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História de Pernambuco

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História de Pernambuco

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO BRASIL COLONIAL

As causas da Expansão Marítima

As atividades comerciais desenvolvidas a partir das Cruzadas eram desfavoráveis para o Ocidente, pois os produtos oferecidos por esses não apresentavam grandes valores, por não serem tão necessários aos muçulmanos, forçando um grande fluxo de metais ocidentais para o Oriente, especialmente a prata amoedada. Sendo assim, a busca de novas fontes de metais preciosos era necessária e urgente. (as minas européias esgotavam-se rapidamente).

A busca de novas fontes de metais se reforçava também em função da recuperação econômica européia, que saia do atoleiro do século XIV. Com o aumento da oferta,o preço dos produtos agrícolas sofreram uma grande queda, recuperando dessa forma o preço dos metais preciosos.

Já na primeira metade do século XV, grandes quantidades de ouro em pó vinham de algumas cidades, como Maghreb, no norte da África, que tinham sua origem na região subsaariana, classificada vagamente como Sudão. Outras cidades como Ceuta, Argel Oran e Tânger também serviam de base para os mercadores cristãos e árabes.

Alguns Estados da Europa mediterrânea habilitavam-se para empreender a busca deste ouro africano. Em primeiro lugar, estava Gênova, que mantinha há muito comércio com o norte da África, tendo inclusive feitorias nas cidades portuárias do Marrocos e, possivelmente, tendo atingido as ilhas Canárias no século XIV. Em segundo lugar, havia os aragoneses, senhores de uma poderosa rede de comércio ligando Barcelona, Valência e Palma de Mallorca com a Itália, a Sicília, a Sardenha, o Marrocos e a Tunísia. Por fim, surge no início do século XV, Portugal.

As bases da Expansão Marítima remontam no Renascimento comercial da Baixa Idade Média, como já foi trabalhado. Todavia, a crise geral do feudalismo, especialmente a partir do século XIV, forçaria a Europa Ocidental a expandir suas fronteiras geográficas e ampliar as populações a serem exploradas.

Portugal, por vários motivos, acabou tendo o pioneirismo no processo marítimo:

• o papel do Infante Dom Henrique (1394-1460) e de sua Escola de Sagres;

• autonomia, com tendência a voltar-se para fora: (Lisboa já se especializava, com a ajuda dos genoveses, em um grande centro comercial de longas distâncias, nos séculos XIII e XIV, que se aprofundou com as relações econômicas dos lusos com o mundo islâmico do Mediterrâneo);

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• Portugal se unifica e fica menos sujeito a disputas internas e a revoltas camponesas, ao contrário de França ou Inglaterra;

• A Revolução de 1383-1385:com a morte de Dom Fernando, em 1383, o último rei da dinastia Borgonha, não deixando herdeiro, abre-se uma profunda crise (1383-1385). D. Beatriz, casada com Dom João I, rei de Castela, apoiados pela grande nobreza lusa, invade Portugal, desencadeia uma guerra que ao mesmo tempo em que é de independência coloca Dom João, o Mestre de Avis, filho bastardo do Rei Pedro I, no poder do país, que se apóia nas camadas “populares”, contra uma tentativa feudalizante de Castela;

• Reagrupamento dos setores sociais em torno do Mestre de Avis: Dom João, meio-irmão do rei e mestre da Ordem de Avis, se articula em um partido “nacional”, tentando anular o poder da nobreza latifundiária, que se encontrava enfraquecida em decorrência da crise do feudalismo e, por isso, buscava apoio na nobreza de Castela;

• O gosto pela aventura, que dominava a mentalidade da época desde as Cruzadas;

“O ataque a África unia ambas as condições: a possibilidade de acesso ao ouro e às especiarias e a manutenção do espírito de cruzada. Ao mesmo tempo, surgia a possibilidade do acesso a terras conquistadas e a criação e distribuição de uma série de cargos civis, militares e religiosos que, ao lado de tenças, mercês e dotes, seriam distribuídos aos fidalgos”.

(Francisco Carlos Teixeira da Silva)

• O desenvolvimento das técnicas de navegação, a “nova mentalidade”, o aperfeiçoamento de instrumentos como o quadrante e o astrolábio, arquitetura naval mais apropriada (caravelas, a partir de 1441) e a nova mentalidade de humanistas portugueses (Duarte Pacheco Pereira, Diogo Gomes e Dom João de Castro), valorizando o conhecimento oriundo da experimentação;

• Atração pelo ouro e pelas especiarias:o ouro (moeda confiável e empregado, em larga escala, pelos aristocratas asiáticos na confecção de palácios e templos bem como na fabricação de roupa) e as especiarias (do latim, especia), substância, utilizada como condimento, remédio ou perfumaria. A noz-moscada, o gengibre, a canela, o cravo, a pimenta (a principal), o açúcar, o café, peixe, madeira, os corantes, as drogas medicinas, os escravos, entre outros;

• A ocupação da costa africana e as feitorias: segundo Magalhães Godinho, os principais interesses de Portugal no Marrocos seriam: ser uma zona cerealífera, tendo Portugal, nesse momento, problemas de abastecimento; ser uma área de criação de cavalos e cabras; a chegada, na região das rotas com o ouro sudanês e também pelo fato de Ceuta ser um núcleo mercantil importante, que negociava tecidos, utensílios de cobre, cera, mel, peixes secos, entre outros. A conquista de Ceuta, em 1415, é considerada por muitos o início desse processo (abrir caminho na busca do ouro do Sudão e controlar a pirataria árabe no litoral de Portugal, bem como uma grande expedição da nobreza, promovida pelo rei, em busca de saque e aventura).

Com a morte do infante Dom Fernando, a partir de 1437, Portugal encontrou uma forte resistência no norte da África. Tendo conhecimento que as rotas comerciais vinham do centro e do sul do continente africano, Portugal inicia a organização de expedições que visavam atingir, na origem, esses produtos.

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Durou 53 anos, da passagem de Gil Eanes, em 1434, pelo Cabo Bojador, até 1487, com Bartolomeu Dias ultrapassando o Cabo da Boa Esperança. Sem penetrar no interior, os portugueses fundaram as feitorias (postos fortificados de comércio, o que indica o caráter precário do comércio, que ainda depende da arma). Dirigida por um feitor, responsável pela compra e estocagem das mercadorias até a chegada dos navios portugueses, as feitorias estabeleceram o monopólio real sobre o ouro. Data desse período as primeiras trocas comerciais entre “nativos” e portugueses. Esses, traziam da região de Granada cavalos, trigo, tecidos, prata e sedas e trocavam por ouro, plumas, peles, marfim, entre outros produtos.

A partir de 1444, quando os portugueses ultrapassaram o cabo Verde e entraram em contato com populações mais organizadas da África, já islamizadas, o “comércio mudo” trocava sal português por ouro em pó.

A ocupação das ilhas do Atlântico

"Como bem destaca Lúcio de Azevedo: ´iniciada a passagem à África, as mesmas necessidades da conquista impunham o alargamento dela.’

Portugal era, ao mesmo tempo, obrigada a voltar-se para outro vetor de expansão: o Mar Oceano, a costa ocidental africana e as ilhas atlânticas. Impulsionado por dois motivos básicos mudava, ou ampliava, sua política de expansão: de um lado o relativo fracasso da conquista de Ceuta, após os lucros imediatos auferidos no saque e, de outro, a pressão constante do reino de Aragão pela ocupação das fabulosas 'Islã Afortunadas’, o arquipélago das Canárias.

Estas ilhas tinham sido visitadas por navios genoveses, por expedição de Dom Afonso IV (1325-1357) de Portugal e explorada regularmente por navegadores aragoneses, interessados na sua exploração, como nos explica Luís de Albuquerque, visando: produtos tintoriais, provenientes de vegetais da ilha; apresamento de escravos, que seriam vendidos na Europa e colonização agrícola”.

(Francisco Carlos Teixeira da Silva)

Portugal procurou implantar o cultivo de cereais panificáveis não somente em função do fracasso de Ceuta como também pelos problemas de desabastecimento do país. Nelas, o plantio em larga escala e o uso da mão-de-obra escrava (na Madeira, por volta de 1420, nos Açores, em torno de 1427, nas ilhas de Cabo Verde, em 1460, e na de São Tomé, em 1471). São Tomé, situada no Golfo da Guiné, se destacou, a semelhança do Brasil, em um importante centro produtor de açúcar. Com a crise do século XVII, essa colônia se transformou em um grande entreposto de escravos vindos do interior do continente.

“Portugal, com seus exíguos 89 mil quilômetros quadrados de terras nem sempre hábeis para a agricultura, possuía, no final do século XIV, um milhão de habitantes, com uma ampla população urbana concentrada em Lisboa e, bem menos, no Porto, Setúbal e Viana do Castelo.

A situação econômica de Portugal era precária, devastado pela guerra recente com Castela e exaurido pelas campanhas militares, desastrosas, de Dom Fernando I”.

(Francisco Carlos Teixeira da Silva)

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A chegada ao Brasil

Em junho de 1499, chegava a Portugal a primeira nau de regresso da Índia. A 9 de março de 1500, partia do Rio Tejo, em Lisboa, uma frota de 13 navios e 1500 homens a mando de Dom Manuel sob o comando de um jovem fidalgo, Pedro Álvares Cabral, com objetivo de consolidar a viagem de Vasco da Gama. Em 21 de abril, chegavam ao Brasil.

Os índios

Os dois principais grupos de índios brasileiros praticavam uma agricultura bastante adaptada ao intertrópicos, tendo como produto principal, a mandioca.

Por volta do ano mil antes de Cristo, os dois grupos se encontravam entre Rondônia, o Amazonas e a Bolívia. Mudanças climáticas podem ter iniciado os movimentos migratórios. Os tupis marcharam até o Paraná e, daí, iniciaram a caminhada para o norte, atingindo a Bahia no século XIII. Já os arawak foram para o norte, povoando a Amazônia, os primeiros degraus do planalto perúvio-boliviano e atingindo, mais ao norte, as Antilhas.

Quando chegaram ao litoral, os tupis-guaranis já desenvolviam a cerâmica, tendo domesticado a mandioca, feijão, abóbora, a batata-doce, o amendoim, a banana e o milho.

O plantio se desenvolvia em clareiras que, depois de esgotadas, entravam em um período de repouso.

Os índios, como todas as comunidades não-mercantis, não assimilavam a necessidade do trabalho duro para a produção de grandes excedentes, o que rendeu a esses povos a fama de “vagabundos” e indolentes. A resistência indígena ao processo de aculturamento não tardou. No Rio de Janeiro, os tamoios formaram forte resistência à penetração dos europeus no continente.

Na chegada dos portugueses havia no Brasil uma população indígena de cerca de dois milhões. As populações ameríndias já apresentavam uma grande uniformidade cultural e lingüística, podendo ser distinguidos dois grupos: os tupi-guaranis e os arawak (distribuídos pela Amazônia ocidental até os altiplanos da Bolívia e Peru). Os primeiros ocupavam praticamente toda costa brasileira. Os tupis ou tupinambás ocupavam do norte até o atual Estado de São Paulo; os guaranis, de São Paulo até o extremo sul. Os tapuias representam uma grande variedade de grupos (aimoré Tremembé ou goitacás).

“Caçador de escravos”. Jean Baptista De Bret

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Em 1570, a Coroa publicou a primeira lei proibindo a escravidão indígena.

“O Brasil nunca pertenceu à zona nuclear do povoamento pré-colombiano, o que quer dizer que a densidade de sua população autóctone no momento do contato inicial era muito menor do que a então existente na Meso-América ou na Zona Andina Central. A falta de estudos como os que já existem para outras partes das Américas, ignoramos a magnitude da catástrofe demográfica no caso brasileiro. As epidemias, facilitadas em sua expansão pela concentração forçosa dos índios em aldeias na segunda metade do século XVI, a destruição do sistema social e cultural que conheceram até então, a escravidão e o desenraiza mento através do intenso tráfico interno de cativos, nas zonas costeiras cedo dizimaram a população indígena.

A densidade demográfica pré-colombiana bem inferior em média à do Indo – América nuclear, catástrofe demográfica irreversível em zonas tropicais baixas como a da costa brasileira: eis aí fatores de peso na explicação de que o Brasil colonial na sua maior parte integrasse o setor afro-americano das Américas, não o indo-americano, no tocante à população e às formas de trabalho.”

(Ciro Flamarem Santana Cardoso.)

Os períodos do Brasil Colonial

1. Da chegada de Cabral à formação do Governo Geral (1500-1549): reconhecimento e posse da terra e um pequeno comércio.

2. Do Governo Geral até o final do século XVIII (1549-1790): montagem da empresa colonizadora.

3. Da crise do Antigo Regime à Independência (1790-1822): crise do sistema colonial português.

Tentativas iniciais de exploração

A Terra dos Papagaios. Assim foi chamado o Brasil por informantes italianos, o que evidencia que a chegada não foi muito comemorada, como tinha ocorrido com a viagem de Vasco da Gama. Poderia ser apenas uma ilha, com animais exóticos e índios. O Rei Dom Manuel chamou as terras descobertas de Vera Cruz e logo de Santa Cruz. Em 1503, o nome Brasil começou a aparecer.

As primeiras tentativas de exploração do Brasil se basearam no sistema de feitorias, como na costa africana. Arrendado por três anos a um consórcio de comerciantes de Lisboa, liderado por Fernão de Loronha ou Noronha, durando até 1505. Essa fase inicial (1500-1535), a principal atividade econômica foi a extração do pau-brasil, conseguido principalmente a partir da troca com os índios, que ofereciam a madeira e, em menor escala, farinha de mandioca, trocadas por peças de tecido, facas, canivetes e outros objetos de pouco valor.

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“Na verdade, Portugal auferia enormes lucros decorrentes da carreira das Índias e da exploração do litoral africano, não se dispondo, assim, a transferir recursos, homens e navios para a ocupação da Nova Terra, cujo retorno imediato era dado apenas por madeira tintorial, papagaios e pimenta.

O sistema de feitorias caracterizava-se, fundamentalmente, pelo predomínio dos interesses da burguesia mercantil lusitana e, como nos diz Fernando Novais, se circunscrevia nos limites da circulação de mercadorias. O grande lucro dos portugueses dava-se na diferença entre os preços de compra e venda na raridade nos produtos fornecido à Europa, o que garantia seus preços compensadores. O processo produtivo seja das especiarias seja do ouro africano era desconhecido e, ao preço de aquisição, somava-se o cálculo dos gastos na armação das frotas e sua equipagem. Para a manutenção de tal esquema, onde as proporções dos lucros advêm das condições de circulação das mercadorias, era essencial que Portugal garantisse a exclusividade no fornecimento dos produtos orientais e africanos.”

(Francisco Carlos Teixeira da Silva.)

Início de colonização:

As Capitanias Hereditárias

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A expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1533) marca o início dessa nova fase. Patrulhar a costa, estabelecer uma colônia através da concessão não-hereditária de terras aos povoadores que trazia (São Vicente, 1532) e explorar a terra foram seus objetivos. Dom João III optou então pelo uso das Capitanias Hereditárias, 15 quinhões entregues aos capitães-donatários (pequena nobreza, burocratas e comerciantes, todos ligados com a Coroa. Entre os donatários, Martim Afonso, experiente navegador, Duarte Coelho, militar no Oriente, com êxito em Pernambuco, Jorge Figueiredo Correia, comerciante e escrivão e Pero do Campo Tourinho. Antes de 1532, Fernão de Noronha recebeu a primeira capitania no Brasil. Como o comércio com as Índias e com as ilhas do Atlântico era mais atrativo, a grande nobreza acabou não participando da ocupação inicial do território.

Recebendo a posse, e não a propriedade da terra, os donatários tinham extensos poderes econômicos (arrecadação de tributos) e administrativos.

“A instalação de engenhos de açúcar e de moinhos de água e o uso de depósitos de sal dependiam do pagamento de direitos; parte dos tributos devidos à Coroa pela exploração do pau-brasil, de metais preciosos e de derivados da pesca cabiam também aos donatários. Do ponto de vista administrativo, eles tinham o monopólio da justiça, autorização para fundar vilas, doar sesmarias (extensão de terra virgem doada a um sesmeiro, com a obrigação – raramente cumprida – de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa), alistar colonos para fins militares e formar milícias sob seu comando. Assim, o sistema de capitanias hereditárias reproduzia algumas relações da sociedade medieval no Brasil, como o uso das banalidades, entre outros”.

(Boris Fausto)

As capitanias, imensos tratos de terra, foram distribuídas entre fidalgos da pequena nobreza – já que os grandes se interessavam mais pelas Índias ou por ter terras no Reino e suas ilhas adjacentes – e funcionários da burocracia monárquica, muitos de extração burguesa, e, mesmo, com estreitas ligações com cristãos-novos, judeus recém-convertidos.

A Carta de Doação e o Foral asseguraram, juridicamente, a ocupação da terra. A primeira cedia ao donatário 10 léguas a partir da costa, divididas em lotes, isentos de tributação, com exceção do dízimo. Possibilitava a fabricação de moendas e moinhos de água e garantia a posse da terra no restante da capitania.

O Foral tinha por objetivo definir o percentual do lucro do donatário em relação à exploração do solo e subsolo.

As Capitanias de São Vicente e Pernambuco

Doada a Duarte Coelho, com larga experiência no Oriente, a capitania de Pernambuco foi organizada com o capital proveniente da venda de suas terras em Portugal. Auxiliado por emigrantes portugueses com experiência agrícola, introduziu a cana-de-açúcar no Brasil. Por volta de 1570, 30 dos 65 engenhos brasileiros encontravam-se em Pernambuco.

Martim Afonso de Sousa introduziu o cultivo da cana na capitania de São Vicente. Contudo, por ser um ponto bastante avançado em direção ao sul, a região rapidamente estabeleceu fortes relações comerciais com a região do Prata, que comprava da capitania escravos índios, provavelmente usados nas minas do Peru e na plantação de mate, no Paraguai.

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Dois documento básicos conforme a tradição do povoamento de terras no Portugal da Reconquista, regiam o sistema de capitanias: a carta de doação e o foral, que garantiam os direitos do capitão-donatário e suas obrigações frente à Coroa, na seguinte forma: a) o capitão-donatário tinha o “senhorio”, conforme o costume medieval, das moendas de água, engenhos de açúcar e das marinhas de sal, cujo acesso obrigava os colonos ao pagamento de direitos; b) tinha o direito de escravizar e mandar vender, em Portugal, 24 peças – índios apresados – por ano; c) ficava com a vintena (5%) sobre o valor da exportação do pau-brasil, metade da dízima do pescado, a redízima (1/10) das rendas da Coroa, a dízima dos metais e os direitos de passagens dos rios, portos e “outras águas”.

Mais importantes, no processo de colonização, eram os amplos poderes de que dispunham os capitães no tocante à administração pública:

a) tinham o monopólio da alta e da baixa justiça;

b) visando promover o povoamento tinham o direito de doar sesmarias;

c) tinham, ainda, o comando militar e o direito de alistar os colonos e formar milícias.

A falta de recursos, desentendimentos internos, inexperiência, ataques dos índios e a descentralização administrativa acabaram levando ao fracasso desse modelo, com a sabida exceção das capitanias de São Vicente e Pernambuco. Aos poucos, as capitanias foram sendo recuperadas pela Coroa e, entre 1552 e 1554, o Marquês de Pombal completou a passagem do domínio privado para o público.

O Governo Geral

O aparecimento dos primeiros sinais de crise no comércio das Índias, as derrotas militares portuguesas no Marrocos e o fato da Espanha ter encontrado a grande mina de prata de Potosí, em 1545, levou Portugal a criar o Governo Geral, mandando para o Brasil Tomé de Souza, importante fidalgo com experiência na África e na Índia, em 1549, representando um passo importante na administração colonial, terminando assim a tentativa de exploração do Brasil controlada por particulares.

Com aproximadamente mil pessoas, entre elas quatrocentos degradados, foram criados alguns cargos importantes:

• ouvidor: administração e justiça;

• capitão-mor: vigilância da costa;

• provedor–mor: controle e crescimento da arrecadação.

Em 1588, a arrecadação proveniente do Brasil era de apenas 2,5% das rendas da Coroa, enquanto a Índia correspondia com 26%. Aumentar o peso do Brasil nessa proporção era fundamental.

Os primeiros jesuítas chegaram nesse momento, entre eles, Manoel da Nóbrega. A organização do clero se efetiva com a criação, em 1532, do bispado de São Salvador, sujeito ao arcebispo de Lisboa. A construção de salvador foi uma obra importante do primeiro governador geral, pois essa seria a capital do Brasil até 1763.

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Um grande esforço de centralização política foi feito nesse momento, que não atingiu o objetivo em função da precária comunicação entre as capitanias.

Conforme o Regimento de Tomé de Souza, os principais problemas a serem enfrentados eram a pirataria, sobretudo francesa, e os ataques indígenas. Porém, não menos desestabilizadores eram os conflitos entre os colonos: disputa entre comerciantes e lavradores, entre as autoridades prepotentes e colonos, e entre colonos.

O processo de colonização iniciado pelo governador geral passava principalmente pelo assentamento dos colonos, por isso o incentivo à implantação dos engenhos, a organização de feiras regulares, entre outras ações.

Trazidos de Cabo Verde, Tomé de Souza distribuía, como forma de pagamento de soldos, gado bovino (Garcia d`Ávila, criado do governador-geral, recebeu duas cabeças de gado e, dois anos depois, já possuía duzentos, o que iria lhe transformar em um dos maiores latifundiários da história da América).

Com a fundação de Salvador é introduzida a organização das câmaras, chamadas em Portugal de conselhos.

Vitor Meireles. A primeira missa no brasil. 1861 – 1879

O Trabalho Compulsório

A falta de trabalhadores europeus que pudessem migrar para a América levou Portugal a pensar uma forma de mão-de-obra conveniente para os fins da colonização. Inicialmente, o índio foi utilizado, mas, em seguida substituído lenta e parcialmente pelo negro. Essa substituição foi bastante heterogênea. Nos centros econômicos mais prósperos ela ocorreu de forma menos demorada (açúcar) e nos menos prósperos (São Paulo), apenas no século XVIII, com a descoberta do ouro, os índios foram substituídos pelos negros.

A escravização do índio (em decorrência das guerras justas, guerras defensivas, como punição pela prática da antropofagia, ou pela compra de prisioneiros de outras tribos) contou com uma grande rede de resistência dentro do quadro dos interesses coloniais: a inexistência do trabalho

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intensivo e da escravidão nas suas estruturas sociais; a facilidade das fugas em massa, por estarem em seus territórios e as catástrofes demográficas provenientes das epidemias (sarampo, varíola, gripe, etc.) que, entre 1562 e 1563 mataram, somente no litoral, 60 mil índios.

Em 1758, a Coroa determinou a libertação dos índios de forma definitiva.

Assim, em 1570 incentivou-se a importação de escravos africanos e, no final do mesmo século, o comércio de escravos já estava estruturado e lucrativo. Muitos escravos negros tinham suas origens em sociedades que já conheciam o uso do ferro e da criação de gado, o que facilitou o processo de aculturamento.

Calcula-se que, na primeira metade do século XVII o custo do escravo, na economia açucareira, era amortizado em 16 meses e, no século XVIII, quando seu custo subiu bastante, em 30 meses. Estima-se que entre 1550 e 1850 entraram no Brasil 4 milhões de escravos pelos portos, majoritariamente, jovens do sexo masculino

Escravo usando a máscara de flandres.

A Guiné (Bissau e Cacheu) e a Costa da Mina foram as regiões que mais forneceram escravos para o Brasil no século XVI. A partir do século XVII, as regiões mais ao sul, Congo e Angola, assumiram esse papel, pelos portos de Luanda, Benguela e Cabinda. Já no século XVIII, 70 % dos escravos negros tinham sua origem em Angola.

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Numa classificação reducionista costuma-se classificar os escravos negros em dois grupos: os sudanese (iorubas, jejes, tapas, hauçás) provenientes da África ocidental, Sudão egípcio e da costa norte do Golfo da Guiné e os bantos (angolas, bengalas, monjolos, moçambiques), da África equatorial e tropical, de parte do Golfo da Guiné, do Congo, Angola e Moçambique.

Os centros importadores mais importantes foram: Salvador, que contava com o fumo como forte moeda de troca, e o Rio de Janeiro, que recebeu principalmente escravos de Angola.

O Exclusivo Colonial

No sistema colonial o exclusivismo se manifestou de várias formas diferentes: grupos comerciais metropolitanos, companhias de comércio, exploração direta do Estado ou puramente o arrendamento. Contudo, o momento mais forte do monopólio somente se deu no século XVIII, quando o Marquês de Pombal, tentando diminuir a influência da Inglaterra na economia portuguesa, consolidou as práticas exclusivistas.

Durante o processo da colonização, Portugal não se comportou de forma homogênea na aplicação das práticas exclusivistas. Não somente o contrabando como também por outros elementos, diversos países também se beneficiaram do lucro decorrente do Brasil. No século XVI, os holandeses foram importantes “sócios” portugueses, transportando sal e vinho lusitanos e açúcar brasileiro, em troca de produtos manufaturados, como tecidos, queijos ou cobre, e, no século XVII, a Inglaterra se beneficiaria largamente com o comércio do Brasil.

Resumindo todo esse longo processo de oscilação do “exclusivo” colonial, podemos dizer que houve uma fase de relativa liberdade comercial de 1530 até 1571, data em que o rei Dom Sebastião decretou a exclusividade dos navios portugueses no comércio colonial, coincidindo, aliás, com os anos iniciais da grande expansão da economia açucareira. O período da chamada união das duas Coroas (1580-1640), quando o rei da Espanha ocupou também o trono de Portugal, caracterizou-se por crescentes restrições à participação de outros países no comércio colonial, visando especialmente a Holanda, que estava em guerra com a Espanha. Mesmo assim, há notícias de um tráfego regular e direto entre o Brasil e Hamburgo na Alemanha, por volta de 1590.

Após o fim do domínio espanhol, com a aclamação de Dom João IV como rei de Portugal, seguiu-se uma breve fase de “livre comércio”, com pouca regulamentação e ausência de controle sobre o mercado colonial de importação. Mas, em 1649, passou-se a um novo sistema de comércio centralizado e dirigido, por meio de frotas. Com capital obtido principalmente de cristãos-novos, foi criada a Cia. Geral de Comércio do Brasil. A partir de 1694, a Cia. foi transformada em órgão governamental.

Entretanto, a criação da empresa não impediu concessões feitas por Portugal à Holanda e especialmente à Inglaterra. Um bom exemplo disso é o tratado imposto por Cromwell em 1654, em que se garantia aos ingleses o direito de negociar com a colônia brasileira, exceto no tocante aos produtos monopolizados pela Cia. Geral de Comércio.

O sistema de frotas só foi abandonado em 1765, quando o marquês de Pombal resolveu estimular o comércio e restringir o crescente papel dos ingleses. Isso se fez através da criação de novas companhias (Cia. do Grão-Pará e Maranhão; Cia. de Pernambuco e Paraíba), que representaram as últimas expressões nítidas da política mercantilista no Brasil.

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A Grande Propriedade Agroexportadora

A monocultura voltada para o mercado externo, com o uso da mão-de-obra escrava caracteriza o plantation. Todavia, estudos recentes demonstram que a Coroa não estimulava apenas esse tipo de ocupação. A plantação voltada para o mercado interno também era incentivada. E mais, não se pode esquecer a importância de brancos e pequenos proprietários, bem como um campesinato.

Outro ponto geralmente esquecido pela historiografia tradicional é a acumulação urbana. A acumulação de capitais nas mãos de um reduzido, mas poderoso grupo, principalmente a partir do século XVIII, no Rio de Janeiro, por capitais investidos no tráfico de escravos. Esse importante grupo diversificava sua atuação em investimentos em prédios urbanos, na usura e nas operações de importação e exportação.

O Estado e a Igreja Católica foram as duas instituições básicas na administração do mundo colonial. Ao Estado coube o papel de garantir a soberania portuguesa sobre o Brasil, desenvolver sua administração e o povoamento, resolver os problemas decorrentes da mão-de-obra e consolidar o sistema colonial.

A Igreja, como educadora, teve um importante papel de veicular a idéia geral de obediência. Estando presente no cotidiano das pessoas, a igreja ficou subordinada ao Estado através do padroado real (ampla concessão da Igreja de Roma ao Estado português, em troca da garantia estatal na organização da Igreja nas terras colonizadas). Cabia também à Coroa nomear os bispos e criar dioceses.

