial, mas como resultado de um longo processo de resistência ao colonialismo europeu. 1. FATORES QUE IMPULSIONARAM A DESCOLONIZAÇÃO

A Expansão Imperialista do final do século XIX levou os antagonismos de interesses das potências industriais a um limite máximo, na medida em que estava em jogo o domínio da economia mundial, por tanto tempo exercido pela Inglaterra. Assim, a disputa pelas regiões da Ásia e da África foi a principal peça do jogo de xadrez jogado por essas potências e que acabou levando-as a duas guerras imperialistas de proporções mundiais, cujos efeitos foram catastróficos tanto do ponto de vista humano como material.

A ruína sócio-econômica foi o resultado mais visível das duas guerras para as potências européias. Arruinadas, tais potências passaram a depender da ajuda financeira norte-americana, pois o EUA foram os grandes beneficiados pelas guerras, para se reerguerem, tendo início o processo de deslocamento do centro do mundo capitalista da Europa para a América. Debilitadas econômica e também militarmente, as metrópoles européias começaram a perder o controle de suas colônias asiáticas e africanas, onde os movimentos pró-independência se intensificaram, sem que as mesmas tivessem condições de contê-los.

O nacionalismo afro-asiático também ganhou mais força no período pós-guerra e passou a alimentar os movimentos de emancipação. Inspirados em movimentos nacionalistas europeus, os movimentos afro-asiáticos procuravam resgatar a identidade racial e social de seus povos, romper com o Darwinismo Social que afirmava a superioridade racial e cultural dos europeus, e unificar a luta pela libertação do jugo colonial. No caso específico da África desenvolveram-se movimentos nacionalistas expressivos, que, embora esbarrassem nas dificuldades criadas pela diversidade étnica e pelo multifacetamento cultural existentes no continente, contribuíram bastante para o processo de descolonização. Alguns exemplos foram: Pan-Africanismo - embora não tenha nascido na África e sim entre os negros antilhanos e norte-americanos, esse movimento contribuiu para o despertar da consciência africana em relação à realidade colonial e à possibilidade de libertação. A proposta-chave de tal movimento era a unificação das lutas dos negros de todo mundo contra a discriminação e a exploração a que eram submetidos. W. E_. Burghardt du Bois, líder dos movimentos negros americanos, foi considerado o Pai do Pan-Africanismo. Negritude - expressão cultural do Pan-Africanismo, foi um conceito introduzido no movimento por Leopold Sedar Senghor, do Senegal, e Cesaire Aimé, das Antilhas. Constituía-se num movimento de valorização e recuperação dos valores da cultura negra, e de luta contra os preconceitos dos brancos em relação a tal cultura, considerada inferior. Socialismo Espiritualista - doutrina desenvolvida por Julius Nyerere, da Tanzânia, rejeitava os princípios marxistas da luta de classes e da ditadura do proletariado e combatia o capitalismo mais em termos morais do que econômicos.

A utilização da população africana como soldados nos Exércitos imperialistas durante a

Segunda Guerra Mundial foi uma necessidade imposta pelo próprio conflito, cujo cenário extrapolou os limites da Europa. Desse modo, os colonizadores foram obrigados a treinar militarmente os colonizados, familiarizando-os com o manuseio das suas sofisticadas armas e, assim, dando aos mesmos condições de empregarem tudo o que aprenderam na luta contra o jugo colonial.

O desenvolvimento de indústrias em algumas colônias foi outra das contradições produzidas pela Segunda Guerra Mundial. Empenhadas no esforço de guerra, as metrópoles européias foram forçadas a abandonar economicamente suas colônias, deixando de abastecê-las de manufaturas e levando algumas a começarem a produzir alguns produtos de

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que necessitavam. Esse desenvolvimento econômico reforçou os movimentos de emancipação, na medida em que facilitou a compra de armas.

A posição anticolonialista assumida pelos EUA e pela URSS, as duas superpotências que

emergiram da Segunda Grande Guerra e que passaram a bipolarizar o mundo, levou-os a estimular as lutas de independência na Ásia e na África. Por não desenvolverem o colonialismo tradicional, esses países tinham interesse em que os países asiáticos e africanos rompessem os vínculos de dependência com suas metrópoles, para que pudessem integrá-los em suas áreas de influência. Isso fez com que a Descolonização Afro-Asiática se tornasse um dos momentos da Guerra Fria.

A consagração na Carta da ONU do Princípio da Autodeterminação dos Povos acabou colocando as metrópoles européias numa situação constrangedora, na medida em que eram signatárias (assinantes) do referido documento. No entanto, esse fator constituiu-se num artifício ideológico dessas metrópoles que, incapazes de barrar o processo de emancipação de suas colônias, procuraram esvaziá-lo do seu conteúdo de luta, trazendo para si a decisão de emancipá-las, em respeito ao princípio que ratificaram ao assinarem a referida carta. 2. A DESCOLONIZAÇÃO ASIÁTICA 2.1. A independência da Índia

A sufocação da Rebelião dos Cipaios, em 1858, garantiu à Inglaterra a consolidação de sua dominação colonial sobre a Índia, cuja exploração se constituiu numa história de violência e morte. A ausência de unidade política, étnica e cultural representou um grande obstáculo ao desenvolvimento de uma resistência mais eficaz ao colonizador, mas não eliminou as lutas contra os mesmos, sendo a rebelião acima citada uma demonstração disso.

