Historia da cultura portuguesa

download Historia da cultura portuguesa

of 11

description

Portugal: Atlântico por posiçao e mediterrânico por natureza

Transcript of Historia da cultura portuguesa

PORTUGAL MEDITERRNICO POR NATUREZA E ATLNTICO POR POSIO

Portugal uma terra de contrastes onde pontificam o Atlntico e o Mediterrneo. Mas difcil de definir pela complexidade e pela diversidade de elementos que caracterizam o pas. Orlando Ribeiro escreveu em 1943 um livro notabilssimo pelo rigor da investigao e pela leveza da escrita que constitui um vade mecum indispensvel para quem queira conhecer a geografia de Portugal e atravs dela a nossa identidade. Falo-vos de Portugal o Mediterrneo e o Atlntico (S da Costa 4 ed.1986) do qual Rubem A. disse justamente tratar-se do livro mais notvel escrito em Portugal nos meados do sculo passado Estamos perante uma obra de indiscutvel valia cientfica e de grande sensibilidade literria essencial para acompanhar os primeiros passos de uma investigao sria sobre a identidade portuguesa. Em lugar de consideraes apressadas trata-se de indagar atravs dos diversos factores e manifestaes relevantes como que Portugal mediterrnico por natureza e atlntico por posio na frmula tornada clssica de Pequito Rebelo.

Disposto de travs na zona mediterrnica bem engastado numa pennsula que como a miniatura de um continente o territrio portugus abre se para o mundo por uma vasta fachada ocenica (p.131). 0 traado de vis acompanhado de alternncias climticas e da coexistncia do clima ocenico e o.7 secura quente. E a vigo rosa oposio das terras altas e montanhosas cortadas de vales profundamente incisos as repercusses no revestimento vegetal define uma terra de contrastes. Norte e Sul o primeiro atlntico verdejante hmido com gente densa; o segundo mediterrneo com longos estios e escassamente povoado. Litoral e Interior o pas vai desde a verdura espessa banhada na luz doce e hmida do noroeste at aridez das terras de alm Maro; desde a variegada aptido rural do Vouga ao Sado ou do sul algarvio at aos montonos descampados alentejanos Terras altas e baixas Serra e Ribeira Campo e Monte Montanha e Vale Terra Alta e Terra Ch assim define o povo a complexidade e as oposies bem evidentes na economia e no povoamento. Desde a montanha hmida do norte e da economia agro pastoril tradicional at aos relevos menos acentuados secos e descamados do sul onde o gado mido e as queimadas degradaram a floresta primitiva temos os traos de uma complementaridade e de um coerncia meridional. E deste modo a unidade de Portugal em grande parte obra humana que h mais de sete sculos define uma entidade poltica antiga e estvel.

ORLANDO RIBEIRO no se limita a interrogar a tema. Olha sempre as gentes e a sua vontade procurando as razes antigas da identidade. No fim do neoltico fala de trs reas de civilizao a do levante a dos planaltos centrais e a da faixa oeste. E no Oeste peninsular recorda a civilizao megaltica ocidental ligada igualmente Bretanha ao Pas de Gales e Irlanda. A esto os redutos clticos da Galiza e de Portugal. E a sul temos as influncias dos povos mediterrnicos fencios gregos cartagineses e a brilhante civilizao indgena dos Tartessos no Guadalquivir. Os tempos vo revelando as diferenas e as ligaes as continuidades e as descontinuidades. Os conventi romanos a organizao administrativa dos suevos e dos visigodos as desinteligncias da monarquia goda a invaso moura a influncia rabe a reconquista a coexistncia das zonas estabilizadas dos reinos cristos a norte e dos reinos taifas no meio dia com uma zona intermdia de incerteza e de alternncia de influncias tudo nos vai revelando uma multiplicidade de elementos num curioso melting pot que vai gerando a autonomia ocidental peninsular. Jos Mattoso encarregar-se- alis mais tarde de lanar nova luz sobre essa encruzilhada de circunstncias.

O formigueiro humano e a intensa actividade rural de Entre Douro e Minho no tempo da reconquista denuncia o cdigo gentico do que ser depois a unidade poltica que origina Portugal. E Portucale junto foz do Douro vai ser matriz do corpo poltico donde sair o Estado portugus um Estado que precede a Nao. Portucale serve desde cedo aps a reconquista do sculo IX como designao dos domnios cristos a sul do Lima. No fim do sculo X h j um condado (e at h um fugaz rei Ramiro entre 926 e 930) e pouco mais de cem anos depois D. Henrique de Borgonha ver ser-lhe atribuda a tarefa arriscada incerta e difcil de consolidar e dilatar a influncia crist na regio morabe de Coimbra para sul alm da linha Mondego/Serra da Estrela tendo o Tejo como horizonte. No sul almorvidas e almodas dominavam o Magrebe e o Al-Andaluz at ao nosso Al-Gharb (o Ocidente) com pouca actividade agrcola e largos descampados apesar das inovaes de influncia rabe nos vinhedos olivais pomares e hortas regadas. De novo o Atlntico frente ao Mediterrneo.

So os contrastes naturais que determinam ainda a deslocao de populaes. As vindimas do Douro as ceifas da Terra Quente a apanha da azeitona na Beira Baixa as ceifas no Alentejo a tirada da cortia obrigavam a que houvesse movimentos internos sazonais de gentes. Nos arrozais so exmios os caramelos do Mondego e do Vouga bem como os gaibus do norte do Ribatejo ou os avieiros da foz do Liz Ao Ribatejo e ao Alentejo chegam os minhotos e pica-milhos os beires e os ratinhos. E em Lisboa e na Caparica encontramos as varinas e varinos de Ovar como bem de ver ao lado dos pescadores de lhavo. E em Azeito Orlando Ribeiro descobre a curiosssima distino entre os caramelos de estar e os caramelos de ir e vir ou seja os colonos permanentes e os migrantes peridicos. este o entrecuzar de influncias que refora alis o melting pot e a identidade portuguesa complexa e diversa.

