História da Igreja Antiga à Contemporânea

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2008 H ISTÓRIA DA I GREJA A NTIGA À C ONTEMPORÂNEA Prof. Pastor Acácio Lopes de Amarante

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2008

História da igreja antiga à Contemporânea

Prof. Pastor Acácio Lopes de Amarante

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Copyright © UNIASSELVI 2008

Elaboração:

Prof. Pastor Acácio Lopes de Amarante

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:

271.79A485h Amarante, Acácio Lopes de História da igreja antiga à contemporânea / Acácio Lopes de Amarante. Indaial :Uniasselvi, 2008. 191 p. : il ISBN 978-85-7830-576-5

1. Igreja – história. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

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III

apresentação

Prezados acadêmicos!

Este caderno de estudo trata da História da Igreja Antiga à Contemporânea e aborda não só a história eclesiástica em si, mas também faz uma reflexão acerca da preparação do mundo para o advento do cristianismo. Esta preparação se deu com a relevante contribuição das nações judaica, grega e romana. A partir de então, comentamos sobre a história da Igreja, desde seus primórdios até o presente momento, encerrando com a chegada e o desenvolvimento do cristianismo no Brasil. Toda essa reflexão está dividida em três Unidades, e subdividida em tópicos, conforme se pode observar a seguir.

A primeira Unidade, dividida em seis tópicos, trata de uma reflexão sobre a contribuição dos gregos, dos romanos e dos judeus, os quais influenciaram grandemente o mundo de sua época, através de sua cultura, sua língua, sua política e sua evolução administrativa. Além de tratar, também, das grandes perseguições nas quais muitos cristãos, expressando sua fé incondicional em Cristo, tornaram-se mártires, pagando, com suas vidas, o alto preço imposto a todos quantos testemunhavam o evangelho de Cristo.

A segunda Unidade abrange o período que vai de Constantino até a Renascença, mostrando alguns movimentos heréticos, com destaque para o gnosticismo e as discussões conciliares acerca das controvérsias em torno da pessoa e da obra de Cristo. Aborda-se ainda, nessa Unidade, a ascensão e o apogeu da Igreja, bem como o poder que esta exerceu, com muita tirania, sobre o Estado, durante alguns séculos. Em seu apogeu, a Igreja assumiu total controle sobre o governo civil, a economia e a vida religiosa durante quase toda a Idade Média.

Ainda nessa segunda Unidade, apresenta-se o surgimento do papado e o grande cisma entre o Oriente e o Ocidente. Com a corrupção moral e espiritual do clero, a Igreja do Ocidente entrou em total decadência, passando por um grande período de total degradação. Com pretextos não muito louváveis, a Igreja empreendeu várias jornadas, sob o signo das Cruzadas, provocando morticínio e confiscando propriedades em nome de si mesma, mas alegando estar a serviço de Cristo. A Unidade termina com comentários acerca de vários movimentos ecoando o grito pela reforma, bem como a influência do movimento renascentista, que muito contribui para a tão almejada Reforma religiosa.

A terceira Unidade trata da consolidação da Reforma Protestante, começando com Martinho Lutero na Alemanha e se manifestando por toda a Europa, sob Calvino, Zuínglio e vários outros reformadores. O clero, não satisfeito com a situação, reage com vários movimentos aliados na contra-

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IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

reforma, donde surgiu o maior e mais sanguinário massacre humano de todos os tempos, produzido pela famigerada Inquisição imposta pela Igreja Romana contra os verdadeiros seguidores de Cristo, os cristãos.

Tratamos, ainda, nessa última Unidade, da secularização do cristianismo, bem como o desenvolvimento de várias religiões cristãs, não cristãs e algumas seitas religiosas. Finalmente, abordamos a chegada e o desenvolvimento de várias ramificações do Cristianismo em solo brasileiro.

Nosso pedido ao Senhor da História é que você possa tirar o máximo proveito possível ao estudar este caderno e se sinta motivado a buscar conhecer mais e melhor sobre a árdua jornada do cristianismo, através dos séculos.

Seja bem-vindo e bom estudo!

Pastor Acácio Lopes de Amarante

NOTA

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VII

UNIDADE 1 – A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS...................................................... 1

TÓPICO 1 – O MUNDO ROMANO E O ADVENTO DO CRISTIANISMO .............................. 31 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 32 O MUNDO ROMANO E O ADVENTO DO CRISTIANISMO .................................................. 4

2.1 O CONTEXTO POLÍTICO .............................................................................................................. 42.2 O CONTEXTO RELIGIOSO ........................................................................................................... 5

2.2.1 O Animismo............................................................................................................................. 52.2.2 Culto ao Imperador ................................................................................................................ 52.2.3 Religiões Místicas.................................................................................................................... 62.2.4 Prática do Ocultismo .............................................................................................................. 62.2.5 O Judaísmo .............................................................................................................................. 6

2.3 O CONTEXTO SOCIAL .................................................................................................................. 7RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 8AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 9

TÓPICO 2 – A CONTRIBUIÇÃO DOS GREGOS ............................................................................ 111 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 112 A INFLUÊNCIA DA CULTURA ........................................................................................................ 113 A INFLUÊNCIA DA LÍNGUA ........................................................................................................... 124 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA ...................................................................................................... 12RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 14AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 15

TÓPICO 3 – A CONTRIBUIÇÃO DOS ROMANOS ........................................................................ 171 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 172 A EXTENSÃO TERRITORIAL ........................................................................................................... 17

2.1 A SEGURANÇA ............................................................................................................................... 182.2 A UNIFICAÇÃO DOS POVOS ...................................................................................................... 192.3 O INTERCÂMBIO ENTRE OS POVOS ........................................................................................ 19

RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 20AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 21

TÓPICO 4 – A CONTRIBUIÇÃO DOS JUDEUS .............................................................................. 231 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 232 A CONTRIBUIÇÃO DOS JUDEUS .................................................................................................. 23

2.1 A ESPERANÇA MESSIÂNICA...................................................................................................... 232.2 A RELIGIÃO MONOTEÍSTA ......................................................................................................... 252.3 PREPARAÇÃO DO BERÇO DO CRISTIANISMO ..................................................................... 262.4 PROPAGAÇÃO DA NOVA FÉ ...................................................................................................... 27

RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 31AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 32

sumário

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VIII

TÓPICO 5 – A VIDA DA IGREJA ......................................................................................................331 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................332 A VIDA DA IGREJA .........................................................................................................................33

2.1 AS PRIMEIRAS PERSEGUIÇÕES ...............................................................................................352.2 OS PRIMEIROS MÁRTIRES .........................................................................................................372.3 OS IMPERADORES E AS PERSEGUIÇÕES ..............................................................................39

RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................46AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................47

TÓPICO 6 – OS PAIS DA IGREJA .....................................................................................................491 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................492 EXEMPLOS DE FÉ E CORAGEM ....................................................................................................49

2.1 A INFLUÊNCIA DOS APOLOGISTAS .......................................................................................60RESUMO DO TÓPICO 6......................................................................................................................62AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................63

UNIDADE 2 – DE CONSTANTINO ATÉ A RENASCENÇA .......................................................65

TÓPICO 1 – OS MOVIMENTOS HERÉTICOS ..............................................................................671 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................672 OS MOVIMENTOS HERÉTICOS ...................................................................................................67

2.1 O GNOSTICISMO ..........................................................................................................................702.2 CONFRONTO RELIGIOSO E FILOSÓFICO .............................................................................742.3 CONTROVÉRSIAS ACERCA DA PESSOA DE CRISTO .........................................................782.4 O CONCÍLIO DE NICÉIA E REAÇÕES POSTERIORES .........................................................812.5 O CONCÍLIO DE CALCEDÔNIA ...............................................................................................83

RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................87AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................88

TÓPICO 2 – A IGREJA NO APOGEU DA IDADE MÉDIA ..........................................................891 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................892 A IGREJA NO APOGEU DA IDADE MÉDIA ..............................................................................89

2.1 O SURGIMENTO DO PAPADO ..................................................................................................912.2 O CISMA ENTRE O ORIENTE E O OCIDENTE ......................................................................922.3 A CORRUPÇÃO DO CLERO E A DEGRADAÇÃO DA RELIGIÃO .....................................932.4 A IGREJA NO OCIDENTE – DECADÊNCIA E SOERGUIMENTO ......................................942.5 A IGREJA NO ORIENTE ..............................................................................................................952.6 AS CRUZADAS ..............................................................................................................................95

LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................96RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................100AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................101

TÓPICO 3 – A IGREJA E O ESTADO: O PODER E A INFLUÊNCIA DA IGREJA .................1031 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1032 A IGREJA E O ESTADO: O PODER E A INFLUÊNCIA DA IGREJA ......................................103

2.1 SOBRE O GOVERNO ....................................................................................................................1032.2 SOBRE A ECONOMIA..................................................................................................................1042.3 SOBRE A VIDA RELIGIOSA ........................................................................................................104

RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................106AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................107

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IX

TÓPICO 4 – MOVIMENTOS PRÉ-REFORMISTAS ......................................................................1091 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1092 MOVIMENTOS PRÉ-REFORMISTAS ...........................................................................................109

2.1 AS CAUSAS ....................................................................................................................................1092.2 O CONFLITO INTERNO ..............................................................................................................111

2.2.1 João Wycliffe ..........................................................................................................................1112.2.2 João Huss ...............................................................................................................................112

2.3 MOVIMENTOS INTERNOS ........................................................................................................1132.3.1 O Concílio de Constança .....................................................................................................113

2.4 O CONCÍLIO DE BASILÉIA ........................................................................................................1142.5 A INFLUÊNCIA DA RENASCENÇA .........................................................................................114

RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................116AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................117

UNIDADE 3 – A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS .................119

TÓPICO 1 – A REFORMA ....................................................................................................................1211 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1212 REFORMA ............................................................................................................................................121

2.1 MARTINHO LUTERO NA ALEMANHA .................................................................................1232.2 ULRICH ZUÍNGLIO (OU HULDREICH ZWÍNGLIO) NA SUÍÇA ......................................1262.3 JOÃO CALVINO (1509-1564) EM GENEBRA ...........................................................................1272.4 OS HUGUENOTES NA FRANÇA ..............................................................................................1302.5 JOÃO KNOX NA ESCÓCIA .......................................................................................................1312.6 OUTROS MOVIMENTOS REFORMISTAS ................................................................................131

LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................132RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................136AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................137

TÓPICO 2 – A CONTRA-REFORMA ................................................................................................1391 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1392 A CONTRA-REFORMA ....................................................................................................................139

2.1 OS JESUÍTAS ..................................................................................................................................1402.2 A INQUISIÇÃO ..............................................................................................................................141

LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................142RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................147AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................148

TÓPICO 3 – O CRISTIANISMO EM CONFRONTO COM A REALIDADE ............................1491 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1492 O CRISTIANISMO EM CONFRONTO COM A MODERNIDADE ........................................149

2.1 O ILUMINISMO .............................................................................................................................1492.2 O EXISTENCIALISMO SECULAR ..............................................................................................1502.3 O EXISTENCIALISMO RELIGIOSO ...........................................................................................1512.4 O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO DO CRISTIANISMO .................................................152

RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................154AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................155

TÓPICO 4 – RELIGIÕES HISTÓRICAS ...........................................................................................1571 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1572 RELIGIÕES HISTÓRICAS ...............................................................................................................157

2.1 O JUDAÍSMO .................................................................................................................................157

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X

2.1.1 Os Fariseus .............................................................................................................................1582.1.2 Os Saduceus ...........................................................................................................................1582.1.3 Os Zelotas ..............................................................................................................................1582.1.4 Os Essênios ............................................................................................................................159

2.2 O ISLAMISMO ...............................................................................................................................159RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................161AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................162

TÓPICO 5 – TEÓLOGOS EM DESTAQUE ......................................................................................1631 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1632 TEÓLOGOS EM DESTAQUE ..........................................................................................................163

2.1 TEÓLOGOS CATÓLICOS ............................................................................................................1632.2 TEÓLOGOS PROTESTANTES ....................................................................................................164

RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................166AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................167

TÓPICO 6 – RELIGIÕES E SEITAS ...................................................................................................1691 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1692 RELIGIÕES SECULARES .................................................................................................................169

2.1 HUMANISMO ...............................................................................................................................1692.1.1 Existencialismo ......................................................................................................................169

2.2 RELIGIÕES NÃO CRISTÃS .........................................................................................................1702.2.1 Hinduísmo .............................................................................................................................1702.2.2 Budismo .................................................................................................................................170

2.3 ESPIRITISMO .................................................................................................................................1712.3.1 Umbanda ................................................................................................................................1732.3.2 Candomblé .............................................................................................................................173

RESUMO DO TÓPICO 6......................................................................................................................175AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................176

TÓPICO 7 – RAMIFICAÇÕES DO CRISTIANISMO: CHEGADA E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL ..........................................................................1771 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1772 A IGREJA LUTERANA ......................................................................................................................1773 A IGREJA ANGLICANA ...................................................................................................................1784 A IGREJA PRESBITERIANA ...........................................................................................................1795 A IGREJA BATISTA ...........................................................................................................................1806 A IGREJA METODISTA ...................................................................................................................1817 A IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS ...............................................................................................1828 A IGREJA DO EVANGELHO QUADRANGULAR .....................................................................184RESUMO DO TÓPICO 7......................................................................................................................187AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................188

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................189

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1

UNIDADE 1

A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de:

• conhecer o contexto religioso, político e econômico-social do Império Romano;

• comentar sobre o valor da contribuição dos romanos, para a divulgação do evangelho;

• refletir sobre a influência da cultura grega sobre os povos de sua época;

• explicar como os gregos contribuíram para facilitar a disseminação do cristianismo;

• comentar sobre a maneira como os judeus atuaram na preparação do ber-ço do cristianismo e a divulgação da nova fé;

• expor sobre as primeiras perseguições, bem como a fé e a coragem com que os primeiros mártires enfrentaram o martírio;

• comentar sobre os pais da Igreja e a influência dos apologistas

Está unidade de ensino está dividida em seis tópicos, sendo que, no final de cada um deles, você encontrará atividades que contribuirão para a apropriação dos conteúdos.

TÓPICO 1 – O MUNDO ROMANO E O ADVENTO DO CRISTIANISMO

TÓPICO 2 – A CONTRIBUIÇÃO DOS GREGOS

TÓPICO 3 – A CONTRIBUIÇÃO DOS ROMANOS

TÓPICO 4 – A CONTRIBUIÇÃO DOS JUDEUS

TÓPICO 5 – A VIDA DA IGREJA

TÓPICO 6 – OS PAIS DA IGREJA

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TÓPICO 1UNIDADE 1

O MUNDO ROMANO E O ADVENTO DO CRISTIANISMO

1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho, propõe-se uma reflexão resumida da História da Igreja nos três primeiros séculos. O mundo romano sob o governo do imperador Augusto expandia-se territorialmente, as artes floresciam, a engenharia arquitetônica era muito avançada e o sistema religioso, sob o jugo do paganismo, foi distribuído em várias seitas. Observava-se, ainda, a intervenção divina na preparação do mundo, para receber o Messias de Israel e o Salvador da humanidade, usando, nesta preparação, os três principais povos da época: os gregos, os romanos e os judeus; cada um destes dando sua parcela de contribuição para que consolidasse a “plenitude dos tempos” no dizer do apóstolo Paulo em (Gl 4:4).

O acadêmico também se verá inteirado sobre a vida da Igreja nesses três primeiros séculos, com destaque para as primeiras perseguições, abordando os principais governantes romanos que impetraram as perseguições; bem como os primeiros mártires do cristianismo, no que diz respeito aos Pais da Igreja, que foram o exemplo de fé e perseverança, sendo barbaramente perseguidos, torturados e mortos, em defesa de sua fé. Finalmente ver-se-á uma lista de apologistas, bem como suas apologias, as quais não sensibilizaram os inimigos do cristianismo, mas contribuíram grandemente para fortalecer a fé dos cristãos e encorajá-los para perseverar e não se deixarem desfalecer diante das atrozes perseguições.

Não se concebe uma história do cristianismo sem um prévio conhecimento acerca de seu fundador – O Senhor Jesus Cristo. As Escrituras Sagradas vaticinaram de forma bastante vasta o nascimento do Messias de Israel. Daí, faz-se necessário pelo menos algumas informações a seu respeito, bem como a respeito do ambiente em que surgiu, antes de adentrarmos a história da Igreja propriamente dita.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

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2 O MUNDO ROMANO E O ADVENTO DO CRISTIANISMO

A história bíblica do Antigo Testamento termina com a morte de Neemias por volta de 440 a 400 a.C. O apóstolo São Paulo, escrevendo para as igrejas da Galácia afirma: “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4:4, ARC). O termo plenitude, neste contexto, significa que Deus, depois de anunciar por meio de seus profetas a vinda de seu Filho Jesus Cristo, o fez quando tudo estava devidamente preparado, conforme os Seus santos propósitos.

Este período de aproximadamente quatrocentos anos, entre a morte de Neemias e o nascimento de Cristo, é chamado Período Interbíblico, ou Período de Silêncio da parte de Deus. Isto porque, durante quatro séculos, Deus não se manifestou a seu povo, nem por meio de profecias, visões ou por meio de sonhos. Estar em silêncio, não implica em estar inativo, ou seja, Deus estava numa intensa atividade, preparando o mundo para o Advento de Cristo. Nesta preparação, Deus usou três povos: os judeus, os gregos e os romanos; cada um dos quais contribuindo para o cumprimento do propósito de Deus.

Antes de falar a respeito de como Deus usou estas nações, comentaremos a respeito do ambiente no qual nasceu o messias de Israel, o Senhor Jesus Cristo. A vida de Cristo ocorreu na época em que a Palestina estava sob o jugo do Império Romano. Ele nasceu durante o reinado de Augusto (27 a.C. a 14 d.C.); morreu e ressuscitou no período do reinado de Tibério (14 a 37 d.C.).

A Palestina esteve sob jugo romano de 63 a.C. até 135 d.C. Herodes, o Magno era o rei da Judéia quando Jesus nasceu. Pode-se descrever a situação de Roma no período do Advento e a vida de Cristo da seguinte maneira: política, religiosa e social. Cada uma será abordada nos itens a seguir.

2.1 O CONTEXTO POLÍTICO

Augusto exerceu uma política culturalmente revolucionária. Ele preparou o mundo para um grande avivamento literário, pois, durante a sua gestão, a literatura clássica foi reestruturada e se desenvolveu de forma extraordinária. As artes floresceram em todo o seu esplendor e se desenvolveram de forma vertiginosa, principalmente no campo da música e da arte dramática. O setor da construção civil também se desenvolveu grandemente – até hoje Roma é conhecida por suas façanhas arquitetônicas – como o Panteon, o Coliseu e muitas outras obras magníficas desenvolvidas pela sua engenharia. As estradas do Império Romano, por exemplo, eram construídas o máximo possível em linha reta e, quando necessário, eram construídos grandes viadutos e pontes sobre rios e vales. Algumas dessas estradas ainda estão em uso, atualmente. Lembrando-se ainda que, já naquela época, se nutria grande interesse pelas ciências e, principalmente, pela matemática.

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TÓPICO 1 | O MUNDO ROMANO E O ADVENTO DO CRISTIANISMO

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2.2 O CONTEXTO RELIGIOSO

Segundo os historiadores, as condições morais do mundo romano não eram exemplos de virtudes. Havia pessoas virtuosas, mas num contexto geral, os níveis moral e ético estavam abaixo da mediocridade. Corrupção no governo, fraude no comércio, imoralidade sexual, superstição religiosa eram os fatores que revelavam o estado de gritante degradação moral e ética do Império Romano. Neste ambiente, pautado pela degradação moral e ética, algumas religiões se destacaram, como as que estudaremos a seguir.

2.2.1 O Animismo

Era a religião primitiva de Roma, observando-se que a formação de Roma se iniciou com um conjunto de pequenas províncias por volta de 753 a.C. e, em meio a muitas lutas e muito derramamento de sangue, foi se desenvolvendo até se tornar o maior, mais longo e mais poderoso Império mundial. No Animismo, havia certas categorias de deuses que eram cultuados por determinados grupos de pessoas.

O agricultor adorava os deuses da terra, da floresta, do céu, da colheita e das florestas, ou seja, para os praticantes dessa religião, a natureza era constituída de diversos deuses, aos quais eles personificavam e adoravam.

Os militares adoravam os deuses de origem grega, como Júpiter, o deus dos céus; Netuno, o deus dos mares; Plutão, o deus dos infernos e das regiões dos mortos. Um exemplo dessa prática religiosa pode ser observado no livro de Atos dos Apóstolos, quando uma multidão, tomada pelo fanatismo, gritava freneticamente: “Mas quando conheceram que eram judeus, todos unanimemente levantaram a voz, clamando por espaço de quase duas horas: Grande é a Diana dos efésios... Então o escrivão da cidade, tentando apaziguar a multidão, disse: Varões efésios, qual é o homem que não sabe que a cidade dos efésios é a guardadora do templo da grande deusa Diana, e da imagem que desceu de Júpiter?” (At 19.34,35 ARC).

2.2.2 Culto ao Imperador

Paralelamente ao Animismo, havia também o culto idólatra prestado ao imperador. Os imperadores, muitos dos quais reivindicavam para si a adoração que se prestava às divindades, recebiam nomes de deuses, eram cultuados como deuses, e muitos os consideravam, em certo sentido, como os próprios deuses. Os cristãos abominavam esse tipo de idolatria e eram furiosamente perseguidos por se recusarem a participar de suas práticas.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

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2.2.3 Religiões Místicas

Tratava-se de um conjunto de facções religiosas, cujos rituais eram simplesmente estranhos. Eles adoravam pessoas falecidas, considerando-as como verdadeiros deuses. Além dessas práticas, ainda mantinham certa fraternidade, na qual o escravo e seu senhor, o rico e o pobre, poderiam viver na mais perfeita harmonia, como pessoas pertencentes a um mesmo nível social.

2.2.4 Prática do Ocultismo

Semelhantemente às religiões místicas, a prática do Ocultismo estava em alta naquela época de trevas espirituais. Os ocultistas observavam muitos credos e ritos misteriosos. Praticavam a magia e tinham também suas previsões proféticas. Prediziam o futuro, através do exame das entranhas de animais abatidos e, também, através de certos tipos de aves. Os seguidores dessa corrente religiosa acreditavam que o mundo estava repleto de espíritos e de demônios, os quais, por meio de fórmulas mágicas, eram convocados e recebiam instruções para cumprirem determinadas missões.

Havia ainda outras práticas de conotação religiosa que gozavam de grande popularidade naquela época. Entre as tais, podemos mencionar: a astrologia, o horóscopo, o zodíaco e, até mesmo, as estrelas que, segundo a crença popular influenciavam o nascimento, a carreira e o futuro do ser humano.

2.2.5 O Judaísmo

Além das religiões pagãs comentadas acima, havia o Judaísmo subdividido em várias seitas. O Judaísmo era a religião do povo de Israel, baseado na revelação de Deus através das Escrituras, isto é, na Lei de Moisés e nos profetas. Era uma religião pautada pela rigorosa observância aos rituais e sacrifícios impostos pela Lei Mosaica. Por se tratar de uma religião monoteísta, os judeus não admitiam a existência de outros deuses e abominavam qualquer menção aos deuses do paganismo. O Judaísmo se dividia em várias seitas, entre as quais se destacavam a dos fariseus e a dos saduceus. Os fariseus controlavam a vida religiosa e os saduceus, menores em número, detinham o poder político e governavam a vida civil judaica nos dias do rei Herodes.

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TÓPICO 1 | O MUNDO ROMANO E O ADVENTO DO CRISTIANISMO

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Foi em meio a este emaranhado de controvérsias política e religiosa que nasceu Jesus Cristo. Ali também nasceu, floresceu e, posteriormente, teve início a expansão do cristianismo, cuja história comentaremos mais adiante.

2.3 O CONTEXTO SOCIAL

As condições econômicas e sociais do primeiro século não eram muito diferentes da situação atual. Dentro da sociedade pagã e judaica, havia uma aristocracia extremamente opulenta. Os judeus ricos, por exemplo, eram sacerdotes e rabinos. Os pagãos ricos eram os grandes proprietários de terras e monopolizavam o setor agropecuário. Em geral, a sociedade pagã era formada por classe média, pela plebe (pessoas comuns e as mais pobres), escravos e criminosos. Nesse complexo ambiente, destacavam-se quatro línguas: latim, grego, hebraico e aramaico. O meio de se ganhar o sustento, ainda que por processos bem rudimentares, eram a pecuária, a agricultura e a indústria.

Page 18: História da Igreja Antiga à Contemporânea

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Neste tópico, você viu:

lAs condições do mundo romano no Advento de Cristo: contexto político, contexto religioso, contexto social.

lA preparação do mundo para o Advento de Cristo.

RESUMO DO TÓPICO 1

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A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Mencione dois fatores que indiquem o progresso político na administração de Augusto.

2 Cite duas religiões que predominaram no paganismo romano.

3 No contexto social, como se dividia a sociedade romana?

4 O que eram os judeus ricos no contexto social?

5 Que grupo formava a classe política na sociedade romana?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

A CONTRIBUIÇÃO DOS GREGOS

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Conforme listado anteriormente, o povo grego constituiu, juntamente com os romanos e os judeus, uma das nações colaboradoras na preparação do mundo para o advento de Cristo e, conseqüentemente, do cristianismo. Isto porque, os povos que viviam nas regiões do Mediterrâneo tinham sido grandemente influenciados pelo espírito do povo grego. A influência dos helenos se fez presente e marcou profundamente as civilizações dos mais distantes países e das principais cidades do mundo da época. Considerando que o domínio político imperial estava nas mãos dos romanos e o mundo era tão influenciado pela cultura grega, os historiadores referem-se ao mundo antigo como o mundo greco-romano.

2 A INFLUÊNCIA DA CULTURA

De acordo com Claudionor de Andrade em sua obra Geografia Bíblica, (p 61, 1987), “A Grécia é o berço da civilização ocidental”. A influência da cultura grega é marcante em todas as gerações, não só pelo legado que nos deixou, mas também porque se tornou responsável pela divisão do mundo entre Ocidente e Oriente. Os gregos antigos davam a seu país o nome de Helas, por isso tornaram-se mundialmente conhecidos por helenos e, entre as suas cidades-estados se destacava Atenas, razão pela qual se tornou a capital do país. A democracia, a concepção clássica das artes e, principalmente, a filosofia, são um legado inestimável deixado pelos gregos e que hoje constituem a base de muitas civilizações.

A cultura helênica atingiu seu ápice em Atenas, por volta do quinto século antes de Cristo e no século quatro se espalhou por todo o Leste do Mediterrâneo. O principal responsável pela difusão da cultura grega foi Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), rei da Macedônia. Embora seu reinado tenha sido curto, Alexandre conquistou o Império Persa e estabeleceu um Império Grego, sua fama se espalhou por todo o mundo habitado da época, perdurando até nossos dias. Através das conquistas de Alexandre, a cultura helênica foi se desenvolvendo, se espalhando e se impondo por toda parte, onde quer que chegassem as tropas.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

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Esse desenvolvimento da cultura helênica, iniciada em Atenas, passou a ser chamada cultura helenística. Tratava-se de um estilo de vida grego, levado pelos exércitos de Alexandre aos mais distantes povos, chegando até à Índia. Também chegou e fincou raízes no Egito, na Palestina, na Pérsia e por toda a Ásia Menor, influenciando-lhes a religião, os sistemas de governo, as línguas e as artes.

Dessa maneira, foram se espalhando colônias gregas por todos os lugares e, centenas de anos mais tarde, tornaram-se grandes centros de difusão do cristianismo, pois havia mais facilidade de comunicação entre as pessoas e menor suspeita ou perseguição aos estrangeiros, como se verá quando comentaremos sobre a influência pacifista imposta pelos romanos.

3 A INFLUÊNCIA DA LÍNGUA

Para difundir o evangelho por todas as nações, conforme a ordenança do Senhor Jesus, seria necessária conhecer não somente a cultura em si, mas, principalmente, a língua de cada nação. Os primeiros discípulos do senhor Jesus não eram homens de cultura intelectual muito elevada e, certamente, seria quase impossível cumprir sua missão, uma vez que mal conheciam a sua própria língua, ou seja, o hebraico. Os gregos, portanto, ao difundir sua cultura entre os povos, difundiram também a sua língua, tornando-a o idioma universal na época.

Como resultado dessa influência lingüística, tornou-se fácil a comunicação do evangelho. Isto porque, após a ascensão de Cristo, os discípulos, chamados de apóstolos, saíram pelo mundo pregando e testemunhando o evangelho. Por todos os lugares aonde chegavam, cada povo tinha sua própria língua ou dialeto; mas também conheciam o grego. Não se tratava do grego clássico dos homens cultos ou dos filósofos, mas do grego comum (Koiné) ou popular; que era falado pelas grandes massas.

4 A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA

Não houve, no mundo antigo, nenhum povo cuja vida intelectual fosse tão vigorosa e desenvolvida quanto eram os gregos. Eles abordavam temas que para outras nações eram indiferentes, como por exemplo, a existência de Deus; do homem; a origem e o significado do universo; a relação entre o bem e o mal etc. Todos esses temas, e outros afins, se tornaram objeto de pesquisa para os pensadores gregos. Eles não só tornavam esses assuntos objeto de meditação, mas se sentiam fascinados por eles. Não é sem motivo que a Grécia é considerada o berço da filosofia. Este é um dos fatores que muito influenciaram a pesquisa

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TÓPICO 2 | A CONTRIBUIÇÃO DOS GREGOS

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e as discussões acerca dos valores do cristianismo. A disposição para receber e questionar novos conceitos, buscando novas descobertas através das pesquisas, era uma característica peculiar do povo grego, ou seja, eles estavam sempre abertos para as novidades e novos questionamentos em todas as áreas da vida.

Lucas, que segundo Richard Leroy Hoover em sua obra Os Evangelhos, “é considerado o primeiro historiador da Igreja e apologista literário do Cristianismo”; ao narrar a discussão do apóstolo Paulo com os filósofos epicureus e estóicos (os quais lideravam os intelectuais da cidade) no Areópago em Atenas, escreveu: “pois todos os atenienses e estrangeiros residentes, de nenhuma outra coisa se ocupavam, senão de dizer e ouvir alguma novidade” (At 17:21 ARC). Portanto, fica bem claro que ouvir, discutir e questionar as novidades que surgiam era uma característica própria dos atenienses, fossem gregos ou estrangeiros residentes.

A influência dos helenos se estendeu por todo o mundo antigo, que impulsionavam os homens a pensar e, conseqüentemente, a pesquisa era pautada pela curiosidade intelectual. Podemos observar que tão logo o apóstolo Paulo chegou a Atenas e começou a pregar e a discutir com os judeus e religiosos em praça pública, rapidamente a notícia chegou aos intelectuais, os quais o conduziram até o Areópago, a fim de o interrogarem acerca da sua mensagem, que para eles era estranha (At 17:20). Esta curiosidade intelectual, recheada pelo interesse por novidades, fez da mensagem cristã o centro das atenções dos gregos, tornando mais fácil a sua aceitação.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você viu:

lA contribuição dos gregos: a influência da cultura, a influência da língua, a influência da filosofia.

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A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Quem comandava os gregos na disseminação de sua cultura?

2 Por que seria importante que os povos falassem uma mesma língua?

3 Como era o grego falado pelas grandes massas?

4 Em que a filosofia grega contribuiu para a disseminação do evangelho?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

A CONTRIBUIÇÃO DOS ROMANOS

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Com o propósito de enviar o Redentor para toda a humanidade, Deus planejou tudo conforme propusera em Seu coração. Entretanto, para que as Boas Novas do Reino fossem difundidas por todos os lugares, haveria alguns imprevistos que, se não fossem tomadas providências antecipadas, poderiam se tornar um entrave à propagação do evangelho. Como se mencionou anteriormente, os romanos foram também usados neste aspecto.

2 A EXTENSÃO TERRITORIAL

Já foi dito que a formação do Império Romano teve início por volta do oitavo século antes de Cristo, começando com um conjunto de várias pequenas províncias até se transformar no mais poderoso de todos os Impérios. Este Império começou a despontar enquanto Alexandre Magno conquistava o Oriente e esmagava o imbatível poderio persa. Ainda no terceiro século, os romanos já dominavam toda a península itálica. Desta maneira, quando surgiu o cristianismo, os romanos eram os senhores da terra. Ainda que houvesse algumas regiões que não se achavam sob o seu domínio, por volta do ano cinqüenta depois de Cristo, a vastidão do Império era notável, abrangendo todas as terras por onde o cristianismo seria propagado durante os três primeiros séculos da era cristã.

Os romanos dominavam toda a Europa, na parte sul dos rios Reno e Danúbio; abrangia ainda a maior parte de toda a Inglaterra, o Egito e toda a costa norte da África; bem como uma grande parte da Ásia, desde o Mediterrâneo até à Mesopotâmia. O Dr John D. Davis, autor do Dicionário da Bíblia (1960), afirma que no período de sua maior extensão, o Império romano media 3.000 milhas de leste a oeste, 2.000 de norte a sul, e tinha uma população de 120.000.000 de habitantes. Apesar do seu vasto domínio, os romanos não agiam pela força ou violência. Pelo contrário, governavam com moderação e muita inteligência.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Sempre que conquistavam uma região, os romanos levavam o progresso, pautado por uma civilização bem mais elevada do que a existente antes de sua chegada. Sua administração demonstrava maior eficiência nas proximidades do Mediterrâneo, onde ficava a Palestina, ou Judéia; região que se tornaria o palco do advento de Cristo e, conseqüentemente, o berço do cristianismo.

Entre os legados que o Império Romano deixou para as gerações seguintes, pode-se mencionar a excelência de sua administração e um colossal monumento jurídico marcado por sua longa experiência tanto pública quanto privada. Ao comentar sobre as leis romanas, Souto Maior, em sua História Universal afirma:

O direito romano foi um dos legados mais importantes deixados por Roma às gerações que lhes sucederam. O antigo direito consuetudinário, isto é, baseado no uso e nos costumes, passou a ser direito escrito com a Lei das 12 Tábuas, que é considerada a mais antiga lei de Roma. O sistema jurídico dos romanos resultou não somente da necessidade de governar os diferentes povos dos países conquistados mas, também, da natural substituição de antigos costumes por certos princípios gerais que se foram condensando através dos editos dos pretores.

2.1 A SEGURANÇA

A segurança também constitui um fator importante quando se fala da significativa contribuição dos romanos na preparação do mundo, para a propagação do cristianismo. Isto, porque nos primórdios do cristianismo era dificultosa a relação com nações estrangeiras. Quando o indivíduo ultrapassava as fronteiras com outro país, normalmente, ele era preso como suspeito de espionagem e, naturalmente, era visto como um inimigo em potencial. Havia, ainda, os perigos nas estradas, representado por salteadores que as infestavam. A navegação era extremamente perigosa, por causa da pirataria que assolava os mares. À vista disto, dificilmente os apóstolos do Senhor Jesus teriam qualquer chance de sucesso, se porventura tentassem difundir o cristianismo para todas as nações conforme orientação do Mestre. “Portanto ide, e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo... E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a criatura” (Mt 28:19; Mc 16:15 ARC).

Neste aspecto, a atuação dos romanos foi fundamental e eficaz. Agindo com todo o rigor, o governo romano combateu e varreu a pirataria que infestava o Mediterrâneo e também erradicou o perigo de assalto, combatendo e eliminando os salteadores, além de manter um patrulhamento constante por todas as estradas do Império. Desta maneira, quando os apóstolos saíram de Jerusalém para propagar a mensagem do evangelho, o sucesso foi total.

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TÓPICO 3 | A CONTRIBUIÇÃO DOS ROMANOS

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2.2 A UNIFICAÇÃO DOS POVOS

Apesar de abranger várias nações e culturas diferentes, o Império Romano foi muito hábil em cumprir uma missão importantíssima e necessária para que pudesse exercer uma boa administração, isto é, unificaram todos os povos sob uma mesma bandeira e um mesmo governo. Havia guerras constantes entre uma nação e outra, as quais foram abolidas sob os combates intensos, rigorosos e eficazes dos governantes romanos. Esta atitude sábia e eficiente por parte dos romanos seria, mais tarde, um trunfo valioso que também seria habilmente usado pelos primeiros missionários responsáveis por difundir a mensagem salvadora do Senhor Jesus Cristo, para todas as nações. É evidente que o governo romano não tinha tal preocupação, o que nos leva à convicção de que o próprio Deus estava agindo em conformidade com seus santos propósitos, de tornar a mensagem da salvação não somente conhecida, mas principalmente acessível a todos os povos.

2.3 O INTERCÂMBIO ENTRE OS POVOS

Com uma administração sábia e uma vigilância competente e contínua, as autoridades romanas conseguiram estabelecer uma pacífica relação entre as diferentes partes do mundo sob o seu domínio. Através do combate à pirataria, bem como à violência dos assaltos em suas estradas, o governo romano conseguiu amenizar e tornar mais seguras as viagens entre cidades e países diferentes. A eficiente pavimentação das estradas também contribuíu grandemente para facilitar o deslocamento de um lugar para outro.

Os povos não estavam apenas unificados, mas também havia um estreito relacionamento diplomático e comercial entre eles, porque não somente os apóstolos do Senhor Jesus Cristo, mas também comerciantes e viajantes de todas as partes do mundo habitado daquela época se tornaram portadores da mensagem redentora do evangelho de nosso senhor Jesus Cristo. Fosse em Jerusalém ou em qualquer outro lugar que passassem e ouvissem a mensagem, a levavam consigo para outros lugares, onde davam seu testemunho e muitas almas se rendiam aos pés do salvador. Eles levavam no arcabouço de suas bagagens não só os produtos de seu comércio, mas levavam também o progresso, a paz e uma mensagem nova, avassaladora e contundente, que abalava e libertava os corações oprimidos, fazendo com que almas sedentas fossem saciadas pela palavra maravilhosa, a qual trazia libertação e acalentava os corações com novas perspectivas de vida para o futuro.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você viu:

lA contribuição dos romanos: a extensão territorial, a unificação dos povos, o intercâmbio entre os povos.

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A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Qual era a extensão do Império Romano nos dias de Cristo?

2 Em que a unificação dos povos seria útil na propagação do evangelho?

3 O que fizeram os romanos em favor da segurança marítima?

4 Qual era o perigo nas estradas e como foi eliminado?

5 Em que consistia o intercâmbio entre os povos?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

A CONTRIBUIÇÃO DOS JUDEUS

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, estudaremos a valiosa contribuição dos judeus na preparação do mundo para o Advento de Cristo, através da preservação de sua pureza religiosa e sua esperança pelo Messias. Depois de preparar o berço e receber o Messias, coube também aos judeus a disseminação do evangelho para o mundo de então.

2 A CONTRIBUIÇÃO DOS JUDEUS

Acompanhe, a seguir, quais foram as contribuições dos judeus na preparação do mundo par o Advento de Cristo.

2.1 A ESPERANÇA MESSIÂNICA

O povo hebreu, descendente de Abraão, se tornou o povo de Israel, descendente de seu neto Jacó. Tendo Deus escolhido a tribo de Judá dentre os filhos de Jacó, este povo, ao retornar do cativeiro babilônico, passou a ser conhecido como “judeus”, denominação que abarca toda a nação de Israel, ou seja, os descendentes de Abraão. Hoje, conhecemos Israel como um país, uma nação, embora envolva todas as tribos remanescentes, é chamada de “os judeus”. Este é o povo que recebeu a missão de preparar o berço do cristianismo.

Deus prometera a Abraão que lhe daria, por herança, a terra de suas peregrinações, a qual se tornaria uma possessão perpétua dos descendentes do patriarca. A partir de então, Canaã passou a ser vista pelos descendentes de Abraão como a “Terra Prometida” ou a “Terra da Promessa”. Certa ocasião, Deus revelou para Abraão que a sua descendência viveria em uma terra estrangeira, seria escravizada, mas que, passado determinado tempo (quatrocentos e trinta anos)

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

tornaria para sua terra, conforme se vê registrado em Gênesis capítulo quinze, versículos treze e quatorze. Esta promessa de julgamento, para a nação opressora, e a libertação dos hebreus passaram a ser vistas como a promessa da visitação do Senhor, ou seja, uma profecia que apontava para a vinda do Salvador, da qual a escravidão egípcia e a libertação através de Moisés se tornaram figuras ou tipos.

Séculos mais tarde, houve uma fome terrível que atingiu toda a terra e Jacó, deixando a terra de Canaã ou Palestina, foi viver no Egito com todos os seus descendentes, pois só ali, onde José, filho de Jacó, era governador, havia alimento. Aproximadamente, um século se passou até que chegou o momento da morte de José, o qual alimentara, juntamente com todo o seu povo, a visita do Libertador que os tiraria do Egito e os conduziria de volta à Terra Prometida. Entretanto, essa visitação do Senhor não acontecera e, nos momentos que antecederam à sua morte, José procurou fortalecer seus irmãos para que estes não desanimassem, porque o Senhor cumpriria a promessa feita aos seus antepassados: “E disse José a seus irmãos: Eu morro; mas Deus vos visitará, e vos fará subir desta terra para a terra que jurou a Abraão, a Isaque e a Jacó.” (Gn 50:24 ARC).

Depois da morte de José, o governo do Egito passou para uma nova dinastia de faraós e o povo de Israel passou a ser escravizado pelos egípcios por trezentos anos. Contudo, apesar das tribulações e angústias em decorrência da escravidão, o povo permaneceu confiante na promessa divina de resgatá-lo do poder dos egípcios e reconduzi-lo à terra que lhes prometera. Passados trezentos anos, estava Moisés apascentando ovelhas, quando o Senhor lhe apareceu em forma de fogo em um sarçal e lhe deu instruções, ordenando que fosse ao Egito, de onde fugira quarenta anos antes, e libertasse o seu povo da escravidão.

Diante da insegurança de Moisés, o Senhor o instruiu dizendo:

Vai, e ajunta os anciãos de Israel, e dize-lhes: O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, me apareceu, dizendo: Certamente vos tenho visitado, e visto o que vos é feito no Egito. Portanto eu disse: Far-vos-ei subir da aflição do Egito à terra do cananeu, e do heteu, e do amorreu, e do ferezeu, e do heveu, e do jebuseu, a uma terra que mana leite e mel. (Ex 3:16,17 ARC)

Ao ouvir Moisés dizendo que Deus os visitava, os anciãos entenderam que de fato era o Senhor cumprindo a promessa de libertação, ou seja, a palavra-chave era visitação do Senhor. Podemos observar que quando o menino Jesus foi levado ao templo para ser apresentado a Deus, Simeão o tomou nos braços e, por revelação divina, reconheceu tratar-se do messias que os judeus esperavam há milhares de anos. “Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra; pois já os meus olhos viram a tua salvação” (Lc 2:29,30 ARC). No capítulo sete de Lucas, versículo dezesseis, o povo, ao presenciar a ressurreição de um morto pela palavra do Senhor Jesus, exclamou com alegria, dizendo que o Senhor havia visitado o seu povo. Portanto, a esperança de um Messias libertador, alimentada pelo povo judeu, se tornou uma marca indelével de sua fé.

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TÓPICO 4 | A CONTRIBUIÇÃO DOS JUDEUS

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2.2 A RELIGIÃO MONOTEÍSTA

O povo judeu era completamente distinto de todos os povos de sua época, porque, apesar de todos os sofrimentos que passara, nunca abandonaram a sua esperança e, quando estavam prestes a se desesperar diante das tribulações, Deus levantava seus profetas para transmitir-lhes uma mensagem de consolo e esperança. Outro fator relevante, que distinguia o povo judeu de outras nações, era a sua religião monoteísta, a qual fazia questão de preservar. O povo judeu era o único povo que praticava uma religião monoteísta, ou seja, cultuava um único Deus e este não era representado por nenhuma imagem esculpida, nem por animais ou quaisquer outros seres, como ocorria com as outras nações ao seu redor, as quais acreditavam na existência de vários deuses e cada um deles era representado por um ídolo diferente.

Além da contribuição religiosa, os judeus também legaram ao mundo o mais alto ideal ético. O padrão moral e ético proposto nos Dez Mandamentos não era apenas um ideal de conduta para os hebreus e nem estava restrito à sua época. Trata-se de uma instrução ética-moral para toda a humanidade e para todos os tempos. E esse padrão entrava em confronto com todos os conceitos de ética e de moral que prevalecia naqueles dias e, a bem da verdade, ainda prevalecem em nossos dias. Isto, porque, na concepção judaica, o pecado não era apenas a conduta moral ou imoral dos povos que viviam no entorno, ou até mesmo entre o povo de Deus. Tratava-se de uma violação da vontade de Deus enraizada num coração perverso e impuro.

O povo de Israel, portanto, pautava sua ética e sua vida moral nos ditames expressos no Antigo Testamento, cujos valores devem ser observados e vividos por todos os homens e em todas as épocas. Esse padrão de vida, tanto moral quanto espiritual, expresso nos Dez Mandamentos e ampliados por Jesus Cristo no Sermão do Monte, registrado nos capítulos cinco a sete do evangelho segundo são Mateus, é o mais completo e o mais eficaz na solução de todos os problemas que afligem o homem. Todos estes problemas têm uma única raiz – o pecado. E este será combatido e derrotado quando o indivíduo se dispuser a conhecer e a colocar em prática os ensinamentos éticos e morais registrados nas Sagradas Escrituras, os quais os judeus não só preservaram, mas também o transmitiram e deixaram como um precioso legado para todos os homens, de todas as épocas.