As lutas pela emancipação da Índia do domínio colonial inglês desenvolveram-se em torno do Partido do Congresso, criado em 1885 e, mais tarde, liderado por Jawaharlal Nehru, tornando-se o referido partido o ponta-de-lança do movimento nacionalista indiano. O enfraquecimento das potências européias e principalmente da Inglaterra depois da Primeira Guerra Mundial coincidiu com a intensificação do sentimento nacionalista hindu anticolonial.

Após o ano de 1820, o movimento de emancipação da Índia assumiu um novo perfil, marcado pela liderança de Mahatma Gandhi, caracterizado pela defesa da resistência passiva, através da pregação da desobediência civil, ou seja, desrespeito às leis inglesas em vigor no país. Apesar de assumir a postura da não-violência, o movimento nacionalista hindu liderado por Gandhi foi alvo de violenta repressão por parte das autoridades inglesas, cujo resultado foram milhares de indianos mortos.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, a situação socioeconômica das metrópoles européias era caótica, o que contribuiu para enfraquecê-las também militarmente. Nesse sentido, o movimento de emancipação na Índia foi intensificado, culminando com o reconhecimento da independência indiana pela Inglaterra, no ano de 1947.

A grande diversidade étnico-cultural existente na Índia, que colocava hindus e muçulmanos, os segmentos majoritários da população, em constante antagonismo fez com que a independência representasse a divisão do território indiano em três Estados autônomos: a União Indiana ou a atual índia, com maioria populacional hindu, cujo governo ficou nas mãos de Nehru, líder do Partido do Congresso; o Paquistão, onde a maioria populacional é muçulmana, cujo governo foi entregue a Ali Jinnah; e o Sri Lanka, formado pela antiga Ilha do Ceilão, situado no extremo meridional da Índia e de maioria budista.

O fracionamento territorial aguçou as rivalidades étnico-culturais, intensificando as lutas internas e produzindo um alto índice de mortalidade decorrente das mesmas. Uma das vítimas dessa verdadeira guerra civil foi Mahatma Gandhi, assassinado em 1948, por defender o entendimento entre hindus e muçulmanos.

Como o lado Ocidental e o lado Oriental do Paquistão estavam separados por um

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território de aproximadamente dois mil quilômetros pertencentes à União Indiana, a unidade do novo país não durou muito. Em 1971, o xeque Mujibur Rahman, líder da Liga Auami, declarou a independência do Paquistão Oriental, que passou a ser denominado de República de Bangladesh, tendo isso provocado uma guerra com o Paquistão, que resultou em milhares de mortos.

2.2. A Revolução Chinesa: 1949 a) Antecedentes

A China constitui-se na mais antiga civilização do Extremo Oriente, portadora de uma cultura secular, cuja influência foi notória no Ocidente, onde várias invenções chinesas, como a pólvora, a bússola, a imprensa, impulsionaram o desenvolvimento de suas sociedades. Isolada pelo Oceano Pacífico, o contato da China com o Ocidente foi muito esporádico, sendo isto agravado pela solidez da cultura chinesa, que sempre se manteve fechada às influências ocidentais.

País essencialmente agrário, onde o trabalho era realizado em "microfúndios" - 1 a 2 ha por família - produzia arroz, trigo, chá, soja, algodão, plantas oleaginosas, seda, vernizes, essências e plantas medicinais. A partir do século XVI, foram introduzidos outros produtos, como a batata-doce, batata, tabaco, amendoim e milho, que passaram a fazer parte da diversificada produção agrícola chinesa. Tal economia era complementada por uma indústria artesanal rural de cerâmica, material de construção, bambu e papel.

Embora nominalmente as terras pertencessem ao imperador, de fato estavam concentradas nas mãos de uma aristocracia ligada ao Estado Imperial, que gozava de isenção de impostos, privilégios legais, poder absoluto em suas terras, grande prestígio intelectual, pois dominavam a escrita e a leitura. Essa aristocracia utilizava em benefício próprio a ligação que tinha com o Estado, fazendo com que negócios, cargos e poder estivessem intimamente associados.

Os camponeses, segmento majoritário da população chinesa, eram submetidos a péssimas condições de vida, sendo obrigados a pagar aos grandes proprietários rendas que atingiam mais de 50% de suas colheitas, a prestar serviços consagrados pelo direito consuetudinário, a trabalhar gratuitamente nas terras dos senhores, além de serem utilizados em obras públicas. Essa situação fez com que as rebeliões camponesas fizessem parte da história da China, sendo suas reivindicações principais a propriedade coletiva da terra e a distribuição igualitária da produção. Essas revoltas, na maioria locais ou regionais, eram dirigidas por sociedades secretas de caráter religioso, que atuavam na clandestinidade. Algumas dessas rebeliões conseguiram atingir tal amplitude que levaram à derrubada de dinastias. No entanto, sempre foram vítimas da violenta repressão do Estado.

Politicamente, a China era um Estado Imperial hierarquizado, cujo poder se expandia pelas províncias através dos mandarins, que articulavam-se com os senhores de terra locais. A concepção de Estado predominante na China era a de Estado Patrimonial, pois o imperador administrava o país como se fosse sua propriedade particular. Esse Estado era sustentado pelos camponeses e controlado pela burocracia dos mandarins, legitimando-se ideologicamente pelo confuncionismo, filosofia conservadora que prega respeito à hierarquia e completa submissão à autoridade.