E a diviso regional? Apesar dos contrastes os aspectos comuns e as influncias diversificadas e entrecruzadas tomam difcil a definio das regies. Percebe-se alis a resistncia regionalizao. No fundo o que caracteriza as regies geogrficas de Portugal o padro mido e a rica variedade de aspecto e contrastes (p. 141). As transies so graduais e de novo o Mediterrneo e o Atlntico marcam os dilemas de definio. A Estremadura recorda a tica e o Lcio o Alentejo os planaltos cerealferos da Siclia mas apenas o Algarve constitui uma fmbria martima comparvel Fencia ou ao Levante Espanhol (p. 142). A faixa litoral portuguesa entrecortada por falhas e deslocaes de idade e natureza diversas por vagas erosivas e pelo contraste entre as gargantas fundas secas no Estio e os grandes rios vindos do centro da Pennsula. As regies so definidas pela alternncia entre as influncias mediterrneas e atlnticas o Norte Atlntico o Norte Transmontano e o Sul. primeira essencialmente ocenica contrape-se o bloco de regies interiores do Nordeste que as montanhas separam das influncias martimas; o baixo Mondego a orla do macio antigo e o sop da Cordilheira central limitam-nas a ambas do resto do Pais onde a meridionalidade se traduz pela dominncia progressiva do carcter mediterrneo (p.144).

O Norte Atlntico o tronco antigo e robusto da nao dominado pela abundncia de chuvas pela riqueza da terra e pela vitalidade das populaes. E uma regio de intensa diversidade e de policultura. O Porto velho o plo histrico indiscutvel da regio mas Braga pontua como sede do velho arcebispado. A diversidade urbana coexiste com a intensidade rural. As montanhas do Minho as serras do Douro e do Vouga assemelham-se mas o povoamento d-lhes mltiplas facetas na actividade e nas tradies. O Noroeste desta forma rima unidade natural definida pelo predomnio dos caracteres atlnticos unidade histrica mantida atravs de uma populao antiga e densa que pelo seu nmero e homogeneidade veio a constituir o elemento aglutinante do Estado portugus (p.148). Nesta sntese feliz Orlando Ribeiro d-nos o sinal das diferenas que se unem e se completam e dos elementos comuns. Sentimos a Histria a fazer sentido e os reinos cristos a espraiarem-se naturalmente para a Beira Alta em direco ao Mondego e Cordilheira Central passando pelo Do vincola e por Viseu e indo at Estrela enorme reservatrio de guas lmpidas e de grandes desnveis (p.149).

No Norte Transmontano a paisagem carrega-se de tons severos cinzentos acastanhados. A luz torna-se mais crua a terra mais dura e a gente mais retrada. Para c do Maro mandam os que c esto! O arvoredo rareia. Desapareceram os castanheiros a batata cultiva-se no planalto. A Terra Fria e a Terra Quente marcam uma paisagem de extremos. Nas vertentes do Douro os matagais deram lugar no sc. XVII aos formosos vinhedos do vinho fino nos terrenos de xisto. A Rgua o epicentro e dali sai o vinho Douro abaixo para se tornar do Porto sob os auspcios da colnia britnica. A praga da filoxera do sc. XX dizimou as vinhas. Algumas foram substitudas por amendoeiras e oliveiras. Mas o vinho continuou a ser o grande smbolo da regio que ainda se lembra a memria do Baro de Forrester morto no Douro quando a Ferreirinha D. Antnia se salvou

No Sul o Alentejo singulariza-se pela monotonia da plancie. Mas as terras meridionais so complexas e heterogneas comeando na zona de transio do sop da Cordilheira Central a sul do Fundo na Portela de Alpedrinha onde a cova da Beira anuncia as planuras de alm Tejo indo para oeste atravs da plancie aluvial do Mondego e da cidade de Coimbra at ao grande macio florestal de Leiria. Depois h o polimorfismo da Estremadura os macios calcrios os barros baslticos dos arredores de Lisboa o microclima da romntica Sintra a rea de influncia de grande metrpole mediterrnea e a pennsula de Setbal o santurio natural da Arrbida e a sua floresta mediterrnea. Para leste esto o Ribatejo a lezria Santarm e o vale celebrado por Garrett em As Viagens na Minha Terra que abre para sul na imensido de terra lisa ou apenas quebrada em frouxas ondulaes A est vora a cidade mais bela de Portugal no dizer do mestre repositrio vivo da histria portuguesa. E vm depois o Baixo Alentejo com Beja como centro e os dois Algarves a serra e a orla martima lugar de encanto e amenidades nenhuma outra regio portuguesa possui uma rede urbana to antiga to densa e to importante com uma profunda organizao romana e muulmana tendo esta passado quase intacta ao domnio portugus

O Portugal de Orlando Ribeiro uma encruzilhada de influncias entre o Mediterrneo e e Atlntico atenta complexidade e reversibilidade dos movimentos de uma geografia fundamentalmente humana. Por isso a severa disciplina da Cincia a que sempre foi fiel no deveria fazer perder a amorosa compreenso da terra e da gente que constitui a essncia da geografia. Est tudo dito.

MARQUS DE POMBAL E A RECONSTRUO DE LISBOA APS O TERRAMOTO DE 1750

"A nova cidade, exemplar nico do urbanismo das Luzes, foi planeada com rgua e compasso pela Razo. (...) a razo em pedra. Sem desvios nem fantasia." (Saraiva, Jos Hermano, Guerra, Maria Lusa, Dirio da Histria de Portugal, Madrid, Seleces do Reader's Digest, Maio de 1998, p.305 )

Foi com o terramoto de 1755 que o Marqus de Pombal adquiriu plena oportunidade de se afirmar como homem providencial ao lado do rei, estatuto que, at morte do monarca, no mais perderia. Pombal acabaria, alis, por substituir, na prtica, o rei em todos os assuntos de Estado.