O resultado é uma vida abundante e próspera, que culminará na salvação eterna do indivíduo, pois o próprio Senhor Jesus Cristo, ao evangelizar uma mulher samaritana, disse o que o cristianismo pode e deve dizer para aqueles que buscam a salvação por outro caminho que não seja Cristo: “Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos, porque a salvação vem dos judeus” (Jo 4:22 ARC). Isto ele disse diante do questionamento da mulher quanto à adoração, se no templo em Jerusalém ou nas montanhas de Samaria onde seus antepassados haviam adorado.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Foi preservando estas características ímpares em sua relevância, que o povo judeu também se tornou ímpar, uma vez que dele adveio a salvação para toda a humanidade. Assim eles não só esperavam, mas também anunciavam, a chegada de um Messias libertador, afirmando a existência de um Único Deus, ao qual prestavam culto e no qual depositavam sua fé,preparando, assim, o berço para receber a visita Daquele prometido, que traria redenção para todos os homens, de todas as raças, tribos, línguas e nações.

2.3 PREPARAÇÃO DO BERÇO DO CRISTIANISMO

Tanto a narrativa bíblica quanto a narrativa da história, apontam os judeus como o povo designado por Deus para preparar o berço do cristianismo. Como descendência de Abraão, o povo judeu se tornou herdeiro da promessa feita àquele patriarca: “E abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas famílias da terra” (Gn 12:3 ARC). Desta palavra se infere que através da descendência de Abraão, Deus daria prosseguimento ao plano da salvação prometida em Gênesis capítulo três, versículo quinze, quando o Criador disse para satanás, que assumira a possessão do corpo de uma serpente: “E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente: esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. Esta Semente da mulher, portanto, já possuía uma linhagem definida – a descendência de Abrão, o qual posteriormente passou a se chamar Abraão.

Esta linhagem deveria se preservar dos ídolos do paganismo, pois seria um povo especial, o qual seria formado por Deus para trazer a redenção para toda a humanidade. Deus deu a Abraão um filho em sua velhice (cem anos de idade), o qual se chamou Isaque. De Isaque descendeu Jacó, o qual passou a se chamar Israel, do qual nasceu Judá, originado-se o povo judeu. Apesar de Jacó ter tido outros filhos, Deus escolheu, dentre suas tribos, a de Judá para dar continuidade à linhagem messiânica. Este povo, portanto, teve, dentre as muitas responsabilidades, a de preparar o berço do cristianismo, o que fez com muito zelo, para que se cumprisse o propósito divino em relação à redenção da humanidade. Eles esperaram e divulgaram sua esperança durante milênios, até que se consolidou em sua plenitude, a preparação do mundo para receber o Salvador. E o apóstolo Paulo, como já se mencionou acima, ao escrever para as igrejas da Galácia, esclareceu que tudo ocorrera na plenitude dos tempos, ou seja, quando tudo estava preparado conforme o plano de Deus.

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TÓPICO 4 | A CONTRIBUIÇÃO DOS JUDEUS

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2.4 PROPAGAÇÃO DA NOVA FÉ

Finalmente o Salvador nasceu na aldeia de Belém, como vaticinara o profeta Miquéias e, ainda infante, passou a ser perseguido e ameaçado de morte. Foi levado para o Egito e, ao retornar, foi viver em Nazaré, onde passou sua infância e juventude, até que, aos trinta anos de idade, se manifestou em público e passou a anunciar a chegada do Reino de Deus. Ele escolheu, a princípio, doze homens, ou discípulos, aos quais treinou para serem apóstolos e delegou-lhes a missão de propagar as boas novas de salvação para todos os povos.

Portanto, ide e fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo (Mt 28:19) [...] E disse-lhes: Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado (Mc 16:15,16).

Estas instruções foram dadas aos discípulos depois que o Senhor Jesus Cristo ressuscitou, momentos antes de sua ascensão aos céus. Portanto, coube ao povo judeu dar início à propagação do evangelho, fazendo através de intensas perseguições. Contudo, não desfaleceram. Pelo contrário, quanto mais eram perseguidos, tanto mais aumentava o número de pessoas salvas. Isto, porque, o próprio Deus, na pessoa do Espírito Santo, não só os encorajava, mas também lhes dava orientações quanto aonde ir e o que falar. Mesmo porque, não podia ser diferente, como também não o pode ser hoje, uma vez que a salvação é uma dádiva de Deus, através do sacrifício de Seu filho na cruz. Ele mesmo enviou o Espírito Santo para guiar e fortalecer a Sua Igreja através dos milênios, até que decidiu arrebatá-lo para viver consigo por toda a eternidade. Esta Igreja, desde os seus primórdios, tem sobrevivido graças à atuação divina, pois tem sido perseguida, execrada e, além de ultrajes e todo tipo de calúnia, muitos foram sacrificados nas mais diversas modalidades de tortura e crueldade, pelo fato de testemunhar as grandezas de Deus e proclamar a salvação dos pecadores.

Para expandir a disseminação da nova fé, os discípulos tiveram que trilhar os caminhos mais difíceis. As situações políticas e culturais, às vezes, contribuíam para o sucesso da missão, contudo, muitas vezes essas situações serviam de empecilho e, muitas vezes, havia até mesmo tentativas de impedir os missionários. Líderes religiosos promoviam conspirações e, difamando os apóstolos, provocavam suas prisões e até atentavam contra suas vidas. Apesar do Império Romano ter uma paz e uma unidade política em toda a bacia do Mediterrâneo, em algumas regiões ainda perduravam costumes, religiões e leis próprias; e isto muitas vezes dificultava a aceitação da pregação do evangelho que, para muitos, poderia constituir um embargo à sua própria fé, bem como ofensa às suas leis e costumes.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Havia ainda outros fatores que interferiam negativamente à divulgação do evangelho. Isto porque, uma vez que o Império Romano estabeleceu uma unidade política e procurava alcançar a maior unidade possível entre seus súditos, boa parte da política imperial consistia em estabelecer também uma uniformidade religiosa. Neste aspecto, o sincretismo religioso e o culto ao imperador se evidenciavam em todas as regiões do Império. Para um mundo, onde dominava o paganismo, no qual muitos deuses eram cultuados, aceitar o sistema religioso imposto pelos romanos era bem mais fácil do que aceitar o cristianismo, uma religião que suprimia os deuses pagãos e propunha uma fé monoteísta que, além de exigir a crença em um Único Deus, impunha também um estilo de vida que, quase sempre, entrava em choque com a vida e os costumes locais.

Na verdade, este é o propósito do evangelho: operar mudanças radicais não somente no campo religioso, mas em todas as áreas da vida. Em não havendo tais transformações significaria ineficácia do evangelho. O fato de dominar sobre muitas nações com costumes e religiões diferentes, proporcionou um grande aumento na população que ocupava o Panteão Romano, pois cada cultura acrescentava ao ‘templo de todos os deuses’ (significado do termo Panteão), as suas próprias divindades. Confrontar essa milícia de deuses era confrontar todo o estilo de vida do povo, o que constituía um grande desafio para os proclamadores do evangelho.

Considerando que o sincretismo era o sistema religioso que imperava na época, os missionários cristãos se viam obrigados a transitar por vias e praças numa convivência incômoda e desagradável, com mercadores e transeuntes que apregoavam sua crença numa grande variedade de deuses. A variedade de pessoas e, conseqüentemente, a variedade de religiões e deuses se entremesclavam e se confundiam nas praças e nos foros das cidades. Nesse ambiente, tanto judeus como cristãos eram antipatizados e considerados intransigentes, por querer incrementar uma religião estranha e se contrapor às religiões e deuses locais. Isto muitas vezes resultava em prisão, expulsão, ou até mesmo em morte para os discípulos de Cristo.

Esta é a história sobre a qual comentaremos a seguir. Antes, porém, é importante transcrever um comentário do historiador Natanael Duval da Silva, em sua obra, A Igreja Militante (p.11-13, 1951):

É com Jesus Cristo que começa o cristianismo. Entanto, não veio Ele de inopino, sem que houvesse antes uma preparação. Desde séculos esteve essa preparação se fazendo. São Paulo, homem de cultura e de visão, conhecedor do ambiente político e social de sua época tanto quanto da história e das velhas profecias do seu povo judaico, reconheceu isso. Daí afirmar: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho”. Os cristãos, melhor que qualquer outro tipo de gente, reconhecem essa preparação, a qual pode parecer para os outros mera casualidade. Nós, que sabemos que Deus dirige todas as coisas, nitidamente a percebemos. Vejamos, então, o momento em que Cristo veio, essa hora que o Apóstolo denomina “plenitude dos tempos”. E verificaremos que três povos exerciam influência no mundo: romanos, gregos, judeus.

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TÓPICO 4 | A CONTRIBUIÇÃO DOS JUDEUS

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NOTA

Lácio: Região a sudoeste de Roma, situada entre os montes Apeninos e o mar. Na antiguidade, era o território onde se situavam os latinos; povos que empregavam o latim, dentre os quais se destacavam os romanos. Densamente povoado nos primórdios da civilização romana , na época imperial o Lácio tornou-se um balneário para a nobreza romana, que fez construir vilas luxuosas na região. (Nova Enciclopédia Ilustrada FOLHA, v. 2, p. 546).

Qual o papel dos primeiros? Sobre o mundo conhecido e civilizado de então as asas dominadoras das águias romanas soberanamente se abriram. As fronteiras haviam desaparecido. A capital mundial era Roma. E, para que ela estivesse presente em toda parte, estradas cortavam seu vasto império, convergindo todas para a famosa cidade do Lácio . Caminhava-se, pois, com a maior liberdade e facilidade – tudo era romano. Ainda mais, reinava a paz no mundo e, assim, o templo famoso Jano estava fechado, à margem do Tibre. Nada impedia o livre trânsito. São Paulo disso se aproveitará nas suas históricas viagens missionárias.

E o dos gregos? Deram eles a língua universal. O grego era o idioma principal do império romano. Essa predominância da ingá da Hélade se deve a Alexandre da Macedônia. Quando ele, o célebre conquistador, saiu para realizar o sonho de conquistar o mundo, levou consigo a civilização grega. Com suas falanges invencíveis marchavam também a filosofia, as idéias, a língua grega. Procurando helenizar o mundo, Alexandre ensinou a falar como Sócrates, Platão e Aristóteles falavam. Àqueles, pois, que se propusessem a pregar o Evangelho, além de terem ampla liberdade de locomoção, havia a facilidade de serem entendidos em qualquer lugar.

Com referência aos judeus, cumpre assinalarmos a sua dispersão. Eram encontrados em toda a vastidão do Império. E onde estavam, aí estava também o seu livro sagrado, aquelas Escrituras mesmas que falavam do Messias. De passagem, lembremos que até estavam traduzidas para o grego – a Septuaginta – visando os que já não conheciam e nem falavam o velho hebraico, esquecido no tempo do cativeiro babilônico. E guardavam os judeus o monoteísmo judaico e a sua religião de alevantada moralidade quando comparada com as então praticadas.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

NOTA

Algumas palavras são grafadas de modo diferente hoje. Entretanto, foi mantida a fidelidade ao texto original. Inclusive expressões e concordâncias verbais.

E havia mais. As criaturas estavam necessitadas de religião. As divindades gregas bem como o culto ao imperador não satisfaziam as necessidades espirituais dos homens. Marte, Apolo, Hera e Zeus não tinham o poder de responder aos apelos dos corações e das almas. Despovoado estava já o Olimpo, e só servia para a inspiração da lira dos poetas. Espalhara-se pelo mundo o pessimismo e a descrença, enquanto reinava a espectativa e a apreensão. Formavam os homens grandes rebanhos tresmalhados, sem pastores e guias, entregues a si mesmos ou procurando nas religiões de mistério a solução para os seus problemas.

Os próprios judeus, tendo passado 400 anos sem profecia, estavam como que desarvorados. Praticavam uma religião formalista, ditada por escribas e fariseus que haviam já perdido a notável importância do passado. Precisamente para responder a tão trágica situação é que veio o cristianismo. Era a “plenitude dos tempos”.

Philip Hughes escreve: “O primeiro fato importante que se depreende do mundo em que nasceu a Igreja é tratar-se de um mundo cujo interesse pela religião se tornara generalizado. A história pode ligar esse texto (refere-se às palavras de Paulo) com um movimento mundial de transformações religiosas, começando ao tempo de Alexandre o Grande e que atingiu o seu mais alto ponto por ocasião do nascimento de nosso Senhor”. O cristianismo começa com Jesus Cristo. Quem é Ele? Nós O conhecemos através dos Evangelhos, documentos que têm sido mais do que estudados, sofrendo, até, acerbas e hostis críticas. Entanto, a todas elas têm eles resistido. Inegavelmente aí está uma prova da sua autenticidade. Outra prova seria o poder e consolo que almas bem formadas hão encontrado em suas páginas imortais.

FONTE: SILVA, Natanael Duval da. A Igreja Militante. Porto Alegre, Editora Metrópole: 1951.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você viu:

lA contribuição dos judeus: a esperança messiânica, a religião monoteísta, a preparação do berço do cristianismo e a propagação da nova fé.

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Em que consistia a esperança messiânica dos judeus?

2 O que é uma religião monoteísta?

3 Quais as duas principais seitas do judaísmo?

4 Qual era a função dos saduceus?

5 Que grupo administrava a vida religiosa judaica?

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TÓPICO 5

A VIDA DA IGREJA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, estudaremos acerca da vida da Igreja em seus primórdios, bem como as primeiras perseguições. No ardor das perseguições, muitos cristãos pagaram com a própria vida o preço de sua nova fé. Também contemplaremos, neste tópico, a danosa atuação dos imperadores contra o cristianismo.

2 A VIDA DA IGREJA

Passados, aproximadamente, vinte anos depois da crucificação do Senhor Jesus, em todos os centros mais importantes de civilização no entorno do mar Mediterrâneo, havia grupos de seguidores de Cristo. Ao estudarmos o Novo Testamento, principalmente o livro de Atos dos Apóstolos, encontramos menção de cristãos procedentes de várias regiões como: Roma, Corinto, Éfeso, Etiópia, bem como Alexandria, no Egito, e muitas outras cidades espalhadas por toda a vastidão do Império Romano. No capítulo dois, do livro mencionado, está registrada a descida do Espírito Santo, no Dia de Pentecostes, e mais de uma dezena de regiões diferentes estavam ali representadas e se maravilhavam ao ouvir os indoutos discípulos falando uma linguagem que cada grupo entendia em sua própria língua.

E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando? Como pois os ouvimos , cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos? [...] todos os temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus. E todos se maravilhavam e estavam suspensos, dizendo uns para os outros: Que quer isto dizer? (At 2.7-12 ARC).

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Nos primórdios da Igreja, o alvo da mensagem redentora do evangelho era constituído de judeus da Palestina, que eram de cultura hebraica e os judeus da Diáspora, os quais eram de cultura helenística. O que caracterizava a Igreja Primitiva era a sua humildade aliada a uma unidade sustentada pelo amor entre os irmãos. A prática da caridade era uma característica marcante na comunidade cristã primitiva. Eles partilhavam seus bens e também o alimento, de tal maneira, que ninguém passava necessidade. Os que tinham muitas propriedades as vendiam e entregavam o produto da venda aos apóstolos, os quais administravam e faziam a distribuição de alimentos e vestuário para os que não tinham. Com a dispersão provocada pelo tumulto que culminou com a morte de Estevão e, conseqüente, perseguição, se espalharam por todos os lugares, conforme segue nos comentários sobre as perseguições.

Devido a escassez de espaço para um comentário mais longo, é importante transcrever aqui pelo menos dois textos registrados no livro de Atos dos Apóstolos (ARC) capítulos dois, versículos quarenta e dois ao quarenta e sete; e capítulo quatro, versículos trinta e dois ao trinta e sete:

E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações. E em toda alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e fazendas, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração. Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar (2.42-47).

E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns. E os apóstolos davam, com grande poder, testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Não havia, pois entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido, e o depositavam aos pés dos apóstolos. E repartia-se por cada um, segundo a necessidade que cada um tinha. Então José, cognominado pelos apóstolos Barnabé (que, traduzido, é Filho da consolação), levita, natural de Chipre; Possuindo uma herdade, vendeu-a, e trouxe o preço, e o depositou aos pés dos apóstolos (4.32-37).

Assim era a vida da Igreja. Uma comunidade comprometida, liderada por homens competentes e comprometidos com o Reino de Deus. Enquanto os apóstolos pregavam e ensinavam, Deus dava testemunho da sua palavra, operando sinais e maravilhas. Paralelamente, toda a comunidade, além de interceder e louvar, também se dispunha ao ministério de ação social. É claro, bem diferente do o que é a prática do social em nossos dias, pois naquela época o que era distribuído para os pobres eram doações dos ricos, por sua própria iniciativa, numa expressão clara de amor a Deus e ao próximo, enquanto que hoje, alguns se enriquecem e delegam à comunidade a responsabilidade de doar e angariar doações para o serviço social.

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TÓPICO 5 | A VIDA DA IGREJA

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2.1 AS PRIMEIRAS PERSEGUIÇÕES

De acordo com Drane (p.11, 1985), um historiador romano, chamado Suetônio, escrevendo sobre a dispersão dos judeus, descreve uma série de tumultos ocorridos em Roma, causando uma grande confusão entre o povo. Segundo ele, tais tumultos se originaram em torno da divulgação do nome de uma pessoa chamada Chrestus. A identidade precisa desse personagem que causou tanto alvoroço, de tal maneira que levou o imperador Cláudio a expulsar os judeus de Roma, é muito discutida entre os eruditos. Contudo, há um consenso entre os historiadores que os tumultos que ocasionaram essa atitude de Cláudio giraram em torno das discussões sobre a doutrina dos judeus que se tornaram seguidores de Cristo, cuja forma latina do nome é Christus. É importante observar que em meio a estes tumultos é que surgiu o primeiro mártir do cristianismo, um judeu helenista, diácono da igreja, chamado Estevão.

E Estêvão, cheio de fé e de poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo. E levantaram-se alguns que eram da sinagoga chamada dos libertinos, e dos cireneus e dos alexandrinos, e dos que eram da Cilícia e da Ásia, e disputavam com Estêvão. Então subornaram uns homens, para que dissessem: Ouvimos-lhe proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus. E excitaram o povo, os anciãos e os escribas; e, investindo contra ele, o arrebataram e o levaram ao conselho. (At 6.8,911,12 ARC)

No capítulo sete deste mesmo livro bíblico, temos o relato das acirradas discussões, as quais culminaram com a morte de Estevão por apedrejamento.

E ouvindo eles isto, enfureciam-se em seus corações, e rangiam os dentes contra ele. Mas eles gritaram com grande voz, taparam os seus ouvidos, e arremeteram unânimes contra ele. E expulsando-o da cidade, o apedrejaram. E as testemunhas depuseram os seus vestidos aos pés de um mancebo chamado Saulo. E apedrejaram a Estevão, que em invocação dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito. E, pondo-se de joelhos, clamou com grande voz: Senhor, não lhes imputes este pecado. E, tendo dito isto, adormeceu. (At 7.54,57-60 ARC)

A partir de então, as perseguições aos discípulos de Cristo se generalizaram. Entretanto, ao fugirem de um lugar para outro, eles não deixaram de dar testemunho da pessoa e da obra redentora de Cristo. Ao chegar à região da Síria, eles se estabeleceram em Antioquia, como que formando um quartel general, pois dali eles enviavam ou eram enviados pela Igreja, para levar as boas novas de Jesus Cristo às outras regiões. Foi também nessa cidade que o povo começou a chamar de cristãos aqueles que seguiam e apregoavam as doutrinas de Cristo.

E Também Saulo consentiu na morte dele (de Estêvão). E fez-se naquele dia uma grande perseguição contra a igreja que estava em Jerusalém; todos foram dispersos pelas terras da Judéia e Samaria, exceto os apóstolos. Mas os que andavam dispersos iam por toda a parte, anunciando a palavra... E os que foram dispersos pela perseguição que sucedeu por causa de Estêvão caminharam até à fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra senão somente aos judeus. E sucedeu que todo o ano se reuniram, e ensinaram muita gente; e em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos. (At 8.1,4; 11.19, 26 ARC)

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

O próprio Saulo se tornou um feroz perseguidor dos cristãos, com o aval dos líderes do judaísmo, ou seja, ele se colocou a serviço dos judaizantes em perseguição aos cristãos, embora julgasse estar prestando serviço a Deus. Com a morte de Tiago em 42, a mando de Herodes Agripa, o grupo dos doze apóstolos também se dispersou. Em 66, houve uma série de rebeliões e a comunidade cristã, que ainda não era muito grande, se refugiou em Pela, na Decápole. A dispersão dos judeus foi de extrema importância para a propagação da fé cristã, porque, onde chegavam os judeus, ali surgia também uma sinagoga e esta foi fundamental nos primeiros anos da evangelização. O cristianismo encontrou terreno fértil nas comunidades que eram simpáticas à lei mosaica e, a partir destas comunidades, foram surgindo as primeiras igrejas cristãs fundadas pelo apóstolo Paulo.

Nessas sinagogas, os líderes faziam a leitura das Escrituras e, quando havia algum irmão visitante que estivesse de passagem por ali, esse irmão era convidado a comentar para os demais, acerca da leitura que fora feita. Assim, o apóstolo Paulo, em não poucas ocasiões, teve oportunidade de ouvir a leitura do texto e depois dirigir a palavra para a comunidade reunida. E em sua explanação, ele esclarecia sobre a Lei de Moisés, mostrando que essa lei fora cumprida por Cristo e que, a partir de então, muitos itens da lei, como a circuncisão, por exemplo, agora já não era necessário serem observadas. É evidente que isto gerava insatisfação por parte de alguns judaizantes, mas, por outro lado, era compreendido pela maioria e grande parte destas comunidades abraçava a nova fé com alegria, pois se julgavam livres dos ditames da lei que lhes eram impostos de forma arbitrária e radicalista pelos líderes do judaísmo.

Os adeptos do legalismo judaico começaram a perceber que estavam perdendo terreno com a propagação do evangelho e promoviam conspirações contra Paulo e outros missionários. Geralmente essas conspirações se transformavam em tumultos, exigindo a intervenção das autoridades romanas. Quando havia interferência das forças militares romanas, eles acusavam o apóstolo de baderneiro, ao mesmo tempo em que, perante as autoridades religiosas, acusavam o apóstolo de ensinar ao povo contra a Lei de Moisés. Daí a necessidade do apóstolo de se retirar de uma cidade para outra, contudo, sua passagem sempre deixava rastros positivo, pois, ao fundar uma comunidade cristã, ele nomeava um líder para cuidar da obra e partia para outros lugares, onde sempre abria novas igrejas.

A perseguição contra os cristãos e a pregação do evangelho, iniciada logo nos primórdios da Igreja, continuaram através dos séculos e ainda continuam em nossos dias, ainda que de maneira mais sutil. Hoje, essa perseguição se manifesta em forma de discriminação, difamação, escárnio e até por leis proibitivas como pretexto para tolher os movimentos da Igreja do Senhor Jesus Cristo. Naquela época, porém, as perseguições eram pautadas por prisões, açoites e toda a sorte de crueldade, inclusive o martírio que culminava em morte, a qual era imposta aos cristãos nas mais variadas maneiras de crueldade.

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TÓPICO 5 | A VIDA DA IGREJA

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2.2 OS PRIMEIROS MÁRTIRES

Os cristãos, no primeiro século, constituíram um exemplo vivo de fé, de coragem e, acima de tudo, de dedicação e submissão à vontade de Deus. O Coliseu romano foi palco das mais terríveis atrocidades praticadas contra os cristãos. Entretanto, não foram apenas as autoridades do Império que perseguiram os cristãos. Pelo contrário, na maioria dos casos, os governantes romanos agiam por imposição das autoridades religiosas judaicas. Como exemplo mais sublime, o próprio Senhor Jesus, que veio a este mundo com o objetivo único de trazer redenção aos pecadores, mesmo ele dando prioridade aos seus irmãos de raça, foi perseguido, ultrajado, preso e condenados por eles à morte na cruz. O que de fato ocorreu, mesmo tendo o procurador romano tentado livrá-lo da morte, eles preferiram que Pilatos soltasse um conspirador e homicida chamado Barrabás e crucificasse a Jesus.

Portanto, estando eles reunidos, disse-lhes Pilatos: Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo? Porque sabia que por inveja o haviam entregado... Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que pedisse Barrabás e matasse Jesus. E, respondendo o presidente, disse-lhes: Qual desses dois quereis vós que eu solte? E disseram: Barrabás. Disse-lhes Pilatos: Que farei então de Jesus, chamado Cristo? Disseram-lhe todos: Seja crucificado. O presidente, porém, disse: Mas que mal ele fez? E eles mais clamavam, dizendo, dizendo: Seja crucificado” (Mt 27.17,18,20-23 ARC).

Como se pode observar, não foi o povo, mas, sim, os líderes religiosos que queriam a morte do Senhor, mesmo diante das ponderações de Pilatos. Estes, sabendo que a lei romana, que apesar de dura e cruel com os criminosos, jamais condenaria um inocente, inflamaram a multidão, constrangendo-a a pedir a libertação de um perigoso homicida e a condenação do inocente Filho de Deus.

É evidente que este comentário é apenas para salientar a crueldade do coração humano, principalmente daqueles que se acobertam sob a capa da religiosidade, para alcançar seu infames objetivos. Desde séculos, os profetas já vaticinavam os sofrimentos e a morte do Messias esperado, ou seja, o objetivo do Senhor Jesus era a morte na cruz, pois só assim seria consumado o plano divino para a redenção do homem, como afirmou o autor da carta aos Hebreus: “E semelhantemente aspergiu com sangue o tabernáculo e todos os vasos do ministério. E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9.21,22 ARC). Eis porque foi necessária a morte do Salvador, pois a própria justiça divina exigia o sangue imaculado para ser satisfeita e, conseqüentemente, o homem é justificado.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Considerando que a morte de Cristo já estava prevista como fator principal nos propósitos de Deus, em relação à salvação do homem, o cristianismo considera Estêvão como seu primeiro mártir; cujo martírio foi descrito e comentado anteriormente. Muitos outros discípulos do Senhor Jesus Cristo foram martirizados no período da formação e organização da Igreja, ainda no primeiro período das perseguições, alguns dos quais estaremos enumerando e comentando, conforme relatado por Raimundo Oliveira, em sua obra História da Igreja, (p. 29, 1984), baseado nas tradições judaicas:

Mateus, que também se chamava Levi, filho de Alfeu (Mc 2.14 ARC). Era coletor de impostos e, no exercício desta função, foi chamado pelo Mestre para segui-lo. Segundo a tradição histórica, depois da ascensão do Senhor Jesus, pregou o evangelho na Palestina pelo espaço aproximado de quinze anos e depois passou a viajar para outros países anunciando o evangelho. Algum tempo depois, sofreu martírio pela espada na Etiópia.

João Marcos. João é seu nome judaico; e Marcos é seu nome romano. Vivia em Jerusalém e foi discípulo do apóstolo Pedro. Segundo a tradição histórica, Marcos foi o fundador da igreja em Alexandria no Egito. Foi nesta cidade que ele foi amarrado à cauda de um animal e arrastado pelas ruas até morrer.

Lucas. Era homem culto e exercia a medicina. Ele foi seguidor de Paulo e, provavelmente, seu médico particular. Escreveu o evangelho que leva seu nome e também o livro de Atos dos Apóstolos. É considerado o primeiro historiador da Igreja e apologista literário do cristianismo. Foi martirizado e morreu enforcado em uma oliveira na Grécia.

João. Escreveu o evangelho que leva seu nome, três epístolas e o livro do Apocalipse. Segundo a tradição, foi o único que, ainda que torturado, não morreu em conseqüência do martírio. Ele foi colocado dentro de uma caldeira de óleo fervente e, posteriormente foi desterrado para a ilha de Patmos para morrer ali. Contudo, depois de receber a revelação do Apocalipse, foi reconduzido para a cidade de Éfeso, onde assumiu o bispado das igrejas da Ásia por volta de 66 e exerceu este ministério por aproximadamente vinte e cinco anos. Teve morte natural e faleceu por volta dos anos 98 a 100.

Tiago, irmão de João, foi decapitado a mando do rei Herodes, em Jerusalém.

Tiago, o menor, foi lançado do templo abaixo, contudo não morreu na queda, como se esperava. Quando seus carrascos descobriram que ainda vivia, mataram-no a pauladas.

Filipe. Foi enforcado em Hierápolis, na Frigia.

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TÓPICO 5 | A VIDA DA IGREJA

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Bartolomeu. Por ordem de um rei bárbaro, de nome desconhecido, foi esfolado vivo. Seu corpo, sem a pele, ficou exposto ao sol até que morreu.

Tomé. Foi amarrado a uma cruz e, segundo a tradição, ainda pregou o evangelho até que veio a falecer.

André. Foi martirizado e teve seu peito atravessado por uma lança, vindo a falecer.

Judas. Segundo a tradição, foi martirizado e morto a flechadas.

Simão, o Zelota. Morreu crucificado na Pérsia.

Matias. Foi primeiramente apedrejado, para depois ser decapitado.

Pedro. Segundo a tradição, foi crucificado de cabeça para baixo.

Paulo. Estava acorrentado em um cárcere romano, quando disse: “Porque já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda” (II Tm 4.6-8 ARC). Pouco tempo depois de ter escrito estas palavras, o apóstolo foi decapitado por ordem do imperador.

FONTE: OLIVEIRA, Raimundo F. de. História da Igreja. Campinas, SP: EETAD, 1984.

Estes foram os primeiros cristãos que, perseverantes, selaram a sua fé com a própria vida. Mesmo diante de seus algozes, em nenhum momento, blasfemaram ou se desesperaram. A tradição afirma que muitos carrascos se converteram, mediante o testemunho de fé e coragem de suas vítimas.

2.3 OS IMPERADORES E AS PERSEGUIÇÕES

Neste tópico, será apresentada uma lista dos imperadores romanos desde Augusto, 27 a.C. até Licínio, que encerrou seu governo em 323 d. C. Maior destaque será dado àqueles que governaram no período de maior perseguição ao cristianismo, ou seja, de Nero (54-68) até Diocleciano (284-305). Esta observação se faz necessária pelo fato de, nesta unidade, estarmos relatando a história da igreja apenas até o terceiro século, sendo que na segunda unidade estaremos relatando a partir de Constantino, o qual assumiu o trono no início do século IV. Também serão destacados alguns eventos ocorridos sob a gestão de alguns dos imperadores.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Augusto (27 a.C. – 14 d.C.). Primeiro imperador de Roma, cujos principais feitos já foram comentados anteriormente. Foi durante sua administração que nasceu o Senhor Jesus Cristo, fundador do Cristianismo.

Tibério (14-37). Tibério Cláudio César Augusto. Segundo imperador romano. Durante a sua administração, dois fatos de extrema importância para a humanidade aconteceram: a morte e a ressurreição do Senhor Jesus Cristo.

Calígula (37-41). Assumiu o governo do Império depois de Tibério, período em que a Igreja estava em fase de formação. Ele fora nomeado co-herdeiro das propriedades de Tibério, juntamente com Tibério Gemellus, neto do imperador. Com a morte do imperador Tibério, o senado romano decretou a invalidade de seu testamento, beneficiando assim a Calígula, que se tornou o único herdeiro. Embora tenha adotado o neto do imperador, Calígula mandou executá-lo mais tarde. Calígula manifestou ser portador de loucura sádica de irresponsabilidade. Nesta situação, mandou erigir uma estátua sua no Santo dos Santos do templo. Seu assassinato, em 41, impediu um violento levante por parte dos judeus, por causa da profanação do santuário.

Cláudio (41-54). Tibério Nero Druso Germânico. Segundo Champlin, (v. 1, p. 761, 1996), Cláudio tomou três medidas em relação ao cristianismo: a) expulsou os judeus de Roma; b) Reprimiu agitadores judeus importados da Síria para a cidade de Alexandria; c) Um decreto imperial punia, com certo rigor, os violadores de túmulos. Esse decreto, provavelmente de Cláudio, teria sido publicado na Galiléia. Há indícios de que tenha sido por causa dos rumores de que os discípulos teriam furtado o corpo de Jesus no túmulo para dizerem que o Senhor ressuscitara.

Nero (54-68). Segundo a narrativa histórica, a Igreja, desde a morte de Cristo, sofreu uma série de perseguições; ora com maior, ora com menor intensidade. Normalmente, essas perseguições eram provocadas por judeus fanáticos que lideravam o judaísmo. Em algumas poucas ocasiões, houve gentios que também se levantaram contra os cristãos. Até então, não se encontra nenhuma referência histórica que aponte imperadores ou autoridades romanas como responsáveis por qualquer tipo de perseguição aos seguidores de Cristo. Nero, porém, veio interromper essa linha de procedimentos de seus antecessores; surgindo como o primeiro e o mais cruel governante romano a perseguir a Igreja do Senhor Jesus. Nos primeiros anos de seu governo, os cristãos agiam com relativa liberdade. Havia cristãos entre os funcionários do governo e até mesmo dentro da família imperial.

A história registra que a escalada de violência, que marcou o reinado de Nero, teve início no ano 55. Nesse ano, durante uma festa, Nero envenenou a seu irmão adotivo, chamado Britânico. No ano 60, mandou matar sua própria mãe, Agripina. Ordenou também a morte de sua esposa Otávia, para ter o caminho livre e se casar com Popéia. No verão do ano 64, sob o pretexto de reedificar a cidade de Roma, mandou incendiar um dos bairros mais pobres da cidade. Enquanto as chamas ardiam, ele, tranqüilamente, tocava lira, no aconchego de

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TÓPICO 5 | A VIDA DA IGREJA

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seu palácio e dava gargalhadas, observando o desespero dos moradores do bairro em chamas. Para a população, Nero era o principal suspeito, mas, para afastar de si as suspeitas, ele acusou os cristãos como responsáveis pelo incêndio. Uma terrível perseguição se desencadeou contra os seguidores de Cristo e milhares foram torturados e mortos, entre eles, o apóstolo Paulo. O célebre historiador Tácito descreve, de maneira dramática, o terror que assolou a Igreja:

Em primeiro lugar foram interrogados os que confessaram; então, baseado nas suas informações, uma vasta multidão foi condenada, não tanto pela culpa de incendiários, como pelo ódio pela raça humana. A sua morte foi tornada mais cruel pelo escárneo que a acompanhou. Alguns foram vestidos de peles e despedaçados pelos cães; outros morreram numa cruz ou nas chamas; ainda outros foram queimados depois do pôr-do-sol, para assim iluminar as trevas. Nero mesmo cedeu os seus jardins para o espetáculo; deu uma exibição no circo e vestiu-se de cocheiro; ora associando-se com o povo, ora guiando o próprio carro. Assim, ainda que culpados e merecendo a pena mais dura, tinha-se compaixão deles, pois parecia que estavam sofrendo a morte não para beneficiar o Estado, mas para satisfazer a crueldade de um indivíduo. (Anais, XV, 44)

A Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, (v. 2, p. 681, 1996), traz as seguintes informações acerca de Nero:

Nero, Cláudio César Druso Germânico (c.37-68 d.C.), imperador romano (54-68). Foi adotado por Cláudio, que havia se casado com sua própria sobrinha Agripina, mãe de Nero. Com a suspeita morte de Cláudio, em 54, Nero sucede-o no trono e envenenou Britânico, o filho de Cláudio com Messalina. Nero matou sua mãe para impelir seu tutor de infância, o conselheiro de Estado Sêneca, a cometer suicídio e fez executar sua própria esposa, Otávia. Outra esposa sua, Pompéia, morreu como conseqüência da sua violência. Foi o primeiro imperador a perseguir os cristãos, muitos dos quais foram executados. Via a si mesmo como artista, cantor, ator e auriga. A Nero é atribuída a autoria do incêndio em Roma, em 64 d.C, na esperança de reconstruí-la com esplendor. As ruínas remanescentes de sua ‘Casa Dourada’, um maciço edifício com uma estátua dele mesmo como o deus-sol, além de magníficas moedas, demonstram um alto padrão estético. Após a revolta que eclodiu em 66. d.C. na Palestina, seguida por uma rebelião do exército na Gália, Nero cometeu suicídio.

Principais eventos do reinado de Nero: Incêndio de Roma; Perseguição cruel; Cristãos de Jerusalém fogem para Pela (66).

Galba (68-69). Seu reinado foi curto e, embora em período de perseguições contra a Igreja, não temos informações acerca de sua atuação em relação às perseguições.

Oto (69). Reinado muito curto e não temos mais informações a seu respeito ou de seu relacionamento com o cristianismo.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Vitélio (69). Não sabemos quanto tempo reinou, mais foi muito pouco, se observarmos que o governo do Império, no ano 69, passou por mãos de quatro governantes.

Vespasiano (69-79). Seu nome completo era Titus Flavius Sabinus Vespasianus. Ele dirigia o cerco em Jerusalém, por causa de uma revolta dos judeus, quando foi convocado para ser imperador em Roma. Ao partir, deixou se filho Tito como general em chefe das forças romanas. O principal evento ocorrido em sua gestão foi a queda de Jerusalém (70). Foi um reinado muito conturbado, marcado por conspirações e rebeliões.

Tito (79-81). Seu nome completo era Titus Flavius Vespasianus; era filho de Vespasiano, a quem sucedeu no trono. Também sucedera seu pai no comando das forças romanas e ficou muito conhecido como general Tito, que comandou o exército romano e foi o responsável pela queda de Jerusalém (70).

Domiciano (81-96). No que diz respeito às questões religiosas, Domiciano foi o primeiro imperador a reivindicar honras divinas, ainda em vida, porque, antes de sua gestão, acreditava-se que os imperadores depois que morriam assumiam uma posição de divindade e eram cultuados. A pretensão e exigência de adoração ainda em vida começaram com Domiciano. Foi também este imperador o autor de uma das maiores perseguições à Igreja do Senhor. Ele acusou os cristãos de ateus por se recusarem a prestar-lhe cultos. Ele perseguiu e matou milhares de cristãos, entre eles seu próprio primo, Flávio Clemente. Sua esposa Flávia Domitila foi exilada por ser cristã e também foi sob seu governo que o apóstolo João foi exilado para a ilha de Patmos.

Nerva (96-98). Foi sucessor de Domiciano e antecessor de Trajano. Não temos informações acerca de seu relacionamento com os cristãos, embora fosse num período de perseguições.

Trajano (98-117). Marcus Ulpius Traianus. Nasceu na Espanha e exerceu várias funções civis e militares. Era governador da Germânia, quando descobriu que fora adotado como filho, pelo imperador Nerva. Este fato lhe assegurou o direito à sucessão ao trono. Embora considerado um dos melhores imperadores, decidiu manter as leis do Império; entre elas a que considerava o cristianismo como uma religião ilegal, pois a Igreja era tida como uma sociedade secreta e, portanto, proibida pelas leis romanas. Embora não molestasse os cristãos, castigava com todo o rigor aqueles que porventura fossem acusados de algum delito. Simão, bispo de Jerusalém e irmão de Jesus, morreu crucificado (107) e Inácio, segundo bispo de Antioquia, foi levado preso para Roma e lançado vivo às feras (110). Estes figuram entre os muitos cristãos que sofreram martírio durante o reinado de Trajano.

Plínio. Enviado de Trajano à Ásia Menor, para castigar os cristãos que se recusassem a negar sua fé em Cristo. Ele escreveu ao imperador Trajano uma carta-relatório acerca dos cristãos nestes termos:

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TÓPICO 5 | A VIDA DA IGREJA

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Eles afirmaram que o seu crime e o seu erro resumiam-se nisto: costumavam reunir-se num dia estabelecido, antes do raiar do dia, e cantavam, revezando-se um hino a Cristo, como a um deus, e obrigavam-se a não roubar, nem furtar, nem adulterar; nunca faltar á palavra; nunca ser desleal, ainda que solicitados. Depois de fazerem isto, a praxe era separarem-se e depois se reunirem novamente para uma refeição comum.

Adriano (117-138). Apesar de dar continuidade à perseguição, tratava com benevolência os cristãos; o que resultou em significativo progresso do cristianismo. Conforme Champlin (vl 1 p 65, 1996), Adriano mandou construir, em Jerusalém, um templo em honra a Júpiter. Os judeus, liderados por Barcocheba, que fingia ser o Messias, se rebelaram e, de armas em punho, provocaram várias batalhas durante quase três anos. Finalmente derrotados, grande parte dos sobreviventes foram vendidos como escravos e os demais foram expulsos. A partir de então, Jerusalém ficou sem nenhum habitante judeu.

Antonino, o Pio (138-161). Embora tenha abrandado a perseguição ao cristianismo, Antonino decidiu manter a lei que considerava ilegal qualquer sistema religioso que não reconhecia como legítimos os deuses do Império. Muitos cristãos foram martirizados naqueles dias, dentre os quais se encontrava Policarpo, que fora discípulo do apóstolo João.

Marco Aurélio (161-180). Considerava a defesa da religião oficial do Império como uma necessidade política e incentivou ainda mais a perseguição ao cristianismo. Depois de Nero, é considerado o imperador mais cruel e sanguinário. No seu reinado, milhares de cristãos foram decapitados e lançados às feras. Tamanha era a crueldade de suas torturas, que é difícil acreditar que os cristãos as resistiam sem demonstrarem medo. Entre os decapitados está Justino, o qual figura entre os maiores apologistas do cristianismo. Uma escrava cristã chamada Blandina, foi supliciada durante um dia inteiro; a única frase que pronunciava era: “Sou cristã! Entre nós não se pratica mal nenhum”.

Cômodo (180-192). Provavelmente, deu continuidade à perseguição, embora não tenhamos muitas informações acerca de seu relacionamento com os cristãos.

Pertinax, Dídio Juliano e Níger (193/4). Estes três personagens são mencionados por Justo González (v. 1, p. 6, 1988), como imperadores no período citado. Contudo, não conseguimos maiores informações a respeito de suas relações com o cristianismo.

Sétimo Severo (193-211). A violenta perseguição durante esse governo se concentrou com maior intensidade no Egito e ao norte da África. Em Alexandria, havia muitos martírios diariamente. Uns eram degolados, outros eram queimados vivos e ainda outros eram crucificados. Entre os mártires figura Leônidas, pai de Orígenes. Em Cartago, uma nobre senhora de nome Perpétua e sua filha chamada Felicidade foram lançadas vivas na arena e estraçalhadas pelas feras.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Caracalla, Geta, Opilio Macrino, Heliogábalo, Alexandre Severo (211-235). Estes são os imperadores que reinaram no período compreendido entre Sétimo Severo e Maximino I, a respeito dos quais não possuímos maiores informações.

Maximino I (235-238). Deste imperador, só sabemos que muitos líderes cristãos sofreram martírio e morreram durante sua gestão. Orígenes conseguiu se esconder a tempo e escapou da morte.

Máximo Pupieno e Balbino (238); Gordiano (238-244); Felipe (244-249). Não temos informações sobre as relações entre estes imperadores e os cristãos.

Décio (249-251). Foi imperador, “Também foi soldado e administrador. Aderira à antiga fé pagã, e deu início a uma perseguição sistemática contra os cristãos, com a idéia de extingui-los totalmente” (CHAMPLIN, v. 2, p.27, 1996). A perseguição, no período deste governo, se estendeu por todo o Império. Roma, norte da África, Egito e Ásia foram as regiões que mais sofreram com a perseguição. Tamanha eram a crueldade e a violência com que multidões eram massacradas, que Cipriano, em seu comentário a respeito dessa época disse: “O mundo inteiro está devastado”.

Galo e Emiliano (251-253). Destes dois imperadores não temos muitas informações.

Valeriano (253-260). A narrativa da história afirma que este imperador foi ainda mais cruel do que Décio. Sua intenção também era destruir totalmente o cristianismo. Cipriano, bispo de Cartago, e milhares de outros líderes cristãos foram executados a mando desse imperador.

Galieno, Cláudio II, Aureliano, Tácito, Probo, Caro e Carino (260-283). Não temos uma fonte de informação segura para afirmar se estes imperadores perseguiram ou não os cristãos; embora saibamos que governaram no período de muitas perseguições.

Diocleciano (284-305). “Imperador romano entre 284-305 d.C. Temendo a força da Igreja cristã, ele promoveu a última grande perseguição contra os cristãos, que só chegou ao fim quando do governo de Constantino” (CHAMPLIN. v. 2, p.163, 1996). Como se pode observar, este imperador empreendeu a última e a mais severa de todas as perseguições contra a Igreja. Essa perseguição perdurou por dez anos. Os cristãos eram caçados como se fossem animais, pelas cavernas e florestas, e eram mortos da maneira mais cruel e terrível que se possa imaginar. Ora eram queimados vivos, ora eram lançados vivos às feras.

Encerramos nossos comentários acerca das perseguições sofridas pela Igreja do Senhor Jesus, nos primórdios de sua formação, citando dois parágrafos do comentário de Daniel-Rops, da Academia Francesa. O comentário completo encontra-se no capítulo IV da obra a seguir, cuja leitura sugerimos, pois não temos espaço suficiente nesse caderno. A trilogia de Daniel-Rops está inserida

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TÓPICO 5 | A VIDA DA IGREJA

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na bibliografia relacionada no final deste caderno de estudo. Sugerimos sua aquisição e leitura, pois é uma História Completa e detalhada do cristianismo, desde os seus primórdios à época em que foi escrita.