No século XVII (1645), os manchus, provenientes da região Norte da China, a Manchúria, considerados estrangeiros pelos chineses, tomaram o poder, inaugurando a Dinastia Manchu, que ficará no poder até a derrubada da Monarquia, em 1911. A ascensão de tal dinastia exacerbou o nacionalismo chinês, manipulado com maestria pelas elites dominantes.

No século XIX, a situação da China foi agravada pela dominação imperialista das potências industriais, que se expandiam em busca, principalmente, de mercados

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consumidores e fontes de matérias-primas. Iniciada pela Inglaterra, através das duas guerras do ópio - 1839-1842 e 1856-1860 - a penetração imperialista na China levou a sua transformação numa semicolônia ou num consórcio imperialista. Inglaterra, Rússia, França,

Alemanha, Estados Unidos, Japão, por meio de guerras e "concessões", foram controlando os pontos estratégicos da China, transformados em áreas de influência. Em conseqüência da penetração imperialista, a economia chinesa passou para o controle do capital financeiro, o mercado nacional chinês passou a se desenvolver articulado a grandes bancos estrangeiros e maciços investimentos de capitais estrangeiros resultaram na construção de estradas de ferro, mecanização das minas, instalação de siderúrgicas, fábricas têxteis e outros tipos de indústrias.

Socialmente, essa "modernização" promovida pelo capital estrangeiro levou ao surgimento, nos novos pólos de desenvolvimento capitalista, como Xangai, de novas classes sociais: a burguesia (industrial, comercial e financeira) e o proletariado. Além disso, desenvolveu-se uma intelectualidade influenciada pela modernidade do pensamento ocidental, que passou a cultivar ideais republicanos. No plano político, a dominação estrangeira contribuiu para a desintegração da unidade política, já que os senhores de terra fortaleceram excessivamente seu poder, e para a identificação da Dinastia Manchu com a opressão nacional, o que acirrou mais ainda o nacionalismo das rebeliões camponesas. A burguesia chinesa congregou-se em tomo do Kuomintang, Partido Nacionalista, formado a partir da Liga Jurada, organizada em 1905 por intelectuais chineses exilados no Japão e que elaborou um programa baseado em três princípios: Nacionalismo, Democracia e Bem-Estar social.

A 10 de outubro de 1911, em conseqüência de tumultos desencadeados em Hanku e Wu-ch', foi proclamada a República na China, que não conseguiu garantir a unidade política do país, pois chefes militares locais e regionais continuavam a lutar pelo poder. Sun Yatsen, líder do Kuomintang, foi nomeado como presidente da nova República chinesa, não conseguindo se manter no poder, pois não representava os interesses dos senhores de terra. Em fevereiro de 1912, Sun Yatsen foi obrigado a renunciar, sendo substituído na presidência por Iuã Chi-Kai, antigo marechal do império, que acabou por implantar uma verdadeira ditadura. b) O processo revolucionário; 1919-1949

A proclamação da República e a dominação imperialista enfraqueceram sensivelmente o poder central na China, fortalecendo os senhores de guerra, que passaram a governar suas regiões praticamente independentes do poder do Estado. Inúmeras províncias reivindicavam autonomia, várias cidades deixaram de reconhecer o governo republicano instituído em 1911 e diversos territórios foram fragmentados em "feudos" independentes. As elites rurais (senhores da terra), aliadas aos chefes militares (senhores da guerra) passam a controlar as regiões do país, lutando constantemente entre si e aumentando a opressão e a exploração sobre os camponeses. A China mergulhou num verdadeiro caos.

Além disso, a "modernização", advinda com a penetração estrangeira, produziu uma nova intelectualidade na China, influenciada pelas ideologias desenvolvidas na Europa. Essa intelectualidade protagonizou um movimento de renovação cultural, denominado Nova China, cuja influência ideológica central era o marxismo, e que contestava tenazmente o confucionismo. Tendo como pólo irradiador a Universidade Nacional de Pequim, tal movimento propunha uma renovação da literatura nacional, que deveria se basear na língua falada e não na escrita, considerada como uma língua morta. Além disso, negava os valores difundidos pelo confucionismo, como o respeito à hierarquia, a submissão feminina.

Terminada a Primeira Guerra Mundial e reunida a Conferência de Paris, em 1919, as potências vencedoras passaram a discutir como fariam a redivisão da China, tendo Shantung (Shandong), área de influência alemã, sido transferida para o Japão. Tal fato produziu uma

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onda de protestos em várias cidades chinesas, materializada de início por manifestações estudantis e que depois se estendeu para outros setores sociais, levando a greves operárias. Os produtos japoneses passaram a ser boicotados e manifestações antijaponesas se espalharam pelas cidades do país. Tal movimento de protesto foi assumindo o caráter de um grande movimento de contestação cultural, que questionava a estrutura da sociedade chinesa, tendo fortalecido o nacionalismo que caracterizava a luta pela unidade política da China. Novos jornais e revistas foram editados, sendo neles veiculada a nova mentalidade intelectual surgida no país. Apesar de controlado pelas autoridades chinesas, em julho-agosto de 1919, o Movimento de 4 de Maio de 1919 lançou as sementes da contestação cultural, além de vincular,

de forma indissolúvel, a questão da unidade política aos problemas sociais. Em julho de 1921, foi fundado o Partido Comunista Chinês, que, sob a orientação da

Internacional Comunista (leia-se União Soviética), passou a apoiar o Kuomintang na luta pela unificação nacional. Em 1923, Sun Yatsen, figura ainda influente na política chinesa, a chamado dos chefes militares locais, transformou a cidade de Cantão no centro do movimento pela reunificação do país. A grande influência dos comunistas no movimento operário local fazia com que a referida cidade fosse conhecida como "A Vermelha ".