Para que fosse possvel reedificar a cidade no mesmo local em que se encontrava, foi proibida a construo de casas novas na parte antiga, pelo que os seus moradores se viram obrigados a viver em barracas, sendo o exemplo dado pela nobreza e mesmo at pela famlia real. Carvalho e Melo incumbe, ento, o engenheiro-mor Manuel da Maia de uma srie de projectos a submeter s consideraes do monarca. Foi assim que se pensou fazer a reconstruo nos moldes da cidade antiga, quer com o alargamento das ruas, quer diminuindo a altura dos prdios. No entanto, ficou decidido, mais tarde, proceder a uma reedificao baseada num plano novo que tivesse em considerao o estilo e a segurana dos edifcios.

Deste grandioso projecto, o Marqus de Pombal incumbiu o arquitecto Eugnio dos Santos. O plano por este apresentado introduz um traado extremamente interessante, que se prolonga at S.Paulo, ao Convento de S.Francisco e, a norte, igreja de S.Roque. O traado aprovado alinha o lado poente das duas grandes praas do Rossio e do Terreiro do Pao, este agora com o dobro da dimenso do primeiro e totalmente regular. A uni-las encontram-se duas grandes ruas de quarteires homogneos, sendo os trs ltimos do lado do rio transversais e os restantes longitudinais. Os prdios passam a ter quatro andares e so maioritariamente erguidos por burgueses e ocupados por artfices que Pombal circunscreve s suas ruas. As novas ruas so dotadas de passeios, de modo a facilitar a circulao, so largas e arejadas, tendo as principais sessenta palmos de largura e quarenta as restantes. Garantia-se, assim, a liberdade de ar e luz bem ao gosto dos novos urbanistas. O Marqus de Pombal trouxera, alis, de Viena, ideias prprias acerca do urbanismo que mais convinha aplicar na capital. Os blocos habitacionais eram todos bastante semelhantes, distinguindo-se as fachadas apenas por certos pormenores estruturais ou decorativos, consoante a zona. As fachadas dos edifcios nas ruas principais exibiam portais com bandeiras, rodaps, janelas de sacada, com varandins no primeiro piso, vergas e guas-furtadas decoradas. As fachadas das mais importantes ruas secundrias ficavam privadas de varandim e de alguns requintes decorativos. As restantes fachadas no tinham sequer janelas de sacada e os vos eram desprovidos de corao.

A grande fachada desta Lisboa reconstruda ser, porm, o Terreiro do Pao, que exibe uma monumentalidade nica em toda a cidade. Esta a nica zona da Baixa a receber arcadas. O arco monumental que Eugnio dos Santos prev para o acesso Rua Augusta (o qual s ser construdo no sc. XIX e de forma bastante diferente ) retoma a memria de arcos triunfais efmeros erguidos no sc.XVI. Apesar disso, a nova praa constitui, no geral, um exemplo de ruptura com o passado, revelando-se como smbolo da racionalidade da nova arquitectura lisboeta, que valoriza a simplicidade e a eficcia aliadas maior economia de meios possvel. principalmente a burguesia que vai, no s ocupar, como tambm custear a nova cidade, sendo esta tambm a sua praa, onde se situam a Bolsa, a Alfndega, os tribunais e os servios pblicos. Em 1759 comea, j, a utilizar-se o nome que esta viria a receber oficialmente: Praa do Comrcio.

Dominada pelo racionalismo e pelas novas ideias iluministas de felicidade e harmonia do homem com a natureza, a Lisboa pombalina apresentar, igualmente, solues tcnicas bastante eficazes. O peso da engenharia militar na construo da nova cidade traduz-se no facto de a planta da Baixa lisboeta lembrar um gigantesco acampamento militar. tambm de sublinhar a inveno da gaiola, uma espcie de esqueleto feito com grossos barrotes de madeira e assente em estacas que atravessam o cho ao nvel dos alicerces, sendo a sua funo suportar os diversos pisos, apesar da possvel derrocada das paredes no decurso de um terramoto. Para evitar fogos introduziram-se corta-fogos e passou a deixar-se uma distncia calculada entre os prdios.

Em 1760, com a morte do arquitecto Eugnio dos Santos, o major Carlos Mardel que d continuao ao projecto de reconstruo da cidade. Ambos merecem o honroso ttulo de arquitectos da Lisboa nova. Depois de 1763, Reinaldo Manuel dos Santos quem passa a conduzir o projecto.

Vinte anos aps a catstrofe, o aspecto da Baixa lisbonense era j outro. O Senado da capital sugeriu, ento, a elevao de um monumento a D.Jos I, ideia que foi aprovada pelo Marqus de Pombal, isto se no mesmo sugerida por ele, visto que seu filho Henrique, segundo Conde de Oeiras, presidia, na altura, Cmara de Lisboa.

A admirvel inteligncia de Sebastio Jos de Carvalho e Melo transparece em todo o seu enrgico esforo reconstrutivo da cidade de Lisboa. Ele no se limita a conceber a vasta obra de reedificao de uma nova cidade, sob um plano de beleza e grandiosidade que contrasta com o velho burgo de ruas turtuosas e estreitas ainda patente nos bairros que conseguiram resistir violncia do sismo. Mais do que isso, Pombal impe-se tendncia do menor esforo, cujo propsito seria construir novamente a Lisboa anterior ao terramoto.

ORIGENS DA LITERATURA PORTUGUESA

A literatura portuguesa nasceu formalmente no momento em que surgiu o portugus lngua escrita, nos sculos XII e XIII. Ainda que seja provvel a existncia de formas poticas anteriores, os primeiros documentos literrios conservados pertencem precisamente lrica galego-portuguesa, desenvolvida entre os sculos XII e XIV com uma importante influncia na poesia trovadoresca provenal. Esta lrica era formada por canes ou cantigas breves, difundidas por trovadores (poetas) e segris (instrumentistas) e desenvolveu-se primeiro na Galiza e no Norte de Portugal. Mais tarde trasladou-se para a corte de Afonso X o Sbio, rei de Castela e de Leo, onde as cantigas continuaram a ser escritas em galego-portugus.