O controle do Estado sobre a Igreja foi, de certa forma, limitado pela forte influência dos jesuítas na Corte, processo apenas controlado pelo marquês de Pombal.

As Instituições da Administração Colonial

“Entre as figuras de cúpula, destacavam-se os governadores das capitanias, especialmente os das mais importantes. Acima deles, ficava o governador-geral. A partir de 1763, quando a sede do governo foi transferida da Bahia para o Rio de Janeiro, tornou-se comum a outorga ao governador-geral, pelo rei, do título de Vice-Rei e Capitão-Geral do Mar e Terra do Estado do Brasil. Os vice-reis tinham extensas atribuições, dispondo do conjunto das forças armadas. Representavam e encarnavam, à distância, a pessoa do monarca português. Os demais órgãos administrativos podem ser agrupados em três setores: o Militar, o da Justiça e o da Fazenda. As Forças Armadas de uma capitania compunha-se de tropas de linha (contingente regular e profissional permanentemente em armas, quase sempre formado por regimentos portugueses), das milícias (tropas auxiliares, recrutadas entre os habitantes da colônia, para serviço obrigatório e não remunerado) e dos corpos de ordenança ( todo o resto da população masculina entre 18 e 60 anos, (exceto os padres).

Os órgãos da Justiça, às vezes com funções administrativas eram representados por vários juízes, entre os quais se destacava o ouvidor da comarca, nomeado pelo soberano por três anos. “Por sua vez, o principal órgão encarregado de arrecadar tributos e determinar a realização de despesas era a Junta da Fazenda, presidida também pelo governador de cada capitania.”

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As Câmaras Municipais

Eram compostas de membros natos, ou seja, não eleitos, e de representantes eleitos. Votavam nas eleições, que eram geralmente indiretas, os “homens bons” (proprietários residentes na cidade, excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é, negros, mulatos e cristãos-novos). Nos primeiros tempos da colônia, Câmaras como a de São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo tornaram-se, de fato, a principal autoridade das respectivas capitanias, sobrepondo-se aos governadores. Posteriormente, o seu poder diminuiu, refletindo a concentração da autoridade nas mãos dos representantes da Coroa.

As Câmaras possuíam finanças e patrimônios próprios. Arrecadavam tributos, nomeavam juízes, julgavam crimes, cuidavam das vias públicas, das pontes e chafarizes incluídos no seu patrimônio.

As Divisões Sociais

O princípio da pureza do sangue era o principal fator de distinção e discriminação social. Cristãos-novos, negros, mesmo livres, índios e muitos mestiços não podiam ocupar cargos de governo, receber títulos de nobreza ou participar de irmandades. Todavia, a principal forma discriminatória era a separação de pessoas e não-pessoas, livres e escravos, considerados juridicamente como coisas.

No fim do período colonial negros e mulatos representavam 75 % da população de Minas Gerais, 68% de Pernambuco, 79% da Bahia, 64% do Rio de Janeiro e 44% de São Paulo. Os cativos não eram todos usados na lavoura. Houve escravos alugados para prestação de serviços e, nos centros urbanos, havia os escravos de ganho, que prestavam serviços ou vendiam mercadorias, pagando para os seus senhores uma taxa diária ou semanal. Outro dado importante é a quantidade de africanos e afro-brasileiros livres ou libertos. No início do século XIX, 42% da população negra ou mulata eram formados por esses.

As pessoas livres da colônia dividiam-se em três grupos: nobreza, clero e o povo e na hierarquia das profissões o “ser senhor de engenho” correspondia, no Brasil, aos títulos de fidalgos do reino, enquanto as atividades comerciais eram colocadas em segundo plano.

No alto da pirâmide social, ficavam os grandes proprietários rurais, os comerciantes voltados para o comércio exterior e, ao longo dos anos, os grupos concentrados no Rio de Janeiro que se dedicavam, principalmente, ao tráfico de escravos, às inversões imobiliárias e à usura. Os grandes comerciantes desempenhavam, desde cedo, um papel estratégico na vida da colônia. Descreveram uma curva de ascensão social e política.

O Açúcar

No litoral nordestino deu-se o início da colonização brasileira, concentrando a vida social e econômica até meados do século XVIII, e tendo Salvador como capital, até 1763. O açúcar, até o século XV, era ainda uma especiaria usada como remédio ou tempero exótico. Teve sua origem na Índia, atingindo a Pérsia e, futuramente, levado pelos árabes para a costa oriental do Mediterrâneo, introduzido na Sicília e na península Ibérica.

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Todavia, apenas na década de 1530 e 1540 que a produção brasileira desenvolveu uma base sólida. Com tecnologia vinda da Ilha da Madeira, engenhos foram construídos em várias capitanias. O Engenho de São Jorge dos Erasmos provavelmente foi o maior de todos, sendo de propriedade do próprio Martim Afonso de Souza, em sociedade com estrangeiros. No Rio de Janeiro, até o século XVIII, a cachaça, e não o açúcar, foi o principal subproduto da cana, que foi utilizada como importante moeda de troca no comércio de escravos com Angola. Os maiores centros produtores do açúcar foram Pernambuco e Bahia, que combinavam os elementos naturais com a proximidade dos centros importadores europeus.

O Engenho

Formado pela casa-grande, carros de transporte, pastagens, gado, escravos, senzala e a plantação de cana, o engenho excluía o processo de refino, que não foi feito no Brasil e nem em Portugal.

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Sendo muito custoso a sua montagem, Portugal teve que, inicialmente, apelar para os investimentos estrangeiros, principalmente flamengos e italianos. Contudo, já no século XVII, essas fontes foram perdendo sua importância. Na Bahia, os investimentos das instituições religiosas e beneficentes (Misericórdia, a Ordem Terceira de São Francisco ou o Convento de Santa Clara do Desterro) passaram a ser mais importantes.

Os principais centros importadores estavam em Amsterdã, Londres, Hamburgo e Gênova, que influenciavam bastante a cotação do açúcar no mercado internacional, por maiores que fossem os esforços de Portugal para manter o monopólio.

Também foi na atividade açucareira que se deu de forma mais transparente a transição da mão-de-obra escrava indígena para a negra. Entre 1550-1560 praticamente ainda não havia negros na atividade, sendo a mão-de-obra formada por índios. Em 1574, os africanos participavam com 7% da força de trabalho. Contudo, em 1591, essa já era de 37% e, por volta de 1638, totalizavam a maioria.

Tendo diferentes origens (membros de família nobres, altos funcionários públicos, imigrantes com recursos, comerciantes, etc.) os senhores de engenho se transformaram numa aristocracia de poder e riqueza, vivendo com fortes contatos com o exterior pelo fato dos engenhos estarem localizados perto dos portos e também pela necessidade de ampliar o contato com o mercado internacional.

De forma intermediária entre senhores e escravos, temos os libertos e os trabalhadores brancos ligados aos serviços especializados (artesãos e mestres-de-açúcar), bem como os plantadores livres, que não possuíam engenhos mas vendiam seus produtos para terceiros, formando o maior contingente de homens livres no mundo colonial português.

As fases do açúcar

Entre 1570 e 1620, houve um grande momento de expansão determinado pela ausência de concorrência e pelo aumento do consumo nos mercados europeus. Porém, com a Guerra dos Trinta Anos (1618) e com as invasões holandesas, o comércio demonstrou sinais de debilidade. Na década de 1630 o nosso produto passou a contar com a concorrência das ilhas das Antilhas (Holanda, Inglaterra e França). Elevando os preços dos escravos, que também foram usados como fonte de trabalho nessas regiões, o Brasil jamais voltaria a viver os bons tempos do início do século XVII, mas o açúcar nunca perdeu o papel de importância na economia colonial, visto ser esse produto, ainda em 1760, correspondente a 50% do valor total das exportações, acompanhada pelo ouro, com 46%.

Segundo R. Simonsen, até o final do século XVIII, o valor da produção açucareira alcançava os 300 milhões de libras esterlinas, enquanto a mineração, no mesmo período, alcançou uma cifra de 200 milhões.

O açúcar sofreu as mesmas restrições impostas ao tabaco. Tanto o Conselho Ultramarino como os vice-reis muito se preocuparam com o crescimento exagerado das plantações de cana em detrimento da produção de alimentos voltada para o mercado interno.

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Se, na Bahia, essas restrições não foram eficazes, tornando a região dependente da compra de alimentos a partir de uma rede de abastecimento interno, o Rio de Janeiro, com suas freguesias de Majé, Iguaçu, Irajá e Macacu, atingiram a auto-suficiência de alimentos, abastecendo não somente as naus portuguesas como também cidades como Salvador e Recife e as colônias de Sacramento e Angola.

De qualquer forma fica, a nosso ver, evidente que o projeto plantacionista – quem diz Brasil diz açúcar, embora pudéssemos aplicar o princípio a outros produtos – era um projeto perseguido bem mais pela classe dominante colonial, senhores de engenho, lavradores, de cana e de tabaco, e da burguesia portuária local envolvida no tráfico destes produtos, do que um projeto da Coroa portuguesa, concebido em torno de um sentido único da empresa colonial.

O Fumo

O nordeste brasileiro, no ponto de vista econômico e social, não foi apenas açúcar, pois a região possibilitou uma diversificação significativa, com o fumo, por exemplo.

No final do século XVII, os esforços revitalizantes de Dom Pedro II expandiram o cultivo do tabaco na Bahia, em torno da Baia de Todos os Santos, em Cairu, Jaguaribe, Cachoeira e Boipeba, assim como no Rio de Janeiro. Em 1707, período de maior produção, as plantações do tabaco já se espalhavam até o Maranhão.

O destino do tabaco era bastante diversificado. Uma parte seguia em direção à metrópole, outra para o consumo interno e uma terceira era direcionada para a Costa da Mina e Angola, onde era trocado por escravos. Contudo, uma quantia significativa da produção caia nas mãos dos holandeses pela prática do contrabando, que se estabeleciam entre o litoral da Nigéria e Angola.

A maior parte da produção era proveniente da Bahia, de onde, entre 1698 e 1704, partiram 112 navios, carregando 36.965.368 arrobas de fumo, relançando a economia agrícola de grande parte do recôncavo, em particular de Cairu e Cachoeira.

O crescimento da produção possibilitou, no Rio de Janeiro, a criação do Contrato do Tabaco, em 1695. Segundo Jean-Baptiste Nardi havia no período quatro vetores importantes do tabaco: Brasil/Lisboa/Mercados europeus; Brasil/Índia/Macau; Brasil/África e o mercado interno brasileiro.

O rápido retorno e a necessidade de poucos investimentos do tabaco levaram muitos agricultores que, anteriormente estavam ligados à plantação de gêneros alimentícios, a abandonarem suas produções, em especial a mandioca, para se dedicarem ao plantio do fumo. Com isso, em 1686, a Coroa, por alvará régio, ordenou a erradicação das novas plantações que anteriormente estavam ocupadas por produtos alimentícios. Em 1704, a vila de Maragojipe teve suas plantações erradicadas por ordem do vice-rei.

No início do século XVIII, um importante anel de plantadores de fumo se desenvolveu em torno de Salvador, estendendo-se até o rio São Francisco.

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A Pecuária

Inicialmente desenvolvida nas proximidades dos engenhos, a pecuária foi sendo “empurrada” para o interior. Já em 1701, a Coroa proibia a criação numa faixa de oitenta quilômetros do litoral, o que contribuiu significativamente para o desbravamento do sertão (Piauí, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará).

Dando origem a grandes propriedades ainda no fim do século XVII, a concentração fundiária possibilitou a formação de fazendas com um milhão de hectares, maiores que Portugal. Além destes grandes núcleos, outros menores também se desenvolveram, como na ilha de Marajó, abastecendo Belém; os Campos de Goitacases, abastecendo o Rio de Janeiro e o sul de Minas, suprindo a área mineradora.

A expansão da pecuária no sertão nordestino se deu a partir da introdução do gado por Tomé de Souza, se espalhando ao redor de Salvador e Olinda, os mais importantes núcleos do litoral, que formaram dois importantes pólos irradiadores desta atividade.

A corrente baiana, a partir de 1590, depois da conquista de Sergipe, levou o gado até o rio São Francisco, onde a existência de barreiras salinas determinou uma rápida expansão das fazendas de criação, ocupando o que Capistrano de Abreu chamou de “sertão de dentro”, isto é, o território do atual Estado da Bahia. Atravessando o rio São Francisco, ela povoou sua margem esquerda, que pertencia à Pernambuco, e, procurando atingir a bacia do Parnaíba, desbravou o sul do Piauí, e do maranhão, de onde atingiu o Ceará. A corrente pernambucana, apesar de menos significativa, atingiu também o rio São Francisco, que se transformou em um condensador de populações a partir das primeiras décadas do século XVII. Por outro lado, a expansão pernambucana tomou também a direção norte, conquistando o sertão de Fora (costa da Paraíba e do rio Grande do Norte), atingindo o Ceará.

A pecuária do sul do país (de Curitiba ao Rio Grande do Sul) encontrou condições extremamente favoráveis – relevo suavemente ondulado, clima ameno, muitos rios e vegetação rasteira, formada principalmente por gramíneas e algumas leguminosas – quando comparada com a situação nordestina.

A pecuária foi responsável pela ocupação dessa região e de sua integração com ao território colonial, visto ser a área pertencente inicialmente a Espanha, segundo o Tratado de Tordesilhas.

As boiadas que chegavam à Bahia constavam de 100 a 300 cabeças de gado, conduzidas por brancos, mulatos, pretos ou índios ”que com este trabalho procuravam ter algum lucro”, em jornadas que vão a seis léguas, por vezes até vinte léguas. Antonil assim descreve as sucessivas etapas da condução da boiada, entre o produtor até o seu destino final: o produtor confia a boiada ao “passador”, que a leva de Jacobina, por exemplo, até a feira de Capuema, lugar distante oito léguas de Salvador, onde há bons pastos e se torna o ponto de encontro dos marchantes. Nessa jornada ganhavam os boiadeiros e guias um cruzado “por cabeça da dita boiada”, correndo os gastos da jornada por conta dos boiadeiros, bem como os riscos de perda do gado.

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As invasões holandesas

Sendo o maior conflito político-militar da vida colonial brasileira, as invasões holandesas representaram um grande esforço militar e financeiro não só de Portugal como também de forças locais.

A crise sucessória em Portugal, que levou ao fim da dinastia de Avis (1580), possibilitando a União Ibérica foi um fator decisivo nas invasões estrangeiras. Os holandeses iniciaram a pilhagem na costa africana (1595) e em Salvador (1604) demonstrando uma grande vontade política de atacar bases portuguesas no além mar. A Trégua dos Doze Anos (1609-1621) trouxe uma pequena estabilidade nas relações internacionais entre Espanha e Holanda. Todavia, com a criação da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, constituída com capitais estatal e particular, a Holanda iniciava uma nova fase de ataque às áreas produtoras de açúcar, tentando também controlar as áreas fornecedoras de escravos.

Ocupando Salvador, em 1624, os holandeses desencadearam uma resistência por parte dos homens bons, que se refugiaram nas fazendas próximas à capital, sob o comando de Matias de Albuquerque e do bispo Dom Marcos Teixeira. Em maio de 1625, com a chegada de uma frota de 52 navios e mais de 12 mil homens, os holandeses se renderam.

Em 1630, era a vez de Pernambuco ser atacada, sendo Olinda conquistada. A chegada holandesa na capitania marcaria o início de um conflito que pode ser dividido em três momentos:

• 1630-1637: marcado por uma guerra de resistência, que acabou afirmando a dominação holandesa na região entre o Ceará e o rio São Francisco, contando com a participação de tropas portuguesas, castelhanas e mercenários napolitanos;

• 1637-1644: caracterizou-se por uma relativa paz nas mãos do príncipe holandês Maurício de Nassau, responsável pela implementação de várias realizações políticas e administrativas (venda à crédito dos engenhos abandonados pelos seus antigos donos, obrigação do plantio de mandioca para solucionar parcialmente o problema do desabastecimento, liberdade de culto para os criptojudeus, entradas de artistas – Frans Post -, melhoramentos no Recife, elevado à categoria de capital substituindo Olinda, entre outros). Nassau regressou para a Holanda em 1644, em função de problemas com a Cia. das Índias Ocidentais;

• 1645-1654: definiu-se pela reconquista.

Com o fim da União Ibérica, a partir da ascensão de Dom João IV ao trono de Portugal, os principais centros de resistência estavam em Pernambuco, destacando-se as figuras de André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, juntando-se também os negros Henrique Dias e o índio Filipe Camarão. Com as duas vitórias nas Batalhas de Guararapes (1648-1649), a crise da Cia. das Índias Ocidentais e o início da guerra entre Inglaterra e Holanda, em 1652, os holandeses foram definitivamente derrotados em 1654.

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A expulsão dos holandeses fortaleceu o nativismo pernambucano, transformando essa região, até 1848, em um grande polo de contestação colonial.

A colonização do território

Norte

A realidade da região norte foi bastante diferente daquela vivida na região nordeste. Prevalecendo o trabalho escravo indígena e com pouca integração com o mercado europeu, a colonização da região aconteceu de forma lenta e gradual. O interesse de Portugal somente foi despertado com a invasão francesa no Maranhão, em 1612. A fundação de Belém data de 1616, sendo a cidade a base para a penetração a partir do rio Amazonas. Em 1690, os portugueses ocuparam a boca do rio Negro, perto de onde hoje se localiza Manaus. A Coroa, sob domínio da Espanha, criou o Estado do Maranhão e do Grão-Pará, separando a administração local da administração do restante da colônia.

A língua dominante no norte, até o século XVIII foi a “língua franca”, variante do tupi, denunciando uma forte miscigenação da população, fortalecida pela escassez de mulheres portuguesas. No mesmo período, a falta de moedas incentivava o comércio a base de escambo, ou utilizando pano de algodão ou cacau como moeda.

De forma geral, a economia nortista se baseou na extração das “drogas do sertão”, produtos como baunilha, salsaparilha e, principalmente, o cacau nativo, extraído por índios e mestiços ao longo dos rios e levados para troca em Belém. Com forte concentração indígena, a região acabou concentrando uma grande quantidade de ordens religiosas. Estima-se que cerca de 50 mil índios viviam, em 1740, em aldeias franciscanas e jesuíticas, destacando-se a atuação do padre Antônio Vieira. Os conflitos entre os colonos e os jesuítas levaram à expulsão dos últimos definitivamente em 1759.

A Amazônia portuguesa manteve-se durante toda época colonial como região pobre e subpovoada. Entre 1650 e 1750, sua economia baseou-se na coleta de recursos florestais –” as drogas do sertão “- e na escravização de índios na região do rio Negro, atual Estado do Amazonas, levando-os para o que é hoje o Estado do Pará.

Cacau selvagem, salsaparrilha e pau-cravo eram recolhidos na floresta amazônica por trabalhadores recrutados através de ordens administrativas nas numerosas missões espalhadas ao longo do Amazonas e do baixo curso de seus afluentes. Era proibida a repartição de índios entre colonos para tarefas agrícolas, mas isto se fazia correntemente. Havia, ainda, um setor agrícolasubsidiário constituído: por pequeno número de grandes propriedades (engenhos e fazenda de gado) que empregavam escravos e libertos índios e, ilegalmente, índios das missões repartidos; pelo setor agrícola das próprias missões; por um campesinato variado (pequenos proprietários ou posseiros livres, brancos, índios ou mestiços; atividades autônomas dos escravos índios nas parcelas que recebiam em usufruto no interior das fazendas.

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Sudeste e do Centro-sul

A colonização da Capitania de São Vicente manteve o modelo clássico da agroindústria. Todavia, essa atividade não prosperou em função de elementos trabalhados no texto anterior (concorrência nordestina). Como no norte, a concentração de índios atraiu os jesuítas, destacando-se os padres Nóbrega e Anchieta, que fundaram a povoação de São Paulo, transformada em vila em 1561.

A fragilidade da agroindústria, a forte presença de índios, a disputa entre colonizadores e missionários pelo controle daqueles e a escassez da moeda aproxima bastante essa região da região Norte.

O plantio de uva, do algodão e principalmente de trigo, combinados com outras atividades possibilitou uma forte interiorização da população. Criadores de gado subiram em direção ao nordeste, chegando, inclusive, ao vale do Rio São Francisco . No sul, atual Paraná, o gado paulista ocupou regiões até a Banda Oriental, atual Uruguai. Imigrantes do Arquipélago dos Açores e paulistas fundaram Laguna em Santa Catarina, em 1684.

Contudo, a maior contribuição deixada pelos paulistas fora as Bandeiras, expedições formadas pelos colonos e por milhares de índios, muitas vezes, que passavam meses e até anos, buscando metais preciosos e índios para serem escravizados. Nas bandeiras, o número de índios e de mamelucos foi sempre maior que o de brancos (a bandeira de Manuel Preto e Raposo Tavares, em 1629, era formada por dois mil índios, novecentos mamelucos e apenas 69 brancos). Tomando a direção de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, expedições como a de Raposo Tavares percorreu entre 1648e 1652, 12 mil quilômetros, contando, muitas vezes, com o apoio da Coroa.

Outro papel importante dos bandeirantes foi a repressão de populações não submetidas ao controle colonial. Domingo Jorge Velho e Matias Cardoso de Almeida, combateram, no Rio Grande do Norte, os indígenas na Guerra dos Bárbaros ( 1683-1713) e o primeiro também participou do combate final na destruição do Quilombo dos Palmares em Alagoas ( 1690-1695).

Domingos Jorge Velho. Calixto. 1903

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O destino final dos índios capturados era São Vicente e o Rio de Janeiro, consumidos na produção de açúcar do século XVII, sendo muitos também consumidos na própria capitania, especialmente na produção de trigo

A sociedade das minas

No final do século XVII, as tentativas de Dom Pedro II na busca de ouro foram vitoriosas. Por volta de 1695, o achado de Borba Gato confirmava a existência de ouro de boa qualidade na região próxima ao rio das Velhas, que daria origem a Vila Rica, atual Ouro Preto.

O movimento migratório em direção à Minas Gerais se intensificou a partir da mineração, construindo assim uma nova sociedade, não somente forma-da por mineradores e seus escravos como também por comerciantes, ad-vogados, fazendeiros, artesãos, buro-cratas e militares.

A vida social se concentrou nas cida-des, centro de negócios, residência e festas comemorativas e a formação de associações religiosas leigas (Ir-mandades e Ordens Terceiras) possi-bilitavam a construção de Igrejas bar-rocas mineiras, destacando-se a figura do mulato Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, filho ilegítimo de uma es-crava com um construtor português.

A base dessa sociedade era escrava, que apresentava, naquele momento, uma expectativa de vida de sete a doze anos. Sendo assim, o número de escravos exportados para o Brasil cresceu bastante entre 1720 e 1750, apesar da crise do açúcar. Dos 320 mil habitantes, os negros representavam 52,2%; os mulatos 25,7%; e os brancos, 22,1%.

Com a mineração de ouro e diamante, bem como devido à urbanização intensificada, e ainda em função da expansão e diversificação agrícolas (estas visíveis sobretudo na segunda metade do século XVIII), deu-se nesse período uma intensificação da escravidão e, conseguinte, do tráfico que alimentava. Calcula-se que 1.891.400 africanos tenham sido desembarcados em portos da América portuguesa entre 1701 e 1810.

No período inicial da mineração (últimas décadas do XVII e início do XVIII) a procura pelo ouro gerou falta de alimentos e uma inflação que atingiu toda a colônia. Contudo, com a descoberta de grandes quantidades de ouro a sociedade mineradora acabou por acumular riquezas nas mãos de poucos (grupos dedicados não só à extração mas aos vários negócios e oportunidades, como a contratação de serviços com a administração pública.

A fase do apogeu da mineração foi entre 1733 e 1748, começando, a partir daí, o declínio (Ouro Preto tinha, em 1740 uma população de 20 mil habitantes e, em 1804, o número caiu para 7 mil).

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Visando reter apenas as linhas mais importantes do impacto da mineração sobre o conjunto da economia colonial, poderíamos dizer que: a) a mineração alargou, de forma considerável, a faixa de ocupação do território brasileiro; b) a economia do ouro conseguiu atrair para si a pecuária sulina, através de São Paulo, e a nordestina, através do Rio São Francisco, integrando as “ilhas” de povoamento em que se converte a colonização portuguesa; e c) o surto do ouro alterou, profundamente, as bases políticas e administrativas da colônia, realçando o papel do Rio de Janeiro, capital colonial depois de 1763, e incentivando a vida urbana.

Vários fatores teriam se somado para dar a escravidão, na atividade da mineração, uma dinâmica própria: a escassez de mulheres brancas nas primeiras décadas (aumentando a mestiçagem), um maior controle estatal, a necessidade de uma rápida exploração, em virtude de ser temporária a autorização governamental de exploração, o que abriu a possibilidade de estímulo ao escravo para aumentar sua produtividade e o desenvolvimento urbano tornando a sociedade mais complexa.

A soma desses fatores deu ao mundo do trabalho da mineração características bem distintas, como uma incidência maior de alforrias.

O Sul

Até o século XVII, a ocupação portuguesa na região se estendia até Laguna, atual Estado de Santa Catarina e, mais ao sul, a Colônia do Santíssimo Sacramento do Rio da Prata (atual Uruguai), tendo um grande vazio demográfico entre as duas regiões.

A partir de 1737, a Coroa tentou povoar a região com soldados que criavam gado, com pessoas de Laguna e com colonos dos Açores (estabelecidos em pequenas propriedades).

Com a destruição das missões espanholas em território brasileiro no século XVII, o gado se espalhou, dando origem, no século seguinte, a uma grande quantidade de bovinos selvagens, que eram caçados por uma população pouco densa de mestiços brancos e índios e cavaleiros nômades, que comiam a carne dos animais mas exportavam o couro.

Com a mineração, a procura pelo gado aumentou, dinamizando um pouco mais a região. Logo em seguida, a criação de mulas para o transporte entre a região produtora de ouro e diamante e o litoral eforçou ainda mais este dinamismo. A partir do início do século XVIII, as “estâncias” já faziam parte da paisagem do Rio Grande do Sul, submetendo os mestiços que antes caçavam o gado ao trabalho de empregado.

As relações de trabalho no mundo colonial

Até a década de 1960, a historiografia brasileira foi tomada por uma “obsessão plantacionista” (tudo no Brasil era grande propriedade com mão-de-obra escrava), ao mesmo tempo em que se alimentava a idéia que, na pecuária, a quase inexistência desse tipo de trabalhador fosse uma verdade quase que absoluta. A colônia como um simples complemento da economia metropolitana e a propriedade da terra como elemento definidor da posição social completavam um número significativo de pontos inquestionáveis a cerca da História do Brasil Colônia.

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Contudo, trabalhos mais recentes de historiadores como Hebe Mattos de Castro, João Luís Fragoso, Sheila Melo e Francisco Carlos Teixeira demonstram que a realidade colonial era muito mais complexa que àquela denunciada por Caio Prado Júnior ou Fernando Novais. Esses novos estudos denunciam, por exemplo, que na Bahia, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, o número de grandes propriedades escravistas era reduzido, quando comparado com o número de pequenos proprietários.

Mesmo sendo necessários mais estudos, já se demonstrou, pelo menos para certos períodos e lugares, a inverdade de assertivas como a da ausência ou extrema raridade de famílias entre os trabalhadores escravizados. As relações familiares englobavam, em 1801, 53% dos escravos de Lorena (São Paulo), sendo alta, ali, a incidência de famílias nucleares de cativos (casas com filhos a eles ainda ligados, como se depreende de um artigo de Iraci da Costa, Robert Slenes e Stuat Schwartz.

Segundo Ciro Cardoso, é possível perceber quatro fases na história do trabalho durante o período colonial:

1. 1500-1532: economia extrativa baseada no escambo com os indígenas, com a construção de feitorias costeiras, onde se acumulavam pau-brasil, pássaros e animais da terra e uns poucos escravos indígenas que ficavam à espera das embarcações;

2. 1532-1600: época onde predominou a escravidão indígena, pois com o início da atividade açucareira e a exigência de alimentos para a população européia e africana, a relação inicial com os indígenas foi radicalmente alterada;

3. 1600-1700: consolidação do modelo “clássico” da plantation, que teria favorecido largamente os comerciantes estabelecidos no Rio de Janeiro e Salvador, muito mais do que àqueles estabelecidos em Lisboa;

4. 1700-1822: onde ocorreu uma maior diversidade econômica, principalmente em função da mineração, com o surgimento de uma rede urbana.