Em maio de 1925, realizou-se o II Congresso Nacional do Trabalho, com 540.000 delegados de trabalhadores, e organizaram-se milícias operárias em várias cidades. Nesse período, intensificaram-se as lutas por melhores salários e pela jornada de trabalho de 8 horas. Apesar de envolvido na luta pela unidade nacional e pela democracia, o movimento operário chinês desenvolvia-se com ampla autonomia de ação.

Ainda em maio de 1925, a violenta repressão realizada pelos ingleses a uma manifestação de protesto de trabalhadores em Xangai, resultou na deflagração de uma greve geral, que se espalhou por toda China, transformando-se numa greve-boicote à colônia inglesa de Hong Kong, situada em frente da cidade de Cantão. A longa duração do boicote -junho de 1925 a outubro de 1926 - obrigou a Inglaterra a atender as reivindicações dos trabalhadores. No campo, os trabalhadores rurais organizaram-se em Uniões Camponesas, que, apesar de mostrarem-se bastante ativas, eram menosprezadas pelo Kuomintang e pelos comunistas. Estes últimos, ainda sob o influxo da III Internacional Comunista, acreditavam ser os operários os agentes da revolução.

Tal clima de agitação política e social atemorizava a burguesia e as elites rurais, que começaram a aderir ao Kuomintang, onde começava a emergir a figura de Chiang Kai-Shek, oficial nacionalista, comandante da Academia Militar de Whampoa, fundada em 1924 com assessoria soviética, e que havia realizado um estágio em Moscou. A aliança entre o Kuomintang e o PCC deu origem à Frente Única, cujo objetivo era efetivar a unidade nacional, eliminando os principais obstáculos para a mesma: os senhores de gueixa e o imperialismo.

Entre junho e dezembro de 1926, o Exército do Kuomintang, apoiado pelos trabalhadores rurais e urbanos, realizou uma grande ofensiva, libertando todo o sul da China, chegando às portas de Xangai. O êxito da ofensiva estimulou os movimentos operários e camponeses, que, de forma autônoma, organizaram sindicatos e milícias operárias. Sentindo-se ameaçados, vários senhores da guerra aproximaram-se de Chiang Kai-Shek, que passou a ser visto como sua tábua de salvação. Isso decorria do fato de Chiang demonstrar maior aversão aos comunistas do que aos estrangeiros. Prova disso foi a intervenção das tropas do Kuornintang em Cantão, em 1926, desarmando as milícias operárias e prendendo vários dirigentes comunistas.

Os movimentos dos trabalhadores ajudaram na libertação de várias regiões, como Hanzhou e Jiujiang, "concessões" inglesas. Xangai, a única cidade libertada por uma insurreição popular dirigida pelas milícias operárias, transformou-se no exemplo do poder dos movimentos populares. Apoiado pela burguesia e pelas elites rurais, Chiang Kai-Shek, à frente do Exército do Kuornintang, invadiu a cidade, desarmou as milícias operárias e assassinou lideranças sindicais e políticas ligadas ao PCC. O Massacre de Xangai, a 12 de abril

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de 1927, selou o rompimento entre o Kuornintang e os comunistas, ou seja, a dissolução da Frente Única, passando os comunistas a serem caçados por todo o país.

Chiang prosseguiu sua ofensiva para a unificação da China, esmagando várias insurreições camponesas, com o apoio dos senhores da guerra. Em julho de 1928, as tropas do Kuornintang ocuparam Pequim. A China estava aparentemente unificada. Mesmo submetidos a uma intensa perseguição, os comunistas ainda organizaram, em julho de 1930, rebeliões em várias cidades, como Wuhan, Changsha e Nanchang, que foram também violentamente reprimidas pelas tropas de Chiang Kai-Shek. Tal repressão tornou os movimentos urbanos inviáveis, obrigando os comunistas, agora liderados por Mao Tsetung e Chu Teh, a se retirarem para o campo, onde começaram a instalar as chamadas "bases vermelhas ".

Em 1931, o Japão invadiu a Manchúria, comprometendo a aparente unidade nacional. Apesar disso, Chiang Kai-shek continuava a ver os comunistas como a grande ameaça para a China, pois os mesmos haviam multiplicado as "bases vermelhas" e proclamado, em novembro de 1931, A República Soviética da China, em Kiangsi (sul da China). Entre 1930 e

1934, Chiang organizou várias expedições contra as "bases vermelhas", tendo a expedição de 1934, composta por 500 mil homens e 500 aviões, obrigado os comunistas a mudarem sua base de operações de Kiangsi para o Noroeste do país. Tal retirada ficou conhecida como a Longa Marcha (outubro de 1934 a outubro de 1935), na qual partiram 100 mil, chegando apenas 9 mil, após percorrerem 10 mil quilômetros a pé. Durante a marcha, realizou uma Conferência do PCC que elegeu Mao Tsetung como seu novo secretário-geral.