Os primeiros poetas conhecidos so Joo Soares de Paiva e Paio Soares de Taveirs, sendo de autoria deste ltimo a "Cantiga da Ribeirinha", tambm conhecida como "Cantiga da Garvaia" . Outros poetas desenvolveram sua arte na corte do rei D. Afonso III de Portugal e mais tarde na de D. Dinis, ambos monarcas protectores e impulsionadores da cultura livresca. O corpus total da lrica galaico-portuguesa, composto por 1685 textos, excluindo as Cantigas de Santa Maria, est reunido em Cancioneiros ou Livros das Canes: o Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Vaticana e Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (Colocci Brancuti), alm dos pergaminhos Vindel e Sharrer.

A prosa em portugus teve um desenvolvimento mais tardio que a poesia e no apareceu at o sculo XIII, poca em que adoptou a forma de breves crnicas, hagiografias e tratados de genealogia denominados Livros de Linhagens. No se conservou nenhum cantar de gesta portuguesa, mas sim, em mudana, livros de cavalaria, como a "Demanda do Santo Graal". Nesta poca escreveu-se ademais, possivelmente, a primeira verso, hoje perdida, do Amadis de Gaula, cujos trs primeiros livros foram escritos segundo algumas fontes por um tal Joo Lobeira, trovador de finais do sculo XIII. Estas narraes cavalheirescas, ainda que desprezadas pelos homens cultos de finais da Idade Mdia e do Renascimento, gozaram do favor popular, dando lugar s interminveis sagas dos "Amadises" e os "Palmerins", tanto em Portugal como em Espanha.

O SCULO XV

No final do sculo XIV, com a Crise de 1383-1385, inicia-se uma nova etapa na literatura portuguesa. Nesta poca, os reis continuaram ligados criao potica: o Rei D. Joo I de Portugal escreveu um Livro da Caa, e seus filhos D. Duarte I e Pedro, Duque de Coimbra compuseram tratados morais. Tambm nesta poca, um escriba annimo contou a histria herica de Nuno lvares Pereira na Crnica do Condestvel. A tradio cronstica portuguesa comeou com Ferno Lopes, quem compilou as crnicas dos reinados de D. Pedro I, D. Fernando I e D. Joo I, combinando a paixo pela exactido com uma especial destreza para a descrio e o retrato. Gomes Eanes de Zurara, que lhe sucedeu no posto como cronista oficial e escreveu a Crnica da Guin e das guerras africanas, igualmente um historiador bastante fivel, cujo estilo, no entanto, est afectado pelo pedantismo e a tendncia moralizante. Seu sucessor, Rui de Pina, evitou estes defeitos e ofereceu um relato se no artstico, pelo menos til, dos reinados de D. Duarte, D. Afonso V e D. Joo II. A sua histria do reinado deste ltimo monarca foi, tambm, reutilizada pelo poeta Garcia de Resende, que a enfeitou com episdios vividos por si em primeira pessoa e a publicou com o seu nome.

No campo da poesia, esta poca est marcada pela influncia da poesia renascentista italiana, em especial de Petrarca, que se introduziu na literatura portuguesa atravs da espanhola. Isto levou a que muitos autores, como Pedro Condestvel de Portugal, amigo de igo Lpez de Mendoza, escrevessem em castelhano. Evidncias da influncia da literatura italiana sobre a portuguesa nesta poca so o gosto pela alegoria ou pelas referncias Antiguidade Clssica. Nesta poca coleccionaram-se cancioneiros como o Cancioneiro Geral compilado por Resende, que contm o labor de uns 300 cavaleiros e poetas de tempos de D. Afonso V e D. Joo II e que foi inspirado por Juan de Mena, Jorge Manrique e outros poetas espanhis. A maioria destas composies eram poesias artificiosas e conceptuais de temtica amorosa ou satrica. Entre os escassos poetas que demonstraram um especial talento e verdadeiro sentimento potico se encontram o prprio Resende, autor de uns versos morte de Ins de Castro, Diogo Brando, autor de um Fingimento de Amores, ou o prprio Condestvel D. Pedro. No entanto, entre estes cancioneiros aparecem tambm trs nomes que estavam destinados a mudar o curso da literatura portuguesa: Bernardim Ribeiro, Gil Vicente e S de Miranda.

O SCULO XVI: O RENASCIMENTO

O Renascimento, como movimento artstico, cientfico e literrio, o que aqui interessa, floresceu na Europa nos sculos XIV ao XVI, valorizando os temas em torno do homem (o Humanismo) e a busca de conhecimento e inspirao nas obras da Antiguidade Clssica (o Classicismo).

O movimento teve incio na Itlia, sendo Petrarca, Dante e Boccaccio os seus maiores vultos literrios precursores. Francesco Petrarca, em O Cancioneiro, glorificou o amor na sua poesia lrica e fixa a forma do soneto, Dante Alighieri fez a sntese da alma medieval com o esprito novo em A Divina Comdia e Giovanni Boccaccio, no Decameron fez a crtica da sociedade do seu tempo.

O Cancioneiro Geral, publicado por Garcia de Resende em 1516, e referido no tpico precedente, o elo de ligao entre o sculo XV o sculo da introduo do Humanismo em Portugal e o sculo XVI sculo ainda do Humanismo, mas por excelncia do Classicismo. No Cancioneiro esto representados mais de duzentos poetas, sendo o Cancioneiro o repositrio da maior parte da produo potica portuguesa que est entre o fim do perodo literrio medieval e o incio do perodo clssico, entre eles o prprio Garcia de Resende com as famosas Trovas Morte de Ins de Castro, Gil Vicente e S de Miranda.

A LRICA E A PICA

O sculo XVI inicia-se com a introduo de novos gneros literrios provenientes do estrangeiro, sobretudo de Itlia. Entre eles temos a poesia pastoril, introduzida em Portugal por Bernardim Ribeiro; ao mesmo gnero pertencem as clogas de Cristvo Falco. Estas composies, assim como as Cartas de S de Miranda, foram compostas em versos de arte maior, desprezando-se a chamada medida velha (denominada tambm como "metro nacional" para distingui-lo do hendecasslabo de gosto italiano), a qual acabou por ser usada, por exemplo, por Cames nas suas "obras menores", por Gonalo Anes Bandarra nas suas profecias ou por Gil Vicente.