O relato das perseguições constitui uma das páginas mais grandiosas da história do cristianismo; aquela que, misticamente, liga com o laço mais estreito a experiência da alma cristã à de Jesus, seu modelo. Completando na sua carne o que faltava ainda à paixão de Jesus, no dizer de São Paulo ‘Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja’. (Col. 1.24 ARC) Estes heróis dos primeiros tempos imprimiram na sua crença o selo do sacrifício voluntário, sem o qual nenhuma verdade triunfa neste mundo, e propuseram às futuras gerações modelos que nem as tentativas de mitigá-los nem os exageros piedosos de alguns comentaristas têm conseguido tornar vãos. Ainda hoje, no calendário litúrgico, pelo menos a metade dos santos venerados pertence a este período. E é em virtude de tais exemplos que até os nossos dias o testemunho cristão se renova no sacrifício voluntariamente aceito.

Acerca deste longo período trágico, estamos de modo geral bastante bem informados. Uma vez que as comunidades cristãs consideravam os dramas ocasionados pela morte de tantos dos seus não apenas como calamidade, mas como brilhantes manifestações de fé, comunicavam sempre aos seus irmãos aquilo que se havia passado, mesmo no meio da tormenta. Expediam umas às outras relatórios, muitas vezes minuciosos, dos ‘combates’ que tinham travado e dos ‘triunfos’ que tinha alcançado aqueles que o Divino Mestre designara para a sua messe. Conhecemos muitos desses relatórios imediatos, como por exemplo, o da paixão de São Policarpo ou o dos mártires de Lyon. Possuímos também cartas enviadas pelos bispos das comunidades, quando eles próprios se encontravam na prisão, destinados ao sacrifício, a fim de dar instruções aos seus sacerdotes ou diáconos ou exortarem à paciência e à coragem os seus fiéis. Não se pode imaginar um tom mais pungente do que o que envolve, na sua precisão quase administrativa, estes documentos assinados com sangue.

FONTE: ROPS, Daniel. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, São Paulo: Quadrante, 1988.

UNI

Para se obter a lista completa de todos os imperadores romanos acesse: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/RolImpRo.html

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RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico, você viu:

lA vida da Igreja: as primeiras perseguições; os primeiros mártires; os imperadores.

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A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Qual a característica comum que encontramos em Nero e Diocleciano?

2 Nomeie dois mártires e explique como morreram.

3 Descreva a morte do evangelista Marcos.

4 Quem foram os primeiros perseguidores dos cristãos?

5 Quem foi o primeiro mártir do cristianismo e como morreu?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 6

OS PAIS DA IGREJA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Embora, nesta unidade, estejamos comentando a História da Igreja nos três primeiros séculos, achamos, por bem, ao falarmos dos Pais da Igreja, estender os comentários até Agostinho, que viveu entre o quarto e o quinto séculos (354-430). Faremos menção de seu nome, o de Eusébio, o de João Crisóstomo, os quais, embora antes de Agostinho, também viveram e testemunharam após o terceiro século, nas próximas unidades. Somente neste. estamos dedicando um capítulo para falarmos especificamente sobre os Pais da Igreja, os quais defenderam com denodo a fé cristã; sendo que a maioria deles foi punida com a tortura e a morte; padecendo toda sorte de crueldade em defesa de sua fé, naquele que também padeceu toda sorte de crueldade para, finalmente, padecer a morte mais cruel e vergonhosa: a morte na cruz. Isso ele fez, para garantir a vida eterna a todos quantos venham nele crer. Portanto, compete a nós, salvos por ele, corresponder a seu sacrifício, testemunhando fielmente o seu amor, a sua graça e a sua salvação. Para nos estimular, temos os marcantes exemplos destes homens que, embora sendo servos, se tornaram para nós os maiores heróis, que chamamos “Pais da Igreja” ou “Apologistas”.

2 EXEMPLOS DE FÉ E CORAGEM

Tornaram-se conhecidos como “Pais da Igreja” alguns homens que se destacavam por levarem uma vida piedosa e comprometida com o serviço a Deus e à sua Igreja. Muitos desses homens foram discípulos ou conviveram com os apóstolos. Outros conviveram ou foram discípulos de alguns dos discípulos dos apóstolos, ou seja, eram homens de convivência mais próxima dos primeiros apóstolos. Homens que conviveram e até mesmo foram vítimas de perseguições, mas que, apesar de tudo, tinham perseverado em sua fé e em sua devoção a Cristo. Outra característica inerente aos pais da Igreja é que conheciam todas as mazelas da Igreja e estavam sempre buscando soluções para os problemas que surgiam.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Pode-se dizer que eram homens que, de maneira natural, se tornavam ou eram reconhecidos como verdadeiros líderes, em quem o povo confiava e a quem o povo procurava para buscar aconselhamento, orientações quanto ao que se devia fazer em determinadas situações etc. Esses homens são chamados também de Padres da Igreja ou Pais Apostólicos. Eles formam uma enorme lista, mas devido à carência de espaço, estaremos comentando sobre aqueles que mais se destacaram. Além das características mencionadas, vale destacar também que esses homens, através de seus escritos, prestaram uma grande contribuição à Igreja, pois citavam e provavam a autenticidade dos escritos do Novo Testamento, definindo com clareza a verdadeira doutrina do cristianismo apostólico. São estes os Pais Apostólicos:

Clemente de Roma. Há uma controvérsia em torno deste nome. Quando se trata da lista dos Pais da Igreja, a grande maioria dos historiadores e comentaristas encabeçam a lista com Inácio de Antioquia. Entretanto, Natanael Duval da Silva, em Igreja Militante (1951), no-lo apresenta como sendo o terceiro bispo de Roma e o mais antigo dos Pais da Igreja. A polêmica reside no fato de alguns defenderem a possibilidade de se tratar do mesmo Clemente I, um dos primeiros papas da Igreja Católica. Considerando, porém, que o papa Clemente I exerceu o pontificado no período entre 88 e 97 e, portanto, foi contemporâneo de Inácio, logo se pergunta: dois bispos de Roma ou dois Pais da Igreja ao mesmo tempo? Improvável. Outros o confundem com o Clemente citado por Paulo em sua carta aos Filipenses, capítulo quatro, versículo três. Também é improvável, pois não há nenhum indício de que o bispo de Roma tenha estado alguma vez em Filipos.

Segundo Champlin e alguns outros comentadores (1996), Clemente I teria sido o terceiro ou o quarto sucessor de Pedro e teria sido ordenado pelo próprio apóstolo Pedro, que a Igreja Roma insiste em afirmar que fora o primeiro papa. Ora, segundo os Anais da História, ), Pedro teria morrido por volta do ano 67. Como poderia ele ordenar o seu terceiro sucessor, vinte anos mais tarde? Polêmicas à parte, vamos continuar com o comentário de Natanael. Segundo este historiador (1951), Clemente fora o mais antigo dos Pais da Igreja e a ele fora atribuída a autoria de uma carta que surgiu durante a perseguição promovida por Domiciano. Ele pertenceria à família de Domiciano e fora martirizado no ano 96. Realmente existiu um parente de Domiciano que se convertera ao cristianismo e fora martirizado por aquele imperador. Entretanto, não se pode afirmar, com precisão, que se trate da mesma pessoa, mesmo diante das coincidências.

Clemente, o terceiro bispo de Roma, apontado como sendo o mais antigo dos Pais da Igreja, escreveu, em estilo Paulino, uma carta para a igreja de Corinto quando esta expulsou os seus presbíteros. Essa carta teria sido de muita importância para a igreja, pois era muito esclarecedora acerca da interpretação dos textos do Novo Testamento e a organização do corpo ministerial da Igreja. Clemente é, também, apontado por alguns eruditos como possível autor da Epístola aos Hebreus.

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TÓPICO 6 | OS PAIS DA IGREJA

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Inácio (67-110). Piedoso discípulo do apóstolo João e bispo de Antioquia, na Síria. Inácio escreveu sete cartas, as quais fazem parte do acervo dos escritos dos pais apostólicos da Igreja. Ele foi preso em Antioquia e levado sob escolta militar para Roma, onde fora lançado às feras e devorado por elas, no reinado de Trajano. As três primeiras cartas, ele escreveu aos efésios, aos magnesianos e aos tralianos. Nessas cartas, ele agradece pelo carinho dedicado a ele por aquelas comunidades. Exorta quanto à necessidade de obediência e submissão às autoridades e adverte quanto ao perigo das heresias. A quarta carta foi escrita de Esmirna e endereçada à Igreja em Roma. As cartas de cinco a sete foram escritas em Trôade e endereçadas aos cristãos de Esmirna, de Filadélfia e uma de cunho pessoal para Policarpo, pastor de esmirna. Estas sete cartas foram escritas enquanto estavam a caminho de Roma, onde seria condenado à morte, estraçalhado e devorado pelas feras. Segundo os historiadores, ao chegar a Trôade, Inácio muito se alegrou ao receber a notícia de que a perseguição aos cristãos de Antioquia havia cessado.

Inácio pastoreava a igreja em Antioquia, mas se preocupava com todas as outras comunidades. Pelo que, então, escrevia para essas comunidades, exortando-as a permanecer firmes e corajosamente diante das tribulações que as assolavam. Ele foi o primeiro a usar o termo Igreja Católica. Atribuía uma posição de autoridade à igreja de Roma, sob o argumento que tanto Pedro, quanto Paulo, havia ministrado naquela igreja. Segundo ele, o bispo era comparado com Deus ou com Cristo, os anciãos eram comparados com os apóstolos e os diáconos aos servos da igreja. O bispo seria o mestre e, conseqüentemente, o despenseiro dos mistérios de Cristo. Ele também concordava e defendia a prática do celibato, contudo, não poderia ser uma imposição ao sacerdote. Deveria ser exercido voluntariamente, conforme a vocação de cada um. Ele dizia que todos os cristãos, em conjunto, formavam a Igreja Católica (universal). Em sua carta a Policarpo, jovem pastor da igreja em Esmirna, após muitas exortações, quanto à necessidade de perseverança, coragem e fé, em meio às perseguições, ele diz: “Que nada te perturbe. Fica firme como a bigorna sob o malho. Um grande lutador é espancado, e mesmo assim vence”.

Segundo o comentário de Raimundo de Oliveira, em História da Igreja (1984), nas cartas que Inácio escrevera, ele rogava aos irmãos que não tentassem conseguir sua absolvição junto ao imperador, pois ansiava pela honra de poder morrer pelo seu Salvador; e afirmava:

Que as feras se atirem com avidez sobre mim. Se elas não se dispuserem a isto, eu as provocarei. Vinde multidões de feras! Vinde! Lacerai-me, estraçalhai-me, quebrai-me os ossos, triturai-me os membros! Vinde cruéis torturas do demônio! Deixai-me apenas que eu me una a Cristo! (OLIVEIRA, 1984).

Enquanto era martirizado, tinha no rosto uma expressão de gozo e de paz.

Policarpo (69-156). A exemplo de Inácio, Policarpo também fora discípulo do apóstolo João, bispo em Esmirna e chamado o “Principal Pastor”. A história do martírio de Policarpo foi narrada por Eusébio de Cesaréia, um dos maiores historiadores da Igreja Cristã. Segundo esse historiador, Policarpo foi levado à

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

arena, palco dos jogos olímpicos e o maior teatro aberto da Ásia Menor. Ele foi preso durante a perseguição imposta pelo imperador Antonino, o Pio, e ameaçado de ser estraçalhado pelas feras, mas não demonstrou nenhum temor, mantendo-se firme e fiel a Cristo. O imperador ordenou que ele dissesse: “fora com os ateus”, ou seja, os cristãos que eram chamados ateus por não crerem nos deuses do paganismo, cultuados pelos romanos. Ele obedeceu à ordem, e disse “fora com os ateus”, mas estendeu o braço em direção às arquibancadas lotadas de pagãos, que zombavam e se alegravam com a perspectiva de um grande espetáculo.

Foi-lhe proposto que seria livre do martírio e libertado da prisão, sob a condição de amaldiçoar e abandonar a Cristo, declarando sua lealdade ao imperador, que era cultuado como um deus. Embora contrariando ao pro-cônsul, que queria sua morte pelas feras na arena, o conselho decidiu que ele seria queimado vivo e alguns já providenciavam a madeira para fazer a fogueira. Quando lhe ordenaram que se retratasse e declarasse fidelidade ao imperador, ele zombou de seus algozes, dizendo que as chamas do inferno, onde eles pereceriam eternamente, eram muito mais terríveis do que aquela ”insignificante “ fogueira que tinham preparado para ele. Zombando dele, seus algozes gritavam com ironia: “Este é o mestre da Ásia, o pai dos cristãos; aquele que derruba por terra os nossos deuses e que tem ensinado a muitos não sacrificarem e nem adorarem”. Diante da insistência de seus executores para que negasse a Cristo, ele respondeu: “Oitenta e seis anos faz que só me tem feito bem. Como poderei eu, agora, amaldiçoá-lo, sendo ele meu Senhor e Salvador?” O comentário da Champlin (1996), afirma que ao ser lançado na fogueira, o fogo formou um arco ao redor dele e as chamas não o atingiram. Vendo isto, um cidadão se aproximou e o matou com um golpe de sua adaga.

Papias (70-155). Este também foi discípulo do apóstolo João e bispo em Hierápolis, na Frigia Pacatiana, localizada a 160km a leste de Éfeso e a poucos quilômetros ao norte de Laodicéia. Papias, juntamente com Inácio, formam o elo de ligação entre a era apostólica e a seguinte.Uma curiosidade em Papias, eram seus questionamentos acerca das origens do cristianismo. Foi ele quem deu início à tradição de que Marcos era intérprete de Pedro e deste apóstolo colhera informações para escrever o evangelho que leva seu nome. Hoje, se coloca em dúvida muitas informações contidas nos escritos de Papias, ainda que no passado, suas obras tenham gozado de muita credibilidade.

Justino (100-167). Nasceu mais ou menos na época da morte do apóstolo João. Testemunhou várias perseguições e se tornou um dos primeiros missionários do período pós-apostólico. Foi um dos mais respeitados apologistas de sua época. Escreveu uma apologia e a enviou ao imperador Antonino, o Pio, e a seus filhos adotivos. Justino foi não só respeitado como apologista e missionário, mas também como filósofo platônico. Combateu, de maneira contundente e eficaz, o gnosticismo que na época se tornou um dos ensinos heréticos mais perniciosos em confronto às doutrinas cristãs. Ele se tornou conhecido como Justino Mártir, depois de ser martirizado em Roma. Sendo um dos homens mais cultos e piedosos na época, ele se empolgava com o crescimento do cristianismo, para o qual também contribuía. Expressando sua alegria ele disse: “Não há nenhuma raça de homens que não faça orações em nome de Jesus”.

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TÓPICO 6 | OS PAIS DA IGREJA

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Irineu (125-202 – 130-200). Suas datas são incertas, mas de acordo com as fontes pesquisadas, seria uma das duas mencionadas ou, pelo menos, próximo a elas. Ele viveu em Esmirna e foi discípulo de Policarpo e Papias. Era muito respeitado como um notável apologista e combatente do gnosticismo. Não há muitas informações a seu respeito, contudo, seus escritos foram de vital importância no combate às heresias, principalmente, contra os ensinos gnósticos. Era um dos pais orientais da Igreja e, em conformidade com a teologia geral de seu tempo, acreditava que a oportunidade de salvação ultrapassa a morte biológica do indivíduo. Em sua interpretação, à luz de (I Pe 3.18-4.6), Irineu argumentava que mesmo após a morte, o homem pode se arrepender e ser salvo. Isto porque, segundo seus argumentos em defesa da eficácia do ministério de cristo no hades, esse local teria se tornado um fértil campo missionário.

Irineu foi o primeiro teólogo a desenvolver um sistema de crença católica (universal), na qual deveriam ser observados alguns princípios elementares: A autoridade da sucessão apostólica, assim como Cristo participou da natureza humana, também as almas humanas participarão da natureza divina na redenção; Cristo era Deus-homem, ou seja, encarnação da divindade anunciada no Antigo e revelada no Novo Testamento.

Tertuliano (155 ou 160-220). Nascido em Cartago, na África, Tertuliano é considerado o “pai do cristianismo latino”. Era um homem elegante, tinha um pensamento fértil e usava uma linguagem vigorosa e contundente quando anunciava o evangelho da redenção. Seu zelo por Cristo, aliado a um profundo senso de moralidade, dava-lhe uma notável autoridade. Ele salientava, com todo o rigor, o poder da verdade cristã e, em seus escritos, refutava com veemência as falsas acusações contra os cristãos. Sendo filho de pais cristãos, Tertuliano, antes de se converter, era um homem culto, versado em filosofia, direito e literatura. Seus conhecimentos acadêmicos contribuíram sobremaneira para o seu profícuo ministério. Após os estudos, já convertido a Cristo, retornou para Cartago, onde se tornou presbítero.

Segundo os historiadores, Tertuliano foi o mais contundente e intransigente entre os primeiros apologistas cristãos. Ele atacava de forma incansável o paganismo e todo tipo de doutrina que ousasse confrontar a fé cristã. Contudo, já próximo do final de sua vida, aderiu ao movimento montanista, o qual era considerado herege pelas principais correntes da cristandade. Há muitas possibilidades, que sua adesão, a tal movimento, se devesse à sua declarada tendência ascética. Mais tarde, ele aderiu à teologia ocidental e influenciou muitos outros a tomarem a mesma decisão. Apesar de ser casado, foi ordenado sacerdote, pois o celibato para os ministros, embora já em vigor, não era obrigatório. Segundo Jerônimo, Tertuliano, após aliar-se ao montanismo, passou a atacar a igreja estabelecida com o mesmo vigor com que antes atacava o paganismo. Tertuliano era demasiadamente extremista e muitas vezes afrontava o clero romanista.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

Como todo extremista, deixou marcas indeléveis de sua passagem pelo cristianismo. Tão teimoso era ele, que nem mesmo os montanistas puderam tolerá-lo em suas fileiras por muito tempo. Pelo que, ao afastar-se do movimento, criou sua própria seita, a qual veio a ser conhecida como os tertulianistas. É impressionante como um homem tão culto e zeloso na defesa de seus argumentos, ferrenho defensor da fé cristã e inimigo do paganismo e das heresias, tenha se tornado um herege.

Orígenes (185-254). Orígenes Adamânico empreendeu muitas viagens missionárias, proclamando o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Escreveu uma grande quantidade de livros, dos quais foram feitas milhares de cópias. Às vezes tinha até vinte copistas a seu serviço. Em seus escritos se encontram citações de, no mínimo, dois terços de todo o Novo Testamento. Seu pai Leônidas fora martirizado em Alexandria, no Egito, cidade onde nasceu e viveu por muitos anos. Posteriormente, foi viver na Palestina, onde, por ordem do imperador Décio, foi preso e martirizado. Ele teve como mestres o seu próprio pai, além de outros como Clemente de Alexandria e Amônio Saccas, o qual foi também mestre do famoso filósofo-teólogo platônico Plotino.

Devido a esse vínculo com as raízes do neoplatonismo, muitos eruditos supõem que o Orígenes teólogo cristão e o Orígenes filósofo neoplatônico sejam, na verdade, a mesma pessoa. Após a morte de seu pai, por volta de 202, sob a feroz perseguição do imperador Sétimo Severo, Orígenes assumiu a responsabilidade de cuidar de sua mãe e sua irmã. Ele tinha, então, cerca de dezessete anos e era professor de matemática. Ainda com dezoito anos, foi nomeado para ensinar aos crentes em Alexandria, o que fez com muito sucesso, pois as pessoas se reuniam em multidões para se deleitarem com seus ensinos. Também é sabido que Leônidas, pai de Orígenes, esteve na iminência de apostatar da fé, devido ao rigor do martírio e a ameaça de morte. Contudo, o próprio Orígenes o convenceu a não apostatar da fé, mas permanecer firme até o fim. Seria, aos olhos do filho, muito melhor ver o pai martirizado, perseverando firme no testemunho da fé em Cristo, do que vê-lo livre da morte, vivendo pelo resto da vida, amargando o remorso causado pela covardia. Seu pai, encorajado, decidiu não se acovardar, preferindo morrer martirizado a padecer a vergonha da apostasia.

Orígenes era bastante jovem e sua posição o forçava a uma associação muito aproximada com mulheres também jovens e sensuais. Diante do perigo de ceder ao apelo da natureza sexual e cair na tentação de prostituir, ele decidiu se fazer castrar e se tornar eunuco, como maneira dolorosa, mas prática e eficaz, de solucionar o problema. Essa atitude imediatista, de resolver o problema, trouxe algum benefício também imediato, mas, posteriormente, trouxe-lhe sérios problemas em outros sentidos, levando-o a se arrepender e lamentar por sua decisão impensada. Isto, contudo, não influiu negativamente no cumprimento de seu profícuo ministério. Com a morte do imperador severo em 211, Orígenes se sentiu mais seguro para ir a Roma. Ali chegando, logo começou a gozar de grande prestígio pela eloqüência e intrepidez com que proclamava as grandezas de Deus e de seu Reino, tornando-se, assim, uma das mais importantes figuras religiosas da época, antes de voltar, para continuar seu trabalho em Alexandria, sob a bênção do bispo Demétrio.

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Houve, porém, uma série de dificuldades e Orígenes se viu forçado a partir de Alexandria. Ficou algum tempo na Palestina, voltando novamente para sua cidade natal. Neste retorno, esteve algum tempo em Cesaréia, por volta de 227. Ali, os bispos se reuniram e decidiram ordená-lo presbítero. Demétrio, indignado com a decisão dos bispos e alegando que somente ele tinha autoridade para fazê-lo, decidiu prejudicar Orígenes no exercício de suas funções. Nesta nefasta retaliação, Demétrio trouxe à tona o fato de Orígenes ser eunuco (o que, na verdade, não constituía nenhum problema) e proibiu-o de pregar o evangelho em Alexandria. Alguém já disse que “grandes pregadores, às vezes se tornam pequenos e raquíticos cristãos”. Demétrio, num ataque de ciúmes, embora sem motivos, decidiu excluir Orígenes do ministério. Entretanto, sabendo que não havia nenhum motivo que justificasse a ação tirânica de Demétrio, as igrejas da Grécia e da Ásia Menor decidiram apoiar Orígenes, o qual, após a morte de Demétrio em 231, passou a desfrutar de um bom período de paz.

Com a perseguição impetrada pelo imperador Maximiniano, Orígenes teve que se ocultar durante dois anos. Posteriormente, esteve em Atenas e depois na Arábia pregando o evangelho. Foi na Arábia que, ele refutou de maneira contundente o bispo Berilo, o qual negava a natureza divina de Cristo, antes de sua natureza humana. Berilo reconheceu o seu erro e se retratou publicamente, o que fez aumentar ainda mais o prestígio e a credibilidade do teólogo e pregador Orígenes. Durante a perseguição do imperador Décio, Orígenes foi aprisionado e, após sofrer muitas torturas, foi executado. Orígenes foi o mais poderoso mestre, escritor e expositor da igreja antiga, desde o período apostólico até a época de Agostinho. Sobre este aspecto, Champlin (v.1, p. 108, 1996), declara:

Orígenes foi o maior teólogo-filósofo e figura do cristianismo da Igreja antes do Concílio de Nicéia. Nasceu em Alexandria e ali ficou até o ano 232. Sua erudição lhe dá uma proeminência na Igreja antiga que só foi ultrapassada por Jerônimo. Era bem versado na filosofia e procurou expressar a fé cristã por meio da filosofia, sobretudo no platonismo; particularizando-se no neoplatonismo. A escola Alexandrina (mormente Orígenes e Clemente) desenvolveu uma forma distintiva do cristianismo. Foi Clemente de Alexandria que a porção melhor da filosofia grega (como as idéias de Platão) serviu de mestre-escola para conduzir os gregos a Cristo, segundo a lei de Moisés fizera no caso dos judeus.

Eusébio (264-340). Conhecido como “O pai da História Eclesiástica”, Eusébio exerceu o bispado em Cesaréia na época de Constantino, junto do qual teve significativa influência. Entre os seus muitos e grandes feitos, ele escreveu uma História Eclesiástica que abrange todo o período desde Cristo até o Concílio de Nicéia. Ele é conhecido como homem portador de grandes virtudes e foi o maior historiador eclesiástico depois do evangelista Lucas. Ele, desde sua época até nossos dias, é reconhecido como um erudito eminente, um grande apologista do cristianismo, um grande e influente estadista eclesiástico, além de bispo de Cesaréia e cabeça da Judéia, por cerca de um quarto de século. Teve, como mentor espiritual, um grande e sábio presbítero de Cesaréia, chamado Panfílio, o qual restaurou uma grande biblioteca em Cesaréia, o que proporcionou a Eusébio um enorme acervo de ricas fontes informativas, para nelas fundamentar seus escritos.

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Além de escrever a História Eclesiástica que lhe conferiu o título acima mencionado de “O Pai da História Eclesiástica”, Eusébio escreveu também uma valiosa crônica da História Universal, na qual incluiu uma longa lista de datas, procurando, com esmero, manter a ordem cronológica. Eusébio era um origenista da segunda geração e, como tal, também participou da controvérsia ariana e foi um brilhante advogado na defesa da teologia do Logos. Ele demonstrou ser simpático com Ário quando disputava com o bispo de Alexandria e se sentiu embaraçado com a recensão final de seu credo cesareano, adotado no Concílio de Nicéia.

Alguns historiadores argumentam que Eusébio não teria entendido corretamente as implicações da posição ariana. Depois que o credo de Ário foi repudiado no Concílio de Nicéia, Eusébio apresentou o chamado credo de Cesaréia, que se mostrou indeciso quanto ao principal ponto da controvérsia. O partido alexandrino conseguiu inserir o ponto de vista de Atanásio, que afirma que Cristo foi gerado, mas não foi feito (não foi criado).

Em Nicéia, de acordo com essa postura teológica, o Filho fora declarado da mesma substância que o Pai (homoousion) e assim foi produzido o credo niceno. Diante das exigências da Iigreja, e aderindo à esperança de Constantino, o qual argumentava que, através dessa declaração oficial, a Igreja, então dividida seria reunificada, Eusébio acabou aceitando o credo niceno. Contudo, ao se observar a carta que Eusébio enviara às outras autoridades da Igreja, pode-se notar sua insatisfação com tal credo. Ele assumiu uma posição prática, visando a Igreja Universal, mas, particularmente, não concordava com as decisões tomadas pelo concílio, pois estas feriam as suas convicções doutrinárias. Passado esse momento de tensão, recheado de controvérsias, Eusébio continuou escrevendo, ensinando e cuidando das questões eclesiásticas.

DICAS

Conheça mais sobre Eusébio de Cesaréia lendo sua obra História Eclesiástica, Coleção Patrística, da Editora Paulum, 2000.

Jerônimo (340-420). Jerônimo (do latim Hieronimous – nome sagrado), nasceu na Dalmácia e foi educado em Roma, onde foi batizado. Foi chamado “o mais ilustre dos Pais da Igreja”. Dentre os seus muitos feitos, destaca-se a tradução da Bíblia para o latim, a versão chamada Vulgata Latina, a qual ainda hoje é usada como texto oficial da Igreja Católica Romana. Ele viajou por muitos lugares durante muito tempo e, finalmente, fixou residência em Belém da Judéia. Ali ele fundou um mosteiro, onde passou os últimos trinta e quatro anos de sua vida. Jerônimo teve ocupações variadas, foi eremita, sacerdote, erudito, diretor espiritual de nobres, ricos, mulheres e monges romanos. Em suas longas viagens

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pelo Oriente, ele visitou Cálcis, no deserto da Síria, e também Antioquia da Síria, além de Constantinopla no Egito. Depois voltou para Roma e tornou-se secretário do papa Damasco.

Algum tempo depois, empreendeu, novamente, várias viagens, passando por Antioquia da Síria, dali ao Egito e então foi à Palestina, onde se estabeleceu e desenvolveu seu trabalho na direção do mosteiro que fundara ali. Fora fundado também aí um convento, que ficou, a exemplo do mosteiro, sob a sua direção. Ele é considerado o fundador do monasticismo latino. Ao traduzir a Bíblia para o latim, ele preferiu utilizar os manuscritos originais em hebraicos para traduzir o Antigo Testamento, em detrimento da versão Septuaginta, a qual fora usado por seus antecessores. Sua tradução foi, na verdade, uma revisão e harmonização de outras traduções já existentes, as quais eram usadas pelas comunidades cristãs.

Ao se percorrer os anais da história, há de se descobrir que Jerônimo foi um apaixonado contendor, incapaz de controlar a violência de suas palavras e de sua pena, principalmente, quando participava (o que acontecia freqüentemente) de alguma controvérsia. Apesar de ser um origenista convicto, em sua juventude, apoiando suas opiniões, posteriormente, passou a atacar violentamente a Orígenes. Ele era um asceta extremamente severo e atribuía um valor exagerado a este tipo de vida. Suas cartas eram como uma faca cortante, apesar de expressarem muito amor e profunda piedade. Jerônimo foi um dos primeiros eruditos antigos a fazer distinção entre os livros canônicos e os apócrifos do Antigo Testamento. Os canônicos escritos em hebraico e os apócrifos escritos em grego, sendo que os últimos foram adicionados aos primeiros. Ele foi considerado um dos poucos hebraístas autênticos do seu tempo. Suas obras constituem uma valiosa contribuição para o cristianismo em todos os tempos.

João Crisóstomo (345-407). Revelou-se um orador inigualável e foi o maior pregador de sua época. Isto lhe conferiu o apelido de João “o boca de ouro”. Ele nasceu na cidade de Antioquia e veio a ser patriarca de Constantinopla. Seus sermões eram expositivos e eram proferidos com muita eloqüência, o que atraía grandes multidões à Igreja de Santa Sofia, onde pregava. Como grande reformador que era, João Crisóstomo acabou caindo no desagrado do rei e, como resultado, foi banido e viveu exilado até a sua morte. Os escritos de João Crisóstomo eram dotados de tanta erudição e eloqüência quanto eram suas palavras, quando discursava em público. Ele foi o mais distinguido entre os eruditos da escola antioqueana de teologia. Seus sermões não eram somente eloqüentes, mas também teologicamente bem estruturados, os quais nos fornecem importantes informações acerca dos costumes da sua época, tanto do ponto de vista da história quanto do ponto de vista das idéias.

Crisóstomo teve uma educação refinada, essencialmente ministrada por sua mãe, Antusa. Posteriormente, sua educação foi dirigida por Andragácio, com ênfase na filosofia grega, e de Libânio, um famoso sofista pagão, de quem aprendeu a retórica. Ele tornou-se advogado em Antioquia e, segundo os Anais da História, jamais perdeu uma causa que tenha defendido. Mais tarde, depois

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de três anos de instrução com o bispo Melécio, de Antioquia, ele foi batizado como cristão. Em 370, Crisóstomo se recusou ser eleito bispo, porquanto desejava internar-se em um mosteiro e prosseguir com a vida monástica. Tendo sua mãe como principal opositora quanto às suas vocações monásticas, ele só decidiu assumir a vida de eremita depois que ela faleceu. Como tal, ele passou a viver numa caverna, em uma das colinas da cidade, tendo-a como residência durante algum tempo. Ele se submetia a rigorosas penitências, era uma sujeição tão dura, que sua saúde foi grandemente prejudicada, principalmente devido à severidade das penitências a que se obrigava.

Devido aos problemas de saúde, causados pelo rigoroso estilo de vida que levava, ele foi forçado a voltar para Antioquia, por volta de 380. Naquele mesmo ano, foi nomeado como diácono, em 386, tornou-se ancião ou presbítero. Após um ano de presbiterato, foi feito patriarca de Constantinopla. Ele se envolveu em controvérsias em torno de Orígenes, quando alguns dos origenistas, que estavam sendo perseguidos por defenderem algumas idéias do mestre, pediram-lhe guarida e ele não se negou a dar-lhes proteção. A sentença era: “Aquele que defende um herege deve sofrer como herege”. João tentou, de todas as maneiras, ajudar na solução do problema, mas suas tentativas foram zombeteiramente rejeitadas pelos acusadores. Diante das muitas inverdades que eram divulgadas, as imperatrizes Eudóxia decretaram o banimento de João Crisóstomo. Até que a punição sofrida por Crisóstomo foi muito branda, se comparada ao que aconteceu com os demais origenistas perseguidos. Muitos foram maltratados, injuriados e mortos, até mesmo através de ações de militares, mas, segundo os perseguidores afirmavam, essa era a justiça santa.

O principal adversário de Crisóstomo foi Teófilo, patriarca de Alexandria, cuja mente era dominada por pensamentos de sangue, ódio e homicídio. Foi esse homem que organizou o falso e ilegal sínodo do Carvalho, o qual decretou o banimento de Crisóstomo, em 403. Segundo os historiadores, o que causou tanto ódio no coração daqueles homens, foi o fato de que Crisóstomo afirmou, com palavras não muito diplomáticas, que eles formavam um “bando de hipócritas”. Além desse fator, havia um ainda mais contundente. Os eloqüentes sermões de Crisóstomo eram carregados de revelações embaraçosas acerca da vida pessoal e particular (não muito “santa”) da imperatriz Eudóxia. Por esta razão, ela deu todo apoio aquele perverso e falso sínodo, apesar de saber que as acusações que pesavam contra Crisóstomo: imoralidade, ofensa contra a igreja e outras aberrações eram falsas. O último ato heróico de Crisóstomo, naquela cidade, foi, usando de sua inigualável eloqüência, conseguir acalmar uma grande multidão que ameaçava iniciar uma revolta para protestar contra o seu desterro.

Agostinho (354-430). Aurélio Agostinho ou Santo Agostinho. Conhecido como o maior teólogo da Igreja Antiga, nasceu em Tagaste, norte da África (atualmente Souk-Ahras, Argélia). Foi bispo de Hipona, também no norte da África. Tornou-se cristão por influência de Mônica, sua piedosa mãe, de Ambrósio, bispo de Milão e das epístolas do apóstolo Paulo. Quando jovem, brilhou por sua cultura, mas sua vida íntima era vazia de sentido e cheia de dissoluções e conflitos. Mais do que qualquer outro, Agostinho moldou as doutrinas da Igreja da Idade Média. Sobre este aspecto, antes de comentarmos sobre a sua vida e suas obras, creio ser importante transcrever um breve comentário registrado em Champlin, (vl 1, p 78-9, 1996):

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Santo Agostinho, o elo que ligou o pensamento grego e a filosofia escolástica; pensador original e pai da igreja por excelência; bispo de Hippo por quarenta anos; a maior figura na igreja desde o apóstolo Paulo. Agostinho deu a Igreja Oriental suas definições da cristologia e a Igreja Ocidental a sua própria vida. Nele os ideais católicos se unem com as convicções protestantes.

A vida e a carreira de Agostinho coincidiram com a degradação do Império Romano. Seu pai, Patrício, era um oficial romano, um pagão que só se converteu quando estava próximo ao final de sua vida e sua mãe Mônica era uma cristã devota, que se derramava em lágrimas, suplicando pela conversão do filho. Tinha ainda um irmão chamado Navígio e uma irmã, chamada Perpétua, que se tornou freira. Ele tinha aversão pelo idioma grego e jamais se aprofundou no conhecimento dessa língua. Sua educação inicial era mesclada de gramática e aritmética, tendo se aprofundado muito no conhecimento da literatura latina. O ambiente pagão e a formação de Agostinho influenciaram muito, e de maneira negativa, a sua vida. Em 370, sentiu-se atraído pela filosofia ao ler Hortensius, magnífica obra de Cícero, tão impressionado ficou, que a partir de então, passou a se dedicar ao estudo da filosofia. Agostinho tinha uma amante, que lhe deu um filho, chamando-o de Adeodato.

Em busca de algo que preenchesse o vazio de sua alma, Agostinho se juntou aos maniqueus e se tornou muito ativo nas atividades do grupo, como membro da seita. Ele ensinou gramática, por dois anos, em Tagaste, e depois foi viver em Cartago, onde dirigiu, por nove anos, uma escola de retórica, então, se mudou para Roma, onde estabeleceu uma escola similar. Decepcionado, abandou o maniqueísmo e tornou-se um cético. Um ano mais tarde, fundou uma outra escola em Milão. Teve sua mente libertada do paganismo, por influência da filosofia platônica, a qual lhe deu muitas razões para ter esperanças em Deus e na alma. Além de sua mãe, do bispo Ambrósio e das epístolas paulinas, Agostinho teve um amigo chamado Simpliciano, que também influenciou no que respeita à sua fé cristã. “Andemos honestamente, como de dia: não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências.” (Rm 13.13,14 ARC). Este texto deu a Agostinho convicção moral e consolidou a sua conversão à fé cristã.

Após sua conversão, Agostinho retornou a Tagaste, sua terra natal, vendeu todo o seu patrimônio e distribuiu o dinheiro entre os pobres, ficando apenas com uma casa, a qual transformou em uma comunidade monástica. A partir de então, passou a viver como monge em companhia de seu filho Adeodato e seus amigos. Adeodato, porém, jovem de brilhante intelecto, faleceu logo, aos dezenove anos. Agostinho não alimentava nenhum desejo de se tornar padre, mas foi conduzido nesta direção pelas circunstâncias e pela sua própria convicção. Em 391, foi ordenado sacerdote, numa cidade (moderna Anaba, na Argélia), próxima de Hipona; em 395/6, foi ordenado bispo auxiliar de Hipona e, pouco tempo depois, se tornou oficialmente o bispo da diocese. Agostinho mostrou ser um exímio administrador, pregador, autor, polemista, correspondente e se destacou como escritor.

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UNIDADE 1 | A IGREJA NOS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS

DICAS

Para um conhecimento mais profundo da vida e da obra de Agostinho, sua busca por libertação espiritual, enquanto vivia de maneira desregrada, sua frustrante passagem pelo maniqueísmo e sua conversão e, conseqüente, vida religiosa, recomendamos a leitura de suas obras:

Confissões: Edições Paulinas; esta obra figura também na coletânea “Os Pensadores”, da Editora Nova Cultural.

A Trindade: Editora Paulus.

A Verdadeira Religião e o cuidado devido aos mortos: Editora Paulus.

2.1 A INFLUÊNCIA DOS APOLOGISTAS

Nos primórdios da Igreja, havia muitas acusações e rumores populares contra os cristãos, normalmente fundamentados em algo que os pagãos viam ou ouviam dizer que os cristãos faziam como, por exemplo:

los cristãos se chamavam irmãos e se reuniam (somente os batizados) no primeiro dia da semana para uma refeição comunitária. Observando essa atitude dos irmãos, os pagãos acreditavam que a reunião secreta era para orgias e uniões incestuosas. Segundo os rumores, os cristãos comiam e bebiam até se embriagarem, então apagavam as luzes e se entregavam às paixões carnais;

los cristãos crucificavam um asno e o adoravam. Antes disso, os inimigos diziam que os judeus adoravam um asno e que esse hábito foi adotado pelos cristãos.

Estes e muitos outros eram rumores populares, mas também os intelectuais faziam circular rumores de natureza pejorativa contra os cristãos, como por exemplo:

los cristãos são pessoas ignorantes cujas doutrinas, pregadas sob um verniz de sabedoria, eram em realidade tolas e contraditórias;

los cristãos são um bando de ignorantes e desprezíveis.

Na época do imperador Marco Aurélio, Celso, um autor erudito, compôs um tratado contra os cristãos sob o título: “A Palavra Verdadeira”. Nesse tratado, está expresso o sentimento não só de Celso, mas também de toda a classe intelectual, a qual se julgava uma constelação de seletos sábios, portadores de educação refinada:

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TÓPICO 6 | OS PAIS DA IGREJA

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Em algumas casas privadas encontramos com pessoas que trabalhavam com lã e com trapos, e como sapateiros, isto é, pessoas mais incultas e ignorantes. Diante dos chefes de família, esta gente não se atreve a dizer uma só palavra. Mas assim que conseguem ficar a sós com os meninos da casa, ou com algumas mulheres tão ignorantes como eles, começam a lhes dizer maravilhas... Os que deveras queiram saber a verdade, que deixem a seus mestres e a seus pais, e que se juntem com as mulheres e os meninos às habitações das mulheres, ou à oficina do sapateiro, ou à selaria, e ali aprenderão a vida perfeita. É assim que estes cristãos encontram pessoas que lhes dão crédito (Orígenes; Contra Celso, 3.55).

Diante de ataques dessa natureza, surgiram os apologistas como defensores dos cristãos e da fé cristã. Nesse período, entre os séculos dois ao quatro, foram produzidas muitas obras teológicas de valor inestimável. Entretanto, descaremos os apologistas que escreveram durante o segundo e os primeiros anos do terceiro século. As apologias que se tornaram mais famosas foram:

lDiscurso de Diogeneto, de Quadrato.lDiálogo com Trifon, de Justino.lDiscurso aos gregos, de Taciano.lDefesa dos cristãos, de Atenágoras.lTrês livros a Autólico, de Teófilo.lContra Celso, de Orígenes.lApologia, de Tertuliano.lOtávio, de Minúcio Félix.

À luz da realidade, essas e outras apologias, que fervilharam naquela época, não influenciaram muito na opinião dos pagãos e nem foram suficientes para demover os corações dos governantes, pois as perseguições não só continuaram, mas também se intensificaram e se tornaram cada vez mais cruéis, conforme a malignidade do coração do governante. Entretanto, as obras desses denodados defensores da fé, se tornaram, com muita justiça, muitíssimo valiosas para os cristãos, pois constituíram fator fundamental de incentivo à fé e à coragem, para perseverarem e prosseguirem na luta, embora desigual, pela causa do cristianismo. Não podemos nos esquecer de Lucas, de Paulo e de muitos outros escritores ou não do Novo Testamento que se destacaram, padeceram martírio e não se deixaram demover de sua fé, preferindo expor e dispor de suas vidas pela mais nobre de todas as causas: a do reino de Deus.

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RESUMO DO TÓPICO 6

Neste tópico, você viu:

lOs Pais da Igreja: exemplo de fé e coragem.

lA influente atuação dos apologistas.

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A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Quais os nomes com que eram chamados os Pais da Igreja?

2 Com que palavras Policarpo refutou a proposta de liberdade?

3 Qual o argumento de Irineu em relação a I Pe. 3:18-4:6?

4 Quem foi Jerônimo e qual a sua principal obra literária?

5 Comente sobre o resultado positivo das apologias.

6 Nomeie três personagens: um familiar, um religioso e um amigo que influenciaram na conversão de Agostinho.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 2

DE CONSTANTINO ATÉ A RENASCENÇA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de:

• definir heresia e comentar sobre os conceitos filosóficos e religiosos do gnosticismo;

• discorrer sobre as controvérsias acerca da pessoa de Cristo e das decisões dos concílios de Nicéia e Calcedônia;

• comentar sobre o papado, o declínio moral e religioso do clero, bem como o cisma provocado pela ascensão do bispo de Roma, o que provocou o cisma entre Oriente e Ocidente;

• explicar o resultado catastrófico produzido pela ação tirânica e irresponsável dos cruzados;

• explicar o domínio da Igreja sobre o estado e sua influência na vida política, religiosa e econômica do Império;

• descrever os conflitos internos e os movimentos pré-reformistas, principalmente, sob a liderança de Wycliff e Huss;

• entender e comentar sobre as fraudes nos concílios de Constança e Basiléia;

• comentar sobre a benéfica influência da Renascença e sua contribuição para a consolidação da reforma.

Está unidade de ensino está dividida em quatro tópicos, sendo que, no final de cada um deles, você encontrará atividades que contribuirão para a apropriação dos conteúdos.

TÓPICO 1 – OS MOVIMENTOS HERÉTICOS

TÓPICO 2 – A IGREJA NO APOGEU DA IDADE MÉDIA

TÓPICO 3 – A IGREJA E O ESTADO: O PODER E A INFLUÊNCIA DA IGREJA

TÓPICO 4 – MOVIMENTOS PRÉ-REFORMISTAS

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TÓPICO 1

OS MOVIMENTOS HERÉTICOS

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico estaremos refletindo sobre os principais movimentos heréticos que ameaçaram a Igreja a partir do quarto século, suas doutrinas e o perigo que representavam.

Analisaremos, também a intervenção de Constantino e a sua influência (negativa e positiva na vida da Igreja, as principais controvérsias acerca da pessoa de Cristo, o desfecho e os resultados nas discussões conciliares,

Por último, trataremos das discussões e as definições tomadas nos Concílios de Nicéia e de Calcedônia.

2 OS MOVIMENTOS HERÉTICOS

Antes de adentrarmos ao estudo que abrange a era constantiniana, até o final da Idade Média, que constitui a proposta para este tópico, é importante falar um pouco sobre os movimentos que tentaram se infiltrar no seio da Igreja. Os adeptos desses movimentos são chamados hereges, porque ensinavam doutrinas falsas, com o intuito de desviar os cristãos de sua verdadeira fé.

NOTA

Heresia: Termo derivado do vocábulo grego haíresis, que significa: partido, facção, opinião, escolha, preferência, seita etc. Entretanto, no campo religioso, o termo adquiriu conotações diferentes, pois quando se usa o vocábulo seita, normalmente se refere a algum movimento de conotação religiosa, cuja doutrina, embora travestida de religiosidade, entra em choque com os ensinamentos das escrituras sagradas.

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UNIDADE 2 | DE CONSTANTINO ATÉ A RENASCENÇA

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Esses movimentos, portanto, constituíam um perigo muito grande, pois a Igreja ainda estava se organizando e formando seu corpo doutrinário. A Igreja Católica Romana considerava e condenava como herege todos os cristãos que, não concordando com os ensinamentos adotados por ela e que eram contrários aos ensinos das Escrituras, defendiam uma postura que expressasse fidelidade ao cristianismo genuíno. Esse tema será abordado quando tratarmos da Contra-Reforma, que causou um enorme massacre de cristãos na Idade Média.