Não podemos achar que o mundo dos escravos se apresentava de forma homogênea. A primeira diferença aparecia entre os escravos recém-chegados, os“boçais” e os que já entendiam o português, os “ladino”. A segunda estaria relacionada com a atividade. Os mais desgraçados eram os escravos do campo, seguidos por aqueles que trabalhavam nos engenhos de açúcar, nos meses de moagem e preparação dos produtos.

Além dos engenhos, os “lavradores de cana” também eram importantes proprietários de escravos.

A crise do sistema colonial

O mundo passou por profundas transformações a partir do século XVIII (Independência das colônias inglesas, em 1776, a Revolução Francesa, em 1789 e a Revolução Industrial), o que contribuiu para a desintegração do sistema colonial português.

Em meados do século XVIII, Portugal era um país atrasado e dependente da Inglaterra. Em 1750, a chegada de Dom José I ao trono português transformaria de forma significativa a administração do mundo colonial. O seu ministro Sebastião José de Carvalho, futuro Marquês

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de Pombal, entre 1750e 1777, desenvolveu um grande esforço para tornar mais eficiente a administração portuguesa, mudando assim a relação Metrópole-Colônia. Tentando associar os princípios do absolutismo ilustrado com o mercantilismo, Pombal atuou a partir das seguintes práticas: criou as companhias privilegiadas de comércio: – a Cia. Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755) e a Cia. Geral de Pernambuco e Paraíba (1759).

A primeira tinha por objetivo desenvolver a região norte, estimulando o cacau, o cravo, a canela, o algodão e o arroz e, a segunda, tentou reativar o nordeste; colocou membros das elites locais nos órgãos administrativos e fiscais do governo, na magistratura e nas instituições militares; em Minas Gerais, o imposto da capitação foi substituído pelo antigo quinto, tendo que render a região pelo menos cem arrobas ano do metal; tentou diminuir a dependência de Portugal e Brasil da compra de produtos manufaturados, estimulando a produção dos mesmos nas duas regiões; a expulsão dos jesuítas de Portugal e seus domínios com confisco de bens (1759), tendo por objetivo acabar com a administração paralela das ordens religiosas (“um Estado dentro do estado”). A maioria das terras confiscadas aos jesuítas foi arrendada por grandes fazendeiros e comerciantes e a expulsão da ordem causou uma forte crise no sistema de ensino da colônia, já bastante pobre. A política pombalina para as ordens religiosas fazia parte de um grande esforço para subordinar a Igreja ao Estado. Em 1773, o Papa Clemente XIV extinguiu a Cia. de Jesus, que somente voltaria a existir e 1814.

O Reinado de Dona Maria

Com a morte de Dom José, em 1794,e a queda de Pombal, assumi Dona Maria, transformando muitos dos esforços do governo anterior: extinção das companhias de comércio, fechamento das fábricas coloniais, exceto as de pano de algodão para uso dos escravos.

O reinado de Dona Maria e do Príncipe Regente Dom João, ao contrário do anterior, foi mais favorável em função da revitalização da atividade açucareira (insurreição de escravos em São Domingos) e o fortalecimento do cultivo do algodão (guerra de independência dos Estados Unidos).

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O processo de Independência do Brasil

A Inconfidência Mineira, a Conjuração dos Alfaiates e a Revolução de 1817 em Pernambuco representaram movimentos de revoltas regionais, sem o cunho nacionalista. A formação de uma relação de oposição à Portugal se construiu no momento em que os interesses metropolitanos se colocaram numa relação inversa aos interesses coloniais. O exato momento da formação dessa oposição ainda é palco de estudos. Formados pôr grupos heterogêneos, com idéias distintas, os agentes históricos (proprietários de terras, soldados, letrados, etc.) tiveram na Independência dos Estados Unidos e na Revolução Francesa dois pontos de referência.

A Inconfidência Mineira

Em 1787, dos dezenove estudantes brasileiros em Coimbra, dez eram de Minas Gerais. José Joaquim da Maia, em 1786, manteve contatos com Thomas Jefferson, então embaixador dos EUA na França, o que demonstra as influências externas no movimento de rebeldia colonial.

A crise na atividade mineradora durante as últimas décadas do século XVIII, marcada pela contínua queda na produção de ouro, o que aumentava as pressões da Metrópole no sentido de garantir para essa o tão necessitado metal. A maior parte dos revoltosos era formada a partir da própria elite local (mineradores, fazendeiros, padres, funcionários e advogados) possuindo um grande vínculo com as autoridades coloniais na capitania, com exceção de José Joaquim da Silva Xavier que, em 1775, depois de uma tentativa fracassada de comerciante, passou a ocupar o cargo de alferes, grau inicial no quadro de oficiais e, nas horas vagas, desenvolvia a atividade de dentista.

A chegada do governador Luís da Cunha Menezes, em 1782, afastando membros da elite local do poder para beneficiar amigos mais próximos, afetando, inclusive, Tiradentes, que perdeu o comando do destacamento dos Dragões que patrulhava a estrada da Serra da Mantiqueira, abalou profundamente um forte grupo local. Com a substituição de Cunha Menezes pelo Visconde de Barbacena, que recebeu ordens para garantir o envio de cem arrobas/ano de ouro para Portugal, podendo, inclusive, confiscar ouro e cobrar a derrama, um imposto a ser pago pôr cada habitante da capitania. Quando antigos contratos entre particulares e a Coroa foram reavaliados, a pressão nos principais devedores que não repassavam para Portugal os impostos cobrados, avolumando uma grande dívida que se ameaçava cobrar.

Nos últimos meses de 1788, os revoltosos começaram a preparar a rebelião, a qual teria o seu início com a cobrança da derrama, que acabou não acontecendo, pois foi suspensa pôr Barbacena, o qual recebia do delator Silvério dos Reis os nomes dos conspiradores. As prisões começaram no Rio e em Minas e o processo somente terminaria em 18 de abril de 1792. Tiradentes e outros foram condenados à forca, todavia, uma carta de clemência da Rainha Dona Maria transformava todas as penas em banimento, exceto a de Tiradentes que, na manhã de 21 de abril de 1792, foi enforcado e retalhado.

Aparentemente, a intenção da maioria dos inconfidentes era a proclamação de uma República, tomando como modelo a constituição dos Estados Unidos. O Distrito Diamantino seria libertado das restrições, os devedores, perdoados e haveria o incentivo do desenvolvimento manufatureiro. A questão da escravatura foi tratada de forma bastante heterogênea. Alguns, como Alvarenga Peixoto, um grande proprietário de escravos, defendia a libertação dos

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cativos, que se transformariam os grandes defensores da República. Já Álvares Maciel defendia o oposto, o que certamente levou a uma grande duplicidade dessa questão nos registros da inconfidência sobre a escravatura, que aparecem de forma dispersa e lacunosa.

A Inconfidência (a palavra significa falta de fidelidade) Mineira se configurou como um movimento regional sem, naquele momento, atingir um caráter mais abrangente. Nesse sentido, a Revolução Pernambucana de 1817, foi bem mais importante, pois se espraiou pôr uma grande área do nordeste brasileiro.

Tiradentes Esquartejado, em tela de Pedro Américo (1893)

A Conjuração dos Alfaiates

A Bahia, em 1798, foi palco de mais um movimento de contestação. Mulatos e negros livres e libertos, ligados a profissões urbanas como soldados e artesãos, destacando-se vários alfaiates e brancos pobres foram os principais atores desse movimento histórico brasileiro. As precárias condições de vida e trabalho de Salvador já tinham gerado vários motins, entre 1797 e 1798.

Os conspiradores pregavam a proclamação da República, o fim da escravidão, o aumento de salários, a punição de padres contrários ao movimento de liberdade e o livre comércio, principalmente com a França.

Entre as lideranças do movimento, destacaram-se os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira (este com apenas 18 anos de idade), além dos soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens. As ruas de Salvador foram tomadas pelos revolucionários

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Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas que iniciaram a panfletagem como forma de obter mais apoio popular e incitar à rebelião. Os panfletos difundiam pequenos textos e palavras de ordem, com base naquilo que as autoridades coloniais chamavam de "abomináveis princípios franceses". A Revolta dos Alfaiates foi fortemente influenciada pela fase popular da Revolução Francesa.

Uma rápida repressão aos revoltosos levou à morte os quatro principais líderes e aos demais pena de prisão ou banimento.

A violência exagerada da Coroa se explica pela origem popular do movimento. O medo de revoluções de escravos, como a ocorrida em São Domingos, colônia francesa nas Antilhas, em 1791, que levaria a criação do Haiti, apavorava o colonizador, principalmente pelo fato de 80% da população da capitania ser formada de negros e mulatos.

Sendo assim, a Confederação dos Alfaiates foi a primeira expressão de um movimento de raízes populares que associava os ideais revolucionários com reivindicações sociais.

A Vinda da Família Real

Quando Napoleão impôs o Bloqueio Continental, Portugal se transformou, pela sua dependência econômica com a Inglaterra, em um grande buraco no embargo econômico francês. Sendo assim, Dom João VI, regente português desde 1792, no momento que sua mãe, Dona Maria foi declarada louca, decide pela migração para o Brasil quando tropas francesas, em novembro de 1807, cruzaram a fronteira de Portugal com a Espanha. Cerca de 10 e 15 mil pessoas embarcaram em navios portugueses rumo ao Brasil (ministros, conselheiros, juizes da Corte Suprema, funcionários do tesouro, patentes do exército e marinha, membros do alto clero e várias bibliotecas além do tesouro real).

Em 28 de janeiro de 1808, Dom João decretou, ainda na Bahia, a Abertura dos Portos às nações amigas. No Rio de Janeiro, o príncipe regente revogou os decretos que proibiam o desenvolvimento manufatureiro no Brasil, deu livre comércio para a importação voltada para o desenvolvimento industrial e incentivou o desenvolvimento de maquinários.

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O porto do Rio de Janeiro transformou-se na porta de entrada dos produtos ingleses não somente para o Brasil como também para o Rio da Prata e a costa do Pacífico (200 comerciantes ingleses já ocupavam o Rio de Janeiro em agosto de 1808, possuindo um grande poder de mando nas alfândegas). Não se pode esquecer que a abertura dos portos também favoreceu os grandes proprietários exportadores principalmente de açúcar e algodão. Todavia, como os comerciantes coloniais foram abalados diretamente pelos ingleses, em junho de 1808 o comércio livre foi limitado aos portos de Belém, São Luís, Salvador e Rio de Janeiro; o comércio de cabotagem ficou restrito aos navios portugueses e o imposto de importação de 24% foi reduzido para 16%, caso o transporte fosse feito em embarcações portuguesas.

As pressões inglesas levaram, em 1810, a assinatura do Tratado de Navegação e Comércio, que fixou a tarifa de produtos ingleses em 15%. O Tratado de Aliança e Amizade, firmado entre Portugal e Inglaterra, forçava o primeiro a limitar o tráfico de escravos, medida que, em 1815, com o Congresso de Viena, foi reforçada com a cessação do tráfico ao norte do equador. Contudo o tráfico cresceu no Brasil, principalmente em 1820.

Com a corte no Rio de Janeiro, toda política externa portuguesa passou a ser decidida no Brasil, ficando no Rio o Ministério da Guerra e Assuntos Estratégicos. A ação militar da Corte se concentrou na bacia da Prata, especialmente na Banda Oriental, atual Uruguai, onde o conflito com os espanhóis era constante. Duas campanhas militares (1811 e 1816) levaram à derrota de Artigos, principal referência da resistência uruguaia, o que possibilitou a anexação do território, em 1821, com o nome de província Cisplatina.

Outro aspecto importante é o florescimento cultural que o Rio de Janeiro passou, contando, em 1808, com o seu primeiro jornal e com a circulação de livros europeus, alimentado principalmente com o crescimento da população (passou de cerca de 50 mil a 100 mil pessoas). A chegada de cientistas e viajantes estrangeiros (o naturalista John Mãe, o zoólogo bávaro Seis, o botânico Martins, o naturalista francês Saint-Hilaire, o arquiteto Grandjean e os pintores Taunay e Debret) registraria nas diferentes formas estéticas o Rio de Janeiro.

A Revolução Pernambucana de 1817

A chegada da Corte no Brasil causou uma série de descontentamentos em diferentes setores coloniais. Em Pernambuco, as forças militares locais foram preteridas em relação aos militares que chegaram de Portugal, transformando-se em um importante foco de descontentamento na província.

Com o aumento dos impostos necessários para a manutenção das guerras na Cisplatina e para o sustento da Corte no Brasil, O Rio de Janeiro acabou assumindo o papel da antiga metrópole, Lisboa. O sentimento regionalista do nordeste somou-se ao antiluzitanismo, dando uma reação explosiva. Em março de 1817, militares, proprietários rurais, juízes, artesãos, comerciantes e um significativo

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número de sacerdotes (“a Revolução dos Padres”) iniciaram a revolução que, rapidamente se estendeu para Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte.

“Não devemos imaginar, porém, que os diferentes grupos tivessem os mesmos objetivos. Para as camadas pobres da cidade, a independência estava associada à idéia de igualdade, uma igualdade mais para cima que para baixo... (“ os cabras, mulatos e crioulos andavam tão atrevidos que diziam que éramos todos iguais e não haviam de casar senão com brancas das melhores”). Para os grandes proprietários rurais, tratava-se de acabar com a centralização imposta pela Coroa e tomar em suas mãos o destino, se não da colônia, pelo menos do nordeste”.

FAUSTO, Boris. História do Brasil.

Tomando a cidade do Recife e formando um governo provisório, os revoltosos proclamaram a República, declarando igualdade de direito e tolerância religiosa, sem tocar na questão da escravidão. Em maio de 1817, as tropas portuguesas ocupavam o Recife e já controlavam a revolta em Alagoas, prendendo e matando os líderes do movimento.

A Independência

Em dezembro de 1815, resistindo à idéia de retornar a Portugal, Dom João VI elevou o Brasil a categoria de reino Unido a Portugal e Algarves. Em 1820, irrompeu em Portugal a revolução do Porto. Liberal (considerava a monarquia absolutista ultrapassada e pregava a formação das Cortes) e ilustrada, a revolução representava o resultado das grandes contradições que vivia o país no momento (crise política causada pela permanência de D. João no Brasil e dos órgãos de governo; crise econômica gerada, em parte, pelo excesso de liberdade comercial do Brasil; crise militar em face da presença de militares ingleses em Portugal, que, inclusive, governava o país – marechal inglês Beresford).

Convocada as eleições para a formação das Cortes (200 deputados de todo império português, sendo 50 representantes do Brasil), a constituição do país estava a caminho.

O retorno de D. João VI para a Europa dividia as opiniões no Brasil.

“O retorno era defendido no Rio de Janeiro pela “facção portuguesa”, formada pôr altas patentes militares, burocratas e comerciantes interessados em subordinar o Brasil à Metrópole, se possível de acordo com os padrões do sistema colonial. Opunha-se a isso e ao retorno do monarca o ‘partido brasileiro’ constituídos pôr grandes proprietários rurais das capitanias próximas à capital, burocratas e membros do Judiciário nascidos no Brasil. Acrescenta-se a eles portugueses cujos interesses tinham passado a vincular-se aos da colônia.”

FAUSTO, Boris. História do Brasil.

As articulações políticas dos brasileiros foram fortemente orientadas pelas lojas maçônicas, participantes ativas da Rev. Pernambucana de 1817.

Não suportando a pressão, Dom João retorna para Portugal, em 1821, acompanhado de 4 mil portugueses.

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Formada as Cortes de Lisboa, tiveram início as tentativas de recolonização do Brasil. Os governos provinciais passaram a ser subordinados diretamente à Lisboa, não mais ao Rio de Janeiro; tentativas de revogar os acordos comerciais com a Inglaterra; em outubro, decidiu-se pela transferência para Lisboa das principais repartições instaladas no Brasil por D. João e a determinação do retorno de D. Pedro para a Europa. O “partido brasileiro” mobilizou-se para a permanência do regente (“Dia do Fico” – 9/10/1822). D. Pedro forma assim um novo ministério, composto por portugueses mas chefiado por um brasileiro, José Bonifácio de Andrada e Silva.

Nesse quadro político, a corrente conservadora defendia maior autonomia do Brasil com relação a Portugal, assumindo apenas em um segundo momento, a idéia da independência, desejando como forma de governo a monarquia constitucional. Já a corrente radical, bastante heterogênea (de monarquistas esclarecidos a republicanos radicais), optava pela ruptura imediata.

Em agosto, o príncipe regente declarou as tropas portuguesas no Brasil inimigas. Gonçalves Ledo e José Bonifácio dirigiram manifestações às nações amigas.

A chegada do despacho que ordenava o retorno de D. Pedro para Portugal e revogava os decretos do príncipe regente alimentou o grito da independência, em 7 de setembro de 1822, as margens do riacho Ipiranga.

LEITURA COMPLEMENTAR

A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL

Uma das grandes falhas da historiografia brasileira, no passado e ainda hoje, consiste em dissociar o processo da independência brasileira do conjunto em que se desenvolveu, seja pelo esquecimento das transformações operadas na Europa desde os fins do século XVIII, que se refletiram nas áreas coloniais e impulsionaram a solução da autonomia, seja pela omissão do que ocorreu na própria América. O processo de independência dos povos coloniais americanos, entretanto, foi único, embora tivesse encontrado diferenças e particularidades, confirme as condições dominantes nas diversas zonas, desde o Vice-Reinado do México até o do Brasil, passando por Nova Granada, Peru e Prata.

Tal processo tem inicio quando o desenvolvimento econômico assinala a transformação do mercantilismo em capitalismo, configurando o largo quadro conhecido como Revolução Industrial. O extraordinário aumento da população advindo da progressiva e acelerada substituição da manufatura pela maquina introduz modificações profundas na fisionomia dos povos, que aqueles em que ele apenas repercute, e que lhe sofrem as conseqüências, seja porque se comportem como mercados consumidores, seja pela simultaneidade dos dois casos – esta é, precisamente, a situação das áreas coloniais americanas.

A acumulação capitalista define plenamente, então, a ascensão da burguesia e vai romper os fundamentos que mantinham, embora em equilíbrio instável, a posição de povos e nações que não chegaram a superar o período mercantil e que se comportavam, em relação às áreas coloniais, como simples intermediários. A eliminação dos intermediários é uma das mais prementes exigências das árias de produção em que as relações capitalistas estavam na plenitude de seu desenvolvimento. Entre essas áreas, a Inglaterra tinha destacada posição.

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O que mantinha ainda a subordinação das áreas coloniais às metrópoles era o regime de monopólio comercial, levado, em alguns casos, como no do Brasil da fase mineradora, aos limites da clausura. Rompido o monopólio, a subordinação perdia o seu conteúdo, e surgia a autonomia como conseqüência inelutável. As exigências do processo capitalista traduziam-se em dois planos: abertura das áreas coloniais à troca internacional, em primeira urgência; eliminação do trabalho escravo, na segunda urgência.

(O que se deve ler para conhecer o Brasil. Nelson Werneck Sodré. 1973)

SOCIEDADE COLONIAL

O sistema produtor açucareiro colonial trouxe, desde sua montagem inicial, profundas con-sequências econômicas e sociais, que marcam a realidade brasileira até hoje. Com efeito, a colonização brasileira teve um cunho discriminatório, aristocrático e, por conseguinte, social-mente excludente. Para melhor compreendermos a dimensão social da colonização brasileira, devemos, em primeiro lugar, levantar o problema da origem classista dos nossos primeiros po-voadores. Noutros termos, qual setor social iria realizar os primeiros investimentos de capital na distante, desconhecida e aparentemente agreste terra brasileira? A burguesia mercantil lu-sitana mais próspera, que auferia altos lucros no comércio, não estava interessada em aplicar seus capitais numa aventura aparentemente incapaz de gerar o acúmulo de capitais. Também a nobreza lusitana não se mostrava particularmente disposta, pois, além de carente de recursos, preferia viver atrelada ao aparelho estatal ou, no máximo de sua ousadia mercantil, dedicar-se à exploração oriental. A inexistência de mercado interno na área colonial podava a participação dos pequenos e médios proprietários lusitanos. Além disso, a posse de terras no Brasil, onde elas existiam em abundância, carecia de importância, pois não funcionavam como propriedade imobiliária. No início do século XVI, a terra, por si só, nada significava. Só começaria a represen-tar alguma coisa, a ter função econômica, a partir do momento em que se tornasse objeto do trabalho humano. Em síntese: o valor imobiliário da terra brasileira iria depender da instalação de um sistema colonial de produção. Ciente de que só a colonização poderia garantir a preser-vação do controle político das terras brasileiras, a Coroa lusitana buscou despertar o interesse do capital privado para a árdua empresa de conquista e valorização econômica de sua zona americana. Ao contrário das Índias – onde já existiam sistemas produtivos e mercados relativa-mente prósperos – o Brasil, cujos habitantes indígenas viviam um estágio primitivo de civiliza-ção, nada oferecia de atraente às ambições imediatistas do mercantilismo português.

Para tornar rentável o processo colonizatório de suas possessões na América, Portugal precisa-ria montar, preliminarmente, uma estrutura produtora de gêneros agrícolas. Isto porque, em nosso país, a única forma possível de exploração econômica viria a ser o cultivo do solo. Por isso, o Reino procurou, desde o início, dar à colonização brasileira uma orientação adequada à necessidade de aqui se implantar um núcleo civilizacional baseado na produção agrária. Por exemplo: o rei português investiu Martim Afonso de Souza, em sua expedição pioneira de 1530, e, pouco depois, os donatários, do direito de conceder sesmarias às pessoas interessadas em “fazer lavoura”.

A doação de sesmarias não era uma forma genérica de transferência de terras: estava subor-dinada a uma estrita regulamentação jurídica. O sesmeiro tinha pleno direito de propriedade sobre seu lote, com algumas restrições, tais como os estancos (monopólios reais) e as servidões públicas de águas. Além disso, era obrigado a pagar tributos devidos à Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, organismo encarregado da expansão marítimo-comercial portuguesa.

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As terras concedidas em sesmarias, segundo a livre vontade de seus proprietários, podiam ser alienadas ou transmitidas a herdeiros. O dono da sesmaria, no entanto, tinha a obrigação de aproveitá-la economicamente dentro de um prazo determinado. Esta disposição fazia parte da legislação portuguesa: as Ordenações Manuelinas. A violação deste estatuto acarretava a per-da da propriedade e o pagamento de uma multa em dinheiro.

A Coroa não doava sesmarias indiscriminadamente a todos os interessados na posse de terras. Na realidade, só se concediam sesmarias “a quem pudesse cultivar”, isto é, aos que comprovas-sem possuir os recursos necessários à tarefa de exploração econômica do solo.

Ao se examinar a legislação portuguesa que regulamentou a montagem da colonização do Bra-sil, verifica-se que seu significado básico não repousava na amplitude dos poderes delegados ou transferidos aos donatários ou aos colonos. Pode-se encontrá-lo, ao contrário, na forma es-tabelecida para a implantação da propriedade privada no território da colônia, elemento gera-dor das primeiras diferenciações classistas em nosso país.

• A Coroa só doava terras a quem tivesse recursos para cultivá-la.

• Só se outorgava o privilégio de montar engenhos a quem estivesse em condições financei-ras de fazê-lo funcionar.

Percebe-se assim, no início do processo de colonização, uma clara tendência discriminatória, que caracterizaria todo o empreendimento e determinaria o tipo de sociedade da zona açuca-reira, por exemplo: a necessidade de um investimento inicial impossibilitaria a participação na empresa colonizatória de cidadãos metropolitanos desprovidos de fortuna. A própria distribui-ção da terra obedeceu a um critério seletivo. Além disso, acentuando o caráter elitista da colo-nização, a montagem e a operação dos engenhos também se tornariam privilégios reservados a poucos reinóis.

Esse conjunto de fatores contribuiu para que se formasse no Brasil uma sociedade aristocrática, na qual o valor do trabalho diminuiu em função da importância social que o direito de proprie-dade conferia aos poucos cidadãos que o possuíssem.

Portanto, no Brasil, não se levava em conta a origem de classe dos primeiros povoadores, e sim, a posição de proprietários por eles ocupada: ela os transformava em aristocratas, inde-pendentemente de sua procedência classista. Em síntese: no Brasil, durante as fases iniciais da colonização, o fator do privilégio social era o capital necessário para montar a estrutura produ-tiva açucareira, mas esse mesmo privilégio se reproduzia enquanto estamento, uma espécie de “nobreza da terra”. Em termos bem simples, podemos dizer que os primeiros Albuquerques – família pernambucana tradicional – tornaram-se privilegiados em função dos investimentos por eles trazidos. Pouco a pouco, contudo, sua dominação social decorreria do próprio nome Albuquerque.

Olinda: a capital do açúcar

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A sociedade açucareira colonial

De maneira simplista, costuma-se ensinar que a sociedade colonial açucareira era bipolar: os latifundiários, no topo da pirâmide social, e os escravos, total e completamente marginaliza-dos. Essa visão da realidade colonial brasileira é bem expressa no título do famoso livro do antropólogo Gilberto Freyre: “Casa-Grande – Senzala”. Na verdade, a sociedade brasileira de então era mais complexa, pois, além dos capitais e rendas, existiam outros fatores de privilégio. Um deles consistia na localização da propriedade agrária. De fato, sendo o açúcar um produto destinado aos mercados externos, as terras situadas próximas do litoral passaram a ter maior valor econômico do que as localizadas em regiões interioranas. Os proprietários das primeiras auferiam mais lucros do que os das segundas. Outro elemento importante a ser considerado era a qualidade do solo. Se esse fosse de massapé, as safras apresentariam maior rentabilida-de do que as colhidas de solos inferiores. Dessa maneira, as sesmarias concentradas nas áreas litorâneas e nos vales dos rios – abundantes em solo fértil – tinham mais possibilidades de êxito econômico, privilegiando seus proprietários em relação aos latifundiários cujas sesmarias estavam mal localizadas. Finalmente, também era decisiva a posse de meios de beneficiamen-to – o engenho – para consolidar uma situação de privilégio social. Havia, basicamente, dois tipos de latifundiários: os que possuíam engenho e aqueles outros que somente se dedicavam à produção da cana-de-açúcar. Nesse contexto, surgiram as então denominadas “fazendas obri-gadas”; ou seja, os sesmeiros que eram apenas agricultores se viam forçados a transformar a cana em açúcar nos engenhos dos latifundiários vizinhos, pagando o serviço em espécie. Por exemplo, se a produção de uma “fazenda obrigada” (sem engenho) fosse da ordem de 100 to-neladas, o seu proprietário precisava pagar a operação do engenho entregando ao dono desse último, 50 toneladas. Do ponto de vista social, os latifundiários estritamente agricultores e os donos de engenho eram iguais; do ponto de vista econômico, não o eram. Progressivamente, os plantadores passaram a subordinar-se aos senhores de engenho, que eram efetivamente os únicos privilegiados. Em pouco tempo, o sistema colonial açucareiro gerou a concentração da propriedade fundiária, a aristocratização dos senhores de engenho e o desaparecimento dos plantadores independentes.

No nordeste brasileiro da época, onde as distâncias eram enormes, as fazendas relativamente isoladas e o poder público português quase inexistente, o sistema açucareiro gerou o mando-nismo político privado. Noutros termos, os grandes proprietários donos de engenho tornaram--se o verdadeiro núcleo do poder político-administrativo colonial, exercendo, de fato, as fun-ções de controle, de administração e de aplicação da justiça nas áreas circunvizinhas aos seus latifúndios. As competências que, no mundo moderno, cabem ao Estado, eram desempenha-das, entre nós, por particulares: a “coisa pública” tornou-se “coisa privada”. De fato, o poder político estatal só adquiriu importância, no Brasil, a partir do século XVIII. Até então, esteve nas mãos dos “homens bons”, denominação dada à “nobreza colonial”.

Resumo

“A transformação dos senhores de engenho em típicos aristocratas rurais ocorreu independentemen-te de sua origem social. Os membros da classe dominante colonial, mesmo que originariamente não pertencessem à nobreza, acabavam se aristocratizando, por concentrarem em suas mãos a posse da terra, dos escravos, da renda e do poder político. Esta aristocratização gerou também a mentalidade profundamente conservadora de nossas elites, fato que se verifica até hoje.”