No campo da poesia lrica, alm do j citado S de Miranda, que introduziu as formas da escola italiana na literatura portuguesa (o soneto, a cano, a sextina, as composies em tercetos e em oitavas e os versos de dez slabas), cabe citar Antnio Ferreira, Diogo Bernardes, Pero Andrade de Caminha e Frei Agostinho da Cruz, todos eles seguidores da escola italiana, ainda que nas suas obras se possa apreciar certo artificialismo nos modelos, o que acontece menos nas obras de Frei Agostinho da Cruz.

A poesia pica desenvolveu-se sobretudo graas a Lus de Cames, que foi capaz de fundir os elementos clssicos com os elementos nacionais para criar uma poesia nova, e sobretudo uma verdadeira pica culta nacional, em especial em Os Lusadas. Os seus seguidores, entre eles Jernimo Corte-Real, Lus Pereira Brando, Francisco de Andrade, Gabriel Pereira de Castro, Francisco de S de Meneses ou Brs Garcia de Mascarenhas, nunca alcanaram o seu nvel, no passando as obras destes autores de crnicas em verso.

O TEATRO

Gil Vicente considerado o "pai do teatro portugus", graas aos seus quarenta e um peas (catorze em portugus, onze em castelhano e as demais bilngues). Entre elas existem autos e mistrios (de carcter sagrado e devocional) e farsas, comdias e tragicomdias (de carcter profano). Iniciou a sua carreira em 1502 com uma srie de obras religiosas, entre as quais se destaca o Auto da Alma e a trilogia dos Autos das Barcas. Mais tarde Gil Vicente experimentou o gnero satrico e finalmente desenvolveu a comdia, em obras como Farsa de Ins Pereira ou Floresta de Enganos. A ao dos seus autos simples, os dilogos inspirados e vivos e os versos, as mais das vezes, alcanaram uma grande beleza. Os dramaturgos que vieram depois no lhe foram superiores em talento. Os autores cultos que seguiram a Gil Vicente apenas conseguiram xitos razoveis: Jorge Ferreira de Vasconcelos foi o autor da primeira comdia em prosa, a Comdia Eufrosina, e Antnio Ferreira construiu com A Castro uma tragdia dbil, ainda que com alguns ecos de Sfocles. O teatro ajudou a desenvolver a literatura portuguesa.

A PROSA

A prosa, por seu lado, desenvolveu-se magistralmente durante o sculo XVI, sobretudo a prosa histrica e cientfica, as crnicas de viagens e a prosa religioso-moralista e filosfica.

As Dcadas de Joo de Barros, continuadas por Diogo do Couto, descreveram com mestria as faanhas dos portugueses na conquista do Oriente; Damio de Gis, humanista e amigo de Erasmo, descreveu com uma destacvel independncia o reinado do rei D. Manuel I de Portugal. Jernimo Osrio tratou o mesmo tema em latim, mas as suas interessantes Cartas apresentam um tom mais vulgar. Entre outros autores que trataram das viagens ao Oriente esto Ferno Lopes de Castanheda, Antnio Galvo, Gaspar Correia, Brs de Albuquerque, Frei Gaspar da Cruz e Frei Joo dos Santos. As crnicas reais ficaram nas mos de Francisco de Andrade e Frei Bernardo da Cruz; Miguel Leito de Andrada compilou um interessante volume intitulado Miscelnea.

A literatura de viagens desta poca demasiado extensa para ser resumida: os exploradores portugueses visitaram e descreveram a costa de frica, a Etipia, a Sria, a Prsia, a ndia, o Extremo Oriente e o Brasil. Sobressai como mostra deste tipo de obras a Peregrinao de Ferno Mendes Pinto, que narrou as suas aventuras num estilo vigoroso e colorido, assim como a Histria Trgico-Martima rene breves histrias annimas sobre naufrgios entre 1552 e 1604.

Os dilogos de Samuel Usque, um judeu de Lisboa, tambm merecem ser mencionados. Os temas religiosos eram objecto geralmente de tratados em latim, mas entre os autores moralistas que empregaram a lngua vulgar esto Frei Heitor Pinto, Frei Amador Arrais e Frei Tom de Jesus, cujos Trabalhos de Jesus foram traduzidos em vrias lnguas.

BARROCOEm geral, a literatura portuguesa do sculo XVII tem sido considerada inferior do sculo anterior, que por isso atinge a qualificao de Sculo de Ouro. Esta inferioridade atribuiu-se ao absolutismo da monarquia, e influncia da Inquisio, que imps a censura e o Index Librorum Prohibitorum. No entanto, pode apreciar-se um declnio geral, tanto poltico como cultural, da nao portuguesa neste sculo. O Gongorismo e o marinismo manifestam-se nos poetas "seiscentistas", impondo o gosto pelo retrico e o obscuro. A revoluo que levaria Independncia de Portugal em 1640 no conseguiu no entanto investir a tendncia descendente, nem atenuar a influncia cultural de Espanha, de maneira que o castelhano seguiu sendo o idioma mais empregado entre as classes dominantes e entre os autores que procuravam uma audincia mais ampla, tendo os autores portugueses de sculos anteriores sido esquecidos como modelos. Esta influncia estrangeira foi especialmente forte no teatro: os dramaturgos portugueses escreveram em castelhano, de maneira que o portugus s foi empregue em peas religiosas de escasso valor ou em comdias engenhosas como as de Francisco Manuel de Melo, autor de um Auto do Fidalgo Aprendiz. Nesta poca surgiram diversas Academias de nomes exticos que tentaram elevar o nvel geral das letras portuguesas, mas que se perderam em discusses estreis e ajudaram ao triunfo do pedantismo.