Se considerarmos o termo “seita” em sua raiz original, constataremos que qualquer denominação evangélica é uma seita, bem como um partido político ou qualquer movimento que defenda uma opinião própria, que seja favorável ou contra a determinada doutrina. Mesmo entre os evangélicos, alguns tecnocratas tradicionalistas costumam estigmatizar como seita, ou heresia, os movimentos neopentecostais. (Ver Seitas Neopentecostais, de Tácito Gama Leite Filho, JUERP, 1994). Na realidade, esses autores defendem suas próprias opiniões, que, na origem do termo, são também seitas ou heresias. Portanto, alguns esclarecimentos se fazem necessários no presente contexto, para evitar mal entendido, ou uma interpretação equivocada deste comentário. Para tanto, transcrevemos partes de algumas das definições contidas em Champlin (v.3, p. 90-93, 1996):

Heresia. Quando se refere a um grupo de pessoas que aceitaram uma má doutrina, aponta para alguma seita. O uso desta palavra não é necessariamente negativo. Pode indicar qualquer escolha ou seita. O uso neotestamentário inicial indica a idéia de facciosidade; mas, com a passagem do tempo, o vocábulo foi adquirindo o sentido moderno de ponto de vista doutrinário que não concorda com o que é considerado ortodoxo, ou seja, correto. Um herege é alguém que acredita ou promove alguma opinião contrária àquilo que o grupo, seita ou igreja acredita. Antes de definirmos uma heresia, teremos de definir o que é a ortodoxia. Isso nos envolve no problema da autoridade. Cada denominação cristã representa toda uma história de desenvolvimento de dogma e práticas. E cada uma delas é tão arrogante a ponto de pensar que seu próprio desenvolvimento é melhor, representando mais corretamente os ensinamentos da Bíblia e, mais particularmente, do Novo Testamento.

Intermináveis controvérsias circundam esta questão e, no entanto,

indivíduos e denominações permanecem confiantes de que a sua maneira de pensar é a única correta. Os liberais, por sua vez, pensam que toda a questão é ridícula, pois eles não acreditam que a Bíblia seja uma perfeita guia à verdade e, certamente, não o único roteiro. Nesse caso, torna-se extremamente difícil determinar no que consiste a verdadeira ortodoxia. O resultado é uma série de ortodoxias convencionais, manufaturadas pelo homem, cada um afirmando-se superior, se não mesmo a única digna de nome.

A história da religião prova isto á sobejo. Jesus, embora chamado Deus-homem por todos os cristãos ortodoxos, foi o maior exemplo de heresia, para os judeus. E Paulo, embora quase adorado como um herói, por muitos cristãos, por outros (para nada dizermos acerca dos judeus) era reputado um destruidor da fé judaica, e Moisés, um corruptor da boa moral.

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E as religiões não-cristãs estão convencidas da veracidade de várias doutrinas que contradizem os ensinamentos do cristianismo. Para o islamismo, o maior de todos os pecados, que nem tem perdão, é chamar qualquer homem de Deus, pois isso lhes parece furtar Alá da glória que só a ele é devida. Para os muçulmanos, a pior da maior de todas as heresias é a doutrina da plena divindade de Jesus. E entre os próprios cristãos, tem-se feito objeção à cristologia como uma teologia má. Dentro das várias denominações cristãs, há pontos de vista largamente diferentes sobre algumas questões.

De fato, algumas dessas doutrinas em choque, umas com as outras, podem ser defendidas com base no Novo Testamento – mediante a manipulação de textos bíblicos – e não só por meio da teologia posterior. Para exemplificar, podemos extrair do Novo Testamento uma doutrina do inferno sem nenhuma mitigação misericordiosa, como um julgamento do fogo eterno.

Porém, também podemos mostrar que a descida de Cristo ao hades (ver I Ped. 3:18-4.6), requer que se faça uma revisão desta idéia, que se deriva, essencialmente, dos livros pseudo-epígrafos do período intertestamentário. Ver o artigo sobre o Inferno, no qual isso é mais bem explicado. Também sabemos que o próprio Novo Testamento não é tão homogêneo como indivíduos e denominações evangélicas gostariam de crer. Certamente, Tiago representa o legalismo na Igreja primitiva, o que, com dificuldade, pode ser reconciliado com as doutrinas paulinas da fé e da graça, embora tanto os escritos paulinos quanto a epístola de Tiago façam parte integrante do Novo Testamento. [...] Os liberais negam a divindade de Jesus (pelo que são chamados hereges). Os docéticos negam a humanidade de Jesus (pelo que também são chamados hereges).

Mas a Bíblia ensina a realidade do Deus-homem. Os crentes ortodoxos têm gastado séculos na tentativa de definir a cristologia. E a doutrina cristã do Deus-homem é considerada a pior heresia que já houve, na opinião dos judeus e dos islamitas, os quais pensam que esse ensino é contrário ao monoteísmo. E, por causa de ensinos como a predestinação, a eleição, a expiação limitada etc., os arminianos reputam os calvinistas heréticos e os calvinistas pensam que os arminianos são hereges. Tenho escrito estas coisas para mostrar que a questão envolvida é muito mais uma questão de definição da verdade. E, em nosso presente estado de conhecimento, essa tarefa dificilmente será resolvida de modo satisfatório. De fato, somente Deus conhece a teologia a fundo, todos nós continuaremos apenas buscando, tateando. Em conseqüência, cabe-nos ser cuidadosos sobre como falamos acerca de outras pessoas. Uma pitada de humildade muito pode ajudar, nessa questão.

Na Septuaginta, em Levítico 22:18, o termo haireses tem o sentido de “escolha” ou “preferência”, tratando-se das ofertas voluntárias. Em II Pe 2:1, “opiniões escolhidas”, são consideradas destrutivas quanto à fé cristã. Em At 5:17, “seitas” ou “partidos” distinguem opiniões, (focando fariseus e saduceus como seitas); e em At 24:14 e 28:22 (todos os cristãos aparecem como uma seita). Em At 24:14, Paulo substitui a palavra seita, pelo vocábulo “Caminho”, certamente

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porque aquela palavra poderia ser entendida de forma equivocada. Diante de tanta divergência de interpretações, precisamos nos policiar, para que, ao defendermos nossa opinião, lembrando-nos que, nem todas as interpretações diferentes constituem um erro de interpretação, pensar diferente, não significa pensar errado. É dever de todo teólogo saber utilizar as ferramentas disponíveis e, com o auxílio do Espírito Santo, o verdadeiro Autor das Escrituras, saber discernir qual a doutrina que é falsa e que, conseqüentemente, constitui uma heresia.

Uma boa sugestão é seguir o exemplo do Departamento do Tesouro americano no treinamento de seus agentes. Por exemplo: os falsificadores de cédula de dólares usam tecnologia cada vez mais avançada em falsificação. Dessa maneira, é inútil estudar uma cédula falsa, pois quando chegam a descobrir o método utilizado para combatê-lo, os profissionais do crime já estão usando outro mais sofisticado. Qual foi a solução encontrada? Muito simples. Os agentes estudam, durante vários meses, as cédulas de dólares em cada um de seus valores. É um treinamento exaustivo, mas o resultado é o melhor. Eles passam a conhecer profundamente a cédula legítima e, assim, basta manusear uma cédula e observá-la por alguns instantes para detectar qualquer detalhe estranho aos da cédula verdadeira e identificá-la como falsa. A teologia oferece muitos recursos que capacitam à identificação de um ensino falso. Basta colocá-los em prática e, antes de tudo, se despojar de sua própria opinião, para não correr o risco de ser injusto em seu julgamento. Quando tratarmos das Cruzadas, também teremos duas visões diferentes de uma mesma história que chocou o mundo no período da Idade Média.

2.1 O GNOSTICISMO

Dentre os movimentos heréticos que assolavam a Igreja em seus primórdios, destaca-se o gnosticismo como sendo o mais perigoso.

DICAS

Gnosticismo (palavra oriunda de gnosis = conhecimento ou gignoskein = saber).

Este termo é aplicado a várias escolas de pensamento, que surgiram nos primeiros séculos da era cristã. Em se tratando da gnosis cristã, o gnosticismo é apontado como um movimento nocivo à fé cristã, pois estando ainda a Igreja em fase de formação e organização doutrinária, surgiu essa corrente de pensamento tentando introduzir suas idéias no arcabouço doutrinário da Igreja. Combater esse perigo, foi um dos principais propósitos do apóstolo São João ao escrever o evangelho que leva o seu nome.

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O objetivo do movimento era incluir o cristianismo num sistema filosófico-religioso. Os elementos mais marcantes desse sistema eram as especulações místicas e cosmológicas, enfatizando o livramento do espírito da servidão da matéria, a qual é essencialmente má. No campo religioso, a corrente gnóstica tinha seus próprios mistérios e cerimônias sacramentais, vinculados a uma ética que fazia apologia ora ao ascetismo, ora à libertinagem.

Quanto à origem do movimento, não há como precisar. Contudo, é importante expor algumas opiniões a respeito. Os pais da Igreja argumentavam que o gnosticismo teve seu início com Simão, o Mágico (At 8). Segundo Hegesipo, citado por Eusébio, o gnosticismo surgiu entre as seitas judaicas. Para os pais eclesiásticos posteriores, como Irineu, Tertuliano e Hipólito, a filosofia grega de Platão, Aristóteles, Pitágoras e Zenão, teria sido o berço donde surgiu o gnosticismo. O gnosticismo se arrogava dizendo que sua filosofia embasava-se no conhecimento, não no sentido em que o interpretamos, mas no sentido esotérico, ou seja, tratava-se de uma sabedoria mística, sobrenatural, mediante a qual os iniciados eram levados a um verdadeiro entendimento do universo e salvos deste mundo que jaz na matéria.

Quando Paulo escreveu sua epístola Aos Colossenses, foi motivado pela visita que recebera de Epafras, o qual lhe narrara às dificuldades pelas quais passava a Igreja, principalmente devidas à penetração das heresias gnósticas em suas fileiras. Para combater esse perigo, Paulo escreveu sua carta instruindo e exortando a igreja a perseverar em sua fé, bem como resistir à falsa doutrina que a ameaçava. Entretanto, já no mundo antigo, havia muitas variedades dessa heresia, sendo que, ao chegar a Colossos, esse movimento trazia um elemento judaico muito evidente. Os pais da Igreja acima mencionados, por considerar que o gnosticismo tinha suas raízes na filosofia grega, também o chamava de sabedoria grega; Harnack, contudo, chamava o movimento de helenização aguda do cristianismo. Não se pode definir, com precisão, o gnosticismo, pois nele se fundem vários elementos como a filosofia grega, as religiões pagãs recheadas de mistérios, o judaísmo e o cristianismo, além do mais, no mundo pré-cristão, já se vinculara às religiões misteriosas do paganismo, bem como às religiões místicas orientais.

Historiadores e pesquisadores modernos argumentam que o gnosticismo não passa de uma forma de misticismo, com influências babilônicas, egípcias, hindus e iranianas, portanto, não pode ser visto apenas como uma forma de filosofia recheada de misticismo. Nesse movimento, portanto, se observado criteriosamente, encontrava-se uma combinação de orientalização da civilização greco-romana com a helenização do Oriente. A penetração do gnosticismo no cristianismo tinha como objetivo principal fundir as revelações dadas por Cristo e seus apóstolos, com os padrões de pensamento de então. Se tivesse alcançado esse objetivo, o cristianismo teria se tornado nada mais que um culto misterioso dentro do pensamento filosófico greco-romano.

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Afinal, em que consistiam as doutrinas apregoadas pelo gnosticismo? O que pensavam e ensinavam os mentores desse movimento, para que se possa classificá-lo como uma perigosa heresia? A complexidade e o volume de doutrinas ensinadas por esse movimento não permite um estudo minucioso em nosso contexto. Portanto, abordaremos apenas alguns aspectos desses ensinos.

O universo: o gnosticismo ostenta uma visão dualista do universo, de origem persa, e uma doutrina da origem de Deus em torno do “pleroma” (esfera central do espírito), de origem egípcia, ou seja, fundamentado na teoria platônica que aponta para um grande contraste entre o mundo espiritual e o mundo visível, o gnosticismo ensinava que daí procedia o caráter totalmente mau de todos os fenômenos. O universo espiritual é bom e se deve esforçar para entrar nele. O universo visível ou material é mau, que aprisiona e escraviza o homem.

O homem: segundo as idéias gnósticas, os homens se dividem em três categorias que são: os hílicos (materialistas); os psíquicos (meio-espirituais) e os pneumáticos (espirituais). Os hílicos estavam presos à matéria e, conseqüentemente, sujeitos a toda espécie de males, como as astúcias de satanás e as influências malignas do reino das trevas. Esse grupo, que constituía a maioria, estava impedido de alimentar qualquer esperança de redenção. Sob diferentes premissas, o calvinismo absoluto também adotou uma postura semelhante a esta. Já os psíquicos estariam sujeitos a uma redenção inferior, por meio da fé. Nessa categoria, estariam inseridos os profetas do Antigo Testamento e homens de todas as classes. Contudo, mesmo se tratando de uma redenção digna, jamais os conduziria aos píncaros da glória, porque esse privilégio era reservado unicamente para os pneumáticos, os quais constituem os verdadeiramente espirituais.

Essa experiência consistiria na reabsorção do ser divino, com a total perda da individualidade. Assim, o homem seria transformado em super-homem e o ego seria transformado em super-ego. Esta seria a redenção máxima, conseguida unicamente através da gnosis ou conhecimento. Esse elevado conhecimento era um conhecimento esotérico, mediado por artes mágicas, cerimoniais e falso misticismo. Nesse contexto, o conhecimento era superior à fé.

Intermediários: haveria, entre Deus e os homens, uma interminável série de emanações, que eram formadas por poderes superiores, as stoicheia ou aeons, que seriam semelhantes aos anjos. Uma síntese resultante da fusão das religiões misteriosas orientais com o judaísmo e o cristianismo. Esses poderes seriam emanações de Deus e possuíam partículas da pleroma ou plenitude divina. Eram também participantes da natureza divina, uma vez que as emanações eram, na realidade, partículas de raios do sol divino, o fogo central.

Salvação: a exemplo do que faz o cristianismo, o gnosticismo também expunha um plano de salvação. Para se salvar, o homem precisa se libertar da prisão e dos poderes do mundo visível – poderes planetários – isto se conseguia através de uma iluminação espiritual mística. Esse fenômeno conduziria o iniciado a uma comunhão com o mundo das realidades espirituais, porque o gnosticismo dividia

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a realidade em dois dramas distintos. Um, espiritual e cósmico; outro, histórico e terreno. Neste se retrata o ciclo da criação, da existência, dos sofrimentos, da morte e da ressurreição. Nos céus mais elevados estaria um ser supremo, intocável, incomunicável. Esse ser deísta, mediante seu poder criador, delegaria poder a seres inferiores, os quais manteriam contato com o mundo material inferior. Esse ser supremo não se deixava influenciar pelo drama histórico inferior, dominado pela matéria que era essencialmente o princípio do mal contaminante. O demiurgo, que teria criado o mundo mau é que poderia contactá-lo. Aqui são expostos traços da filosofia platônica, postulada pelo demiurgo e o drama cósmico, os quais teriam contato com o nosso drama histórico. A exemplo da queda histórica do homem, o gnosticismo postula também uma queda cósmica que corresponderia à alienação do homem em relação a Deus.

Deus: na concepção gnóstica, o Deus Altíssimo não seria responsável pela criação do mundo caótico, isto seria obra do demiurgo. Contudo, Deus seria o responsável pela criação ou emanação do demiurgo. O Deus Altíssimo seria um Deus transcendental e, portanto, não entraria em contato com o homem, daí a necessidade de mediadores, os quais seria uma sucessão interminável de aeons (as emanações angelicais). O deísmo gnóstico ensina que há, realmente, um Ser Supremo, mas que este não tem qualquer interesse por sua criação, ou emanações. Devido a esse desinteresse, também não interfere na história humana, nem para punir e nem para recompensar.

Cristo: na visão do gnosticismo, Cristo não seria o Verbo exaltado, mas apenas um dentre muitos aeons ou emanações angelicais. Seria mais um dentre os muito salvadores, ou pequenos deuses, sem contudo possuir a divindade plena de Deus. Considerando que os aeons mantinham contato com a matéria, e esta essencialmente má, Cristo, apesar de ser considerado um aeon, não era numa categoria muito elevada. Nenhum aeon, muito menos o Verbo divino (a primeira emanação divina) poderia encarnar-se, pois isso o envolveria na corrupção do mal. Alguns mestres gnósticos identificavam o “Deus” do Antigo testamento com o Criador deste mundo, enquanto outros o identificavam com “Cristo”. De qualquer maneira, esses aeons estavam bem distantes de Deus, o fogo central, principalmente, pelo fato de estarem em contato com matéria.

Em algumas correntes do gnosticismo, o demiurgo se tornava o Cristo do Novo Testamento, outras, porém, atribuíam a Cristo uma posição mais elevada, sem contudo, identificar esse aeon, (espírito de Cristo) com o Jesus de Nazaré, porque esse aeon, teria se apossado do corpo do homem Jesus, por ocasião do seu batismo, outros, porém, afirmavam que essa possessão ocorrera no seu nascimento.

Expiação pelo sangue: os gnósticos negam a eficácia do sangue de Jesus como expiação pelo pecado do homem. Segundo eles, Jesus teria recebido algum poder no ato de seu batismo, mas esse poder o teria abandonado no momento de sua crucificação. Se Jesus morreu, à sua morte não pode ser atribuído a nenhum valor em relação à redenção. Cristo, dizem, veio por meio da água (batismo), mas não por meio do sangue (expiação na cruz). Mesmo porque, o gnosticismo também advogava que. o aparecimento de Cristo na história teria sido como

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o aparecimento de um fantasma, obtendo o corpo do homem Jesus para sua habitação temporária. O nascimento virginal, bem como qualquer participação na natureza humana, teria sido só aparente.

Ao se observar os ensinamento na carta aos colossences e nas epístolas católicas, pode se ter uma boa compreensão acerca do modo de pensar dos mestres do gnosticismo. Daí o perigo que representavam a se infiltrar nas fileiras da Igreja. O contraste entre a vida terrena de humilhação e a pré e pós-existência de Cristo em glória era tão grande que a melhor solução seria negar a existência de Cristo, porque Ele se manifestou, deu instruções aos seus discípulos, mas, durante todo esse período, continuou sendo um ser celestial, sem nenhum vestígio de carne e sangue.

Conhecimento: segundo os ensinos gnósticos, não eram todos os cristãos que possuíam o conhecimento salvífico (suficiente para se obter a salvação). Era um conhecimento místico, mágico e superimportante, pois constituía a base da salvação e de todas as concepções éticas. Este conhecimento transcendental era transmitido pelos apóstolos unicamente para os seus discípulos mais íntimos. A este tipo de ensino, os gnósticos chamavam exposição de sabedoria entre os perfeitos. Tratava-se de uma interpretação tendenciosa de I Co 2:1-16 (ARC), quando o apóstolo Paulo explica a eficácia de seu ministério, atribuindo ao Espírito Santo o poder e a sabedoria com que ministrava: “Todavia falamos sabedoria entre os perfeitos; não porém a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo que se aniquilam” (v. 6).

Embora Paulo fosse um ferrenho opositor do gnosticismo, muitos de seus ensinamentos eram utilizados, de forma fraudulenta, pelos mestres gnósticos, com o fim de espiritualizar sua doutrina. Em I Co 15.44-50, no qual Paulo apresenta um evidente paradoxo entre carne e espírito; o primeiro Adão, da terra e segundo Adão, do céu; a vitória do Cristo vindo do céu sobre principados e potestades é exemplo de ensinamento paulino que é usado de maneira distorcida pelo gnosticismo. O chamado gnosticismo cristão teve seu início ainda nos primórdios da Igreja, com o seu apogeu entre 135 e 160, ainda que tenha perdurado por muito tempo depois. O gnosticismo foi a causa da qual se originaram os credos e as calorosas discussões em concílios, principalmente no Ocidente, sendo que muitos movimentos heréticos posteriores são fundamentados nas doutrinas gnósticas.

2.2 CONFRONTO RELIGIOSO E FILOSÓFICO

O relacionamento entre a filosofia e a fé cristã não poderia, por nenhum esforço da imaginação, ser descrito como um casamento ideal. Nem é ideal, nem, a rigor, um casamento. Há muitos cristãos que consideram o interesse pela filosofia como um flerte dúbio e perigoso. E talvez a maioria dos filósofos profissionais hoje tenha dúvidas sérias quanto à respeitabilidade de fazer a corte à crença religiosa. Ficamos com uma ligação tênue, sustentada por encontros esporádicos e dolorosos. Quando as duas partes se encontram, o resultado parece ser, por demais freqüentemente, ou uma série de acusações amargas da parte dos filósofos,

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ou uma série de fracas tentativas da parte dos crentes no sentido de remendar as coisas de modo negligente. E mesmo quando estes últimos conseguem convencer alguns filósofos, muitas vezes parece que o fazem ao preço de transigir com a fé.

Na realidade, no decurso de todas as eras, amigos bem-intencionados de ambos os lados têm advertido contra qualquer união. Na Igreja Primitiva, havia aqueles como Justino Mártir (100-165) e Clemente de Alexandria (150-215), que asseguravam, a seus leitores, que muitos pagãos tinham sido levados à religião verdadeira através da filosofia e que a filosofia era, para os gregos, aquilo que o Antigo Testamento era para os judeus. Tais sugestões, no entanto, foram varridas por escritores como Tertuliano (160-220) que rejeitaram seus argumentos, indicaram que a filosofia era, freqüentemente, a raiz da heresia e que a sabedoria mundana, sem a fé, nunca poderia trazer os homens a um conhecimento de Cristo.

À primeira vista, talvez pareça que Tertuliano tivesse o Novo Testamento do lado dele. O apóstolo Paulo advertiu seus leitores colossences: “Cuidado que ninguém vos venha enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”. A igreja em Corinto indicou que “visto como, na sabedoria, aprouve a Deus salvar aos que crêem, pela loucura da pregação”. “Cristo é, não somente nossa santificação e redenção, mas também nossa sabedoria. Se voltarmos ao Antigo Testamento, não conseguiremos achar filosofia no sentido normal do termo. Falta, igualmente, no ensino de Jesus.” (BROWN, p. 9, 1999).

No decurso da história, a filosofia tem tido um relacionamento de amor-ódio com o cristianismo e a teologia cristã. Alguns têm considerado que a filosofia é a serva da teologia, vendo a tarefa dela como sendo a formulação de argumentos para a defesa do cristianismo. Outros têm considerado a filosofia como sendo a ferramenta do diabo, e ecoam a pergunta de Tertuliano: ‘O que Atenas e Jerusalém têm a dizer uma à outra?’ Afinal de contas, o Deus dos filósofos não é o Deus da bíblia, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. Não sentimos qualquer impulso ou para glorificar a filosofia, ou para vilipendiar a filosofia. Sua constante existência entre as ciências humanas é testemunho suficiente da sua importância.

Totalmente à parte do seu relacionamento com o cristianismo, cremos que o debate filosófico tem seus méritos. Suas perguntas são relevantes e de valor fundamental e duradouro. É verdade que o pensamento filosófico pode contribuir de modo relevante à compreensão teológica. Mesmo assim, os erros da filosofia devem ser reconhecidos e refutados, para confirmar o caráter razoável do cristianismo. Este texto é francamente escrito de um ponto de vista cristão. Logo, na discussão das várias posições, procuramos refutar somente aqueles conceitos que são anticristãos. Ao mesmo tempo, fizemos uma tentativa no sentido de apresentar todas as posições de modo tão eqüitativo quanto possível. Entre os vários pontos de vista cristãos, apresentamos argumentos e contra-argumentos, deixando para o professor ou estudante julgar qual conceito é o mais adequado.

FONTE: GEISLER, Norman L.; FEINBERG, Paul D. Introdução à Filosofia: Uma perspectiva cristã. São Paulo: Vida Nova, 1996. p. 5.

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A religião é estudada pela história, pela psicologia, fenomenologia, psicanálise e sociologia. Todas essas ciências estudam metodicamente a consciência religiosa concreta e suas múltiplas objetivações na história. A filosofia da religião tenta esclarecer a possibilidade e a essência formal da religião na existência humana. Em outras palavras, estuda a consciência do homem e de sua autocompreensão a partir do absoluto enquanto atingível pela inteligência. A filosofia da religião é uma reflexão realizada com a única ajuda da razão, sendo seu objeto a religião e as condições em que esta é possível. Da mesma maneira que o ato filosófico não fundamenta a existência humana, mas tenta esclarecê-la, assim também a filosofia da religião não fundamenta, nem inventa a religião, mas tenta esclarecê-la, servindo-se das exigências propriamente filosóficas. A filosofia da religião tematiza a abertura do homem para o mistério que o envolve de maneira positiva, aceitando-o, ou de maneira negativa, rejeitando-o. Tematiza, pois, a relação do homem com o santo ou numinoso no horizonte da autocompreensão humana.

FONTE: ZILLES, Urbano. Filosofia da Religião. São Paulo: Paulus, 1991. p. 5.

NOTA

NUMINOSO: “Adj. Na filosofia da religião de R. Otto, diz-se do estado religioso da alma inspirado pelas qualidades transcendentais da divindade” (AURÉLIO).

As citações anteriores mostram a complexidade do assunto e o antagonismo filosófico-religioso que norteia historicamente as duas disciplinas. O Doutor Jorge Pinheiro dos Santos, cientista da religião, jornalista, mestre em teologia sistemática e em filosofia, um dos mais renomados teólogos de nossos dias nos dá um sábio conselho. Segundo ele, devemos nos valer da filosofia enquanto esta nos for útil para a compreensão ou interpretação da revelação. Devemos, contudo, mantê-la sempre cativa da teologia, porque, apesar da diversidade de opiniões, não podemos negar o valor da filosofia em nosso labor teológico. São duas ciências que caminham paralelamente. Às vezes se aproximam, às vezes se cruzam, às vezes se afastam e compete ao teólogo saber como lidar com ela em cada momento e circunstância, no exercício de sua tarefa.

O que é filosofia? O termo deriva-se do grego, philosophía,as, amar a sabedoria. Phílos – amigo”; Sophia – saber, conhecimento, ciência. Amor à sabedoria; aos filósofos se dá o nome de amantes do saber ou amigos do saber, ou da sabedoria. O primeiro homem a usar o termo foi Pitágoras (de 600 a.C.), referindo-se a pessoas chamadas “sábias”, negando, contudo, que qualquer ser humano fosse realmente sábio, pois dizia: “Nenhum homem é sábio, mas somente Deus. E as pessoas que têm interesse pelas coisas divinas são buscadoras

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da sabedoria”, isto é, os filósofos. Também Platão afirmou: “Fedro, o nome sábio me parece demasiado grande, adequado somente para a divindade [...]”. Sócrates empregava a idéia de buscadores da sabedoria (amigos da sabedoria), em contraposição àqueles que pretendem possuir a sabedoria, mas que, na realidade, não são sábios; como os sofistas, por exemplo, os quais professavam que eram transmissores de sabedoria meramente aparente, porquanto não acreditavam em qualquer sabedoria verdadeira.

Filosofia é também o uso da razão e da argumentação como instrumentos para alcançar a verdade, a qual é entendida como apreensão e expressão do significado e da essência da realidade ou dos princípios que determinam a existência, o universo material e a vida humana. Utiliza-se também de métodos filosóficos, como orientação no sentido de compreender e esclarecer conceitos, métodos e teorias de outras disciplinas, bem como do raciocínio de modo geral.

O que é religião? O termo vem do latim, religare – religar, atar. A aplicação básica do termo é a idéia de que certos poderes sobrenaturais podem exercer autoridade sobre os homens, determinando-lhes o que podem ou devem e o que não podem ou não devem fazer. Isto os força a cumprir ritos, sustentar crenças e a seguir determinado curso de ação. Religião significa também a crença em uma força ou forças sobrenaturais criadoras e controladoras do universo, as quais devem ser adoradas. Também significa uma virtude do homem que reconhece, crê e presta a Deus o culto que lhe é devido.

Uma vez definidas as duas disciplinas, é bom tentar uma aproximação ou descobrir alguma relação entre as duas. A religião, de modo geral, está alicerçada sobre a experiência mística. Um profeta recebe uma visão, expõe essa visão a um grupo de seguidores e estes, por sua vez, se encarregam de divulgar os ensinamentos de tal profeta. A revelação é a fonte principal da verdade religiosa. Entretanto, a razão, a intuição e o empirismo são ferramentas que podem ser utilizadas para a compreensão de algo que precisamos conhecer, mas que a revelação em si não esclarece.

A bem da verdade, não temos como interpretar a revelação sem fazer uso da razão, ou seja, a religião crê na revelação, enquanto que a filosofia fornece ferramentas que ajudam a compreendê-la ou interpretá-la.

Por outro lado, a distinção entre o bom raciocínio e o mau não pode ser definida cientificamente, uma vez que a capacidade de se fazer tal distinção é pressuposta por todos os pensadores, sejam científicos ou não. Assim, o chamado sistema filosófico da lógica nem sempre pode ser definido como realmente verdadeiro. Mesmo porque, cada ser pensante (pressupondo que todo homem pensa) tem seu modo próprio de raciocinar e, conseqüentemente, tem sua lógica própria que não é, necessariamente, a lógica. Esse modo próprio de raciocinar implica em uma filosofia própria de cada indivíduo que nem sempre reflete o que a filosofia chama de lógica. A teoria do conhecimento, ou epistemologia, por exemplo, tem progredido muito pouco, se comparada com as questões levantadas pelos primeiros filósofos há quase três milênios.

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A advertência do apóstolo Paulo aos colossences: “Cuidado, que ninguém vos venha enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo” (Cl 2:8 ARC), era uma advertência lógica que se fazia necessária, à luz que se entendia como filosofia na época de Paulo. Se observarmos, porém, os dois versículos subseqüentes, identificamos afirmações filosóficas do apóstolo quando ele diz que nele, Cristo, “habita corporalmente toda a plenitude da divindade”; e que ele, Cristo, “é o cabeça de todo principado e potestade”. Paulo, portanto, considerou a importância de tratar de pelo menos alguns problemas que atormentavam os filósofos de sua época, ou seja, Cristo e “os rudimentos do universo” constituem respostas claras para uma das perguntas que mais perturbavam os pensadores do primeiro século da era cristã.

Conclui-se, portanto, à luz dos esclarecimentos anteriores, que fé cristã e teologia podem conviver harmoniosamente com a filosofia.

2.3 CONTROVÉRSIAS ACERCA DA PESSOA DE CRISTO

As grandes polêmicas e controvérsias donde se originaram os movimentos heréticos tiveram como principal objeto de discussão a pessoa e a obra de Cristo. A pergunta que Jesus fez a seus discípulos e que ecoa através dos séculos foi: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?”. As pessoas que ouviam o Mestre citando e confirmando a lei, afirmavam: “Este é Moisés”. Herodes, que mandara degolar João Batista na prisão e vivia atormentado por maus presságios dizia: “Este é João, o Batista que ressuscitou dentre os mortos”. Aqueles que testemunhavam o zelo do Senhor, para converter os homens ao verdadeiro Deus, não tinham dúvidas ao afirmar: “Este não é outro senão o profeta Elias”. Alguns que o viam chorar e lastimar pelas cidades penitentes, diziam: “Este é Jeremias”. Somente Simão Pedro, e mesmo assim por revelação divina, respondeu corretamente dizendo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!” (Mt 16:16).

As polêmicas discussões geralmente giram em torno de três fatos registrados nas escrituras, que o cristianismo crê e divulga. São realidades que giram na esfera espiritual e, em conseqüência, devem ser aceitos pela fé. Na verdade, o ser humano tende a crer e aceitar o menos lógico e racional, em detrimento do que realmente tem sido confirmado até mesmo cientificamente. A controvérsia em torno da discussão acerca da existência da vida e do universo vem de épocas remotas. A ciência tem constatado que o relato bíblico acerca da criação é digno de toda credibilidade. No entanto, o acadêmico universitário não tem opção, pois as teorias, como o evolucionismo darwinista e outras, são ensinadas como sendo verdadeiras.

A pergunta que se faz é: por que não introduzir a Bíblia nas Universidades, para que os acadêmicos tomem conhecimento acerca do relato da criação e possam compará-la com outras teorias e assumir uma postura própria que lhe

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pareça mais convincente? Pelo contrário, ensina-se que o homem é resultado de uma evolução dos primatas, mas não explicam a origem dos primatas. Houve uma explosão cósmica, mas ninguém sabe a causa dessa suposta explosão. E assim, não mais o homem ignorante e indouto, mas até mesmo os intelectuais são induzidos a crer e aceitar os conceitos que lhes são impostos e não percebem que a complexidade do universo e da vida, como por exemplo, a formação de um embrião, exigem uma causa, ou seja, a existência de um Criador.

Nascimento virginal, morte, ressurreição, divindade, humanidade e trindade são os principais fatores que têm gerado controvérsias, como por exemplo, os que seguem.

Arianismo: Ensinamentos do presbítero Ário, cuja data de nascimento não se pode precisar de acordo com as fontes consultadas. A Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia (CHAMPLIN, 1996) traz, no artigo arianismo (265-356) e no artigo Ário (256-336); dicionário Aurélio, onde é chamado de “famoso herisiarca de Alexandria” (280-336); Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (data incerta); Enciclopédia FOLHA (250-336). O que todos concordam, à luz da pesquisa realizada, é quanto às heresias arianas, as quais ainda perduram em nossos dias com uma nova roupagem. Suas doutrinas foram abraçadas por Charles Tazel Russel, fundador do movimento atualmente conhecido por Testemunhas de Jeová. Segundo pesquisadores, o sacerdote norte-africano Ário provocou um dos maiores e mais perturbadores cismas do cristianismo.

Ário foi discípulo de Luciano de Antioquia e reconhecido como um pregador de prestígio, por sua erudição, competência e devoção. Ele foi o causador de freqüentes choques doutrinários, principalmente, suas afirmações de que Cristo fora criado do nada, como qualquer outra criatura, não sendo, portanto, eterno, ainda que fosse o primeiro entre as criaturas. Seu principal argumento era: “O Filho tem princípio, mas Deus é sem princípio.” Na verdade, Ário acreditava e ensinava que Cristo era Deus em certo sentido, um Deus inferior, ou seja, tinha alguma coisa divina em Jesus, mas de maneira alguma era uno com o Pai em essência e eternidade. Isto é, Cristo não era nem perfeitamente Deus, nem perfeitamente homem. Como já foi dito, esta é essência da doutrina difundida pela seita Testemunhas de Jeová.

Durante o episcopado de Pedro de Alexandria (300-311), Ário foi consagrado diácono, quando começou sua tempestuosa carreira pastoral. Logo depois, foi excomungado por Pedro, bispo de Alexandria, por causa de sua associação e apoio ao movimento cismático promovido por Melétio de Licópoles. Em 313, foi restaurado ao seu posto por Aquiles, sucessor de Pedro no bispado de Alexandria. Tornou-se presbítero de Baucalis, onde passou a ensinar a sua doutrina segundo a qual o Logos era um ser criado, não tinha a mesma substância e nem era co-eterno com o Pai. Apesar das duras advertências que sofreu, ele não se demoveu de suas idéias e continuou exercendo suas atividades. Ele foi excluído em 321, mas obteve apoio de pessoas do alto escalão, inclusive o de Eusébio, bispo de Cesaréia, o qual endossou o arianismo, causando divisão na Igreja do Oriente, o que deixou consternado o imperador Constantino.

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Uma série de sínodos foi estabelecida para por um fim ao conflito entre Ário e o bispo Alexandre. Nesses sínodos, buscava-se estabelecer a paz e a harmonia entre os seguidores de Alexandre e os adeptos do arianismo, mas tudo foi em vão. O sínodo convocado por Alexandre reconheceu a paz, mas condenou Ário como anátema. Ário então publicou um manifesto repudiando aquela paz. Foi nesta altura que Ário procurou apoio e auxílio de seu amigo e antigo companheiro de escola, Eusébio de Nicomédia, ao lado de quem se refugiou. Enquanto isto, Alexandre enviava cartas a todos os seus companheiros de episcopado, declarando a excomunhão de Ário, mas este, apoiado por Eusébio, continuava a defender sua posição.

Percebendo que o impasse continuava e estava prejudicando a Igreja, o imperador Constantino decidiu intervir. Ele enviou à Alexandria seu principal conselheiro para assuntos eclesiásticos, o bispo Hósio, de Córdova, na Espanha. A mensagem para Alexandre era no sentido de restabelecer e preservar a paz, argumentando que o assunto em debate era uma questão sem nenhum proveito, em detrimento do qual a paz é que deveria prevalecer, por ser de maior importância. Essa atitude de Constantino, porém, não trouxe o resultado esperado, que seria a solução do conflito. Foi então que o imperador decidiu convocar um concílio de toda a Igreja. Antes, porém, de adentrarmos ao comentário sobre o concílio, é importante enumerar alguns outros movimentos heréticos, os quais provocaram grandes conflitos doutrinários, no que diz respeito à pessoa de Cristo.

O Ebionismo: trata-se de uma seita judaico-cristã dissidente, que se opunha com veemência, a interpretação paulina da fé cristã. Eles negavam, categoricamente, a natureza divina de Cristo, argumentando que Jesus não passava de um mero homem, como qualquer outro.

O Cerintianismo: movimento fundado por Cerinto. Foi o primeiro mestre gnóstico de raça judaica, que atuou por volta do ano 100, na região de Éfeso. Foi um ferrenho adversário do apóstolo João. O principal argumento de sua doutrina é que não houve a união das duas naturezas em Jesus, senão após o batismo. Dessa maneira, Jesus dependeu do batismo para obter a natureza divina e se tornar o Cristo.

O Docetismo: A palavra vem do grego dokéo (parecer). A base de sua doutrina é uma referência a um suposto corpo assumido pelo aeon (poder angelical) ou, segundo os gnósticos, o Logos. Esse suposto corpo, nada mais é do que uma sombra ou um fantasma, como se fosse uma representação teatral e não um genuíno corpo humano. Sob essa premissa, o docetismo negava a humanidade de Cristo e afirmava que o envolvimento do Logos com a matéria, era apenas aparente.

O Apolinarianismo: movimento fundado por Apolinário, o jovem, que vivera em Laodicéia, ao sudoeste de Antioquia. Como leitor assíduo, que ostentava uma santidade aparente, acabou por se tornar bispo daquela cidade. Ele negava as duas naturezas (divina e humana) em Jesus. De acordo com a

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sua doutrina, em Jesus, o Logos (perfeita natureza divina) assumiu corpo físico, tornando-se meramente humano. Não havia, portanto, duas naturezas em uma só pessoa, porque o Logos (espiritual e divino) manipulava o corpo humano. Negando assim, o grande mistério da encarnação, a união hipostática.

O Eutiquianismo: movimento fundado por Eutíquio, que viveu no século V e foi o arquimandrita (Na Igreja Oriental, Superior ou chefe de um ou mais mosteiros) de um mosteiro, nos arredores de Constantinopla. Era também um devotado discípulo de Cirilo de Alexandria. Nas controvérsias cristológicas, ele introduzia suas idéias, segundo as quais, a natureza humana, no ato da encarnação, foi totalmente absorvida pela natureza divina. Essa natureza, apesar de predominantemente divina, não atingira o nível da natureza originalmente divina, ou seja, era inferior. Em outras palavras, o eutiquianismo negava tanto a dupla natureza de Cristo, quanto a sua humanidade. A doutrina do eutiquianismo foi declarada herética no Concílio de Calcedônia e Eutíquio foi desligado de suas funções. Contudo, a Igreja Egípcia continuou apoiando suas idéias cristológicas.

O Marcionismo: O termo deriva de Marcião, homem muito rico e filho do bispo de Sínope, na região do Ponto, na sai Menor. Ele tinha aversão pelo mundo material e ao mesmo tempo pelo judaísmo. Em 144, Marcião mudou-se para Roma e ali se filiou à Igreja Cristã, mas pouco tempo depois se sentiu entediado e se afastou da congregação e fundou sua própria igreja. Marcião ensinava que existia um Deus deste mundo, que era mau, em contraste com o Deus misericordioso, revelado em Jesus Cristo. Algum tempo depois, influenciado por um gnóstico de Roma chamado Cerdo, mudou de idéia e aderiu à crença num deus-criador – o Deus do Antigo Testamento, o qual não era totalmente mau, mas era um Deus fraco. Desprezando o judaísmo legalista, ele afirmava que somente o apóstolo Paulo compreendera realmente o evangelho. Pela prática de proselitismo, aliciando fiéis para sua seita e pela heresia que praticava e ensinava, Marcião foi excomungado.

Após sua excomunhão, Marcião continuou ensinando que o Deus do Antigo Testamento, que exigia “olho por olho e dente por dente” se opunha ao Deus misericordioso e perdoador do Novo Testamento. A pregação do evangelho fora confiada exclusivamente a Jesus Cristo. O Deus justo do Antigo Testamento, através de Cristo, destruíra a lei judaica e tornara-se injusto. Ele compilou seu próprio cânon, composto de dez epístolas de Paulo, excluindo as pastorais e incluiu o evangelho de Lucas. Desses livros, ele eliminou todas as passagens que se referisse a Cristo como filho do Deus do Antigo Testamento ou que houvesse qualquer relação entre eles.

2.4 O CONCÍLIO DE NICÉIA E REAÇÕES POSTERIORES

O Concílio de Nicéia foi convocado por Constantino, após sua infrutífera intervenção no conflito cristológico doutrinário, envolvendo o bispo Alexandre e o heresiarca Ário. Esse foi o primeiro concílio ecumênico na História da Igreja

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em Nicéia e na Bitínia (hoje, Isnik, na Turquia). Tinha como propósito, erradicar o cisma da Igreja, provocado pelo arianismo. O resultado foi uma solução teológica e política, por meio de uma confissão teológica (o Credo de Nicéia), elaborada por mais de trezentos bispos, os quais representavam quase todas as províncias orientais do Império, no qual o arianismo tinha seu foco principal, além de uma simbólica (apenas seis bispos) representação do Ocidente. Isto deu ao Credo produzido o direito legal de reivindicar autoridade universal. Uma cópia do Credo foi enviada a todas as províncias do Império, a fim de obter a concordância das igrejas (a proposta era acompanhada de conseqüências alternativas de excomunhão e banimento imperial).

Cerca de vinte cânones foram baixados por ocasião do concílio de Nicéia, o qual estava divido em três partidos: o primeiro, pequeno radicalmente ariano, liderado por Eusébio de Nicomédia; o segundo, também pequeno, que com entusiasmo apoiava Alexandre; e o terceiro, formado pela grande maioria, liderado por Eusébio, bispo de Cesaréia.

O ponto mais significante foi o credo cristológico estabelecido. O ponto central do credo foi seu ensinamento acerca da relação entre Deus Pai e Deus Filho. Esse ensino veio como uma arma fulminante contra o arianismo. Atanásio foi a principal figura na sua elaboração. A declaração de mais enfática do credo de Nicéia foi: “Cremos em um senhor, Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus; gerado do Pai antes de todos os mundos[...]. Luz de Luz, o vero Deus; gerado, não criado; pertencente à mesma substância que o Pai”. Essa declaração fundamenta a doutrina da eterna geração de Cristo. A palavra gerado não significa um começo, mas uma posição da pessoa de Cristo dentro da Trindade. Esse credo foi ratificado pelo concílio de Constantinopla em 381, e pelo concílio de Calcedônia em 451.

A versão constantinopolitana do credo de Nicéia tornou-se o credo oficial da capital bizantina e logo passou a ser usado como o credo batismal padrão da Igreja Ortodoxa Oriental. Conforme o registro histórico, somente a partir do concílio Toledo, em 589, o credo niceno passou a ser usado pela Igreja Ocidental. De acordo com a decisão do concílio, ele seria entoado em voz alta, antes da oração do Pai Nosso, em todas as igrejas da Espanha e da Gália. Não só a Igreja Católica Romana, mas também a Igreja Ortodoxa Oriental, a Igreja Anglicana e muitas outras igrejas reformadas têm adotado esse credo em suas liturgias.

O concílio de Nicéia ratificou a excomunhão de Ário, o qual foi banido de Alexandria por ordem do imperador. Finalmente a política imperial conseguiu estabelecer a paz e a unidade da Igreja, além de proporcionar a ela uma declaração de fé, considerada um credo universalmente aceito. Com a morte de Alexandre, em 328, Atanásio foi eleito bispo de Alexandria. Exerceu o cargo com todo o zelo possível, foi muito combatido por seus opositores e cinco vezes foi desterrado. Ele foi o principal responsável pela vitória final da teologia de Nicéia, pois a representação do Ocidente não contava com nenhum teólogo de expressão. Para ele, o arianismo punha em jogo a própria salvação, muito mais importante do que qualquer outra doutrina.

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Com o desterro de Ário, seu amigo Eusébio de Nicomédia, considerando Atanásio o inimigo número um da doutrina ariana, decidiu assumir a sua defesa e passou a conspirar contra Atanásio. Seu propósito era restaurar Ário à comunhão da Igreja, para fazê-lo bispo de Alexandria, em lugar de Atanásio. Por intermédio de Eusébio, Ário apresentou um credo a Constantino, no qual evitava qualquer definição quanto ao problema discutido durante o Concílio de Nicéia. O imperador, totalmente leigo quanto a assuntos teológicos, aceitou o credo de Ário, ordenando que Atanásio lhe restituísse o bispado de Alexandria. Com a recusa de Atanásio, em acatar a decisão imperial, foi acusado de conduta desleal e despotismo e, como recompensa por tudo que fizera em favor da Igreja, foi despojado do cargo de bispo. Os eusebianos prepararam uma grande festa para comemorar o retorno de Ário e sua posse como bispo de Alexandria. Frustração total! Na noite que antecedeu a data de sua readmissão, Ário morreu subitamente.