A autonomia de ação do PCC não era bem vista pela URSS, Stalin, através da Internacional Comunista, insistia na necessidade da aliança do PCC com o Kuomintang na luta contra os japoneses. Em julho de 1937, o Japão iniciou uma grande ofensiva sobre o território chinês, levando o PCC a aceitar se integrar na Frente Única antijaponesa, com a condição de manter sua. independência política e militar.

A Guerra Sino-Japonesa (1937-1945) serviu para demarcar claramente o perfil dos Exércitos aliados na Frente Única: enquanto a ação do Exército do Kuomintang não se diferenciava em nada do japonês, pois massacravam os camponeses, violentavam suas mulheres, confiscavam seus alimentos, o Exército Vermelho agia de forma completamente diferente, seguindo um código de conduta exemplar, que estabelecia total respeito à população das áreas libertadas, transformadas nas "zonas vermelhas". Nestas, os comunistas passaram a desapropriar as propriedades dos grandes senhores de terra, distribuindo-as aos camponeses e a instalar fóruns democráticos de decisão, com ampla participação popular. Isto foi ampliando enormemente a adesão popular ao PCC, que cada vez mais se fortalecia política e militarmente.

O fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, coincidiu com a expulsão dos japoneses da China. Temendo que os comunistas controlassem o país, os Estados Unidos agiram rapidamente e garantiram tal controle ao Kuomintang de Chiang Kai-Shek. Em 1946, o general George Marshall visitou a China, propondo a formação de um governo de unidade nacional. A efetivação de tal proposta estava condicionada à dissolução do Exército Vermelho, condição essa rejeitada por Mao Tse-Tung, apesar do apoio de Stalin à mesma.

Diante de tal impasse, a guerra civil teve reinicio. Em julho de 1946, Chiang Kai-Shek, à frente de um poderoso Exército e com o auxílio dos EUA, começou uma grande ofensiva sobre os comunistas. O Exército Vermelho transformou-se no Exército Popular de Libertação,

recebendo a adesão de milhões de camponeses, já que as condições sócio-econômicas da China mostravam-se cada vez mais deterioradas: desemprego em massa, baixos salários, hiperinflação, miséria generalizada. Tudo isso, associado à corrupção do governo de Chiang Kai-Shek, aumentava a adesão popular ao PCC.

As vitórias do Exército Popular de Libertação foram se sucedendo, até que, em janeiro de 1949, conquistou Pequim, obrigando Chiang Kai-Shek e os membros do Kuomintang a

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fugirem para a Ilha de Formosa (Taiwan), onde, com o apoio dos EUA, fundaram a China Nacionalista. Em lº de outubro de 1949, Mao Tsetung proclamou a República Popular da China,

dando início à segunda experiência socialista da história. O governo revolucionário deu início, então, a uma política de esfatização da

economia, com a nacionalização das indústrias e a coletivização das terras. Com o apoio da URSS, que através de um Tratado de Cooperação se comprometeu a conceder à China um empréstimo de 300 milhões de dólares em cinco anos, Mao Tsetung começou a reerguer a economia chinesa, processo conhecido como o Grande Salto do final de 1950. Foi criada a Comissão de Planificação do Estado e elaborado um Plano Qüinqüenal, que objetivava concentrar os investimentos no setor da indústria pesada. Em 1955, foi efetivada a coletivização da agricultura, organizando-se os camponeses em cooperativas. O ritmo acelerado da socialização da economia superava as expectativas dos próprios dirigentes do PCC. Tal processo de socialização desenvolvia-se paralelamente ao enrijecimento do Estado, que foi se transformando em um Estado Burocrático, no qual o poder de decisão se concentrou nas mãos da elite dirigente do PCC e, principalmente, nas de Mao Tsetung.

As divergências do PCC com a URSS, que remontavam ao período da guerra civil contra o Kuomintang, foram se aprofundando, devido a escassa ajuda soviética (enquanto a URSS, entre 1950 e 1954, emprestou 430 milhões de dólares à China, no mesmo período, concedeu à Índia, país capitalista, empréstimos no valor de 680 milhões de dólares) e à ambígua política externa soviética. As relações sino-soviéticas atingiram seu momento de maior tensão em 1959, quando a URSS rompeu o tratado assinado com a China, em 1947, no qual se comprometia a fornecer armas nucleares para a defesa do país, e assinou um acordo com os EUA, garantindo que manteria a China em situação de inferioridade militar.

Em 1960, os soviéticos retiraram seus conselheiros técnicos da China; Em 1963, a URSS forneceu aviões Mig à Índia, que travava com a China um conflito em tomo de limites territoriais. Daí em diante, o distanciamento entre os dois países foi se aprofundando, confirmando a ruptura total de sua relações.

Divergências internas no PCC sobre a condução da política do Estado levaram Mao a achar que a revolução estava ameaçada. Por isso, a partir de fevereiro de 1966, deu início à Grande Revolução Cultural Proletária, que objetivava extinguir as influências ocidentais da cultura chinesa e desmascarar os "agentes da burguesia" infiltrados no PCC. Uma campanha de expurgos foi realizada, culminando com a prisão de vários dirigentes do partido que se opunham a Mao, como Liu Shao-Chi, Chou En-Lai e Chu Teh. Intervenção na Universidade de Pequim, queima de livros, prisão de professores e intelectuais, enviados para campos de trabalhos forçados, esse foi o saldo da Revolução Cultural.