POESIA LRICANo sculo XVII continuaram a produzir-se obras do gnero pastoril, como as de Francisco Rodrigues Lobo, melodiosas ainda que artificiosas. D. Francisco Manuel de Melo, autor de sonetos morais, escreveu tambm imitaes de romances populares, como o Memorial a Juan IV, bem como os engenhosos Aplogos Dilogos, e a filosofia domstica da Carta de Guia de Casados, em prosa. Outros poetas deste perodo so Soror Violante do Ceo e Frei Jernimo Bahia, gongoristas, Frei Bernardo de Brito, autor da Sylvia de Lizardo e os escritores satricos Toms de Noronha e Antnio Serro de Castro.

PROSANo sculo XVII foi em general mais produtivo no campo da prosa que no do verso: floresceram a historiografia, a biografia, a eloquncia religiosa e o gnero epistolar. Os principais historiadores desta poca foram monges que trabalhavam nas suas instituies e no, como no sculo anterior, viajantes ou conquistadores, testemunhas dos factos narrados; isto fez que em general fossem melhores estilistas que historiadores. Por exemplo, dentre os cinco autores que contriburam para a extensa obra Monarquia Lusitana, s Frei Antnio Brando estava consciente da importncia da evidncia documental. Frei Bernardo de Brito, por exemplo, comeou a obra com a Criao e terminou-a onde deveria t-la comeado, confundindo constantemente lenda e verdade histrica. Frei Lus de Sousa, famoso estilista, trabalhou com materiais anteriores para criar a famosa hagiografia Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mrtires e seus Anais do Rei D. Joo III. Manuel de Faria e Sousa, historiador e comentarista da obra de Cames, elegeu o castelhano como meio de expresso, como Melo quando se props relatar as Guerras Catals, enquanto Jacinto Freire de Andrade relatou numa linguagem grandiloquente a vida do vice-rei justiceiro D. Joo de Castro.

A eloquncia religiosa atingiu sua mxima altura neste sculo, no qual a originalidade e o poder imaginativo dos seus sermes fizeram com que o portugus Padre Antnio Vieira fosse considerado em Roma como o "Prncipe dos Oradores Catlicos". Os discursos do horaciano Manuel Bernardes podem ser considerados um modelo clssico de prosa portuguesa. A escritura epistolar est representada por sua vez por autores como Francisco Manuel de Melo, Frei Antnio das Chagas e pelas cinco cartas que compem as Cartas de Soror Mariana Alcoforado.

NEOCLASSICISMO

A afectao marcou a literatura portuguesa da primeira metade do sculo XVIII, poca a partir da qual so notrias algumas mudanas graduais que desembocariam na grande reforma literria conhecida como Romantismo. Distintos homens que fugiram para o estrangeiro para escaparem do despotismo reinante contriburam para o progresso intelectual da nao durante os ltimos anos do sculo. Verney criticou, por exemplo, os obsoletos mtodos educativos e exps a decadncia literria e cientfica da nao no Verdadeiro Methodo de Estudar, enquanto as diversas Academias e Arcdias trabalharam por conseguir a pureza do estilo e a dico e traduziram melhor os clssicos estrangeiros.

AS ACADEMIASA Academia da Histria, estabelecida por Joo V em 1720, imitao da francesa, publicou quinze volumes de Memrias e fundou as bases do estudo crtico dos Anais portugueses; entre seus membros estavam Caetano de Sousa, autor de uma volumosa Histria da Casa Real, ou o bibligrafo Barbosa Machado. A Real Academia das Cincias, fundada em 1780, fez algo similar com respeito crtica literria, ainda que este labor tenha sido levado a cabo fundamentalmente por outras instituies similares, as Arcdias.

POESIA: AS ARCDIASDentre as Arcdias, equivalente literrio das Academias, a mais importante era a Arcdia Lusitana (tambm conhecida como Arcdia Olissiponense) estabelecida em 1756 pelo poeta Antnio Dinis da Cruz e Silva, com a inteno de "formar uma escola que sirva de bom exemplo em eloquncia e poesia". Esta Academia inclua alguns dos escritores mais influentes de sua poca: Pedro Antnio Joaquim Correia da Serra Garo comps uma Cantata de Dido, bem como sonetos, odes e epstolas; os versos buclicos de Domingos dois Reis Tira tinham a singeleza e a doura dos de Bernardim Ribeiro, enquanto o poema pico-satrico Hyssope, do prprio Cruz e Silva, satirizava os tipos sociais locais e a galo-mania da poca com humor. As disputas internas levaram dissoluo da Arcdia em 1774, que tinha j, no entanto, contribudo para elevar a qualidade dos textos e introduzir novas formas poticas na literatura portuguesa. Infortunadamente, alguns dos seus elementos no s imitaram os clssicos greco-latinos e os poetas renascentistas portugueses mas desenvolveram um estilo frio e cerebral, com expresso excessivamente acadmica. Muitos dos poetas da Arcdia seguiram o exemplo do Mecenas da poca, o Conde de Ericeira e dedicaram-se a nacionalizar o pseudo-classicismo que tinham aprendido em Frana.Em 1790 nasceu uma Nova Arcdia, a que pertencia Manuel Maria Barbosa du Bocage, que poderia talvez ter chegado a ser um grande poeta em outras circunstncias. O seu talento levou-o, no entanto, a reagir contra a mediocridade geral e no se conseguiu elevar a grande altura de maneira sustentada, apesar de os seus sonetos competirem com os de Cames. Tambm foi um mestre da poesia breve e improvisada, que empregou com sucesso em sua Pena de Talio contra Jos Agostinho de Macedo. Este sacerdote era um autntico ditador literrio, e em sua obra Vs Burros ultrapassou a todos os demais poetas na agressividade de suas invectivas, chegando a ter tentado substituir os Lusadas de Cames com uma obra pica inferior, Oriente. No aspecto positivo, escreveu notveis obras didcticas e odes aceitveis e as suas cartas e panfletos polticos mostram conhecimentos e versatilidade. Contudo, a sua influncia no ambiente literrio de Portugal foi mais negativa que positiva.