2.5 O CONCÍLIO DE CALCEDÔNIA

Com a morte de Ário, em 336, e a de Constantino em 337, a Igreja, ferida mortalmente diante das controvérsias e seu desfecho final, sofreu um grande abalo em sua estrutura, principalmente no campo espiritual. Entretanto, não se pode negar que a política constantiniana trouxe benefícios ao cristianismo. Indubitavelmente, o cristianismo era um elemento de alta importância no processo de unificação do Império. Havia uma só lei, um só imperador e uma única cidadania para todos os habitantes do Império. Constantino, homem de visão e administrador público invejável, não teve dúvidas, para consolidar a unidade de seu Império, necessário se fazia que houvesse também uma única religião, e o cristianismo, violentamente perseguido por seus antecessores, agora seria uma excelente ferramenta para estabilizar não só a paz, mas também unificar todos os homens, sob uma mesma bandeira religiosa: a religião cristã.

Constantino foi César (príncipe), e Augusto (venerável, governante) na Gália. Competente como soldado e como governante. Residiu na corte de Diocleciano para se educar e se preparar para administrar o Império. Com a abdicação de Diocleciano, ele fugiu da corte e se juntou ao pai, que se tornara Augusto. Com a morte do pai, Constantino conforme testamento deixado pelo pai e com o apoio do exército, foi designado Augusto. Devido ao tratamento humanitário que dispensavam aos cristãos na Gália, estes se simpatizavam muito com ele. O poder de Constantino aumentou quando, numa batalha militar na ponte Mílvia, derrotou Maxêncio (Majêncio). Este compartilhava o governo com Constantino, Maximino Daza e Licínio, mas era considerado pelos companheiros como usurpador e precisava ser eliminado da esfera governamental. A grande vitória nessa batalha conferiu a Constantino total autoridade sobre todo o Império Romano.

Em sua caminhada para a batalha, Constantino teve uma visão da cruz, na qual estava escrito: In hoc signo vinces (Com este sinal vencerás). Segundo o historiador Lactâncio, nessa visão que tivera em sonho, também ordenava que

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o imperador colocasse o símbolo cristão nas túnicas de seus soldados. Como todo pagão, Constantino também era supersticioso, pelo que atendeu e obedeceu prontamente a ordem recebida. Isto fez uma grande diferença em sua vida, pois, após derrotar de forma brilhante o seu inimigo, ele tributou a Deus aquela vitória, porque não tinha dúvidas de que recebera ajuda do Alto naquela peleja, pelo que declarou: “A bondade eterna, santa e incompreensível de Deus não permite que andemos nas sombras, mas nos mostra o caminho da salvação [...]. Isto eu vi tanto em outros como em mim mesmo” (GONZALES, p.15, 1980).

Em 313, com a ajuda de Licínio, Constantino expediu o célebre Edito de Tolerância. Neste Edito, Constantino declarava o favor imperial a toda a cristandade e, conseqüentemente, a cessação de todas as perseguições aos cristãos, tornando o cristianismo a religião oficial de todo o Império Romano.

Como governante de toda a Itália, Constantino declarou guerra a seu ex-aliado Licínio, porque este continuava perseguindo os cristãos. Sua vitória em mais esta batalha, garantiu aos cristãos a total aplicação do Edito imperial que lhes favorecia. A partir de então, Constantino passou a mesclar suas atividades de administrador político com a de administrador eclesiástico. Em 325, ele convocou e participou ativamente do Concílio de Nicéia. Em 326, diante das acusações feitas por sua esposa, Fausta, Constantino determinou a execução de seu filho Crispus.

Algum tempo depois, ele mandou executar também sua esposa. Em 330, ele inaugurou a cidade de Constantinopla, no local da antiga Bizâncio, transferindo para aquela metrópole a capital do Império. Segundo os historiadores, Constantino encomendou 50.000 Bíblias, as quais foram transportadas em duas carruagens públicas (com autorização do imperador) e distribuídas pelas igrejas da nova capital. Sua vida agitada por conflitos armados, com a mistura de atividades políticas e eclesiásticas, teve fim com seu falecimento em 337. Segundo os historiadores, já em seu leito de morte, Constantino demonstrou desejo de ser batizado, no que foi prontamente atendido.

Beneficiado pelo favor imperial e como religião oficial do Estado, o cristianismo progrediu muito. Constantino se constituíra patrono e, conseqüentemente, protetor do cristianismo. Ele passou a fazer ofertas vultuosas, construindo templos e sustentando ministros religiosos, além de isentá-los de impostos. Apesar de ser leigo em questões teológicas, ele influía decisivamente na administração, bem como em questões doutrinárias da Igreja. Foram destruídos muitos ídolos e templos pagãos nos dias de Constantino e, no ano 400, o culto pagão já fora totalmente extinto. Do ponto de vista humano, essas ocorrências constituíam grandes vitórias para o cristianismo.

Além de estar livre das perseguições, agora contavam com o apoio e a proteção oficial do Império. Em outras palavras, o cristianismo e o seu culto passaram a ser como eventos promovidos pelo Império Romano, sob a tutela de seu imperador. A Igreja cresceu de maneira arrebatadora!

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Ledo engano! Realmente a Igreja cresceu numericamente, todo mundo freqüentava a igreja, mas, espiritualmente, foi uma queda ainda mais vertiginosa do que seu rápido crescimento numérico. Conforme o ensino bíblico, o indivíduo, para se tornar cristão, teria que, primeiro, passar pela experiência do novo nascimento, ou seja, o indivíduo se reconhecia pecador e, conseqüentemente, necessitado de salvação. Arrependido de seus pecados, ele deveria aceitar e confessar a Cristo como seu único e suficiente salvador e só então era batizado e passava a uma nova vida de comunhão e compromisso com Deus.

Entretanto, isto agora já não acontecia. O povo vinha à igreja, não com o propósito de cultuar a Deus, mas, simplesmente, para assistir (e não para participar) aos rituais litúrgicos, porque, ser cristão, passara ser apenas cumprir as leis do Império e isto não inferia em compromisso espiritual, mas simplesmente um compromisso legal.

A grande maioria dos freqüentadores do templo era constituída de pagãos que, apesar de freqüentadores de igreja, continuava a praticar seus culto e costumes pagãos, sem nenhuma preocupação quanto à disciplina eclesial. A vida piedosa, o compromisso cristão e a busca pela santidade, passaram a ser facultativo. Deixara de ser uma responsabilidade, conforme expressam as Escrituras, para ser um objeto de livre escolha, ou seja a mudança de vida, que implicava em se libertar das algemas do pecado e se tornar servo de Cristo, agora já não fazia parte do testemunho cristão. Da liberdade em Cristo, passou-se à libertinagem religiosa. Libertinagem que era confundida com a liberdade de seguir a quantos deuses e a quantas religiões que quisesse. Em lugar da vocação divina para o ministério, agora era vantajoso ser sacerdote, além do status social, havia também o lado material, a riqueza por meio de confisco de terras e propriedades pela igreja, que se arrogava ministro de Deus, com pretenso “direito” de dominar e ditar as regras e o estilo de vida do cidadão.

Os bispos se tornaram chefes da Igreja. Entre eles, prevalecia a ambição pelo poder e utilizavam-se de meios vergonhosamente ilícitos para destronar os rivais e assumir o trono do poder. A esse respeito, expressou o historiador Gibbons: “Enquanto que um dos candidatos ao bispado ostentava as honras de sua família, um segundo atraía os juízes pelas delícias de uma mesa farta, e um terceiro mais criminoso que os seus rivais, propunha repartir os saques da Igreja entre os cúmplices de suas aspirações sacrílegas”.

O ofício de bispo que até então tinha sido um ofício assinalado pela humildade e trabalho, transformou-se num poço de esplendor profano, de arrogância, de opressão e suborno. A Igreja perdera, em suma, a sua humildade. Tornara-se rica, poderosa, respeitável, mas corrupta. Aqueles que haviam se tornado os líderes da Igreja, tornaram- se ditadores segundo o espírito do Império . Em suma: o reinado de Cristo fora rejeitado! Em seu lugar surgira uma trindade de reinados _ reinado do céu, reinado de Roma e reinado da Igreja. Evidentemente, o cristianismo puro, simples e maravilhoso de Jesus, o Nazareno, fora conspurcado! A Igreja do Cristo vivo perdera a sua dignidade! Estava em decadência! (OLIVEIRA p. 56, 1984)

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Apesar do declínio moral e espiritual da Igreja, havia ainda um grande número de cristãos sinceros e devotos, os quais, diante da degradante situação moral e espiritual de então, adotaram um estilo de vida que se tornou uma força poderosa na história do cristianismo: o monaquismo. Entendendo que a salvação exigia uma vida separada do mundo, uma vida santa e longe do pecado, muitos homens preferiram abandonar a vida na comunidade e se tornaram monges. A partir de então, dezenas de mosteiros foram surgindo nas mais diferentes regiões do Império. Considerando que a Igreja se tornara uma força política, e que o clero estava a serviço do Império e não do Reino de Deus, o declínio se consolidou. Por esta razão, quando homens pios se levantavam em defesa da ética e da moral, logo eram perseguidos e as controvérsias surgiam, provocando a convocação de novos concílios para se discutir e solucionar as questões que, na maioria dos casos, estavam relacionadas com a pessoa e com a obra de Cristo.

Desde o Concílio de Nicéia (325) até o Concílio Vaticano II (1962-1965), foram convocados um total de 21 Concílios Ecumênicos Católicos.

DICAS

Encontre informações mais completas e detalhadas sobre os Concílios Ecumênicos Católicos no site: http://www.pspa.etc.br/igreja/Os%20Grandes%20Concilios%20Ecumenicos.pdf, bem como nas obras referentes à História da Igreja, algumas das quais compõem a bibliografia listada no final deste caderno.

No contexto de nosso estudo, abordamos o Concílio de Calcedônia. Este foi convocado em 451, pelo imperador Marcião, com o propósito de discutir e dissolver a polêmica em torno das duas naturezas de Cristo. Alguns historiadores alegam que o Concílio teria sido convocado pelo papa Leão I, influenciados pelo clero católico romano. Contudo, sabe-se, historicamente, que na ocasião, o imperador era quem convocava os concílios, pois exercia autoridade tanto política quanto eclesiástica.

O foco, portanto, do Concílio de Calcedônia era para discutir sobre o conceito Êutico, de Constantinopla que, com o apoio de Dióscoro de Alexandria, ensinava que a pessoa do Filho de Deus tinha uma única natureza, a divina. Daí o nome monofisistismo, atribuído a essa doutrina. Depois de acirradas discussões, ficou estabelecido o Credo ou Definição de Calcedônia. Essa definição foi ratificada por todos os concílios posteriores. Toda a Igreja Cristã aceita e defende esse padrão de ortodoxia cristológica, o qual declara enfaticamente que “as duas naturezas de Cristo existem sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação”. Qualquer ensinamento diferente, neste aspecto, viola a fé cristã, que está fundamentada nas Escrituras, passando, então, a configurar uma heresia.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você viu:

lOs perigosos conceitos gnósticos que ameaçavam a fé cristã.

lA convivência harmoniosa entre filosofia e a fé religiosa.

lOs distorcidos conceitos acerca da pessoa de Cristo.

lA influência negativa e positiva de Constantino para a Igreja.

lO fim das controvérsias através dos concílios Niceno e de Calcedônia.

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Qual o significado do vocábulo hairesis?

2 O uso neo-testamentário do termo seita sugere a idéia de:

3 Quem, diziam os homens, ser o Filho do Homem?

4 Por quem e por que foi convocado o Concílio de Nicéia?

5 Quantos cânones foram baixados no Concílio de Nicéia?

6 Em que consistia a Definição de Calcedônia?

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TÓPICO 2

A IGREJA NO APOGEU DA IDADE MÉDIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico estudaremos o surgimento do papado, a tirania papal, as interferências da Igreja nos governos temporais e os resultados que atingiram toda a cristandade da Idade Média.

Além disso, analisaremos os motivos insignificantes que causaram o rompimento da Igreja Oriental com a Ocidental, o declínio e a elevação da Igreja Ocidental e a decadência da igreja Oriental.

Ao final, destacamos as Cruzadas e seus resultados frustrantes, na visão da Igreja do Ocidente e na visão dos Árabes.

2 A IGREJA NO APOGEU DA IDADE MÉDIA

A Igreja, na Idade Média, era totalmente o oposto da Igreja Primitiva. Ela enriqueceu, tornou-se uma força política. O declínio moral e espiritual se refletia em todos os aspectos. Ela criou dogmas ou sacramentos, impondo-os sobre os fiéis e definindo-se como a única fonte de salvação. O Salvador deixou de ser o Cristo bíblico e passou a ser os dogmas da Igreja. Os sacramentos, em número de sete eram: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Extrema-unção, Ordem, Matrimônio. O simples comprimento desses sacramentos era o suficiente para se alcançar a salvação. Já não se pedia perdão a Deus pelos pecados, em nome do Senhor Jesus Cristo. O penitente teria, e ainda hoje tem, que confessar o seu pecado ao pároco e este determinava a receita: algum tipo de penitência, através da qual o pecado era purgado.

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Passou-se a cultuar os santos (canonizados pela Igreja), Maria passou a ser a medianeira – a Bíblia ensina que Cristo é o único mediador entre Deus e os homens, I Tm 2:5 – o perdão dos pecados e a salvação podiam ser comprados por dinheiro, através das indulgências.

Não há nenhum exagero em dizer que por toda a Europa, o número de sacerdotes envolvidos em escândalos era bem maior que os de vida honesta. Não somente prevalecia a ignorância e o abandono de seus deveres para com as paróquias das quais deveriam cuidar, eram acusados de roubo e venda dos ofícios. O próprio papado, por mais de 150 anos, a partir de 890, foi alvo de atos altamente vergonhosos e vis [...]. Alguns dos que ocuparam o trono papal foram acusados dos mais detestáveis crimes. Durante anos, uma família de mulheres ímpias dominou o papado e este era entregue a quem elas queriam. O culto à “virgem” Maria era celebrado com muita pompa e esplendor, vestes belíssimas e caras, música solene, templos imponentes. (OLIVEIRA, p.61, 1984)

Até hoje os papas são tratados como uma divindade infalível e estão sempre se intrometendo nos governos das nações. No Brasil, por exemplo, quando um cristão dá testemunho de um milagre operado por Deus, em nome do Senhor Jesus, a mídia procura um padre (Quevedo), para saber se a igreja católica reconhece o milagre. Aliás, muitos padres no Brasil se tornaram verdadeiros astros de televisão, (Quevedo, Antônio Maria, Marcelo Rossi são alguns exemplos).

Constantino havia decretado que o clero fosse isentado do pagamento de impostos. Para evitar grandes prejuízos para os cofres do Estado, os governos posteriores decretaram que só fossem ordenados para o sacerdócio pessoas pobres, sendo a maioria sem formação apropriada para exercer o ministério sacerdotal. Donde provinha, então, a riqueza da Igreja? Porque, apesar do grande poder aquisitivo da Igreja, o clero era formado por pessoas incultas e pobres, conforme se observa na citação a seguir.

Agora a Igreja passou a receber não só as ofertas dos fiéis, mas foram-lhe doadas muitas extensões de terras, como também inúmeros edifícios construídos para fins religiosos. Assim a Igreja tornou-se rica e proprietária na Europa Ocidental. Por exemplo, a Igreja dominava a quarta parte dos territórios da França, Alemanha e Inglaterra. Ela possuía de igual modo muitos bens na Itália e na Espanha. Rendas incalculáveis de todas essas terras enchiam os cofres da Igreja, isso sem falar do dinheiro arrecadado na venda das indulgências. Uma disposição do papa Simplício (468-483) determinava a divisão da renda da igreja em quatro partes: uma para o bispo (papa), uma para os demais clérigos, uma para manutenção do culto e dos edifícios, e a última para os pobres. (OLIVEIRA, p.63, 1984)

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2.1 O SURGIMENTO DO PAPADO

Não temos informações acerca dos motivos que levam os papas a ocultar suas verdadeiras identidades e adotarem pseudônimos acrescidos de números. Por exemplo, o polonês Karol Józef Wojtyla, penúltimo papa, adotou o nome de João Paulo II, do latim Joannes Paulus Secundus. O alemão Joseph Alois Ratzinger, papa atual, adotou o nome de Bento XVI, do latim Benedictus Sextus Decimus.

ATENCAO

Outro detalhe no mínimo curioso, é que houve um papa João XXIII, embora não tenha havido um João XX ou XXI; o atual é Bento XVI, mas não se conhece Bento XIV ou XV; e assim por diante. Outro fator que chama a atenção é que a Igreja Romana estabeleceu o celibato para os sacerdotes, mas alegam ter sido Pedro o primeiro papa, embora esse tenha sido casado e cuja sogra fora curada por Jesus (Mt 8:14,15; Mc 1:29-31; Lc 4:38,39).

A Bíblia afirma que todos os homens pecam e que não há homem que não peque (I Rs 8:46; Ec 7:20; Rm 3:23). Ainda assim, a Igreja Romana insiste em afirmar que o papa é infalível. São detalhes curiosos e ao mesmo tempo estranhos, para os quais não temos explicação.

DICAS

No site: http://miriamz.sites.uol.com.br/CatolicismoVaticano/CTtodos_Papas_Igreja.htm, encontra-se uma lista completa de todos os papas, com o pseudônimo em português, com o respectivo número, bem como o tempo de duração do pontificado.

O vocábulo papa era atribuído a qualquer bispo notável ou importante, como Cipriano que foi assim intitulado. Na Igreja Oriental, o título era aplicado ao bispo de Alexandria. Atualmente, entretanto, o título é aplicado unicamente ao chefe supremo da Igreja Católica Apostólica Romana. Para os católicos, ele é também chamado vigário de Cristo e chefe da Igreja universal, ou seja, alguém que retém nas mãos o poder de Cristo. Outro título do papa é Pontifex Maximus (chefe construtor de ponte).

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A idéia deste título é que ele é o grande intermediário entre Deus e os homens, servindo como uma espécie de ponte. Neste caso, a Igreja Apostólica Romana atribui a um simples mortal, um título e um poder que a Bíblia Sagrada atribui unicamente a Cristo. Mesmo porque, a expressão Vigário de Cristo significa Substituto de Cristo. O homem assumindo o lugar de Deus? A princípio, o título referia-se à autoridade e ao poder que o bispo de Roma teria sobre todos os demais bispos, como líder universal.

Ninguém pode provar que Pedro, ou mesmo os primeiros bispos de Roma, atuavam como o fizeram os papas medievais e contemporâneos. A estatura do papado, segundo os teólogos católicos romanos mesmo admitem, foi crescendo mui gradualmente, tendo sido sancionada por Deus mediante um processo evolutivo, até que chegou à sua magnitude (CHAMPLIN, vl 5 p. 49, 1996).

As alegações, para justificar que Pedro tenha sido o primeiro papa, são tão absurdas que desafiam os maiores eruditos. Teria Deus se encarnado na pessoa de Cristo, para depois ser substituído por Pedro, por João Paulo, ou Bento XVI? Se assim for, o homem perde seu tempo em rezar ou orar a Deus, se é verdade que o papa está no lugar d’Ele. Qual será a língua que toda a humanidade terá que aprender para se comunicar com o Deus Bento XVI? É preciso refletir....

2.2 O CISMA ENTRE O ORIENTE E O OCIDENTE

Dentre os principais patriarcas, ou bispos da igreja, se destacavam dois: o de Roma e o de Constantinopla. Embora Constantino tenha feito de Constantinopla a nova capital do Império, Roma era reconhecida, por todos, como a antiga capital do mundo, sobre o qual impusera sua autoridade durante muitos séculos. Este é o principal fator que estabeleceu o primado do bispo de Roma acima dos demais. Quando discussões e controvérsias surgiram e o bispo regional não conseguiu resolver, levava-se o caso ao bispo de Roma, cujo parecer era acatado por todos.

A partir do quinto século, surgiu o rumor de que Pedro teria sido o primeiro papa e que este teria se estabelecido em Roma. Até então, essa idéia nem mesmo existia. Leão I (440-461), que era chamado de primeiro papa, foi o primeiro a se impor sobre os demais, ainda que sua autoridade tenha sido contestada posteriormente pelo bispo de Constantinopla. Foi no final do quinto século, também, que o patriarca de Constantinopla, Nestório, ao ser banido por heresia, fundou sua própria igreja, Os Nestorianos, tornando-se a primeira a se separar da Igreja Católica. Daí, foram surgindo novos movimentos aos quais aderiram muitos seguidores, principalmente, porque grande parte da cristandade já não estava satisfeita com os rumos que a Igreja tomara.

Com a expansão do Islamismo, e seu domínio sobre a Ásia ocidental e África do norte, a Igreja do Oriente foi sufocada pela nova religião e com isso, três dos cinco principais patriarcados (Alexandria, Jerusalém e Antioquia) caíram sob o domínio do Islamismo, inimigo mortal do Cristianismo.

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Enquanto isso acontecia no Oriente, a Igreja do Ocidente se expandia grandemente através de sua eficiente obra missionária. Talvez a questão racial tenha sido uma das principais causas do cisma entre Oriente e Ocidente. No Oriente, predominavam os gregos que receberam grande fusão do sangue oriental. Enquanto que no Ocidente, predominava a raça latina, a qual se fortalecera grandemente pela fusão com os germanos. A partir dessas fusões, começaram a surgir às antipatias, às incompreensões. A tudo isso se juntou, ainda, o fato de se ter estabelecidos dois governos, um no Oriente e outro no Ocidente.

São essas as principais ocorrências que, gradualmente, foram provocando o distanciamento entre os dois principais pólos do Cristianismo. Os imperadores orientais foram se isolando e se enfraquecendo. Esse enfraquecimento atingiu grandemente o Cristianismo. Finalmente, o bispo de Roma, não podendo mais exercer seu domínio, rompeu com os imperadores do Oriente e o papa coroou Carlos Magno imperador romano. O primeiro rompimento ocorreu em 867. Um conflito entre o papa e o patriarcado de Constantinopla provocou a reunião de um concílio no Oriente, o qual depôs o papa de seu bispado. Essas contendas que feriam, principalmente, a Igreja, a única prejudicada por causa de disputas humanas pelo poder, continuaram até 1054. Posteriormente, uma nova contenda entre o papa e o patriarca, o papa pronunciou um anátema contra o patriarca e aqueles que o apoiavam.

A partir de então, o rompimento foi consolidado e as igrejas gregas e romanas viveram isoladas uma da outra e cada uma reivindicando ser a verdadeira Igreja Católica e negando à outra qualquer reconhecimento. A Igreja do Oriente, também conhecida na época por Igreja Grega, abrangia a Grécia, grande parte da península balcânica, a Rússia e boa parte dos cristãos da Ásia Menor, Síria e Palestina. Enquanto que o resto da Europa continuou prestando obediência ao papa romano.

2.3 A CORRUPÇÃO DO CLERO E A DEGRADAÇÃO DA RELIGIÃO

A Igreja estava cheia de cristãos pagãos, como já vimos, devido à intervenção de Constantino, o qual foi chamado de “o grande cristão de alma pagã”. Os imperadores eram os verdadeiros patronos da Igreja, Como Teodósio, por exemplo, que, por meio de um decreto, obrigara a todos os súditos do Império a professarem o cristianismo. Os métodos missionários medievais, adotados pela Igreja, traziam multidões de germanos e outros povos para a Igreja, sem que estes passassem pela experiência da conversão. Governos e conquistadores passaram a obrigar seus povos a aceitarem o cristianismo. A Igreja de Cristo, portanto, passou a ser uma igreja pagã, pois os cristãos continuaram seguindo seus próprios conceitos concernentes à ética e à moral. Com a conquista dos bárbaros, do norte e do ocidente da Europa, que se tornaram os conquistadores do mundo, tornou

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ainda mais difícil a luta do cristianismo para se manter como uma religião pura, como o era em seus primórdios. Com a corrupção do próprio clero, que se vendia ao Estado, em troca de posição política e sua ambição de poder, complicou ainda mais a situação do cristianismo, pois, além de ter que lutar contra o paganismo, agora tinha que enfrentar também os poderes externos, para se manter.

2.4 A IGREJA NO OCIDENTE – DECADÊNCIA E SOERGUIMENTO

O papa Hildebrando encontrou um papado enfraquecido, humilhado e o elevou ao maior poder da Europa. Acerca desse famoso papa, disse Napoleão “Se eu não fosse Napoleão, desejaria ser Hildebrando”. Ele foi o maior construtor do papado na Idade Média. Seu antecessor Gregório I, e seu sucessor, Inocêncio III, não foram tão bem sucedidos quanto ele. A política de Hildebrando tinha uma dupla visão:

a) Livrar a Igreja do controle do mundo exterior – ou seja, da escravidão dos poderes civis e dos interesses seculares. A partir de então, o chefe da Igreja passou a ser escolhido pela própria Igreja, sem interferência do imperador, como antes acontecia. Outra coisa da qual a Igreja precisava se libertar era a indicação dos bispos feita pelos reis. Era uma prática conhecida como Investidura Secular, porque o bispo era investido por certos símbolos pelo governador, que no caso, era leigo. Também, com essa atitude de Hildebrando, os bispos passaram a ser escolhidos pela própria Igreja à qual iriam servir. Hildebrando enfrentou muita resistência de governantes. Henrique IV, por exemplo, foi ex-comungado e deposto do trono pelo papa Hildebrando, por causa de sua resistência.

b) Tornar a Igreja Senhora Suprema do Universo – esse foi o segundo sonho de Hildebrando. Uma idéia fantástica! O papa como chefe supremo da Igreja e esta Senhora, suprema do universo, ou seja, todos os poderes terrenos estariam debaixo do jugo do papa. Isto seria no mínimo uma catástrofe, pois destruiria a vida nacional, a liberdade e o próprio cristianismo. Henrique IV, sucessor de Hildebrando, trabalhou intensamente para consolidar o sonho de seu antecessor: implantar uma tirania papal. Sob seu pontificando, a Igreja alcançou o auge do poder. “O papa, disse ele, fica entre o homem e Deus; é menos do que Deus, porém mais do que o homem. O papa julga a todos e não é julgado por ninguém”. Hildebrando elevou o papa aos píncaros da glória. Ele elegia e depunha imperadores e reis. Ele chegou a obrigar o rei Felipe, da França, e o rei João, da Inglaterra a prestar-lhe obediência, afirmando que as coroas lhes eram outorgadas segundo a vontade do papa. Dessa maneira, a Igreja assumiu total controle do poder político e religioso em toda a Europa ocidental.

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2.5 A IGREJA NO ORIENTE

Com o cisma definitivo entre o Oriente e o Ocidente, a Igreja oriental, ou Igreja Grega, se tornou uma organização totalmente à parte, tendo como chefe o patriarca de Constantinopla, o qual jamais gozara do prestígio que era desfrutado pelo seu colega do Ocidente. Havia semelhanças e diferenças nas liturgias. Por exemplo, quando o sacerdote absolvia um penitente, declarava que ele, o sacerdote, não tinha poder para perdoar pecado e somente Deus poderia fazê-lo. Contudo, a idéia de que a Igreja era a mediadora entre Deus e o homem, prevalecia também entre os orientais.

A liturgia do culto era celebrada na língua comum de cada povo. Ao contrário do que ocorria no Ocidente, a Igreja Oriental permitia o casamento de seus sacerdotes antes da ordenação. Somente os bispos tinham que continuar solteiros e, por isso, eram escolhidos entre os monges. Havia muitos mosteiros, mas os monges não eram tão dedicados à obra missionária.

Outros fatores que tolhiam os movimentos da Igreja, impedindo-a de progredir, foram circunstancias externas. A Ásia Ocidental era governada por muçulmanos e isto impossibilitou a Igreja a propagar o cristianismo nas regiões pagãs do sul da Rússia, até que a invasão mongólica na Rússia, no século XIII, fez cessar totalmente a obra missionária na região. Além desses fatores, a falta de um espírito progressista foi a que mais prejudicou o progresso da Igreja. A idéia dominante sempre fora a de que as coisas deveriam continuar como estavam sem nenhuma modificação.

2.6 AS CRUZADAS

As cruzadas se iniciaram no final do século XI e terminaram quase no final do século XIII. Nos registros históricos, encontramos o relato de dez cruzadas, mas outros movimentos similares ocorreram na época. Nosso espaço é restrito e por esta razão nos limitamos a transcrever aqui, a título de comentário, somente a matéria jornalística publicada na revista Superinteressante, identificada a seguir. Por este motivo, temos a importância do relato que mostra não só a visão cristã, mas também a visão árabe das cruzadas. A seguir, sugerimos algumas fontes, nas quais o acadêmico pode encontrar relatos mais completos e mais detalhados. A narrativa do jornalista Rodrigo Cavalcante, da Revista Superinteressante, traduz, de maneira clara e com riqueza de pormenores as versões árabe e ocidental, lembrando que a visão ocidental é a que nos é apresentada pela Igreja Católica Romana, conforme os registros históricos.

Trata-se de uma matéria bastante longa e, conseqüentemente, não podemos transcrevê-la na sua totalidade, pois nosso espaço é limitado. Contudo, devido a dificuldade para se localizar a fonte pesquisada, o acadêmico poderá encontrar, nas fontes mencionadas, material bastante volumoso para uma pesquisa mais detalhada.

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LEITURA COMPLEMENTAR

OS 2 LADOS DAS CRUZADAS

Rodrigo Cavalcante

TODA A VERDADE SOBRE AS CRUZADAS

Duas religiões. Duas civilizações. Em 200 anos de guerra. Conheça os dois lados da história e entenda por que o mundo mudou depois que os cristãos atacaram os árabes.

OS 2 LADOS DAS CRUZADAS

Há quase mil anos, o Ocidente cruzou com o Oriente. O mundo cristão invadiu o mundo muçulmano e deu origem a 200 anos de guerra. Só dá para entender essa história se conhecermos os dois lados dela.

Cruzada

No mundo pós 11 de setembro, a simples menção dessa palavra causa polêmica. Após o ataque às torres gêmeas, o presidente George W. Bush teve de pedir desculpas por usar o termo cruzada para nomear sua guerra contra o terrorismo. Osama Bin Laden aproveitou a gafe. Em seu pronunciamento, o terrorista classificou a guerra no Afeganistão de “cruzada religiosa contra os muçulmanos”. A palavra ressuscitava dos livros de história. Só faltava Hollywood se interessar pelo assunto. Não deu outra.

O enredo do filme Cruzadas, de Ridley Scott, que está chegando aos cinemas, gira em torno de um ferreiro que se torna cruzado. Em tempo de guerra no Iraque, nada mais natural que um filme com tema tão espinhoso despertasse protestos antes mesmo do lançamento. Em agosto de 2004, o jornal The New York Times entregou o roteiro de Cruzadas para teólogos cristãos e islâmicos. Os cristãos não viram problema, mas os muçulmanos acusaram o filme de estar cheio de erros.

Afinal, o que foram as cruzadas? Um ato de fé e heroísmo? Um massacre covarde? “Não faz sentido buscar hoje bandidos e mocinhos”, diz o holandês Peter Demant, historiador da USP. “As batalhas tiveram significados diferentes para o Ocidente e para o Oriente”. Existem, portanto, duas histórias das Cruzadas. Nada melhor do que narrar essa história dos dois pontos de vista. Como você poderá constatar nos dois textos que correm nas páginas seguintes, as versões não se contradizem. São olhares diferentes que ajudam a entender porque, nove séculos depois, o assunto continua fascinando – e causando polêmica – nos dois lados do mundo

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Esta faixa do texto, traz a versão ocidental das Cruzadas. É importante que seja lido primeiro, para se compreender melhor a outra. Para os cristãos, tratava-se de um empreendimento santo, aprovado e protegido por Jesus.

O EXÉRCITO DE CRISTO

No dia 27 de novembro de 1095, o papa Urbano II fez um comício ao ar livre nas cercanias da cidade de Clermont, na França. Na audiência, além de muitos bispos, havia nobres e cavaleiros. Depois desse sermão, o mundo nunca mais seria o mesmo.

No discurso, o papa tentou convencer os espectadores a embarcar numa missão que parecia impossível: cruzar 3 mil quilômetros até a cidade santa de Jerusalém e expulsar os muçulmanos, que dominavam o lugar desde 638. Segundo os historiadores, Urbano II deve ter usado uma linguagem vibrante e provavelmente falou dos horrores que os peregrinos cristãos à Terra Santa estavam vivendo. Do alto de sua autoridade divina de substituto de São Pedro na Igreja, o papa prometeu: quem lutasse contra os infiéis ganharia perdão de todos os pecados e lugar garantido no paraíso. Um prêmio tentador no imaginário do homem cristão medieval, sempre atormentado pela ameaça de queimar no inferno.

A reação da multidão foi imediata. Gritos de “Essa é a vontade de Deus” começaram a ecoar. A pregação mal já via terminado e o bispo Ademar de Monteil, num gesto provavelmente ensaiado, ajoelhou-se diante do papa e “tomou a cruz”, ritual de alistamento em que o voluntário recebia uma cruz de pano que deveria ser costurada na altura do ombro do uniforme de batalha. Ademar embarcaria na primeira cruzada. Dali em diante, aquela cruz passaria a identificar os “soldados de cristo’, ou, simplesmente, “cruzados”.

Segundo os historiadores, a intenção do papa era convocar apenas cavaleiros bem preparados. Mas seu discurso empolgou especialmente os camponeses pobres que tinham pouco a perder. As cruzadas terminaram entrando para a história como o maior movimento populacional da Idade Média, redefinindo para sempre o mapa do mundo.

A HERANÇA DA CRUZADA

Mas afinal, qual foi a herança das cruzadas para o Ocidente?

Segundo os historiadores, elas deixaram diversas marcas negativas, como a separação da Igreja do Ocidente e do Oriente e um rastro de violência que fez aumentar a desconfiança entre cristãos e muçulmanos nos anos seguintes.

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Em compensação, é inegável que a Europa, apesar de não ter conquistado seus objetivos, saiu fortalecida. As cruzadas reforçaram a autoridade dos reis, abrindo caminho para a criação dos estados nacionais, impulsionaria a busca por outras terras. Como o Brasil.

Mas isso tudo é só metade da história.

Esta faixa do texto traz uma versão para as Cruzadas que, segundo o autor, não aprendemos na escola – O modo como os muçulmanos vêem o conflito. Para os muçulmanos, foi a invasão sanguinária de bárbaros fanáticos e cruéis.

A INVASÃO BÁRBARA

Foi um dia de terror. Em 15 de julho de 1099, milhares de guerreiros loiros entraram em Jerusalém matando adultos, velhos e crianças, estuprando as mulheres e saqueando mesquitas e casas. As ruas se transformaram numa imensa poça de sangue. Os povos sobreviventes tiveram que enterrar os parentes rapidamente antes que eles próprios fossem presos e vendidos como escravos. Dois dias depois, não havia sequer um muçulmano em Jerusalém. Tampouco havia judeus. Nas primeiras horas da batalha, muitos deles participaram da defesa de seu bairro, a Juderia. Mas, quando os cavaleiros invadiram as ruas, os judeus entraram em pânico. A comunidade inteira, repetindo um gesto ancestral, reuniu-se na sinagoga para orar. Os invasores bloquearam as saídas, jogaram lenha e atearam fogo à sinagoga. Os judeus que não morreram queimados foram assassinados na rua.

A cena é narrada em As Cruzadas Vistas pelos Árabes, do libanês radicado na França Amin Maalouf. Seu livro é uma tentativa de contar as cruzadas do ponto de vista de quem estava do lado de lá. Para os cronistas muçulmanos, na verdade, não existiram cruzadas. As investidas cristãs em seus territórios ficariam conhecidas como as invasões dos francos (porque a maioria dos cruzados falava o francês), um período de terror e brutalidade na história do islã.

O LEGADO DA BRIGA

Durante muito tempo, uma pergunta intrigou historiadores tanto do Ocidente quanto do Oriente: se os muçulmanos saíram vitoriosos das cruzadas, por que os estados islâmicos terminaram sendo ofuscados, nos séculos seguintes, pela ascensão de potências européias?

Segundo a maioria dos pesquisadores, a ascensão européia tem menos ligação com as cruzadas e mais a ver com a debilidade dos governos muçulmanos da época. Essa fraqueza estava ligada a vários fatores, entre eles a falta de identidade árabe (desde o século 9, a maioria dos dirigentes muçulmanos era estrangeira, como os turcos seljúcidas) e a incapacidade de criar instituições estáveis – com os Estados em formação na Europa Ocidental.

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O fato é que as cruzadas foram um marco nas relações entre ocidentais e orientais. Naquele momento, os “invasores bárbaros” eram os ocidentais cristãos e a grande potência era a muçulmana. Sobrou daquela guerra um ressentimento amargo, que extravasa de tempos em tempos, como tem acontecido com freqüência desde o ataque terrorista de 2001. Não são poucos os muçulmanos que atribuem o arraso econômico de seus países àquela agressão quase um milênio atrás – e que querem vingança por isso.

A vitória contra os francos e a ascensão de Aladino, reforçaram no imaginário muçulmano a idéia de que é possível vencer o inimigo com altivez e senso de justiça. Além disso, as lutas contra os francos ensinaram também que os muçulmanos são mais fortes quando estão unidos – tese que até hoje permanece como uma utopia no Oriente. Mas até que ponto as cruzadas devem ser lembradas em tempos de guerra no Iraque?

“Não há por que ficar buscando na história motivos para reacender animosidades entre os dois povos”, diz o historiador Demant. “As cruzadas marcaram a história por apenas dois séculos. Já, a convivência pacífica entre cristãos e muçulmanos, sobrevive há mais de mil anos”.

FONTE: CAVALCANTE, Rodrigo. Os 2 Lados da Cruzada. Revista Super Interessante, São Paulo, edição 213, p. 52-61, maio 2005.

DICAS

PARA SABER MAIS

1. The Oxford Ilustred History of The Crusades: Jonathan Riley-Smith (org.), Oxford University Press, Reino Unido, 2001.

2. Dicionário Temático do Ocidente Medieval: Jacques Lê Goff e Jean-Claude Schmitt (orgs.), Universidade do Sagrado Coração, 2002

3. Os Templários: Piers Paul Read, Imago, 2000

4. O Livro de Ouro dos Papas: Paul Johnson, Ediouro, 1998.

5. As Pelos Árabes: Amin Malalouf, Brasiliense, 1998 Cruzadas Vistas.

6. Islamic World, Ilustred History: Francis Robinson, Cambridge University Press, Reinno Unido 2002.

7. Uma História dos Povos Árabes: Albert Hourani, Companhia das Letras, 1991.

8. Islã (coleção para saber mais): Rodrigo Cavalcante, Superinteressante, 2003.

Um estudo mais completo e mais detalhado sobre as cruzadas pode ser encontrado na obra de Daniel-Rops, A Igreja das Catedrais e das Cruzadas, listada na bibliografia ao final deste caderno.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você viu:

lA banalidade dos problemas que culminaram com o cisma do Oriente com o Ocidente.

lA tirania do poder papal na vida religiosa e política.

lA degradação do sistema religioso causada pela corrupção no clero.

lOs altos e baixos da Igreja no Ocidente.

lA decadência da Igreja do Oriente.

lAs Cruzadas vistas pela Igreja.

lAs Cruzadas na visão dos árabes.

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Dê sua opinião acerca das informações sobre a identidade dos papas.

2 Segundo a Igreja Romana, quem seria o primeiro papa?

3 Mencione dois fatores que contribuíram para o cisma entre o Oriente e o Ocidente.

4 Qual era a condição moral e espiritual do clero?

5 Quais as idéias mirabolantes de Hildebrando?

6 O que disse Hildebrando sobre o poder do papa?

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TÓPICO 3

A IGREJA E O ESTADO: O PODER E A INFLUÊNCIA DA IGREJA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Abordaremos, neste tópico, o poder, a soberba e a elevação da Igreja, bem como a sua influência na economia, na política e na religiosidade daquele período histórico.

2 A IGREJA E O ESTADO: O PODER E A INFLUÊNCIA DA IGREJA

2.1 SOBRE O GOVERNO

Já se falou das relações da Igreja com os monarcas, principalmente durante os pontificados de Hildebrando e Inocêncio III. Eles se arrogavam como chefes supremos da Igreja e estabeleceram a Igreja como Senhora Suprema. Isto significava que a Igreja governava o mundo por meio dos monarcas e outros tipos de governo. Todos estavam sob a tirania papal que respondia pela Igreja. Havia, inclusive, os chamados Estados papais, que compreendiam uma enorme região da Itália central.

Sobre esses Estados, os papas exerciam o domínio como soberanos, não só na Itália, mas em toda a Europa Ocidental. O sistema de governo da Igreja era o sistema dos governos seculares, porque a Igreja governava os governos seculares. Os papas eram os monarcas absolutos e os bispos também exerciam grande autoridade, porém, sempre em submissão ao Sumo Pontífice.

Em muitas ocasiões, os papas, de forma tirânica, atropelavam a autoridades dos bispos, dominando diretamente nas dioceses. Os bispos eram escolhidos pela Igreja, conforme decretara Inocêncio III, mas não restam dúvidas que os papas interferiam nas votações, para que fossem eleitos homens de sua confiança e que se submetessem com facilidade.

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UNIDADE 2 | DE CONSTANTINO ATÉ A RENASCENÇA

2.2 SOBRE A ECONOMIA

A Igreja se tornara uma força dominante na Idade Média. Seu poderio econômico chegava a ser assustador. Uma Igreja que apregoava uma teologia da miséria, de repente, se torna uma potência econômica. Claro que essas riquezas não pertenciam exatamente à Igreja, mas ao clero.

A Igreja possuía grandes extensões de terras, sendo que a maior parte era produto de doações de devotos. Uma boa parte também era adquirida por intermédio do direito feudal, através dos bispados e mosteiros. O feudalismo era um sistema de governo e de estado social, que dominou a Europa do século IX ao século XV. Os feudos eram propriedades de grandes extensões de terras e explorados por hábeis administradores. As terras eram concedidas por autoridades, como reis, papas, imperadores ou alguém que exercesse alguma autoridade.

O explorador, que normalmente ostentava o título de barão, recompensava ao concessionário, em forma de taxas ou serviços. Os barões dos feudos arcavam com as despesas dos exércitos do governo, custeavam guerras contra nações inimigas e os chefes de estado também tinham seus próprios vassalos.

Visto que a Igreja Católica Romana da Idade Média contava com muitas terras, viu-se muito envolvida no arranjo do feudalismo. Assim, a Igreja Católica Romana adquiriu um imenso poder secular e econômico, por meio desse sistema, chegando a rivalizar com os governos, que também estavam envolvidos no mesmo tipo de arranjo da sociedade. Dentro dos grandes movimentos econômicos do mundo, o feudalismo acabou sendo substituído pelo capitalismo. O feudalismo, visto que escravizava os homens, conforme fazem todos os sistemas econômicos, quando abusam dos direitos individuais, foi um degrau de melhoramento além da escravidão legalizada (CHAMPLIN, v. 2, p. 722, 1996).

2.3 SOBRE A VIDA RELIGIOSA

Uma vez que os governantes eclesiásticos estavam mais envolvidos e preocupados em dominar a vida política e econômica dos governos e das sociedades, não se pode almejar que a vida religiosa fosse muito sadia. Grandes grupos de pagãos adentraram a Igreja e precisavam ser disciplinados na vida cristã. Como funcionava esse sistema disciplinar? Com amor e misericórdia? Com aconselhamento pastoral? Vejamos!

Uma vez por ano, todos os fiéis deveriam confessar seus pecados ao sacerdote. O sacerdote julgava a gravidade dos pecados e aplicava uma penitência correspondente. Essas penitências eram em forma de peregrinações, jejuns, sacrifícios, autoflagelação etc. Era uma forma de chantagem, o homem

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TÓPICO 3 | A IGREJA E O ESTADO: O PODER E A INFLUÊNCIA DA IGREJA

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evitava pecar não por se julgar necessitado de santificação, mas por medo das penitências. Cumprida a penitência imposta, o sacerdote tinha o poder divino de perdoar o pecado e absolver o penitenciado.

Os poderes da Igreja, através de seus sacerdotes, não se limitavam a declarar justo ou perdoado, mas podia ainda interferir judicialmente para condenar ou para absolver um pecador. Mesmo perdoado e livre da culpa, ficava ainda alguma seqüela do pecado que seria removida totalmente no purgatório. Um estado de sofrimento purificador pelo qual o homem passa após a sua morte, para que possa adentrar a bem-aventurança eterna.

Essa pena do purgatório, porém, poderia ser amenizada, mediante o pagamento, ainda em vida, de determinadas taxas, chamadas indulgências. Estas eram vendidas por determinado preço, conforme o poder aquisitivo do penitente. O povo era ainda exortado a pagar além do preço estipulado, pois o excedente poderia beneficiar algum parente ou amigo falecido que ainda estivesse purgando. Aqueles que não se submetessem às disciplinas eram ex-comungados e estariam eternamente condenados. Eles perdiam cargos, eram expulsos da comunhão com a Igreja e os demais fiéis eram proibidos de manter qualquer contado com o ex-comungado. Em certos casos, havia ainda o confisco de bens e propriedades.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você viu:

lA interferência da Igreja nos negócios do Estado.

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A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Quem eram os papas no governo civil e religioso?

2 Em que consistia a riqueza material da Igreja?

3 Mencione três formas de punição a que eram submetidos os penitentes.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

MOVIMENTOS PRÉ-REFORMISTAS

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

No último tópico da unidade 2, estudaremos os conflitos que despertaram o sonho pela Reforma e as principais personagens, que lutaram pela concretização desse sonho, bem como, a influência do renascimento cultural que reavivou o sonho e contribuiu para a preparação do berço da Reforma.