Professor José Carlos Pires de Moura

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A sociedade colonial açucareira do nordeste brasileiro, pautada pelo ruralismo, já que as poucas vilas existentes não passavam de meras extensões do latifúndio e desconheciam qualquer forma de vida tipicamente urbana, foi caracterizada também por um alto grau de estratificação social, sendo praticamente impossível alterações verticais na pirâmide social, cujos componentes básicos eram:

Os segmentos sociais do Brasil açucareiro

Senhores – os grandes proprietários de engenho, terras e escravos, que exerciam a dominação econômica social e política.

Camadas intermediárias – em número pequeno e socialmente inexpressivo, formadas por padres, militares, agregados ao latifúndio, alguns poucos funcionários, rendeiros e, também poucos, pequenos proprietários. Esse setor social orbitava o latifúndio, pois uma economia marcada pela exportação, pela necessidade de importações de bens de consumo, pela existência do escravismo e pela carência de mercado interno entravava qualquer possibilidade de seu crescimento.

Escravos – base da estrutura social do Brasil Colônia, o trabalho compulsório dos negros vindos de África e de alguns poucos indígenas foi o elemento fundador da realidade brasileira. O seu papel e a sua importância, na época, são bem descritas por uma frase então bastante difundida: “os escravos são as mãos e os pés dos senhores de engenho”. Do ponto de vista jurídico, as Ordenações portuguesas definiam o escravo no mesmo capítulo dedicado ao “animal de carga”.

Um navio negreiro

O tráfico escravista: negros num navio “tumbeiro”

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História de Pernambuco – Características Gerais do Brasil Colonial – Prof. Thiago Scott

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A estrutura familiar

Uma sociedade rural, latifundiária e calcada no escravismo, que desvaloriza o trabalho, implica necessariamente:

Desimportância social da mulher – de fato, a mulher branca, filha e esposa do latifundiário, só desempenha um papel: a reprodução e a transmissão da propriedade. Destituída de qualquer função produtiva, ela passa a ser “protegida”, fechada numa “redoma social”. Nos velhos casarões do Brasil açucareiro, havia “gineceus”: quartos onde ficavam as moças solteiras, durante o dia, para não serem vistas pelos cobiçosos olhares masculinos. As moças das elites, extremamente reprimidas, eram obrigadas a contrair matrimônio com os filhos de outros latifundiários e, muitas vezes, no interior da própria família, casando-se com primos ou tios, o que gerou uma sociedade tendencialmente endogâmica. O círculo familiar era absolutamente restrito, o que pode ser comprovado pelo fato de que o próprio adultério tendia ocorrer no seio do clã. De fato, no Brasil Colônia, foi muito comum a relação adulterina entre sogras e genros.

Reverência filial – ser filho do senhor de engenho era fator de privilégio. Numa sociedade carente de oportunidades de desenvolvimento econômico, pelo escravismo e pela ausência de mercado interno, romper com o pai traria consigo a perda da dominação social. Dessa maneira, o respeito, a obediência e o culto subserviente ao genitor tornaram-se necessidades imperiosas.

Sociedade ociosa – numa realidade escravista, onde o trabalho é sinônimo de inferioridade social, o ócio se torna um fator distintivo das elites. Nas enormes varandas das casas-grandes, os latifundiários e seus filhos deitavam-se em redes, abanados por negros e agraciados com os “cafunés” das negras. Gilberto Freyre observa que “a rede quase atrofiou o pé do latifundiário”. Em suma, uma sociedade ociosa e quituteira, pois as principais “atividades” das elites eram a conversação e o prazer gastronômico, esse último facilitado pelo grande número de escravas na cozinha. Além disso, cultivava-se a hospitalidade, pois as visitas e festividades eram sempre formas de se “matar o tempo”.

Família patriarcal – em suma, a sociedade colonial brasileira gerou uma estrutura familiar patriarcal, pois o centro do clã era o pai: dono de terras, de engenhos, de escravos, do poder político e todo-poderoso em relação à família.

Sociedade miscigenada – na comunidade açucareira do Brasil Colonial, onde ao homem era tudo permitido e à mulher branca quase tudo era vedado, a iniciação e as práticas sexuais cotidianas dos elementos masculinos eram levadas a efeito com as escravas, gerando uma sociedade miscigenada. Embora o latifundiário e seus dependentes não reconhecessem os mulatos como filhos legítimos, sabiam que eles eram seus descendentes e por essa razão tendiam a protegê-los relativamente. De fato, os mulatos normalmente exerciam funções menos rudes do que as dos negros: eram feitores, “meninos de recados”, chefes da cozinha, etc. Por essa razão, havia um provérbio, bastante difundido na época, que dizia: “o Brasil é o Purgatório do branco, o Inferno do negro e o Paraíso do mulato”.

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História

AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS (1534)

A expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1533) marca o início dessa nova fase. Patrulhar a costa, estabelecer uma colônia através da concessão não-hereditária de terras aos povoadores que trazia (São Vicente, 1532) e explorar a terra foram seus objetivos. Dom João III optou então pelo uso das Capitanias Hereditárias, 15 quinhões entregues aos capitães-donatários (pequena nobreza, burocratas e comerciantes, todos ligados com a Coroa. Entre os donatários, Martim Afonso, experiente navegador, Duarte Coelho, militar no Oriente, com êxito em Pernambuco, Jorge Figueiredo Correia, comerciante e escrivão e Pero do Campo Tourinho. Antes de 1532, Fernão de Noronha recebeu a primeira capitania no Brasil. Como o comércio com as Índias e com as ilhas do Atlântico era mais atrativo, a grande nobreza acabou não participando da ocupação inicial do território.

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Recebendo a posse, e não a propriedade da terra, os donatários tinham extensos poderes econômicos (arrecadação de tributos) e administrativos.

“A instalação de engenhos de açúcar e de moinhos de água e o uso de depósitos de sal dependiam do pagamento de direitos; parte dos tributos devidos à Coroa pela exploração do pau-brasil, de metais preciosos e de derivados da pesca cabiam também aos donatários. Do ponto de vista administrativo, eles tinham o monopólio da justiça, autorização para fundar vilas, doar sesmarias (extensão de terra virgem doada a um sesmeiro, com a obrigação – raramente cumprida – de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa), alistar colonos para fins militares e formar milícias sob seu comando. Assim, o sistema de capitanias hereditárias reproduzia algumas relações da sociedade medieval no Brasil, como o uso das banalidades, entre outros”. (Boris Fausto)

As capitanias, imensos tratos de terra, foram distribuídas entre fidalgos da pequena nobreza – já que os grandes se interessavam mais pelas Índias ou por ter terras no Reino e suas ilhas adjacentes – e funcionários da burocracia monárquica, muitos de extração burguesa, e, mesmo, com estreitas ligações com cristãos-novos, judeus recém-convertidos.

A Carta de Doação e o Foral asseguraram, juridicamente, a ocupação da terra. A primeira cedia ao donatário 10 léguas a partir da costa, divididas em lotes, isentos de tributação, com exceção do dízimo. Possibilitava a fabricação de moendas e moinhos de água e garantia a posse da terra no restante da capitania.

O Foral tinha por objetivo definir o percentual do lucro do donatário em relação à exploração do solo e subsolo.

As Capitanias de São Vicente e Pernambuco

Doada a Duarte Coelho, com larga experiência no Oriente, a capitania de Pernambuco foi organizada com o capital proveniente da venda de suas terras em Portugal. Auxiliado por emigrantes portugueses com experiência agrícola, introduziu a cana-de-açúcar no Brasil. Por volta de 1570, 30 dos 65 engenhos brasileiros encontravam-se em Pernambuco.

Martim Afonso de Sousa introduziu o cultivo da cana na capitania de São Vicente. Contudo, por ser um ponto bastante avançado em direção ao sul, a região rapidamente estabeleceu fortes relações comerciais com a região do Prata, que comprava da capitania escravos índios, provavelmente usados nas minas do Peru e na plantação de mate, no Paraguai.

Dois documento básicos conforme a tradição do povoamento de terras no Portugal da Reconquista, regiam o sistema de capitanias: a carta de doação e o foral, que garantiam os direitos do capitão-donatário e suas obrigações frente à Coroa, na seguinte forma: a) o capitão-donatário tinha o “senhorio”, conforme o costume medieval, das moendas de água, engenhos de açúcar e das marinhas de sal, cujo acesso obrigava os colonos ao pagamento de direitos; b) tinha o direito de escravizar e mandar vender, em Portugal, 24 peças – índios apresados – por ano; c) ficava com a vintena (5%) sobre o valor da exportação do pau-brasil, metade da dízima do pescado, a redízima (1/10) das rendas da Coroa, a dízima dos metais e os direitos de passagens dos rios, portos e “outras águas”.

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História – As Capitanias Hereditárias – Prof. Thiago Scott

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Mais importantes, no processo de colonização, eram os amplos poderes de que dispunham os capitães no tocante à administração pública:

a) tinham o monopólio da alta e da baixa justiça;

b) visando promover o povoamento tinham o direito de doar sesmarias;

c) tinham, ainda, o comando militar e o direito de alistar os colonos e formar milícias.

A falta de recursos, desentendimentos internos, inexperiência, ataques dos índios e a descentralização administrativa acabaram levando ao fracasso desse modelo, com a sabida exceção das capitanias de São Vicente e Pernambuco. Aos poucos, as capitanias foram sendo recuperadas pela Coroa e , entre 1552 e 1554, o Marquês de Pombal completou a passagem do domínio privado para o público.

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História

CAPITANIA DE PERNAMBUCO

A Capitania de Pernambuco abrangia os atuais estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas e o Oeste da Bahia. Pernambuco foi a capitania mais rica da América Portuguesa.

O Início

Em 1501, quando a expedição do navegador Gaspar de Lemos fundou feitorias no litoral da colônia portuguesa, na recém descoberta América, teve início o processo de colonização de Pernambuco, uma das primeiras áreas brasileiras a ter ativa colonização portuguesa.

Entre os anos de 1534 e 1536, Dom João III, então rei de Portugal, instalou o sistema de Capitanias Hereditárias no Brasil, que consistia na doação de um lote de terras, chamado Capitania, a um Donatário (português), a quem caberia explorar, colonizar as terras, fundar povoados, arrecadar impostos e estabelecer as regras do local. Dentre os primeiros 14 lotes distribuídos por D. João III estava a Capitania de Pernambuco, ou Capitania de Nova Lusitânia, como seu Donatário, Duarte Coelho, a batizou. Dessa forma, em 1535, Duarte Coelho se estabeleceu no local onde fundou a vila de Olinda e espalhou os primeiros engenhos da região. Até então, os ocupantes do território eram os índios Tabajaras.

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No início da Colonização do Brasil, as únicas capitanias que prosperaram foram esta de Pernambuco e a de São Vicente, graças à cultura canavieira. São Vicente, no entanto, prosperou somente por efêmeras décadas do século XVI. Pernambuco, por outro lado, se tornou a mais rica de todas as possessões portuguesas.

Centro da economia colonial durante o ciclo da cana-de-açúcar, Pernambuco impressionara o padre Fernão Cardim, que surpreendeu-se com "as fazendas maiores e mais ricas que as da Bahia, os banquetes de extraordinárias iguarias, os leitos de damasco carmesim, franjados de ouro e as ricas colchas da Índia", e resumiu suas impressões numa frase antológica: "Enfim, em Pernambuco acha-se mais vaidade que em Lisboa". A opulência pernambucana parecia decorrer, como sugere Gabriel Soares de Sousa em 1587, do fato de, então, ser a capitania "tão poderosa (...) que há nela mais de cem homens que têm de mil até cinco mil cruzados de renda, e alguns de oito, dez mil cruzados. Desta terra saíram muitos homens ricos para estes reinos que foram a ela muito pobres". Por volta do início do século XVII, Pernambuco era a maior e mais rica área de produção de açúcar do mundo

De acordo com a Carta de Doação passada por D. João III a 10 de março de 1534, o capitão donatário de Pernambuco foi Duarte Coelho Pereira, fidalgo que se destacara nas campanhas portuguesas na Índia. A capitania se estendia entre o rio São Francisco e o rio Igaraçu, compreendendo:

"Sessenta léguas de terra (…) as quais começarão no rio São Francisco (…) e acabarão no rio que cerca em redondo toda a Ilha de Itamaracá, ao qual ora novamente ponho nome rio [de] Santa Cruz (…) e ficará com o dito Duarte Coelho a terra da banda Sul, e o dito rio onde Cristóvão Jacques fez a primeira casa de minha feitoria e a cinquenta passos da dita casa da feitoria pelo rio adentro ao longo da praia se porá um padrão de minhas armas, e do dito padrão se lançará uma linha ao Oeste pela terra firme adentro e a terra da dita linha para o Sul será do dito Duarte Coelho, e do dito padrão pelo rio abaixo para a barra e mar, ficará assim mesmo com ele Duarte Coelho a metade do dito rio de Santa Cruz para a banda do Sul e assim entrará na dita terra e demarcação dela todo o dito Rio de São Francisco e a metade do Rio de Santa Cruz pela demarcação sobredita, pelos quais rios ele dará serventia aos vizinhos dele, de uma parte e da outra, e havendo na fronteira da dita demarcação algumas ilhas, hei por bem que sejam do dito Duarte Coelho, e anexar a esta sua capitania sendo as tais ilhas até dez léguas ao mar na fronteira da dita demarcação pela linha Leste, a qual linha se estenderá do meio da barra do dito Rio de Santa Cruz, cortando de largo ao longo da costa, e entrarão na mesma largura pelo sertão e terra firme adentro, tanto, quanto poderem entrar e for de minha conquista. (…)." (Carta de Doação)

A metade da barra sul do canal de Itamaracá, que o soberano denominou de "rio" de Santa Cruz, até 50 passos além do local onde existira a primitiva feitoria de Cristóvão Jacques, demarcava o limite norte; ao sul, o limite da capitania era o rio São Francisco, em toda sua largura e extensão, incluindo todas suas ilhas da foz até sua nascente. O território da capitania infletia para o sudoeste, a acompanhar o curso do rio, alcançando suas nascentes no atual estado de Minas Gerais. Ao Norte, o soberano estabelecia o traçado de uma linha para o oeste, terra adentro, até os limites da conquista, definidos pelo Tratado de Tordesilhas ou seja, as terras situadas além das 370 léguas ao oeste das ilhas do Cabo Verde. As fronteiras da capitania abrangiam todo o atual Estado de Alagoas e terminavam ao sul, no rio São Francisco, fazendo fronteira com o atual estado de Minas Gerais. Graças à posse deste importante rio, em toda sua extensão e largura, Pernambuco crescia na orientação sudoeste, ultrapassando em largura em muito as 60 léguas estabelecidas na carta de doação. Na observação de Francisco Adolfo

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História – Capitânia de Pernambuco – Prof. Thiago Scott

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de Varnhagen possuía a capitania 12 mil léguas quadradas, constituindo-se na maior área territorial entre todas que o rei distribuiu.

Ao receber a doação, Duarte Coelho Pereira partiu para o Brasil com a esposa, filhos e muitos parentes. Ao chegar ao seu lote, fixou-se numa bela colina, construindo uma fortificação (o Castelo de Duarte Pereira), uma capela e moradias para si e para os colonos: seria o embrião de Olinda, constituída vila em 1537. Pioneiros na terra foram o seu próprio engenho, o do Salvador, e o do seu cunhado, o de Beberibe.

Olinda foi o local mais rico do Brasil Colônia da sua criação até a Invasão Holandesa, quando foi devastada pelos neerlandeses, que escolheram o Recife como a capital da Nova Holanda. A gravura mostra o cerco a Olinda em 1630.[4]

Recife foi a mais cosmopolita cidade da América durante o governo do conde alemão (a serviço da coroa holandesa) Maurício de Nassau. Na imagem o Palácio de Friburgo, residência de Nassau demolida no século XVIII.

Recife foi a mais cosmopolita cidade da América durante o governo do conde alemão (a serviço da coroa holandesa) Maurício de Nassau.Na imagem o Palácio de Friburgo, residência de Nassau demolida no século XVIII.

Tudo estava por fazer e o donatário organizou o tombamento de terras, a distribuição de justiça, o registro civil, a defesa contra os índios Caetés e Tabajaras. Ao falecer, em Lisboa, em 1554, legou aos filhos uma capitania florescente. O seu cunhado, Jerônimo de Albuquerque, em correspondência com a Coroa, pedia autorização para importar escravos africanos.

Em Olinda, sede administrativa da capitania, se instalaram as autoridades civis e eclesiásticas, o Colégio dos Jesuítas, os principais conventos e o pequeno cais do Varadouro. Em fins do século XVI, cerca de 700 famílias ali residiam, sem contar os que que viviam nos engenhos, que abrigavam de 20 a 30 moradores livres. O pequeno porto de Olinda era pouco significativo, sem profundidade para receber as grandes embarcações que cruzavam o Oceano Atlântico. Por sua vez, Recife, povoado chamado pelo primeiro donatário de "Arrecife dos navios", segundo a Carta de Foral passada a 12 de março de 1537, veio a ser o porto principal da capitania.

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Olinda foi o local mais rico do Brasil Colônia da sua criação até a Invasão Holandesa, quando foi devastada pelos neerlandeses, que escolheram o Recife como a capital da Nova Holanda. A gravura mostra o cerco a Olinda em 1630.

Território

A capitania de Pernambuco, em seu auge territorial, abrangia os atuais estados federativos de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e a porção oeste do atual estado da Bahia, região à época denominada "Comarca do São Francisco", que hoje corresponde grosso modo à mesorregião estatística do Extremo Oeste Baiano. O Além São Francisco, outra denominação da região, em 1824 foi desmembrado de Pernambuco por ordem do imperador dom Pedro I como punição pela participação da elite política pernambucana no movimento separatista da Confederação do Equador. Provisoriamente a administração da região foi passada à competência de Minas Gerais e em 1827 foi transferida à Bahia, à qual foi definitivamente incorporada.

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História de Pernambuco

CICLO DO AÇÚCAR

A cana-de-açúcar é originária da Índia. Açúcar foi produzido no subcontinente indiano desde a antiguidade. Porém não era de fácil acesso: o mel era usado com maior frequência para se adoçar os alimentos na maior parte do mundo. Uma das primeiras menções à cana-de-açúcar aparece em manuscritos antigos de chineses datados do oitavo século antes de Cristo. Ao redor de 500 a.C, habitantes do subcontinente indiano faziam grandes cristais de açúcar para facilitar o transporte e armazenamento. Esses cristais, chamados khanda, são semelhantes aos pães de açúcar que eram a principal forma de açúcar até o desenvolvimento de açúcar granulado e em cubos no final do século XIX.

A cana-de-açúcar foi uma cultura de acesso limitado e açúcar uma mercadoria rara durante muito tempo. Os cruzados levaram açúcar para casa na sua volta à Europa após suas campanhas na Terra Santa, onde eles encontraram caravanas carregando "sal doce". No começo do século XII, Veneza adquiriu algumas vilas perto de Tiro e organizou propriedades rurais para produzir açúcar para exportar para Europa, onde ele suplementou o mel como a única outra forma de adoçante. O cronista cruzado Guilherme de Tiro, escrevendo no final do século XII, descreveu o açúcar como "muito necessário para o uso e saúde da humanidade".

Celso Furtado afirma haver indicações de que os italianos participaram da expansão agrícola das ilhas portuguesas do Atlântico por volta do século XV. A técnica de produção açucareira já era difundida no Mediterrâneo e o produto refinado em Chipre era considerado de primeira classe, envolvendo segredos industriais. Tanto que, em 1612, o Conselho de Veneza ainda agia nesse sentido, proibindo a exportação de equipamentos, técnicos e capitais oriundos da indústria. Comerciantes de açúcar se tornaram ricos; Veneza, no auge de seu poder financeiro, foi o principal centro de distribuição e comércio de açúcar para a Europa.

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No início do século XV, deu-se uma viragem importante na história do açúcar. O infante D. Henrique resolveu introduzir na Madeira a cultura agrícola da cana-de-açúcar. O projeto correu bem e, em breve, Portugal estaria a vender açúcar ao resto da Europa. Por outro lado, com a passagem do cabo da Boa Esperança, os Portugueses passaram a viajar para a Índia com bastante regularidade. Nesta época, os Portugueses tornaram-se, assim, os maiores negociantes de açúcar, e Lisboa a capital da refinação e comércio deste produto. Normalmente associa-se o açúcar a uma origem sul-americana. No entanto, terá sido apenas na altura dos Descobrimentos que a cana fez a sua viagem até este o continente americano. Foi Cristóvão Colombo o intermediário desta viagem, tendo levado alguns exemplares de cana-de-açúcar provenientes das Canárias para plantar em São Domingos, a atual República Dominicana.

A cultura de cana encontrou, no continente americano, excelentes condições para se desenvolver, e não foram precisos muitos anos para que, em praticamente todos os países americanos colonizados pelos europeus, os campos se cobrissem de cana-de-açúcar. Os navegadores portugueses apostaram nos solos férteis das terras brasileiras para instalar plantações gigantescas de cana cultivadas com mão de obra escrava, e a aposta foi bem-sucedida do ponto de vista financeiro. Os solos eram férteis e o clima, o mais adequado. Nesta época, na Europa, o açúcar era um produto de tal maneira cobiçado que foi apelidado de "ouro branco", tal era a riqueza que gerava.

A colonização das Américas não foi impulsionada apenas por “ouro, glória e evangelho”. A nobreza européia estava ávida de açúcar. Por volta da metade do século 15, os rendimentos dessa cara iguaria produzida nas ilhas do Atlântico estavam enchendo os cofres portugueses. Por isso, em 1516 o Rei Manuel I, de Portugal, decidiu estabelecer a produção de açúcar em seus territórios no Novo Mundo.

O ciclo da cana-de-açúcar foi um período da história do Brasil Colônia compreendido entre meados do século XVI e meados do século XVIII. O açúcar representou a primeira grande riqueza agrícola e industrial do Brasil e, durante muito tempo, foi a base da economia colonial.

O ciclo teve início quando a cana-de-açúcar foi simultaneamente introduzida em três capitanias: Pernambuco, Bahia e São Vicente. Em 1549, Pernambuco já possuía trinta engenhos-banguê; a Bahia, dezoito; e São Vicente, dois. A lavoura da cana-de-açúcar era próspera e, meio século depois, a distribuição dos engenhos perfazia um total de 256.

As plantações ocorriam no sistema de plantation, ou seja, eram grandes fazendas produtoras de um único produto. Sua produção era voltada para o comércio exterior, e utilizava mão de obra escrava composta por indígenas e africanos — cujo tráfico também gerava lucros. O açúcar brasileiro tinha como principal destino o mercado europeu, e os núcleos mais produtivos se utilizavam de mão de obra africana, enquanto os núcleos menores continuavam com a mão de obra indígena original. O senhor de engenho era um fazendeiro proprietário da unidade de produção de açúcar. Além do açúcar, destacou-se, na época, no Brasil, também a produção de tabaco e algodão.

Nas palavras de Gilberto Freyre:

“O Massapê (...) tem profundidade. É terra doce sem deixar de ser terra firme: o bastante para que nela se construa com solidez engenho, casa e capela. Nessas manchas de terra pegajenta foi possível fundar-se a civilização moderna mais cheia de qualidades, de permanência e ao mesmo tempo de plasticidade que já se fundou nos trópicos. A riqueza do solo era

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História de Pernambuco – Ciclo do Açúcar – Prof. Thiago Scott

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profunda: as gerações de senhores de engenho podiam suceder-se no mesmo engenho; fortalecer-se; criar raízes em casas de pedra-e-cal; não era preciso o nomadismo agrário que se praticou noutras terras, onde o solo era menos fértil, esgotado logo pela monocultura, fez do agricultor quase sempre um cigano à procura de terra virgem. Um dom-juan de terras. (...) A qualidade do solo, completada pela da atmosfera, condicionou, como talvez nenhum outro elemento, essa especialização regional da colonização da América pelos portugueses que foi a colonização baseada na cana-de-açúcar (...) A verdade é que foi no extremo Nordeste – por extremo Nordeste deve entender-se o trecho da região agrária do Norte que vai de Sergipe ao Ceará – e no Recôncavo Baiano – nas suas melhores terras de barro e húmus – que primeiro se fixaram e tomaram fisionomia brasileira os traços, os valores, as tradições portuguesas que junto com as africanas e as indígenas constituiriam aquele Brasil profundo, que hoje se sente ser o mais brasileiro. O mais brasileiro pelo seu tipo de aristocrata, hoje em decadência, e principalmente pelo seu tipo de homem do povo, já próximo, talvez, de relativa estabilidade. Um homem do povo [...] feito de três sangues, em outras terras tão inimigas – o do branco, o do índio e o do negro. Um negro adaptado como nenhum à lavoura do açúcar e ao clima tropical. Um português também disposto à sedentariedade da agricultura. Um índio que ficou aqui mais no ventre e nos peitos da cabocla gorda e amorosa do que nas mãos e nos pés do homem arisco e inquieto".

Pernambuco, a mais rica das capitanias durante o ciclo da cana-de-açúcar, impressionara o padre Fernão Cardim, que surpreendeu-se com "as fazendas maiores e mais ricas que as da Bahia, os banquetes de extraordinárias iguarias, os leitos de damasco carmesim, franjados de ouro e as ricas colchas da Índia", e resumiu suas impressões numa frase antológica: "Enfim, em Pernambuco acha-se mais vaidade que em Lisboa". A opulência pernambucana parecia decorrer, como sugere Gabriel Soares de Sousa em 1587, do fato de, então, ser a capitania "tão poderosa (...) que há nela mais de cem homens que têm de mil até cinco mil cruzados de renda, e alguns de oito, dez mil cruzados. Desta terra saíram muitos homens ricos para estes reinos que foram a ela muito pobres". Por volta do início do século XVII, Pernambuco era a maior e mais rica área de produção de açúcar do mundo.

Um engenho de cana-de-açúcar em Pernambuco colonial, pelo pintor holandês Frans Post (século XVII).

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Os problemas da colonização Portuguesa

A montagem de um sistema produtor de bens numa área tão afastada de Portugal implicaria a necessidade de enormes recursos financeiros para a implantação, aqui, de tecnologia, populações e implementos necessários para criar um fluxo permanente de bens destinados ao consumo do Velho Continente. Portugal, na época, ou não detinha tais recursos, ou não conhecia meios efetivos de canalizar a poupança interna para uma tão ousada iniciativa. Isso pressupunha, portanto, a vinda de investimentos internacionais, que deveriam ser atraídos para uma área – o Brasil – amplamente desconhecida e de alto risco para o investidor. Em suma:

O primeiro problema para a colonização do Brasil:

Investimento inicial – destituído de poupança interna, Portugal precisava atrair a poupança externa.

Para interessar os investidores estrangeiros, o Reino português teria de escolher um produto que satisfizesse às seguintes condições: a existência de mercado para ele na Europa; capacidade de ampliar mercados; relativa experiência de Portugal em sua produção e comercialização e, por fim, que fosse um gênero adequado às condições ambientais do Brasil.

O segundo problema para a colonização do Brasil:

A escolha do produto – o gênero a ser escolhido deveria:

• ter mercados na Europa; • ampliar mercados; • ser produzido e comercializado por Portugal; • ser adaptado à ecologia americana.

Outro obstáculo à colonização do Brasil era a questão do transporte. De fato, a marinha lusitana, em função do grande número de perdas de embarcações na “rota oriental”, encontrava-se bastante abalada. Além disso, era crescente o número de navegadores e construtores navais portugueses que, famosos por seus conhecimentos técnicos, eram atraídos para outros países europeus em função dos elevados salários que a eles eram oferecidos. Impunha-se, por conseguinte, o apoio de uma frota estrangeira.

O terceiro problema para a colonização do Brasil:

A questão do transporte – o relativo enfraquecimento da marinha portuguesa demandava o suporte de navios estrangeiros.

Por fim, outro problema a ser resolvido era o da mão de obra, já que a colonização não poderia se apoiar no trabalho assalariado, pelo alto custo que acarretaria à produção e por total incompatibilidade do regime de trabalho livre com as normas mercantilistas de exploração colonial. Com efeito, a existência de um regime de trabalho assalariado no Brasil implicaria a criação de um mercado consumidor local, gerador de produção interna, o que provocaria o enriquecimento da própria colônia, desviando capitais que deveriam ser acumulados na Metrópole.