Dos restantes membros das Arcdias, o nico autor que merece ser mencionado Curvo Semedo. Dentre os "dissidentes" autores que se mantiveram fora destas Arcdias , h trs que mostraram independncia criativa: Jos Anastcio da Cunha, Nicolau Tolentino e Francisco Manuel do Nascimento, mais conhecido como Filinto Elsio. O primeiro comps versos filosficos e ternos, o segundo retratou os costumes e manias de sua poca em quintilhas cheias de talento e realismo e o terceiro viveu no exlio em Paris mantendo o culto pelos poetas do sculo XVI, apurando a lngua de galicismos e enriquecendo-a com numerosas obras, originais e traduzidas: ainda lhe faltasse imaginao, os seus contos ou cenas da vida portuguesa apresentam um interessante cariz realista e as suas tradues em verso livre de os Mrtires de Chateaubriand so de destacar. Pouco antes da sua morte converteu-se ao Romantismo e contribuiu para preparar o caminho de seu sucessor, na pessoa de Almeida Garrett.

PROSAA prosa do sculo XVIII est fundamentalmente dedicada a temas cientficos, ainda que as cartas de Antnio da Costa, Antnio Ribeiro Sanches e Alexandre de Gusmo tenham valor literrio verdadeiro e as de Carvalheiro de Oliveira, menos correctas do ponto de vista do estilo, sejam tambm teis como fonte de informao.

TEATROApesar de a Corte portuguesa ter sido restabelecida em Lisboa em 1640, manteve-se o gosto da elite pelas peras italianas e as obras teatrais francesas, em lugar das representaes vernculas. Em comeos do sculo XVIII surgiram numerosos autores que tentaram em vo fundar um teatro nacional. Suas obras pertencem em geral ao gnero cmico. Por outra, as "peras Portuguesas" de Antnio Jos da Silva, produzidas entre 1733 e 1741, tm verdadeira fora cmica e certa originalidade e, como as de Nicolau Luiz, denunciam com talento os vcios e debilidades de sua poca. O ltimo autor, por outra parte, dividia sua ateno entre as comdias hericas e as "comdias de capa e espada" que obtiveram uma longa popularidade. Ao mesmo tempo, os autores das Arcdias propuseram-se elevar o regular da cena portuguesa, tomando a sua inspirao dos dramaturgos franceses contemporneos. Mas, em geral, faltava-lhes talento e conseguiram poucos avanos reais. Garo escreveu duas comdias brilhantes; Domingos dos Reis Tira, vrias tragdias, e Manuel de Figueiredo recompilou obras em prosa e verso sobre temas nacionais, com as quais encheu treze volumes; foi, no entanto, incapaz de criar personagens duradouros.

ROMANTISMO E REALISMO

POESIAEm incios do sculo XIX, a literatura portuguesa experimentou uma revoluo literria iniciada pelo poeta Almeida Garrett, que tinha entrado em contacto com o Romantismo ingls e francs durante o seu exlio e que decidiu basear suas obras na tradio nacional portuguesa. No seu poema narrativo Cames (1825) rompeu com as regras estabelecidas de composio; seguiram-lhe Flores sem Fruto e a coleo de poemas amorosos Folhas Cadas. A sua elegante prosa est recolhida na obra miscelnea Viagens na minha terra.

Entre os primeiros seguidores de Almeida Garrett encontra-se Alexandre Herculano, cuja poesia est cheia de motivos patriticos e religiosos e de reminiscncias de Lamennais. O movimento tornou-se ultra-romntico em mos de autores como Castilho, um mestre do verso escasso de ideias, ou nos versos de Joo de Lemos ou do melanclico Soares de Passos. Toms Ribeiro, autor do poema patritico D. Jaime, sincero em seus contedos, mas segue os excessos desta escola no seu gosto pela forma e a melodia.

Em 1865, um grupo de jovens autores liderados por Antero de Quental e pelo futuro presidente Tefilo Braga rebelou-se contra a dominao das letras portuguesas ostentada por Castilho, e, influenciadospor tendncias estrangeiras, proclamou a aliana da Filosofia e da Poesia. Uma feroz guerra de panfletos contribuiu para a queda de Castilho e a poesia ganhou com isso profundeza e realismo, tornando-se tambm anticrist e revolucionria. Como poeta, Quental deixou sonetos elegantes mas pessimistas, inspirados no neo-budismo e nas ideias agnsticas provenientes da Alemanha, enquanto Braga, positivista, criou uma pica da humanidade, Viso dos Tempos.

Guerra Junqueiro recordado principalmente como o poeta irnico de Morte de D. Joo, mas em Ptria tambm conseguiu invocar Dinastia de Bragana em algumas cenas poderosas, e em Vs Simples interpretou a natureza e a vida rural luz de sua imaginao pantesta. Antnio Gomes Leal, por sua vez, foi um poeta anticristo com toques de Baudelaire, enquanto Joo de Deus, um dos poetas mais importantes de sua gerao, no pertencia a nenhuma escola e tomava sua inspirao das mulheres e a religio. Os seus primeiros poemas, reunidos em Campo de Flores, esto marcado por uma ternura e um misticismo sensual muito portugueses.Outros poetas interessantes desta poca so o sonetista Joo Penha, o parnasiano Gonalves Crespo ou o simbolista Eugnio de Castro.

TEATRODepois de produzir algumas tragdias clssicas, das quais se destaca Provo, Almeida Garrett props-se reformar a cena portuguesa a partir de uma perspectiva autnoma, ainda que tenha tomado algumas das suas ideias da escola anglo-alem. Com o objectivo de criar um teatro realmente nacional, elegeu temas da histria portuguesa e, comeando por Um auto-de Gil Vicente, criou uma srie de obras em prosa que culminaram com Frei Lus de Sousa, obra prima do teatro portugus. Os seus imitadores, Mendes Leal e Pinheiro Chagas, caram no ultra-romantismo, mas Fernando Caldeira e Gervsio Lobato escreveram pequenas comdias vivas e engenhosas, e Joo da Cmara produziu obras de carcter regional que tiveram sucesso inclusivamente fora de Portugal. Mais tardias foram as obras de Lopes de Mendona, Jlio Dantas, Marcelino Mesquita ou Eduardo Schwalbach, que continuaram a nova linha iniciada por Almeida Garrett.