2 MOVIMENTOS PRÉ-REFORMISTAS

2.1 AS CAUSAS

O poder soberano do papado, os desmandos dos bispos que às vezes eram subestimados pelos papas, o poder político e econômico da Igreja, a venda de perdão dos pecados através das indulgências são fatores que provocaram a vertiginosa queda espiritual e moral da Igreja e, conseqüentemente, constituíram as causas de muitas revoltas.

Muitos irmãos piedosos, que sofriam e sonhavam com uma Igreja poderosamente vitoriosa no campo espiritual, sonhavam com um clero piedoso e comprometido com os interesses do reino de Deus, que se dedicassem ao cuidado com as almas carentes. Frustrados, porém, em seus sonhos, atribuíram a si mesmos a responsabilidade de fazer alguma coisa em prol da restauração da vida moral e espiritual da Igreja. À vista dessa necessidade premente, decidiram entrar em ação, levantando a criação de grupos de protestos, que chamamos de pré-reformistas, insatisfeitos com a situação e criando movimentos, que foram rechaçados pelos líderes religiosos e acusados de hereges e rebeldes. Dentre esses homens e movimentos, destacamos alguns.

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UNIDADE 2 | DE CONSTANTINO ATÉ A RENASCENÇA

Petrobrussiano: movimento que surgiu no sudoeste da França, liderado por Pedro de Bruys e Henrique de Lausane. Esses homens tomaram a firme decisão de se oporem à superstição que reinava na Igreja, bem como a corrupção moral e espiritual do clero.

Os Cataristas ou Albigenses: Não era simplesmente um grupo, mas uma Igreja rival. A idéia básica do termo vem de uma palavra grega que significa puro, porque a ênfase do movimento era a pureza em todas as áreas da vida. Sua luta doutrinária girava em torno da tentativa de solucionar o problema do mal. Eram dualistas e afirmava a existência de um Deus como Autor do bem, em guerra com forças ou espíritos malignos responsáveis por toda a espécie de males. Arrogavam-se ser a única igreja verdadeira e se puseram a combater a Igreja Católica Romana. Por esta causa, foram condenados à destruição. Apesar das heresias presentes em sua teologia, os Cataristas compartilhavam de muitas atitudes e ensinos, de diversos grupos ortodoxos.

Os Valdenses: Esse movimento surgiu nas últimas décadas do século XII e começou na cidade de Lion, na França. Um homem muito rico, chamado Pedro Valdo, decidiu vender todos os seus bens e distribuir toda a sua fortuna entre os pobres. A partir de então, ele mesmo assumiu uma vida humilde e se juntou a todos quantos viviam em extrema pobreza. Um gritante contraste com a ganância de poder e de uma vida regalada, vivida pelo clero religioso. Sua atitude sensibilizou muitos outros homens que aderiram a seu movimento. Eram homens e mulheres simples, leigos e até muitos analfabetos. Eles foram chamados os pobres de Lion. Embora não tivessem nenhuma intenção de desafiar ou se rebelar contra a autoridade da Igreja, a hostilidade dos clérigos locais e posteriormente do papado, levaram-nos à oposição.

Eles foram condenados pelo arcebispo de Lion, como hereges e, posteriormente, o papa Lúcio III ratificou a condenação, declarando que se tratava de um movimento herético e, como tal, devia ser destruído. Apesar da condenação que resultou em violentas perseguições, o movimento cresceu e se espalhou por várias partes da Europa central e oriental. Ao longo da Idade Média, os valdenses foram mudando sua maneira de pensar e depois de alguns debates com clérigos católicos, um grande número deles retornou à comunhão com a Igreja Romana. Estes receberam tratamento especial do clero católico e tiveram permissão para continuar em seu rigoroso estilo de vida, formando um grupo que se chamou católicos pobres. Pedro Valdo, que acreditava na divindade de Cristo e que só através de Cristo se alcançava a salvação, decidiu, juntamente com seus seguidores, a se dedicar à obra de evangelização, seguindo os moldes apostólicos. Contudo, prevalecia a exigência de que os líderes do movimento e todos os seus grupos abandonassem seus empregos convencionais e passassem a viver da mendicância.

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2.2 O CONFLITO INTERNO

2.2.1 João Wycliffe

Além dos grupos e movimentos de protestos que se levantaram contra as práticas infames da igreja, havia também conflitos internos. Isto ocorreu, porque o estabelecimento de uma inquisição, para silenciar os movimentos de protesto, deu origem a dois movimentos de revolta, que a Igreja não teve como reprimir. Esses movimentos foram liderados por João Wycliffe, na Inglaterra, e João Huss, na Boêmia.

João Wycliffe era um estudioso teólogo inglês e, freqüentemente, o chamavam de “a Estrela d’Alva da reforma”. Ele cursou o doutorado em teologia na Universidade de Oxford e se formou em 1374. Quando, em 1375, Wycliffe entrou em confronto com o papado, a Inglaterra já havia se insurgido e resistido à influência do papa nos assuntos da Igreja Inglesa. Ele era sustentado por seus cargos eclesiásticos e passou boa parte de sua vida ensinando em Oxford. Como brilhante estúdios que era, Wycliffe dominou a tradição escolástica dos fins da Idade Média, fato que chegou ao conhecimento dos membros do governo Inglês. O Duque de Lancáter, John de Gaunt, filho de Eduardo III, contratava, freqüentemente, os seus serviços.

Wycliffe cumpria fielmente seus deveres diplomáticos para com a Coroa e escrevia várias obras que condenavam a opulência e ganância que norteavam a vida dos clérigos. Principalmente, por suas riquezas como possuidores de grandes extensões de terras e a jurisdição papal em assuntos temporais, que julgava ser da competência exclusiva dos governos civis. Em suas obras On Duvune Dominion !1375) e On Civil Dominion (1376), ele expôs a Doutrina do domínio, declarando que todas as pessoas são inquilinas de Deus e que somente os justos, como mordomos de Deus, devem ter autoridade política, com direito de governar e possuir propriedades e bens.

Por outro lado, os ímpios, ainda que ostentem títulos de nobreza, como reis ou papas, não tinham tal direito. Ele argumentava que os clérigos, que viviam em pecado, perdiam o direito outorgado aos mordomos de Deus e, conseqüentemente, deviam ser depostos de seus cargos e privados de seus bens.

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Esses conceitos que apregoava e sobre os quais escrevia e ensinava na Universidade, levaram-no à condenação por uma série de bulas papais, as quais declaravam que a Universidade de Oxford devia silenciar seus ensinos. Indignado, Wycliffe mudou de tática e passou a condenar os dogmas centrais da Igreja Romana da Idade Média. Atacou e condenou todos os rituais litúrgicos que não fossem fundamentados nas Escrituras Sagradas. Ele condenou a doutrina da transubstanciação (dogma da Igreja Romana desde 1215, segundo o qual o pão e o vinho, na eucaristia, se transformam literalmente nas substâncias do corpo e do sangue de Cristo), renunciou ao poder sacramental do sacerdócio e negou a eficácia da missa. Em 1381, houve uma revolta de camponeses que forçou a Igreja e a aristocracia se unirem, para restabelecerem a ordem.

Wycliffe não participara na rebelião, mas seus opositores o acusaram, alegando que a rebelião fora causada por seus ensinamentos. Os líderes da Igreja se aproveitaram da situação e expulsaram os seguidores de Wycliffe de Oxford. Este foi morar na sua paróquia em Lutterworth onde, em 384, faleceu, vítima de derrame cerebral.

2.2.2 João Huss

Outro personagem que atuou significativamente na preparação do campo para a Reforma Protestante. Tratava-se de um influente líder religioso, que vivi na Boêmia, parte da moderna Tchecoslováquia. Ele conheceu as obras de Wycliffe, começou a divulgar suas idéias em Praga e por toda a região circunvizinha. Ele estudou e se formou na Universidade de Praga, onde se juntou ao corpo docente da Faculdade de Letras, como preletor.

Ele fez os votos sacerdotais, cuja vocação fora escolhida pelo desejo de obter prestígio, segurança, independência financeira e convivência na sociedade acadêmica. Nesse período, porém, passou pela experiência da conversão e passou a nutrir maior interesse por crescimento espiritual. Ele foi nomeado reitor e pregador na capela de Belém, em Praga, o quartel general do movimento reformista tcheco, em 1402. Apesar de influenciado pelas obras de Wycliffe, Huss devia ainda a alguns teólogos tchecos, como Mateus de Janov, o seu desenvolvimento teológico.

Definitivamente identificado com a teologia reformada, Huss passou a ser uma ameaça ao equilíbrio teológico da Boêmia, por desafiar o poderio alemão na Igreja Católica Romana, na Boêmia. Em 1409, o papa Alexandre V, ordenou ao arcebispo de Praga que proibisse Huss de pregar. Este, por não acatar a decisão papal, foi ex-comungado em 1410. Mesmo tendo sido ex-comungado, Huss continuou a atacar as políticas papais do Grande Cisma e a venda das indulgências.

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Nessa ocasião, começara a surgir, em Praga, vários movimentos contra a hierarquia eclesiástica. Devido a ameaça do papa em interditar a Igreja em Praga e a falta de apoio do rei, Huss abandonou a cidade e foi morar como exilado no sul da Boêmia. Em 1414, foi efetuado um concílio em Constança, sob a presidência do imperador Sigismundo, para resolver a pendência do interdito e devolver a unidade organizacional à Igreja de Roma.

Sob a promessa do imperador de que lhe seria dado salvo-conduto, Huss consentiu a se fazer presente. A promessa, porém, não se cumpriu. Tão logo chegou à Constança, recebeu voz de prisão e foi lançado no cárcere. A acusação contra Huss é de que ele apoiava e propagava as heresias de Wycliffe. Ele reivindicou o direito de se defender perante o concílio. Porém, não lhe foi permitido dar nenhuma explicação, mas somente responder as perguntas que lhe faziam. A maioria das acusações era falsa e muitas delas não tinham nada a ver com o caso. Huss se recusou a reconhecer como verídicas as acusações que pesavam contra ele, a menos que fossem comprovadas pela Bíblia, mas não adiantou. Ele foi acusado, julgado e condenado por heresia. Em 6 de junho de 1415, João Huss foi lançado na fogueira e morto, na cidade de Constança.

Segundo um historiador, João Huss, ao ser lançado na fogueira, teria dito para seus algozes: “Vocês estão calando um ganso (esse é o significado de Huss), mas Deus levantará, daqui a cem anos, um cisne, cuja voz não poderão calar”. Os historiadores argumentam que isto seria uma alusão profética ao ministério de Lutero (Cisne), que um século depois deflagrou a Reforma Protestante.

2.3 MOVIMENTOS INTERNOS

2.3.1 O Concílio de Constança

Os séculos XIV e XV presenciaram o surgimento de vários levantes dentro da própria Igreja. Era o grito pela Reforma. A degradação do papado com o Cativeiro Babilônico, período em que o papado esteve sob a custódia do rei da França, por volta de 1309. O fato de se mudar de Roma, já demonstra perda de prestígio. Depois, ocorreu o Grande Cisma do papado, forçado pela exigência da opinião pública sob a liderança de Catarina de Sena. Todas essas ocorrências, aliadas às extorsões praticadas pelos papas e às intervenções destes em governos temporais, explodiram num grande clamor por uma reforma radical na Igreja. Concílios foram convocados para se buscar uma solução para a crise estabelecida na Igreja. Dentre eles, o de Constança que, embora superficialmente, conseguiu estabelecer uma trégua e restaurar a unidade.

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Contudo, os participantes queriam muito mais. Eles queriam o que chamavam “A Reforma da Igreja, da cabeça aos pés”. Nesse concílio, achava-se presente a nata da sociedade. Havia representatividade da Igreja e a maioria esmagadora de cidadãos de bem, representando a sociedade civil. Além da presença dos políticos representantes do papa, também estava presente o próprio imperador. Foi um fracasso total. Venceu o papa com o astuto jogo de seus representantes, os quais não admitiram que nenhuma mudança fosse aprovada.

2.4 O CONCÍLIO DE BASILÉIA

Poucos anos depois do fracassado do Concílio de Constança, ocorreu o Concílio geral de Basiléia. Houve muita discussão em torno da urgente necessidade de reforma dentro da Igreja, mas nada resolvido. O que se viu foi o óbvio. A reforma teria que partir de dentro da Igreja e, nos seus bastidores, aqueles que dominavam, não aceitavam nenhuma mudança, ou seja, a força maligna existente dentro da Igreja jamais se levantaria contra si mesma, ainda que toda a Europa se manifestasse e o clamor pela reforma ecoasse por todos os lugares.

A Reforma só teria chance de acontecer, se alguém se levantasse ou algum movimento disposto a esmagar a cabeça daquela serpente maligna, desfizesse toda a organização e desencadeasse um novo começo.

2.5 A INFLUÊNCIA DA RENASCENÇA

O vocábulo português Renascença deriva do francês renaissance. Trata-se de um extenso movimento cultural que varreu a Europa nos séculos XIV, XV e XVI. Contudo, só em meados do século XIX passou-se a usar o termo para se referir a esse marcante período da História. Houve uma verdadeira revolução cultural em todas as áreas do pensamento humano: Humanismo; disputas filosóficas com a debilitação do aristotelismo e reavivamento do platonismo. Literatura, arte, ciência moderna, enfim, foi um período fantástico, mas o que tem isso a ver com a história da Igreja e a fé cristã?

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Verdadeiramente, o movimento renascentista trouxe à tona a energia (que faltara nos concílios reformistas) necessária para uma revolução religiosa. Foi um verdadeiro despertar da natureza humana. O movimento em si, pode ser visto como uma preparação para a Reforma tão almejada por toda a casta religiosa da Europa. A disseminação da língua grega levou os pensadores de então a lerem o Novo Testamento na língua original, o que resultou numa grande descoberta. Deslumbrados, puderam contemplar o ideal divino para a Igreja Cristã e, ao comparar sua descoberta com a situação vivida pela igreja de então, todos eles foram transformados em reformadores. Isto ocorreu em várias regiões da Europa, principalmente, na Alemanha, na França e na Inglaterra.

João Colet, de Oxford, Erasmo, grande cultor do Novo Testamento, são exemplos do grande reavivamento religioso, que surgiu paralelamente ao reavivamento da cultura. Isto ocorreu porque eles, como reformadores destemidos, passaram a expor o cristianismo à luz da revelação do Novo Testamento. Foram esses humanistas que se interessaram pelo problema que assolava todo o sistema religioso da época e que fortaleceram, de maneira substancial, os espíritos reformistas da Igreja. Eles influenciaram a sociedade de seus dias, nutrindo grande interesse pelo estudo das Escrituras. Isto despertou um interesse geral para que fossem lançados fora os velhos conceitos e elevada a religião aos moldes da renovação cultural. Estava pronto o berço para receber os reformadores!

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você estudou:

lOs conflitos internos e os movimentos de protesto.

lO sonho pela Reforma.

lA influência renascentista no pensamento reformista.

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A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Mencione dois movimentos de protesto da Idade Média.

2 Como morreu João Wycliffe?

3 Quem mais influenciou a teologia de João Huss?

4 Qual foi o resultado funesto do Concílio de Constança?

5 O que motivou Huss a comparecer ao Concílio?

6 Qual a influência da Renascença no sonho reformista?

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade, você será capaz de:

• entender e discorrer sobre confronto do cristianismo com a modernidade;

• dissertar acerca do Iluminismo e a influência da ciência e da filosofia no pensamento moderno;

• distinguir entre existencialismo secular e religioso, bem como suas implicações na secularização do cristianismo;

• fazer uma abordagem crítica acerca do judaísmo e suas ramificações;

• conhecer os principais teólogos católicos e protestantes, atuantes no século vinte;

• comentar sobre as principais religiões e seitas em nossos dias;

• refletir acerca das principais ramificações do cristianismo, bem como sua chegada e seu desenvolvimento no Brasil.

Está unidade de ensino está dividida em sete tópicos, sendo que, no final de cada um deles, você encontrará atividades que contribuirão para a apropriação dos conteúdos.

TÓPICO 1 – A REFORMA

TÓPICO 2 – A CONTRA-REFORMA

TÓPICO 3 – O CRISTIANISMO EM CONFRONTO COM A REALIDADE

TÓPICO 4 – RELIGIÕES HISTÓRICAS

TÓPICO 5 – TEÓLOGOS EM DESTAQUE

TÓPICO 6 – RELIGIÕES E SEITAS

TÓPICO 7 – RAMIFICAÇÕES DO CRISTIANISMO: CHEGADA E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

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TÓPICO 1

A REFORMA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Estudaremos, nesse tópico, sobre os movimentos reformistas e a consolidação da Reforma Protestante na Europa, através de vários representantes, como: Martinho Lutero, Ulrich Zuínglio, João Calvino e João Knox.

2 REFORMA

Na unidade anterior, já tratamos, de maneira bem restrita, sobre os movimentos pré-reformistas. Contudo, para adentrarmos ao estudo da Reforma propriamente dita, uma rápida reflexão se faz necessária.

A Reforma se tornou inevitável, devido às frustrações nas tentativas de uma mudança radical, nas estruturas internas da Igreja, portanto, não foi uma atitude isolada de determinado clérigo, nem uma exigência não só da cristandade, mas de toda a sociedade ocidental. Não se concebia uma instituição que se arrogava substituta do próprio Deus aqui na terra, usando o nome Dele, mas agindo de maneira completamente oposta aos padrões estipulados nas Escrituras, as quais constituem a Palavra do próprio Deus.

Deus, porém, age usando o homem como instrumentos de Suas atuações. Ele escolhe um homem (a exemplo do que fez com Moisés e outros) e através do ministério desse homem, outros vão se juntando, outros líderes vão surgindo e a obra vai se espalhando, alcançando multidões aqui e ali, até que todo o mundo, se não adere, pelo menos, toma conhecimento da obra que está sendo realizada, não pelo homem, mas pelo próprio Deus, através da instrumentalidade humana.

Façamos, portanto, uma breve retrospectiva acerca dos acontecimentos que culminaram com a Reforma Protestante: Durante mais de um século (1309-1439), perdurou uma tirania arrogante e perversa por parte do clero (o mesmo ainda ocorre atualmente, mas de maneira mais sutil e sofisticada). A Igreja Romana subiu aos píncaros da glória, no que diz respeito à soberba, às riquezas e ao poder temporal. Na mesma medida, ela desceu ao mais profundo dos abismos naquilo que dizia representar e que de fato tinha o dever de fazer, ou seja, pregar e tornar conhecido de todo o mundo, o evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ela tinha que experimentar e divulgar a salvação, cujo preço, o Senhor Jesus pagou com o Seu próprio sangue, derramado na cruz do Calvário.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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Celibato e obediência absoluta ao soberano papa, cujo trono real, e porque não dizer divino, fora estabelecido em Roma, conhecida como a Capital do Mundo de então. O celibato se chocava violentamente não só contra os instintos naturais humanos, mas contra a própria instituição divina do casamento. O feudalismo da Igreja Romana, além de imoral, provocou um total declínio na moralidade de todo o clero, porque, proibidos de se casarem (por interesse absolutamente financeiro sob a capa de uma aparente santidade), muitos sacerdotes tomaram para si concubinas ou prostituíam vergonhosamente, com as mulheres de suas congregações. A Igreja Romana pregava a teologia da miséria, mascarada de humildade, mas pouco não se tornara dona absoluta de todo o território europeu. Ainda hoje, o maior tesouro do planeta está escondido nos porões do Vaticano, sob a custódia do papa e seus cardeais.

Riquezas do mundo inteiro convergem para ali. Contudo, a Igreja Católica Apostólica Romana esconde tudo isto e exibe uma máscara de religiosidade, humildade e se diz detentora de poder, para julgar e determinar o que é milagre, o que é pecado etc. O serviço social é realizado nas paróquias, mas são os fiéis que doam e arrecadam donativos nas comunidades. O dinheiro e as riquezas que enchem os cofres das paróquias em todo o mundo são enviados para o Vaticano. Quando morre um papa, a Igreja, apoiada pela mídia, provoca uma comoção mundial e logo depois começam as atividades que irão beatificar, tornar aquele ser humano que faleceu, mais um santo ou divindade, com poderes para realizar milagres e atender às necessidades dos incautos fiéis.

Aos párocos, compete divulgar e exortar os fiéis a adorar e buscar a ajuda dos santos, em detrimento da Palavra de Deus, que a Igreja afirma ser guardadora e divulgadora, que ensina que devemos dirigir nossas orações de adoração e súplicas a Deus, em nome do Senhor Jesus Cristo, o qual, segundo a própria Escritura, é o Único Mediador entre Deus e os homens.

O papado perdera o respeito da cristandade e de toda a sociedade. O papa Clemente V era francês e, sob a influência do rei da França, mudou a sede do papado para Avignon (sul da França). A partir de então, o papado, que representava toda a cristandade, se tornou súdito dos reis franceses, sob cujas ordens e instruções passara a exercer o seu ministério. Foi mais um escândalo que gerou não só insatisfações, mas também ciúmes da cristandade de Roma, que entendia ser ali a sede, pois segundo os falsos ensinos da própria Igreja, ali São Pedro, o primeiro papa, teria fundado a sua Igreja.

Não a Igreja Cristã ou de Cristo, mas a igreja de Roma e dos papas. O povo de Roma obrigou os cardeais a elegerem Urbano VI, para substituir Gregório XI (assim se denominam os papas, nomes fictícios e números). Urbano se tornara inimigo dos cardeais e eles elegeram Clemente VII, o qual mudou novamente o trono papal para a França. Agora, existiam dois papas eleitos pelo mesmo colégio de cardeais.

Os dois papas se rivalizavam e cada um reivindicava para si o reconhecimento como legítimo sucessor de Pedro (lembrando que o servo de

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TÓPICO 1 | A REFORMA

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Deus, Pedro, jamais pretendeu tomar o lugar de Cristo para se tornar senhor da Igreja, da mesma maneira que a humilde Maria jamais teve a pretensão de se tornar mediadora entre Deus e os homens).

Diante de tantas disputas pelo poder e a total falta de espiritualidade, toda a sociedade, composta de cristãos e não cristãos, entendeu que Deus jamais estaria presente em meio à tamanha podridão e começou a clamar por mudanças radicais, porque, para sustentar duas cortes papais, foi imposta ao povo da Europa uma exorbitante carga tributária. Seria isso um prenúncio do que ocorre hoje no mundo político e no mundo religioso de nossa Pátria? Cada um tem a virtude de raciocinar o direito de expressar sua própria opinião (às vezes, e com muito cuidado).

Foram essas, entre muitas outras ocorrências, que levaram Wycliffe, Huss, Savonarola entre outros, a se levantarem, mesmo sob ameaças de ex-comunhão e morte, para defenderem a verdadeira bandeira do cristianismo, que era viver e divulgar a salvação em Cristo. De 1409 a 1449, a Europa ficou dividida eclesiástica e politicamente, o que tornou evidente a urgente necessidade de uma reforma interna na Igreja, pois afinal, quem fora o escolhido para ocupar o trono? Urbano VI ou Clemente VII? Qual o local escolhido para o estabelecimento do trono? Roma, na Itália, ou Avignon, na França. Para resolver essas questões, vario concílios se reuniram. Pisa (1409), Constança (1414-1418), Basiléia (1431-1449) e Florença (1438-1449).

O fracasso total desses concílios reformadores lançou por terra toda a esperança de uma radical reforma interna na Igreja Católica Romana. Se as necessárias mudanças propostas nos debates foram repudiadas pelo clero e, conseqüentemente, impossibilitadas de se tornarem realidade, a Reforma Protestante teria que acontecer inevitavelmente. Alguém, com extrema coragem e um indomável espírito de luta e, acima de tudo, imbuído de uma piedade incontestável, tinha que se levantar, ou ser levantado por Deus, para protestar e confrontar a tirania do clero, mostrando a este que Deus, e não o homem, é o Senhor Absoluto da Igreja, pela qual pagara um alto preço, não exaltando a si mesmo, não reivindicando poderio, mas, pelo contrário, tornando-se homem e padecendo a ultrajante morte de cruz. Esse homem surgiu e a ele aderiram muitos outros, para consumar a obra da Reforma tão necessária e tão almejada por todos, cristãos ou não-cristãos.

2.1 MARTINHO LUTERO NA ALEMANHA

O brado inicial de protesto foi emitido de maneira bastante silenciosa, em forma de noventa e cinco teses escritas e expostas à entrada de uma grande catedral, uma Scholosskirche (castelo-igreja), na cidade de Wittenberg, na Alemanha; bem longe de Roma (Itália) e de Avignon (França), cidades-palco das disputas pelo poder, pela soberania e pelo domínio sobre a Igreja do Senhor Jesus Cristo.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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Martinho Lutero (1483-1546), um monge alemão, foi o cisne prenunciado por João Huss, momentos antes de ter sua voz calada pelas chamas de uma fogueira em Constança, a 6 de julho de 1415, um século antes, quando disse: “Podem matar um ganso, mas daqui a cem anos surgirá um cisne que não poderão queimar”.

Martinho Lutero nasceu a 10 de novembro de 1483, na cidade de Eisleben, na Alemanha. Tornou-se bacharel em artes em 1502, e mestre em artes em 1505, pela Universidade de Erfurt. Em obediência ao pai, que sonhava ter um filho advogado, entrou para a faculdade de direito. Em pouco tempo, porém, interrompeu os estudos e entrou no claustro dos eremitas agostinianos em Erfurt, onde, decidido a seguir a carreira eclesiástica, foi consagrado padre em 1507. Deixando o mosteiro, passou a proferir palestras sobre filosofia na Universidade de Wurtemberg, onde também ensinava teologia. Em 1512, tornou-se doutor em teologia e fazia conferências sobre as Escrituras, especializando-se nas cartas aos Romanos, Gálatas e Hebreus. Foi durante o período que estudava a teologia paulina, que ele pode perceber os erros da Igreja Católica Romana, à luz daqueles documentos que foram fundamentais para o cristianismo primitivo.

Devido a seu elevado nível intelectual, Lutero galgou várias e elevadas posições no clero romano. Em 1515, foi nomeado vigário responsável pela liderança de 15 mosteiros. Foi então que se envolveu em controvérsias em torno da venda de indulgências, a qual se tornara uma verdadeira fábrica de dinheiro para a Igreja Católica Romana. Nessa ocasião, Lutero travava uma árdua batalha espiritual, pois nem sua carreira eclesiástica e nem sua vida monástica, lhe proveram respostas satisfatórias acerca da salvação pessoal. Suas aflitivas indagações só encontraram resposta quando se deparou com a enfática declaração de Paulo em sua carta aos Romanos quando afirma: “O justo viverá pela fé” (Rm 1:17). Essa maravilhosa descoberta deixou Lutero ainda mais aflito e inseguro quanto à sua própria salvação.

Considerando que a Igreja Católica Romana vendia indulgências como credenciais para adentrar ao céu, Lutero, agora também intrigado, pôs-se a meditar sobre suas condições espirituais, as quais, fundamentadas nos ensinamentos da Igreja, não lhe davam nenhum passaporte para a eternidade. A partir de então, a nova descoberta tornou-se o tema principal em suas conferências, nas quais passou a criticar o domínio da filosofia sobre a teologia católica romana.

Embora fosse um teólogo católico e profundo conhecedor da filosofia, suas convicções agora eram expostas em todos os seus discursos, nos quais enfatizava que a salvação só seria possível através da fé na graça redentora de Cristo. Foi estudando os escritos de Agostinho, Anselmo e Bernardo de Claraval Clairvaux, que descobrira o tesouro espiritual que passara a proclamar.

Em 1516, Martinho Lutero fez publicar um livro devocional intitulado Theologia Deutsch, (teologia germânica) de autoria dos místicos alemães. Posteriormente, tornou-se pároco da igreja em Wittenberg, tornando-se um pregador popular de grande erudição e eloqüência, proclamando e ensinando a verdadeira fé ensinada nas Escrituras. Ele combatia com veemência os falsos ensinos eclesiásticos, os quais ensinavam que, ao comprar as indulgências, o

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TÓPICO 1 | A REFORMA

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DICAS

Para um estudo mais detalhado sobre esses valores, e os benefícios deles decorrentes, bem como sobre as 95 teses de Martinho Lutero, ver: BETTENSON, H.; Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1998).

Myconius, historiador contemporâneo de Lutero fez a seguinte observação: “As teses, em apenas 15 dias percorreram quase toda a cristandade, como se os anjos fossem os mensageiros”. Inicialmente o papa achou graça nas teses de Lutero, dizendo “Um alemão embriagado escreveu-as”. Entretanto, muito rapidamente teve que mudar de idéia e a agir contra o que ele chamou “monge rebelde”; (apud OLIVEIRA, p. 79, 1984). Começou-se logo a perseguição a Lutero e este tinha o apoio não só dos cristãos, mas também de toda a nobreza alemã. Uma bula papal circulou por toda a Alemanha convocando Lutero e seus seguidores a se retratarem, sob pena de ex-comunhão. Em 1520, Felipe Melanchton, professor de grego, com todas as suas forças, se colocara ao lado de Lutero e fizera publicar um anúncio em Wittenberg, convocando estudantes e toda a população para assistirem a queima, em praça pública, de todos os escritos papais, com seus decretos, bem como dos teólogos escolásticos.

indivíduo tinha garantido o perdão dos pecados, bem como a entrada no céu. Não havia necessidade de conversão e nem mesmo de arrependimento, pois o preço da salvação já estava pago, através da compra de indulgências. Quem coordenava essa indústria monetária era João Tetzel, um astuto agente do arcebispo Alberto. Tetzel proferia seus convincentes discursos, que, com uma maligna erudição, conseguia induzir o povo a se livrar da perdição, sem necessidade de um novo nascimento, bastando apenas pagar o preço que era cobrado. Enquanto ele discursava, seus agentes distribuíam as indulgências e recolham o dinheiro.

Em 1517, Tetzel, o agente contratado pelo arcebispo Alberto para coordenar a venda das indulgências, começou seu trabalho em Jüterborg, localidade próxima de Wittenberg. Esse fato provocou indignação em Lutero e seus seguidores, o qual, não suportando mais ver o povo sendo enganado e explorado por aquela atitude extorsiva e nefasta das autoridades eclesiásticas, escreveu seu protesto em forma de 95 teses, que criticavam os abusos do sistema eclesiástico e demonstrava o profundo interesse e a intenção de reformar todo o sistema.

Suas teses foram apostas na entrada da Scholosskirche (castelo-igreja) e também foram enviadas cópias não só para as autoridades eclesiásticas, mas também por toda a Alemanha. Finalmente teve início a reforma que todos buscavam, mas que o poderio eclesiástico conseguira impedir até então. As indulgências eram cobradas, tendo seu preço avaliado de acordo com as condições do comprador.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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Em janeiro de 1521, depois de muitas tentativas frustradas e muitas ameaças contra Lutero, foi publicada a sentença papal, na qual Lutero fora ex-comungado por heresia e condenado a sofrer todas as conseqüências por seus atos. Entretanto, para que o réu fosse condenado à morte, a sentença precisava ter o aval das autoridades civis. Essa primeira dieta do imperador Carlos V aconteceu em Worms. Embora seus amigos tentassem impedi-lo de comparecer à dieta, Lutero caminhou de cabeça erguida para enfrentar seus algozes, mesmo estando certo de que caminhava para a morte.

Lutero trouxera à lembrança de seus amigos a situação de João Huss um século antes, o qual, mesmo tendo um salvo-conduto imperial, fora condenado à fogueira, afirmando a seguir que mesmo que houvesse em Worms tantos demônios quanto as telhas dos telhados, ele ali estaria.

Lutero foi condenado à morte e asentença deveria ser cumprida em breve. Contudo, como que se cumprindo a profecia de João Huss, de que eles não conseguiriam calar o cisne que surgiria, o inesperado aconteceu. Altas horas da noite, enquanto Lutero era conduzido de volta a Wittenberg, o príncipe da Saxônia, simulando um seqüestro, assaltou a escolta e o arrebatou das mãos, levando-o para o seu castelo em Wartburgo. Ali, durante muito tempo, Lutero viveu disfarçado, adotando o nome de cavaleiro Jorge, enquanto o mundo julgava que ele estivesse morto. Nesse refúgio acolhedor, Lutero escreveu muitas obras, que ao se tornarem de conhecimento público, denunciava para o mundo que o nobre reformador escapara da pena de morte e estava vivo em algum lugar.

Um presente que Lutero deu ao seu povo foi traduzir a Bíblia para sua própria língua e torná-la acessível para toda a população alemã. Martinho Lutero veio a falecer a 18 de fevereiro de 1546, em Eisleben e foi sepultado na Igreja do Castelo, em Wittdenberg.

2.2 ULRICH ZUÍNGLIO (OU HULDREICH ZWÍNGLIO) NA SUÍÇA

Não era propósito de Martinho Lutero, nem de nenhum dos reformadores, provocar um cisma na Igreja, tornando-a dividida entre Católicos e Protestantes. O propósito, como o próprio termo já diz, era promover uma reforma total, principalmente em seus bastidores. Entretanto, não aconteceu o esperado e, àqueles que protestaram e a seus seguidores, deu-se o nome de protestantes. Por isso, o nome do movimento iniciado por Martinho Lutero ganhou o título de Reforma Protestante. Conforme já foi salientado, a reforma se iniciou na Alemanha, mas o seu brado ressoou por quase toda a Europa.

Ulrich Zuínglio (ou Huldreich Zwínglio) (1484-1531), natural de Wildhaus, S t. Gallen, na Suíça, estudou na Universidade de Basiléia onde, influenciado pelo reformador Tomás Wyttenbach, conheceu a nova fé cristã e passou a crer na

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autoridade exclusiva das Escrituras e na salvação pela graça, por meio da fé em Jesus Cristo. Seu protestantismo era uma variação mais racionalista da teologia de Lutero, de cuja crença passou a duvidar, enquanto debatia com os teólogos alemães acerca da Ceia do Senhor, na qual, segundo a crença de Lutero, havia a presença real de cristo no sacramento da comunhão.

Ao conhecer a fé evangélica, Zuínglio passou a combater o sistema medieval de penitências e relíquias. O momento culminante da Reforma ocorreu em 1519, quando, ao iniciar um de seus cultos em Zurique, Zuínglio declarou sua intenção de se manter fiel às escrituras, em detrimento do regime eclesial dominante. Outro detalhe importante é que Zuínglio, a exemplo de Lutero, também combatia o ensino da Igreja Romana de que Pedro teria sido o primeiro papa ou fundador do papado. Ele escreveu várias obras e folhetos para promover o avanço da Reforma, a qual se consolidou em 1523. Zuínglio contribui na elaboração de vários credos, ou confissões, dentre os quais se destacam as Dez Teses de Berna, além de estabelecer um sólido relacionamento com outros reformadores. Devido à nobreza de seu caráter, e seu compromisso com a autoridade das Escrituras, aliados à sua diligência na promoção e propagação da Reforma em seu País, Zuínglio se destacou como o terceiro maior reformador da história da reforma Protestante.

A exemplo de João Calvino, Zuínglio também aderiu à doutrina da predestinação em sua teologia, mas confessava não possuir tanta percepção escriturística quanto Calvino possuía. Zuínglio buscava respaldo bíblico em suas práticas teológicas. A Ceia do Senhor, por exemplo, era uma ocasião para relembrar e testemunhar os benefícios comprados por meio da morte de Cristo na cruz. Em 1527, Zuínglio fez remover o órgão da grande catedral de Zurich, onde era pastor, sob a alegação de que não havia apoio nas escrituras para se utilizar aquele instrumento. Entretanto, ele se embaraçava todo, quando os anabatistas lhe cobravam respaldo bíblico para a prática do batismo de crianças. Mesmo assim, o grande reformador suíço foi distinguido como um dos líderes mais atraentes da Reforma. A controvérsia com Lutero a respeito da Santa Ceia e as dificuldades com os anabatistas quanto ao batismo de crianças, não podiam ofuscar o brilho, o denodo e o zelo de Zuínglio como reformador e promotor da fé reformada na Suíça alemã. Ele forma, ao lado de Lutero e Calvino, o grande e gigantesco tripé da Reforma Protestante.

2.3 JOÃO CALVINO (1509-1564) EM GENEBRA

João Calvino nasceu em Noyon, na Picardia, França, a 10 de julho de 1509. Sua infância foi amarga, pois perdera a mão aos três anos de idade e, nessa época, predominava o domínio da Igreja Romana com suas crendices e suas tiranias. O povo, incauto, acreditava e aceitava todo tipo de imposição religiosa que o clero apresentava. Aos 14 anos, já convicto quanto à sua vocação para o sacerdócio, foi enviado a Paris para realizar seus estudos e se preparar para adentrar à carreira eclesiástica. Cinco anos depois, por desejo do pai, estudou e se formou em Direito

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nas Universidades de Orleans e de Bourges. Ao perder o pai em 1531, se enveredou pela cultura das letras em Paris, tendo como mestres os mais conceituados humanistas da época. Em 1533, influenciado pela literatura luterana, se tornou protestante confesso. Devido à violenta perseguição contra os protestantes, Calvino e alguns companheiros tiveram que fugir de Paris e estiveram refugiado por três anos em Basiléia, onde escreveu sua obra mais importante: A Instituição Cristã. O valor e a fama desta obra têm perdurado através dos séculos e têm sido muito utilizada, não só pelos teólogos reformados, mas por toda a cristandade, em todos os tempos.

A literatura que temos nos informa que Calvino se declarou protestante em 1533. Entretanto, um comentário de Champlin (v.1, p. 606, 1996) afirma que ele só passou por uma conversão verdadeira em 1557, alegando, em seus comentários sobre os salmos, o seguinte: “Visto que eu estava mais teimosamente preso às superstições do papado do que me era possível desvencilhar-me de tão profundo lamaçal, Deus subjugou o meu coração da obstinação de minha idade para a docilidade de uma súbita conversão”.

Não vislumbrando nenhuma esperança de reforma em Paris, Calvino decidiu permanecer em Basiléia até 1541, quando se mudou para Genebra, estabelecendo, naquela cidade, uma radical teocracia. Ali havia uma verdadeira confusão nos governos eclesiásticos e político, uma vez que era uma recíproca submissão igreja-estado, estado-igreja. Toda forma de pensamento era regada com todo tipo de promiscuidade, como bebedeiras, orgias, linguagem obscena etc.

Logo ao chegar, Calvino começou a promover uma mudança radical na situação e punir qualquer atitude moral ou religiosa que ofendesse o padrão de vida estabelecido pelas Escrituras. Houve, a princípio, certa insegurança, por causa da rigorosa oposição que se levantou contra Calvino e suas exigências de mudança. Porém por volta de 1555, já havia uma sólida estabilidade. Apesar da paz reinante, houve algumas atitudes mais rígidas da parte de Calvino, tanto em questões morais quanto religiosas. O humanista e professor Sebastião Castellio por exemplo, foi impedido de ingressar no ministério e teve que abandonar Genebra por causa de seus contraditórios comentários acerca do livro de Cantares de Salomão.

A rígida doutrina imposta por Calvino causou outras vítimas. Jacques Gruel foi decapitado, sob a acusação de blasfêmia; Jerônimo Bolsec foi banido em conseqüência de sua oposição à doutrina calvinista da predestinação. O antitrinitariano Miguel serveto foi queimado na fogueira em 1553. Já havia uma calorosa discussão na correspondência entre Serveto e Calvino. Serveto preferia morrer à espada, mas o conselho que o julgou decidiu que fosse lançado às chamas. Castellio chegou a escrever um tratado contra a perseguição, mas sua voz se perdeu entre os gritos de sangue, pois Calvino defendia, com todo o rigor, a pena de morte para todos os héreges.

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A mudança de Calvino para Genebra aconteceu por causa de alguns contratempos que ocorriam na cidade. A Reforma já havia triunfado sob a liderança de um eloqüente pregador chamado Guilherme Farel, o qual conquistara a independência de Genebra derrotando o bispo local, que também era um senhor feudal. Contudo, Farel reconhecera a necessidade de uma total reestruturação moral e eclesiástica, que ele mesmo não se sentia capaz de realizar. Ainda desorientado quanto a que fazer, foi informado da presença de Calvino na cidade naquela noite. Imediatamente, foi ao seu encontro e tentou convencê-lo a ficar em Genebra, alegando que Calvino era o homem que a cidade precisava. Calvino, contudo, não demonstrou nenhum interesse pela situação, alegando estar muito atarefado em seus estudos e pesquisas. Então Farel, como que desesperado, apelou dizendo: “Digo-te, em nome de Deus Todo-Poderoso, que estás apresentando os teus estudos como pretexto. Deus te amaldiçoará se não nos ajudares a levar adiante o seu trabalho, pois doutra forma estarias buscando a tua própria honra em vez da de Cristo!”

Sobre este enfático apelo do velho pregador e reformador, Calvino comentou: “Senti... como se Deus tivesse estendido a sua mão do céu em minha direção para me prender... Fiquei tão aterrorizado que interrompi a viagem que havia programado... Guilherme Farel me deteve em Genebra” (apud OLIVEIRA, p. 91, 1984). Apesar de tudo, e dos inúmeros benefícios que sua obra trouxe para Genebra, nem todos estavam dispostos a aceitá-lo, bem como a Reforma estabelecida. Como resultado dessa obstinada oposição, Calvino e Farel foram expulsos da Comunidade.

Dali, foram para Estrasburgo, onde, por três anos, Calvino pastoreou uma igreja protestante formada por franceses exilados devido às fortes perseguições em Paris. Entretanto, a situação de Genebra foi se tornando cada vez pior. Então o povo, desesperado e reconhecendo a importância da obra de Calvino para com a vida religiosa e política da cidade, apelou para que ele voltasse. Embora com relutância, Calvino acabou cedendo ao apelo e voltou para Genebra.

Retornando à Genebra, Calvino deu início a uma intensa obra de restauração, cujos principais benefícios foram:

a) A vida moral se tornou um exemplo do poder transformador da fé;

b) Genebra se transformou numa cidade-refúgio para os perseguidos pela contrarreforma. Vindos de vários pontos da Europa, como: França, Holanda, Alemanha, Inglaterra e escócia;

c) Tornou-se também um berço para preparação de novos líderes do protestantismo, os quais, como missionários da Reforma, se espalharam por vários países, levando a nova mensagem, dentre os quais podemos destacar João Knox.

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2.4 OS HUGUENOTES NA FRANÇA

Embora ausente da França há quase três décadas, Calvino foi considerado o líder (ausente) da Reforma naquele país. Além de A Instituição Cristã, suas demais idéias eram propagadas e espalhadas por todo o território francês. Elas eram lidas e aceitas pelos humanistas que também eram estudiosos das Escrituras. Entretanto, quando as obras de Lutero começaram a ser divulgadas, uma feroz perseguição se desencadeou contra qualquer cidadão que ousasse defender os pontos de vista reformista. O rei Francisco I, em 1538, decidiu combater com todo o rigor o ensino reformado. Foi nessa onda de perseguições, que Calvino assumiu a liderança do movimento reformista, orientando-o através de cartas enviadas de sua escola em Genebra. Apesar de muitas mortes terem ocorrido, a Reforma se estabeleceu e se espalhou por todo o país. Somente vinte anos depois, em 1559, foi organizada a primeira Igreja Protestante nacional.

Apesar das perseguições, muitos aristocratas, inclusive alguns príncipes de sangue real, abraçaram a Reforma e, por pertencerem à nobreza, não se intimidaram diante das perseguições, ameaçando desencadear uma revolta armada para defenderem a fé reformada. Eles pretendiam conquistar a liberdade religiosa a qualquer preço e, para conseguirem, estavam dispostos a tudo. Foi esse o movimento reformista liderado pela nobreza da França, que ganhou o nome de Huguenotes. O apelido foi atribuído a todos os protestantes pelos católicos romanos. A origem do nome se devia ao fato dos protestantes se reunirem à noite nos porões do palácio do rei Hugo e a crendice popular, ensinada pela Igreja Romana, começou a divulgar a notícia de que o espírito do rei Hugo perambulava pelas ruas de Tours durante a noite. Foi um monge católico que, durante um sermão, apregoou que os protestantes deveriam ser chamados de huguenotes, por causa de seu costume de perambular pelas ruas à noite, como fora anteriormente o costume do rei Hugo.

Em 1562, foi deflagrada a guerra que, durante quase trinta anos, por pouco não levou a França à ruína. Nessa guerra, os huguenotes eram comandados pelo almirante Coligny e pelo príncipe Conde, contra a rainha Catarina de Médicis, que, subjugada pelo clero romano, se dispôs a destruir a fé reformada na França, ainda que fosse preciso recorrer aos mais requintados métodos de crueldade. O partido católico romano era comandado pelos jesuítas e por Filipe II, rei da Espanha. Em 1572, num período de relativa paz, muitos dos huguenotes, dentre os mais nobres da França, se reuniram em Paris, para a cerimônia de casamento de Henrique de Navarra, um de seus líderes.

Na calada da noite, por ordem de Catarina de Médicis, as forças católicas atacaram de surpresa, matando aproximadamente 70 mil protestantes, entre eles o almirante Coligny. De Roma, o papa enviou congratulações à rainha Catarina por seu grande feito e promoveram grande celebração tanto em Roma quanto em Paris, para comemorarem a carnificina que promoveram contra os protestantes. Apesar da agonia sofrida com aquele terrível golpe, os protestantes se reabilitaram e deram continuidade à luta na defesa da liberdade religiosa, até que, em 1598, a

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luta teve fim, com a promulgação do célebre Edito de Nantes pelo rei Henrique IV, o qual definia a posição da Igreja Reformada Francesa. O Edito garantia a liberdade de consciência, mas limitava a liberdade dos protestantes. Esse Edito foi revogado em 1685 e a Igreja Protestante voltou a sofrer novas perseguições.