O quarto problema para a colonização do Brasil:

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A mão de obra – as necessidades de exploração econômica da área colonial por parte da metrópole impossibilitavam o trabalho assalariado, pelo seu alto custo e pelo fato de provocar a prosperidade da própria colônia.

Todos os problemas que obstavam a colonização tiveram uma solução açucareira.

Uma solução açucareira

No início do século XVI, nenhum gênero agrícola extra europeu conhecia ampla comercialização no interior do Velho Mundo. O principal produto da terra – o trigo – era abundante no próprio continente, o que tornava sua importação desnecessária. Além disso, os fretes marítimos eram bastante elevados, em virtude dos riscos que envolviam o transporte à longa distância: somente bens manufaturados e as caras e exóticas especiarias orientais podiam comportá-los. Inúmeros eram, pois, os obstáculos e custos do empreendimento agrícola em território americano, fato que não era ignorado por nenhum empresário europeu.

A colonização do Brasil, em seus momentos iniciais, consistiu basicamente, na montagem de um sistema produtor de açúcar. Os portugueses, nessa época, já eram os maiores produtores mundiais dessa apreciada especiaria. Assim, aproveitando sua experiência açucareira nas ilhas atlânticas, Portugal implantou em nosso país uma solução semelhante, o que, além de propiciar a solução de inúmeros problemas técnicos relacionados com a produção de açúcar, fomentou o desenvolvimento em Portugal de uma indústria de equipamentos para os engenhos.

Contudo, a maior vantagem do empreendimento açucareiro português ocorreu no campo comercial. Numa primeira fase, o açúcar lusitano entrou nos tradicionais canais de troca, controlados pelos mercadores das cidades italianas. Nas últimas décadas do século XV, porém, o produto sofreu uma sensível baixa de preço, indicando que as redes comerciais dominadas pela burguesia da orla mediterrânea não se ampliaram na medida requerida pela expansão da produção açucareira. Por outro lado, houve também nesse período uma crise de superprodução, pois dentro dos estreitos limites mercantis estabelecidos pelos negociantes da Península Itálica, o açúcar não podia ser absorvido senão em escala relativamente limitada.

Mas, sem dúvida, a principal consequência da entrada da produção portuguesa no mercado foi a ruptura do monopólio de acesso às fontes de produção, mantido até então pelos venezianos. Assim, desde cedo, o açúcar lusitano passou também a ser encaminhado para Flandres, e, em 1496, quando a coroa portuguesa, em função da baixa do preço, decidiu restringir a produção, quase metade desta já era enviada para os portos flamengos.

O capital mercantil e financeiro holandês

O capital mercantil e financeiro holandês foi fator fundamental para o êxito da colonização do Brasil. De fato, os flamengos, acostumados ao comércio intra-europeu, possuíam recursos e uma sofisticada organização comercial, o que possibilitou criar um mercado de grandes dimensões para o açúcar brasileiro. Até o século XVI, época em que o açúcar de nosso país começou a surgir nos mercados mundiais, este gênero ainda apresentava características de

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especiaria. Pequeno volume, peso reduzido, alto valor unitário e consumo diminuto. Enquanto o açúcar estivera nas mãos de produtores árabes e comerciantes italianos, ele foi um “presente de reis”. Com efeito, tal era seu preço que príncipes, quando se casavam, recebiam açúcar como parte do dote matrimonial. Pessoas de alto poder aquisitivo utilizavam-no como remédio, quando acometidas por doenças graves, já que o açúcar é um poderoso energético. Como já observamos, foi a produção lusitana nas ilhas atlânticas que permitiu, simultaneamente, uma relativa ampliação do mercado e uma queda no preço açucareiro. No final do século XV, a Europa Ocidental já estava bem abastecida do produto, o que começava a provocar crises de superprodução e uma política de desestímulo aos novos plantios. Por conseguinte, a implantação da cana-de-açúcar no Brasil só seria possível se novos mercados fossem criados. Essa foi a grande tarefa do capital comercial holandês, que, além de ampliar o consumo no oeste da Europa, levou o gênero para a Europa Central e Oriental. Pode-se dizer, portanto, que o açúcar perdeu sua condição de especiaria e se tornou um gênero de consumo corrente graças aos esforços flamengos.

A contribuição holandesa para a colonização brasileira não se limitou apenas ao aspecto mercantil: os capitalistas holandeses financiaram, em grande parte, a implantação do sistema produtor em nosso país, além de tomar parte no tráfico negreiro. Realmente, a experiência técnica dos portugueses na produção de açúcar não era suficiente para levar adiante a colonização do Brasil: a capacidade comercial e o poder financeiro dos holandeses tornaram viável o empreendimento. Em suma, o papel holandês para criar a realidade agrícola brasileira consistiu em:

1. financiamento dos sistemas produtores implantados em nosso território;

2. montagem de uma grande rede de distribuição comercial açucareira em todo continente europeu;

3. suporte naval – ajudando a trazer escravos e, pouco a pouco, assumindo o monopólio do transporte açucareiro para a Europa, os navios holandeses, graças aos lucros dos fretes, ajudaram ainda mais a acumulação de capital gerado pelo açúcar brasileiro nos Países Baixos, descapitalizando Portugal.

À luz de tudo que dissemos, pode-se afirmar que o negócio açucareiro do Brasil, no século XVI e início do XVII, não foi brasileiro e nem português; foi fundamentalmente holandês.

Porém, essa aliança econômica de Portugal com a Holanda promoveu o povoamento do Brasil e permitiu que Portugal garantisse seu controle sobre todo o território brasileiro. Além disso, todos os navios que partiam para o Brasil eram obrigados a partir de portos portugueses e todos os navios que vinham do Brasil tinham que fazer uma escala em Portugal. O governo português cobrava imposto sobre qualquer transação comercial feita com o Brasil. Os portugueses não lucraram tanto quanto os holandeses, que comercializavam o açúcar, mas essa aliança econômica ajudou a aliviar os problemas econômicos de Portugal.

A produção açucareira no Brasil Colonial

O sistema produtor açucareiro implantado no Brasil foi juridicamente baseado no regime de concessão de sesmarias. Interessado em excluir camadas médias e populares da colonização

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brasileira, já que o interesse era a grande produção destinada ao mercado europeu, Portugal só concedia terras às pessoas detentoras de grandes capitais, quer próprios, quer obtidos em bancos holandeses. De fato, pela “Lei das Sesmarias”, só podia obter propriedade fundiária quem tivesse posses para cultivá-las. O caráter aristocrático da posse agrária no Brasil data do início da colonização. É por esse motivo que, até hoje, conhecemos problemas agrários em nosso país. Na realidade, o “movimento dos sem-terra” não é recente, data dos primórdios da colonização. Efetivamente, nos momentos iniciais do processo colonizatório, a pequena propriedade – o minifúndio, apoiado no trabalho individual ou familiar de pequenos agricultores – não teve condições para se desenvolver. Inúmeros obstáculos impediram a formação, em nosso país, de uma comunidade de pequenos e médios proprietários.

As razões da inexistência da pequena propriedade no período colonial

1. O trabalho livre de pequenos agricultores autônomos, cultivando suas próprias terras, não possibilitava o desbravamento de um território virgem e de penetração extremamente difícil.

2. A existência de minifúndios entrava em contradição com o caráter mercantilista da empresa colonizatória (o propósito real do esforço de colonização era a montagem de zonas produtoras de gêneros primários para os mercados externos. A pequena propriedade, em função de seus recursos limitados, acarretaria, inevitavelmente, uma produção orientada para a subsistência dos próprios lavradores. Isto significaria a negação radical da finalidade do antigo sistema colonial: a acumulação de capital das economias centrais e metropolitanas).

3. Os pequenos proprietários não dispunham de recursos suficientes (a instalação de um engenho de açúcar – equipamento técnico indispensável ao sucesso da colonização – exigia um volume de capital inacessível ao pequeno lavrador).

4. Não havia mercados para o pequeno produtor (o simples lavrador não atingia o mercado externo, ao qual se destinava a produção açucareira; o mercado interno no Brasil Colônia quase não existia, principalmente porque o latifúndio, a grande unidade econômica dos tempos coloniais, produzia o necessário para seu consumo interno, pouco dependendo de fornecimentos exteriores).

5. As tribos indígenas eram hostis (o latifúndio dispunha de recursos para formar um forte contingente de homens armados que o defendessem contra os ataques dos selvagens; a pequena propriedade, ao contrário, era presa fácil para os índios).

A lógica da colonização mercantilista abafou o pequeno lavrador; na realidade, a pequena propriedade foi esmagada pelo latifúndio. Fundamentalmente, os minifundiários foram vítimas de uma pressão real por parte do latifúndio, além de discriminados por uma legislação opressora. Inúmeros obstáculos jurídicos impediram os lavradores independentes de se dedicarem para produtos ao alcance de seus pequenos recursos. Um bom exemplo disso: a fabricação de aguardente exigiria, somente, engenhos de baixo custo. Como tal produção desfalcava os grandes engenhos da cana de que necessitavam, Portugal, pelo Alvará de 1570, proibiu a fabricação de “pinga”. Como bem observa o historiador Caio Prado Júnior, o “aristocrático açúcar matou a democrática aguardente”. Dessa maneira, o latifúndio, ao eliminar a pequena

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propriedade, tornou-se a base da colonização do Brasil. No primeiro século da ocupação e valorização do Brasil, praticamente inexistiu qualquer tipo de produção urbana. A indústria e o comércio, atividades características das economias citadinas, dependiam da exploração do solo. Modestos mascates ambulantes, que percorriam os latifúndios e as poucas vilas em busca de escassos fregueses, efetuavam as diminutas transações comerciais. Olarias, carpintarias e serrarias estavam concentradas, em escalas muito reduzidas, às áreas das grandes fazendas. No século XVI e XVII, as vilas brasileiras não podiam ser chamadas de realidades urbanas.

Ao instalar uma área produtora açucareira no Brasil, o mercantilismo – que inicialmente pretendera a mera circulação mercantil – desdobrou-se numa nova fase de seu desenvolvimento. Nesse contexto, o capital mercantil assumiu uma dupla função: a de produtor, mantendo, contudo, seu caráter de controlador da circulação de mercadorias e capitais. Em resumo, a colonização do Brasil teve um sentido mercantilista. E essa lógica impôs a “plantation” como modo de produção típico das áreas periféricas submetidas aos ditames do antigo sistema colonial.

As características da plantation

Objetivo explorador – a produção colonial, voltada para os mercados europeus, buscava complementar as economias metropolitanas e acelerar a acumulação primitiva de capital em mãos da burguesia mercantil europeia.

Carência do mercado interno – a lógica mercantilista e os entraves jurídicos à pequena propriedade impediram o desenvolvimento da produção e do comércio internos.

Produção latifundiária – como a meta básica da produção colonial era suprir a demanda externa, só interessava ao capital comercial a exploração agrícola em grande escala.

Monocultura – as zonas produtoras coloniais dedicavam-se à elaboração de um só produto. Como o capital comercial se interessava, no Brasil, apenas pela venda de açúcar em grandes quantidades, os investimentos realizados na colônia não podiam fomentar, de maneira dispersiva, várias atividades agrícolas. Dessa forma, o mercantilismo, no início dos Tempos Modernos, criou uma verdadeira divisão mundial do trabalho, reservando a cada área periférica a exclusividade na produção de um determinado gênero.

Produção em dois eixos – um eixo dinâmico gerador de renda – o exportador (no caso do Brasil, o açucareiro) – e um outro voltado à produção básica de subsistência (em nosso país, fundamentalmente a pecuária).

Mão de obra escrava – a adoção do trabalho escravo impedia a formação de um mercado interno e, consequentemente, o surgimento de um setor da população colonial voltado para a produção de artigos de consumo estritamente local. Assim, o escravismo vedava a possibilidade de as rendas geradas pelo aparelho produtor periférico permanecerem na própria colônia. Impedindo o processo de acumulação de capital no interior das regiões coloniais, as burguesias metropolitanas asseguraram-se a exclusividade dos lucros. Além disso, também se optou pela implantação do escravismo negro na América, devido à existência do tráfico de africanos, empreendimento comercial de alta rentabilidade. Os setores da camada mercantil europeia, ligados ao comércio escravista, pressionavam para que se impusessem formas compulsórias

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de trabalho em todas as áreas coloniais: assim, eles continuariam desfrutando dos lucros exorbitantes proporcionados pelo tráfico negreiro. Os altos preços que o produtor colonial pagava pela “mercadoria” africana sangravam ainda mais os parcos capitais retidos na colônia, desviando-os para a Europa. O tráfico negreiro estava, assim, inserido na própria lógica do mercantilismo, que preconizava o fortalecimento das economias metropolitanas.

Transferência de capital gerado pela produção para a esfera da circulação – durante o capitalismo mercantil, todo e qualquer sistema produtor, quer europeu, quer colonial, tinha função precípua de se inserir na órbita da circulação de mercadorias. Nessa fase inicial do capitalismo, a circulação comandava a produção.

Funções tripartites – no Brasil colônia, o capital comercial holandês investiu na produção e cuidou da circulação; o latifúndio se especializou na produção açucareira e a Metrópole Lusitana se ocupou da administração, da tributação e, em termos econômicos, do tráfico negreiro, com relativo apoio flamengo.

Sociedade colonial – basicamente bipolarizada: senhores de engenho e latifundiários, de um lado, e escravos, na base da sociedade. A lógica mercantilista de colonização praticamente excluiu camadas médias, que dependeriam da eventual existência de um mercado interno colonial.

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UNIÃO IBÉRICA

União ibérica foi a unidade política que regeu a península ibérica de 1580 a 1640, resultado da união dinástica entre as monarquias de Portugal e da Espanha após a Guerra da Sucessão Portuguesa. Na sequência da crise de sucessão de 1580 em Portugal, uma união dinástica que juntou as duas coroas, bem como as respectivas possessões coloniais, sob o controle da monarquia espanhola durante a chamada dinastia Filipina. O termo união ibérica é uma criação de historiadores modernos.

A unificação da península havia sido desde há séculos um objetivo dos monarcas da região. Sancho III de Navarra e Afonso VII de Leão e Castela ambos tomaram o título de Imperator totius Hispaniae, que significa "Imperador de Toda a Hispânia". A união poderia ter sido alcançada antes se Miguel da Paz (1498-1500), Príncipe de Portugal e das Astúrias, filho do primeiro casamento do rei D. Manuel I com a infanta Isabel de Aragão, tivesse chegado a rei, mas este morreu na infância.

A história de Portugal desde a crise de sucessão iniciada em 1578 até aos primeiros monarcas da dinastia de Bragança foi um período de transição. O Império Português estava no auge no início deste período.

Ao longo do século XVII, a crescente predação às feitorias portuguesas no Oriente por holandeses, ingleses e franceses, e a rápida intrusão no comércio atlântico de escravos, minou o lucrativo monopólio português no comércio oceânico de especiarias e no tráfico de escravos, iniciando um longo declínio. Em menor medida, o desvio de riqueza de Portugal pela monarquia dos Habsburgo para sustentar o lado católico na Guerra dos Trinta Anos, também criou tensões dentro da união, embora Portugal tenha beneficiado do poderio militar espanhol para ajudar a manter o Brasil e impedir o comércio holandês. Estes eventos, e aqueles que ocorreram no final da dinastia de Aviz e no período da união ibérica, levaram Portugal a um estado de dependência das suas colónias, primeiro da Índia e depois o Brasil.

Para entendermos a vinda dos holandeses para o Brasil, devemos estudar a unificação de Portugal e Espanha no período de 1580 e 1640, pois esses fatos estão relacionados.

Na segunda metade do século XVI, Portugal já era vítima de um processo de decadência, cujas causas eram inúmeras: os altos custos de manutenção da corte e da burocracia de estado; a existência de uma nobreza parasitária e financeiramente dependente do governo; os custos das navegações, principalmente às dedicadas ao comércio oriental; a despreocupação em investir em manufaturas, o que obrigava o Reino a importações desnecessárias e a dependência do capital mercantil lusitano de investimentos estrangeiros, principalmente holandeses. Com o objetivo de superar a crise que então acometia o país, alguns segmentos das elites e do governo propuseram a retomada da expansão, dessa vez visando o controle do norte da África. Mais uma vez, manifestava-se a “vocação africana de Portugal”.

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Em 1557, com a morte do Rei D. João III, subia ao trono seu neto D. Sebastião, um jovem soberano, impregnado de espírito cruzadista e de ambições de glória, que encampou o “sonho louco” do império africano. Uma boa descrição de seus devaneios é dada pelo poeta Fernando Pessoa que diz “Louco sim, porque quis grandeza”. Buscando concretizar seus delírios de vitória, em 1578, D. Sebastião desembarca no Marrocos, onde é vencido e morto na Batalha de Alcácer-Quibir por exércitos árabes poderosos e bem preparados. A morte de D. Sebastião – ainda jovem e sem filhos – gera em Portugal uma Questão Dinástica. Com a vacância do Trono, é aclamado rei seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique, idoso e também sem descendentes. Para resolver o problema da sucessão monárquica, são convocadas as Cortes do Alecrim, onde comparecem 16 pretendentes à Coroa Portuguesa: destacando-se Dona Catarina, duquesa de Bragança; D. Antônio, prior do Crato, primo bastardo de D. Sebastião, e Filipe II de Habsburgo, rei da Espanha e neto de D. João III. Apoiado pela Inglaterra, pela França e, de início, pela burguesia mercantil portuguesa, Antônio fez-se proclamar Rei de Portugal. De imediato, Filipe II ordenou que tropas castelhanas, encabeçadas pelo Duque de Alba, então apelidado de o “carniceiro de Bruxelas”, invadissem Portugal.

Em 1581, nas Cortes de Tomar, Filipe II era coroado rei português: nascia a União Ibérica, também conhecida como a União das Coroas Peninsulares, a “longa noite” do domínio espanhol. Num primeiro momento, essa alteração política pouco nos afetou, pois os principais cargos administrativos na Colônia continuaram sendo ocupados por autoridades portuguesas. À médio prazo, contudo, a hegemonia da Espanha – inimiga da Inglaterra, da França e, em especial, da Holanda – acarretaria as invasões flamengas ao Brasil.

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INVASÕES HOLANDESAS / INSURREIÇÃO PERNAMBUCANA

INVASÕES HOLANDESAS

Sendo o maior conflito político-militar da vida colonial brasileira, as invasões holandesas representaram um grande esforço militar e financeiro não só de Portugal como também de forças locais.

A crise sucessória em Portugal, que levou ao fim da dinastia de Avis (1580), possibilitando a União Ibérica foi um fator decisivo nas invasões estrangeiras. Os holandeses iniciaram a pilhagem na costa africana (1595) e em Salvador (1604) demonstrando uma grande vontade política de atacar bases portuguesas no além mar. A Trégua dos Doze Anos (1609-1621) trouxe uma pequena estabilidade nas relações internacionais entre Espanha e Holanda. Todavia, com a criação da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, constituída com capitais estatal e particular, a Holanda iniciava uma nova fase de ataque às áreas produtoras de açúcar, tentando também controlar as áreas fornecedoras de escravos.

Ocupando Salvador, em 1624, os holandeses desencadearam uma resistência por parte dos homens bons, que se refugiaram nas fazendas próximas à capital, sob o comando de Matias de Albuquerque e do bispo Dom Marcos Teixeira. Em maio de 1625, com a chegada de uma frota de 52 navios e mais de 12 mil homens, os holandeses se renderam.

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Em 1630, era a vez de Pernambuco ser atacada, sendo Olinda conquistada. A chegada holandesa na capitania marcaria o início de um conflito que pode ser dividido em três momentos:

• 1630-1637: marcado por uma guerra de resistência, que acabou afirmando a dominação holandesa na região entre o Ceará e o rio São Francisco, contando com a participação de tropas portuguesas, castelhanas e mercenários napolitanos;

• 1637-1644: caracterizou-se por uma relativa paz nas mãos do príncipe holandês Maurício de Nassau, responsável pela implementação de várias realizações políticas e administrativas (venda à crédito dos engenhos abandonados pelos seus antigos donos, obrigação do plantio de mandioca para solucionar parcialmente o problema do desabastecimento, liberdade de culto para os criptojudeus, entradas de artistas – Frans Post – , melhoramentos no Recife, elevado à categoria de capital substituindo Olinda, entre outros). Nassau regressou para a Holanda em 1644, em função de problemas com a Cia. das Índias Ocidentais;

Nassau, homem culto e liberal, tolerante com a imigração de judeus e protestantes, que o apoiavam contra o Reino de Portugal na sua conquista do território brasileiro, trouxe consigo artistas e cientistas para estudar as potencialidades da terra. Preocupou-se com a recuperação da agromanufatura do açúcar, prejudicada pelas lutas, concedendo créditos e vendendo em hasta pública os engenhos conquistados. Cuidou da questão do abastecimento e da mão de obra, da administração e promoveu ampla reforma urbanística no Recife (Cidade Maurícia). Concedeu liberdade religiosa, registrando-se a fundação, no Recife, da primeira sinagoga do continente americano.

Em novembro de 1640, uma expedição da WIC, comandada por Jan Cornelisz e Lichthardt e Hans Koin, tomou a Ilha de São Luís. Colonos portugueses e missionários jesuítas se estabeleceram em Tapuitapera. O principal líder da resistência foi Antônio Muniz Barreiros. Em 1643, chegaram reforços do Pará, liderados por João Vale do Velho e Pedro Maciel. As lutas para expulsão do invasor estenderam-se até 28 de fevereiro de 1644.

Em dezembro de 1640, Portugal se separou da Espanha, o que possibilitou a formação de uma aliança com a Inglaterra para combater a Holanda.

1645-1654: definiu-se pela reconquista.

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História de Pernambuco – Invasões Holandesas / Insurreição Pernambucana – Prof. Thiago Scott

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Com o fim da União Ibérica, a partir da ascensão de Dom João IV ao trono de Portugal, os principais centros de resistência estavam em Pernambuco, destacando-se as figuras de André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, juntando-se também os negros Henrique Dias e o índio Filipe Camarão. Com as duas vitórias nas Batalhas de Guararapes (1648-1649), a crise da Cia. das Índias Ocidentais e o início da guerra entre Inglaterra e Holanda, em 1652, os holandeses foram definitivamente derrotados em 1654.

INSURREIÇÃO PERNAMBUCANA (1645-1654)

Batalha dos Guararapes (óleo sobre tela por Victor Meirelles, 1879)

A expulsão dos holandeses fortaleceu o nativismo pernambucano, transformando essa região, até 1848, em um grande polo de contestação colonial.

A Insurreição Pernambucana, também referida como Guerra da Luz Divina, registrou-se no contexto da segunda das invasões holandesas do Brasil, culminando com a expulsão dos holandeses da região Nordeste do país tornando esta à coroa portuguesa. Em 15 de maio de 1645, reunidos no Engenho de São João, 18 líderes insurretos pernambucanos assinaram compromisso para lutar contra o domínio holandês na capitania. O movimento integrou forças lideradas por André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, Henrique Dias e Filipe Camarão, nas célebres Batalhas dos Guararapes, travadas entre 1648 e 1649, que determinaram a expulsão dos holandeses do Brasil.

A Insurreição ocorreu no contexto da ocupação holandesa na região Nordeste do Brasil, em meados do século XVII. Ela representou uma ação de confronto com os holandeses por parte dos portugueses, comandados principalmente por João Fernandes Vieira, um próspero senhor de engenho de Pernambuco. Nessa luta contra os holandeses, os portugueses contaram com o importante auxílio de alguns africanos libertos e também de índios potiguares.

A oposição dos portugueses aos holandeses ocorreu em decorrência da intensificação da cobrança de impostos e também da cobrança dos empréstimos realizados pelos senhores de engenho de origem portuguesa com os banqueiros holandeses e com a Companhia das Índias Ocidentais, empresa que administrava as possessões holandesas fora da Europa.

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Outro fato que acirrou a rivalidade entre portugueses e holandeses foi a questão religiosa. Boa parte dos holandeses que estava na região de Recife e Olinda era formada por judeus ou protestantes. Nesse contexto religioso que trazia as consequências da Reforma e da Contrarreforma para solo americano, o catolicismo professado pelos portugueses era mais um elemento de estímulo para expulsar os holandeses do local.

Os conflitos iniciaram-se em maio de 1645, após o regresso de Maurício de Nassau à Holanda. As tropas comandadas por João Fernandes Vieira receberam o apoio de Antônio Felipe Camarão, índio potiguar conhecido como Poti que auxiliou no combate aos holandeses junto a centenas de índios sob seu comando. Outro auxílio recebido veio do africano liberto Henrique Dias. A Batalha do Monte Tabocas foi o principal enfrentamento ocorrido nesse início da Insurreição. Os portugueses conseguiram infligir uma retumbante derrota aos holandeses, garantindo uma elevação da moral para a continuidade dos conflitos. Além disso, os insurrectos receberam apoio de tropas vindas principalmente da Bahia.

Outro componente envolvido na Insurreição Pernambucana estava ligado às disputas que havia entre vários países europeus à época. Durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), os espanhóis estavam em confronto com os holandeses pelos territórios dos Países Baixos. Era ainda o período da União Ibérica, em que o Reino Português estava subjugado ao Reino Espanhol.

Nesse sentido, a posição holandesa em relação a Portugal era dúbia. Em solo europeu, os holandeses apoiavam os portugueses contra o domínio espanhol, mas, ao mesmo tempo, ocupavam territórios portugueses na África Ocidental e no Brasil, sendo que além da região pernambucana, os holandeses tentaram ainda conquistar algumas localidades no Maranhão e em Sergipe.

No início de 1648, Holanda e Espanha selaram a paz, e os espanhóis aceitaram entregar aos holandeses as terras tomadas pelos insurrectos portugueses em Pernambuco. Frente a tal situação, o conflito continuou. Em Abril de 1648, ocorreu a primeira Batalha dos Guararapes, em que os holandeses sofreram dura derrota, abrindo caminho para o ressurgimento do domínio português a partir de 1654.

Principais líderes da revolta

João Fernandes Vieira – Senhor de engenho português, era mulato e chegou ao Brasil com dez anos de idade. Na opinião do historiador Charles Ralph Boxer foi o principal lider da reconquista de Pernambuco. Conforme as palavras do historiador brasileiro Oliveira Lima, "João Fernandes Vieira, apesar de ser de cor, governou Angola e Pernambuco". Em 1645 foi o primeiro signatário do pacto então selado no qual figura o vocábulo pátria pela primeira vez utilizado em terras brasileiras. Na função de Mestre-de-Campo, comandou o mais poderoso terço do Exército Patriota nas duas batalhas dos Guararapes (1648 e 1649). Por seus feitos, foi aclamado Chefe Supremo da Revolução e Governador da Guerra da Liberdade e da Restauração de Pernambuco.

André Vidal de Negreiros – brasileiro nascido na Paraíba, mobilizou recursos e gentes do sertão nordestino para lutar ao lado das tropas luso-brasileiras, um dos melhores soldados de seu tempo, tomou parte com grande bravura em quase todos os combates contra os holandeses. Foi nomeado Mestre-de-Campo, notabilizando-se no comando de um dos terços do Exército Patriota nas duas batalhas dos Guararapes. Comandou o sítio de Recife que resultou na

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capitulação holandesa em 1654. André Vidal de Negreiros foi na opinião do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen o grande artífice da expulsão dos holandeses. Pelos seus feitos foi nomeado governador e capitão-geral das capitanias do Maranhão, de Pernambuco e o Estado de Angola.

Morro dos Guararapes, local onde foram travadas as Batalhas dos Guararapes, com Recife ao fundo. O Parque Histórico Nacional dos Guararapes é bem tombado pelo IPHAN.

Filipe Camarão ou Potiguaçu – Indígena da tribo potiguar, à frente dos guerreiros de sua tribo organizou ações de guerrilha que se revelaram essenciais para conter o avanço dos invasores, destacou-se nas batalhas de São Lourenço (1636), Porto Calvo (1637) e de Mata Redonda (1638). Nesse último ano participou ainda da defesa de Salvador, atacada pelos melhores soldados de Maurício de Nassau. Distinguiu-se comandando a ala direita do exército rebelde na Primeira Batalha dos Guararapes, pelo que foi agraciado com a mercê de Dom, o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo, o foro de fidalgo com brasão de armas e o título de Capitão-Mor de Todos os índios do Brasil.