ROMANCEA novela decimonnica portuguesa iniciou-se com obras histricas ao estilo de Walter Scott, escritas por Alexandre Herculano, ao que seguiram Rebelo da Silva com A Mocidade de D. Joo V, Andrade Corvo, e outros. A novela de costumes deve-se em Portugal a Camilo Castelo Branco, um rico ficcionista que descreve a vida da primeira metade do sculo em Amor de Perdio, Novelas do Minho e outros. Gomes Coelho (mais conhecido como Jlio Dinis), foi um escritor idealista, romntico e subjetivo, conhecido sobretudo por sua obra As Pupilas do Senhor Reitor. Mas sem dvida o maior artista do realismo portugus Jos Maria de Ea de Queiroz, ao que pode se considerar fundador do naturalismo portugus, e autor de obras como Primo Baslio, Correspondncia de Fradique Mendes ou A Cidade e as Serras. Suas personagens sempre so criaturas vivas, e muitos de seus bilhetes descritivos e satricos se converteram em clssicos. Entre os romancistas menores desta poca cabe assinalar, por ltimo, a Pinheiro Chagas, Arnaldo Gama, Lus de Magalhes, Teixeira de Queiroz e Malheiro Dias.

OUTROS GNEROS EM PROSAA histria converteu-se em uma cincia em mos de Herculano, cuja Histria de Portugal to valiosa por seu contedo como por seu estilo; Joaquim Pedro de Oliveira Martins, por sua vez, criou interessantes personagens e cenas em suas obras Os Filhos de D. Joo e Vida de Nuno lvares. As Farpas, de Ramalho Ortigo, distingue-se por seu sentido do humor, ao igual que as obras de Fialho de Almeida e Jlio Csar Machado. A crtica literria, por outro lado, est representada sobretudo por Luciano Cordeiro e Moniz Barreto. A revista Panorama, dirigida por Herculano, ostentava uma importante influncia sobre as letras portuguesas nesta poca, influncia que foi desaparecendo com o passo dos anos.

SCULOS XX E XXIA princpios do sculo XX surgiu o grupo da "Renascena Portuguesa", em torno da revista A guia, e ao redor do qual se integrava o movimento conhecido como Saudosismo, nostlgico e subjetivo, e cujo mximo representante era o poeta Teixeira de Pascoaes. No entanto, o grande poeta de comeos do sculo Fernando Pessoa, quem no atingiu um grande sucesso em vida, mas que depois de sua morte tem passado a ser considerado a par de Cames como o melhor poeta portugus de todos os tempos. Sua obra potica baseia-se na inveno de diferentes vozes poticas ou heternimos (lvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Bernardo Soares, entre outros), a cada um deles com uma personalidade e um estilo potico prprios. Outro poeta desta poca, que compartilhou pginas com Pessoa na revista modernista Orpheu foi Mrio de S-Carneiro, poeta que se suicidou em Paris em 1916. Tambm Jos Rgio sobressaiu como poeta e dramaturgo.

Em meados do sculo, surgem duas tendncias opostas na literatura portuguesa: um deles em torno da revista Presena, mais prxima ao Modernismo, ainda Idealista, e o outro e em oposio a esse, constituiu-se como Neo-Realismo, de feio Materialista, politicamente "engag" em confronto com o regime salazarista, em torno da coleco Novo Cancioneiro, com figuras como lvaro Feij, Joo Jos Cochofel, Carlos de Oliveira ou Manuel da Fonseca. Tambm nesta poca existia o grupo surrealista de Lisboa, cujas figuras principais eram Antnio Pedro, Mrio Cesariny de Vasconcelos e Alexandre O'Neill.

No caso do teatro, e tambm em meados do sculo XX cabe destacar as figuras de Jlio Dantas, Raul Brando e Jos Rgio. O contexto poltico da ditadura fomentou posteriormente uma nova literatura "de interveno", que se popularizou graas a nomes como Bernardo Santareno, Lus Francisco Rebelo, Jos Cardoso Pires ou Lus de Sttau Monteiro.

A princpios dos anos 1970, em plena ditadura, publicaram-se uma srie de obras em prosa e em verso de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa que publicaram uma grande polmica, devido ao seu contedo ertico e feminista; sua publicao foi proibida, e s puderam reimprimir-se depois da queda da ditadura. Outra poetisa destacada desta mesma poca foi Sophia de Mello Breyner Andresen, autora de uma ampla obra potica.

Nos ltimos anos do sculo XX, e a comeos do XXI, a literatura portuguesa em prosa tem demonstrado uma grande vitalidade, graas a escritores como Antnio Lobo Antunes e sobretudo o Prmio Nobel de Literatura Jos Saramago, autor de novelas como Ensaio sobre a cegueira, O Evangelho segundo Jesus Cristo ou A caverna.

POESIANa poesia, Lus de Cames e Fernando Pessoa so considerados como estando entre os maiores poetas portugueses de todos os tempos, aos quais se pode acrescentar Eugnio de Andrade, Florbela Espanca, Cesrio Verde, Mrio de S-Carneiro, Sophia de Mello Breyner, Antnio Ramos Rosa, Mrio Cesariny, Antero de Quental, Herberto Helder, Antnio Aleixo, Bartolomeu Valente entre outros.

PROSANa prosa, Damio de Gis, Padre Antnio Vieira, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Ea de Queirs, Sror Mariana Alcoforado, Miguel Torga, Fernando Namora, Jos Cardoso Pires, Teolinda Gerso, Antnio Lobo Antunes e Jos Saramago (prmio Nobel) so nomes de grande relevo.

TEATRONo teatro, destaca-se a figura maior de Gil Vicente, porm nomes como Antnio Jos da Silva e Bernardo Santareno merecem ser citados.9