2.5 JOÃO KNOX NA ESCÓCIA

A Escócia do século XVI constituía um reino independente. Pela indignidade e incompetência do seu clero romano, a Reforma encontrou ali uma receptividade surpreendente, a despeito da disposição do governo e da Igreja Católica em perseguir os pregadores e defensores da causa protestante. A causa reformada da Escócia tinha, em João Knox, o seu principal líder. Em 1546, foi preso por forças francesas que tinham sido enviadas para auxiliar o governo escocês. Sua ousadia como pregador do cristianismo reformado foi a causa de sua prisão. Ele passou dezenove meses sofrendo, acorrentado como escravo nas galés da França. Por intervenção dos ingleses, Knox foi libertado e foi para a Inglaterra, onde passou cinco anos (1549-1554) pregando o evangelho.

Knox fora padre católico romano em 1530, mas esse período inicial de sua carreira eclesiástica ficou perdido na obscuridade, não se sabendo, portanto, como teria se dado a sua conversão. Por influência de Knox, o Livro de Oração, em 1552, declarava que o ato de ajoelhar-se, por ocasião da celebração da eucaristia, não constituía uma adoração a qualquer presença corpórea de Cristo nos elementos da ceia.

João Knox foi o fundador do puritanismo inglês. Quando a rainha Maria Tudor subiu ao trono, Knox fugiu para Genebra, onde se juntou a Calvino. Também pastoreou uma igreja inglesa em Genebra. Posteriormente, retornou à Escócia para assumir a liderança do movimento reformista, encontrando os escoceses bem dispostos para a luta. Contudo, a rainha regente contava com forças francesas para derrotar os protestantes. Knox, então, recorreu ao Cecil, secretário geral da rainha Isabel, a qual percebeu a importância de ter uma Escócia protestante ao lado de uma Inglaterra protestante. Em 1560, uma armada e um exército inglês expulsaram os franceses, deixando uma Escócia livre para viver o cristianismo reformado.

2.6 OUTROS MOVIMENTOS REFORMISTAS

Além dos movimentos reformistas abordados, outros ocorreram, como por exemplo, o divórcio do rei Henrique VIII, na Inglaterra. Ele se apaixonou por Ana Bolena e solicitou, para o papa, autorização para se divorciar de Catarina. O fator mais importante, contudo, não era simplesmente o desejo de ter uma nova esposa. Havia uma questão nacional envolvida, ou seja, a falta de um herdeiro masculino (que Catarina não poderia conceber), para o trono, era algo inaceitável

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para o povo inglês, cuja cultura não aceitaria o governo de uma rainha. Por outro lado, o interesse de Henrique VIII por Ana também não era bem visto pelo povo. O papa, porém, por motivos políticos, não atendeu ao pedido de Henrique, o qual não admitia que sua vontade fosse contrariada. Diante disso, o rei decidiu livrar o povo inglês do domínio papal. Ele conseguiu do arcebispo de Cantuária uma declaração de ilegalidade de seu casamento com Catarina e a legalidade de sua união com Ana Bolena.

O papa, por sua vez, decidiu punir Henrique com a ex-comunhão por causa do ocorrido. A resposta deste veio através de um ato do parlamento, em 1534. Esse ato declarava o rei Henrique III como chefe supremo da Igreja Anglicana. O clero, que se submeteu a Henrique, fez uma declaração pública de que o papa não tinha mais nenhuma jurisdição religiosa na Inglaterra. Há de lembrar que o papa que o excomungou, não tinha moral para fazê-lo, pois ele também tinha muitos filhos ilegítimos, como resultado de sua vida de prostituição, como a história pode comprovar. A atitude de Henrique VIII libertou o povo inglês do jugo papal, mas a reforma religiosa mesmo só veio a se consolidar treze anos mais tarde, no reinado de Carlos VI. Este, por influência dos nobres que governaram o país durante sua menoridade, bem como através de um decreto do parlamento, decretou o fechamento dos mosteiros e declarou a Inglaterra um país protestante e o culto, na Igreja, passou a ser celebrado de acordo com as idéias da reforma.

Insatisfeita com o desenrolar dos fatos, a rainha Maria liderou uma violenta reação contra o Protestantismo. Seu objetivo era fazer com que a Igreja voltasse ao domínio do Catolicismo romano, como era antes de Henrique VIII. Para conseguir seu intento, ela revogou todos os atos do parlamento e dos reis anteriores, que favoreciam o Protestantismo. As principais vítimas dos ataques foram os líderes, dentre os quais se destacam os bispos Ridley e Latimer. Com a morte de Maria, a Inglaterra tornou-se ainda mais protestante do que nunca. Sua sucessora Isabel, desde cedo, já demonstrara sua simpatia pelo Protestantismo. Ela muito contribuiu para a formação de uma Igreja Nacional Protestante. Com um rápido desenvolvimento político e econômico, a Inglaterra tornou-se um dos principais baluartes da causa protestante em toda a Europa e em outras partes do mundo.

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LEITURA COMPLEMENTAR

A REFORMA

I - O GOLPE DECISIVO

Martinho Lutero - 1483/1546 - monge agostiniano, professor da Universidade de Wittenberg, era um homem sensível e religioso. É considerado, depois de Jesus e Paulo, o maior homem de todos os tempos. Levou o mundo a romper com a instituição, em busca da liberdade. Certo dia, em 1508, ao ler Romanos 1:17, foi iluminado de súbito pelo Espírito Santo e a paz lhe inundou a alma. Viu, por fim, que a salvação se ganha pela confiança em Deus, mediante Jesus Cristo, e não pelos ritos, sacramentos e penitências da igreja. Isso mudou totalmente a sua vida e todo o curso da história.

A venda de indulgências se alastrava. Lutero não se conteve. Em 31 de Outubro de 1517, afixou na porta principal da Igreja de Wittenberg, teses contra os abusos e práticas da Igreja. Susteve dura luta com o clero, onde este e o Estado tentaram em vão silenciá-lo. Ficou cerca de um ano no castelo de Wartburg (propriedade de Frederico Saxe) escondido da perseguição que o Papa lhe movia. Ali traduziu a Bíblia para o alemão e escreveu muitas obras.

Não desejava fundar outra igreja. Queria uma reforma no seio da própria igreja. Porém, houve cisão na Igreja, ficando de um lado o Protestantismo e de outro lado o Romanismo.

Lutero foi realmente o homem escolhido por Deus para vibrar o golpe decisivo.

II - OS PRINCÍPIOS DA REFORMA

1 FORMAL ou OBJETIVO – ou seja, a supremacia da Palavra de Deus, considerando-a como única e suficiente regra de fé e prática. O Grande Chilingworth sintetizou este princípio assim: “A Bíblia, toda a Bíblia e nada senão a Bíblia é a religião dos Protestantes”.

2 MATERIAL ou SUBJETIVO – ou seja, a supremacia da graça de Cristo. Isto é, a justificação pela fé somente. Quem salva o homem é Cristo. As boas obras são conseqüência lógica da união com Cristo pela fé.

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3 SOCIAL ou ECLESIÁSTICO – ou seja, o sacerdócio de todos os crentes. Afirma assim que os crentes leigos têm o direito e o dever de ter e ler a Bíblia e participar no governo da Igreja; pode dirigir-se a Deus diretamente. Cristo, com o seu sacrifício, nos condiciona a ter acesso a Deus.

III - A PALAVRA PROTESTANTE

Esta expressão teve origem na “Declaração de Fé” que alguns membros da Dieta de Spira, a segunda, (1529) fizeram. Esta Assembléia foi presidida pelo rei Fernando, ardoroso defensor do papismo. Este secretamente discutiu um decreto para sufocar certas regalias que gozavam as igrejas reformadas. Antes da votação, alguns membros retiraram-se do plenário para uma sala contígua e formularam uma declaração que se iniciava assim: “Nós protestamos e declaramos abertamente diante de Deus e de todos os homens …” Então estes receberam o apelido de protestantes.”

Conclusão: É um erro lamentável pensar-se que o Protesto de Spira foi meras objeções às doutrinas da igreja. Era uma declaração segundo a qual eles se propunham não aceitar nenhum decreto ou nenhuma coisa que fosse contrária a Deus, a Sua Santa Palavra, a reta consciência deles e a salvação de suas almas.

Lutero

• 1493 – Nascimento de Martinho Lutero em Eisleben, na Saxônia ( Alemanha ).

• 1497 – Lutero estuda em Magdeburgo, junto aos monges Irmãos da vida comum.

• 1501 – A Universidade de Erfurt dá a Lutero o título de bacharel em artes.

• 1505 – O temor do sobrenatural arranca do jovem estudante a promessa de se fazer monge: Lutero ingressa no convento de Erfurt.

• 1507 – Primeira missa de Lutero, que é tomada pelo sentimento de sua própria indignidade. O desespero é vencido, entretanto, pela dedicação ao estudo e ao ensino.

• 1512 – O monge Martinho Lutero torna-se doutor em teologia.

• 1514 – O papa Leão X concede a indulgência para todo fiel que, havendo confessado e comungado, contribuía para a construção da Basílica de São Pedro.

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• 1515 – O Príncipe Alberto de Brandeburgo torna-se comissário das indulgências. É encarregado de levantar dinheiro junto aos cristãos alemães.

• 1517 – Lutero envia às autoridades eclesiásticas suas 95 teses sobre o valor e a eficácia das indulgências. É o primeiro passo da reforma protestante.

• 1518 – As teses espalham-se por toda a Alemanha. Lutero ganha adeptos a cada dia. Chamado a Roma, recorre a Frederico, eleitor da Saxônia, desejando ser ouvido em território do Império.

• 1520 – A Bula “Exsurge Domine” dá ao monge rebelde sessenta dias para retratar-se. Em resposta, Lutero publica uma série de obras. Finalmente, em Wittenberg, queima um exemplar da bula papal. É a separação definitiva do monge Alemão.

• 1521 – Ex-comunhão de Martinho Lutero, que, na Dieta de Worms, defende a liberdade de consciência diante do imperador e dos representantes da Igreja. O Edito de Worms ordena que seus livros “heréticos” sejam queimados. Lutero se refugia no castelo de Wartburg.

• 1522 – A pequena nobreza revolta-se contra o Império, sob a liderança de Von Hutten e de Von Sickingen. Pretendem unificar a Alemanha, mas são derrotados.

• 1524 – Revolta dos camponeses, inspirada pelo ardente teólogo Thomas Muntzer. O movimento ganha toda a Alemanha meridional e central.

• 1525 – Capitura de Muntzer. A luta continua até 1536, quando os camponeses são vencidos definitivamente. Lutero publica “Contra os Bandos de Pilhadores e Assassinos Camponeses”. Casa-se com Catarina Von Bora, uma ex-freira.

• 1526 – A cidade de Spira recusa-se a aplicar o Edito de Worms. Outras cidades a imitariam. Uma tentativa de forçar a aplicação do edito provocou o protesto dos príncipes e burgueses partidários da reforma (daí vem a denominação de protestantes, dada aos seguidores de Lutero).

• 1529 – Tem início a compilação dos “Propósitos à Mesa”, reunião de conceitos de Lutero acerca dos mais variados assuntos.

• 1530 – A reforma espalha-se pela Europa. Diversas cidades recusam-se a aplicar o Edito de Worms.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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• 1534 – Publicação da Bíblia, traduzida para o alemão, por Lutero. Com essa obra, Lutero se transformara radicalmente o idioma de seu povo, lançando as bases do alemão moderno.

• 1540 – O Papa Paulo III aprova a constituição da Sociedade de Jesus, fundada pelo espanhol Inácio de Loiola, que colaborou decisivamente na contra-reforma.

• 1546 – Morte de Lutero, em Eisleben.

FONTE: disponível em: <http://www.marinslemme.blogspot.com/2008/05/martinho-lutero-1483-1546.html>. Acesso em: 09 dez. 2008.

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Neste tópico, você viu:

lOs motivos que consolidaram a Reforma Protestante e os seus líderes, na Europa.

RESUMO DO TÓPICO 1

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A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Você acha que a Igreja atual precisa de uma reforma?

2 Como você avalia a tirania papal na Idade Média?

3 É a Igreja Católica Romana verdadeiramente cristã?

4 Você crê que realmente o papa é infalível?

5 Como você avalia a atitude do rei Henrique VIII?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

A CONTRA-REFORMA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A partir desse tópico, analisaremos a reação da Igreja Romana e sua violência através da Inquisição, bem como a perseverança dos fiéis protestantes diante das ameaças sofridas.

2 A CONTRA-REFORMA

A Igreja Católica Romana passava por um terrível período de decadência quando irrompeu a Reforma protestante. Os papas, preocupados unicamente com suas vidas privadas e totalmente alheios aos assuntos religiosos, pareciam não perceber o que ocorria à sua volta. Sua indiferença quanto a vida religiosa da Igreja era tamanha, que vinte e cinco anos se passaram até que, em 1541, o papa João Paulo III começou a esboçar um gesto de reação contra o Protestantismo, o qual já dominava praticamente toda a Europa. De Leão X até João Paulo III, o papado estava imerso no mais profundo sono de uma vida luxuosa regada a todo tipo de imoralidade e não puderam vislumbrar, nos protestos religiosos da Alemanha, algo de proporções maiores do que o simples delírio de um monge embriagado.

O papa João Paulo III (1534-1549) vivia na opulência e sua vida moral não era condizente com a de um sacerdote de Deus. Pelo contrário, sua moral, se é que existia, era tão degradante quanto à dos demais clérigos. Apesar de tudo, ele compreendeu a gravidade da situação e criou uma comissão para avaliar a situação e apresentar propostas para a solução. Entretanto, o relatório com as propostas apresentadas jamais foram postos em prática. Finalmente, em 1541, o clero foi despertado de sua indiferença e começou a empregar medidas radicais, com o propósito de reprimir o protestantismo. Em tese, os objetivos eram: expurgar a Igreja, banindo o clero maculado por imoralidades, deter o avanço do Protestantismo e restaurar o poder que então estava debilitado. Para esse combate, o clero romano recorreu a três forças: A Sociedade de Jesus (Jesuítas), o Concílio de Trento e a Inquisição.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

2.1 OS JESUÍTAS

Tratava-se de uma ordem, a organização criada e liderada pelo espanhol Inácio de Loyola (1491-1556), cujo maior sonho era se tornar famoso como soldado, mas, aos 28 anos, esse sonho foi destruído, antes de se realizar, quando foi ferido e ficou aleijado para o resto da vida. Sua ambição, então, passou a ser direcionada para outro objetivo: tornar-se um grande santo. Para tanto, reconheceu a necessidade de se aproximar de Deus, pelo que, então, decidiu se abrigar em um convento e mudar de vida. Seu propósito era seguir as pisadas de Lutero. Contudo, estava perfeitamente convicto de que a Igreja Romana era a legítima representante de Deus na terra e, portanto, a ela se devia prestar total devoção. Então, se colocou a serviço do clero (da Igreja), com os seguintes objetivos: trazer de volta os dissidentes, quebrar as forças de seus oponentes e destruir totalmente todos os ensinos que estivessem em desacordo com os ditames da Igreja.

Aconselhado pelo clero, Inácio de Loyola se transferiu para Paris, onde estudou teologia durante seis anos. Então, bem preparado, e conhecedor profundo da natureza humana, trouxe para junto de si nove homens que, como ele, estavam dispostos a se entregarem totalmente aos serviços e interesses da Igreja Romana. Foi assim que, em 1540, com dez homens destemidos e espiritualmente cegos, foi organizada a Ordem chamada Sociedade de Jesus (ou dos Jesuítas). Aceitando, em suas fileiras, tanto sacerdotes quanto leigos, a ordem cresceu e cada membro era submetido a uma rígida disciplina que consistia em cega obediência (sob juramento) a seus superiores, os quais eram reconhecidos como verdadeiros substitutos de Cristo na terra e, conseqüentemente, senhores da Igreja, cujos interesses defenderiam a custa de suas próprias vidas. Os jesuítas criaram escolas especializadas para preparar jovens e instruí-los a se dedicar a inspirar os governos católicos, sobre os quais exerciam pressões constantes; odiar, perseguir e destruir todos os protestantes, onde quer que estivessem.

Poucos anos depois, os jesuítas se tornaram os verdadeiros dominadores da Igreja Católica Romana. Seu espírito era o da Contra-Reforma e seu ideal era destruir totalmente o protestantismo e todos quantos se levantassem ou ensinassem qualquer doutrina que não estivesse pautada nos moldes da dogmática da Igreja Romana. Além da Sociedade de Jesus, o clero romano convocou o mais abominável e desumano dentre os instrumentos de combate à Reforma: O Concílio de Trento, no Tirol, (1545-1563). A princípio, a convocação desse concílio (em três longas sessões) tinha como proposta rever as decisões dos concílios anteriores e promover uma reforma interna na Igreja, bem como anatematizar e combater a Reforma Protestante. Entre as principais decisões desse concílio ficou decidido: a Igreja tinha total soberania e plenos poderes para se valer à força para combater o protestantismo (heresia); para esse mister, a Igreja contava com seus próprios meios de repressão.

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TÓPICO 2 | A CONTRA-REFORMA

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2.2 A INQUISIÇÃO

A Inquisição, também chamada de Tribunal do Santo Ofício, foi um instrumento que a Igreja católica Romana utilizou para massacrar os cristãos que, após várias tentativas frustradas, aliadas aos mais cruéis assassinatos (João Huss, por exemplo), decidiram promover a necessária Reforma.

DICAS

Para uma reflexão mais detalhada sobre a Inquisição, acesse o site: www.bíbliaworld net/igreja/estudo/Airton Evangelista da Costa; sob os títulos: Inquisição nunca mais, As fogueiras da Inquisição I, As fogueiras da Inquisição II.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

LEITURA COMPLEMENTAR

INQUISIÇÃO: SIGNIFICADO E OBJETIVO

Pr. Airton Evangelista da Costa

Em suma, a INQUISIÇÃO foi um tribunal eclesiástico criado com a finalidade de investigar e punir os crimes contra a fé católica. Da Enciclopédia BARSA, vol. 7, pags. 286-287 extraímos o seguinte: “ Heresia, no sentido geral é uma atitude, crença ou doutrina, nascida de uma escolha pessoal, em oposição a um sistema comumente aceito e acatado. É uma opinião firmemente defendida contra uma doutrina estabelecida. A Igreja Católica, no seu Direito Canônico, estabelece uma distinção entre heresia, apostasia e cisma. Assim diz este documento: “Depois de recebido o batismo, se alguém, conservando o nome de cristão, nega algumas das verdades que se devem crer com fé divina e católica ou dela duvida, é HEREGE. Se se afasta totalmente da fé cristã, é APÓSTATA. Se recusa submeter-se ao Sumo Pontífice (o Papa) ou tratar com os membros da Igreja aos quais está sujeito, é CISMÁTICO” (Direito Canônico 1.325, parágrafo. 2). Então, por esse raciocínio e decreto de Roma, os milhões de crentes no mundo são hereges e cismáticos porque negam muitas das “verdades” da fé católica, não se submetem ao Sumo Pontífice, e só reconhecem Jesus Cristo como autoridade máxima da Igreja.

OS MÉTODOS DE TORTURA

No seu “Livro das Sentenças da Inquisição” (Liber Sententiarum Inquisitionis) o padre dominicano Bernardo Guy (Bernardus Guidonis, 1261-1331), “um dos mais completos teóricos da Inquisição”, descreveu vários métodos para obter confissões dos acusados, inclusive o enfraquecimento das forças físicas do prisioneiro”. Usava-se, dentre outros, os seguintes processos de tortura: a manjedoura, para deslocar as juntas do corpo; arrancar unhas; ferro em brasa sob várias partes do corpo; rolar o corpo sobre lâminas afiadas; uso das “Botas Espanholas” para esmagar as pernas e os pés; a Virgem de Ferro: um pequeno compartimento em forma humana, aparelhado com facas, que, ao ser fechado, dilacerava o corpo da vítima; suspensão violenta do corpo, amarrado pelos pés, provocando deslocamento das juntas; chumbo derretido no ouvido e na boca; arrancar os olhos; açoites com crueldade; forçar os hereges a pular de abismos, para cima de paus pontiagudos; engolir pedaços do próprio corpo, excrementos e urina; a “roda do despedaçamento” funcionou na Inglaterra, Holanda e Alemanha, e destinava-se a triturar os corpos dos hereges; o “balcão de estiramento” era usado para desmembrar o corpo das vítimas; o “esmaga cabeça” era a máquina usada para esmagar lentamente a cabeça do condenado, e outras formas de tortura.

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TÓPICO 2 | A CONTRA-REFORMA

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Com a promessa de irem diretamente para o Céu, sem passagem pelo purgatório, muitos homens eram exortados pelos inquisidores para guerrearem contra os hereges. No ano de 1209, em Beziers (França), 60 mil foram martirizados; dois anos depois, em Lauvau (França), o governador foi enforcado, sua mulher apedrejada e 400 pessoas queimadas vivas. A carnificina se espalhou por outras cidades e milhares foram mortos. Conta-se que num só dia 100.000 hereges foram vitimados.

A Igreja de Roma, sob o pretexto de que detinha as chaves dos céus e do inferno e poderes para livrar as almas do purgatório e perdoar pecados, pretendia ser UNIVERSAL, dominar as nações mediante pressão sob seus governantes e estabelecer seus domínios por todo o Planeta.

CRUELDADE E MATANÇA

O MASSACRE DE SÃO BARTOLOMEU - Os católicos franceses apelidavam de “huguenotes” os protestantes. Uma designação depreciativa. Já fomos tratados de huguenotes, hereges, heréticos, protestantes, cristãos novos, irmãos separados, crentes, evangélicos etc. Mas o Pai nos chama de FILHOS.

O massacre de São Bartolomeu ou a Noite de São Bartolomeu ficou conhecido como “a mais horrível entre as ações diabólicas de todos os séculos. Consumou-se o projeto assassino aos 24 de agosto de 1572, a inqualificável NOITE DE S.BARTOLOMEU, sendo nesse macabro festival de sangue, em que morreram cerca de 70 mil cristãos (protestantes), foi morto também o impetérrito Coligny, mártir do Evangelho e honra de sua Pátria. Como troféu da bárbara carnificina, a cabeça de Coligny fora remetida ao “sumo pontífice” Gregório XIII (Maurício Lachatre, História dos Papas, vol. IV, pg. 68)”. Além desse, outros massacres ocorreram em várias partes do mundo.

Do livro “BABILÔNIA: A RELIGIÃO DOS MISTÉRIOS” de Ralph Woodrow - “As autoridades civis eram ordenadas pelos papas, sob pena de excomunhão, a executarem as sentenças legais que condenavam os hereges impenitentes ao poste. “A intolerância religiosa que incitou a Inquisição, causou guerras que envolveram cidades inteiras. Em 1209 a cidade de Beziers foi tomada por homens que tinham recebido a promessa do papa de que entrando na cruzada contra os hereges, eles (os assassinos), ao morrerem, passariam direto para o céu, desviando-se do purgatório. Reporta-se que sessenta mil, nesta cidade, pereceram pela espada. Em Lavaur, em 1211, o governador foi enforcado e a esposa lançada num poço e esmagada com pedras. Quatrocentas pessoas foram queimadas vivas em Lavaur. Os cruzados assistiram à missa solene pela manhã, em seguida passaram a tomar outras cidades da área. Neste cerco estima-se que cem mil albigenses (protestantes) caíram em um só dia. Seus corpos foram amontoados e queimados.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

No massacre de Merindol, quinhentas mulheres foram trancadas em um celeiro ao qual atearam fogo. Se qualquer uma pulasse das janelas seria recebida na ponta de lanças. Mulheres foram ostensiva e dolorosamente violentadas. Crianças assassinadas diante de seus pais. Algumas pessoas eram lançadas de abismos ou arrancavam suas roupas e arrastavam-nas pelas ruas. Métodos semelhantes foram usados no massacre de Orange em 1562. O exército italiano, enviado pelo Papa Pio IV, recebeu ordem para matar homens, mulheres e crianças.

“Em toda a sua calamitosa história, a Igreja Católica nada mais tem feito que perseguir o homem, sob o sofisma de agir em nome de Deus. Vejamos os morticínios que ela levou a efeito: As cruzadas à Terra Santa custaram à humanidade o sacrifício de dois milhões de vítimas; de Leão X a Clemente IX (papas) os sanguinários agentes do catolicismo, que dominavam a França, a Holanda, a Alemanha, a Flandes e a Inglaterra, realizaram a tenebrosa São Bartolomeu, de que já falamos, degolando, massacrando, queimando mais de dois milhões de infiéis, enquanto a Companhia de Jesus, obra do abominável Inácio de Loyola, cometia as maiores atrocidades, chegando mesmo a envenenar o Papa Clemente XIV. O seu agente S. Francisco Xavier, em missão no Japão, imolava cerca de quatrocentos mil nipônicos; as cruzadas levadas a efeito entre os indígenas da América, segundo Las Casas, bispo espanhol e testemunha ocular de perseguição e autos-de-fé, sacrificaram doze milhões de seres em holocausto ao seu Deus; a guerra religiosa que se seguiu ao suplício do Padre João Huss e Jerônimo de Praga, contou mais de cento e cinqüenta mil vidas imoladas à Igreja Romana; no século XIV, o grande Cisma do Ocidente cobriu a Europa de cadáveres, dado que nada menos de cinqüenta mil vidas foram o preço cobrado pela ira papal; as cruzadas levadas a efeito a partir de Gregório VII (papa), roubaram à Europa cerca de trezentos mil homens, assassinados com requintes de selvageria; nas terras do Báltico, os frades cavaleiros, além de uma devastação e pilhagem completa, ainda sacrificaram mais de cem mil vidas; a imperatriz Teodora, dando cumprimento a uma penitência imposta pelo seu confessor, fez massacrar cento e vinte mil maniqueus, no ano de 845; as disputas religiosas entre iconoclastas e iconólatras devastaram muitas províncias, resultando ainda no sacrifício de mais de sessenta mil cristãos degolados e queimados. A Santa Inquisição, na sua longa e tenebrosa jornada, levou aos mais horrorosos suplícios, inclusive às fogueiras, algumas centenas de milhares de pobres desgraçados; segundo o Barão d´Holbach, a Igreja Católica Romana, pelos seus papas, bispos e padres, é a responsável pelo sacrifício de cerca de dez milhões de vidas. Que mais é preciso dizer”?

OS INSTRUMENTOS DE TORTURA

CADEIRA INQUISITÓRIA - Essas cadeiras, de vários tipos, continham até 1.600 pontas afiadas de ferro ou madeira, sobre as quais as vítimas, completamente nuas, se sentavam para serem interrogadas. Às vezes, para aumentar o sofrimento do réu, o assento de ferro era aquecido.

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ESMAGA JOELHOS, POLEGARES E MÃOS - Três instrumentos distintos com funções específicas, como o próprio nome indica; uma espécie de prensa para esmagar partes do corpo.

ESMAGA SEIOS - Era o instrumento preferido no século XV para torturar as mulheres acusadas de bruxaria. O seio era envolvido por um ferro retangular, bastante aquecido. Mediante bruscos movimentos circulares, os seios eram esmagados.

DESPERTADOR - Uma dos mais terríveis instrumentos de tortura. Era uma espécie de cavalete de madeira ou de ferro, com um vértice pontiagudo. Puxados por cordas ligadas a roldanas, os hereges eram suspensos até certa altura; depois, num lance rápido, eram lançados sobre o “despertador”, de tal forma que o ânus e partes sexuais tocassem a ponta da pirâmide. Pode-se imaginar o quanto sofria homens e mulheres que tinham as partes íntimas rebentadas, tais como testículos, vagina e cóccix.

RODA DE DESPEDAÇAMENTO - Esse tipo de tortura consistia em colocar o réu de costas sobre uma roda de ferro, sob a qual colocavam brasas. Em seguida, a roda era girada lentamente. A vítima morria depois de longas horas de dor indescritível, com queimaduras do mais alto grau. Não havia pressa para a morte do supliciado. Antes, havia o cuidado de prolongar ao máximo a sua agonia.

Numa outra versão, a roda era usada para dilacerar o corpo dos condenados. Neste caso, em lugar de brasas, colocavam instrumentos pontiagudos sob a roda.

MESA DE EVISCERAÇÃO - Um dos mais cruéis instrumentos de suplício. Destinava-se a extrair aos poucos, mecanicamente, as vísceras dos condenados. Após a abertura da região abdominal, as vísceras, uma por uma, eram puxadas por pequenos ganchos presos a uma roldana, girada por um carrasco.

PÊNDULO - Usado para deslocamento de ombros e como preparativo para outros tipos de tortura. A vítima era levantada por cordas presas aos pulsos e depois bruscamente solta antes de chegar ao solo. O suplício era repetido várias vezes.

CAVALETE - Usado na Inquisição portuguesa, consistia em deitar a vítima de costas sobre uma espécie de mesa, com material cortante, e, através de um funil colocado na boca, encher seu estômago de água. Depois, o carrasco pulava em cima da barriga do desgraçado réu, forçando a saída do líquido. A operação era repetida até a morte.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

A VIRGEM DE FERRO OU VIRGEM DE NUREMBERG - Instrumento oco com o tamanho e a forma de uma mulher, dentro do qual as vítimas, uma de cada vez, eram colocadas. Facas eram arrumadas de tal maneira e sob tal pressão que o acusado recebia um abraço mortal. Cuidava-se de que regiões letais não fossem atingidas para proporcionar uma morte lenta.

MANJEDOURA - Uma longa caixa onde o acusado era deitado de costas, e amarrado pelas mãos e pés. O suplício consistia em esticar o corpo do herege até obter o desmembramento das juntas.

Muitos outros instrumentos de tortura da Idade Média foram usados pelos inquisidores. Nas execuções usava-se muito o fogo brando, a partir dos pés untados com óleo; hereges eram serrados ao meio; mutilados aos poucos; amarrados por longo período em troncos de madeira; colocados em posições dolorosas e inusitadas para causar cãibras, que poderiam levar o réu à loucura; esfolados vivos.

O Tribunal do Santo Ofício foi “a instituição mais impiedosa e feroz que o mundo já conheceu em sua destruição de vidas, propriedades, moral e direitos humanos” (21).

FONTE: disponível em: <www.bíbliaworld net/igreja>. Acesso em 09 dez. 2008.

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Neste tópico, você viu:

lA violenta reação da Igreja Romana e seu combate aos Protestantes.

lOs métodos e instrumentos de tortura utilizados pela Inquisição.

RESUMO DO TÓPICO 2

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Qual era o sonho dos reformadores?

2 O que disse o papa em relação às teses de Lutero?

3 Por que Loyola se tornou religioso?

4 Mencione três mártires e a forma como pereceram.

5 Mencione três instrumentos de tortura.

6 Quem pediu perdão à humanidade?

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TÓPICO 3

O CRISTIANISMO EM CONFRONTO COM A REALIDADE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Serão abordados, nesse tópico, os movimentos filosóficos e as influências que os mesmos exerceram para a secularização do Cristianismo.

2 O CRISTIANISMO EM CONFRONTO COM A MODERNIDADE

Vejamos os motivos de O Cristianismo entrar em confronto com a modernidade

2.1 O ILUMINISMO

Iluminismo, Era da Razão ou Idade da Razão são termos utilizados para descrever o comportamento filosófico, científico e racional em alguns países da Europa, no século XVII. Segundo os historiadores, essa mudança de pensamento se manifestou de formas variadas e distintas na Alemanha, na França, na Escócia e na Inglaterra e obteve uma substancial contribuição das lojas maçônicas, para a sua disseminação por toda a Europa.

Esse movimento significou o afastamento das crenças religiosas e das superstições que dominavam o pensamento de então. Ele teve início em meados do século XVII e se estendeu até o século XIX. Esse movimento literário e filosófico ficou restrito às Universidades, embora seus efeitos tenham afetado praticamente todas as formas de pensamento da época, deixando vestígios que perduram até os nossos dias. Houve sérios debates sobre racionalismo e tolerância religiosa, ao invés de superstição e repressão, nos escritos de Leibniz e Kant.

Na França, por exemplo, as idéias iluministas abrangiam todas as formas de pensamentos e eram partilhadas por filósofos, literatos, cientistas e outros pensadores. Todas as correntes representadas nessas categorias se uniram em torno de uma crença na supremacia da razão e na busca de resultados práticos

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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no combate às injustiças e desigualdades. Esse movimento contra as crenças e as instituições estabelecidas alcançou maiores proporções no século XVIII, com Voltaire, Housseau, Turgot, Condorcel e outros pensadores. O pensamento de Voltaire, a respeito da religião, estava vinculado ao deísmo inglês, cujo pensamento afirmava que a verdadeira religião era a religião da razão e da natureza, às quais o cristianismo devia se submeter. Eles atacaram o governo, a Igreja, os sistemas judiciários e outras instituições, sendo que muitos foram presos por defenderem suas convicções. Contudo, um resultado prático foi alcançado, pois foi o Iluminismo que forneceu a base intelectual para a Revolução Francesa. Na Inglaterra, o movimento foi evidenciado nas idéias políticas de Locke, seguindo o exemplo francês. Admirado com os resultados na França, Paine, seguido por alguns poetas e escritores, passaram a defender a Independência Americana, difundindo as idéias iluministas.

Na escócia houve avanços importantes científicos; principalmente nos campos da medicina, da química e da geologia causados pelo iluminismo. Foi também nessa época (1768-1771), que surgiu o dicionário das artes e das ciências A Encyclopaedia Britannica, publicada pela “Sociedade de Cavalheiros da Escócia”. O Iluminismo, de modo geral, rejeitava a crença de que governos e monarcas tinham em Deus a origem de sua autoridade; Essa autoridade, diziam os iluministas, era outorgada pelos governados. Segundo o ideário iluminista, a soberania não estava restrita aos governantes, mas residia em toda a nação. Isso implicava em mudanças de leis para satisfazer as necessidades do povo, bem como a mudança de governantes se estes, de alguma forma, violassem os interesses da sociedade.

Enquanto Calvino vira o estado como uma instituição divinamente estabelecida para a proteção da lei e da ordem, bem como para a manutenção da moralidade e promoção da verdadeira religião fundamentada na Palavra de Deus, os pensamentos clássicos, que deram origem às revoluções francesa e norte-americana, em suas alusões a Deus, se posicionaram como uma divisória entre o conceito cristão do Estado e a democracia secular moderna.

O conceito iluminado de Estado não negava a Deus. Seus pensadores adotavam um conceito deísta, reconhecendo a Deus como Criador; mas ao mesmo tempo defendiam a idéia de que cabia ao homem e à sua razão definir os rumos de sua própria vida, ou seja, reconheciam a Deus, mas delegavam ao homem o poder e o dever de determinar, à luz da razão, os alvos essenciais para a sociedade, em conformidade com a natureza.

2.2 O EXISTENCIALISMO SECULAR

Sören Aabye Kierkgaard (1813-1855) é considerado o pai do existencialismo moderno; tanto o secular quanto o religioso. Escritor polêmico, teólogo e filósofo dinamarquês, Kierkgaard procurou abordar os problemas humanos com uma

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TÓPICO 3 | O CRISTIANISMO EM CONFRONTO COM A REALIDADE

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tônica profundamente protestante. Dando total prioridade à relação do homem com Deus, sempre optou por temas relativos à fé. Ele se opunha ao racionalismo dialético de Hegel, o qual defendia a existência da verdade, inserida num sistema de idéias. Kierkgaard, por outro lado, afirmava que a mente humana é totalmente incapaz de descobrir a verdade acerca de Deus, devendo esta, portanto, ser encarada subjetivamente. Deus está além da razão e esta não é capaz de ir além de si mesma, para encontrar a Deus.

Considerando que na encarnação não se pode identificar Deus à luz da razão, portanto, deve ser aceita unicamente pela fé. Uma vez que a fé antecede à razão, Kierkgaard criou o que chamou de um salto de fé, como único meio de se conhecer a verdade cristã, ou seja, uma atitude cega, um puro ato da vontade se contrapondo a qualquer possibilidade racional. Segundo Kierkgaard, essa teria sido a atitude do patriarca Abraão, quando ofereceu seu filho Isaque em sacrifício. Isto porque, argumenta Kierkgaard, qualquer tentativa racional de encontrar ou comprovar a verdade divina, constituá uma ofensa ao próprio Deus. Partindo pois, das premissas kierkgaardianas, o existencialismo se estendeu em duas vertentes: secular e religioso.

O existencialismo secular se faz presente em três escolas de pensamento: uma na Suíça, uma na França e outra na Alemanha, lideradas por três pensadores: Karl Jaspers (1883-1973), Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Martin Heidegger (1889-1976). Aqui, a abordagem será restrita a Jaspers (1883-1973), filósofo, médico e psicólogo, o qual abandonou a área da psiquiatria e abraçou a filosofia. Segundo ele, em suas limitações, o homem está condenado a uma busca contínua, preso ao paradoxo entre a existência finita e a luta pela infinitude, no qual se acha a transcendência, o derradeiro símbolo da sua salivação. Jaspers reputava o teísmo, o panteísmo, o ateísmo e a religião como coisas sem nenhum significado. Ele rejeitava qualquer conceito absolutista do cristianismo tradicional e apelava para o que chamava de fé filosófica. Ainda que não gostasse de ser chamado de existencialista, ele foi condecorado com o título de filósofo da existência, tamanha era a ênfase com que defendia as idéias existencialistas.

2.3 O EXISTENCIALISMO RELIGIOSO

Karl Barth (1886-1962), reconhecido como o pai da neo-ortodoxia (ou teologia dialética), publicou, em 1919, a primeira edição de sua obra mais famosa: A Carta aos Romanos. Ele foi também o teólogo de maior influência de seus dias. Barth foi o responsável pelo ressurgimento do existencialismo kierkgaardiano, que até então estava encoberto pelo obscurantismo. O pensamento barthiano se divide em três conceitos-chave: A crença no Deus soberano e absoluto, em contraste com a condição degradante do homem mergulhado no pecado; um método teológico dialético, que propõe a verdade em forma de um conjunto de paradoxos: a eternidade entrou no tempo; o infinito se fez finito e Deus se fez homem.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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O terceiro conceito trata-se do indivíduo humano descobrindo, na tensão dialética, a crise de sua própria existência, ou seja, a crise de separação, de julgamento, aceitação-rejeição da verdade de Deus em relação à humanidade, conforme revelada nas escrituras. Em síntese, o conceito de Barth da soberania de Deus, aliado ao seu conceito de queda, significa que a vontade, a razão e as emoções do ser humano foram incapazes de conduzir o homem à descoberta de Deus. Enquanto Kierkgaard argumentava que o homem devia aceitar a verdade por meio de um salto de fé, Barth argumentava que a Bíblia continha erros, mas que competia ao homem crer nela e aceitá-la da forma como ela era apresentada. Isto porque, argumenta Barth, a verdade religiosa é distinta e, portanto, não deve ser vinculada à verdade histórica das escrituras. Para ele, mesmo sendo a Bíblia inspirada, ela não pode ser confundida com a Palavra – Jesus, Deus que se fez homem. Portanto o salto, em termos religiosos, é que não há lugar para a razão e nem mesmo existe, segundo Barth, qualquer ponto de verificação.

2.4 O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO DO CRISTIANISMO

O termo secularismo, do latim saeculum, significa um modo de vida secular, isento de qualquer referência a Deus a à religião. Secular também se refere a uma era ou século. O cristianismo, ao tratar do secularismo, ou secularização, faz referência a uma pessoa, grupo ou até mesmo comunidade, nos quais os princípios bíblicos são violados e o mundanismo passa a conviver ou fazer parte da vida cristã.

O apóstolo Paulo exorta: “Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional [...]. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, perfeita vontade de Deus.” (Rm 12:1,2 ARC).

A expressão de não se conformar com o mundo pode ser vista em dois sentidos. Não concordar com o estilo de vida mundano e não viver em conformidade, ou conforme o mundo vive, em suas práticas ímpias, em total desacordo com o padrão de vida ensinado nas escrituras, ou seja, o cristão convive com o mundo em trevas, envolto em concupiscências de toda ordem, mas ele não concorda e nem vive conforme essas práticas.

Quando o mundanismo religioso, o paganismo e toda sorte de práticas contrárias aos ensinos cristãos passaram a fazer parte da vida da Igreja, o cristianismo se secularizou de tal maneira que dificilmente se distinguia um cristão de um pagão. Isto aconteceu quando o imperador Constantino decretou o cristianismo como religião oficial do Império, pondo fim às perseguições. Nos bastidores, o próprio clero, que já não exercia uma vida espiritual condizente com as exigências bíblicas, mergulhou na corrupção, no mundanismo, e toda sorte de práticas contrárias ao que pregavam e deveriam praticar.

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TÓPICO 3 | O CRISTIANISMO EM CONFRONTO COM A REALIDADE

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A isto chamamos secularização ou mundanização do cristianismo. A secularização é, portanto, um fato histórico e que perdura nos dias atuais. No campo filosófico, o secularismo apregoa um estilo ou uma filosofia de vida espiritualmente desregrada. Uma vida moderna, próspera em todas as áreas, em detrimento de qualquer compromisso com a vida espiritual. Isto significa que, quando a Igreja adere a determinadas filosofias de vida e abandona os preceitos sagrados, uma vida de piedade, como fazia o cristianismo em seus primórdios, percebe-se, claramente, que o cristianismo aderiu ao estilo de vida chamado moderno e livre de preocupações com a espiritualidade. Isto é, a secularização do cristianismo é um fato histórico e se consolidou de tal maneira que, até mesmo, no meio cristão é difícil viver uma vida de piedade, quem procura fazê-lo, se torna alvo de críticas até mesmo entre os irmãos.

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Neste tópico, você estudou:

lO surgimento e o desenvolvimento do Iluminismo e sua influência no Cristianismo.

lO existencialismo e o processo de secularização do cristianismo.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Quais as principais idéias do Iluminismo?

2 Que grupo publicou a Enciclopédia Britânica?

3 O que o Iluminismo pensava acerca de Deus?

4 Quem fez ressurgir o existencialismo kierkgaardiano?

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TÓPICO 4

RELIGIÕES HISTÓRICAS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Analisaremos, neste tópico, as principais religiões históricas, como eram as suas doutrinas e suas formas de culto.

2 RELIGIÕES HISTÓRICAS

Vejamos quais são as religiões históricas

2.1 O JUDAÍSMO

A história judaica, a sociedade judaica, a religião judaica, os costumes e modos de vida judaicos, bem como sua cultura e suas crenças, são os componentes do judaísmo. E isto não se restringe aos descendentes da tribo de Judá, mas a Israel. Religião e cultura judaica estão estreitamente vinculadas e não se pode estudar uma sem se referir à outra. Por esta razão, ao tratarmos do judaísmo como religião, estão incluídas todas as características listadas acima. Em se tratando do judaísmo, como uma religião histórica, vale lembrar que essa religião, também conhecida e estudada como religião de Israel, tem sua origem no patriarca Abraão. É uma religião essencialmente monoteísta, fundamentada na Torah, ou Lei de Moisés.

O judaísmo se divide em várias ramificações como: O judaísmo conservador, que não é uma seita, mas uma escola de pensamento, que preserva e determina uma série de doutrinas e atitudes dentro da comunidade judaica; o judaísmo helenista, que compreende, principalmente, os judeus da diáspora, que assimilaram as formas culturais do povo grego; o judaísmo ortodoxo, que constitui uma escola de pensamento no seio do judaísmo e que tem como fundamento a autoridades das tradições judaicas, alicerçadas na lei mosaica: o Pentateuco; o judaísmo reformado, que trata da tentativa das comunidades judaicas da Europa Ocidental para se adaptarem espiritual, intelectual e culturalmente ao Iluminismo. No que concerne à religião judaica, o judaísmo se divide também em várias seitas, algumas das quais são comentadas nos próximos itens.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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2.1.1 Os Fariseus

O termo deriva de um vocábulo hebraico que significa separado e surgiu cerca de 140 anos a.C. Historicamente, os fariseus eram seguidores dos ideais de Esdras e eram, também, conhecidos como escribas e mestres da lei mosaica e chamados igualmente hasidim “santos de Deus”. A si mesmo, se viam como pessoas virtuosas, mas Jesus os chamava de hipócritas, devido ao rigor com que ensinavam a lei, em contraste com a fragilidade de sua prática. Constituíam a seita mais influente do judaísmo. Eram tradicionalistas e devotavam um alto valor à lei mosaica, embora não a praticassem com o mesmo vigor com que acusavam e condenavam os infratores. Nos dias de Jesus, eram os fariseus que administravam a vida religiosa judaica. Posteriormente, o farisaísmo tornou-se o alicerce do judaísmo ortodoxo moderno.

2.1.2 Os Saduceus

Segundo a tradição judaica, o termo deriva de Zadoque, sumo sacerdote na época de Davi e Salomão (II Cr 31:10; Ez 40:46). Eram menores em número do que os fariseus e administravam a vida civil judaica nos dias de Herodes. Sua teologia, a exemplo dos fariseus, também era a interpretação literal da Torah. Ao contrário dos fariseus, os saduceus não sobreviveram a destruição de Jerusalém no ano 70, pelas tropas romanas comandadas pelo general Tito.

2.1.3 Os Zelotas

O termo zelota ou zelotes deriva do termo hebraico qana, ser zeloso, e no Novo Testamento zelótes, zeloso. Os zelotes formavam um partido político judaico que não hesitava em fazer uso da força, da violência e até mesmo de intrigas para alcançar seus objetivos, dentre os quais se sobrepõe o anseio de libertar a nação de Israel do jugo estrangeiro.