Com a morte de Mao Tsetung, em setembro de 1976 e depois de um breve período de luta pelo poder, assumiu o governo chinês Deng Xiao Ping, que iniciou uma política de abertura econômica para o Ocidente, procurando quebrar o isolamento em que a China se encontrava e que poderia levar ao processo que culminou com a derrubada do socialismo na URSS.

Obs.: em 1955, vários países asiáticos recém-independentes reuniram-se na Conferência de Bandung, na Indonésia, onde reafirmaram o princípio da autodeterminação dos povos e oficializaram o movimento dos países não-alinhados. 3. A DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA 3.1. A independência da Argélia

A Argélia tornou-se domínio colonial francês em 1830, dando início à ocupação francesa do Norte da África, cujas regiões constituíram a África Setentrional ou Ocidental Francesa. Rapidamente os franceses, denominados pelos argelinos de pieds noirs (pés-pretos),

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assumiram o controle das terras mais férteis do país, deixando praticamente sem nada oito milhões de argelinos.

Impulsionado pelo enfraquecimento da França após a Segunda Guerra Mundial, que já a havia levado à derrota na Guerra da Indochina, o movimento nacionalista argelino pró-independência intensificou-se, levando ao surgimento, em 1954, da Frente de Libertação Nacional (FLN), que passou a organizar a luta pela emancipação, desenvolvendo táticas organizacionais e de combate extremamente eficientes. Organizada com base numa superposição de comandos, estrategicamente hierarquizados, cujos membros só conheciam os seus comandantes da hierarquia imediatamente superior, a FLN conseguiu incorporar na luta contra o domínio francês o lumpemproletariado argelino, constituído de desempregados e criminosos retirados das prisões, submetendo-o a uma rígida disciplina. Um exemplo dessa rigidez disciplinar era a punição com a morte de todos aqueles que, retirados das prisões, voltassem a cometer atos criminosos. No que diz respeito à luta, a FLN utilizou táticas de guerrilha, recorrendo ao terrorismo político contra a população de origem francesa.

A intensa atuação da FLN levou, em 1957, à célebre Batalha de Argel, em que um

expressivo contingente de tropas francesas foram deslocadas para a Argélia para eliminá-la. Através da extrema violência, a referida organização clandestina foi desbarata, seguindo-se uma intensa repressão sobre a grande maioria da população argelina, de origem muçulmana.

Apesar de vitoriosa, a Batalha de Argel provocou uma crise política na França, que levou à derrubada da IV República Francesa e à eleição do general Charles de Gaulle à Presidência do país. Percebendo que a indefinição da situação do domínio colonial francês na Argélia produzia grande insatisfação na população da França, de Gaulle realizou um plebiscito, conseguindo que o povo francês lhe desse amplos poderes para negociar uma saída pacífica para a Argélia com o governo provisório argelino formado pela FLN e cuja sede foi instalada na cidade do Cairo.

Tais negociações levaram à assinatura, em 1962, do Acordo de Evian pelo qual a França reconhecia a Independência da Argélia, transformada na. República Democrática e Popular da Argélia, cujo governo foi assumido por Ahmed Ben Bella, dirigente máximo da FLN. 3.2. A independência de Angola

A Revolução dos Cravos, ocorrida em Portugal, em 1974, pôs fim à ditadura salazarista e levou à assinatura do Acordo de Alvor, em que o novo governo português assumia o compromisso de reconhecer a independência de Angola até o final do ano de 1975 e a criar um governo de transição formado por representantes das três forças políticas que lutavam pela emancipação: MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola), FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).

Antes que o governo português cumprisse o compromisso firmado em Alvor, forças militares do Zaire, com o apoio da FNLA, invadiram o norte de Angola e a África do Sul, apoiada pela UNITA, o sul. Tal ação militar recebeu o apoio dos Estados Unidos, que temia a ascensão ao poder do MPLA, grupo de tendência marxista, próximo da URSS e dirigido por Agostinho Neto, que desde 1956 realizava uma guerra de guerrilhas contra a dominação portuguesa.

Apoiado pelas camadas populares angolanas, o MPLA, tomou o poder, em novembro de 1975, tendo início um longo processo de lutas internas contra os dois outros grupos. Com o auxílio militar de Cuba, que enviou tropas para a região, e da URSS, o novo governo de Agostinho Neto conseguiu derrotar as forças da FNLA e da UNITA, expulsando as tropas do Zaire e da África do Sul do país, em 1976.

Subvencionada pelos EUA, a UNITA até hoje continua a fazer guerra de guerrilha contra o governo angolano, a partir de 1979, presidido por José Eduardo dos Santos, que assumiu o poder após a morte de Agostinho Neto.

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O Leste Europeu e o Fim da URSS

"Assim, desejemos boa sorte ao Leste europeu e ao mundo que termina uma velha era e que está para ingressar no século XXI. Precisaremos de sorte. E lamentemo-nos com o sr. Francis Fukuyama, que afirmou que 1989 significava "o fim da história" e que daí para frente tudo seria tranqüilamente liberal e livre mercado. Poucas profecias destinam-se a ter vida mais curta que esta."

(Eric Hobsbawm, outubro 1990) INTRODUÇÃO

O fim do chamado Socialismo Real, representado pela derrocada da URSS e do Leste

europeu, no final da década de 1980, significou, pelo menos ideologicamente, o término da bipolarização do mundo instituída após a Segunda Guerra Mundial. O capitalismo retomou sua hegemonia mundial, apesar da sobrevivência de algumas experiências socialistas, como Cuba e China, sendo apontado como a única forma viável de organização da sociedade.