Henrique Dias – Brasileiro filho de escravos, conhecido como governador da gente preta, recrutou ex-escravos afro-brasileiros oriundos dos engenhos assolados pelo conflito e dominados pelos invasores, como mestre-de-campo comandou o Terço de Homens Pretos e Mulatos do Exército Patriota nas duas batalhas dos Guararapes, suas tropas também eram denominadas Henriques ou milícias negras. Participou de inúmeros combates, distinguindo-se por bravura nos combates de Igaraçu onde foi ferido duas vezes, participou ainda da reconquista de Goiana e notoriamente em Porto Calvo em 1637, quando teve a mão esquerda estraçalhada por um tiro de arcabuz, sem abandonar o combate decidiu a vitória na ocasião. Quando D. João IV desautorizara a Insurreição Pernambucana há uma breve trégua, mas mesmo assim Henrique Dias escreve estas palavras ao holandeses "...Meus senhores holandeses...Saibam Vossas Mercês que Pernambuco é...minha Pátria, e que já não podemos sofrer tanta ausência dela. Aqui haveremos de perdar as vidas, ou havemos de deitar a Vossas Mercês fora dela. E ainda que o Governador e Sua Majestade nos mandem retirar para a Bahia, primeiro que o façamos havemos de responder-lhes, e dar-lhes as razões que temos para não desistir desta guerra". Pelos seus serviços prestados também recebeu vários títulos de fidalgo, como a a mercê do Hábito da Ordem de Cristo e a a Comenda de Soure.

Antonio Dias Cardoso – Português, foi um dos principais líderes da Insurreição Pernambucana e comandou um pequeno efetivo que venceu a batalha dos Montes das Tabocas contra uma tropa muito maior liderada diretamente por Maurício de Nassau e posteriormente também em menor número venceu em Casa Forte a tropa neerlandesa comandada pelo Tenente-coronel Hendrick Van Hans, Comandante-Geral holandês no Nordeste do Brasil. Também participou ativamente nas duas batalhas dos Guararapes quando na primeira foi subcomandante do maior dos quatro terços do Exército Patriota, tendo-lhe sido passada a investida da principal frente de batalha por João Fernandes Vieira, na segunda batalha comandou a chamada Tropa Especial do Exército Patriota, desbaratando toda a ala direita dos holandeses.

Nesta campanha começou no posto de soldado, durante a invasão de 1624 a 1625 teve sucesso ao lado de sua companhia em conter o invasor no perímetro de Salvador que estava cercada pelos melhores soldados de Maurício de Nassau, por seus feitos durante a campanha chegou rapidamente ao posto de capitão, onde foi para a reserva, mas devido ao seu reconhecido valor foi novamente convocado para lutar, era conhecedor profundo das técnicas de guerrilha dos indígenas, onde os mesmos utilizavam-se largamente de emboscadas, e em 1645 recrutou,

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treinou e liderou uma força de 1.200 pernambucanos mazombos insurretos, armados com armas de fogo, foices, paus, arcos e flechas, numa emboscada em que derrotaram 1.900 neerlandeses melhor equipados. Esse sucesso lhe valeu o apelido de mestre das emboscadas.

Devido a seus feitos foi lhe concedido a honra de Cavaleiro da Ordem de Cristo e o comando do Terço de João Fernandes Vieira, do qual havia sido ajudante à época da 1ª batalha dos Guararapes. Em 1656 foi nomeado Mestre-de-Campo, encerrando definitivamente a sua carreira militar. Em 1657, assumiu o governo da Capitania da Paraíba.

Devido a ter comandado a Tropa Especial do Exército Patriota e principalmente por ter operado no passado da mesma maneira que fazem atualmente as tropas de forças especiais, combatendo em menor número, sem posição fixa, usando a surpresa como elemento de combate, utilizando-se de emboscadas, recrutando população local, treinando-as em técnicas irregulares como as de guerrilha, dentre outras coisas, foi homenageado como patrono do 1º Batalhão de Forças Especiais do Exército Brasileiro e por isso é reconhecido atualmente como o primeiro operador de forças especiais do Brasil.

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História

REVOLTAS NATIVISTAS

GUERRA DOS MASCATES

Entre os principais conflitos podemos destacar a Guerra dos Mascates, em Pernambuco, que foi fundamental na separação de Recife e Olinda; A Revolta dos Irmãos Beckman, no Maranhão, que aconteceu após a crise açucareira que atingiu o Brasil em 1680; A Guerra dos Emboabas, em Minas Gerais, que culminou na criação da Capitania de São Paulo; A Aclamação de Amador Bueno da Ribeira, em São Paulo e a Revolta de Filipe dos Santos, em 1720, na Capitania de São Vicente.

Alguns estudiosos afirmam que as revoltas nativistas não foram resultado de nenhum arroubo de paixão pela pátria nem um crescente desejo de conseguir a independência do Brasil, não se pensava na emancipação do país, e sim na melhora dos aspectos do pacto colonial. A colonização, que se estendeu de maneira predominante por dois séculos, não foi de todo mal para o Brasil, que cresceu durante esse período e beneficiava de alguma forma os colonos do país com a subordinação que devia a Portugal.

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Guerra dos Mascates (PE)

O mascate e seu escravo, de Henry Chamberlain

A Guerra dos Mascates, que se registrou de 1710 a 1711 na então Capitania de Pernambuco, é considerada um movimento nativista pela historiografia em História do Brasil.

A partir de 1654, a expulsão definitiva dos holandeses de Pernambuco provocou uma grande mudança no cenário econômico daquela região. Os grandes produtores de açúcar que anteriormente usufruíram dos investimentos holandeses, agora viviam uma crise decorrente da baixa do açúcar no mercado internacional e a concorrência do açúcar produzido nas Antilhas. Contudo, esses senhores de engenho ainda possuíam o controle do cenário político local por meio do poder exercido na câmara municipal de Olinda.

Em contrapartida, Recife – região vizinha e politicamente subordinada à Olinda – era considerado o principal polo de desenvolvimento econômico de Pernambuco. O comércio da cidade trazia grandes lucros aos portugueses, que controlavam a atividade comercial da região. Essa posição favorável tinha como motivação as diversas melhorias empreendidas na cidade com a colonização holandesa, que havia transformado a cidade em seu principal centro administrativo.

Com o passar do tempo, a divergência da situação política e econômica entre os fazendeiros de Olinda e os comerciantes portugueses de Recife criou uma tensão local. Inicialmente, os senhores de engenho de Olinda, vivendo sérias dificuldades para investirem no negócio açucareiro, pediram vários empréstimos aos comerciantes portugueses de Recife. Contudo, a partir da deflagração da crise açucareira, muitos dos senhores de engenho acabaram não tendo condições de honrar seus compromissos.

Nessa mesma época, a complicada situação econômica de Olinda somou-se ao completo sucateamento da cidade, que sofreu com as guerras que expulsaram os holandeses. Com isso, a câmara de Olinda decidiu aumentar os impostos de toda a região, incluindo Recife, para que fosse possível recuperar o centro administrativo pernambucano. Inconformados, os comerciantes portugueses, pejorativamente chamados de “mascates”, buscaram se livrar da dominação política olindense.

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Para tanto, os comerciantes de Recife conseguiram elevar o seu povoado à categoria de vila, tendo dessa maneira o direito a formar uma câmara municipal autônoma. A medida deixou os latifundiários de Olinda bastante apreensivos, pois temiam que dessa forma os comerciantes portugueses tivessem meios para exigir o pagamento imediato das dívidas que tinham a receber. Dessa forma, a definição das fronteiras dos dois municípios serviu como estopim para o conflito.

A guerra teve início em 1710, com a vitória dos olindenses que conseguiram invadir e controlar a nova cidade pernambucana. Logo em seguida, os recifenses conseguiram retomar o controle de sua cidade em uma reação militar apoiada por autoridades políticas de outras capitanias. O prolongamento da guerra só foi interrompido no momento em que a Coroa Portuguesa indicou, em 1711, a nomeação de um novo governante que teria como principal missão estabelecer um ponto final ao conflito.

Os mascates contra-atacaram em 1711, invadindo Olinda e provocando incêndios e destruição em vilas e engenhos na região.

A nomeação de um novo governador, Felix José de Mendonça, depois da retirada forçada para a Bahia de Sebastião de Castro Caldas que tinha levado um tiro, e a atuação de tropas mandadas de lá puseram fim à guerra. A burguesia mercantil recebeu o apoio da metrópole, e o Recife manteve a sua autonomia.

No século XIX, escreveria Frei Caneca a esse respeito: « Quando a pátria careceu dos braços e sangue de seus filhos, ao lado dos pardos não lhe deram seus braços e sangue os brancos e os pretos? Quando aqueles lavaram de suas lágrimas os ferros do despotismo, não correram também a fio as lágrimas destes? Antes os brancos tem padecido mais do que os outros pernambucanos nas maiores tempestades de Pernambuco. Nas sedições do século passado, entrando todos na refrega, somente sobre os brancos vieram os flagelos e os raios; as masmorras foram cheias das pessoas mais respeitáveis de Pernambuco; outros amontoaram-se aos mais embrenhados matos e longínquos sertões; e viram-se carregados de ferros e remetidos para Portugal o coronel Leonardo Bezerra Cavalcanti e seus dois filhos, o major Bernardo Vieira de Melo, com um filho (André) e seu irmão, o comissário geral Manuel Cavalcanti Bezerra, o capitão André Dias de Figueiredo e seu irmão tenente-coronel, o licenciado José Tavares de Holanda, o capitão João de Barros Correia, o capitão Cosme Bezerra Cavalcanti e outros.(Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, Coleção Formadores do Brasil, 1994, página 283)

O sentimento autonomista e antilusitano dos pernambucanos, que vinha desde a luta contra os holandeses, continuou a manifestar-se em outros conflitos, como a Conspiração dos Suassunas, a Revolução Pernambucana de 1817 e a Confederação do Equador.

Depois de muita luta, que contou com a intervenção das autoridades coloniais, finalmente em 1711 o fato se consumou: Recife foi equiparada a Olinda. Assim terminou a Guerra dos Mascates.

Com a vitória dos comerciantes, essa guerra apenas reafirmava o predomínio do capital mercantil (comércio) sobre a produção colonial.

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História

A Revolução Pernambucana de 1817

A chegada da Corte no Brasil causou uma série de descontentamentos em diferentes setores coloniais. Em Pernambuco, as forças militares locais foram preteridas em relação aos militares que chegaram de Portugal, transformando-se em um importante foco de descontentamento na província.

Com o aumento dos impostos necessários para a manutenção das guerras na Cisplatina e para o sustento da Corte no Brasil, O Rio de Janeiro acabou assumindo o papel da antiga metrópole, Lisboa. O sentimento regionalis-ta do nordeste somou-se ao antiluzitanismo, dando uma reação explosiva. Em março de 1817, militares, proprietários rurais, juízes, artesãos, comerciantes e um significativo número de sacerdotes (“a Revolução dos Pa-dres”) iniciaram a revolução que, rapidamen-te se estendeu para Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte.

“Não devemos imaginar, porém, que os di-ferentes grupos tivessem os mesmos obje-tivos. Para as camadas pobres da cidade, a independência estava associada à idéia de igualdade, uma igualdade mais para cima que para baixo... (“ os cabras, mulatos e crioulos andavam tão atrevidos que diziam que éramos todos iguais e não haviam de casar senão com brancas das melhores”). Para os grandes proprietários rurais, tratava-se de acabar com a cen-tralização imposta pela Coroa e tomar em suas mãos o destino, se não da colônia, pelo menos do nordeste”. (FAUSTO, Boris. História do Brasil.)

“Não devemos imaginar, porém, que os diferentes grupos tivessem os mesmos objetivos. Para as camadas pobres da cidade, a independência estava associada à idéia de igualdade, uma igualdade mais para cima que para baixo... (“ os cabras, mulatos e crioulos andavam tão atre-vidos que diziam que éramos todos iguais e não haviam de casar senão com brancas das me-lhores”). Para os grandes proprietários rurais, tratava-se de acabar com a centralização impos-ta pela Coroa e tomar em suas mãos o destino, se não da colônia, pelo menos do nordeste”. (FAUSTO, Boris. História do Brasil.)

Tomando a cidade do Recife e formando um governo provisório, os revoltosos proclamaram a República, declarando igualdade de direito e tolerância religiosa, sem tocar na questão da escravidão. Em maio de 1817, as tropas portuguesas ocupavam o Recife e já controlavam a re-volta em Alagoas, prendendo e matando os líderes do movimento.

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História

REVOLTA DOS CABANOS

A REGÊNCIA (1831-1840)

Sendo um período de muitas agitações sociais, a Regência apresentou-se como uma fase de extrema importância para história do Brasil, em especial nas questões de centralização ou des-centralização, o grau de autonomia das províncias e a organização das forças armadas.

A falta de consenso entre as elites locais e a falta de clareza em relação ao papel do Estado foram os principais fatores da difícil governabilidade do período. Os liberais moderados forma-ram a principal tendência política da regência, destacando-se os políticos de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, contando também com um número significativo de padres, muitos pro-prietários de terras e de escravos, destacando-se Bernardo Pereira de Vasconcelos (magistrado mineiro formado em Coimbra), o Padre Diogo Feijó (paulista, futuro regente) e Evaristo da Vei-ga (responsável pelo jornal Aurora Fluminense, o mais importante jornal liberal da época).

A oposição se dividia: os “exaltados” (defendiam a federação e as liberdades individuais, sendo alguns, como Cipriano Barata e Borges da Fonseca, republicanos) e os absolutistas (“caramu-rus”, muitos portugueses, burocratas, militares do Exército e comerciantes, lutavam pela volta de Dom Pedro I. Em 1834, com a morte deste, o grupo se desfez).

As Reformas Institucionais

Criar uma nova organização militar, que reduzisse o seu papel, e suprimir ou diminuir as atribui-ções de órgãos da Monarquia foram as duas principais preocupações das reformas institucio-nais.

Em 1834, o Código de Processo Criminal entrou em vigor (maiores poderes aos juizes de paz, instituiu o júri e criou o habeas corpus). Uma lei de agosto de 1834, chamada de Ato Adicio-nal (fez adições e alterações na constituição de 1824) determinou a impossibilidade de uso do Poder Moderador durante a Regência, supriu o Conselho de Estado, criaram-se as Assembléias Provinciais, permitiu que as Províncias conseguissem recursos próprios, à custa do enfraque-cimento do poder central e deu às Assembléias Provinciais o direito de demitir e nomear fun-cionários públicos, (colocando nas mãos dos políticos locais um grande instrumento de poder).

Em agosto de 1831, foi criada a Guarda Nacional, substituindo as antigas milícias. Tinha por ob-jetivo criar um corpo de cidadãos confiáveis, recrutando todos os cidadãos com direito de voto nas eleições primárias que tivessem entre 21 e 60 anos, desfalcando assim o Exército.

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As Revoltas Provinciais e a Guerra dos Cabanos

Resultado de questões específicas, as revoltas regenciais apresentaram em comum as dificul-dades de vida e as incertezas da organização política. O fortalecimento dos poderes provinciais em decorrência do Ato Adicional de 1834 aumentou consideravelmente a disputa interna pelo poder local.

No Rio de Janeiro, entre 1831 e 1832, houve cinco levantes, o que colocou, inclusive, a vida do imperador em perigo.

“Muito diferente dessas revoltas foi a Guerra dos Cabanos, em Pernambuco, entre 1832 e 1835, um movimento essencialmente rural que se diferenciou também das anteriores insurreições pernambucanas, por seu conteúdo. Os cabanos reuniam pequenos proprietários, trabalhado-res do campo, índios, escravos e, no início, alguns senhores de engenho. Lutaram em nome da religião, pelo retorno do imperador contra os chamados “carbonários jacobinos”. Os cabanos contaram com o apoio de comerciantes portugueses do Recife e de políticos restauracionista na capital do Império.

Depois de uma guerra de guerrilhas, os rebeldes foram afinal derrotados, ironicamente, por Manuel Carvalho Pais de Andrade, a mesma pessoa que proclamara em 1824 a Confederação do Equador.

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História – Revolta dos Cabanos – Prof. Thiago Scott

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A Guerra dos Cabanos

Cabanada foi a rebelião ocorrida no Brasil entre 1832 e 1834, iniciada logo após a abdicação de Dom Pedro I, ou seja, no período da Regência. Dificuldades financeiras do novo Regime, com o comércio exterior quase estagnado e a queda das cotações do algodão e da cana-de-açúcar, além do privilégio aduaneiro à Inglaterra, em vigor desde 1810, fizeram com que eclodissem diversas revoltas no Império do Brasil nesse período.

O movimento da Cabanada se deu em Pernambuco, Alagoas, e Pará, porém são insurreições diferentes e em locais diferentes. A primeira se trata da revolta em Pernambuco e Alagoas e a segunda na região do atual Pará.

Em Pernambuco, onde também foi chamado de "A Guerra dos Cabanos", a rebelião foi conser-vadora pois pretendia a volta do monarca português ao trono do Brasil (para alguns historiado-res, uma pré-Canudos). Desenrolou-se na zona da mata e no agreste. Teve como líder Vicente de Paula, com seguidores de origem humilde, predominando índios (jacuípes e outros) e escra-vos foragidos (chamados de papaméis).

Com a morte de Dom Pedro I em Portugal (1834), o movimento deixou de ter razão de existir, e em uma Conferência de Paz com participação do bispo Dom João da Purificação Marques Perdigão, a rebelião terminou. Mesmo assim, os governadores Manoel de Carvalho Paes de An-drade e Antônio Pinto Chichorro da Gama mandaram um exército de 4000 soldados cercarem o local, prendendo centenas de revoltosos.

Já bem antes da revolta começar o bispo Dom João da Purificação Marques Perdigão, estava ar-rumando um jeito de acabar com ela, pois ele já tinha em mente que iria acontecer isso, estava mais preocupado com como terminar que com como começar.

A insurreição da Cabanagem no Pará foi mais grave, pois foi nacionalista e queria a indepen-dência da província. Durou cerca de 5 anos, pacificada pelo Marechal Soares de Andréa, o ba-rão de Caçapava, a custa de vários conflitos sangrentos e execuções dos insurretos.

Ao final da Cabanada, o líder Vicente de Paula foi preso e enviado para a ilha de Fernando de Noronha

Leitura complementar: as Revoltas Regenciais

Após o Ato Adicional de 1834, ocorreram a Cabanagem, no Pará (1835-1840), a Sabinada, na Bahia (18371838), a Balaiada, no Maranhão (1838-1840) e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul (1836-1845).

A Cabanagem: explodiu no Pará, região frouxamente ligada ao Rio de Janeiro. A estrutura social não tinha aí a estabilidade de outras províncias, nem havia uma classe de proprietários rurais bem estabelecida. Era um mundo de índios, mestiços, trabalhadores escravos ou dependen-tes e uma minoria branca, formada por comerciantes portugueses. Essa minoria se encontrava em Belém, uma pequena cidade de 12 mil habitantes. Por aí escoava a modesta produção de tabaco, cacau, borracha e arroz. Uma contenda entre grupos da elite local, sobre a nomeação do presidente da província, abriu caminho para a rebelião popular. Foi proclamada a indepen-dência do Pará. Uma tropa cuja base se compunha de negros, mestiços e índios atacou Belém

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e conquistou a cidade, após vários dias de dura luta. A partir daí a revolta se estendeu para o interior da província.

Em meio à luta, destacou-se na liderança dos rebeldes Eduardo Angelim. Angelim tentou orga-nizar umgoverno, colocando como seu secretário, um padre, uma das poucas pessoas capazes de escrever fluentemente.

Os cabanos não chegaram a oferecer uma organização alternativa ao Pará, concentrando-se no ataque aos estrangeiros, aos maçons, e na defesa da religião católica, dos brasileiros, de Dom Pedro II, do Pará e da liberdade.

A rebelião foi vencida pelas tropas legalistas, depois do bloqueio da entrada do Rio Amazonas e uma série de longos e cruéis confrontos. Calcula-se que 30 mil pessoas morreram, entre rebel-des e legalistas, ou seja, 20% da população estimada da província.

A Sabinada: deriva a designação de seu principal líder, Sabino Barroso, jornalista e professor da Escola de Medicina de Salvador. A Sabinada reuniu uma base ampla de apoio, incluindo pesso-as da classe média e do comércio de salvador, em torno das idéias federalistas e republicanas. Seriam libertos os cativos nacionais que houvessem pegado em armas pela revolução; os de-mais continuariam escravizados.

Os “sabinos”não conseguiram penetrar no Recôncavo, onde os senhores de engenho apoiaram o governo. Após o cerco de Salvador por terra e mar, as forças governamentais recuperaram a cidade através de uma luta corpo a corpo que resultou em cerca de 1800 mortos.

A Balaiada: maranhense começou a partir de uma série de disputas entre grupos da elite local. As rivalidades acabaram resultando em uma revolta popular. Ela se concentrou no sul do Mara-nhão, junto à fronteira do Piauí, uma área de pequenos produtores de algodão e criadores de gado À frente do movimento estavam o cafuzo Raimundo Gomes, envolvido na política local, e Francisco dos Anjos Ferreira, de cujo ofício – fazer e vender balaios – derivou o nome da revol-ta.

Paralelamente, surgiu um líder negro conhecido como Cosme – sem sobrenome pelo menos nos relatos históricos – à frente de 3 mil escravos fugidos.

Os balaios chegaram a ocupar Caxias, Segunda cidade da província. De suas raras proclamações por escrito constam vivas à religião católica, à Constituição, à Dom Pedro II, à “santa causa da liberdade”.

As várias tendências existentes entre os balaios resultaram em desentendimentos e os rebel-des foram derrotados em meados de 1840. Cosme foi enforcado em 1842. No comando das tropas imperiais estava um oficial com presença constante nos confrontos políticos e nas Bata-lhas do Segundo Reinado: Luís Alves de Lima e Silva, que na ocasião recebeu o título de Barão de Caxias.” (Boris Fausto, pp. 1664-167).

A Guerra dos Farrapos

Em 1835, a Guerra dos Farrapos (ou Farroupilhas), “maltrapilhos”, “gente vestida com farrapos”, referencia inicial aos trajes usados por Cipriano Barata, quando nas Cortes de Lisboa. Onome trás uma incorreção pelo fato de seus participantes representarem a elite dos estancieiros, cria-dores de gado da província.

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As relações dos gaúchos com o mundo platino, em especial com o Uruguai, sempre foi mui-to grande, pois os grandes proprietários da região possuíam fortes contatos com os caudilhos uruguaios, inclusive com relações de casamentos. Por outro lado, a economia da província tam-bém apresentava uma integração com as demais regiões brasileiras, em especial pela criação de mulas, até as últimas décadas do século XVIII pela produção de trigo, pela criação de gado e produção de carne bovina em charque, que era fortemente consumindo nas demais regiões, na alimentação das populações pobres e escravos. Os criadores de gados e os produtores de charque formavam dois grupos distintos: os primeiros encontravam-se na região da Campanha, na fronteira com o Uruguai e os charqueadores tinham suas industrias no litoral, nas áreas das lagoas, como Rio Grande e Pelotas.

O primeiro problema apontado pelas elites locais era o sistema tributário muito pesado, que acabava subsidiando outras províncias do sulcomo, por exemplo, Santa Catarina. Quando a revolta teve seu início, os estancieiros da fronteira contaram com o apoio de muitas camadas médias urbanas, contudo não contaram com os charqueadores que, por dependerem do Rio de Janeiro, acabaram apoiando o governo central. Os revoltosos pretendiam acabar com a taxa-ção do gado ou reduzi-la na fronteira com o Uruguai, criando a livre circulação dos rebanhos e resistiam à criação da Guarda Nacional pois temiam que esta viesse a diminuir os seus poderes locais, já consolidados pelos pequenos exércitos regionais.

Com os revoltosos, duas dezenas de revolucionários italianos refugiados no Brasil, entre eles Giuseppe Garibaldi. O principal líder do movimento foi Bento Gonçalves, filho de um rico estan-cieiro, organizador de muitas lojas maçônicas na fronteira, que foram utilizadas no movimen-to de conspiração contra o governo central. Bento Gonçalves e Davi Canabarro estenderam a guerra para o norte da província, tendo conquistado, inclusive, temporariamente o controle de Santa Catarina.

Em 1838 foi proclamada a República do Piratini, tendo Bento Gonçalves como presidente, que estimulou à criação de gado e à exportação de charque e de couros.

A reação do governo foi alternada por repressões e concessões, como o decreto de uma taxa de importação de 25% sobre a carne salgada vinda do Prata. Em 1842, Caxias foi nomeado pre-sidente e comandante de armas da província e, em 1845, assina com Canabarro o acordo de paz. Foi concedida anistia aos revoltosos, os oficiais farroupilhas foram integrados ao Exército e o governo central.

Embora não haja consenso entre os historiadores em relação ao caráter separatista do movi-mento, pode-se afirmar que todos os revoltosos lutaram pelo aumento da autonomia da pro-víncia, com aumento da arrecadação interna e um pouco mais livre do centralismo do Rio de Janeiro.

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História

CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR E REVOLUÇÃO PRAIEIRA

A Confederação do Equador (1824)

Ao dissolver a Constituinte, D. Pedro demonstrou claramente suas intenções no poder bem como a forte influência dos burocratas e comerciantes, muitos portugueses, no seu governo.

Pernambuco, com forte tendência liberal, não tardou a reagir. A divulgação das idéias republicanas, federativas e antiportuguesas aumentou na província com a presença de Cipriano Barata, representante da Bahia nas Cortes, e com a circulação de vários periódicos comoO Tamoio, coordenados pelos Andradas, já na oposição depois das medidas autoritárias de D. Pedro, O Sentinela, de Cipriano Barata e o Tífis Pernambucano, de Frei Caneca.

Com a detenção de Cipriano, que ficaria preso até 1830, a figura central das críticas ao governo central passou para Frei Caneca (Joaquim do Amor Divino, educado no Seminário de Olinda, centro de difusão das idéias liberais).

A nomeação de um governador não desejado deu início a revolta. Manuel de Carvalho proclamou a Confederação do Equador a 2 de julho de 1824, devendo reunir sob forma federativa além de Pernambuco, as províncias da Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Paraíba. Mesmo sendo de alto teor antilusitano, a revolta contou com o apoio de vários estrangeiros, dentre eles João Guilherme Ratcliff, português liberal, que acabaria sendo executado com as demais lideranças. Em novembro do mesmo ano, a rebelião era completamente controlada pelas forças imperiais, com a morte do próprio Frei Caneca.

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Sendo assim, Pernambuco mostrava, mais uma vez, uma forte resistência aos ideais centralistas do governo central, o que voltaria a acontecer em 1848.

Revolução Praieira (1848)

No começo do Segundo Reinado, a ascensão dos liberais que apoiaram a chegada de Dom Pedro II ao poder foi logo interceptada após os escândalos políticos da época. As “eleições do cacete” tomaram os noticiários da época com a denúncia das fraudes e agressões físicas que garantiriam a vitória da ala liberal. Em resposta, alguns levantes liberais em Minas e São Paulo foram preparados em repúdio às ações políticas centralizadoras do imperador.

Nesses dois estados os levantes não tiveram bastante expressão, sendo logo contidos pelas forças militares nacionais. Entretanto, o estado de Pernambuco foi palco de uma ação liberal de maior impacto que tomou feições de caráter revolucionário. Ao longo da década de 1840, setores mais radicais do partido liberal recifense manifestaram seus idéias através do jornal Diário Novo, localizado na Rua da Praia. Em pouco tempo, esses agitadores políticos ficaram conhecidos como “praieiros”.

Entre as principais medidas defendidas por esses liberais estavam a liberdade de imprensa, a extinção do poder moderador, o fim do monopólio comercial dos portugueses, mudanças sócio-econômicas e a instituição do voto universal. Mesmo não tendo caráter essencialmente socialista, esse grupo político era claramente influenciado por socialistas utópicos do século XIX, como Pierre–Joseph Proudhon, Robert Owen e Charles Fourier.

Em 1847, o movimento passou a ganhar força com a nomeação de um presidente de província conservador mineiro para conter a ação dos liberais pernambucanos. Revoltados com essa ação autoritária do poder imperial, os praieiros pegaram em armas e tomaram conta da cidade de Olinda. A essa altura, um conflito civil contando com o apoio de grandes proprietários, profissionais liberais, artesãos e populares tomou conta do estado.