Segundo a tradição judaica, os zelotas eram extremamente zelosos e radicais, podendo ser comparados aos filhos de Jacó, Simeão e Levi, os quais, ao verem a honra da família maculada pelo defloramento de sua irmã, não exitaram em exterminar todo o clã dos siquemitas (Gn 34:1-3). Também Elias, (IRs 18 e 19) e Finéias (Nm 25:8) são exemplos de homens que, no fervor de seu zelo pelas coisas de Deus, agiram de maneira violenta e até mesmo ardilosa, assim também agiam os zelotas.

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TÓPICO 4 | RELIGIÕES HISTÓRICAS

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2.1.4 Os Essênios

Os essênios formavam uma ordem monástica que floresceu na Palestina desde fins do século II a.C até fins do século I d.C. O próprio grupo não utilizava o termo essênio em referência a si mesmo, por isso não se sabe a origem do nome, mas o historiador acredita que o apelido seja derivado da palavra grega osis, santo, embora outros creiam que o termo seja derivado de outro vocábulo grego asayaw, curar. O primeiro baseia sua suposição no fato dos essênios serem extremamente zelosos quanto à santidade, enquanto outros se fundamentam no fato de os essênios se julgarem capazes de curar a mente e o corpo. O certo é que se tratava de uma comunidade que se isolara na região do Mar Morto, por não concordarem com as práticas pecaminosas realizadas no templo. O casamento, para pessoas de fora, era aceito, mas para os membros da comunidade era exigido o celibato. Essa, alegavam, era a forma de se preservar a pureza contra a contaminação provocada pela lascívia e pelas infidelidades das mulheres. Eram inimigos de qualquer coisa que indicasse riqueza e faziam da miséria uma forma de santificação e separação da soberba do mundo.

2.2 O ISLAMISMO

Religião do Islã, cujo termo, de origem árabe, significa submissão a Deus. Essa religião foi fundada por Maomé e é, também, conhecida por islamismo ou maometanismo. Segundo a tradição islâmica, o anjo Gabriel, Mensageiro de Deus, aparecera para Maomé e perguntara: “O que é o islã?”, ao que Maomé replicara, expressando a essência da fé islâmica “O islã é crer em Deus e no seu profeta; é dizer as orações prescritas; é dar esmolas; é observar a festa de Ramadã, e é fazer uma peregrinação à Meca”. Maomé pregava total submissão a Deus, pelo que chamou a fé religiosa que fundara de Islã. Os seguidores de Maomé, ou do islamismo, são chamados muçulmanos e, conforme sua doutrina, é determinado que cada muçulmano faça uma peregrinação a Meca, sua cidade sagrada, pelo menos uma vez na vida. Maomé (570-632) nasceu em Meca, razão pela qual a cidade se transformou no principal santuário do islamismo, cujo livro sagrado é o Alcorão. O islamismo conta, atualmente, com cerca de trezentos milhões de seguidores em todo o mundo. As principais doutrinas maometanas estão vinculadas à ética e uma vida moral elevada. Aos iniciados são ensinadas as regras:

a) não adoraremos qualquer outro deus, salvo o único Deus; b) não furtaremos; c) não cometeremos adultério; d) não mataremos nossos filhos; e) não caluniaremos a ninguém, em qualquer sentido; f) não desobedeceremos ao profeta em qualquer coisa correta.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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Maomé teria sido perseguido e fugira de Meca. Posteriormente, passou a atacar, saquear e massacrar os caravaneiros oriundos de Meca. Para os muçulmanos, o Alcorão é a verdadeira palavra de Deus e está eternamente preservado no céu. O fundamento da sua fé islâmica é a palavra de Maomé, escrita por ele mesmo, ocorrendo depois um processo de canonização eclesiástica, com o propósito de proteger e garantir a propagação da mensagem.

Os escritos do Alcorão, para o islamismo, teriam sido revelados por Deus a Maomé. Portanto, nenhuma outra escritura tem validade. Os islamitas crêem na existência de cerca de trezentos mil profetas, sendo os principais deles Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus e Maomé. Sendo este o último e o maior de todos.

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Neste tópico, você viu:

lAs principais religiões históricas, bem como suas doutrinas e seus rituais.

RESUMO DO TÓPICO 4

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Donde se originou o judaísmo?

2 Quem eram os fariseus?

3 Em que consistia a teologia dos saduceus?

4 Como agiam os zelotes para alcançar seus objetivos?

5 Quem “apareceu” para Maomé?

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TÓPICO 5

TEÓLOGOS EM DESTAQUE

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Battista Mondin, em sua obra, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, publicada por Edições Paulinas, nos apresenta, em seu primeiro volume (1979), uma lista de dez teólogos católicos que, em sua opinião, merecem destaque por representarem a teologia católica desde o concílio de Trento (1545) até o concílio Vaticano II (1962); e no segundo volume (1987), uma lista de onze teólogos protestantes. Com base na leitura desse livro, a seguir são relacionados os principais teólogos tanto católicos quanto protestantes. Nesta obra, o acadêmico encontrará informações mais completas e mais detalhadas.

2 TEÓLOGOS EM DESTAQUE

Acompanhem quais são os teólogos, tanto católicos quanto protestantes, que merecem destaque

2.1 TEÓLOGOS CATÓLICOS

● Garrigou-Lagrange. Tomista tradicional, Lagrange revela o pensamento do realismo neo-tomista, sendo que seu pensamento envolve três campos do saber: a filosofia, a teologia e a ascética.

● Teilhard de Chardin. A base axiomática de seu pensamento está presente em suas obras, as quais são elaboradas sob uma visão cósmica que inclui tanto o mundo da ciência quanto o da fé. É conhecido como o teólogo do evolucionismo cristocêntrico.

● Romano Guardini. É conhecido como o Teólogo da existência cristã. Trata-se de um pensador assistemático, cujas obras tendem a: chegar a entender o fenômeno da existência cristã e restituir a tal existência a profunda unidade que a cultura moderna parece ter destruído irremediavelmente.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

● Karl Rahner. É chamado de Teólogo Antropocêntrico por expressar profunda sensibilidade, o qual expressa preocupação com os problemas do homem moderno, bem como com as necessidades da Igreja.

● Marie-Dominique-Chenu. Tornou-se uma grande celebridade, devida à sua profunda preocupação e dedicação aos estudos sobre a história da teologia medieval.

● Yves Congar. O teólogo do ecumenismo eclesiológico. Foi destaque no concílio Vaticano II e é o mais qualificado expoente da teologia tomista contemporânea.

● Henri de Lubac. É chamado de o teólogo da Teologia Histórica e se destacou como símbolo da renovação da teologia.

● Urs Von Balthasar. Defensor da estética teológica, caracterizou-se por defender a escolha do conceito transcendental de beleza como chave de interpretação da revelação.

● Eduward Schillebeekx. Suas obras literárias se destacam pelo interesse científico que demonstra quanto à teologia sacramental e a secularização.

● Bernard Lonergan. Destaca-se por seu interesse em preservar as verdades eternamente válidas da tradição cristã e, ao mesmo tempo, adequá-las às exigências da ciência e da cultura moderna.

2.2 TEÓLOGOS PROTESTANTES

● Karl Barth. Sua teologia da Palavra de Deus surgiu como uma reação contra o liberalismo que imperava em sua época. Seu principal argumento é que a teologia tem que estar voltada para os interesses da comunidade (igreja).

● Emil Brunner. Ao lado de Karl Barth, se destacou na liderança do movimento da teologia dialética, na tentativa de corrigir os erros do racionalismo expresso no protestantismo liberal.

● Paul Tillich. Considerado o maior teólogo protestante do século XX, Tillich trilha o caminho entre o protestantismo liberal e a neo-ortodoxia barthiana. É conhecido como o teólogo da correlação.

● Reinhold Niebuhr. Destacou-se na dialética como um dos maiores teólogos apologéticos de seu tempo.

● Rudolf Bultmann. Caracteriza-se pela utilização da filosofia existencialista em seu novo método hermenêutico, no qual defende a demitização da Revelação.

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TÓPICO 5 | TEÓLOGOS EM DESTAQUE

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● Oscar Cullmann. Apaixonado pelo ecumenismo e profundo estudioso da história do cristianismo primitivo. Seu destaque na teologia bíblica está em sua cristologia, na qual ele apresenta Cristo através dos títulos que lhe são atribuídos em referência à sua obra terrena, sua obra futura, sua obra presente, sua pré-existência.

● Dietrich Bonhoeffer. Destaca-se mundialmente como um dos principais precursores e promotores do movimento do Ateísmo Cristão, também conhecido comoTeologia da morte de Deus.

● Jürgen Moltmann. Uma das figuras mais representativas da teologia contemporânea. É o criador do movimento teológico em defesa da Teologia da Cruz e a Teologia da Esperança.

● Serghiiei Bulgakov. Destaca-se como um dos maiores teólogos ortodoxos contemporâneos. É ainda o criador da Sofiologia, uma visão filosóficia-teológica fundamentada no conceito de sabedoria.

● Ghiorghiu Florovsky. Famoso como o maior teólogo russo ortodoxo contemporâneo, Florovsky exerceu m papel fundamental na inserção da Igreja Ortodoxa no Movimento Ecumênico e com a determinação das funções do Conselho Mundial das Igrejas.

● Vladimir Lossky. Destaca-se como o autor da síntese teológica mais completa, mais ortodoxa e mais fiel à tradição oriental, a qual recebeu o nome de Teologia Mística.

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Neste tópico, você viu:

lOs principais teólogos católicos e protestantes.

RESUMO DO TÓPICO 5

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, reflita e depois teça um comentário a respeito dos pensamentos de:

● Tillich

● Barth

● Chardin

● Rahner

● Schillebeeckx

● Lonergan

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TÓPICO 6

RELIGIÕES E SEITAS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

São centenas de religiões e seitas espalhadas pelo mundo. Considerando o limite de espaço, abordaremos duas religiões seculares, duas religiões não cristãs, o espiritismo e duas de suas ramificações, ou formas de cultos.

2 RELIGIÕES SECULARES

Vejam quais são as religiões seculares.

2.1 HUMANISMO

Trata-se de uma filosofia muito desenvolvida. Representada por um grupo de cientistas e filósofos, os quais ocupam posição de destaque no campo científico e filosófico. O humanismo promove suas próprias reuniões e possui seu próprio clero, o seu próprio credo (O Manifesto Humanista) e seus próprios objetivos. Seu corpo de doutrinas inclui a ênfase o valor e na dignidade humana.

2.1.1 Existencialismo

Já se comentou acerca do existencialismo, tanto secular quanto religioso. Aqui se observa, apenas, as divergências de pensamento entre seus defensores. Por exemplo, os existencialistas Jaspers, Heidegger e Sartre não concordam entre si quanto aos pontos fundamentais do existencialismo. Os principais precursores do movimento, Pascal e Kierkegaard, também diferiam dos três pensadores citados anteriormente.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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2.2 RELIGIÕES NÃO CRISTÃS

Acompanhem quais são as religiões não cristãs.

2.2.1 Hinduísmo

O Hinduísmo é um dos mais antigos e mais complexos sistemas religiosos, porque não se resume a um a religião, mas a uma vasta família de religiões, pois do hinduísmo derivam muitas outras seitas ou religiões. Esse complexo de crenças tem como escrituras os Vedas, cujo termo significa sabedoria ou conhecimento. Entre os hinduístas, há seitas que adoram Vishnu, o deus do tempo e do espaço, outras adoram Shiva (ou Senhor Siva) o deus do cântico e da cura, ou seja, há uma grande variedade de seitas que adoram também uma grande variedade de deuses. Há, porém, um conjunto de deuses e doutrinas que são comuns a todas as ramificações do hinduísmo.

Brahman, o eterno Trimutri ou Deus Três-em-Um: 1. Brahma, o Criador; 2. Vishnu, o Preservador; 3. Shiva, o Destruidor. O Hinduísmo se considera uma religião universal, por entender que todas as religiões têm pontos em comum e, portanto, todas conduzem, cada qual a sua maneira, à salvação.

2.2.2 Budismo

O Budismo surgiu por volta do quinto século a. C. Diferente do hinduísmo, o budismo tem um fundador específico: Siddharta Gautama, sobre o qual surgiram histórias fantásticas, extremamente fantasiosas. O budismo nega a autoridade dos vedas, livros sagrados do hinduísmo. Buda, o iluminado, é também indiano de nascimento. Era filho de um rajá governador e foi criado por uma tia depois da morte de sua mãe.

Segundo a lenda, por ocasião de seu nascimento, teria havido uma profecia de um sábio. Segundo essa suposta profecia, ele seria um grande rei, se permanecesse em casa. Contudo, se deixasse sua casa, tornar-se-ia um salvador da humanidade. Siddharta permaneceu com a família, vivendo regaladamente em meio a orgias e toda opulência de um príncipe candidato ao trono. Ele se casou, teve um filho, mas permaneceu confinado no palácio.

Um dia, comunicou ao pai que desejava sair e conhecer o mundo. Seu pai, então, ordenou que as ruas fossem limpas e decoradas e que mendigos, velhos, miseráveis e enfermos permanecessem em suas casas durante o cortejo do filho, mas essas ordens não foram obedecidas a rigor. Quatro cenas

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TÓPICO 6 | RELIGIÕES E SEITAS

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passageiras mudariam a vida do nobre príncipe: A primeira foi a visão de um idoso. Perturbado, indagou por que aquele homem estava daquela forma e foi informado que ele tinha envelhecido e que todos os homens envelheceriam como ele; na segunda cena, ele encontrou um enfermo e foi informado de que todas as pessoas estão sujeita a sofrer doenças e dores; na terceira, viu um cortejo fúnebre e pessoas chorando, e foi informado que aquele seria o fim de todas as pessoas; e, por último, viu um monge a pedir esmolas, mas tinha as feições tranqüilas. Essas cenas convenceram a Siddharta a renunciar à família e às riquezas.

Então, decidiu se tornar miserável e sair a pedir esmolas e buscar entendimento. Essa radical mudança ficou conhecida como a Grande Renúncia. Foi assim que, imerso em suas meditações, o ex-nobre atingiu o alto nível da consciência de Deus, conhecida como nisvana. Então ficou ali por sete dias e aquela figueira recebeu o nome de a árvore da sabedoria. Buda então iniciou seu sagrado ministério e criou um corpo de doutrinas, segundo as quais o homem atingiria o nirvana e a conseqüente salvação. Esse conjunto de doutrinas é constituído de Quatro Nobres Verdades e a Vereda em Oito Passos.

● Primeira Nobre Verdade: a realidade do sofrimento. O nascimento, a morte, a enfermidade e a velhice são dolorosos. Não ter o que desejamos e ter o que não desejamos também é doloroso.

● Segunda Nobre Verdade: a causa do sofrimento. O intenso desejo pelos prazeres e a busca incessante pelas riquezas nesta e nas vidas futuras.

● Terceira Nobre Verdade: o fim do sofrimento. Para alcançá-lo, o indivíduo precisa renunciar e rejeitar qualquer forma de prazer. Renunciar e lutar, até ficar totalmente livre de qualquer paixão.

● Quarta Nobre Verdade: conduz ao término de toda dor, por meio da vereda de oito passos.

Essa vereda de oito passos consiste em: opinião correta, decisões corretas, linguagem correta, conduta correta, ocupação correta, esforço correto, contemplação correta e meditação correta.

Há um orientação de como conseguir obedecer a todas essas instruções, para finalmente atingir o nirvana ou a salvação final.

2.3 ESPIRITISMO

A palavra espírito se origina do termo grego pneuma, que significa sopro, vento, exaltação, sopro vital. O sufixo ismós, indica doutrina filosófica religiosa, daí espiritismo. A doutrina espírita baseia-se em cinco pilares a partir dos quais surgem as demais.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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1 Existência de Deus: uma inteligência cósmica responsável pela criação e sustentação do universo.

2 Existência do Espírito: ou alma, envolvido pelo perispírito, que assegura a identidade individual e conserva a memória mesmo após a morte.

3 Lei da Reencarnação: todas as criaturas evoluem sucessivamente no plano intelectual e moral, enquanto vão espiando os erros cometidos em vidas passadas.

4 Lei da Pluralidade de Mundos: existência de vários planos habitados, que oferecem um meio universal para a evolução do espírito.

5 Lei do Carma: ou da casualidade moral, pela qual se interligam as vidas sucessivas do espírito, dando-lhe destino em conformidade com seus atos.

As principais doutrinas defendidas pelo espiritismo brasileiro são: 1. Comunicação com entidades desencarnadas (os mortos); 2. Crença na reencarnação; Crença na lei da causa e efeito; 3. Pluralidade de mundos, a terra é o planeta da expiação, pois seus habitantes são espíritos exilados de outro planeta, Chico Xavier os chama de cabra ou capela (a caminho da luz); 4. Não há distinção entre natural e sobrenatural, nem entre religião e ciência, não há graça, o progresso depende, exclusivamente, de mérito pessoal que se acumula nesta e encarnações posteriores; 5. A caridade é a principal virtude, aplica-se aos vivos e aos mortos (desencarnados); 6. Deus se perde na distância de um ponto espiritual incomensurável; 7. Quem está mais próximo são os guias (espíritos que se incorporam nos médiuns) e ajudam os humanos por amor; 8. Existem também os maus, que precisam da caridade dos vivos, os médiuns são os cavalos, ou aparelhos utilizados pelos espíritos guias ou entidades; 9. Jesus Cristo é uma grande entidade encarnada: a maior que já apareceu no mundo. O evangelho foi reinterpretado em sua forma correta, por Allan Kardec “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

Historicamente, o espiritismo moderno teve início com Franz Anton Mesmer que, no final do século XVIII assombrou a Europa com seus prodígios na prática do espiritismo e hipnotismo. Contudo, cabe às irmãs Magie e Katie Fox a honra de terem dado início definitivo ao espiritismo moderno. Elas viviam em Hydesville, no Estado de Nova Iorque, em 1848. Segundo elas, o espírito de Charles Rosna, que morrera assassinado, começou a se comunicar com elas por meio de estalidos de dedos e pancadas. Na adega da casa foram encontradas porções de esqueleto humano e isso reforçou a divulgação, atraindo pessoas de todas as classes sociais para o local. Posteriormente, as irmãs Fox se retrataram publicamente confessando que tudo não passara de uma fraude. Dentre as muitas formas de culto espírita destacamos as que serão explicadas nos próximos itens.

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TÓPICO 6 | RELIGIÕES E SEITAS

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2.3.1 Umbanda

A Umbanda reúne, em seus rituais, uma mistura de espiritismo Kardecista, catolicismo romano, budismo e mediunismo. O termo umbanda significa ao lado de Deus, ou do bem. É, essencialmente, uma religião de magia, feitiçaria, politeísta, fetichista e mitológica, muito semelhante ao candomblé.

Sua tônica é a adoração subserviência aos orixás que sempre aparecem como forças divinizadas da natureza, que se incorporam nos médiuns evoluídos, com o propósito de fazer o bem. Quanto aos exus (espíritos obsessores ou opressores), são forças negativas representadas por coisas más, como adultério, homossexualismo, lesbianismo, prostituição, contendas, morte etc. Estes são os freqüentadores de encruzilhadas, cemitérios, florestas. Quando o exu se manifesta numa seção de umbanda, lhe fazem oferendas para que se afaste. Normalmente, uma oferenda é para cobrir outra que lhe fora feita para executar determinado trabalho contra o último ofertante. Os freqüentadores dos terreiros são sempre aconselhados a se desenvolverem, para se tornarem médiuns evoluídos.

2.3.2 Candomblé

O Candomblé é um culto fetichista semelhante à quimbanda, assim como à umbanda. As semelhanças se devem ao fato de serem todas elas formas de espiritismo ou cultos espiritistas. Poucas diferenças podem ser notadas apenas em algumas práticas ou ritualismo. Altera-se a forma, os nomes e os rituais, porém a essência é a mesma em todas as seções que se pratica o espiritismo.

O Sangue no Candomblé é verde, pois o ocultismo que envolve seus segredos são baseados em folhas e ervas usadas em seus trabalhos, ora para fazer o bem, ora para fazer o mal. Muitas dessas ervas são contrabandeadas da África. Quando o orixá é poderoso demais para ser invocado, o umbandista invoca espíritos desencarnados para o representarem. Mistura de ervas com pó, terra de cemitérios ou de lugares santos são feitas para se obter determinados favores dos orixás. Pó do amor, bebida para “fechar” o corpo, pó da sedução, banhos para afastar os males ou invejas, tudo isto constituem remédios que são receitados por mães de santo ou babás.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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DICAS

Para um estudo mais completo e detalhado, pode-se consultar:

CABRAL, J. Religiões, Seitas e Heresias – À Luz da Bíblia. Rio de Janeiro: Universal, 1986.CHAVES, José Reis. A Face Oculta das Religiões. São Paulo: Martin Claret, 2000.CHAVES, José Reis. A Reencarnação Segundo a Bíblia e a Ciência. São Paulo: Martin Claret, 2000.MARTI, Walter. O Império das Seitas. Belo Horizonte: Betânia, 1992. (4 volumes) MATHER, George A. NICHOLS, Larry A. Dicionário de Religiões, Crenças e Ocultismo. São Paulo: Vida, 2000.McDOWELL, Josh. STEWART, Don. Entendendo as Religiões não Cristãs. São Paulo: Candeia, 1992.McDOWELL, Josh. STEWART, Don. Entendendo o Oculto. São Paulo: Candeia, 1992.McDOWELL, Josh. STEWART, Don. Entendendo as Seitas. São Paulo: Candeia, 1992.McDOWELL, Josh. STEWART, Don. Entendendo as Religiões seculares. São Paulo: Candeia, 1992.FILHO, Tácito da Gama Leite. Seitas Espíritas. Rio de Janeiro: JUERP, 1994.FILHO, Tácito da Gama Leite. Seitas Mágico-Religiosas. Rio de Janeiro: JUERP, 1994.FILHO, Tácito da Gama Leite. Seitas Neo-Pentecostais. Rio de Janeiro: JUERP, 1994.FILHO, Tácito da Gama Leite. Seitas Proféticas. Rio de Janeiro: JUERP, 1994.FILHO, Tácito da Gama Leite. Seitas Orientais. Rio de Janeiro: JUERP, 1994.

Page 185: História da Igreja Antiga à Contemporânea

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Neste tópico, você viu:

lAs diferentes religiões seculares, não cristãs, com seus rituais e doutrinas.

RESUMO DO TÓPICO 6

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, reflita e depois teça um comentário sobre as crenças, doutrinas salvíficas e rituais espíritas, comparando-os com o Evangelho e a salvação através de Jesus Cristo.

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TÓPICO 7

RAMIFICAÇÕES DO CRISTIANISMO: CHEGADA E

DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

O cristianismo, através dos séculos, vem se ramificando em denominações. Periodicamente, surge uma nova corrente ou denominação evangélica em todo o mundo. Neste tópico estaremos refletindo sobre algumas denominações, bem como sua chegada e desenvolvimento no Brasil.

2 A IGREJA LUTERANA

A Igreja Luterana possui, hoje, cerca de vinte e cinco milhões de membros e está presente em vários países europeus, bem como nos Estados Unidos, no Canadá e no Brasil. E é através das missões alemãs e escandinavas, que ela tem alcançado vários outros países em outros continentes como: a África, a Ásia e todas as Américas.

Sua doutrina tradicional está diretamente ligada à obra de Martinho Lutero, para quem a salvação só é possível por meio da fé em Jesus Cristo. Em alguns países, o luteranismo é religião oficial e o chefe de Estado é também o chefe hierárquico da igreja no país. O movimento luterano, que deu origem à denominação, nasceu na Alemanha com os seguidores de Martinho Lutero, apesar do reformador ter instruído seus seguidores para que não dessem nenhum título denominacional ao movimento. O luteranismo contemporâneo conta com vários grupos e doutrinas. Desde os grupos mais conservadores até aos modernos liberais, eles estão organizados em pelo menos quinze ramos diferentes e independentes.

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UNIDADE 3 | A IGREJA NOS TEMPOS MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS

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O luteranismo defende a autoridade da Bíblia como única regra de fé e de prática. Contudo, o movimento reconhece oito diferentes credos como expressões das verdades bíblicas:

1. O Credo dos Apóstolos.

2. O Credo Niceno.

3. O Credo de Atanásio.

4. A Confissão de Augsburg.

5. Os Artigos de Schmalkald ou Confissão Luterana.

6. A Fórmula de Concórdia.

7. Apologia da Confissão de Augsburg, escrita por Melancton.

8. Dois catecismos escritos por Lutero, os quais se tornaram manuais do pensamento e da teologia protestante.

Os grupos luteranos que não estão vinculados a nenhum credo, aceitam enfaticamente a autoridades desses vários escritos.

A Igreja Luterana chegou ao Brasil por volta de 1800, com os alemães que emigraram para o Sul do país. Eles representavam o Protestantismo Confessional, um ramo do que fora excluído da igreja oficial da Alemanha. No Brasil, estão divididos em três Sínodos: O Sínodo do Rio Grande de Sul, que abrange também a parte meridional de Santa Catarina; O Sínodo de Santa Catarina, que também abrange o Paraná; e o Sínodo do Brasil Central, que inclui as cidades do Rio de janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais.

3 A IGREJA ANGLICANA

O termo Anglo-Catolicismo pode designar aqueles grupos que, desde os tempos de Henrique VIII, defendem o catolicismo sem ingerência papal. Contudo, a referência mais comum é o movimento iniciado em Oxford, nos séculos XIX e XX. Através desse movimento, a fé católica foi fortemente difundida em toda a comunidade anglicana. Eles professam a fé da igreja antes do cisma que dividiu o Oriente e o Ocidente.

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TÓPICO 7 | RAMIFICAÇÕES DO CRISTIANISMO: CHEGADA E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

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Eles criticam, mas aceitam o desenvolvimento moderno da Igreja Católica Romana. Não se inspiram nos reformadores, mas na Bíblia e no catolicismo contemporâneo. Usam material litúrgico anglicano, como o Livro da Oração Comum, porém, com suplementos extraídos de fontes romanistas. O rompimento da Igreja da Inglaterra com o papado romano e as providências tomadas por Carlos VI, para estabelecer as doutrinas e as práticas protestantes, e a formulação dos princípios anglicanos datam do reinado de Elizabeth I.

O Livro de Oração Comum de Eduardo VI foi revisado e através do Ato de Uniformidade sua adoção se tornou obrigatória. O objetivo era estabelecer uma Igreja episcopal nacional, tendo o monarca como supremo governante. Quem se recusasse a participar dos serviços religiosos eram punidos com multas. Os puritanos reagiram e tentaram mudar a situação, mas sua tentativa de mudança esbarrou na oposição da Coroa e terminaram em frustração.

Em 1630, a igreja foi catolicizada pelo arcebispo Laud, provocando ainda mais a antipatia dos puritanos pelos bispos. O anglicanismo foi banido durante todo o período do protetorado, mas foi restaurado em 1660.

4 A IGREJA PRESBITERIANA

A Igreja Presbiteriana surgiu na América do Norte, oriunda do movimento puritano da Inglaterra e da Igreja presbiteriana da Escócia. Na Nova Inglaterra, os imigrantes presbiterianos se uniram as igrejas congregacionais, mas em outras colônias se organizaram como igreja com modelo próprio. A rigor, ela nasceu como Igreja Protestante Reformada, de orientação calvinista e origem britânica.

O presbiterianismo se caracteriza pela igualdade eclesiástica entre os membros dirigentes da igreja: os presbíteros. Nesse aspecto, ele se contrapõe ao sistema episcopal, cujo governo é orientado pelo bispo. Também rejeita a intervenção do estado em assuntos religiosos, afirmando que a primazia da Bíblia unia a regra de fé. O enviado da Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América do Norte, Ashbel Green Simonton desembarcou no Rio de Janeiro no dia 12 de agosto de 1859. No dia 12 de janeiro de 1862, recebeu duas pessoas por profissão de fé, como os primeiros membros da Igreja Presbiteriana no Brasil.

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5 A IGREJA BATISTA

A Igreja Batista usa o regime democrático (congregacional) de governo eclesiástico e traz no seu arcabouço doutrinal algumas características tradicionais que podem ser assim elencadas:

a) autoridade da Bíblia como única regra de fé e de prática;

b) rejeição ao batismo infantil, pois só aceita o batismo adulto e por imersão. Algumas comunidades batistas rebatizam membros oriundos de outras denominações, mesmo que tenham sido batizados por imersão e na fase adulta;

c) o batismo por imersão e a Ceia do Senhor são as únicas ordenanças da Igreja, mas não são considerados sacramentos;

d) a Igreja de Cristo é composta exclusivamente de crentes. A maioria acredita na Igreja mística ou universal, composta por todos os regenerados, independentemente, de quais grupos evangélicos pertençam;

e) a Igreja Batista acredita no sacerdócio de todos os crentes;

f) autonomia da igreja local e governo democrático. Todas as questões locais são decididas pelo voto da congregação, sem interferência de qualquer autoridade externa.

A Igreja Batista deve sua origem a um grupo que se separou dos congregacionais ingleses no século XVII, os quais eram compostos originalmente por anglicanos e membros do movimento puritano. Os batistas chegaram a América do Norte com Roger Williams, um clérigo da igreja da Inglaterra, o qual foi expulso de Massachusetts, por ter recusado aceitar regras e opiniões dos congregacionais.

O primeiro pregador batista chegou ao Brasil em 1859, foi um missionário norte-americano que, dois anos depois, teve que regressar a sua pátria por motivos de saúde. A 10 de setembro de 1871, um grupo de colonos fundou a Igreja batista de Santa Bárbara, no Estado de São Paulo. Não se tratava de uma igreja missionária, mas expressou o ideal missionário escrevendo à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, pedindo que fossem enviados missionários para o Brasil.

Atendendo à solicitação, foi enviado o primeiro casal missionário William Bagby e Ann Luther Bagby. Logo depois, outros missionários batistas chegaram ao Brasil. Foi assim que, a 15 de outubro de 1882, os casais William e Ann Bagby, Zachary e Kate Taylor, juntamente com o ex-padre católico Antônio Teixeira de Albuquerque, fundaram a primeira igreja batista brasileira: a Primeira Igreja Batista da Bahia, em Salvador.

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6 A IGREJA METODISTA

O denominativo metodista se deve as maneiras metódicas dos irmãos Carlos e João Wesley, em Oxford, em seu propósito de criar, entre os estudantes, um grupo com maior expressão religiosa. Quando João Wesley se uniu ao grupo, logo se tornou o líder do então chamado Clube Santo. Alguns, porém, atribuem o nome ao fato de que determinado observador, contemplado a forma como Carlos Wesley conduzia o grupo teria exclamado: “Está surgindo um novo grupo de metodistas”. O Clube Santo se reunia nas tardes de domingo e quase todos os componentes eram anglicanos. Posteriormente, entusiasmado pelo progresso do movimento, passaram a se reunir todas as tardes. João Wesley tinha suas regras pessoais que consistiam em:

1. lê o décimo terceiro capítulo da primeira carta aos Coríntios e medita a respeito;

2. se vires Deus em todas as coisas, e fizeres tudo para ele, então todas as coisas serão fáceis;

3. faze todo o bem que puderes, por todos os meios possíveis, em todos os sentidos, a todas as pessoas, enquanto puderes.

O movimento metodista cresceu dentro da Igreja Anglicana, Mas quando esta lhe fecharam as portas, passaram a pregar ao ar livre e em auditórios. A partir de então, a Igreja Metodista desenvolveu-se mediante dez grandes passos:

1. foram formadas sociedades religiosas segundo o modelo dos morávios, em substituição aos decadentes puritanos;

2. os metodistas se separaram dos morávios e, então, a Sociedade metodista Wesleyana passolu a existir;

3. os metodistas foram repelidos pela Igreja Anglicana, que lhes vedou o púlpito, proibindo que lhes fosse servir a Ceia do Senhor. Por esta razão, os irmãos Wesley passaram a ministrar a ceia para seus próprios membros;

4. as sociedades metodistas começaram a treinar seus pregadores e a se reunir em detrimento da Igreja Anglicana, dando também início a formação de Igrejas locais, segundo o ideal metodista;

5. as sociedades foram divididas em classes com líderes, pastores e sub-pastores. Esses líderes tinham que prestar contas de sua administração, principalmente, dos fundos arrecadados;

6. a publicação das Regras das Sociedades Unidas conferiu, ao metodismo wesleyano, uma espécie de guia, pois foram expressas as condições para alguém ser membro atuante;

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7. os Wesleys tiveram sua primeira conferência anual em 1744. Foram discutidos pontos doutrinários, nomeados ministros, designados cem pregadores, dotados de autoridade e responsabilidade;

8. os Wesleys começaram a consagrar seus ministros, o que deu às sociedades uma situação distintiva e independente. As sociedades se tornaram conhecidas como Sociedade Unida, Sociedade Metodista ou simplesmente Metodistas, ainda que continuassem membros da Igreja Anglicana;

9. a independência das colônias inglesas da América do Norte mostrou, a Wesley, a necessidade de organizar um metodismo separado naquele continente. Dessa maneira, uma parte do metodismo obteve a sua independência;

10. essa independência, logo depois, se tornou extensiva a todo o metodismo. Embora refletindo suas raízes no anglicanismo, o metodismo passou a praticar uma liturgia independente, usando seu próprio hinário, bem como seu sistema de governo eclesiástico.

O primeiro metodista a chegar ao Brasil foi o Reverendo Foutain E. Pitts. Ele veio como observador e percorreu várias cidades em toda América do Sul. Em março de 1836, o Brasil recebeu o primeiro missionário metodista, o Reverendo Justin Spauding. Encontrando um solo fértil para a semeadura, escreveu para a sede da Missão na América, a qual enviou o reverendo D. P. Kidder, que teve mais facilidade de comunicação por conhecer um pouco de português.

Em 1886, a Missão Metodista no Brasil já contava com sete igrejas organizadas, seis pregadores brasileiros, três pregadores itinerantes, 219 membros comungantes, 164 alunos na Escola Dominical e três prédios onde funcionavam as igrejas. Em 1930, foi organizada a Igreja Metodista do Brasil, com sua própria constituição e estatutos. Também já havia um pacto de cooperação entre a igreja Metodista do Brasil e a igreja Metodista dos Estados Unidos.

7 A IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS

A Igreja Assembléia de Deus não foi fundada por esta ou por aquela pessoa, pois ela surgiu como resultado de um grande movimento pentecostal no início do século passado. Houve um derramamento do Espírito santo em várias partes do planeta. Eram cristãos de várias denominações que se organizaram em grandes grupos, para orarem em busca de avivamento. Não foi um movimento localizado, mas ocorreu em diferentes lugares nos Estados Unidos e na Europa.

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A essência desse movimento era a sede espiritual e a busca incessante através da oração. Nesses movimentos, o Espírito Santo encontrou terreno fértil em forma de corações abertos e dispostos para receber e propagar a mensagem do evangelho, no poder do espírito santo. Muitos milagres e manifestações sobrenaturais aconteciam nesses movimentos. Uma prova evidente de que Deus não se propôs derramar seu Espírito apenas sobre a igreja Primitiva, no primeiro século, como alguns céticos persistem em afirmar.

Mesmo porque, o nosso Deus é eterno e sobrenatural, não podendo ser enclausurado no cubículo das limitações humanas, portanto, ele é o Senhor Soberano e Eterno e Sua atuação também é eterna. Foi para isto que estabeleceu a sua Igreja, para testemunhar seu poder em todas as épocas, enquanto estiver aqui na terra.

Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas , tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra... Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe: a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar. (At 1:8; 2:39)

Se nosso Deus é eterno, Sua palavra também é eterna, assim como Sua salvação é eterna, Sua atuação também é eterna.

Tendo sido formado por crentes da várias correntes evangélicas, não demorou para que surgissem diferenças de interpretação doutrinária. Diante do impasse, realizou-se, entre 2 e 12 de abril de 1914, em Hot Springs, no Estado de Arkansas, a primeira Convenção das Assembléias de Deus nos Estados Unidos. Nessa Convenção foram definidas as doutrinas e a forma de governo para o movimento. Os historiadores que se ocupam com o estudo dos avivamentos pentecostais no início do século XX são unânimes em apontar Azuza Street, em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos, como o centro irradiador do despertamento pentecostal que se espalhou por todo o planeta.

Atraído pelo movimento pentecostal que varria Chicago, Gunnar Vingren, um jovem pastor batista de origem sueca, resolveu ir àquela cidade e ali presenciou um intenso avivamento espiritual, tendo ele mesmo sido batizado com o Espírito Santo. Algum tempo depois, ao participar de uma Convenção Batista em Chicago, conheceu Daniel Berg, um jovem sueco que, como ele, também fora batizado com o Espírito Santo.

Conversando e orando juntos, ambos tiveram a convicção de que o Senhor os estava convocando para a Obra Missionária. Alguns dias depois, reunidos e orando na casa de um irmão chamado Adolpho Ulldin, receberam orientação através de uma profecia, para partirem para um lugar distante, de nome Pará, para ali pregarem o evangelho. Não sabendo onde ficava essa região, consultaram os mapas e descobriram que Pará era um Estado ao norte do Brasil.

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Foi assim que, a 19 de novembro de 1910, assentados em um banco na Praça da República, em Belém, os dois irmãos fizeram sua primeira oração em solo brasileiro. No dia seguinte, foram à Igreja Batista de Belém e se apresentaram ao evangelista Raimundo Nobre, responsável pelo trabalho, e passaram a residir nas dependências do templo. Em maio de 1911, já falando um português razoável, o jovem Vingren, a convite dos diáconos da igreja, teve a oportunidade de dirigir um culto na comunidade. Ao ler alguns textos das Escrituras que tratam da obra do Espírito Santo na vida do crente, os diáconos, sem entender, logo abriram suas bíblias para conferir se a leitura estava correta. Contentes e entusiasmados com a mensagem, convidaram-no para continuar dirigindo os cultos nas noites seguintes, durante uma semana. Foi então que Deus começou a operar milagres e maravilhas durante as reuniões e muitos eram batizados com o Espírito Santo. Isto custou a Vingrem uma séria advertência da parte dos dirigentes da igreja, sendo narrado assim por Vingren:

Todos os demais que tinham vindo da Igreja Batista creram então que isto era obra de Deus, todos menos dois, o evangelista Raimundo Nobre e a mulher de um diácono [...]. Na terça-feira seguinte ele convocou os membros da igreja para um culto extraordinário e não permitiu que o pastor falasse. O evangelista somente disse: Todos os que estão de acordo com a nova seita, levantem-se. Dezoito irmãos se levantaram e foram imediatamente cortados da comunhão da igreja.

Esses dezoito irmãos pediram aos missionário Berg e Vingren que lhes desse orientação espiritual naquele momento tão difícil. Foi assim que, juntos, esses irmãos, sob a liderança dos missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg foram, a 18 de junho de 1911, à rua Siqueira Mendes 67, na cidade de Belém, Estado do Pará; e ali fundaram a Assembléia de Deus no Brasil. Infelizmente, várias denominações se uniram para perseguir e combater o Movimento Pentecostal.

8 A IGREJA DO EVANGELHO QUADRANGULAR

A Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular deve seu desenvolvimento ao profícuo ministério da missionária Aimee Semple McPherson. O movimento iniciou-se nas primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos. A expressão Evangelho Quadrangular surgiu de uma visão quando Aimee pregava sobre a visão de Ezequiel, “E a semelhança dos seus rostos era como o rosto de homem; e à mão direita todos os quatro tinham rosto de leão, e à mão esquerda todos os quatro tinham rosto de boi; e também rosto de águia todos os quatro” (Ez 1:10), em Oakland, Califórnia em julho de 1922, durante sua última campanha de avivamento nos Estados Unidos, antes de inaugurar o Angelus Temple, cuja data seria no dia de ano novo. A congregação transbordante enchia a tenda onde ela pregava, sendo que no altar havia oitos ministros do evangelho de diferentes denominações.

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Aimee já varrera todo o Continente Americano levando a mensagem do evangelho. Seu lema e instrução para seus discípulos eram: “Alcançar o perdido a todo custo”. Enquanto pregava a mensagem, o Espírito Santo foi lhe mostrando algo que jamais algum pregador tivera percebido. Portanto, a visão dos quatro rostos mostrados a Ezequiel, constitui os quatro pilares da doutrina quadrangular expressa nos quatro evangelhos, ou seja, Aimee percebeu, naqueles rostos, as quatro faces do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo sendo que cada rosto foi representado em um dos evangelhos, como segue:

O Rosto de Homem: nesse rosto, Aimee viu a imagem de dores e de sofrimento do Filho do Homem, registrado no evangelho segundo Lucas, ou seja, Jesus, o Salvador, é “[...] o Filho do Homem (que) veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lc 19:10 ARC). O apóstolo Paulo ratifica esta expressão quando escreve aos romanos e aos coríntios (Rm 5:8; II Co 5:21). Jesus, portanto é o Varão de dores que veio morrer para dar vida ao homem pecador. O símbolo da salvação é a cruz, e na bandeira da Igreja do Evangelho Quadrangular é simbolizada na cor escarlate (vermelho), como representação do sangue de Cristo por nós derramado. Portanto, o rosto de homem é uma figura de Jesus Cristo, o Salvador.

O Rosto de Leão: na visão de Aimee, o rosto de leão expressa poder, força. Esta força, que a Igreja precisa para enfrentar as trevas e fazer brilhar a luz, é descrita na Bíblia como Batismo no Espírito Santo “E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24:49). Em Atos 1:4,5,8, Lucas volta a citar as palavras do Senhor Jesus acerca do revestimento de poder. Em Gn 49:9 e Ap 5:5; portanto no início e no final da Bíblia, o Salvador Jesus Cristo é descrito como o Leão da tribo de Judá. O evangelho segundo João apresenta o Senhor Jesus como o Batizador no Espírito Santo (ver capítulos 14-16) O mesmo é dito por Mateus e por Lucas (Mt.3:11; Lc 3:16). O símbolo do batismo no Espírito Santo é a pomba (Mt 3:16; Mc 1:10,11; Lc 3:21,22). Portanto, o rosto de leão, como um dos pilares da doutrina quadrangular, expressa Jesus, o Batizador no Espírito Santo.

O Rosto de Boi: o boi é um animal de carga, que transporta as cargas mais pesadas, sem reclamar. Jesus, nosso Salvador, tem características semelhantes. Ele remove o fardo pesado do pecado de sobre os nossos ombros e o leva, sem reclamar, até o Calvário. Em Dt 14:4, o boi é o primeiro animal limpo citado: “Verdadeiramente ele levou sobre si as nossas enfermidades, e as nossa dores levou sobre si; e nós o reputamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido[...]. Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões; e moído pelas nossas iniqüidades: o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53:4,5 ARC). No versículo seis o profeta afirma que ele foi levado como velha para o matadouro, mas não abriu a sua boca para reclamar. Jesus alivia-nos das

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nossas enfermidades (Mt 8:16,17; I Pe 2:24) e ele mesmo afirma que veio como servo e não para ser servido (Mc 10:45). A cura divina, como pilar da doutrina quadrangular, é simbolizada na cor azul, cor do céu, donde vem a nossa cura. Portanto, o Rosto de Boi simboliza o Senhor Jesus Cristo como O Grande Médico, Senhor da Cura Divina.

O Rosto de Águia: a águia constrói seu ninho nas alturas, é considerada a rainha das aves, das maiores alturas, ela com sua visão privilegiada, consegue enxergar uma pequena presa (roedor, por exemplo) se movendo pela relva. No livro de Atos está descrita a forma que Jesus foi elevado aos céus e os anjos anunciaram que da mesma maneira ele descerá para levar sua Igreja (At 1:9-11). A Bíblia traz muitas referências a Jesus como Rei (Jr 23:5; Mt 27:37; Jo 18:37) O evangelho segundo Mateus nos apresenta o Senhor Jesus como Rei. Portanto o rosto de águia, segundo a doutrina quadrangular, simboliza o Senhor Jesus como O Grande Rei que há de vir.

O movimento promovido por Aimee recebeu o nome de Cruzada Nacional de Evangelização. Considerando que no templo, em Los Angeles, em vários cultos que eram realizados, todos os dias havia o derramamento sobrenatural do Espírito Santo, ela passou a ser chama a Igreja do Avivamento Contínuo. No Brasil, o movimento começou em 1951, com o missionário americano Harold William, sob o denominativo, Cruzada Nacional de Evangelização.

Posteriormente, o missionário William foi aos Estados Unidos, trouxe uma tenda e recomeçou os trabalhos. Hoje, a Igreja do Evangelho Quadrangular, em nossa pátria, conta com cerca de quinze mil comunidades e vinte mil pastores.

No final do século passado, a revista Time, dos Estados Unidos, publicou uma lista de 100 personagens que se destacaram durante o século XX, entre eles, o brasileiro Pelé. No mundo cristão, dois personagens foram listados: Billy Graham e Aimee Semple McPherson, os quais, com muito mérito, são considerados os maiores evangelistas, não só do século XX, mas de toda a história do cristianismo.

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Neste tópico, você viu:

lAlgumas, dentre as diversas ramificações do Cristianismo, sua chegada e desenvolvimento no Brasil.

RESUMO DO TÓPICO 7

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AUTOATIVIDADE

A partir da leitura que você, caro acadêmico, realizou deste tópico, responda as seguintes perguntas:

1 Qual a posição do Luteranismo em relação à Bíblia?

2 Como se iniciou o Anglicanismo?

3 De qual grupo surgiram os metodistas?

4 Quem fundou a Assembléia de Deus no Brasil?

5 Por que os missionários se afastaram da Igreja Batista?

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REFERÊNCIAS

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ANOTAÇÕES

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