De forma apologética, os ideólogos capitalistas, como o funcionário do Departamento de Estado dos EUA Francis Fukuyama, passaram a propagandear o fim da história, já que o desaparecimento do Segundo Mundo indicava, de maneira inequívoca, a vitória final do capitalismo e a sua consagração como modo de produção mundial.

O fracasso da experiência socialista do Leste europeu produziu um impacto grandioso na política mundial, na medida em que abalou profundamente as convicções e as práticas de partidos e militantes de esquerda, que, desnorteados, perderam a sua principal referência histórica. Isto acabou sendo responsável por um revisionismo teórico e político, que colocou o marxismo em xeque e levou ao abandono de propostas revolucionárias, substituídas por práticas reformistas, que pouca ou quase nenhuma diferença tinham com as práticas políticas dos partidos de direita.

No campo intelectual, o desastre do socialismo real atordoou grande parte da intelectualidade de esquerda, que ainda não conseguiu, apesar de passados dez anos, entender com clareza o processo histórico do qual tal desastre foi resultado. Algumas tentativas foram feitas nesse sentido, destacando-se a publicação do livro Depois da Queda, coletânea de artigos organizada por Robin Blackbum, e a análise apresentada pelo historiador inglês Eric Hobsbawm no livro A Era dos Extremos: O breve século XX.

1. O FIM DO "SOCIALISMO REAL": A derrocada da URSS e do Leste europeu

A vitória dos Bolcheviques, em outubro de 1917, na Rússia representou o início da socialização do país, através da ação do Estado Proletário presidido por Lênin, Estado de partido único, que transformou a economia soviética em uma economia planificada. A planificação econômica, efetivada através dos Planos Qüinqüenais, tinha como principal objetivo a concentração de esforços econômicos e humanos em determinados setores da

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economia, como os agrícola e industrial, com o intuito de acelerar o seu desenvolvimento. Ao contrário dos países capitalistas que se desenvolviam com base na chamada

economia de mercado ou da livre concorrência, a URSS colocou sua economia sob o controle do

Estado, que passou a definir as prioridades econômicas a serem atingidas. Desse modo, planificação econômica tornou-se sinônimo de controle da economia pelo Estado e, conseqüentemente, de direta intervenção do Estado na mesma.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a estar polarizado entre as duas potências que emergiram da mesma - EUA e URSS - cujas relações passaram a ser caracterizadas pelo que se chamou de Guerra Fria, o confronto ideológico, político, militar (indireto) e diplomático entre as duas superpotências. A permanente ameaça de um terceiro conflito mundial, embora sua existência só fosse possível de ser confirmada no campo retórico, ou seja, do discurso, tornou o desenvolvimento do poder militar o fator chave do equilíbrio entre as duas potências.

Assim, o Estado Soviético viu-se obrigado a concentrar maciçamente recursos materiais e humanos em seu complexo industrial-militar, pois essa era a única forma de garantir sua sobrevivência como potência capaz de disputar áreas de influência com os EUA. Desse modo, os investimentos na agricultura e na indústria de bens de consumo foram muito baixos, o que fez com que o abastecimento de alimentos e manufaturas fosse sempre deficiente na sociedade soviética.

Tal situação tornou-se particularmente grave e mais visível no final da década de 1970 e na década de 1980. A partir do ano de 1970, tornaram-se muito claros sinais que indicavam a diminuição do ritmo de desenvolvimento da economia soviética. Todos os indicadores da taxa de desenvolvimento econômico -Produto Interno Bruto, produção industrial, produção agrícola, investimento de capital, produtividade do trabalho e renda per capita - apresentavam-se em queda. Isso foi sendo acompanhado pela estagnação dos indicadores sociais demonstrativos da melhoria das condições de vida da população, como a taxa de mortalidade, gerando na mesma um sentimento de desconfiança em relação ao socialismo e na sua capacidade de melhorar a vida das pessoas comuns.

Paralelamente a isso, foi se agravando a incompetência e a corrupção da Nomenklatura

soviética (burocracia do partido que controlava o Estado), principalmente a partir da era Brejnev, assolada pelo nepotismo e pelo suborno, o que levou à criação na URSS de uma casta burocrática, que passou a gozar de amplos privilégios não estendidos à maioria da população.

Paradoxalmente, a crise do petróleo de 1973, provocada pela decisão dos países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) de reduzir a produção e aumentar o preço do barril, favoreceu extremamente a URSS que, na condição de grande produtora de petróleo, ganhou milhões de dólares com a venda do produto no mercado mundial. Esses milhões de dólares, que poderiam ter sido investidos nos setores deficitários da economia soviética (alimentos e bens de consumo), foram, ao contrário, aplicados na década de 80 na indústria bélica, com o objetivo de alimentar a corrida armamentista com os EUA, contribuindo para intensificar a crise em que a URSS se encontrava, crise essa que também tinha grande repercussão em seus países-satélites, cujas economias eram dependentes da soviética.