Em fevereiro de 1849, os rebelados tomaram a cidade de Recife e entraram em novo confronto com as forças imperiais. Nesse período, o insurgente Pedro Ivo surgiu como um dos maiores líderes dos populares. Entretanto, a falta de apoio de outras províncias acabou desarticulando o movimento pernambucano. No ano de 1851, o governo imperial deu fim aos levantes que contabilizaram cerca de oitocentas baixas.

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História

REVOLUÇÃO PRAIEIRA (1848)

Foi considerada a última revolta do período imperial, tendo como principal objetivo pôr fim ao sistema político vigente das elites conservadoras, donde o poder local era monopolizado pelas famílias aristocráticas: Cavalcanti e Rego Barros.

O termo “praieira” associado a revolta, remete ao nome da rua (rua da praia), local onde era a sede do “Diário Novo”, principal meio de comunicação do grupo liberal, o qual recebeu o nome de “praieiros”. Em resumo, a revolução praieira representou o choque político entre os liberais e os conservadores.

No começo do Segundo Reinado, a ascensão dos liberais que apoiaram a chegada de Dom Pedro II ao poder foi logo interceptada após os escândalos políticos da época. As “eleições do cacete” tomaram os noticiários da época com a denúncia das fraudes e agressões físicas que garantiriam a vitória da ala liberal. Em resposta, alguns levantes liberais em Minas e São Paulo foram preparados em repúdio às ações políticas centralizadoras do imperador.

Nesses dois estados os levantes não tiveram bastante expressão, sendo logo contidos pelas forças militares nacionais. Entretanto, o estado de Pernambuco foi palco de uma ação liberal de maior impacto que tomou feições de caráter revolucionário. Ao longo da década de 1840, setores mais radicais do partido liberal recifense manifestaram seus idéias através do jornal Diário Novo, localizado na Rua da Praia. Em pouco tempo, esses agitadores políticos ficaram conhecidos como “praieiros”.

Entre as principais medidas defendidas por esses liberais estavam a liberdade de imprensa, a extinção do poder moderador, o fim do monopólio comercial dos portugueses, mudanças sócio-econômicas e a instituição do voto universal. Mesmo não tendo caráter essencialmente socialista, esse grupo político era claramente influenciado por socialistas utópicos do século XIX, como Pierre–Joseph Proudhon, Robert Owen e Charles Fourier.

HISTÓRIA

A Revolução Praieira ou Insurreição Praieira de Pernambuco, representou um levante armado de caráter liberal e republicano. Liderada por Pedro Ivo Veloso da Silveira, a revolta ocorreu na província de Pernambuco, no final do período do Brasil Império (1822-1889) durante o Segundo Reinado (governo de Dom Pedro II), entre os anos de 1848 e 1850.

Foi considerada a última revolta do período imperial, tendo como principal objetivo pôr fim ao sistema político vigente das elites conservadoras, donde o poder local era monopolizado pelas famílias aristocráticas: Cavalcanti e Rego Barros.

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O termo “praieira” associado a revolta, remete ao nome da rua (rua da praia), local onde era a sede do “Diário Novo”, principal meio de comunicação do grupo liberal, o qual recebeu o nome de “praieiros”. Em resumo, a revolução praieira representou o choque político entre os liberais e os conservadores.

Em fins do Segundo Reinado, a população de Recife se encontrava insatisfeita com o aumento da desigualdade social, o controle do monopólio político e comercial (Portugal), dentre outros problemas. Assim, quando foi eleito governador da Província de Pernambuco, em 1845, pelo partido conservador, Antônio Chinchorro da Gama despertou grande insatisfação na população, sobretudo dos liberais que ocuparam o poder no período anterior de 1844 a 1848. A partir disso, com o apoio dos federalistas, socialistas, republicanos e os setores populares, os liberais almejavam, primeiramente, destituir Chinchorro do cargo.

Ao lado de Pedro Ivo, líder militar da revolta, estavam Borges da Fonseca (antigo liberal pernambucano), com quem escreveu o “Manifesto ao Mundo”, e o deputado Joaquim Nunes Machado. O "Manifesto ao Mundo", foi publicado em 1849, e trazia as reivindicações do grupo liberal, a saber:

• Voto livre e universal

• Liberdade de Imprensa

• O trabalho como garantia de vida para os cidadãos

• O comércio a retalho só para os cidadãos Brasileiros

• Harmonia e efetiva independência dos poderes políticos

• A extinção do Poder Moderador

• Nova organização Federalista

• Reforma do poder judicial, assegurando os direitos individuais dos cidadãos

• Extinção da cobrança de juros

• Extinção do atual sistema de recrutamento militar

• Expulsão dos portugueses

Em 1847, o movimento passou a ganhar força com a nomeação de um presidente de província conservador mineiro para conter a ação dos liberais pernambucanos. Revoltados com essa ação autoritária do poder imperial, os praieiros pegaram em armas e tomaram conta da cidade de Olinda. A essa altura, um conflito civil contando com o apoio de grandes proprietários, profissionais liberais, artesãos e populares tomou conta do estado.

Em fevereiro de 1849, os rebelados tomaram a cidade de Recife e entraram em novo confronto com as forças imperiais. Nesse período, o insurgente Pedro Ivo surgiu como um dos maiores líderes dos populares. Entretanto, a falta de apoio de outras províncias acabou desarticulando o movimento pernambucano. No ano de 1851, o governo imperial deu fim aos levantes que contabilizaram cerca de oitocentas baixas.

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História de Pernambuco

PERNAMBUCO REPUBLICANO

Texto de Michel Zaidan

Uma visão panorâmica de Pernambuco no início do século 20 nos levaria a considerar o peso da herança socioeconômica da indústria sucroalcooleira na vida do Estado. A economia dos engenhos e usinas resultou de uma simbiose entre o velho e novo: nos canaviais, ao lado do trabalho assalariado, sobreviviam inúmeras relações de trabalhos remanescentes do cativeiro negro ou a ele associadas. O tom geral que caracteriza a atividade agrícola na Zona da Mata, Agreste e Sertão é determinado pelo velho, pelo anacronismo das relações sociais, transpostas para as cidades, através da influencia política e econômica dos `coronéis, ‘ dos usineiros e dos altos comerciantes. Da mesma forma, aquelas relações delimitam o espaço político das cidades sempre no sentido da exclusão do povo.

Recife, capital do Estado de Pernambuco, se apresenta como um centro natural de atração para todos aqueles que, no Nordeste, querem se aperfeiçoar nos estudos, para os exilados políticos regionais ou para quem busca simplesmente melhores oportunidades econômicas ou sociais. O velho porto comercial e financeiro da região, a exemplo de outras metrópoles, sobrevive principalmente como escoadouro de toda a produção agrícola exportável (café, açúcar, algodão, mamona, etc) do Estado e de zonas agrícolas adjacentes. Suas industrias são escassas, desconcentradas e caracterizadas por formas artesanais de produção (resumem-se a umas poucas fabricas de tecidos e cigarros, além, é obvio, de duas usinas de açúcar), e uma parte substancial de seu proletariado urbano está nos serviços portuário e ferroviário, bem como nos transportes urbanos – os ferrocarris. De sua parte, não é desprezível o contingente de funcionários públicos, sobretudo os médios e baixos. Há, também uma grande quantidade de profissionais liberais. O comercio recifense acha-se, em grande parte, nas mãos de ingleses, portugueses, alemães americanos e outros estrangeiros. Só o pequeno comercio encontra-se, de fato, sob o controle de grupos nacionais.

Pernambuco ainda não entrou no século 20. comunga o sonho modernista de um Estado habitado por uma população bela, forte e saudável, seguindo os padrões higienistas e sociais da `Belle Époque’ europeia. Mas tem que conviver a todo instante com bondes de burro, iluminação a gás, falta de saneamento, epidemias, óbitos e muita sujeira nas ruas. A reforma urbana e sanitária de Otavio de Freitas e Saturnino Braga será obra da década seguinte, bem como a reforma do porto do Recife. O torpor oitocentista do Estado só será com a campanha sucessória estadual de 1911, com a chegada do general Dantas Barreto.

É quando o sono dos conselheiros do império será interrompido pelo alarido das massas urbanas, aproximando a praça do palácio e fazendo do Carnaval o estribilho da revolução. Esse episódio – conhecido como `salvação’ – foi a porta de entrada de Pernambuco na modernidade, acabando o longo reinado da oligarquia do conselheiro Rosa e Silva e trazendo o povo para o proscênio da política. Depois dele, Pernambuco não seria mais um condomínio de velhos oligarcas. O sonho

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republicano de Martins Júnior voltaria a se corporificar. Como a França, também tivemos a queda da bastilha e o nosso 1789… O povo não sairia tão cedo das ruas.

A derrota da oligarquia chefiada pelo conselheiro Rosa e Silva, em 1911, não foi definitiva. E os interesses remanescentes do império só esperavam uma oportunidade para se estabelecerem na cena política do Estado. Essa oportunidade foi criada com a luta entre Dantas Barreto e o futuro governador Manuel Borba, seu aliado de véspera. Borba vai se compor com os correligionários de Rosa e Silva, resultando dessa aliança outro divorcio entre a praça e o palácio.

A década de 10 em Pernambuco será palco de imensa agitação política e social. 1914 é a data chave para se entender a criação da federação operaria do nosso Estado. Obra de um incansável militante social pernambucano, o estivador José Elias, enviado especial do 2 o Congresso Operário Brasileiro para a reorganização da classe trabalhadora da região. Importante também será o eco da Revolução Russa em nosso Estado e particularmente sua influencia sobre as `sociedades de resistência’ dos trabalhadores urbanos (estivadores, ferroviários, portuários, condutores de bondes etc). Associada ao eco da revolução Russa, terá, no interior do Estado, uma grave ocorrência política conhecida pelo nome da `hecatombe de Garanhuns’: uma violenta briga entre famílias que acaba num banho de sangue, mas que assinala a longa e dolorosa transição do patriciado rural da região para um novo patriciado urbano, ligado ao núcleo agroexportador da economia de Pernambuco.

Contudo, o acontecimento de maior repercussão do Estado e mesmo além de suas fronteiras é a greve dos operários da Pernambuco Tramway. Essa grandiosa paralisação, que se iniciou como uma mera disputa corporativa entre a empresa e seus funcionários, terminou assumindo uma dimensão regional, graças à habilidade de um assessor jurídico da federação operaria, e imobilizou a economia do Estado durante vários dias.

Mas uma vez, os trabalhadores urbanos de Pernambuco eram chamados a participar da `grande política’, através de uma estratégia de remotas raízes na política de nosso Estado: a fusao dos interesses corporativos como uma questão nacional. O resultado dessa inteligente política foi o apoio generalizado ao movimento dos operários contra a avidez de um truste internacional.

Essa experiência de mobilização policlassista, na esteira de revoluções passadas, como a Praieira e o Movimento Salvacionista, abriria definitivamente as portas da política de Pernambuco para a participação popular, nem sempre – como veremos – em beneficio do povo.

As mobilizações policlassistas que marcaram a historia política e sociais de Pernambuco voltaram a ocorrer durante os anos 20, uma época de muitas agitações e transformações importantes: o Tenentismo, a fundação do PCB, o Movimento Regionalista, as reformas do governador Sergio Loreto. Alias, há quem diga que o fim da ̀ Republica Velha’ tenha começado em Pernambuco, tal o estado de ebulição social, política e cultural aqui existente na década de 20.

Nesse sentido, a década se inicia com duas grandes mobilizações populares, capitaneadas pelo professor Joaquim Pimenta. Uma contra o chamado `orçamento monstro’ – nome atribuído ao abusivo aumento de impostos decretado pelo então governador José Rufino Bezerra, em 1921, que uniu industriais, comerciantes, donas de casa, operário e o povo em geral. A outra, contra a ameaça de intervenção federal do Estado, ordenada pelo presidente da Republica, o paraibano Epitácio Pessoa. Em ambos os casos, os trabalhadores urbanos, os funcionários públicos e a população foram arregimentados pelo Dr. Pimenta para lutar por questões apresentadas como de `interesse geral’ da sociedade.

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O desfecho dessas agitações será a indicação do juiz Sergio Loreto para o Governo do Estado, pacificando a disputa entre borbistas e dantistas. A assunção de Loreto assinala i inicio de uma gestão modernizadora em Pernambuco, com a reforma do Porto do Recife, a abertura de grandes avenidas, a criação do Departamento de Assistência e Saúde (sob a direção do medico Amaury de Medeiros), a reforma da Escola Normal… O perfil modernizador de Loreto se associava intimamente a um ranço autoritário e conservador, sobretudo no que diz respeito `as manifestações sindicais e operarias, a exemplo do que ocorreu com a ultima grande greve deste período (a dos ferroviários da Tramways), com a prisão e o exílio de lideranças políticas e sindicais.

Mas os anos 20 foram, o marco de fundação de importantes iniciativas político-culturais: a criação do Centro de Estudos Sociais, embrião da seção local do Partido Comunista; a instalação do Centro Regionalista, em 1924; a coluna do intrépido tenente Cleto Campelo, que deveria se unir `a coluna Prestes no Sertão pernambucano; as co conspirações da Rua Velha; a criação do Diário da Manhã do futuro interventor Carlos de Lima Cavalcanti e, finalmente, a realização do congresso Regionalista.

Os agitados anos 20 haveriam de ser uma época seminal em muitos sentidos politicamente, com a crise das velhas oligarquias e a radicalização ideológica que então se anunciava; administrativamente, com as profundas reformas urbanas, sanitárias e econômicas; com a criação e difusão da `regionalismo nordestino’. O alcance e abrangência dessa produção discursiva – `a brasilidade nordestina’ – dos anos 20 só se explicitará anos mais tarde, com a sobrevida simbólico-cultural da saga de uma oligarquia, deslocada do poder pelos correligionários de 30.

O sonho de modernidade alimentado pelo imaginário social da primeira década do século 20 iria se concretizar, ao seu modo, na década de trinta. Anos de profundas instabilidades política e grande radicalização ideológica (a luta entre fascismo e comunismo), a década se anuncia em Pernambuco – como em todo o Brasil – como um período de ruptura com o passado neocolonial do país. Ruptura, contudo, conduzida pela elites através do que passou a ser conhecido como `a via prussiana’ do desenvolvimento capitalista, ou seja, através de uma conciliação entre o velho e o novo . Daí, a fachada de `pardieiro político’ com que se revestirão as grandes transformações políticas do Brasil.

Dessa forma, quem representará em Pernambuco a legenda da Aliança Liberal será nada menos do que a figura de um tradicional usineiro: Carlos de Lima Cavalcanti, proprietário do jornal Diário da Manhã e antigo aliado de Estácio Coimbra, o Governador de posto pela Revolução de 30 em nosso Estado.

Com a vitória do movimento de 30, Carlos de Lima Cavalcante é nomeado o primeiro interventor federal do Estado. A interventoria, que se estende até o golpe de 1937, será caracterizada por um misto de inovação administrativa e repressão política aos movimentos sociais. O contraponto da ação administrativa de Carlos de Lima será a recorrente instabilidade política do período. AS organizações trabalhistas se dividirão. De um lado, a Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco colaborará com o Governo; de outro, a União Proletária de Pernambuco a atacará. Os militantes do PC seriam, por sua vez, detidos inúmeras vezes sob a acusação de agitadores sociais e teriam seus mandatos eletivos `degolados’ pela justiça eleitoral.

Outros eventos que merecem destaque nesse período são a chapa da esquerda `Trabalhador, Ocupa teu Posto, que concorreu às eleições de 34; a revolta do 21 BC contra a interventoria (também conhecida como `a revolta de Pedro Calado’);o Congresso Afro-Brasileiro realizado sob a inspiração de Gilberto Freyre; a Constituinte de 1934, com a eleição de Carlos de Lima Cavalcanti para o Governo do Estado; a realização do Congresso Eucarístico no Parque 13 de maio; a leitura

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do Manifesto Integralista no Recife e, certamente, o levante da Aliança Nacional Libertadora, onde se destacaria a bravura e o patriotismo do então Sargento Gregório Bezerra.

Mas o ambiente de intensa radicalização política e ideologicamente existem no País e as indefinições políticas no mundo seriam responsáveis pelo Golpe de Estado de 1937 e a subsequente instalação de um regime ditatorial no Brasil, conhecido pelo nome de Estado Novo. Em Pernambuco, a nova situação política será representada pela figura de Agamenon Magalhães, chamado até pelos amigos de `china gordo’, não só em função de seu aspecto físico, mas, sobretudo pelas características de sua ação administrativa.

Os agitados anos trinta foram na verdade, a preparação para o advento de uma experiência de Governo no Brasil, e particularmente em Pernambuco, que iria transformar profundamente a sociedade brasileira. Manobrando ora com a direita (o integralismo), ora com a esquerda (a ANL), Getúlio Vargas criaria a oportunidade tão esperada para dar o golpe de Estado, de novembro de 1937, e instalar o chamado Estado Novo, um regime altamente centralizado, autoritário e intervencionista.

Nos estados não seria diferente. Uma vez rasgada a constituição (e a ordem jurídica) pactuada em 1934, sobreviria uma onda de intervenções estaduais e municipais patrocinada pelo ditador. Em Pernambuco, o Governo constitucionalmente eleito de Carlos de Lima Cavalcanti começara a perder prestigio depois do levante da Aliança Libertadora Nacional, em 1935. e terminaria por ser deposto por Vargas, após um período de intensas intrigas fomentadas por Agamenon Magalhães, o escolhido pelo ditador para trazer “a emoção do Estado Novo” para Pernambuco.

Analisar o que foi essa experiência de Governo entre nós é reconhecer o laboratório político-ideológico e social que se tornou o nosso Estado no âmbito mais geral do regime varguista: não só pelas características biográficas do interventor, mas, sobretudo pelas características de sua ação administrativa e os resultados de sua gestão.

Agamenon Magalhães era um sertanejo que havia sido seminarista e recebido uma grande influencia da doutrina social-católica (de Leão XIII). Na crise do pensamento liberal do século passado, ainda mais exacerbada pelo conflito entre Nazismo e Comunismo, o social-catolicismo aparecia como uma variante do credo antiliberal, preocupado em assistir os trabalhadores (para evitar a influencia do comunismo), através do reforço da família, da propriedade, da ética do trabalho, do respeito à hierarquia e, sobretudo, à tradição. Dessa forma, o que vamos assistir com `a emoção do Estado Novo’ em Pernambuco é à montagem de um regime fortemente centralizado na pessoa do interventor, apoiado num ideário tradicionalista e interveniente nos mínimos detalhes da vida social (inclusive no lazer).

A obra administrativa de Magalhães pode ser dividida, primeiro, pela busca desenfreada do `consenso máximo’ na sociedade pernambucana, a partir de uma falsa imagem de paz e harmonia social no Estado. Objetivo perseguido através de uma feroz repressão aos adversários, críticos, comunistas, prostitutas, afro-brasileiros, vadios e homossexuais, bem como da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda.

Esses foram os instrumentos utilizados por Agamenon, além de seu jornal diário, a Folha da Manhã, para a produção do `consenso máximo’ em Pernambuco. É preciso acrescentar que o anticomunismo foi utilizado como matéria-prima de primeira classe para induzir a opinião publica a aceitar as ideias do interventor, a pretexto de se desenvolver o sentimento de brasilidade entre os pernambucanos.

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Outro aspecto dessa obra que merece atenção é a criação dos Centros Educativos Operários, cujo fim era “educar, regenerar, civilizar e integrar” os trabalhadores no seio da sociedade. A meta principal era fazer um trabalho de saneamento e profilaxia social, afastando os operários da doutrina marxista da luta de classes.

Mais um ponto a ser ressaltado foi a campanha contra os mocambos, que assumiu um caráter ressocializador, na medida em que vinculava estreitamente habitação, saúde, integridade física e moral da família, trabalho e cidadania. A campanha de erradicação do mocambo foi objeto de intensas e apaixonadas controvérsias entre sociólogos, antropólogos, engenheiros, sanitaristas e urbanistas. Na verdade, ela escondia uma intenção civilizatória com a qual muitos não concordavam, como Gilberto Freyre, Mario Sette, Manuel Bandeira e outros.

A conjunção entre modernidade e autoritarismo, revestida das cores locais do mandonismo sertanejo, foi essencial ao projeto reformador das elites brasileiras nesse período, em consonância, aliás, com as utopias sociais surgidas da crise do liberalismo. A cara feia que ela tomou entre nós não invalida as transformações por ela produzidas.

Quando se tornou evidente, depois da entrada do Brasil na guerra, que o regime iria mudar, o interventor deixou o cargo, para ocupar o Ministério da Justiça e preparar a transição política. Mas antes deixou uma herança importante: a potente maquina partidária do PSD, responsável pela reprodução de ̀ agamenonismo’ em Pernambuco ate pelo menos a derrota eleitoral de 1958.

O Fim do Estado Novo em Pernambuco, prenunciado com a saída de Agamenon Magalhães para o Ministério da Justiça, não significou o fim do `agamenonismo’ na vida política do Estado. O `china gordo’ – como ironicamente o apelidara o poeta Manuel Bandeira – legou a seu sucessor, o bacharel Etelvino Lins, a importante tarefa de estruturar, em nível estadual, a potente maquina partidária do Partido Social Democrata (PSD), apoiada numa extensa rede de coronéis do Agreste e do Sertão, que garantiria dali para frente a vitória de todos os candidatos ao Governo do Estado indicados pelo ex-interventor ou seu partido.

Dessa maneira, ainda que tivesse de administrar a crise do regime em Pernambuco, e particularmente as tendências oposicionistas do Recife e adjacências, o PSD conseguiria eleger Barbosa Lima Sobrinho, em 47; Agamenon, em 51; Etelvino Lins, em 53, e o marechal Cordeiro Farias, em 55 – só perdendo as eleições na capital, onde seus candidatos sempre obtiveram menos votos do que os partidos de oposição (PCB, PTB, PSB, PST, etc).

A grande disputa ideológica desses anos, em Pernambuco, seria entre a visão conservadora, agrarista e ruralista do PSD – que, apesar do nome, era identificado com as oligarquias interioranas – e o pensamento nacional-desenvolvimentista definido por uma frente de partidos que congregava industriais, classes media, militares nacionalistas, comunistas, socialistas, católicos progressistas, trabalhadores, camponeses e estudantes. Essa disputa ocorre no bojo do segundo Governo de Vargas e de seus sucessores, imersos na crise do nacionalismo populista da segunda metade dos anos 50.

Como se recorda, o nacional desenvolvimentismo se assentava num pacto político de classes muito diferentes. Quando a ação do governo – ameaçado por pressões externas e por grupos conservadores no Brasil – pendeu para a esquerda, tornou-se difícil a sua manutenção. Dessa forma, assistiríamos em Pernambuco a um afastamento progressivo do PSD da agenda desenvolvimentista.

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Os anos 50 viram o nascimento de importantes iniciativas políticas, que brotaram graças ao clima de agitação desenvolvimentista da época, a exemplo do Congresso de Salvação do Nordeste, em 1954, que daria origem ao GTDN e depois à Sudene em 1958, pelas mãos do economista Celso Furtado – um importante instrumento do planejamento regional destinado a combater as desigualdades sociais, através de incentivos fiscais para a industrialização e do apoio à introdução de processos regionais do uso e cultivo da terra, bem como pela liberação de lotes para a reforma agrária.

Outro evento notável foi a organização do movimento camponês e dos trabalhadores agrícolas, dando origem à formação das ligas e sindicatos rurais. Contudo, mais importante foi a coalização política reformista que foi se formando em reação ao longo domínio do PSB em Pernambuco, para dar à luz o movimento chamado `Frente do Recife’, a partir das primeiras vitórias da oposição nas eleições para Prefeitura da capital do Estado.

O Congresso de Salvação do Nordeste propiciara uma aproximação do Partido Comunista com ala nacionalista de PTB. A corrente desse partido, juntamente com os comunistas e socialistas, formaria o núcleo ideológico da `Frente’, dando-lhe a necessária consistência eleitoral para desbancar o `pessedismo’. O primeiro grande resultado dessa articulação política foi a vitória do engenheiro e professor Pelópidas Silveira para a Prefeitura do Recife, em janeiro de 1955. Estava lançada, assim, a semente para a derrota eleitoral e política da maquina `pessedista’, criada por Agamenon no Estado.

Dessa maneira, nas eleições de 1958 para o Governo do Estadual, o embrião da experiência eleitoral de 55 deu forma a uma grande coalizão política, constituída pela UND, PCB, PSB, e PTB, reunindo industriais, sindicalistas, comunistas e socialistas, num acordo desenvolvimentalista para o Estado. A chapa composta pelo industrial e usineiro Cid Sampaio e Pelópidas Silveira derrotou fragorosamente o candidato `pessedista’ e também usineiro João Cleofas de Oliveira, numa das mais memoráveis campanhas políticas de Pernambuco (talvez só comparável à derrota do Conselheiro Rosa e Silva no começo do século). A partir de então, iniciava-se um novo período de radicalização política no Estado, que vai dar no golpe militar de 1964.

A derrota eleitoral do PSD, em 1958, para legenda das Oposições Unidas, foi o inicio da desagregação do quadro partidário em Pernambuco e de uma progressiva desinstitucionalização da política no Estado. Com o fim do longo domínio da maquina pessedista sobre a política estadual, nenhum partido deteria mais, sozinho, a hegemonia do sistema partidário. Daí as constantes modificações do jogo político no Estado, produzindo alianças conjunturais onde os aliados de ontem seriam os adversários de hoje, e assim por diante.

As alianças entre usineiros industrias, trabalhadores, camponeses, classes médias urbanas e a esquerda – representada pela Frente do Recife – estava fadada a ter um breve existência no contexto da instabilidade política nacional e das próprias contradições do nacional desenvolvimentismo. Nesse sentido, a crise da aliança se inicia com o alinhamento de Cid Sampaio à candidatura de Jânio Quadros à Presidência da Republica, em 1961, recompondo-se com a direção nacional da UDN. Mas aprofundou-se com a repressão movida pelo Governo do Estado ao movimento camponês e com o esvaziamento paulatino da sudene enquanto órgão de planejamento e intervenção regional. Pressionado pelas `classes conservadoras’ ora pelos aliados da esquerda e movimento popular – que cobravam coerência do governador em relação aos compromissos de campanha – Cid rompe finalmente com seus aliados, em 1962 reaproximando-se do PSD e das velhas oligarquias do Estado.

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O rompimento da Frente do Recife deu inicio a um processo de radicalização política sem paralelo na vida do Estado. Radicalização produzida pelas ambiguidades e hesitações da própria republica populista desses anos. A renuncia de Jânio jogara o País numa profunda instabilidade política (aliás, ocasionada pelo frágil sistema partidário brasileiro de então). João Goulart, o vice-presidente, assume o poder sobre tutela do Congresso, em razão da emenda parlamentarista votada em 1963. Jango procura mover-se entre dois focos: de um lado, uma frente conservadora – alimentado pelo imperialismo americano através do IBAD – de outro, a frente nacionalista democrática apoiada pelos partidos de esquerda e movimento sindical a UNF e outros. O presidente hesita em tomar mediadas radicais e definidas, para evitar um golpe de direita. É esse ambiente em que as forças progressista vão se reaglutinar no estado para eleger Miguel Arraes de Alencar governador de Pernambuco, em 1963, ao lado do político pessedista Paulo guerra.

A coligação política que elegeu Miguel Arraes assinala o fim de um ciclo, não o seu inicio. Ela só foi possível em função da desagregação do sistema partidário estadual e da perda de unidade nos hostes pessedista e pela progressiva desinstitucionalização da política representada pelo pujante movimento dos trabalhadores rurais, dando origem a vários congressos, encontros e organizações. A emergência desse ato político na vida do País desequilibra o precário arranjo da republica populista, que vigorou de 1945 a 1964. quando a coligação dos partidos de esquerda, católicos progressistas, sindicalistas e independentes se uniu ao movimento camponês e passou a contemplar suas reivindicações, estava dada a largada para conspirações civis e militares que derrubariam o Presidente da Republica e Governador de Pernambuco.

A saga do `Governo popular’ começou a ser criada com eleição de Pelópidas Silveira para prefeitura do Recife, em 1954 foi reforçada pela vitória de Arraes para o Governo municipal, em 1958, quando o ex-governador – em prosseguimento à gestão de Pelópidas, fez uma excelente gestão, inovando a política municipal em vários pontos: educação, abastecimento, segurança publica, desenvolvimento regional/agrário, direitos trabalhistas no campo, etc.

Mas foi com o Governo do Estado, em 1963, que Arraes mudou inteiramente as prioridades da administração estadual, elegendo o povo (leia-se os camponeses e trabalhadores rurais) como prioridade numero um, nos marcos da legalidade constitucional então vigente. Dois aspectos de sua gestão merecem ser destacadas: a extensão da Legislação Social Trabalhista ao campo e o Movimento de Cultura Popular (MCP).

Num contexto de radicalização política, efervescência dos movimentos sociais e profundas instabilidade das instituições políticas, a experiência do `Governo popular’ não poderia sobreviver, particularmente diante de uma intensa mobilização ideológica das classes médias urbanas, atemorizadas com o espantalho do comunismo. A derrota do PSD foi também a derrota das precárias instituições da republica populista. A memorável campanha de Frente do Recife em 1958, e depois, de 1963, só poderia ter vingado no quadro de uma nova institucionalidade democrática que contemplasse a participação dos trabalhadores rurais e camponeses no complicado jogo das alianças políticas. Infelizmente, o que se viu foi a gênese de um regime muitas vezes mais autoritário e liberticida do que o que vigorou a partir de 1937 no Brasil.

A frágil institucionalização do quadro político brasileiro, face à mobilização anticomunista das classes médias urbanas, conduziu a um golpe bonapartista de direita no Brasil. As características do regime implantado pelos militares uniam a centralização política, uma razoável dose de repressão às liberdade civis e um furor desenvolvimentista, que desmentiria facilmente as analises sobre o caráter regressivo da intervenção militar. Na verdade, o golpe de 1 o de abril de

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1964 impôs, pela via do terrorismo de Estado, uma modalidade de capitalista monopolista, que transfiguraria profundamente a sociedade brasileira.

Aspecto relevante do centralismo político imposto ao país foi a nomeação de governadores e prefeitos para os estados e capitais. A violação da legalidade constitucional, através da edição de sucessivos atos institucionais, atingiria seu ápice com o famigerado Ai-5, que fechou o congresso, impôs uma drástica censura aos meios de comunicação de massas e desencadeou uma feroz perseguição política aos opositores do Regime Militar.

Pernambuco, como um dos pólos regionais de maior agitação política e social do País, não poderia escapar ileso a essas medidas de força, patrocinadas pelos Governos Militares desde a deposição do governador Miguel Arraes de Alencar até as torturas medievais infringidas ao militante comunista Gregório Bezerra, passando pelas perseguições, prisões, assassinatos e maus tratos a lideres estudantis, intelectuais, jornalistas e membros do clero progressista, como o cruel assassinato do Padre Henrique.

Caracterizar a vida política de Pernambuco, nesta quadra, não fugiria muito ao padrão centralizador intervencionista dos militares no resto do País. O Estado teve quatro governadores indiretos, além do vice-governador de Miguel Arraes de Alencar, saída do remanejamento dos grupos políticos tradicionais da região, cuja principal marca de atuação foram a subserviência aos militares, a intransparência administrativa e a realização de grandes obras publicas.

O Estado – como o resto do país – viveu o clima da euforia desenvolvimentista do Regime Militar, muito auxiliado pela conquista da Copa do Mundo em 1970 pela Seleção Brasileira de Futebol. Euforia baseada num imenso arrocho salarial, na manipulação de índices estatísticos, na repressão aos sindicatos e partidos de esquerda e bastante ajudada pelo brilho platinado da industria cultural moderna (leia-se Rede Globo de Televisão).

O saldo desse regime foi a falta de a renovação da vida política brasileira, no acanhado espaço do bipartidarismo oficial, um grau inaudito de internacionalização da economia brasileira e uma sociedade civil complexa e diferenciada, ansiosa por encontrar formas de participação.

O regime implantado pelos militares em 1964 terminaria por engendrar as suas próprias contradições. O processo de uma modernização da economia brasileira, às custas do arrocho salarial, hiperinflação e endividamento externo, despertaria forças e atores sociais difíceis de conter na camisa de força do bipartidarismo oficial. A partir das eleições proporcionais de 1974, quando a oposição ao regime militar venceu em toda linha, o núcleo estratégico do Governo passou a elaborar um plano “que permitisse uma distensão controlada e auto-reforma ou a institucionalização da ditadura militar”.

Ocorre que o processo de abertura política foi mais veloz que o projeto dos militares. A complexidade e a diferenciação da sociedade brasileira-suscitada pela modernização conservadora – produziram atores e demandas incompatíveis com acanhado espaço de participação política então existente, ultrapassando as manobras continuistas do regime. A partir dos anos 80, ficou claro que o controle do processo de abertura não estava com os militares e sim com a sociedade civil (OAB, ABI, CNBB), o sindicalismo do ABC, o movimento de intelectuais, de donas de casa, estudantes e entidades comunitárias.

É preciso atentar, também, para a evolução da participação institucional da oposição do regime: o MDB, depois PMDB, os sindicatos de trabalhadores urbanos, e os aparelhos privados da sociedade civil. Cada vez mais, o sistema bipartidário criado pela ditadura estava se tornando

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um instrumento involuntário de canalização da insatisfação social. E muitos parlamentares da esquerda e/ou das correntes de centro esquerdistas passaram a se eleger sob a legenda do MDB. Foi tentada, ainda nos anos 80, uma reforma partidária para conter os avanços eleitorais da oposição. Mas não deu certo. O centro manteve-se unido à esquerda, isolando o partido do Governo nos Estados e, depois, nas capitais.

Em Pernambuco, a evolução do bipartidarismo não foi diferente. Criado inicialmente para acolher todas as forças e legendas de oposição ao regime, o MDB tornou-se o autentico partido de oposição, apoiado, inclusive, por setores progressistas da Igreja Católica. A eleição de Marcos Freire ao Senado Federal, em 1974, foi fruto de uma campanha memorável da oposição em Pernambuco. Na política estadual, o MDB também elegeu vários deputados, vereadores e prefeitos. A exemplo de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, o Estado nunca deixou de lado a sua intensa politização. O caráter ideológico do partido – em nível regional – se traduzia por uma linha de centro-esquerda (à qual nunca esteve alheio o Partido Comunista Brasileiro), representada por uma geração de novos políticos como: Marcos Freire, Marcos Cunha, Fernando Bezerra Coelho, Cristina Tavares, Roberto Freire e outros.

Esse processo de renovação político-partidário em Pernambuco encontraria seus limites na redemocratização e na volta dos exilados políticos ao Brasil. Quando o ex-governador Miguel Arraes de Alencar retorna ao Recife, vem em busca da liderança outrora exercida no conjunto das forças esquerdas no Estado. Mas as suas pretensões encontrarão fortes resistências nos novos políticos do ex-MDB, agora PMDB. Essa disputa, inicialmente com Marcos Freire quando da indicação do candidato para as eleições de 1982 ao Governo do Estado, evoluindo para uma dura e amarga briga pessoal com o hoje governador Jarbas Vasconcelos, que teve seu nome preterido na convenção partidária, em nome do político udenista Cid Sampaio.

Nas primeiras eleições para as capitais depois do fim do regime militar, Jarbas Vasconcelos abandona o PMDB para candidatar-se à Prefeitura do Recife por uma coligação partidária arrumada na ultima hora.

Em 1990, Jarbas tenta se eleger governador do Estado contra a candidatura do hoje deputado federal Joaquim Francisco, que sai vitorioso. Ele responsabilizaria Miguel Arraes pela sua derrota, o que o leva a buscar uma aliança com o PFL, para derrotar Arraes a qualquer custo.

A ruptura aconteceu na segunda gestão de Jarbas Vasconcelos à frente da Prefeitura do Recife. A partir daí, a política de Pernambuco sofreria uma nova inflexão, com a volta do PFL ao poder e a derrota da coligação dos partidos de centro-esquerda nas eleições municipais de 1996 e, depois, nas eleições estaduais de 1998. As consequências dessa aliança neo-conservadora ainda não são de todos visíveis para o futuro político do Estado, até porque não se sabe ao certo qual será o tempo de duração de tal aliança.

Quando, em fins de 1993, cogitou-se pela primeira vez a possibilidade de uma aliança política entre o então prefeito da cidade do Recife, Jarbas Vasconcelos e os próceres do Partido da Frente Liberal contra a candidatura de Miguel Arraes de Alencar ao Governo do estado, houve quem saudasse com entusiasmo aquela aliança, acenando para o surgimento de um fato novo na vida política de Pernambuco. Dizia-se que a aliança era o fim da tradicional polarização política em nosso estado e o inicio da construção de uma terceira via. É dessa época, aliás, a cantilena da terceira via produzida pela junção das palavras `socialismo’ e `mercado’.

Ou seja, a conversão do pensamento da direita ao evangelho social, e o dá esquerda ao credo liberal, criando um pensamento de centro-direita. Nem esquerda, nem direita: neo-social ou

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social-liberal, como afirmava cinicamente o presidente da Republica, referindo-se aos ingentes esforços de um certo senador baiano para aumentar o salário mínimo do trabalhador brasileiro e acabar com as mazelas da administração publica no País.

Desde aquela época, já se advertia para o possível malogro dessa terceira via nordestina, em face do caráter eleitoreiro da aliança, fundada de um lado na esperteza política do PFL e, do outro, na obsessão de Jarbas em derrotar Miguel Arraes a qualquer custo. Afirma-se também que as consequências dessa estranha aliança para o quadro partidário de Pernambuco seriam desastrosas (e isso não apenas pela vergonhosa metamorfose de ex-comunistas engajados até o pescoço na administração municipal), mas sobretudo pelo desequilíbrio e pela desestabilização do poder relativo das demais forças políticas do Estado, produzindo uma `reoligarquização’ da esfera publica e reduzindo o já exíguo espaço para novas candidaturas ou propostas partidárias.

Não demorou muito e os resultados dessa malfada experiência começaram a se manifestar: a implosão do PSDB e sua transformação em legenda de aluguel nas mãos de trânsfugas partidárias; a implosão do PSB com a derrota de Miguel Arraes e a saída de ilustres parlamentares socialistas para outras legendas partidárias; a desmoralização do PMDB, transformada em mero instrumento das pretensões eleitoral de Jarbas; e o estreitamento do campo político da esquerda, reduzido agora ao PPS, PT, PcdoB, PSB e PCB.

Mas grave, contudo, foi a promiscuidade que se estabeleceu entre o poder publico, o poder econômico e uma parte da mídia, a serviço de interesses nem sempre confessáveis dos parceiros dessa aliança. As inúmeras denúncias de corrupção, favorecimento ilícito de empresas privadas e de abuso do poder econômico puseram a nu o processo de formação dessa nova oligarquia política, traduzida finalmente na ampla e rica coligação eleitoral encabeçada pelo ex-prefeito da cidade do Recife Roberto Magalhães. A agressiva estadualização da campanha, com o engajamento explicito da figura do governador em favor de Magalhães foi, entre outras causas, uma das principais razoes da derrota do ex-prefeito, abrindo um novo capitulo na Historia política do Estado, com o inicio das administrações petistas nos grandes colégios eleitorais de Pernambuco.

À aliança neoconservadora do PFL com o PMDB, ora dominante em nosso Estado, contrasta vivamente com o quadro de uma economia diversificada, apoiada em atividades competitivas e diretamente atreladas ao mercado externo, como: a fruticultura; o turismo; os pólos tecnológicos metropolitanos; a indústria de lazer e alimentação, etc. economia moderna mas altamente concentradora de renda, porque baseada na renuncia fiscal e na precarização das relações de trabalho.

Na realidade, dada a ausência de um projeto de desenvolvimento regional integrado, que contemple políticas compensatórias para setores e regiões mais pobres ou deprimidas, o Governo de Pernambuco vem aderindo à agenda liberal, adotada por FHC. O que se traduz em inverter o fluxo dos recursos públicos, agora, em direção às chamadas atividades competitivas, destinando à filantropia e ao chamado terceiro setor o atendimento das imensas carências sociais de grande parte da população. Os últimos lances da atual administração foram a utilização dos recursos obtidos com a privatização da CELPE na duplicação da BR232 e a posição dúbia assumida em face da extinção da Sudene, o que só comprova as consequências problemáticas daquela aliança para os verdadeiros interesses do Estado e da região.

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História de Pernambuco

CULTURA PERNAMBUCANA

A importância de Gilberto Freyre e Ariano Suassuna para a cultura pernambucana

Gilberto de Mello Freyre (1900 — 1987) foi um intelectual brasileiro nascido em Recife (PE). Como escritor, dedicou-se à ensaística da interpretação do Brasil sob ângulos da sociologia, antropologia e história. Foi também autor de ficção, jornalista, poeta e pintor. É considerado constantemente um dos mais importantes sociólogos do século XX.

Sobre Freyre, Monteiro Lobato profetiza: "O Brasil do futuro não vai ser o que os velhos historiadores disserem e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. Freyre é um dos gênios de palheta mais rica e iluminante que estas terras antárticas ainda produziram".

Seu primeiro e mais conhecido livro é Casa-Grande & Senzala, publicado no ano de 1933 e escrito em Portugal. Nele, Freyre rechaça as doutrinas racistas de branqueamento do Brasil. Baseado em Franz Boas, demonstrou que o determinismo racial ou climático não influencia no desenvolvimento de um país. Ainda, essa obra foi precursora da noção de democracia racial no Brasil, com relações harmônicas interétnicas que mitigariam a influência social do passado da escravidão no Brasil, que, segundo Freyre, fora menos segregadora que a norte-americana. Embora seja sua obra mais importante, também recebeu críticas por sua linguagem tida como vulgar e obscena.[11] Em Recife chegou a ter seu livro queimado em praça pública, ato apoiado por um colégio religioso de Recife.

Ao contrário do que popularmente se imagina, Casa-Grande & Senzala não é um estudo sociológico ou antropológico. Baseado em fontes históricas e suas reflexões, Gilberto Freyre se apresentou como um "escritor treinado em ciências sociais" e não como sociólogo ou antropólogo, como refletiu em seu Como e porque sou e não sou sociólogo (1968) . Além disso, por influência de Franz Boas sabia da necessidade de pesquisas empíricas para validar um estudo como sendo sociológico ou antropológico.

Vida pública

Viajou para a Europa, visitando vários países, completando sua formação acadêmica. No período que ficou no exterior, escrevia artigos para o jornal Diário de Pernambuco, sobre livros e temas diversos. O hábito de escrever em jornais perdurou pela vida toda.

De volta ao Recife, se integrou a sociedade local, despertando grande interesse pelos problemas regionais. Organizou para o Diário de Pernambuco, o Livro do Nordeste, com a colaboração de diversas personalidades, com textos de história, literatura, artes e tradições regionais.

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Em 1926, no governo de Estácio Coimbra, foi nomeado secretário particular e encarregado do jornal oficioso A Província. Foi professor de Sociologia da Escola Normal. Pela primeira vez se ministrava regularmente essa disciplina numa escola no Brasil. Com a Revolução de 30, acompanhou o governador ao exílio, em Portugal e depois viajou pela Europa e Estados Unidos, ministrando aulas, como visitante, em diversas universidades.

De volta ao Recife, foi convidado pelo reitor da Universidade do Distrito Federal, o educador baiano Anísio Teixeira, para lecionar Sociologia. Tornou-se também técnico do serviço do Patrimônio Histórico Nacional.

Entre 1933 e 1937 escreveu três livros voltados para o problema da formação da sociedade patriarcal no Brasil: Casa-Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Nordeste. Nesse desenvolve teses geográficas, sendo considerado o pioneiro da ecologia.

Na década de 40, Gilberto entra em confronto com o Governador Agamenon Magalhães, chegando a ser preso pela polícia da ditadura. Nas eleições de 2 de dezembro de 1945, foi eleito à Assembleia Constituinte, participando da elaboração da Constituição de 1946. Nela atuou nos setores ligados à ordem social e à cultura, tendo depois reunido seus discursos no livro Quase Política.

Gilberto Freire permaneceu na Câmara e apresentou seu projeto para criação do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, órgão que deveria se dedicar ao estudo e à realização de pesquisas sobre as condições de vida do trabalhador rural do Nordeste. Esse Instituto foi depois transformado na "Fundação Joaquim Nabuco".

Em 1949, voltou ao Recife e de sua casa no bairro de Apipucos, hoje Fundação Gilberto Freire, continuou a pesquisar, escrever e participar de seminários. Realizou frequentes viagens a convite de diversas instituições. Sua viagem à Índia e à África Portuguesa, resultou no livro Aventura e Rotina.

Gilberto Freyre ganhou diversos prêmios e condecorações no Brasil e exterior. O Prêmio Anisfield-Wolf, USA, (1957), Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (conjunto de obras, em 1962), Prêmio Internacional La Madonnina, Itália (1969), "Sir – Cavaleiro Comandante do Império Britânico", distinção conferida pela Rainha da Inglaterra, (1971) Grã-cruz de D. Alfonso, El Sábio, Espanha, (1983).

Gilberto de Mello Freyre faleceu no Recife, Pernambuco, no dia 18 de julho de 1987.

Sobre a obra Livro do Nordeste, destacamos alguns elementos:

• Alertas sobre os possíveis impactos ambientais que a extensão da produção canavieira poderá gerar e sobre a precariedade do trabalho presente nos canaviais – que aproxima, muitas vezes, a rotina dos cortadores de cana da escravidão – fazem parte da polêmica em torno do etanol, recheada com essas e outras questões que não são novas no Brasil. Embora colocadas num novo contexto, a história do Brasil nos faz lembrar que a monocultura canavieira foi profundamente marcada (ao longo de, ao menos, quatro séculos) pelo escravismo e pela a destruição do meio ambiente. Esses e outros elementos (políticos, culturais, sociais) integram a chamada "civilização do açúcar", esmiuçada por Gilberto Freyre no livro Nordeste – aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do Brasil.

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História de Pernambuco – Cultura Pernambucana: Importância de Gilberto Freire e Ariano Suassuna – Prof. Thiago Scott

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• Publicado em 1937, a proposta do livro, segundo Freyre, é realizar um estudo ecológico sobre o Nordeste brasileiro. Não o "outro Nordeste" das secas, do semiárido, do sertão cujas atividades principais são a pecuária e a plantações de algodão. Mas o Nordeste que se estende do Recôncavo baiano ao Maranhão cujo o centro é Pernambuco e, particularmente, a cidade do Recife. Esse Nordeste cuja estrutura é baseada na escravidão, no latifúndio e na monocultura canavieira. E que, segundo Freyre, por algum tempo foi o "centro da civilização brasileira".

• A cana-de-açúcar é o principal personagem do livro. Através dela, e ao longo de seis capítulos, Freyre analisa a relação entre o homem e a natureza, sempre mediada pela cultura: as relações entre senhores de engenho e seus escravos são sempre descritas através de suas relações com as matas, os rios e os animais; a partir dos valores que estão sendo construídos com a extensão dos canaviais e, nesse sentido, com a constituição de uma civilização do açúcar. As relações entre o homem e a natureza, estabelecidas através da monocultura da cana, não podem, assim, ser dissociadas das relações dos homens entre si. Esse seria o aspecto inovador de Nordeste e, ao mesmo tempo, o que lhe distingue de Casa-Grande & Senzala (1933) e Sobrados e Mocambos (1936), obras nas quais está mais explícito o projeto freyreano em se debruçar sobre a formação da família patriarcal e seu impacto na sociedade brasileira. Contudo, a reconstrução de costumes e hábitos das famílias de engenho também está presente em Nordeste: a arquitetura triangular da "casa-grande, engenho e capela", as tradições culinárias, as práticas sexuais, os provérbios e folguedos populares etc.

• O livro é resultado de uma pesquisa de caráter tanto historiográfico (cartas e arquivos pessoais de senhores de engenho, anúncios e artigos de jornais do século XIX, documentos da Coroa portuguesa) como de uma espécie de "trabalho de campo" realizado por Freyre na companhia de Pedro Paranhos – a quem o livro é dedicado – amigo pessoal e herdeiro do engenho de Japaranduba.

• A partir de uma dessas incursões, Freyre descreve como a destruição das matas em nome do "exclusivismo brutal" da cana fez com que senhores de engenhos, como Paranhos, se tornassem ignorantes de suas terras. "Ele sabia quase tão mal quanto nós, menino de cidade, os nomes das árvores da mata grande do seu engenho. Entretanto eram suas conhecidas velhas desde o tempo de menino. Mas simples conhecidas de vista. Foi preciso que o caboclo nos fosse dizendo: isto é um pé disso; isto é um pé daquilo; isto dá um leite que serve para ferida brava; isto dá um chá que serve para as febres". Dessa ignorância é que se fez a destruição da Mata Atlântica, através da coivara (queimada da vegetação rasteira) e do machado, já que a lenha era o combustível das fornalhas dos engenhos – somente no século XIX, o bagaço da cana substituiu a madeira. Mas surgiu, então, o trem a vapor...

• Freyre também descreve os usos e costumes em torno da água, desde a utilização dos rios como instrumento de transporte – diante das dificuldades e da lentidão que os carros de boi e os cavalos tinham para se locomover no solo de massapê, úmido e pegajoso – até sua importância para o lazer: os banhos de rio, as festas na várzea, sem contar a própria importância da pesca. Hábitos que serão comprometidos com o lançamento, pelas usinas, das caldas das destilarias e outros detritos poluidores dos rios. "A monocultura da cana no Nordeste acabou separando o homem da própria água dos rios; separando-o dos próprios animais – "bichos do mato" desprezíveis ou então considerados no seu aspecto único de inimigos da cana, que era preciso conversar à distância do engenhos (como os próprios

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bois que não fossem os de carro). E não falemos aqui da distância social imensa que a monocultura aprofundou, como nenhuma outra força, entre dois grupos de homens – os que trabalham no fabrico do açúcar e os que vivem mal ou voluptuosamente dele"

• O contraponto é entre a aristocracia do açúcar, que se iniciara com a colonização portuguesa, no século XVI, com a formação das famílias de engenho tradicionais, e as usinas da segunda metade do século XIX, que intensificaram a destruição do meio ambiente. E mudaram as relações com os trabalhadores. "Em geral, o trabalhador de eito não existe para o industrial ausente ou quase ausente como um conterrâneo cujo bem-estar o interesse; nem o fornecedor de cana como um consórcio cuja situação o afete. Ao contrário: tem-se visto o preço do açúcar se elevar, com vantagem para o usineiro, e ao mesmo tempo as usinas baixarem os preços de sua tabela de compra de cana".

• Operando com esses contrastes, o Nordeste seria assim a expressão desse "equilíbrio de antagonismos" (expressão utilizada por ele em Casa-Grande & Senzala) inscrito nos "ho-mens do povo" mas também nos "grandes senhores da política, da diplomacia e da admi-nistração do império" como Joaquim Nabuco, que combinou abolicionismo e orgulho de sua origem aristocrática. Por isso, segundo Freyre, o Nordeste é o "centro da civilização brasileira": "A Antiga civilização do açúcar no Nordeste, de uma patologia social tão nume-rosa, dá-nos essa mesma impressão, em confronto com as demais civilizações brasileiras – a pastoril, a das minas, a da fronteira, a do café. Civilizações mais saudáveis, mais demo-cráticas, mais equilibradas quanto à distribuição da riqueza e dos bens. Mas nenhuma mais criadora do que ela, de valores políticos, estéticos, intelectuais".

Ariano Vilar Suassuna (1927 – 2014) foi um dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta brasileiro e formado em Direito. Idealizador do Movimento Armorial e autor das obras Auto da Compadecida e O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, foi um preeminente defensor da cultura do Nordeste do Brasil. Foi secretario de Cultura de Pernambuco (1994-1998) e secretário de Assessoria do governador Eduardo Campos até abril de 2014.

Destacaremos a relevância do Movimento Amorial para a arte do nordeste brasileiro.

Movimento Armorial foi uma iniciativa artística cujo objetivo seria criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste Brasileiro. Um dos fundadores e diretores foi o escritor Ariano Suassuna. Tal movimento procura orientar para esse fim todas as formas de expressões artísticas: música, dança, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, arquitetura, entre outras expressões.

A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos "folhetos" do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus "cantares", e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados." Ariano Suassuna, Jornal da Semana, Recife, 20 maio 1975.

O Movimento Armorial surgiu sob a inspiração e direção de Ariano Suassuna, com a colabora-ção de um grupo de artistas e escritores da região Nordeste do Brasil e o apoio do Departamen-to de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco.

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História de Pernambuco – Cultura Pernambucana: Importância de Gilberto Freire e Ariano Suassuna – Prof. Thiago Scott

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Teve início no âmbito universitário, mas ganhou apoio oficial da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Foi lançado oficialmente, no Recife, no dia 18 de outubro de 1970, com a realização de um concerto e uma exposição de artes plásticas realizados no Pátio de São Pedro, no centro da cidade. Seu objetivo foi o de valorizar a cultura popular do Nordeste brasileiro, pretendendo realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura do País.

Segundo Suassuna, sendo "armorial" o conjunto de insígnias, brasões, estandartes e bandeiras de um povo, a heráldica é uma arte muito mais popular do que qualquer coisa. Desse modo, o nome adotado significou o desejo de ligação com essas heráldicas raízes culturais brasileiras.

O Movimento tem interesse pela pintura, música, literatura, cerâmica, dança, escultura, tapeçaria, arquitetura, teatro, gravura e cinema.

Uma grande importância é dada aos folhetos do romanceiro popular nordestino, a chamada literatura de cordel, por achar que neles se encontram a fonte de uma arte e uma literatura que expressa as aspirações e o espírito do povo brasileiro, além de reunir três formas de arte: as narrativas de sua poesia, a xilogravura, que ilustra suas capas e a música, através do canto dos seus versos, acompanhada por viola ou rabeca.

São também importantes para o Movimento Armorial, os espetáculos populares do Nordeste, encenados ao ar livre, com personagens míticas, cantos, roupagens principescas feitas a partir de farrapos, músicas, animais misteriosos como o boi e o cavalo-marinho do bumba-meu-boi.

O mamulengo ou teatro de bonecos nordestino também é uma fonte de inspiração para o Movimento, que procura além da dramaturgia, um modo brasileiro de encenação e representação.

Congrega nomes importantes da cultura pernambucana. Além do próprio Ariano Suassuna, Francisco Brennand, Raimundo Carrero, Gilvan Samico, entre outros, além de grupos como o Balé Armorial do Nordeste, a Orquestra Armorial de Câmara, a Orquestra Romançal e o Quinteto Armorial.

Ao tentarmos situar o movimento armorial dentro da tradição intelectual brasileira, identificamos não apenas afinidades com o Modernismo de Mário de Andrade, mas também com o regionalismo de Gilberto Freyre. Guardadas as devidas especifidades históricas, há vários elementos comuns entre a estética marioandradeana – que dá suporte à construção de uma concepção de identidade nacional – e o ideário armorial, que propõe uma recriação erudita da cultura popular com o mesmo propósito.

Vale ressaltar que observamos em Andrade, no entanto, um paradoxo, na medida em que esse autor combina, num mesmo olhar, o deslumbramento e a postura crítica bem característica deste modernismo diante daquelas manifestações populares.

Macunaíma é uma das mais bem acabadas expressões desse paradoxo.

Segundo Wisnik (1982: 144), “recebendo injeções maciças de folclore (a expressão é de Florestan Fernandes), a música nacionalista aproximaria intelectual e povo, separados por um abismo ‘cultural’ (formulável, noutros termos, como alteridade de classe), e funcionaria ao modo de uma panacéia pedagógica para sanar (a nível doutrinário) aquela ‘falta de caráter’ que o Macunaíma registra na sua economia simbólica como impasse”

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Já em Suassuna não há paradoxos, mas uma sacralização do popular “puro”, cuja expressão maior em sua obra é Auto da Compadecida. Em Suassuna são notáveis, além disso, as refe-rências a Gilberto Freyre como principal mentor de uma tradição de pensamento que, a partir dos anos vinte, traz uma nova acepção de valor às culturas populares nordestinas, situando-as numa posição estratégica diante da tarefa então posta, que era a construção de uma identida-de nacional. Em meio a estas confluências está incrustada a fala de Ariano Suassuna.