Por acreditarem que suas fontes de energia, como o petróleo, eram inesgotáveis, os países socialistas do Leste europeu não utilizaram produtivamente os recursos trazidos pelo boom do petróleo gerado pela crise do Oriente Médio. Tal fato fez com que, "em princípios da década de 1980, a Europa Oriental se achasse numa aguda crise de energia. Isso por sua vez produziu escassez de alimentos e bens manufaturados (...) Essa foi a situação em que o 'socialismo realmente existente' na Europa entrou no que revelou ser sua década final" (Hosbawm, 1995, p. 459/460).

A Europa Oriental, sem sombra de dúvida, era o ponto mais vulnerável do sistema soviético. A sobrevivência dos regimes comunistas nos países do Leste europeu era garantida

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pela permanente ameaça de intervenção militar soviética, que possuía antecedentes bastante ilustrativos, como o da invasão da Hungria, em 1956, e o da "Primavera de Praga", em 1968. Dentro desse sistema extremamente frágil, o principal calcanhar-de-aquiles era a Polônia, pois nela, ao contrário dos outros países socialistas, havia uma oposição política organizada contra o regime comunista, que era resultado da conjunção de três fatores: 1. a união da opinião pública polonesa em torno de um sentimento anti-russo e conscientemente católico romano; 2. o fato da Igreja Católica ter conseguido se manter no interior da Polônia Comunista como uma organização nacional e independente; 3. a força do movimento operário polonês que afirmava cada vez mais seu poder político através de greves maciças, que vinham acontecendo desde meados da década de 1950.

Na década de 1970, a oposição política existente na Polônia foi extremamente fortalecida pelo surgimento do movimento trabalhista encabeçado pelo sindicato Solidariedade

(sindicato de estivadores do porto de Gdansk, liderado por Lech Walessa), e pela eleição como papa, em 1978, do cardeal polonês Karol Wojtyla (João Paulo II). Levantando a bandeira da greve geral, o sindicato Solidariedade rapidamente transformou-se num movimento de oposição pública nacional ao regime comunista polonês, demonstrando que o Partido Comunista Polonês havia chegado ao fim da linha. O movimento oposicionista na Polônia era atenta e nervosamente observado pelos governos comunistas dos outros países do Leste europeu, que, ao mesmo tempo, tentavam impedir que seu próprio povo seguisse o exemplo. Este último objetivo dificilmente seria atingido, devido o fato de a URSS ter demonstrado, no caso polonês, não ter mais pernas para intervir militarmente e garantir tais governos no poder.

Foi neste contexto de crise do sistema soviético que, em 1985, chegou ao poder, na condição de secretário-geral do Partido Comunista soviético, Mikhail Sergueievitch Gorbachev, político de tendência reformista, que considerava a Era Brejnev como um período de estagnação. Disposto a impulsionar a URSS em direção à modernização, Gorbachev implementou um programa que apontava para a reestruturação econômica e política do país - perestroika - que implicaria num processo de "abertura" ou "transparência", ou seja, a glasnost.

Paradoxalmente, a eficácia do funcionamento do sistema soviético havia sempre dependido "da estrutura de comando do partido/Estado herdada dos dias stalinistas. Por isso, a aplicação de cima para baixo da glasnost, que por sua vez significava a restauração de um Estado constitucional na URSS, em que os cidadãos recuperariam a plenitude dos seus direitos de cidadania e no qual se reinstalaria o império da lei, resultou num completo desastre político. A mudança da base do poder do partido para o Estado fez com que a estrutura do poder soviético desmoronasse, já que não passou a haver qualquer referência em termos de autoridade.

A flexibilização política fez explodir décadas de insatisfação, materializada por diversos movimentos de protestos, que exigiam a plena liberdade política e a liberalização da economia, o que significava o retorno de práticas capitalistas. Além disso, em diversas repúblicas soviéticas explodiram movimentos separatistas, diante dos quais o governo de Moscou mostrava-se impotente. "Ninguém governava, ou melhor, ninguém mais obedecia na União Soviética".

A situação de desgoverno foi catastrófica para a URSS, no que dizia respeito à manutenção no poder dos governos comunistas dos países-satélites do Leste europeu. Num efeito dominó, no segundo semestre de 1989, vários regimes comunistas foram derrubados, como o da Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e República Democrática Alemã, sendo que, nesta última, a derrubada do Muro de Berlim tornou-se o símbolo da derrocada do comunismo. Em seguida, foram derrubados também os regimes comunistas da Iugoslávia e Albânia, países que mantinham uma política independente da soviética e onde explodiram conflitos étnico-políticos, que levaram ao esfacelamento dos dois países.

A perestroika acabou resultando numa completa anarquia econômica, pois, pela

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primeira vez, "a Rússia em 1989 não mais tinha um Plano Qüinqüenal". Os governos das Repúblicas soviéticas passaram a agir por conta própria, acelerando o processo de desintegração econômica da URSS, que por sua vez contribuiu para a sua desintegração política.

Na República da Rússia organizou-se uma forte oposição ao governo Gorbachev, encabeçada por Boris Yeltsin, que reivindicava reformas mais radicais, como a completa abertura da economia do país. Em 1990, Gorbachev foi derrubado e substituído por Yeltsin, que retirou da Rússia a condição de poder unificador das quinze repúblicas, contribuindo para a desintegração da União das Repúblicas Soviéticas, oficializada a 21 de dezembro de 1991, quando os líderes de onze Repúblicas, reunidos em Alma Ata, capital do Cazaquistão, decidiram extinguir a URSS e formar a Comunidade dos Estados Independentes (CEI).

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História Contemporânea

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